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‘A Construgo do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sénia Maria dos Santos Garcia A CONSTRUGAO DO CONHECIMENTO SEGUNDO JEAN PIAGET Resumo: Este artigo trataré de analisara teoria de PIAGET, explicando aspectos relevantes de sua epistemologia genética para a educacao, demonstrando aos educadores um aluno capaz de construire reconstruir seu préprio conhecimento. Descobrindo e explicando que “conhecimento significa: organizar, estruturare explicar, a partir do experimentado, do vivido”. Serd feita aqui uma andlise da teoria de PIAGET, explicitando aspectos relevantes de sua epistemologia genética para a Educagdo. Esses aspectos, que tém servido de referencial basico para varios pesquisadores, como FERREIRO(1988), KAMII(1992), BECKER(1983), RANGEL(1992) e outros, mostram aos educadores um aluno capaz de construire reconstruir seu préprio conhecimento, JEAN PIAGET, bidlogo suigo, iniciou suas pesquisas ainda bem jovem e interessou- se pelo estudo do conhecimento. Como Pesquisador, viu na psicologia uma ciéncia que the possibilitou a realizagao de experimentos sobre 0 funcionamento da mente, sendo capaz de agregar a filosofia e a biologia, dando & filosofia um cardter cientifico, j4 que Piaget considerava 0 procedimento metodolégico da filosofia bastante especulativo e a biologia, por sua vez, nao Ihe possibilitava fazer Sonia Maria dos Santos Garcia* Abstract: This paper aims to analyse Piaget's theory, explaining notable aspects of his genetic epistemology in the education showing educators that a student is able to construct and reconstruct his own knowledge. His main objective was to solve the knowledge issue asking many questions such as: how is it possible to achieve knowledge? What kind of knowledge? Finding out and explaining that “knowledge means: organising, structuring, and explaining through lived experiences.” experimentagdes nesta drea espectfica. O objetivo primordial de PIAGET era o de responder a duas perguntas basicas sobre © conhecimento: como é possivel alcangar conhecimento? conhecimento de qué? Com base em suas pesquisas, descobre e explica que “conhecimento significa: organizar, estruturar e explicar, a partir do experimentado, do vivid.” E a resposta para a segunda pergunta de PIAGET é: “conhecimento do mundo em que vivemos, do meio que nos sircunda”. Nas epistemologias classicas conhecidas (racionalismo e empirismo) existe um postulado comum sobre a relagdo entre sujelto e objeto do conhecimento, ora dando €nfase ao objeto, ora ao sujeito. PIAGET critica esse postulado, acrescentando que o conhecimento ndo se origina nem dos objetos, nem no sujeito, mas da interagao entre os dois. * Professora do Departamento de Fundamentos da Educagio da UFU. Ensino em Re-vista, 6 (1):17-28, jul. 97,un.98. 7 ‘A Construgo do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sénia Maria dos Santos Garcia Sendo assim, 0 objeto do conhecimento para PIAGET 6 0 meio, abrangendo seus aspectos fisicos e culturais. Com os resultados de suas pesquisas, PIAGET descobriu que a ldgica nao é inata e que se desenvolve gradualmente, discordando assim da concepgao apriorista, que delega o conhecimento ao amadurecimento, em etapas organizadas e predeterminadas. Foi contra a concepgao empirista, que postula uma crenga no conhecimento como resultado da percepgao do individuo, como uma cépia do meio, & também discordou das teorias psicolégicas associacionistas e comportamentalistas que mecanizam a experiéncia do sujeito. Essas discordancias se devem ao fato de que, para PIAGET, *O conhecimento resultaria de interagdes que se produzem a meio caminho entre 0s dois [sujlto © objeto} dependendo, portanto, dos dois aomesmo tempo, mas em decorréncia de uma Indiferenciago completa, e nao de intercambio entre formas distintas. De outro lado e por ‘conseguinte, se nic hd, no inicio, nem sujeito no sentido epistemol6gico do termo, nem