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OS BEBES E SUAS MAES D. W. Winnicott Martins Fontes Sao Pavia 2002 Prefticio dos organizadores A me dedicada comum Saber e aprender O recém-nascido ¢ sua mae As origens do individua ... tre o bebe ea mae e entre a mae © © bebe: convergéncias e divergéncias Fontes dos capitulos .. 7 Nota bibliognifica: as obras de D. W. vil XI B 19 2» B 31 61 B 9 93 7 INTRODUCAO Peer Tizard Presidente da British Paediauie rante a maior parte de sua vida profissional. E um privilégio imen- so, embora assustador, ter sido convidado pelos organizadores deste livro a escrever uma introducdo, pois o Dr. Winnicott foi, entre 0s meus antecessores, o pediatra que mais admirei e com quem mais aprendi. A partir de seus muitos artigos in: dos em revistas especislizadas, portanto inacessiveis a0 lcitor co- mum, 08 organizadores selecionaram ¢ ordenaram nove capitulos de modo a oferecer um balanco coerente do inicio da vida de bebés normais e de suas maes — ou maes substitutas —, emo- cionalmente insepardveis. Com excegdo do, capitulo 7, que é um programa de radio, 08 artigos aue compdem este livro ndo sao enderecados &s macs. No capitulo 8, 0 Dr. Winnicott afirma que a mae niio pode apren- der nos livros, com as enfermeiras ou com os médicos, a fazer © que the cabe fazer. Realmente, estas fontes de consethos po- dem ser mais maléficas do que benéficas. Para o “espe em cuidados & crianga, ensinar as maes a grande importancia do jue elas fazem pelos seus bebeés signi e “‘a partir dai passam a fazer tudo pior do que faziam’. O livro destina-se aos assim chamados conselheiros (0 médico, a parteira ou a enfermeira) e a mensagem do Dr. Winnicott a es- sas pessoas & de que fortalecam a confianga da mie em si mes- ma e em sua capacidade de perceber 0 seu bebé no decorrer do processo complexo, mas natural, que parte da total dependén- cia ¢ identificagio para com a mae, ¢ conduz a um estagio que encontra sua melhor definigao nas palavras de Ter So rounds he to a separate mind From whence clear memory may begi ‘As through the frame that binds His isolation grows defined.* As hipéteses de Winnicott sobre 0 desenvolvimento emo- cional inicial do bebé ¢ sua facilitago pela mde certamente in- fluenciaram a pratica pedidtrica pelo menos nas tiltimas trés décadas, e continuarao a influencid-la. Da mesma forma, suas concepedes ja tiveram um efeito benéfico, nem sempre conscien- temente reconhecido, sobre outros profissionais dedicados aos cuidados de recém-nascidos de bebés, como é 0 caso de obste- tras ¢ parteiras, visitadores sanitarios e assistentes sociais, inclu- sive 08 especializados em adogao. Este livro deveria consolidar sua influéncia sobre todos esses grupos profissionais, para os quais © conhecimento do desenvolvimento humano ¢ essencial a uma pratica adequada. Talvez a ligdo mais importante a ser aprendi- dda pelo “especialista’” seja nao interferir desnecessariamente ¢ aprender com a mae, ao invés de tentar ensiné-ta. 0 Dr. Winnicoit foi um bom eseritor, as vezes muito bom, outras vezes nem tanto, mas foi muito melhor como professor e brithante como conferencista. Para expressar suas idéias de mo- do claro e vivido, precisava da proximidade de uma platéia; além disso, tinha a capacidade de mudar de estilo e de contaido em funcao do nivel de comipreenso e do humor da platéia, fosse ela constituida de uma pessoa ou de centenas delas. E pena que ele ndo tenha tido um bidgrafo amigo que anotasse minuciosa- mente suas palestras; alias, & pena que ele ndo tenha tido uma diizia deles! © fato de sete dos nove capitulos serern transcrigdes de conferéncias ¢ um ser um programa de radio € um aspect mauito positivo deste livro, que torna sua leitura agradavel e mais Facil do que a de alguns de seus artigos escritos. ite: Assim ele hea & independléncia de epi ce esiaredida/E bore Onde pode Seu isolamento st define. (NT) Na conferéncia ‘A comunicacio entre o beb@ e a mae e en- wea mae € 0 bebé” (capitulo 9), 0 autor diz: “Poderiamos exa- minar tanto o patolégico quanto 0 normal, mas, como este presta-se mais facilmente a observacdo, é a alterniativa que vou escolher.”" E possivel que Winnicott realmente achasse mais sim- ples caracterizar a comunicagao satisfatoria do que a comunica- Gao insatisfatéria entre o bebé e a mde, embora nao seja verdade, enquanto generalizacdo, que é mais facil descrever a “‘norm: dade"” do que a “‘anormalidade”’ (o mesmo vale para o bindmio felicidade-infelicidade). Winnicott sabia muito bem disso ¢ 0 tor- nou parte de seus ensinamentos. No entanto, o fato de estar prin- cipalmente voltado ndo para a doenga mental, mas para 0 coneeito mais dificil de saude mental, '*nao para a rigidez, mas para a flexibilidade na organizagao das defesas"", como ele mes- mo afirma, 6 outro aspecto positivo deste livro, ¢ particularmente do capitulo acima mencionado, A validade da psicdndlise, ndo s6 enquanto recurso de apren- dizagem mas também como terapia, continua sendo objeto de controvérsia, mas 0 fato de que o extraordindrio conhecimento de Winnicott sobre o desenvolvimento humano inicial tenba or gem no sé na observacdo direta de bebés e de suas maes (pt jpalmente em seu ambulatorio de pediatria), mas também na é suficiente para me fazer ver com bons cle faz do seu saber. Algumas partes do livro contém uma argumentacao intrin- cada, mas a concentragdo necesséria & compreensao do que Win- jcott quer dizer ceveria estimutar a leitar a pensar por si mesma ea chegar as 5 encanto, & nha passagem Vigtlia do beb@ inicialmente esté voltada para a alime ma, bebé esta acumulando material para o sonho. Que bela frase! E ainda assim Donald Winnicott era um na arte de provocar riso apelando para uma espécie de negro”. E ic nesta conferéncia, apds uma pausa | cuidadosamente dosada, ele nao tenhe feito o seguinte aparte: contanto que 5 BEBES F SUAS MAES Apesar da adverténcia do Dr. Winnicott, este livro poderia muito bem ser Lido pelas maes, com proveito e prazer, embora somente depois que tivessem criado seus filhos, ‘“‘maternizando- os bem’, como a maioria das maes o faz. Quanto aos demais "u ditia que é contraproducente recomendar ivro, por maior que seja seu valor, ou imo que posso desejar € es perar é que Os Bebés e suas Mies, de Donald Winnicott, chegue rapidamente até professores alunos das varias profissées que tém, entre suas incumbéncias, 0 desempeaho de um papel con- sultivo na criagdo de ctiangas pequenas. Sue leitura atenta au- mentard a consei npreensao a respeito do desenvolvimento inicial do ser humano e do possivel impacto — benéfico ou prejudicial — da atuacdo profission Peter Tizard Janeiro de 1986 PREFACIO DOS ORGANIZADORES Nos anos que se seguiram 4 morte de Donald Winnicott, em 1971, decidiu-se que 05 seus artigos inéditos, juntamente com os que 36 haviam aparecido em revistas e antologias, seriam pul dos em coletdneas. Os textos reunidos neste livro tratam especificamente dos processos psicolégicos que ocorrem com o bebé por ocasido de seu nascimento e logo apés o mesmo, quando “‘na mente rudi- mentar do bebé ainda nao foi estabelecida uma distincao entre ele e a mae”, ¢ examinam as implicagdes que dai decorrem para aqueles que cuidam dos recém-nascidos € suas maes Esperamos que, em especial, os profissionais da area pos- sam ver neste livro uma fonte valiosa de informagdes e prazer, ‘e que ele alcance uma nova geracdo de leitores que possam utili- zar a capacidade que Winnicott tem de ver o eterno naquilo que € efémero. Ray Sheperd Madeleine Davis Londres, 1986 1. A MAE DEDICADA COMUM Como dizer algo de novo sobre um assunto jé por tantas vezes abordado? Meu nome ficou muito ligado a estas palavras, ¢ tal- vez eu deva, inicialmente, dar algumas explicagdes No verdo de 1949, eu e Isa Benzie, produtora da B.B.C., caminhavamos em busca de um lugar onde pudéssemos beber algo; Isa, que atualmente esté aposentada, é uma pessoa cujo nome me agrada recordar, e enquanto andavamos ela colocou 8 minha disposicAo a possibilidade de fazer uma série de nove palestras, sobre quaisquer temas que eu escothesse. Ela estava, naturalmente, em busca de um bom titulo, mas eu nao sabi disso. a 0 menor interesse em tentar dizer &s pes- soas 0 que elas deveriam fazer. Para comecar, eu também nao sabia, No entanto, eu gostaria de me dirigir a5 maes e falar-thes sobre a coisa que elas fazem bem, e que assim o fazem simples- ¢ porque toda mac dedica-se a tarcfa que tem pela frente, é, cuidar de um bebé, ou talvez de gémeos. Eu disse que nor- malmente ¢ isso que acontece, ¢ que constitui uma exce¢&o 0 fato de um bebé ser cuidado, desde o inicio, por um especialis- = Antes que ca ros, Isa Benzie percebeu a dica, e disse: “Fantastico! A mae dedicada comum."’ E assim oi Como voces podem imaginar, esta frase deu origem a co- mentarios sarcasticos, ¢ ha muitas pessoas que acham que sou Om. 2 SEES" 8 BEBES E SUAS MAES sentimental quanto & maes, que as idealizo ¢ deixo de lado os pais, e que sou incapaz de pesceber que algumas macs sio horri- veis, quando nao de todo invidveis. Tenho de conviver com es- inconvenientes, pois no me envergonho daquilo icito naquelas palavras. Ha outro tipo de critica, proveniente daqueles que jé me ou- viram afirmar que 0 fracasso das maes a nivel da mae dedicada comum é um dos fatores na etiologia do autismo. As pessoas sentem que € uma acusacdo, quando na verdade s6 se esta avan- cando com légica e fazendo referéncia aos efeitos do fracasso da mae dedicada comum. Mas ndo ser natural que, se esta coi- sa chamada dedicacao for realmente importante, a sua auséncia ‘ou uma fatha nesta rea tenham conseqiiéncias desfavordveis? Voltarei ao tema quando discutir 0 que se entende pela palavra culp Vejo que nao posso deisar de dizer 0 dbvio. Faco uma ob- servagdo banal quando digo que com a palavra dedicada quero simplesmente dizer dedicada. Suponhamos que vocés estejam en- catregados de providenciar es flores para o altar de sua igreja, no final de cada semana. Caso assurnam a responsabilidade, nao se esquecerao de cumpri-la, As sextas-feiras vocés certamente es- tardo tomiando todas as providéncias para que as flores la este- jam para serem arrumadas; se vocés ficarem gripados, comegardo a telefonar ou mandarao um recado para alguém através do lei- teiro, mesmo que nao léia de o trabalho ser feito por outras pessoas. Quando a congregacao se reunir no domin- 20, jamais ird se deparar com um altar vazio ou com flores mortas em vasos sujos enfeiando o altar, em vez de enfeité-lo, Ao mes- mo tempo, porém, nao se pode afirmar, espero, que vocés vao ficar perturbados ou preoccpados de segunda a quinta. O as- sunto esta simplesmente adormecido no fundo de suas mentes, €.a0 tornar-se ativo, na sexta-feira ou talvez no sébado, faz com que vocés também se lembrem da responsabilidade assumida. Da mesma forma, as mulheres nao ficam 0 tempo todo agi- tadas, pensando que deveriam estar tomando conta de unt be- bé, Jogam ténis, 18m um trabalho que as absorve inteiramente, e fazem, com bastante naturalidade, todo tipo de coisas mascu- lings, como por exemplo serem irresponsaveis, darem tudo co- MAE BEDICADA COMUM mo certo e sem necessidade de questionamentos, ou participarem de corridas de carros, Em relagaio ao caso das flores para o al- tar, isso equivale ao perfodo de segunda a sexta. Entdo, um dia, descobrem que se tornaram anfitrias de um novo ser humano que decidiu alojar-se nelas e, da mesma forma gue Robert Morley na obra The Man who Came to Dinner, fa- zer um ntimero sempre maior de exigéncias até algum dia, num futuro muito distante, quando novamente haverd paz. trangiii- lidade, e elas, estas mulheres, poderdo voltar a exercer uma for- ma mais direta de auto-expressio, Durante este periodo prolongado de sexta-sébado-domingo, estiveram atravessando uma fase de auto-cxpressao através da identificagdo com algo que, se a sorte ajudar, se transformara em um bebé que ird tornar auténomo, mordendo a mao que 0 ‘Acontece que existe este periodo muito titil de nove meses, 0 longo do qual ha tempo suficiente para que ocorra uma trans- formacdo importante na mulher, que pode entdo passar de um Lipo de egoismo para outro. © mesmo se observa.com relagao aos pais, e assim também é com as pessoas que decidem adotar um bebé, que se véem as voltas com a idéia da adocio, ficam excitadas ¢ atingem um ponto em que é preciso que o bebé se materialize — infelizmente, para quem o adota, ha nesta altura ‘um desapontamento, pois, quando o bebé ¢ encontrado, nao tem mais a certeza de que o queria. Quero enfatizar a importncia deste periodo de preparacao Quando eu estudava medicina, tive um amigo poeta. Como mu tos de nds, era uma das pessoas que dividiam alguns aposentos, muito bons na parte mais pobre de North Kensington. Vou con- lar, a seguir, como conseguimos os tais alojamentos. Meu amigo, 0 poeta, que era muito alto ¢ preguigoso, e es- tava sempre fumando, caminhava por uma ladeira quando viu uma casa que Ihe pareceu muito agradavel. Tocou a campainha. Uma mulher veio até a porta, ¢ ele gostau da expresso de seu tosto. Entdo, disse: “Gostaria de alugar u a mulher respondeu que tinha uma vaga, perguntando- do viria, Ble disse: “34 vim.” Assim, ele entrou e, quando a mu- Ther mostrou-lhe o quarto, disse: “Acontece que estou doente, € jamente para a cama. A que horas 0 cha serd 4 7 08 BEBES & SUAS MAES servido2’” Meu amigo foi para a cama, de ende nio saiu por seis meses. Em poucos dias, todos nés estavamos muito bem instala- dos, mas o poeta continuou sendo o favorito da proprietéria, A natureza, no entanto, decretou que os bebés nio possam escolher suas maes. Eles simplesmente aparecem, ¢ as maes t&m © tempo necessdrio para se reorientar e para descobrir que, du- rante alguns meses, seu oriente no estard localizado a leste, mas sim no centro (ou seré que um pouco fora do centro?). Sugiro, como vocés sabem, ¢ suponho que todos concor- dem, que comumente a mae entra numa fase, uma fase da qual ela comumente se recupera nas semanas ¢ meses que se segtiem a0 nascimento do bebé, ¢ na qual, em grande parte, ela é 0 be- bé, € o bebé ¢ ela. E ndo ha nada de mistico nisso. Afinal de contas, cla rambém ja foi um bebé, e traz.com ela as lembrangas de té-10 sido: tem, igualmente, recordagdes de que alguém cui- dou dela, estas lembrangas tanto podem ajuda-la quanto atrapalhé-la em sua propria experigneia como mae. Penso que quando o bebe ja esta pronto para nascer, a mae, se adequadamente assistida por seu companheiro, pela Previden. cia Social ou por ambos, esté preparada para uma experi nna qual ela sabe, muitissimo bem, quais sio as necessidades do bebé. Vocés naturalmente entenderdo que nio estou apenas me referindo ao fato de ela ser capaz de saber se 0 bebé est ou nao com fome, e todo este tipo de coisas; refiro-me as intimeras coi- a8 sutis, coisas que somente men amigo poeta seria capaz de expressar adequadamente em palavras. De ninha parte, dou-me por satisfeito en: usar 0 verbo segurar, ar © seu significa. do para que possa abranger tudo aquilo que, nesta ocasio, uma mie é ¢ faz. Creio que se trata de um periodo critico, mas mal me atrevo a dizer tal coisa, pois seria uma pena fazer com que uma muther se sentisse constrangida exatamente neste ponto em que cla age naturaimente. E neste ponto que cla nao pode aprender nada nos livros. Ela nem mesmo pode recorrer a0 Dr. Spock*, neste momento em que sente se 0 bebé precisa ser to- | | SEDICADA COMUM mado nos bragos ou colocado sobre uma superficie qualquer, sé deixado a 563 ou mudado de posig&io, ou em que sabe que © essencial constitui a mais simples de todas as experiéncias, 2 que se baseia no contato sem atividade ¢ que cria as condigdes necessérias para que se manifeste o sentimento de unidade entre duas pessoas, que de fato s4o duas, endo apenas uma. Estas coisas do ao bebé a oportunidade de ser, a partir da qual po dem surgir as coisas seguintes, que tém a ver com a ago, 0 fa- zer ¢ o deixar que facam por ele. Aqui estéo os fundamentos daquilo que, gradualmente, se torna para o bebé uma existéncia fundamentada na autopercepedo. Tudo isso é muito sutil, mas, ao longo de muitas repeticdes, ajuda a assentar os fundamentos da capacidade que o bebé tem de sentir-se real. Com esta capacidade, o bebé pode enfrentar © mundo ou (eu ditia) pode continuar a desenvolver os proces- sos de maturacio que ele ou ela herdaram, Quando existe estas condigdes, como em geral acontece, © bebé