REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE 15

Desastre ambiental em Mariana,

Minas Gerais (MG): um estudo à luz
da teoria da Legitimidade

O
Nadielli Maria dos Santos Galvão
Mestra em Ciências Contábeis pela Universi-
presente estudo teve como objetivo averiguar a dade Federal de Pernambuco (UFPE), é pro-
estratégia de legitimidade da empresa envolvida no fessora assistente da Universidade Federal de
Sergipe (UFSE).
caso do desastre ambiental na cidade de Mariana, em E-mail: profa.nadielligalvao@gmail.com
Minas Gerais, a mineradora Samarco, verificando a importância
dada às informações ambientais nos relatórios de administração João Arlindo de Vasconcelos Monteiro
da companhia. Para o alcance do objetivo, realizou-se uma É bacharelando em Ciências Contábeis pela Fa-
culdade de Ciências Humanas de Pernambuco
análise documental no relatório escolhido entre os anos E-mail: jvasconcelosmonteiro@gmail.com
de 2008 a 2014 e no Balanço de Ações publicado em 2015.
Averiguou-se que, entre 2008 a 2014, as sentenças sobre questões Andreza Cristiane Silva de Lima
ambientais representavam em média 16,19% dos relatórios de É mestra em Ciências Contábeis pela Universi-
dade Federal de Pernambuco (UFPE).
administração publicados. No entanto, em 2015, após a tragédia, E-mail: andrezacslima@gmail.com
este mesmo tema representou 25,29% do Balanço de Ações, o
que denota preocupação por parte da empresa em legitimar-
se perante a sociedade. Algo que também merece destaque é a
frequência da palavra “água” principalmente após as graves secas
que atingiram a região de Minas Gerais (MG). Após o desastre,
foi constatado que as palavras mais destacadas no Balanço de
Ações foram “Rio” e “Doce”, fazendo referência ao rio atingido
pela tragédia, “Minas”, “Gerais”, “Espírito”, “Santo”, “Mariana”
e “Rodrigues” referindo-se aos locais atingidos, bem como a
expressão “comunidade”.

Recebido em 10/03/2017. Distribuído em 13/03/2017 e 14/03/2017. Pedido de revisão em

24/5/2017 e 23/10/2017. Resubmetido pelo autor em 25/6/2017 e 01/11/2017. Aprovado
em 06/11/2017, na sexta rodada, por três membros do Conselho Editorial. Publicado na edi-
ção janeiro-fevereiro de 2018. Organização responsável pelo periódico: Conselho Federal
de Contabilidade.

RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.

 Desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais (MG):
16 um estudo à luz da teoria da Legitimidade
1. Introdução
A Contabilidade, como ciência
social aplicada, possui uma rela-
ção importante com a sociedade,
pois ela surgiu da necessidade de
o homem obter informações refe-
rentes ao controle do que possuía
e as mutações ocorridas em seu pa-
trimônio e sua riqueza. Nessa pers-
pectiva, ressalta-se a importância
de essa sociedade compreender e
ser capaz de visualizar na Contabi-
lidade, o corpo de instrumentos e
ferramentas que permitem a divul-
gação de informações e a presta-
ção de contas para a comunidade
interessada em seus aspectos (CO-
LIATH, 2014).
Segundo Nascimento et al.
(2009), vem sendo observado um
aumento das demandas referentes
às questões socioambientais por
parte da sociedade, algo que tem
levantado um certo número de pes-
quisas. E como forma de viabilizar
o fornecimento dessas informações
para a comunidade, tem-se a Conta-
bilidade, cuja aplicação em termos
de divulgações ambientais, na teoria
parece ser fácil, mas quando essa re-
lação é posta em prática, várias difi-
culdades são encontradas, principal-
mente no que refere à compreensão
de quais são os objetivos das empre-
sas em realizar esse tipo de divulga-
ção (BRUMATI, 2015).
Sabe-se também, à luz da teoria
da Legitimidade que, muitas vezes, as
empresas divulgam informações rela-
cionadas às questões ambientais em
seus demonstrativos contábeis visan-
do passar para a comunidade uma
imagem de boas práticas, até mes-
mo justificando determinadas atitu-
des e para transparecer responsabi-
lidade no uso dos recursos (CRAIG
DEEGAN, 2002; KHAN; MUTTAKIN;
SIDDIQUI, 2012).
Os principais estu-
dos que abordam a
teoria da Legitimi-
dade à luz da Con-
RBC nº 229
tabilidade foram realizados com
base nas questões ambientais, tais
como Wiseman (1982), Cowen, Fer-
reri e Parker (1987), Patten (1992,
2002), Sampaio (2012), Pellegrino e
Lodhia (2012), Rover et al. (2012),
Dias et al. (2014), Rufino e Machado
(2015), Silva et al. (2015), Killian e
O’Regan (2016), Pereira, Bruni e Dias
Filho (2010).
Paralelamente, em 2015, ocor-
reu no Brasil, no Município de Ma-
riana, em Minas Gerais (MG), um
dos maiores desastres ambientais
da história, o qual também ficou
conhecido mundialmente como o
maior acidente da mineração em
100 anos (OLIVEIRA, 2016). O rom-
pimento da barragem de rejeito da
Samarco trouxe uma enxurrada de
lama, devastando assim o distrito
de Bento Rodrigues, além de poluir
a bacia do Rio Doce e afetar mais de
40 municípios de Minas Gerais e Es-
pírito Santo. O episódio deixou 19
mortos e, de acordo com o inquéri-
to da Polícia Federal, a devastação
ocorreu em 1.176,44 hectares de
mata (CHEREM, 2016).
Entende-se, portanto, que esse
caso é um campo propício para o
estudo à luz da teoria da Legitimi-
dade, visto que, diante da catás-
trofe ambiental ocorrida, é possível
que a empresa em questão procu-
re reconstruir sua imagem perante
a comunidade, ou seja, legitimar-se.
Dessa forma, o objetivo do presen-
te estudo é averiguar a importância
dada às informações ambientais nos
relatórios de administração da com-
panhia Samarco, antes e depois da
tragédia em Mariana (MG). Tal im-
portância está relacionada à propor-
ção de comentários sobre as ques-
tões ambientais em relação ao total
de temas abordados no relatório
analisado. Ressalta-se que, no caso
citado, não apenas a Samarco
(constituída pela Vale S.A.
e BHP Billiton, cada uma
possuindo 50% do capi-
tal da referida empresa)
foi apontada nos inquéritos judiciais,
mas também a Vale S.A., uma das
controladoras da Samarco e a em-
presa VogBR, a qual foi responsável
por elaborar o relatório que atestava
a estabilidade da barragem (GLOBO
ONLINE, 2016). No entanto, para o
presente estudo, foi escolhida ape-
nas a Samarco visto que ela era con-
siderada responsável pelas ativida-
des naquela região.
Apesar de sua similaridade com
estudos anteriores, a originalidade
e relevância do presente trabalho
residem na abordagem de um caso
atual e recente, ainda não explana-
do, até o presente momento, à luz
do arcabouço conceitual contábil,
tornando-se pertinente e atualizan-
do assim a literatura. A relevância
do trabalho consiste na continuida-
de da discussão acerca da teoria da
Legitimidade, sendo que esta será
aplicada em um caso recente no
contexto nacional e que diante da
sua magnitude e repercussão, que
tomou até mesmo contexto mun-
dial, torna-se um interessante obje-
to de estudo para a Ciência Contá-
bil, tendo em vista que esta possui
a missão de prover informações aos
mais diversos usuários.
2. Referencial Teórico
2.1 Teoria da Legitimidade:
pressupostos e estudos anteriores
A teoria da Legitimidade tem
sua origem na teoria dos Contra-
tos, sendo mais utilizada como for-
ma de explicar a adoção de certos
mecanismos visando à evidenciação
contábil (DIAS FILHO, 2009).
Ela também relaciona-se com a
teoria do Contrato Social, que, ape-
sar de ser utilizada como uma jus-
tificação para o surgimento do Es-
tado (ROTHBARD, 2010), pode ser
aplicada na teoria da Legitimidade
pelo fato de também tratar das ex-
pectativas da sociedade. Na visão
de Deegan (2006), a relação entre