objetos concebides como tals, nem, sobretudo, instrumentos invariantes de troca, 0 problema Inicial do conhecimento sera, pois, o de elaborar tals mediadores." (PIAGET, 1983:6). A nogao de “construgao” resulta, pois, desse afastamento do empirismo e do apriorismo. Para PIAGET, o conhecimento néo 6 uma c6pia do meio e sempre existiré uma interagdo entre 0 “objeto do conhecimento” e 0 “sujeito epistémico”. Para PIAGET o sujeito epistémico é 0 sujeito do conhecimento. Ao estudar 0 desenvolvimento do conhecimento na crianga, PIAGET observa que a inteligéncia se constri através da estruturagao dos esquemas mentais, que Ihe permitem adaptar-se ao mundo. Um esquema pode ser utilizado em varias situagdes e de modos diferentes. PIAGET chama esquema de ago “aquilo que numa ago 6 transponivel, generalizével ou diferencial de uma situag&o pera a seguinte”.(PIAGET, 1983:11). Ateoria de PIAGET é entendida como uma teoria cientifica que explica os processos de aquisigéo dos conhecimentos, e esta beseada na interagao do sujeito com o objeto de conhecimento. A teoria psicogenética visa descobrir como se organiza o conhecimento humano ao longo do desenvolvimento cognitivo. A fim de compreender 0 que até aqu foi dito, seria necessdrio explicitar_algun aspectos importantes da teoria de PIAGE’. Segundo KESSELRING, os conceitos de “estrutura”, “equilibrio” e “auto-regulacao” so 0 principais conceitos da obra de PIAGET. 1 —0s Conceitos de Estruturs ‘Auto-Regulagao Equilibrioe KESSELRING afirma que "© conceito de estrutura vincula-se intimamente ‘20.de equilbio... o equlbrio cognitive se distingue do biolégico pela capacidade de identificar antecipadamente possiveis perturbagSes e de preveni-las através de medidas adequadas [auto- regulaco}."(1993:85 86). ‘As estruturas cognitivas so condigdes basicas de todo conhecimento. Elas néo séo impostas pelo meio, por sensagées ou percepgdes, nem sao inatas, mas constru(das pela agdo. “As estruturas nao estéo pré- formadas dentro do sujeito, mas constroem-se @ medida das necessidades e das situagdes."(PIAGET, 1978:387). 18 Ensino em Re-Vista, 6 (1):17-28, jul 97.un.98. ‘AConstrugéo do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sénia Maria dos Santos Garcia Desde bem pequenina, a crianga, através da ac&o, vai construindo gradativamente suas estruturas cognitivas que se manifestam nos estégios de seu desenvolvimento cognitivo. Existem quatro fatores gerais que determinam a construgao das estruturas especificas do ato de conhecer: 1. a maturagdo organica do sujeite consiste na capacidade do sujeito em abrir novas possibilidades para o aparecimento de certas condutas, condigao necesséria, mas nao suficiente, uma vez que o conhecimento se constréi através da interagao. 2. a experiéncia adquirida no exercicio da agéo sobre o objeto, que PIAGET distingue sob as formas de experiéncia fisica e Iégico-matematica: 2.1 a experiéneia fisica: 6 aquela que permite, através da abstracao simples ou empirica, retirar informag6es dos préprios objetos, descobrindo qualidades que Ihes sao proprias, por exemplo, a forma, 0 peso, 0 tamanho, a espessura, a cor, se & plastico, madeira, borracha, papel ou vidro, etc. 2.2- a experiéncia _Iégico- matemética: ocorre através da abstracéo teflexiva, porque consiste em relacdes mentais criadas pelo proprio sujeito. Ex: as criangas criam relagdes simples entre dois ou mais objetos, coordenando-os entre objetos da mesma cor e de cores diferentes. Tornam-se capazes de deduzir, mais tarde, que num conjunto de bolas verdes e vermelhas, a quantidade de bolas é maior que a quantidade de bolas vermelhas. Os dois tipos de experiéncia sao adquiridos no momento da interagéio e nao ocorrem numa ordem temporal especifica, como, por exemplo, primeiro a experiéncia fisica e depois a experiéncia légico-matematica. Para que uma crianga consiga abstrair as propriedades fisicas de um objeto, ela precisa inseri-las num sistema légico-matematico, estabelecendo relagdes entre varios objetos, solidificando e ampliando cada vez mais o seu nivel de desenvolvimento. Desta forma a experiéncia 6, para PIAGET, condicao essencial para o desenvolvimento da inteligéncia, mas nao suficiente, pois 0 desenvolvimento pressupde uma atividade estruturante do sujeito. 