pode desenvolver a capacidade de ter sentimentos que, de alguma forma, correspondem aos sentimentos da mae que 5¢ identifica com 0 seu bebé; ou, talvez eu devesse dizer, da mae gue esta profundamente envolvida com seu bebé e com os cui- dados que Ihe dedica. Aos trés ou quatro meses de idade, 0 bebé pode ser capaz de mostrar que'sabe o que caracteriza uma mie, mia mae em estado de dedicagio a algo que, na verdade, uuinda muito precoce necessita de muito tempo para estabelecer- se como um mecanismo mais ou menos estavel nos processos men- tais da crianea. Como é de esperar, aquilo que esteve presente pode na verdad perder-se, Mas, aqui, estou mais interessado no fato de que o mais complexo s6 pode manifestar-se a partir do mais simples, ¢ em termos de saide a complexidade da men- te € da personalidade desenvolve-se gradualmente e através de um crescimento constante, que vai sempre do simples para 0 complexo, Com o tempo, o bebé comeca a precisar da mie para ser maisucedido em sua adaptacao — e esta falha também & um pro- cesso gradual que nao pode ser aprendido nos livros. Para uma crianga, seria mu ‘0 aborrecido continuer vivenciando uma si- uacdo de onipoténcia quando ela jt dispoe dos mecanismos que permitem conviver com as frustragdes ¢ as dificuldades de seu meio ambiente. Viver um sentiment de raiva, que nao se transforma em desespero, pode trazer muita satisfacdo, Qualquer dos pais aqui presentes saberd o que quero dizer quando afirmo gue, por mais que voces tenham submetido o seu bebé as mais terriveis frustracdes, jamais deixaram de apo’ — isto é, 0 apoio dado pelo seu ego a0 ego do bebé foi digno de confianga. Nunca aconteceu de o bebé acordar gritando e nao hraver ninguém por perio que © ouvisse. Em outros termas, vo- e@s constataram que nunca tentai dades pata com 0 bebé através de mentiras. Mas, naturalmente, tudo isso implica nao apenas que a mae tenha sido capaz de det a preocupacao com 05 cuidados para com o seu bebé, mas, também, que ela teve sorte. Nao preciso comegar a enumerar as coisas que po- dem acontecer até mesmo nas familias mais ajustadas, No en- tanto, darei trés exemplos para ilustrar trés tipos de situagdes problematicas. O primeiro detes é uma simples probabilidade — -a doente € morre, € tem que abandonar o seu bebé da maneira que mais odeia. Pode ser também que ela entre em uma nova gravidez antes dc tempo que ela anteriormente consi- derara adequado. Até certo ponto, ela poderia ser responsivel por esta complicagao, mas estas coisas nao so t4o simples as- sim. Uma mée poderia, também, enirar em depressao e sentir que esta privando seu filho daquilo que ele necesita. sem que tenha forgas suficientes para modificar o seu estado de espirito, que pode perfeitamente ser uma reagio a algo que afetou a sua vida privada, Neste caso, ela estara causando as dificuldades, mas ninguém a culpard por isso Em outras palavras, hé um grande nimero de razOes pelas quais algumas criancas s4o atingidas antes que sejam capazes de evitar que sua personalidade seja ferida ou lesada por algum acon- tecimento. - Devo, agora, retomar a idéia de culpa. E necessario que sai- bamos olhar para 0 crescimento e desenvolvimento humanos, com todas as suas complexidades que so pessoais ou intrinsecas & 4 MAE DEDICADA CO! erianca, e sejamos capazes de dizer: houve, aqui, uma falha do fator “mae dedicada comum’”, e fazé-lo sem culpar quem quer que seja. De minha parte, ndo tenho qualquer interesse em dis- tribuir a culpa. Maes ¢ pais culpam-se, mas esta é uma outra ques- to, e de fato eles costumam culpar-se por quase tudo, como, por exemplo, por terem uma crianga mongoldide, pelo que ne- nhum deles certamente pode ser considerado responsév No entanto, precisamos levar em con logia e ser ca- pazes, se necessirio, de dizer que aleumas das falhas de desen- jolvimento com as quais nos deparamos decorrem de uma falha do fator “mae dedicada comum'* em determinado momento ou a0 longo de uma fase. Isto nada tem a ver com responsabilidade moral; trata-se, na verdade, de um outro assunto. De qualquer forma, “‘até que ponto terei sido boa enquanto mae?”, Tenho, entretanto, um motivo especial pelo qual sinto que devernos ser capazes de fazer uma divisio eq Lancia da etiologia (¢ nao da culpa), ¢ este motivo diz respeito a0 fato de que nao podemos reconhecer o valor positivo do fa- tor “mae dedicada comum’’ de nenhuma outra forma — a ne- cessidade vital que tem cada bebé de que alguém Facilite os estdgios iniciais dos processos de desenvolvimento psicolégico, ou desen- volvimento psicossomatico, ou, como talvez eu deva dizer, do desenvolvimento da personalidade mais imatura ¢ absolutamen- te dependente, que é a personalidade humana. Em outras palavras, nao acredito na histéria de Romulo € Remo, por maior que seja o meu respeito pelas lobas. Alguém humano encontrou e cuidou dos fundadores de Roma, se de fa- to pretendemos atribuir alguma verdade a este mito. Nao vou além a ponto de afirmar que nés, como homens ¢ mulheres, de- vemos aleuma coisa a cada uma das respectivas mulheres que fizeram isso por nés. Nao Ihes devemos nada. No entanto, para nds mesmos, devemos um reconhecimento intelectual do fato de que, no inicio, éramos absolutamente dependentes psicologica~ mente, e, por absoluramente, quero dizer absolutamente. Fel mente, recebemos de nossas mies a atencao que comumente elas dao aos bebis. Sera possivel dizer algo sobre as razdes pelas quais é neces- sério que uma mie seja capaz de adaptar-se de forma tio visce- ral as necessidades iniciais de seu filho!! E facil dizer muitas coisas sobre as necessidades mais Sbvias, embora mais comple- xas, das criancas mais velhas e das criangas que esto passando pelo processo de nao mais relacionarem-se apenas com a mie, ‘mas Vendo-se, também, as voltas com relacionamentos triangu. lares. E facil perceber que as criancas necessitam de um meio ambiente firme, onde possam resolver seus conflitos de amor € dio ¢ suas duas tendéncias principais, isto & uma que os leva 4 se voltarem para o genitor do mesmo sexo, ¢ a outra, que os Gireciona para 0 genitor do sexo oposto, e que podem ser con- sideradas como as tendéncias hetero e homossexual na relacao objetal No entanto, vocés vao querer que eu tente fazer uma afir- magdo sobre as necessidades que a crianga tem neste estégio muito Inicial onde hd, quase sempre, uma figura de mae que se encon- tra numa situagdo de nao ter muitas outras coisas ocupando seus pensamentos, durante uma fase em que a dependéncia do bedé € absoluta. Em alguma outra parte, escrevi muito sobre este as- sunto, ¢ talvez no me seja possivel fazer mais que uma sintese, para limitar-me a poucas palavras. Gostacia de dizer que, nestas Primeiras ¢ importantissimas semanas da vida do bebé, 0s esté- ios iniciais dos processos de amadurecimento tém sua primeira Oportunidade de se tornarem experigncias do bebé. Onde o am- biente de facititacio — que deve ser humano ¢ pessoal — pos. suir caracteristicas suficientemente boas, as tendéncias hereditarias dle erescimento que o bebé tem podem, entdo, alcancar seus pri- meiros resultados favordveis. Pode-se dar nomes a estas coisas. A principal detas pode ser abrangida pela palavra integragao, To. das as particulas e fragmentos de atividade e sensacdo que vio constituir aquilo que passamos a conhecer como este bebé espe. cifico comegam a congregar-se em determinados periodos, de tal forma que hé momentos de integracdo em que o bebe é uma uni- dade, embora, naturalmente, uma unidade muitissimo dependen- ido Dr. Winnion, 4AMME DeDICADA COMUM = te, Dizemos que o apoio do ego materno facilita a organizagao *do ego do beb&. Com o tempo, o beds torna-se capaz de afir- ‘mar sua propria individualidade, e até mesmo de experimentar uum sentimento de identidade pessoal. Tudo parece muito sim- ples quando vai bem, ¢ a base de tudo isso encontra-se nos pri- mérdios do relactonamento, quando a mie € 0 bebé esto em harmonia. Nao ht nada de mistico nisto. A mie tem um tipo de identificacdo extremamente sofisticada com o bebé, na qual ela se sente muito identificada com ele, embora, naturalmente, Permaneca adulta, O bebé, por outro lado, icentifica-se com a ae nos momentos calmos de contato, que € menos uma real zagao do bebé que um resultado do relacionamento que a mae possibilita, Do ponto de vista do bebé, nada existe além dele pré- prio, e portanto a mae é, inicialmente, parte dele. Em outras pa- layras, hd algo, aqui, que as pessoas chamam de identificaga primaria. Isto é 0 comeso de tudo, e confere significado a pala vras muito simples, come ser. Poderiamos usar o termo existir, em sua extragao francesa, ¢€ falar a respeito da existéncia, transformar isso numa filosofia € chamé-la de existencialismo, mas de qualquer forma prefer mos comegar pela palavra ser, e em seguida pela afirmacao eu sou. O importante € que eu sou nao significa nada, a nao ser que eu, inicialmente, seja juntamente com outro ser hurano que ainda no foi diferenciado. Por este motivo, é mais verdadeiro falar a respeito de ser do que usar as palavras ew sou, que per- fencem ao estagio seguinte. Nao exagero dizer que a condigao de ser ¢ 0 inicio de tudo, sein a qual 0 fazer e 0 deixar que Ihe Sacam nao tém significado. E possivel induzir um bebé a alimentar-se ¢ a desempenhar todos 0s processos corporais, mas ele nao sente estas coisas como uma experiéncia, a menos que esta Gltima se forme sobre uma proporcao de simplesmente ser, ue seja suficiente para constituir o eu que sera, finalmente, uma pessoa. © posto da integragdo é uma deficigncia de integragfo, ou uma desintegracio, a partir de um estado de integracao. Trata-se de algo intoleravel ansiedades mais inconcebiveis eb: icas da infancia, que ¢ evitada através dos cuidados do tipo que ‘comumente quase todos os bobés recebem de um ser humano adul- 10 VP" OS BEBES E SUAS MAES to, Vou enumerar rapidamente um ou dois outros processos bast cos de desenvolvimento semelkantes, Nao € possivel ter a certeza, de que a psique do beb? ird formar-se de modo satisfatorio junta- mente com 0 soma, isto €, com 0 corpo ¢ seu funcionamento. A existéncia psicossomatica é uma realizacao, e, embora sua base se- ja uma tendéncia Hereditaria de desenvolvimento, ela nao pode tornar-se umm fato sem a participagao ativa de um sce humano que sepure 6 bebe é cide Uéle. Um colapso neste area term a ver com todas as dificuldades que afetam a satide do corpo, que realmente se originam na indefinicdo da estrutura da personalidade. Vocés vverdo que o colapso destes prozessos de desenvolvimento muito ini- ciais nos leva, imediatamente, a0 tipo de sintomatologia que en- contramos em nossos hospitals psiquitricos, de tal forma que a prevengao dos disturbios comans nestes hospitals diz respe cialmente, aos cuidados com o bebé ¢ s coisas que ocorrem natu- ralmente as mes que querem tomar conta de um bebé ‘Uma outra coisa que eu poderia mencionar tem a ver com as origens das relagdes objetais. Com isto jé nos aproximamos de ‘uma concepeao sofisticada da psicologia. Vocés, no entanto, re- conhecerdio a forma pela qual os abjetos que 0 beb€ pode usar sim- bolicamente comecam a surgir, quando 0 relacionamento entre a mac ¢ 0 bebé € satisfatdrio; ndo apenas o polegar que ele pode chupar, mas também elguma coisa que ele pode agarrar € que, por fim, pode transformar-se em uma boneca ou em um bringuedo. sm que ser avaliado em termos de uma insufi- cigncia da capacidade de relagdes objetais. Note-se que, embora inicialmente estivéssernos falando sobre Javamos também a respeito de assuntos que so de importancia vital, assuntos que dizem respeito a0 assenta- mento das bases da satide meatal. Nos estagios posteriores, um lon- {go percurso é feito, mas tudo o que for feito neles s6 ter bons tiver sido satisfatério. as vezes acham alarmante pensar que 0 que clas esto fazendo ¢ tdo importante, € neste caso é methor ao Ihes dizer nada, pois acabam Fazando tudo pior. E impossivel aprender estas coisas, ¢ a ansiedade no um substituto desta espécie muito simples de amor, que é qua- se fisico, Poder-se-ia, entdo, perguntar: Por que se dar ao tra- balho de mostrar isto tudo? Entretanto, faco questéo de enfatizar A MAE DEDICADA COMUM que alguém deve preocupar-se com estas coisas, pois de outra forma esqueceremos a importancia dos primérdios do relacio- namento entre mae ¢ filho, ¢ interferiremos com excessiva faci- lidade, Isto é algo que jamais devemos fazer. Quando uma mae é capaz de ser mae com toda naturalidade, jamais devemos in- terferir. Bia sera incapaz de lutar por seus direitos, pois ndo (era uma compreensao dos fatos. Tudo o que saberd ¢ que foi fer da, A tinica diferenca é que o ferimento nao ¢ um osso quebra- do ou um corte em seu braco, mas sim a personalidade mutilada do bebé. E muito comum que uma mae passe anos de sua vide tentando curar este ferimento, que na verdade foi causado por nos quando, desnecessariamente, interferimos em algo que, de to simples, nao parecia ser importante, 2. SABER E APRENDER Uma mae jovem tem Ihe dizem, coisas titeis sobre a bre as vitaminas ¢ 0 uso da tabela de peso; ¢ entdo, as vezes, ela recebe informacdes sobre algo totalmente diferente, como por exem plo a sua reagio diante do fato de o bebé néo querer comer. Creio que para vocés! ¢ muito importante saber claram: bebé, esta tio dido quanto a costa leste da Inglaterra fica distante da costa oeste. Nao consigo imaginar uma forma bastante convincente de fazer tal colocacéo, Da mesma forma que o professor que descobriu quais aquele que voces adqi ‘A mde que amamenta o seu bebé simplesmente nao tem que se preocupar com gorduras ¢ proteinas enquanto esté totalmente fa com os estégios iniciais. Quando, por volta dos nove me- ses, ela comeca a desmamar, e 0 bebé ja nao the faz tantas exigen- vias, ela comeca’a ficar livre para estudar fatos € conselhos que Ihe so dads por médicos ¢ enfermeiros. Obviamente, existem mui- tas coisas que ela ndo poderia saber por intuigdo, ¢ ela quer ser formada sobre a inclusdo de sélidos ¢ a forma de utilizar os ti ‘pos de alimentos disponiveis para que o seu bebe possa desenvolv 1 Winn 4 mies. Ver p. 93. (N. Orgs.) W ‘ OSS os BEBES E suas MALES see manter-se saudavel, Para receber estas instrugdes, no entanto, cla deve esperar até que se enconire em um estado mental que The Podemos ver, facilmente, que anos ¢ anos de brilhantes pes- quisas foram gastos para que 0 médico se tornasse capaz de pres- crever as vitaminas adequadas, e podemos também olhar com la neste trabalho; podemos, da mesma forma, nos sentir agra- decidos quando, como resultado das pesquisas cientificas, muito sofrimento pode ser evitado, até mesmo através de um consetho a quanto acrescentar algumas gotas de dleo de figado uA dieta. Ao mesmo tempo o i com admirapao para o conhecime aprendizado. Na verdade eu diria que a riqueza essencial deste co- mhecimento intuitivo € 0 fato de ele ser natural e ndo conspurcado pelo aprendizado. A tarefa mais di tras € livros sobre a assist turbar aquilo que se dese quando se prepara uma série de pales- s bebés, é saber como evitar per- Quero que voces consigam se sentir confiantes em sua capa- cidade como maes, © que ndo pensem que, por ndo terem um co- hecimento profunde de vitaninas, no sabem, por exemplo, qual 2 melhor maneira de segurar seu bebé no colo. Como segurar seu bebé no colo; eis um born exemplo a ser considerado ¢ desenvolvido. A expressiio holding the baby (segurar o beb8)* tem um sen- fido preciso em inglés; alguém que o estava ajuclando a fazer algu- ma coisa desapareceu, € voce ficou “segurando 0 bebe”. Por ai podemos ver que todos sabern que as mées tém, naturalmente, um senso de responsabilidade, ¢ se estiverem com um bebé em seus bragos estarao envolvidas de algum modo especial. E claro que al- +0 autor referese 4 expressio to be left holding the baby, ito é. set deixado NT) SABER E APRENDER Is gumas mutheres so deixadas literalmente “segurando o bebe”, quando o pai nao consegue gostar da parte que lhe cabe ¢ nao é capaz de dividir com a mulher a enorme responsabilidade que um bebe deve sempre representar. Pode ser, também, que ndo haja um pai. Normalmente, po- rém, a mae se sente apoiada por seu marido, e assim pode ser uma mde adequada; age com naturalidade ao segurar o seu bebé, sem precisar estudar o assunto. Esta mde ficard surpresa se me ouvir dizer que segurar um bebé é um trabalho especializado. Quando as pessoas véem um