essas duas teorias reside no fato
de que a comunidade espera que
as empresas atuem sob determina-
das práticas. O autor ainda conti-
nua afirmando que, além de alme-
jar que as organizações apresentem
certas práticas, a população possui
a percepção de que a empresa está,
ou não, atuando com base nos cri-
térios que ela adota como corretos.
Essa diferença entre as expectati-
vas da sociedade e como ela per-
cebe que as empresas estão de fato
atuando é conhecida como legiti-
macy gap e é ilustrada na Figura 1.
De acordo com a teoria da Le-
gitimidade, as empresas precisam
adotar práticas aceitas pela comu-
nidade a fim de que possam conti-
nuar operando, reduzindo as pres-
sões da sociedade (MOIR, 2006;
SAMPAIO et al., 2012). Segundo
O’Donovan (2002), a maioria das
pesquisas existentes que tratam da
divulgação de informação ambien-
tal e responsabilidade empresarial
nesse aspecto indicam a teoria da
Legitimidade como a base explica-
tiva para o aumento dessa divulga-
ção desde o início de 1980. Para o
autor, tal teoria é baseada na ideia
de que as empresas devem atuar
dentro dos limites que a sociedade
indica como um comportamento
social aceitável.
Wiseman (1982) verificou, no
que se refere à divulgação de infor-
mações ambientais, que as empre-
sas analisadas apresentavam infor-
mações incompletas e inadequadas
se comparadas com os principais ín-
dices de desempenho ambiental da
época do estudo.
Em seguida, Cowen, Ferreri e
Parker (1987) procuraram investigar
possíveis variáveis que influenciavam
a divulgação de informações sociais
e ambientais. Averiguaram que o ta-
manho da organização é significativo
para definir as políticas de evidencia-
ção de informações acerca do am-
biente, uso de energias, práticas co-
merciais justas e envolvimento com
REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE
Figura 1 – Legitimacy gap
Fonte: adaptado de Deegan (2006).
a comunidade. Por outro lado, esta
mesma variável não exerce influência
sobre o disclosure acerca das políticas
humanas da organização.
Anos depois, foi divulgado
o trabalho realizado por Patten
(1992), que, ao verificar as estra-
tégias de divulgação de empresas
do ramo petrolífero, constatou uma
tendência de crescimento no disclo-
sure por parte das empresas que vi-
sam transparecer maior responsabi-
lidade social e ambiental. O mesmo
autor ainda realizou um estudo em
que verificou que as empresas que
não são ambientalmente sensíveis
tendem a ser mais afetadas pelos
níveis de liberação de tóxicos do
que as empresas que são ambien-
talmente sensíveis no que tange
à divulgação de suas práticas am-
bientais em relatórios financeiros
(PATTEN, 2002).
Tal como Cowen, Ferreri e Par-
ker (1987), na literatura nacional,
alguns estudos procuraram iden-
tificar possíveis fatores para o dis-
closure de informações ambien-
tais e sociais, tais como Rover et al.
(2012), Rufino e Machado (2015) e
Silva et al. (2015). Estes trabalhos
destacaram que variáveis como “ta-
manho da empresa”, se a empre-
sa é auditada por big four, o setor
em que está atuando e a reputação
dela, são fatores significativos para
explicar o nível de divulgação des-
sas companhias. No que se refere
ao âmbito internacional, Killian e
O’Regan (2016) constataram que
a comunidade na qual a empresa
está inserida influencia a divulgação
de informações sociais, revelando
RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.
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o papel fundamental que a própria
sociedade exerce no processo de le-
gitimação organizacional.
No que se refere ao setor ou ati-
vidade desempenhada pela empre-
sa, tem-se o estudo realizado por
Pereira, Bruni e Dias Filho (2010). Os
autores citados verificaram que in-
dústrias ambientalmente sensíveis
tendem a se legitimar mais pelas
demonstrações financeiras que em-
presas que não apresentam essa ca-
racterística, principalmente no que
tange a itens como: proteção ao
meio ambiente, reformulação ad-
ministrativa, investimento em co-
ligadas e controladas, direitos dos
acionistas, perspectivas de planos
futuros, valor do estoque, linhas de
produtos e projetos sociais.
Alguns estudos ainda foram rea-
lizados com o desiderato de averi-
guar qual o intuito das empresas
em divulgar informações ao pú-
blico. Esses trabalhos constataram
que o principal foco para a empre-
sa é ganhar legitimidade no meio
social (BEUREN; SOARES, 2013;
MACHADO; OTTI, 2015).
Quanto às empresas atuan-
tes no setor de mineração, têm-se
Sampaio et al. (2012) e Dias et al.
(2014). Ambos descobriram a exis-
tência de um processo isomórfico
entre as empresas estudadas, prin-
cipalmente no que tange aos aspec-
tos sociais internos e externos. Nes-
se setor, no que se refere a estudos
internacionais, cita-se Pellegrino e
Lodhia (2012). O trabalho realiza-
do no contexto australiano consta-
tou que as empresas utilizam-se de
uma combinação de estratégias vi-
 Desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais (MG):
18 um estudo à luz da teoria da Legitimidade

sando à legitimação, empregando
até mesmo diferentes meios de co-
municação para atingir esse fim.
Dentro dessa discussão, espe-
ra-se que, por meio de estratégias
de divulgação, sejam revertidos os
quadros negativos de uma organi-
zação, ou pelo menos, minimizados
os impactos negativos de uma si-
tuação ora percebida como preju-
dicial à imagem da empresa. Assim,
ressalta-se o papel de apresentar
uma imagem positiva da empresa,
utilizando da melhor forma possível
as estratégias já citadas (GARCIA;
PELEIAS; PETERS, 2014).
2.3 Relatório de administração:
ferramenta de legitimidade
A permanência de uma organi-
zação dentro do mercado requer
que ela mostre à sociedade que
suas práticas são realizadas de for-
ma responsável. Esse raciocínio é
tratado por Suchman (1995), quan-
do o enfoque teórico do institucio-
nalismo é alinhado à adoção de
ações voltadas a apontar o nível de
legitimidade organizacional. Dentre
os canais em que essa legitimida-
de é apresentada à população, des-
tacam-se as informações que são
trazidas nos relatórios elaborados
pelas instituições. No conjunto de
relatórios em que a administração
pode evidenciar práticas que estão
sendo realizadas, destaca-se o Rela-
tório de Administração (RA).
Por sua vez, esse documento
é caracterizado por oferecer uma
gama de informações sobre o anda-
mento da organização e, no geral,
são utilizados por acionistas, pois
servem para nortear investidores
dando suporte à tomada de deci-
são. No entanto, discute-se um pro-
blema que pode acontecer nesses
relatórios: a facilidade de a própria
administração enviesar as informa-
ções ora apresentadas, mostrando
um otimismo em seus resultados,
em que pode, de fato, não estar
acontecendo algo que reflete em
uma informação não verídica quan-
to ao estado daquela instituição
(SILVA, RODRIGUES; ABREU, 2007).
Ao tratar dessa problemática,
Fank e Beuren (2010) discutem que,
o fato de a sociedade impulsionar
que as empresas passem a desen-
volver ações que beneficiem as pes-
soas, essas organizações sentem a
necessidade de divulgar as atitu-
des que estão tomando frente a es-
sas ‘pressões’ ocorridas de forma
indireta. Então, elas buscam uma
maior visibilidade se legitimando,
e passam a ter um maior nível de
aceitação social. Nesse aspecto, os
autores buscaram identificar os me-
canismos de legitimidade trazidos
por Suchman (1995), nos RAs da
Petrobras. Assim sendo, Suchman
(1995) destaca que a legitimidade
por ser apresentada sob três pers-
pectivas: (1) Pragmática, baseada
no interesse próprio do público; (2)
Moral, baseada na aprovação nor-
mativa, e; (3) Cognitiva, baseada na
compreensão e aceitação. Essas três
abordagens foram estudadas por
Suchman (1995) como forma de ga-
nhar, manter e restaurar as estraté-
gias de legitimação de cada tipo.
Os resultados apontados por
Fank e Beuren (2010), em relação
à Petrobras, trazem à tona que, no
que tange à legitimidade geral, des-
tacam-se os critérios de manutenção
adotados pela empresa. Quanto à
legitimidade pragmática, a compa-
nhia anuncia sua imagem e trabalha
em na busca de construir uma repu-
tação, ao demonstrar sucesso e tra-
çar metas na legitimidade moral; di-
vulgar e padronizar novos modelos;
adotar normas; formalizar opera-
ções; aperfeiçoar as operações; e co-
gitar certificação, quando o assun-
to é a legitimidade cognitiva. Esses
achados são pertinentes por mostrar
o alinhamento entre teoria e prática,
em que se observou no RA a eviden-
ciação de ações que foram discuti-
das no campo teórico.
O RA pode servir como uma es-
tratégia de argumentação para uma
organização se legitimar, já que os