3.\@ influéncia do meio social externo: necessario, mas também insuficiente, para a construgao das estruturas cognitivas, as trocas sociais, a linguagem e 0 jogo de regras enriquecem as estruturas, mas nao explicam a complexidade da construgao do conhecimento, j4 que este n&o pode ser ensinado, por transmiss&o, ao sujeito. Ao contrério, para compreender esse conhecimento, o sujeito possui esquemas que the permitem assimilar e interpretar 0 mundo, evidenciando assim a existéncia de um mecanismo “construtor ‘intemo”. 4. a equilibragéo das estruturas cognitivas: é 0 mecanismo interno de passagem progressiva de um patamar de equilibrio a outro, cada vez mais estavel. A concepgao piagetiana da génese e do desenvolvimento do conhecimento é contréria as do empirismo e do apriorismo, ndo s6 porque estes reduzem o conceito de experiéncia aos limites da percepedo e de fatores inatos, mas também por ignorarem a fungao da atividade construtiva do sujeito mediante uma Progressiva equilibraco. Do ponto de vista psicogenético, a equilibragdo 6 o motor da construgao do desenvolvimento cognitive. Ensino em Re-ista, 6 (1):17-28, jul 97,un.98, 19 ‘A Construgéo do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sonia Maria dos Santos Garcia © equilibrio de uma estrutura nao é total, serd sempre relativo a construgao de outra estrutura mais ampla, que se orienta para um ‘equilibrio melhor. O processo de equilibragao consiste geralmente em melhorar 0 estado inicial das estruturas cognitivas. Temos, nas palavras de CASTRO, a nogéo de equilibrio: “0 processo de equilbrago nao consiste numa simples volta ao ponto de partida, mas conduz, ‘em geral, a um estado methor que 0 inicial. O mecanismo auto-regulador 6 construtivo, traz progressos engendra novidades(...) Essa orientagao para melhoria, a construgéo de novidades(...) caracteriza’ uma equilibragao majorante."(CASTRO, 1983.22). A equilibragéo majorante decorre do proceso de equilibragdes sucessivas, que se diferencia das mais simples e incompletas, extraida do funcionamento préprio dessas regulagées. Ela se organiza, fazendo com que a estrutura cognitiva se enriquega e progrida. © enriquecimento mais significativo é a construgao gradual das negagdes de diferentes tipos (parciais, totais, mais ou menos interiorizadas), porque sua aquisigao confunde- se com a construgao, também gradual, das operagées reversiveis. E a auto-regulagéo é a capacidade que 0 organismo tem de preservar um sistema de equilfbrio, seja em caso de perturbagéo ou de sua melhoria. “Vida 6, em esséncia auto- regulagao”.(PIAGET apud KESSELRING, 1973:27). Ao estudar o desenvolvimento cognitivo infantil, PIAGET descobriu que esse desenvolvimento é caracterizado por construgées e reconstrugdes, adquirindo, assim, um carter seqiiencial e integrativo. *Sequencial porque pode-se distinguir, nos varios momentos evolutivos, certas caracteristicas ‘especificas que se manifestam tanto nos arranios ‘espontaneamente feitos pelas criancas com objetos diversos, como nasjustiicative we ele fomecem.” (SEBER, 1989:15). © caréter integrativo si construgdes de um estdgio anterior séo integradas as construgdes do estagio seguinte, como contetidos necessarios a novas formas deconhecimento. Com esse caréiter de graduacao sucessiva e integrada, o desenvolvimento infantil ocorre em quatro estagios. 