bebé, adoram que as deixem fa- er exatamente iss0, ou seja, seguré-lo em seus brags. Voces no permitem que uma pessoa segure o seu bebé se sentirem que, para ela, no se trata de uma experiéncia importante. Os bebés sto real- mente muito sensiveis A maneira como so seguracios, 0 que os le- va a chorar com algumas pessoas e a ficar calmos ¢ satisfeitos quando no colo de outras, mesmo quando sfo ainda muito no nos. As vezes uma garotinha pede para segurar seu irmao ou ir- mA recém-nascido, ¢ este é um grande acontecimento, A mae que for sébia se lembrard de nao atribuir A crianga toda a responsabili- dade, e permanecerd por perto 0 tempo todo, caso a deixe segurar ‘0 bebé, pronta para irazé-lo de volta A seguranca de seu colo. Se ‘a mie agir com sabedoria, cla no ficaré tdo certa de que uma inma mais velha esteja segura com um bebé em seus bracos. Afirmé- Jo seria negar o sentido da experigneia como um todo, Conheso pessoas que conseguem se lembrar, durante toda a sua vida, do sentimento terrivel de segurar 0 irmaozinho ou irmézinha, € do pe- saciclo de nao se sentirem seguras. No pesadelo, 0 bebé é derruba- do. O medo, que pode se manifestar no pesadelo sob a forma do Ferimento do bebé, faz com que, na pratica, a irma maior o seet- Fe com forga excessiva, Tudo isso leva 2quilo que voces fazem de forma extremamente tural, devido a sua dedicarao a seus beb@s. Como no esto an- siosas, ndo apertam o bebé ao seguré-io, ¢ nao temem deixé-lo cair. Apenas adaptam pressio de seus bracos as necessidades do be- bé, movern-se lentamente e, talvez, emitem alguns sons. O beb& sente a sua respiracdo, ¢ do seu halito ¢ de sua pele irradia-se um calor que leva o bebé a sentir que é agradavel estar em seu colo. E claro que existem todos os tipos de mae, e ha algumas que 16 OS BEBES E suas ES no esto totalmente contentes com 0 jeito que seguram os seus bebés. Algumas sentem-se um pouco em divida, pois 0 bebé pa- rece mais feliz quando esta no bergo. Deve haver, numa mae as- sim, algum remanescente do medo que ela tinha quando, ainda uuma garotinha, a mae a deixava segurar um bebé recém-nascido 10 boa para este tipo de coisa, e tenhia medo de ester transmitindo ao seu bebé um pouco da inseguranca que existiu em seu passado. Uma mie ansiosa usa 0 berco ao maximo, ou mesmo entrega o bebe 40s cuidados de uma enfermeira criteriosamente escolhida entre as, que sabem lidar com o bebé de uma forma natural. No mundo hd lugar para todos os tipos de mae; algumas fardo bem um de coisa, outras terdo sucesso em 01 zer que algumas se saem mal numa determinada coisa e outras em outro tipo de coisa? Algumas seguram 0s seus filhos com ansiedade. CCreio que vale a pena examinar mais detaihadamente esta ques- , pois se voces lidam bem com o seu bebé; quero que saibam parte da maneira pela qual dardo um bom licerce & satide mental deste novo membro da comunidade. Timaginem a situacao. Aqui esté o bebé, bem no inicio de sua vida (a partir do que ia do que acontecerd, re- mais tarde). Vou descrever trés estagios da relagdo do bebé com 0 mundo (representado, na mie, pelos bragos ¢ pelo corpo que respira), deixando de lado a fome ¢ a raiva, e todos os grandes transtornos, Primeiro estégio: 0 bebé esta fechado em si mesmo, uma criatura viva que, no. enté }, $e encontra cercada pelo espago. O bebé ndo tem conhecimento de nada, exceto de si mesmo. Segundo estégio: 0 beb? mexe urr cotovelo, um joelho, ‘a-se um pouco. O espago foi transposto, o bebé surpreen- deu o meio ambiente. Terceiro estdgio: voc’, que esta segurando 0 bebé, tem um sobress » pois alguém acaba de tocar a campai- nha ou a agua da chalcira ferveu, e mais uma vez 0 espaco fot transposto. Desta vez, o meio ambiente surpreendeu o bebé. Prime © bebé fechado em si mesmo esta no espaco que € mantido entre a crianca € 0 mundo; no segundo, o bebé surpreende © mundo, ¢, Finalmente, o mundo o surpreende. [sto & t2o simples SABER E 4 ER gue, imagino, thes parecerd uma seqiiéncia natural, sendo, portanto, ura base sélida a partir da qual podemos estudar a maneira co- mo voce segura 0 seu beb@. Tado isso é muito dbvio, mas o problema é que, se voces souberem estas coisas, poderdo desperdigar f habilidade, uma vez que nao saberdo como explicar aos vizinhos € aos seus maridos o quanto € necessério que vocés tenham tarn- bém um espaco para si préprias, no qual possam iniciar 0s seus bebés com ida pi Permitam-me colocar a qi no espago torna-se pronto, com 0 passar do tempo, para executar © movimento que surpreende o mundo, ¢ 0 bebé que assim desco- briu o mundo se torna, no devido tempo, preparado para receber com alegria as surpresas que 0 mundo contém. bebé nao sabe que o espaco circundante é mantido por vo- és. Quantos cuidados vocés tomam para que 0 mundo nao entre em choque com 0 bebé antes que ele 0 descubra! Com trangiiili- dade, vocts acompanham com suas préprias vidas a vida nos be- bis, e esperam por seus gestos, pelos mesmos gestos que os leva ‘a descobritas Se voo8s se sentem com sono, ¢ principalmente se estiverem deprimidas, colocam o bebé em um bergo, pois sabem que o esta- do de sonoléncia em que se encontram nao é suficientemente para manter ativa a idéia que o bebé tem de um espaco ci O fato de eu ter me referido basicamente a bebés vos, bem como aos cuidados que voces Ihes dedicam ca que eu também nao esteja fazendo referéncia a criangas mais velhas, E claro que, quase sempre, a crianca de mais idade ja se encontra em um contexto muito mais complexo, podendo pres- cindir dos cuidados que se manifestam naturalmente em vocés quan- do estao segur bebé que nascew No entanto, é muito comum que uma crianca mi estagios ini nha chorando respeito da qual falei. Primciro, vacés a pegam no colo, calma po: 9 BENS F Stas and rém resolutamente; em seguida permite que se mova e as encon. tre & medida que as légrimas vio desaparecendo. No final vocés podem, oda naturalidade, colocé-la no chao. A crianga po- de estar triste, indisposta ou cansada; seja como for, num breve espago de tempo ela volta a ser um bebé, e vocds sabern que é pre- ciso dar tempo para que possa haver um retorno natural da sensa- co basica de seauranga as condigdes norm E claro que eu poderia ter escolhido muitos outras exemplos da forma como 0 conhecimento de vocés se manifesta, simples. mente porque so especialistas nesta questo especifica que € ci dar de suas proprias fo incentivé-las a conservar € izado, que nao pode ser ensi- iprender outras coi- 0s de esperialistas. Voots sé conseguirio aprender com seguranga as coisas que 0s meédicos e enfermeiras podem thes ensinar se forem capazes de conservar, em si mesmas, aquilo que Ihes é natural Poder-se-ia pensar que estive tentando ensinar-thes como de- vem segurar seus bebés, Isto, parece-me, dade. Estou tentando descrever os diversos aspectos das coisas que Yoots fazem naturalmente, para que possam reconhecer aquilo que fazem, e para que possam ter consciéncia desta capacidade natu- ral que possuem. isto é importante, pois pessoas insensatas tenta- 140, muitas vezes, ensinar-Ihes como fazer as coisas que voeés podem fazer muito melhor do que podem aprender a fazer. Se estiverem Certas disso, podem aumentar 0 valor que possuem enquanto mies, aprendendo coisas que podem ser e de nossa civilizacdo e cultura tem cer, desde que voeés cot tam de natural, 1950 3. A AMAMENTAGAO COMO FORMA DE ComunicacAo Cheguei a este tema como um pediatra que se tornou psicanalista, € como alguém que possui uma longa experiéncia no tipo de caso que se apresenta a pratica desenvolvida por um psiquiatra infanti Para realizar 0 meu trabalho, preciso de uma teoria do desenve vimento emocional e fisico da crianga no ambiente em que ela vi- ve, € uma teoria precisa abranger todo o espectro daquilo por que se possa esperar. Ao mesmo tempo, a teoria precisa ser flexivel, de tal forma que qualquer fato clinico possa, se necessdrio, modi- ficar a afirmagao tedrica, Nao estou especialmente interessado em fomentos ¢ incent vos da amamentacao, embora eu realmente espere que as diretri- ze8 gerais do que tenho afirmado ao longo dos anos sobre este assunto tenham tido exatamente este resultado, simplesmente por- que aqui esta algo natural, e & provavel que o que é natural