“ A Contabilidade, como ciência social aplicada, possui

uma relação importante com a sociedade, pois ela
surgiu da necessidade de o homem obter informações
referentes ao controle do que possuía e as mutações
ocorridas em seu patrimônio e sua riqueza.
”
RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.

principais conteú-
dos nele apresentado
decorrem em torno das
suas ações econômicas liga-
das aos valores sociais. Para Ra-
ffaelli et al. (2017), o documento
constituiu-se de uma ferramenta de
comunicação social. Para evidenciar
esse apontamento, os autores bus-
caram identificar como a empresa
Souza Cruz S/A, líder do setor taba-
gista, utiliza dos RAs como estraté-
gia retórica de legitimação. Assim,
localizaram-se três principais afirma-
ções, orientando as responsabilida-
des que as pessoas devem adquirir
ao adotarem o consumo desses pro-
dutos e ressaltando o poder do RA
como um meio de a administração
se mostrar prudente quanto às con-
sequências que seus produtos e/ou
serviços podem trazer à sociedade,
sejam esses efeitos bons ou ruins.
Normalmente, estudos que bus-
cam verificar a questão da legitimi-
dade no RA se remetem àquelas em-
presas cuja atividade é considerada
como aquela que oferece riscos am-
bientais como também riscos so-
ciais, como foi o caso das pesquisas
de Fank e Beuren (2010) e Raffaelli
et al. (2017), fato que justifica a uti-
lização desses relatórios na presen-
te pesquisa, considerando que a Sa-
marco é uma empresa que atua no
ramo da mineração e que, portan-
to, essa atividade pode trazer danos
ambientais, além de deixar em ris-
co a vida de pessoas, sejam os pró-
prios funcionários ou moradores da
região em que ela funciona.
2.2 Caso Mariana
Em 5 de novembro de 2015,
ocorreu na cidade de Mariana, em
Minas Gerais, o rompimento da bar-
ragem de Fundão, que era de res-
ponsabilidade da Samarco, sendo
ela controlada pela Vale e pela BHP
REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE
Billiton. O desastre foi classifica-
do como a maior tragédia ambien-
tal da história brasileira até o mo-
mento (COSTA, 2015). Esse episódio
destruiu a vegetação nativa; poluiu
a bacia do Rio Doce; afetou mais de
40 municípios de Minas Gerais e Es-
pírito Santo; e deixou 19 mortos. Se-
gundo o inquérito da Polícia Federal,
foram devastados 1.176,44 hectares
de mata (CHEREM, 2016).
Com relação ao valor do pre-
juízo, foi estimado pelo Ministé-
rio Público Federal (MPF) o valor de
R$155 bilhões, usando como base
de comparação o desastre da Deep
water Horizon no Golfo do México
em 2010, embora o acordo selado
seja de aproximadamente R$20 bi-
lhões (RODRIGUES, 2016a).
Após a conclusão do inquérito
da Polícia Federal, no dia 9 de junho
de 2016, oito pessoas e três empre-
sas (a Samarco, a Vale e a Consulto-
ria VogBR) foram responsabilizadas
por crimes ambientais e danos con-
tra o patrimônio histórico e cultural
(CHEREM, 2016).
Esse fato motivou ainda atos de
solidariedade, como a doação de 1,1
milhões de reais às famílias (RODRI-
GUES, 2016b), e a realização de um
show por um grupo de artistas, no
dia 20 novembro de 2015, em Belo
Horizonte, que anunciou a doação
de parte da bilheteria para a redução
dos impactos causados pelo rompi-
mento da barragem. Na literatura,
o fato passou a ser registrado em
obra poética no livro intitulado por
“A vida de um rio morto: um monu-
mento ao Rio Doce”, por autoria de
Carlos Nejar (FERREIRA, 2016).
Segundo a Samarco, em acordo
realizado com o Governo federal, e
com os governos dos Estados do Es-
pírito Santo e de Minas Gerais, está
incluída a criação de um memorial na
área do antigo distrito de Bento Ve-
RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.
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lho, em Mariana (Minas Gerais), que
foi totalmente destruído pela lama.
Este memorial seguirá o exemplo de
outros, como o de Hiroshima e das
Torres Gêmeas (no Japão e Estados
Unidos, respectivamente), servin-
do de advertência e alerta para que
eventos como estes sejam prevenidos
(CRISTINI; FREITAS, 2016).
O tombamento de Bento Rodri-
gues e Paracatu tem como objeti-
vo fazer destes distritos um espaço
museológico e cultural; resgatar a
história e o patrimônio material e
imaterial dos povoados; promover o
turismo histórico e patrimonial; di-
fundir os riscos causados pelas ativi-
dades minerárias próximas às áreas
habitadas, entre outros (CRISTINI;
FREITAS, 2016).
Assim, além dessas medidas, vi-
sando minimizar a tragédia e pro-
mover uma reflexão quanto ao cui-
dado necessário no uso dos recursos
naturais, realizadas pelo Governo,
população e artistas, faz-se necessá-
rio averiguar a forma como o evento
foi tratado pela empresa Samarco.
Com este arcabouço teórico ex-
planado e com a reflexão elucida-
da acerca do desastre ambiental,
o foco deste estudo encaminha-se
para o detalhamento do procedi-
mento metodológico adotado para
o alcance do objetivo proposto para
a pesquisa.
3. Procedimentos
Metodológicos
O presente estudo teve como
natureza de investigação a pesqui-
sa qualitativa e quantitativa, utili-
zando-se da estratégia da pesqui-
sa documental, cuja constituição é
baseada no exame de materiais que
ainda não receberam um tratamen-
to analítico, ou que ainda podem
 Desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais (MG):
20 um estudo à luz da teoria da Legitimidade