2- Os Estagios do Desenvolvimento Infantil O sensério-motor, que vai do nascimento até, aproximadamente, dois anos. Etapa que precede a linguagem. A crianga neste estdgio constréi e coordena esquemas de assimilag&io, tendo como referéncia suas percepgées e movimentos. Este estagio caracteriza-se pela construcao de esquemas de agdo que possibilitam a crianga assimilar objetos e pessoas. Caracteriza-se por uma inteligéncia prética, que coordena, no plano da ago, os esquemas que a crianga utiliza. O pré-operatério, etapa que se iniciacom a linguagem e avanga até por volta de sete anos: esta fase caracteriza-se pela plena manifestagao da fungao simbélica e pelo aparecimento intuitivo das operagdes. Acrianga pode representar, substitur objetos ‘ou acontecimentos, age “como se” fosse, por simulagao. Por Ihe faltarem recursos cognitivos para sair do seu ponto de vista e operar, diferenciando e integrando os estados e as transformagdes das coisas, fala- se do carater egocéntrico desse estagio. Operatério concreto, periodo entre 7 a 12 anos, denominado de etapas das 20 Ensino em Re-Vista, 6 (1):17-28, jul.97 jun.98. ‘A Construgo do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sénia Marla dos Santos Garcia operagées concretas. Este estagio & caracterizado pelo inicio das operagdes légicas que so marcadas pelo pensamento reversivel, ou seja, a crianga neste estagio 6 capaz de admitir a possibilidade de se efetuar a operacdo contréria. Para PIAGET, neste estagio, os estados estdo submetidos as transformagées reversiveis. + Operagées proporcionais ou formais, que acontece a partir dos 12 anos. Neste estdgio 0 pensamento ldgico alcanca um nivel maior de equilibracao, constituindo uma légica proposicional, o que foi considerado por PIAGET 0 auge do desenvolvimento cognitivo. Para PIAGET, cada estagio de desenvolvimento é marcado pela construgao de estruturas cognitivas prdprias, mas integradas as estruturas construidas no estagio anterior, ampliando os patamares que se complementam através de equilibrio. Sendo assim, de um patamar de equilibrio a outro, de estagio a estagio, o sujeito modifica e amplia suas estruturas para ajustd-las as necessidades dos objetos que assimila, Cada estégio constitui-se, entéo, numa forma momentanea de equilibrio que, pelo processo de equilibragdo, prepara as construgdes posteriores em direcdo a um equilfbrio cada vez mais estavel. Portanto, cada ‘estdgio é definido por caracteristicas prOprias, na medida em que a crianca constréi determinadas estruturas cognitivas. Por ‘exemplo: no operatério concreto consolidam- se as nogées de classificacdo, seriagdo © conservagao que no periodo anterior eram intuitivas. Os estagios vao-se diferenciando dos anteriores, de forma que a crianga passa a dispor de novos esquemas, diferentes, mais flexiveis e méveis. Dispondo de esquemas de aco, que so flexiveis e capazes de transformagao, o sujeito constr6io conhecimento do mundo real, imprimindo significado a tudo que o cerca. Essa construgao somente é possivel gragas ao equilfbrio entre os mecanismos de assimilagao e acomodagao. 3- As Nogées de Assimilagao, Acomodagao e Adaptagao Na teoria psicogenética de PIAGET, as. nogdes de assimilagéo e acomodagéo constituem aspectos essenciais. Assimilagdo é a incorporagao do objeto de conhecimento, ou de parte dele, estrutura cognitiva do sujeito; © acomodacao é a modificaao que a estrutura sofre, devido a incorporagéo de elementos Novos a ela, ou seja, é a transformagao que os esquemas de assimilagdo precisam realizar para que a estrutura cognitiva se ajuste ao objeto. "Aassimilagao © a acomodagaio s&0, portanto, 08 dois péios de uma interacdo que se desenvolve entre © organismo [sujeito}@ o meio [objeto], a qual constitu a condigao indispensavel de todo funcionamento biol6gico e intelectual; e essa interagao supde, desde o inicio, um equilrio entre as duas tendéncias dos pélos opostos". (Piaget, 1979:328). E através desses dois mecanismos que © sujeito constréi o conhecimento. Entendido dessa forma, 0 conhecimento é uma aquisi¢éio do sujeito que assimila as informagdes com as quais se defronta a partir de sua interagao com © real; sendo necessério interpreté-las, ele 0 faz com base nas estruturas que j4 possui. Tudo 0 que o sujeito construir futuramente sera determinado pela Ensino em Re-vista, 6 (1:17-28, ul97./un.98. 