tenha fundamentas muito po: Pretendo, inicialmente, afastar-me de uma atitude sentimen- al em relag&o & amamentacao ou a propaganda a favor da ama- mMentacao. A propaganda da amamentacdo tem sempre um outro: lado que, no final, acaba se revelando como uma reacao & propa- ganda, Nao ha a menor diivida de que, atualmente, um nimero enorme de pessoas se desenvolveu satisfatoriamente sem que te- nha passado pela experiéncia da amamentacdo. Isto significa que existem outras formas através das quais um bebé pode experimen- tar um contato fisico intimo com a mae, No entanto, eu sentiria muito se a amamentacdo estivesse ausente em um tinico caso, sim- 2» (0S BEBES & SUAS MTES plesmente porque acredito que @ mae ou o bebé, ou ambos, esta~ rao perdendo algo se ndo passarem por essa experiencia. Nao estamos apenas preocupados com a doenga ou com dis- ttirbios psiquidtricos; estamos preocupades com a rigueza da per sonalidade, com a forca do cardter e com a capacidade de ser feliz, bem como com a cay ide de revolucionar ¢ rebelar-se. E pro- vavel que a verdadeira forca tenha origem numa experiéncia do processo de desenvolvimento que siga uma trajetéria natural, e é © que desejamos para todas as pessoas. Na pritica, este tipo de forga logo se torna imperceptivel, devido forga compardvel que pode originar-se do medo, do ressentimento, da privagao e da con- tingéncia de nunca a ter tido. Se levarmos em conta 0s ensinamentos dos pediatras, & poss! vel perguntar se a amamentagao é melhor que outros tipos de al memtagao. Aleuns pediatras realmente aereditam que a alimentacéo artificial, quando bem feita, pode ser mais satisfat6ria em termos de anatomia ¢ fisiologia, que é 0 que os preocupa. Nao precisa- mos achar que 0 assunto foi esgotado assim que o pediatra aca- ou de falar, principalmente se ele parece esquecer-se de que um bbebé é mais do que sangue e ossos. Do meu ponto de vista, a sai de mental do individuo esta sendo construida desde 0 inicio pela mie, que oferece o que chamei de ambiente facilitador, isto &, u ambiente em que 05 processos evolutivos e as interagdes naturals do bebé com o meio podem desenvolverse de acordo com © pa- dro hereditario do individuo. A mae est assentando, sem que 0 saiba, as bases da s Isso, porém, nao é tudo. Do ponto de vista da satide mental, a mae (se agir de forma adequada) estaré também criando 0s fu damentos da forga de cardter e da riqueza de personalidade do dividuo. A partir de uma tal base positiva, o individuo tem, com © passar do tempo, uma oportunidade de langar-se no mundo de uma forma criativa, © de desfrutar e usar tudo aquilo que o mu do tem a the oferecer, inclusive o legado cultural. Infelizmente, uma grande verdade que, se uma crianga no comecar bem, entio poderd nfo desfrutar do legado cultural e a beleza do mundo niio passard de um colorido torturante, impossivel de desfrutar. Assim, Portanto, existem ‘os que tém’” e “os que no tém", ¢ isso nada tem a ver com financas; tem a ver com aqueles que comegaram "AMAMENTACAO COMO FORMA DE COMUNICAGAO 21 muito bem suas vidas, e com aqueles que ndo tiveram 2 mesma sorte, O tema da amamentacdo é, por certo, uma parte e pequena parcela desta vasta questo, parte do que pretendemos dizer quando afirmamos que uma pessoa comesa bem a sua vida quando os re- cursos ambientais de que pode dispor so suficientemente bons. No entanto, isso néo é tudo. Os psicanalistas responsdveis pela teoria do desenvolvimento emocional do individuo que utilizamos atual- mente foram responsdveis, até certo ponto, pelo relativo exagero ‘com que o seo foi posto em evidéncia. Nao estavam errados. Con- tudo, com o passar do tempo, constatamos que 0 “seio bom” é tum jargio que, de modo geral, significa uma maternidade ¢ uma patemnidade satisfatsrias. Enquanto evidéncia dos cuidados pres- tados ao bebé, podemos dizer, por exemplo, que o ato de segura Jo e manipul termos vitais, do que a experigneia conereta da amamentagao, E também um fato bem co- nnhecide que muitos bebés passam pelo que parece ser uma expe- rigncia bem-sucedida de amamentagdo e, no entanto, s4o insatisfatérios, no sentido de que se apresenta uma deficiéncia ob- servavel em seu processo de desenvolvimento, bem como em sua capacidade de relacionamento com as pessoas ¢ utilizagdo de ob- jetos — uma deficiéncia resultante do fato de terem sido segura: dos ¢ manipulados de forma insatisfatéria. Uma vez que ja deixei bem claro que a palavra seio € a i de amamentagdo abrangem toda uma técnica de ser mae de um bebe, sinto-me livre, entéo, para enfatizar quao importante pode ser 0 préprio seio, ¢ € © que vou tentar fazer. Talvez vous notern © que estou tentando evitar. Quero me distanciar daqueles que ten- tam obrigar as mies amamentarem os seus bebés. Vi um grande rmimero de criangas que passaram por situagdes muito dificeis, com a mie lurando para que seu peito desempenhasse suas fungdes, al- go que ela, por natureza, é totalmente incapaz de fazer, uma vez que escapa ao controle consciente. Tanto a mae quanto 0 bebé so- frem com isso. As vezes experimenta-se um grande alivio quand Finalmente, passa-se a fazer a alimentacdo por mamadeira, e, sei como for, alguma coisa vai bem, no sentido de que as necessida- des do bebé esto sendo satisfeitas por ele estar ingerindo a quan- ‘idade exata do alimento adequado. Muitos destes esforgos poderiam (0S BEBES E SUAS MA mento. Creio que 9 pior sr que gostaria de ama- mentar seu filho, © que vem 2 fazé-lo naturalmente, se dé quando alguma autoridade (um médico ou enfermeira) chega e diz: "Voce ‘Muito bem: ent3a, nao lizmente, as mes tm esta crenca terrivel © pensam, entdo, que o médico sabe como estabelecer um contato muituo entre mée ¢ filho, s6 porque ele sabe 0 que deve ser feito em caso de alguma cirurgia de emer- géncia, Em geral, ele nao entende nada desta questao que se refere vou ainament: nos médicas ¢ enfermei se por um lado sao necessacios, em do ponto de vista fisico, por outro eles nao so especialistas nas questdes relativas intimidsde, que sdo vitais tanto para a mae quanto para 0 bebé, Se comecarem.a dar conselhos sobre essa in- timidade, estardo pisando em solo perigoso, pois nem a mae, nem © bebé, precisam de conselhos. Em vez de conselhos, eles preci sam de recursos ambientais que estimulem a confianca da mae em si prépria. O fato cada vez mais comum de o pai poder estar pre- sente quando um bebé est nascendo ¢ um dos mais importantes avangos de nossa época, pois o pai pode enriquecer a situagao com um entendimento da importincia dos primeiros momentos, quan- do a mae pode dar uma olhada em seu bebé antes de repousar. © mesmo acontece quando se da inicio & amamentacdo. E algo que pode se tornar muito difiil, pois a mae é ineapaz de ama- mentar através de um esforgo deliberado. Ela precisa aguardar as suas prdprias reapdes, ou, por outro lado, as suas reagoes podem ser tdo intensas que ela mat consiga esperar pelo bebé, quando en- Go € preciso ajudé-la devido a retengio do leite. Quanto & educaco de médicos ¢ enfermeiras sobre este as- sunto, é preciso lembrar que eles tém muitas outras coisas a apren- der, pois as exigéncias da medicina e da cirurgia modemas sao de fato muito grandes, além do que médicos e enfermeiras s46 pes- sas iguais a todo mundo. Cabe aos pais conhecer as suas pro- rias necessidades € preocupar-se com elas neste e cabendo-Ihes também insistir em sua busca de auto-re A AMAMENTACAO COMO FORMA DE CONUNICACAO cocasionalmente é possivel que os pais encontrem médicos e enfer- meiras que compreendem qual é a sua funao especifica, ¢ qual 1 funcdo dos pais, trabalho conjunto tera sempre lum resultado feliz. Devic as minhas fungSes, oueo, naturalmen- te, muita coisa por parte das maes a respeito da angustia causada por médicos ¢ enfermeiras que, embora excelentes do ponto de vista da satide fisica, nao conseguem deixar de interferir e se tornam perniciosos ao relacionamento entre a mae, 0 pai e © bebé. Ha, naturalmente, mes que tém dificuldades pessoais muito erandes devido aos seus préprios conflitos internos, dificuldades que talvez estejam ligadas &s experiéneias pelas quais passaram quan- do criangas. Hé, muitas vezes, uma forma de resolver estes pro- bblemas. Nos casos em que