“
O RA pode servir como uma estratégia de
argumentação para uma organização se legitimar,
já que os principais conteúdos nele apresentado
decorrem em torno das suas ações econômicas
ligadas aos valores sociais.
”
ser reexaminados a fim de alcançar Assim como realizado por Rover das para a elaboração da nuvem de
uma nova ou complementar inter- et al. (2012), a análise dos relató- palavras, visto que não apresenta-
pretação (NEVES, 1996). A pesqui- rios se deu pela contagem de sen- riam relevância ao conteúdo e não
sa documental adotada no presente tenças. Primeiramente foi realizada permitiriam um resultado conciso.
estudo permitiu a leitura do relató- uma comparação entre o total de Foram analisados os Relatórios
rio escolhido e a coleta dos dados sentenças destinadas à divulgação de Administração entre os anos de
necessários para o alcance do obje- ambiental e o total de sentenças 2008 a 2014, marcos temporais em
tivo de pesquisa. do Relatório da Administração. Um que foi possível encontrar o docu-
Tal como Beuren e Soares resumo desta análise é apresenta- mento escolhido para análise. Tem-
(2013), o documento de análise do do no Quadro 1, cujo apoio foi por se, no entanto, que o ano de 2015
estudo foi o Relatório de Adminis- meio de planilhas Excel. seria fundamental para o estudo
tração, visto ser este um importante Todas as sentenças sobre ques- visto ter sido o período em que
meio para a empresa transmitir tan- tões ambientais foram separadas ocorreu o desastre, porém a em-
to informações voluntárias como das demais constantes no Relató- presa não divulgou este relatório
compulsórias ao público. Além dis- rio da Administração e com elas para o ano em questão. Em 2015,
so, para Silva e Rodrigues (2010), foram elaboradas nuvens de pa- a empresa divulgou um Balanço de
o relatório de administração é um lavras, que são uma forma gráfi- Ações, que preencheu os requisitos
documento em que a empresa tem ca que permite a visualização de para substituição do Relatório da
a oportunidade de apresentar seu dados linguísticos, destacando as Administração para o ano de 2015
desempenho em relação às suas es- palavras mais recorrentes em um na análise no presente estudo.
tratégias, sendo tais informações de dado texto (DIAS et al., 2014).
interesse dos usuários dos demons- As nuvens foram elaboradas para
trativos contábeis. cada ano de análise, 4. Resultados
A escolha da empresa Samar- Para a criação das nuvens de
co se deu pelo seu envolvimento palavras foi utilizada a ferramen- 4.1 Análise quantitativa das
em um desastre ambiental no con- ta online Wordle. Tal como realiza- sentenças
texto nacional que ganhou reper- do e recomendado por Dias et al. A análise documental iniciou-se
cussão internacional, desastre este (2014), palavras como artigos, pre- com a leitura dos relatórios de admi-
discutido em seção anterior des- posições, locuções adverbiais, con- nistração da empresa escolhida para
te estudo. Com isso, acreditou-se junções e numerais foram excluí- o presente estudo e foi verificado
que a empresa, após essa tragédia,
procuraria formas de legitimar suas
Quadro 1 – Resumo da análise das sentenças e parágrafos
atividades a fim de diminuir a ima-
Análise
gem negativa que lhe foi imputa- Quantidade de sentenças sobre questões ambientais
da, tal como explica a teoria da Le- Total de sentenças do Relatório da Administração
gitimidade. Fonte: elaboração própria.