21 ‘AConstrugio do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sénia Maria dos Santos Garcia assimilagao. Assimilar seré sempre assimilar através de esquemas e, sendo assim, 6 impossivel determinar o que surge primeiro, se a assimilago ou o esquema, j4 que um depende do outro para seu funcionamento. Para PIAGET a acomodagao diferencia os esquemas de ago, visando, por um lado, adapté-los melhor a diversidade e, por outro, colaborar na criagdo de novos esquemas. Se a assimilagéo 6 a “incorporagéo de elementos do meio 4 estrutura”, a acomodacéo 6 a “modificagéo dessa estrutura em fung&o das modificagées do meio.” (DOLLE, 1987:50). Pode-se afirmar que a adaptagao 6 um estado de equilibrio entre a assimilagao e a acomodagao. Sendo assim, nao existe assimilago sem acomodagao, uma néo acontece sem a outa. E a organizagao refere- se ao aspecto interno das relacdes que ligam entre si os elementos jd adaptados. © desenvolvimento cognitivo é um processo de equilibragéo. Para PIAGET, as estruturas cognitivas das criangas mudam através da adaptacdo a situagdes novas que enfrentam no seu cotidiano. Nas suas palavras, “intoligéncia 6 adaptagdio e sua funciioé estruturar © universo, da mesma forma como o organismo estrutura o meio ambiente’. (PIAGET, 1983:11). Desde 0 inicio de suas reflexdes tedricas, PIAGET afirmava que o ato de conhecer provém da aco do sujeito sobre 0 objeto de conhecimento, por exemplo, os objetos fisicos, © sistema de numeragao e todas as relagdes que 0 definem. Por sua vez 0 sujeito conhece ‘os objetos, porque os insere numa estrutura mental que possui no momento da interagao. Essas estruturas, como ja foi dito, vo sendo construldas pela interagdo, ou seja, na simultaneidade da ago da crianga sobre o mundo e a ago do mundo sobre a crianga. Todo esse processo de construcéo das estruturas cognitivas vem acompa® -iado por dois mecanismos solidarios: a abstre.a0 @ a generalizacao. Abstrair, numa primeira acepao, pode ser entendido por algo como isolar uma qualidade perceptivel de um objeto ou isolar um aspecto dentro de um contexto. Quando se abstrai o verde de uma folha, por exemplo, retém-se 0 seu verde individual. O conceito de “verde” s6 é possivel porque se pode isolar e generalizar, os dois mecanismos ue compiem os passos da abstracdo. PIAGET distingue ainda a abstragdo empirica, em que as informagoes sao obtidas da experiéncia fisica, como bater, puxar, ‘empilhar, o que permite extrair informagées das caracteristicas dos objetos e das agdes; a abstracao reflexiva, ou refletidora, fase em que a crianga descobre a possibilidade de estabelecer relages de correspondéncia, de ordem, de comparagao e, por ultimo, a abstragao refletida, que ocorre quando a abstragdo reflexiva torna-se consciente. A ctianga passa a refletir sobre suas agdes. A generalizacio 6 o mecanismo de passagem da aco & representago, isto 6, 0 processo de construgdo e reconstrug&o. © processo de construgéo © conhecimento se dé individualmente, no sentic.. psicolégico e neurolégico, sendo que o social ealiza-se ao nivel das trocas simbélicas e 0 elo de ligacdo é realizado pela ago da crianca. Sem esse processo as estruturas nao se constituem e as criangas néo compreendem o que hes é ensinado. O nome deste processo de construgéo do conhecimento 6 abstragao empirica e, sobretudo, reflexiva. 22 Ensino em Re-Vista, 6 (1):17-28,jul97.un.98, ‘AConstrugio do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sdnia Maria dos Santos Garcia A crianga, por volta dos 7-8 anos, passa a admitir um principio de identidade de nivel operatério, 0 que a torna capaz de classificar, seriar, colocar em correspondéncia objetos. Trata-se, no entanto, de agdes sobre 08 objetos e nao de operagdes sobre enunciados verbais. E 0 inicio das “operagdes concretas”, mas jd organizadas em estruturas reversiveis com leis de totalidade. 