a mac tem dificuldade de amamentar, sera tum erro tentar forgar uma situagao que deve, até certo pon (0, fracassar, podendo até mesmo se transformar em um desastr. ‘Ter uma nogo preconcebida daquilo que deve ser feito pela mae no que diz respeito & amamentagdo €, portanto, uma prética mul- to-desaconselhavel para os profissionais que estdo cuidando do caso. E muito comum que uma mie desista rapidamente e estabeleca outro tipo de alimentagio; ela pode, também, ser bem-sucedida com o segundo ou 0 terceito filho, e ficar muito satisfeita porque isso. aconteceu de forma natural. Nos casos em que um bebé nao possa ser amamentado, existem muitas outras maneiras através das quais as mes podem possibilitar algum tipo de intimidade fisica. ‘A esta altura eu gostaria de ilustrar 0 modo pelo qual estas ‘quest0es podem ser importantes num estdgio ainda muito inicial onhamos que uma muther adotou um bebé de seis semanas, e verificou que ele reagia bem ao contato humano, as caricias ¢ & todos os aspectos que envolvem 0 ato de segurar 0 bebé e mani- puléelo, Ja as seis semanas, entretanto, a mae descobriu que 0 bebé apresentava uma caracteristica derivada de sua experiéncia anterior, Esta caracteristica s6 se manifestava nos momentos em que ela o alimentava. Para fazer com que ele se alimentasse, tinha que colocé-lo no assoalho ou sobre uma mesa bem firme; em se- guida, sem qualquer espécie de contato fisico, era preciso segurar a mamadeira para que 0 bebé reagisse ¢ comecasse a mamar. Este padrdo anormal de alimentago persistiu e entrelagou-se com 0 tecido da personalidade da crianca, deixando muito claro a quem 2 5 BERES £ SUAS MAES observasse 0 seu desenvolvimento que a sua experigneia muito precoce de alimentacdo impessoal tivera um resultado, que nes- te caso nao fora bom. Se eu continuasse trazendo exemplos, s6 tornaria a questo ainda mais confusa, pois o tema cobre um campo muito vasto, e acho melhor apelar para as experiéncias daqueles que me ou- vem ¢ lembrar-lhes que as coisas muito pequenas que, n0 i se passam entre a me e 0 bebé so muito significativas, ndo 0 sendo menos por parecerem to naturais, sélidas ¢ inquestio- naveis. Chego, portanto, ao reconhecimento do valor positive da amamentagao, levando em conta que esta ndo é absolutamente essencial e que nao se deve insistir nela, quando a mae tiver al guma dificuldade pessoal. O aspecto dbvio daquilo que desejo er tem a ver com a imensa riqueza contida na experi¢ncia da alimentacdo; o bebé esta vivo e desperto, e toda a sua personal dade em formacdo esté envolvida no process, Grande parte da vida de vigilia do bebé esta voltada para a alimentagao. De certa forma, o bebé esta acumulando material para o sonho, embora logo se manifestem todas as outras coisas que também passam a fazer parte do proceso, ¢ que podem refletir-se na realidade interior da crianga adormecida, que naturalmente est& sonhan- do. Os médicos esto de tal forma acostumados a falar sobre satide ¢ doenga que se esquecem de falar sobre as enormes va- riagdes da satide, a partir das quais podemes afirmar que, se por um lado as experigncias de uma determinada crianga sao fracas, insipidas ¢ até mesmo entediantes, hd, por outro lado, criangas cujas experiéncias so intensas, cheias de cor e sensagdes, ¢ de lum alto grau de fecundidade, Para alguns bebés as experiéncias ligadas a alimentagao so tao enfadonhas que deve ser um gran- de alivio chorar de raiva e frustragao, o que, de qualquer modo, € real e necessariamente envolve a personclidade toda, Portan- to, ao examinarmos a experiéneia de amamentagao de um bebé, a primeira coisa a fazer é pensar em termos da riqueza da expe- rigncia e do envolvimento total da personalidade. Muitos dos as- pectos importantes da situagtio de amamentaeao também esto Presentes quando se utiliza a mamadeira. Por exemplo, o fato dea mae ¢ seu bebé olharem-se nos olhos, que é uma caracteris- HAMAMENTACAO COMO FORMA DE COMUNICAGAO tica do estagio inicial, € algo que absolutamente nao depende do uso do verdadeiro seio. Esta afirmagao, porém, deixa margem a dtividas, uma vez que 0 gosto, 0 cheiro e a experiéncia sensual da amamentacio esto ausentes quando 0 bebé se vé As voltas com o bico de borracha da mamadeira. Sem diivida, os bebés tém outras formas de superar até mesmo esta desvantagem, e, ‘em alguns casos, a superestima do uso sensual da borracha po- de remontar a uma ligacdo muito forte com a borracha na al mentagio por mamadeira. A capacidade de experiéncia sens do bebé pode ser vista no uso daquilo que chamei de objetos tran- sicionais, em que, para o bebé, existe toda diferenga possivel en- tre a seda, 0 nailon, a la, © algodao, o linho, um avental engomado, borracha ou um guardanapo molhado. Este, porém, é outro tema, ao qual s6 estou fazendo reteréncia para lembrar- Ihes que coisas imensas se passam no pequeno universo do bebé. Junto a observagdo das experiéncias do bebe, que so mais ricas quando se usa 0 seio em vez da mamadeira, € preciso levar em conta tudo 0 que a prdpria mae sente ¢ experimenta. Creio ser quase desnecessario fazer referéncia a este grande tema para tentar descrever a sensacdo de realizaciio que a mae pode sentir quando a fisiologia e a anatomia, que talvez tenham sido para ela um grande incémodo, de repente fazem sentido e Ihe permi- tem lidar com 0 medo de que 0 bebé vai comé-la, ao descobr que ela de fato tem algo chamado leite, com 0 que pode acalma- Jo temporariamente. Prefiro que vocés usem sua imaginacdo, mas € importante chamar a aten¢do para o fato de que, qualquer que seja o modo de alimentar um bebs, e por mais satisfatério que possa ser, a satisfacdo da mulher capaz de usar uma parte de seu préprio corpo desta forma é algo totalmente diferente, A sa- tisfaclo esta ligada as suas proprias experincias como bebé, ¢ a experiéncia toda remonta ao inicio dos tempos, quando 0s se- res humanos mal haviam superado a postura dos animais ma- miferos. Chego, afinal, ao que considero a observacao mais impor- tante neste campo, e que diz respeito & existéncia de agressivida- de no bebé. Com o passar do tempo, 0 bebé comega a chutar, gritar e arranhar. Na situagdo de alimentagao havia, no inicio, ‘uma atividade vigorosa da gengiva, um tipo de atividade que pode facilmente resultar em rachaduras no mamilo; alguns bebés real- mente aderem ao seio com as gengivas eo machucam bastante, Nao se pode afirmar que estejam tentando ferir, porque o beb& ainda ndo esta suficientemente desenvolvido para que a agressi- vidade j4 possa significar alguma coisa. Com 0 passar do tem- po, porém, os bebés jé tém um impulso de morder. Trata-se do inicio de algo muito importante, que diz respeito & crueldade, 0s impulsos e utilizarao de objetos desprotegidos. Muito ra- pidamente, os bebés passam a proteger o seio, e na verdade & muito raro que mordam com o objetivo de ferir, mesmo quan- do j4 possuem denies. Isto ndo acontece pelo fato de eles ndo terem o impulso, mas sim devido a algo que corresponde & domesticacao de um Jobo em cdo, ou de um ledo em gato. Com os bebés humanos, porém, ha um estagio muito dificil, que ndo pode ser evitado. A mie pode perceber facilmente o que se passa com o bebé, nese estagio em que ela esta sendo destruida por ele, se tiver conheci- mento da situacdo ¢ proteger-se sem sc valer de retaliacdo ¢ vinganga, Em outras palavras, ela tem uma fungao a cumprir sempre que o bebé morder, arranhar, puxar os seus cabelos e chutar, te esta funcao € sobreviver. © bebé se encarregara do resto. Se cla sobreviver, o bebé encontrar um novo significado para a palavra amor, ¢ uma nova coisa surgird em sua vida: a fantasia, E como se o bebé agora pudesse dizer para sua mae: “Eu a amo por ter sobrevivido & minha tentativa de destrui-la, Em meus so- nhos e em minha fantasia eu 2 destruo sempre que penso em vo- cé, pois a amo.” £ isto que objetifica a mae, coloca-a num mundo gue nao parte do bebé, ¢ < torna itil. Vocés podem pereeber que estamos falando de um bebé que tem mais de seis meses, ¢ estamos falando de uma crianga de dois anos, Estamos encontrando uma linguagem importante pa ra.a deserigdo geral do desenvolvimento futuro da erianca, em que cla passa a fazer parte do mundo em vez de viver num mun- do