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 REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE 21

que esta disponibilizou o Relatório xos podem estar relacionados aos aspecto, o que poderia evidenciar a
de Administração dos anos de 2008 períodos vividos pela organização contradição entre o que empresa di-
a 2014. O ano de 2015, referente ao e ao que eram as suas prioridades zia e o que seria propagado.
período de ocorrência do desastre, naquele momento.
não apresentou o Relatório da Admi- Fato interessante a ressaltar é 4.2 Análise qualitativa das
nistração, por outro lado, a empresa a queda existente entre os anos de sentenças
divulgou um Balanço de Ações, que, 2012 a 2014. Uma possível justifica- Como forma de verificar as ex-
para efeitos deste estudo, substituiu tiva é o fato de notícias apontarem pressões mais utilizadas nas sen-
o Relatório de Administração no ano que, desde o ano de 2013, já existia tenças relacionadas às questões
em questão, por apresentar estrutu- o conhecimento dos riscos relaciona- ambientais, utilizou-se a técnica
ra semelhante a ele no que se refere dos à barragem em Mariana e que, de nuvem de palavras. Verificou-
à organização temática. No entanto, mesmo assim, ela não atendeu de se que, entre os anos de 2008 e
o relatório foi analisado separada- forma satisfatória às recomendações 2014 o próprio nome da empresa
mente por se tratar de documento para garantir a estabilidade dos pro- foi destaque nas sentenças rela-
elaborado após o fato que motivou jetos no local (HERDY, 2016). Acredi- cionadas às questões ambientais.
a realização do trabalho. ta-se então que a postura da empresa Dessa forma, compreende-se que
Destaca-se uma tendência de não era de se legitimar em seu Rela- a empresa procurava sempre vincu-
crescimento entre os anos de 2008 tório da Administração sobre ques- lar seu nome às boas práticas que
a 2010 e uma queda nos períodos tões ambientais, temendo a possível esta buscava transparecer em seus
seguintes nos Relatórios da Admi- divulgação de seus problemas nesse relatórios.
nistração elaborados pela empresa
no que se refere à quantidade de
sentenças, conforme apontado no Gráfico 1 – Quantidade sentenças entre 2008 e 2014 do
Gráfico 1. O ano de 2008 foi o que Relatório de Administração
apresentou tanto o menor núme-
ro de sentenças em todo o relató-
rio (165) quanto o menor número
de sentenças ambientais (17), en-
quanto 2010 evidenciou os maio-
res resultados nos dois aspectos (to-
talizando 661 sentenças no total, e
destas, 165 ambientais).
No entanto, deve-se levar em
consideração a proporção das sen-
tenças sobre a temática ambiental
no relatório de uma forma geral.
Em média, entre os anos de 2008
Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.
e 2014, as questões ambientais re-
presentavam 16,19% do total de
sentenças do Relatório da Admi- Gráfico 2 – Participação das sentenças sobre questões ambientais
nistração da companhia. O ano de no Relatório de Administração
2008 foi aquele em que esta te-
mática foi menos representativa
no documento, com 10,30% das
sentenças. Já 2011 foi o ano com
maior participação do tema, quan-
do teve 22,12% das sentenças do
relatório relacionadas com ques-
tões ambientais. O Gráfico 2 ilustra
que em alguns períodos ocorreram
quedas na participação das ques-
tões ambientais no Relatório da
Administração. Esses altos e bai- Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.

RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.

 Desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais (MG):
22 um estudo à luz da teoria da Legitimidade

Em 2008, as palavras com maior Figura 1 – Nuvem de palavras: 2008

destaque foram ‘Samarco’, ‘empre-
sa’, ‘ambiental’, ‘sustentável’ e ‘de-
senvolvimento’, conforme aponta a
Figura 1. Sabe-se que em 2008 ini-
ciou-se o trabalho na cidade de Ma-
riana, o que pode explicar o fato de
a expressão ‘desenvolvimento’ ter
sido ressaltada, já que a empre-
sa estava em expansão de ativida-
des. No entanto, desde o início do
funcionamento do reservatório, em
Mariana, o projeto já apresentava
falhas (BERTONI; 2016b). Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.
Notícias apontam que quatro me-
ses após o início das atividades em Figura 2 – Nuvem de palavras: 2009
Mariana, a mineradora já começou a
apresentar problemas, sendo que, no
ano de 2009, a barragem começou
a apresentar infiltrações, causando
um processo erosivo interno na es-
trutura (BERTONI, 2016a). Ainda as-
sim, no relatório de administração da
companhia, foi dada ênfase aos ter-
mos ‘sustentável’, ‘sustentabilidade’,
‘ambiental’, ‘comunidades’, ‘desen-
volvimento’, ‘gestão’, ‘meio’, ‘am- Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.
biente’, ‘qualidade’, além, é claro, do
seu nome ‘Samarco’ e ‘empresa’, tal Figura 3 – Nuvem de palavras: 2010
como ilustra a Figura 2.
Em 2010, as expressões mais
utilizadas foram ‘gestão’, ‘ambien-
tal’, ‘crescimento, ‘ações’, ‘recursos’,
‘ambientais’, ‘sustentável’, ‘susten-
tabilidade’, ‘empresa’, ‘Samarco’, tal
como pode ser visualizado na Figu-
ra 3. Sabe-se, no entanto, que nes-
se ano foi desenvolvido um estudo
científico por um grupo de pesqui-
sadores, sendo um deles funcioná-
Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.
rio da própria Samarco. O trabalho
constatou o potencial de liquefação Figura 4 – Nuvem de palavras: 2011
e que, se não fossem tomadas medi-
das preventivas, o desastre seria imi-
nente (OTTOBONI; 2015).
Ressalta-se que, a partir de
2011, além dos já citados, outros
termos, tais como, “gestão”, “pro-
jetos”, “recursos”, “resíduos”, “de-
senvolvimento” e “comunidades”
foram muito utilizados nos relató-
rios, tal como é visualizado na Fi-
gura 4. A expressão “P4P” também Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.

RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.

 REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE 23

foi destacada, a qual está relaciona- da (TOMAZELA; 2015). Fato notá- terceira vez consecutiva (BRASIL
da a projetos que a empresa adotou vel é que no mesmo ano a empre- MINERAL, 2015).
na área socioambiental, informação sa ganhou o prêmio “Melhores e Em seguida, realizou-se uma
esta apresentada em seu próprio Maiores”, da Revista Exame, como análise do balanço de ações da
Relatório de Administração. Eluci- melhor mineradora do Brasil, pela empresa, a fim de verificar tam-
da-se que a expressão “projetos”
também foi bastante utilizada nos
Figura 5 – Nuvem de palavras: 2012
relatórios deste período.
Ainda destacando as palavras
mais significativas, a partir do ano
de 2012 foi dada certa relevância
à palavra “água”. Uma explicação
para esse fato pode estar relacio-
nada à seca que enfrentou o Es-
tado de Minas Gerais no período
(MOREIRA et al., 2015). Entende-
se que a empresa procurou legiti-
mar suas práticas quanto ao uso
responsável deste recurso que es-
tava em escassez. Ainda em 2012,
os termos “Espírito” e “Santo” fo- Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.
ram bastante representativos, visto
que naquele momento a empresa Figura 6 – Nuvem de palavras: 2013
estava com expansão de atividades
na região. Estes resultados são es-
tampados na Figura 5.
O ano de 2013 continuou com
passos semelhantes aos dos anos
anteriores de 2010 a 2012, princi-
palmente, com as expressões ‘ges-
tão’, ‘P4P’, ‘recursos’, ‘projeto’,
‘ambiental’, ‘operações’, ‘desen-
volvimento’, ‘emissões’, ‘redução’,
‘água’, ‘investimento’, ‘compro-
misso’ e ‘Samarco’, tal como é Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.
demonstrado na Figura 6. No en-
tanto, no ano em questão, o Minis- Figura 7 – Nuvem de palavras: 2014
tério Público alertou sobre os riscos
da barragem, sendo que a empresa
garantiu que ela era segura e está-
vel (UOL NOTÍCIAS; 2015)
Em seguida, no ano de 2014,
termos como ‘ambiental’, ‘água’,
‘temas’, ‘recursos’, ‘desenvolvi-
mento’, ‘gestão’, ‘legal’, ‘emis-
sões’ e novamente ‘Samarco’, fo-
ram bastante citados no Relatório
de Administração, tal como ilustra-
do na Figura 7, justamente no ano
em que a empresa aumentou sua
capacidade de produção e, ao mes-
mo tempo, o volume de rejeitos
depositados na barragem rompi- Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração da Samarco.

RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.

 Desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais (MG):
24 um estudo à luz da teoria da Legitimidade

bém neste relatório o quantitativo mente acima do que foi apresen- local do desastre. Têm-se ainda
de sentenças sobre questões am- tado nos anos anteriores no Re- expressões tais como: “trabalho”,
bientais e as palavras mais utiliza- latório da Administração, mas o “tratamento”, “monitoramen-
das neste relatório. O documento nível da tragédia explica essa pos- to”, “recuperação” como forma
foi analisado de forma separada sível preocupação que a empresa de exemplificar as ações tomadas
por referir-se ao período pós-de- apresentou em se legitimar neste pela empresa. A Figura 9 aponta a
sastre e, portanto, necessitou de aspecto. Esse crescimento pode nuvem de palavras para o balan-
um cuidado especial no presente ser visualizado no Gráfico 3. ço de ações no aspecto ambiental.
estudo. Quando analisada, a nuvem de Assim, entende-se que a empre-
palavras “Rio”, “Doce”, “água”, sa, antes do desastre, apresentava
4.3 Análise do Balanço de Ações “pontos” receberam destaque, uma postura sobre a divulgação
Como comentado anteriormen- tratando-se sempre da ligação ao de informações ambientais, sendo
te, no ano de 2015, após o desas-
tre ambiental ocorrido na cidade
de Mariana (MG), a empresa Sa-
Figura 8 – Nuvem de palavras do Balanço de Ações (2015)
marco não publicou Relatório de
Administração, mas elaborou um
Balanço de Ações, com estrutura
semelhante ao documento supra-
citado, publicado em anos anterio-
res. No documento elaborado para
o ano de 2015, a empresa cita o
ocorrido e relata diversas medidas
tomadas, nos aspectos ambiental,
social e econômico.
No total, o relatório contou
com 170 sentenças. De uma for- Fonte: elaboração própria com base no Balanço de Ações da Samarco
ma geral, por meio da nuvem de
palavras elaborada para o Balanço Gráfico 3 – Participação das sentenças sobre
de Ações da companhia, destaca- questões ambientais de 2008 a 2015
ram-se como palavras mais citadas
no documento o próprio nome da
companhia “Samarco” e as pala-
vras “Rio” e “Doce”, fazendo refe-
rência ao rio atingido pela tragé-
dia. Os termos “Minas”, “Gerais”,
“Espírito”, “Santo”, “Mariana”,
“Rodrigues” são destacados tam-
bém, o que denota certa preocu-
pação da empresa em citar os lo-
cais atingidos, vinculando os seus
nomes às ações tomadas como Fonte: elaboração própria com base nos Relatórios de Administração (2008 a 2014) e Balanço de ações (2015).
forma de minimizar os prejuízos
causados pelo desastre ambien- Figura 9 – Nuvem de palavras das sentenças sobre questões
tal. A expressão “comunidade” ambientais do Balanço de Ações (2015)
também foi bastante citada, sen-
do realçada na nuvem de palavras,
conforme ilustrado na Figura 8.
No que se refere às sentenças
sobre questões ambientais, cons-
tatou-se a existência de 43 frases
o que representa 25,29% do total.
Este resultado está consideravel- Fonte: elaboração própria com base no Balanço de Ações da Samarco.

RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.

 REVISTA BRASILEIRA DE CONTABILIDADE 25

“
Tem-se, no entanto, que o ano de 2015 seria
fundamental para o estudo visto ter sido o período
em que ocorreu o desastre, porém a empresa não
divulgou este relatório para o ano em questão.
”
que, após a tragédia, ela procurou nização não publicou Relatório de Após o desastre, foi constata-
uma forma de se legitimar perante Administração, sendo que o relató- do que as palavras mais destaca-
a sociedade, elaborando um rela- rio substituto mostrou-se adequa- das no Balanço de Ações foram:
tório separado sobre as ações pós- do para a presente pesquisa. “Rio” e “Doce”, fazendo referência
desastre. Assim, deu uma atenção Averiguou-se que, entre 2008 e ao rio atingido pela tragédia; “Mi-
especial aos aspectos ambientais, 2014, as sentenças sobre questões nas”, “Gerais”, “Espírito”, “San-
visto que a participação ambiental ambientais representavam uma to”, “Mariana”, “Rodrigues”, re-
no relatório de 2015 foi maior que participação média de 16,19% ferindo-se aos locais atingidos; e
a média apresentada nos anos an- nos relatórios da administração. a expressão “comunidade”. Acre-
teriores analisados. Com isso, se- No entanto, em 2015, após a tra- dita-se assim que a empresa es-
gue-se para a seção conclusiva do gédia, este mesmo tema represen- tava procurando uma aproxima-
presente trabalho. tou 25,29% do Balanço de Ações, ção com a população que sofreu
o que denota preocupação por os impactos da tragédia, tentan-
parte da empresa em legitimar do de alguma forma legitimar-se
5. Considerações Finais suas ações perante a sociedade. para com esse grupo. No que tan-
Verificou-se também que a em- ge às expressões ambientais do
O objetivo do presente estudo presa procura vincular seu nome Balanço de Ações, “Rio”, “Doce”,
foi averiguar a importância dada sempre às boas práticas adotadas “água”, “pontos” receberam des-
às informações ambientais nos re- ao longo dos anos, fato este com- taque, tratando-se sempre da li-
latórios de administração da com- provado pelo fato de o nome da gação ao local do desastre, bem
panhia Samarco, envolvida no caso empresa ser sempre destacado na como “trabalho”, “tratamento”,
do desastre ambiental em Maria- nuvem de palavras como uma ex- “monitoramento”, “recuperação”,
na. Para o alcance do objetivo, pressão com alta citação nos rela- o que denota que a empresa preo-
realizou-se uma análise documen- tórios. Ainda foi averiguado que cupou-se em demonstrar que es-
tal no relatório escolhido entre os a palavra “água” também foi bas- tava envolvida em projetos para
anos de 2008 e 2014 e no Balanço tante mencionada, principalmente mitigar os danos causados pela
de ações publicado em 2015, visto após as graves secas que atingi- tragédia. Dessa forma, concluiu-
que, no ano em questão, a orga- ram a região de Minas Gerais. se que a empresa procurou uma

RBC n.º 229. Ano XLVII. Janeiro/fevereiro de 2018.

 Desastre ambiental em Mariana, Minas Gerais (MG):
26 um estudo à luz da teoria da Legitimidade

forma de se legitimar após o de- ser utilizados para a legiti-

sastre ocorrido, o que alinha os re-
sultados deste estudo aos aponta-
dos por pesquisas anteriores.
Visto ser esse um caso recen-
te e que ainda pode ser mais ex-
plorado, a pesquisa possui certas
limitações. Salienta-se, no entan-
to, que restrições são inerentes a
qualquer trabalho científico e o
pesquisador precisa estar cônscio
da existência delas. No presente
estudo, destaca-se como limitação
o fato de que apenas o Relatório
da Administração foi analisado,
sendo que as empresas possuem
outros documentos que podem
midade, tal como notas ex-
plicativas e balanços sociais.
Recomenda-se então uma
ampliação do presente traba-
lho no sentido de constatar a
forma como a temática ambien-
tal foi tratada nesses outros docu-
mentos por parte da empresa Sa-
marco. Recomenda-se também a
análise das demais empresas en- maior discussão da teoria da Legi-
volvidas no caso, tal como a Vale timidade, aplicando-a a um caso
S.A., BHP Billiton e VogBR. de grande repercussão mundial,
Assim, tem-se fé que o traba- abrindo o caminho para outros es-
lho alcançou o objetivo ao qual se tudos neste caso, que sem dúvida,
propôs e que apesar de suas limi- é um campo fértil e que precisa ser
tações pôde contribuir para uma explorado com mais profundidade.

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