4 = As Operagées Concretas e 0 Inicio do Pensamento Légico E através da conquista dessa estrutura reversivel que a crianga compreende as Possibilidades de fazer e refazer uma mesma acdo. “Chamaremos reversiblidade a capacidade de fexecutar a mesma agdo nos dois sentidos de percurso, mas tendo a conseiéncia de que se trata da mesma apo’. (PIAGET, 1957:40). Reversibilidade 6 a capacidade de considerar simultaneamente uma agao e sua inversa, ou sua equivalente, ou uma acao realizada e uma nao realizada (virtual ou apenas possivel). Por isso PIAGET afirma que No estdgio operatério concreto os estados so submetidos as transformagées reversiveis. A reversibiidade se apresenta no periodo das ‘operagies concretas sob duas formas:"Uma que podemos chamar de inversio, ou negagao, que ‘aparece na légica das classes, a artmética, otc, a ‘outra que podiamos chamar de reciprocidade, que ‘aparece nas operagdes de relagdo.” (PIAGET, 1983261), A reversibilidade, uma vez adquirida, possibilita & crianga encontrar a objetividade necessdria para abordar os fendmenos considerando-os sob diferentes pontos de vista. Essa objetividade, enfim, permite a ela “operar” Ensino om Revista, 6 (1):17-28,juL97,jun.98. © atingir a realidade, ao tomar “consciéncia” de suas agdes sobre os objetos. As criangas que frequentam as séries iniciais do ensino fundamental esto na faixa etdria correspondente ao perfodo de 07 a 11 ‘anos, 0 que corresponderia, segundo PIAGET, ao estagio operatério concreto. "Apassagem do nivel pré-operatério 20 operatério pode ser vista como uma transic&o do fazer a0 ‘compreender; nesta transi¢ao o fazer nao desaparece, mas 6 reconstruido ao nivel da representagdo, estruturado pela capacidade ‘operatéria, ou seja, ao nivel da compreensio, mas © fazer, a agdo 6 a condi¢ao necessaria da ‘compreensio". (BECKER, 1983:119). Ha, no pensamento operatério concreto, se comparado ao pré-operatério, uma diregdo do desenvolvimento no sentido do real ao virtual. Assim, classificar os objetos significa construir de tal forma novos objetos que possam ser ligados aos objetos jd clasificados, assim sucessivamente novas inclusées se tornam possiveis. Desde bem pequena, a crianga estabelece relagdes entre os objetos, quando os compara, os agrupa ou os ordena por suas semelhangas ou diferencas, sem ainda realizar estas agdes de forma légica e conscientemente. Inicialmente essas relagdes séo de natureza sensério-motora e apoiam-se em percepgdes e manipulagdes em fungéo da capacidade perceptiva tatil que a crianga possui. As relagées véo sendo enriquecidas pela representacao mental que ela consegue fazer dos objetos, mesmo na sua auséncia, dos acontecimentos do passado, libertando, aos poucos, seu pensamento do cardter pratico e jediato da fase anterior. As estruturas cognitivas deste periodo necessitam ainda dos objetos reais, passiveis de serem manipulados 23 ‘A Construgao do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sénia Maria dos Santos Garcia “Nao repousam sobre enunciados de proposigbes verbais, mas sobre os objetos que elas se imitam aclassiticar,seriar, colocar em correspondéncia, etc...) Em outras palavras, a operagao nascente ainda esta ligada A ago sobre os objetos © & manipulagao_efetiva, ou simplesmente ‘mentalizada’. (PIAGET, 1989:114. Aconstrugdio das operagdes concretas marca o inicio do pensamento Idgico, que & regulado pela reversibilidade, que da mais mobilidade ao pensamento e Ihe permite uma descentracao progressiva mais rdpida. Esta etapa é caracterizada por uma série de estruturas cognitivas em vias de acabamento, que PIAGET denominou de “agrupamento”. As relagées légicas constitu(das no periodo concreto engendram, no pensamento da crianga, as estruturas de CONSERVACAO, CLASSIFICAGAO e SERIAGAO OPERATORIAS. 