protegido, especializado ov subjetivo, criado pela enorme a- pacidade que a mae tem de adaptar-se as necessidades de seu filho. Nao vamos, porém, negar que os rudimentos destas coisas esto resentes até mesmo no recém-nascido. A AMAMENTAGAO COMO Ft Nao nos cabe, aqui, examinar pormenorizadamente esta transigdo que tem tamanha importancia na vida de toda crianga e que lhe permite tornar-se parte do mundo, usé-lo e contribuir com ele. © que importa, no momento, é 0 reconhecimento do fato de que a base deste desenvolvimento saudavel dos seres hu- manos é a sobrevivéncia do objeto que foi atacado, No caso da mae que alimenta um bebé, nao se trata apenas de sua sobrevi- véncia como uma pessoa viva, mas também como uma pessoa que nao se transformou, no momento critico, em uma pessoa vingativa, nem partiu para retaliagdes. Em breve outras pessoas, inclusive 6 pai, animais e brinquedos, passam a representar © mes- mo papel. Pode-se perceber 0 quanto é complicado para a mae estabelecer uma separacdo entre o desmame e esta questéo da sobrevivéncia do objeto que se apresentou a destrui¢do, devido ‘a0 processos evolutivos e naturais do bebé. Mesmo que no exa~ minemos as implicagdes extremamente interessantes desta ques- 10, 6 possivel afirmar, pura e simplesmente, que o aspecto essencial é a sobrevivéncia do objeto em face destes anteceden- tes, Agora ja € possivel perceber as diferencas que existem entre 0 seio © a mamadeira. Em ambos os casos, a sobrevivencia da mée é fundamental. E claro, entretanto, que existe uma diferen- ga entre a sobrevivéncia de uma parte do corpo da mae € a So- brevivéncia de uma mamadeira. A titulo de comentario, podemos citar as experiéncias extremamente traumatizantes que a quebra da mamadeira pode representar para o bebé durante a alimenta- cdo, quando, por exemplo, a mae a deixa cair. Algumas vezes €0 bebé que empurra’a mamadeira e faz com que ela se quebre. ‘A partir destas observavdes voues talvez possam chegar clas, em seu prdprio ritmo, e ver comigo que a sobrevivéncia de algo que é parte da mie, como 0 seio, tem uma importéncia in- teiramente diversa daquela representada pela sobrevivencia de uma mamadeira de vidro. Estas consideragdes levam-me a ver 2 amamentagdo como mais um daqueles fendmenos naturais que se justificam por si prdprios, mesmo quando possam, se neces- sitio, ser ignorados 1968 4. O RECEM-NASCIDO E SUA MAE © tema que me foi proposto é to complexo que hesito em dar- Ihe uma nova dimensdio. Contudo, ereio que se a psicologia é Util no estudo do reeém-nascido, é somente a prética que ela torna confusa!. No Ambito tedrico, qualquer contribuigdo necessaria- mente é errada (caso em que o problema permanece intacto), ou contém uma parcela de verdade, e neste caso cla simplifica, co- mo a verdade sempre 0 faz. recém-nascido e a mae constituem um tema bastante am- plo, e no entanto eu nfo gostaria que me fosse atribuida a tare- fa de descrever 0 que se sabe sobre o recém-nascido considerado isoladamente: 0 que est em discussdo é a psicologia, e gosto de partir do principio segundo 0 qual, ao considerarmos um bebé, também consideremos as condicdes ambientais e, por tras delas, a mie. Secu disser a mac"? muito mais vezes ue que 08 pais me compreendam E necessario reconhecer a enorme diferenca que deve haver entre a psicologia da mae e a da crianga. A mae é uma pessoa ticada, 0 contrario daquilo que o bebs ¢ inicialmente. Mui- tos acham dificil atribuir a um bebé qualquer coisa que pudesse ser chamada de “psicol6gica”, até que algumas semanas ou me mo meses tenham se passado, e € preciso dizer que sao os médi- cos, muito mais que as maes, que tém esta dificuldade. Seré que no poderiamos dizer que sempre se espera que as maes vejam ot se diriae Gos pediteas, Wer p. $3. (N. Ores.t mais do que existe e que os cientistas nada vejam até que haja provas? 38 ouvi dizer que € no recém-nascido que a fisiologia e a psi- cologia constituem uma uridade (John Davis)?. E um bom co. eto. A psicologia ¢ uma extensdo gradual da fisiologia. Nao ha necessidade de brigas quanto & data desta transformagdo, pois Poderia ser varidvel de acordo com os acontecimentos. No en. tanto, a data de nascimenta poderia ser considerada como um momento em que grandes transformacdes se operam neste cam. Po, de modo que o bebé prematuro pode estar em muito melho. Fes condigdes psicolégicas numa incubadeira, onde um beb& POs-maduro nao cstaria bem, pois precisaria de bragos nos € contato corporal Dentre as teses que defendo, aes, @ ndo ser que estejam psiquiatricamente doentes, se pre. Param para a sua tarefa bastante especializada durante os ulti. mos meses de gravidez, mes que gradualmente voltam 20 seu sstado normal nas semanas e meses que se seguem ao processo dle nascimento. Jé escrevi muito sobre este assunto, sob o t ““preocupaso materna primria!”. Neste estado, as maes se tor. nam capazes de colocar-se 10 lugar do bebé, por assim dizer: {sto significa que elas desenvolvern wma capacidade surpreendente de identificacdo com o bebé, o que thes possibilita ir a0 encom, iro das necessidades basicas do recém-nascido, de uma forma que nenhuma maquina pode imitar, e que nao pode ser ensina. «ta. Posso tomar tal fato como certo quando vou além ¢ afirmo GUE © Prolstipo de todos os cuidados com os bebés é 0 ato de seauri-los? E 0 que quero dizer é segurados por uma pessoa. Te. ho consciéncia de estar esticando o signitieado de termo "se. gurar'’, mas sugiro tratar-se de uma afirmacdo econdmica suficientemente verdadeira, Um bebé a quem seguram bem é muito diferente de outro, Cula experiéncia de ser segurado nao foi muito positiva. Nenhu, ha observacdo a respeito de cualquer bebé tem, para mim, qual. Guer valor, a menos que se descreva expressamente de que maneira ma- ma especial: a de que as 0 RECEM-NASCIDO E SUA MAE 31 © seguram. Por exemplo, acabamos de ver um filme a que atri- buo um valor muito especial. Vimos 9 Dr. MacKeith segurando aquele beb@ que caminhava, para ilustrar a fase em que uma crian- fa comepa a andar. Caso voces tenham observado a lingua do Dr. MacKeith, terdo percebido o quao cuidadoso e sensivel ele estava sendo, @ que o bebé nao estava se comportando da mes- ma forma que estaria se alguma outra pessoa o estivesse segu- rando. Acho que os pediatras, em geral, so pessoas capazes de se identificar com o bebé e seguré-lo, e talvez seja esta capacida- de de identificagdo que atraia as pessoas para a pediatria. Parece- ‘me que vale a pena mencionar aqui este aspecto t2o dbvio, pois As vezes deserevem-se grandes variagées na forma como um bebé Se comporta, ¢ acho que sempre deveriamos ter um filme de quem esta realizando a pesquisa, para que pudéssemos julgar por nds mesmos se cra alguém que sabia o que 0 bebé estava sentindo naquele momento, A razao pela qual esta caracteristica especial das cuidados aos bebés deve ser mencionada, mesmo resumida- mente, é que angustias muito fortes sdo experimentadas nos es- tagios iniciais do desenvolvimento emocional, antes que os sentidos estejam organizados, e antes que ali exista algo que possa ser chamado de um ego auténomo. Na verdade, a palavra ‘‘an- siistia” é init, pois 0 tipo de aflieao que o bebé sente neste es- tagio € muito parecido ao que se encontra por trds do panico, €0 panico ja é uma defesa contra a agonia que faz com que as bessoas se suicidem, em vez de reverem o seu passado. Usei aqui luma linguagem propositalmente forte. Consideremos dois bebés: him a quem se segurou m io amplo que dou 20 termo “'segurar’”), no havendo nada que impeca um répido desenvolvimento emocional, de acordo com as tendéncias ina- tas. O outro nao passou pela mesma experiencia, isto é, ndo 0 Seguraram suficientemente bem, c o resultado que 0 seu de- senvolvimento teve de ser deturpado e protelado, e algum grau da primitiva agonia estard sempre presente ao longo de sua vi- da. E possivel dizer que, na experiéncia comum de segurar ade- quadamente o bebé, a mae foi capaz de atuar como um ego iar, de tal forma que o bebé teve um ego desde o primeiro instan €g0 muito fragil ¢ pessoal, mas impulsionado pela adaptacdo sensivel da mae, ¢ pela capacidade desta em identificar-

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