5 - A nogo de conservacao Para PIAGET e INHELDER (1975), 0 desenvolvimento da nogao de conservagao, que se refere as quantidades continuas (liquido massa) e descontinuas (contaveis como unidades intensivas ou discretas), se inicia a partir de um nivel de nao conservagao. A crianga s6 atinge a estrutura de conservagao operatéria quando seu julgamento torna-se independente da percepgo, como, por exemplo, quando as quantidades passam a ser compreendidas como permanentes, embora mude a forma, Esta estrutura estard constituida quando a crianga construir a nogao de invariantes como quantidade, substancia, peso, volume, etc e seu pensamento alcangar a reversibilidade. “0s argumentos empregados pela crianca para justticar as conservagbes so: 1)identidade: "6a mesma massa" ou “36 fizaram encompridé-a", “nao se tirou nem se acrescentou nada’; 2) reversiiidade simples: ‘pode-se deixé-ia como antes'etc.; 3) compensagao: “é mais comprida {@salchicha comparada com abolinhainicia), me 6 mais fina."etc’, (PIAGET & INHELDE: 1975:27), Esses argumentos sao solidarios, apesar de sua complexidade aparentemente crescente. A identidade geralmente vem acompanhada de reversibilidade e de compensagao. Isso significa que a crianca s6 poder afirmar que o alongamento de uma bolinha de massa de modelar, por exemplo, “é amesma massa" (identidade), dando-se conta de que pode fazé-la retornar ao estado inicial, “pode-se deixé-la como antes" (reversibillidade) e, por ultimo, se tiver consciéncia de que a quantidade de massa é a mesma, nas duas situagdes, “é mais comprida, mas 6 mais fina’ (compensag&o). A crianga nao constrdi a nogéo % quantidades mediante simples comparaya visual entre dois objetos fisicos. Chega-se & nocao através da representacao da seqiiéncia das diferentes situagées de transformagao. Na medida em que constréi a representagao, compara comprimento com espessura. Para KESSELRING, lenquanto 0 esquema de permanéncia dos objetos se vincula a uma atividade representativa simples [de primeira ordem}, 0 esquema de conservacdo das quantidades tem como pressuposto a capacidade de representagdo de ‘segunda ordem.”(1993:154). Quando uma crianga nao consegue ‘demonstrar que possui a nogo de conservacao 6 porque Ihe falta construir as estruturas de conjunto, 0 que sé é possivel através das 24 Ensino em Re-Vista, 6 (1):17-28, jul. 97.un.98. ‘A Construgo do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sénia Marla dos Santos Garcia operacdes reversiveis. A nogdo de conservacao 6 consiruida de forma integrada com as outras nogées. 6 - A nogao de classificacao “uma classe qualquer caracteriza-se sempre por: 1) sua compreensdo, que retine os caracteros ‘comuns que se aplicam aos individuos 4 ‘compéem; 2) sua extensio, que conceme ao, Cconjunto dos individuos aos quais se aplicam as qualidades dos caracteres comuns.” (DOLE, 1987:138). Classes so conjuntos de objetos ou acontecimentos que se reuinem por suas caracteristicas comuns. As caracteristicas comuns definem as classes a que pertencem 08 objetos e esses, por sua vez, podem ser classificados de diferentes maneiras, conforme a dimensdo que se privilegia no momento. Entretanto nenhum objeto pode pertencer simultaneamente a duas classes na mesma dimenséo. As estruturas cognitivas de classe se organizam em agrupamentos que sao: Operagao Idéntica, Operagao Inversa e Operagéio Associativa. A estrutura operatéria, baseada na reversibilidade, assinala a conquista da operagéo de inclusdo e a crianga pode compreender que os critérios que unem os objetos numa classe maior néo se perdem quando esta 6 dissociada em subclasses, mas se sobrepdem. O equivalente acontece na operago inversa, quando duas subclasses so incluidas numa classe maior. Ao utilizar os métodos descendente e ascendente de maneira equilibrada, como um Unico sistema de operagées direta e inversa, a crianca pode ainda usar dois ou mais critérios ao mesmo tempo, para proceder a classificagdes multiplicativas, construindo, paulatinamente, ‘seus quadros de duas ou trés entradas. PIAGET e INHELDER (1983) descrevem uma evolugao na constituigao desta nogdo. Num primeiro momento, aparecem as colegGes figurais, em que a crianga nao se preocupa inicialmente com os critérios de semelhanga ou diferenga dos objetos entre si Sua preocupagao esta nos objetos e na sua forma. Jé no segundo momento, aparece 0 nivel das colegdes nao figurais, que consiste na formagao de grupos de objetos reunidos por quaisquer semelhancas. A estrutura operatéria de classe sé estaré construida quando a crianga conseguir fazer inclusdes hierérquicas. A inclusdo de classes esta ligada & compreensao de “todos e alguns”, enquanto quantidades puras e relativas, sendo complementares. Com a conquista da reversibilidade, a crianga passa a compreender que os critérios que unem os objetos numa mesma classe maior néo se Pperdem quando esta é distribuida em sub- classes, mas se sobrepdem. 7 -A nogiio de seriagao operatoria Este tema fez parte das investigagoes de PIAGET e INHELDER(1975) e PIAGET e SZEMINSKA(1981). Segundo essas pesquisas, num primeiro momento a crianga nao produz a configuragao desejada. Ela justapde pares ou trios, separa-os em grandes e pequenos, pesados e leves, néo sendo ainda capaz de acrescentar novos elementos aos jé seriados. Num segundo nivel de estruturagdo, a crianga chega a ordenaco correta, por tentativas. Nao ‘consegue ainda intercalar elementos em uma série j4 constituida. Somente num terceiro momento é que a crianga consegue éxito. Ensino om Re-vista, 6 (1):17-28, jul 97,un.98. 25 ‘AConstrugio do Conhecimento Segundo Jean Piaget - Sdnia Maria dos Santos Garcia Este “método descrito por PIAGET, INHELDER e SZEMINSKA consiste em escolher o maior objeto, em seguida o maior entre os que restam e assim sucessivamente” (BOLLE, 1987:147). A crianga resolve problemas de transitividade sendo capaz de colocar novos. elementos em uma série j4 constituida. Na seriago os objetos so agrupados de acordo com suas diferengas ordenadas. Seriar objetos é ordend-los de acordo com algum critério, seja sua cor, medida, qualidade. Para PIAGET 0 mais importante nao esté no resultado das agdes das criangas, e sim na maneira como realizam estas ages. As criangas ja teréo construido a estrutura de seriagéo quando conseguirem utilizar este método, que é sistematico, em que procuram distinguir o maior elemento entre os demais a fim de construir uma ordem serial. Pode-se afirmar que “Alnteligéncia operatéria concreta consiste, pois, ‘em classificar, seriar, enumerar objetos e suas propriedades no contexto de uma relago do sujelto 20 objeto concreto direto e sem a possibilidade de raciocinar sobre simples hipéteses.” (DOLE, 10987:116). Para entender construtivismo de PIAGET, é necessério conceber a crianga como um sujeito ativo que assimila objetos contextualizados. O que a crianga constréi jé foi construido por outros sujeitos, daf a idéia de re-construgao, tao discutida por pesquisadores e estudiosos da educagao. Oconstrutivismo Piagetiano supde, por parte do professor, conhecer bem o objeto do conhecimento que sera estudado por ele e pelas criangas, supde também conhecer 0 sujeito, a crianga, que iré.construir esse conhecimento. A intervencéio adequada pode fazer com que a crianga supere suas dificuldades. O professor nesta visio torna-se suporte das interagSes individuais ou coletivas, que por sua vez é coordenada por um processo de constantes equilibracoes. grande desafio deste final de século seria o de criar oportunidades significativas para que os professores, de maneira geral, pudessem construir seu conhecimento en: situagéo semelhante a da crianga, compreendendo a concepgdo epistemolégica que embasa o contrutivismo piagetiano. REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS BECKER, Femando. Da agdo a operagao: 0 caminho da aprendizagem em Jean Piaget e Paulo Freire. SAo Paulo: Pontit Universidade Catdlica de Sao Paulo. 19¢ (Tese de Doutorado). __. A epistemologia do professor: 0 cotidiano da escola. 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