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DIREITO E JUSTICA REVISTA DA FACULDADE DE DRETTO DA DNIVERSIDADE CATOLICA PORTUGUESA Propriedode: Universe Catdiica Portugues Eaigao: Faculdade de Dito Director: Rui Medaros DirsctorAdjunto: Miro A de Amelda Fundador Jeo de Castro Mendes ‘Antigos Directores ‘Jodo de Casto Mordos Maro Jo de Ameida Costa ‘Antno ce Sousa Franco Garmano Marques da Siva Conseiho de Redaceio Maria Paula Rbero ce Faria (Presidente) Maria Ciara Sottomeyer Horrque Sousa Antunes “Tefara Guora de Armed Redacelo © Administragao Faculdage de Oreo Universidade Catciica Portuguesa Palma ge Cima 1649-023 Lisboa Tole: 2172141 76 Fax 21721417 Toda a comespondéncia destinada revista ~nclundo pedkdos de asinatura, ppagamentos © ateragdes de endereco ~ deve ser drigida a: FACULDADE DE DIREITO. Universicade Catdlea Portuguesa Pama de Cima 1640-025 Lisboa Execugde Grafica ‘SerSito-Empresa Griffea SA/Mala “Trager: 1000 ex DDepesto legal n2 126771/08 ISSN 0871-0336 Ettore LUNWVERSIDADE CATOLICA EDITORS Palma de Cima = 1649-023 Lisboa “ol: 21721 4024 — Fax: 21 721 4029 ‘ucoduoediora.uep pt ~ wwe pUscestora A nova lei da adopgao” ‘Maga CLARA SOrTOMAyOR** A politica de inféincia tem sido centrada numa ideia de recuperacdo da familia de origem, fomentando, assim, situagdes de confianca da ‘guarda das criangas a instituigoes ou famflias de acolhimento, em detrimento da adopeo. A institucionalizagio vem a prolongar-se por ‘muitos anos, durante os quais as criangas continuam privadas de uma familia prépria, adoptiva ou biolégica, até & maioridade ou até a uma ‘dade que torna improvavel a adopeio. O processo de confianga judi- cial com vista a futura adopgdo tem padecido também, na pritica, de sum excesso de garantismo, a favor dos direitos dos pais biolégicos. A interpretagao e a aplicagao da lei por parte da magistratura tem variado, sendo mais flexivel ou mais presa a letra da lei, mas reflectindo, sem- ‘pre as concepgtes pessoais dos jutzes acerca do que silo a infincia e a familia. Verifica-se que persiste, no sistema judicial, uma mentalidade ‘que encara a crianga como um objecto, que necessita apenas de uma casa e de alimentagio, ¢ que desconhece a importancia do afecto e da relagio emocional para o seu crescimento e felicidade. A prética tem sido a de muitas criangas, em condigdes de serem adoptadas, nao esta- ‘em sinalizadas para adopgio, ou esperarem anos, depois de serem abandonadas, até que 0 Estado desista da reabilitagao dos pais biolégi- ‘Tento que servi de base & Confertaciaproferda na Associagao Portuguesa de MutheresJurstas, em 16 de Novembro de 2003, intaada “A Nova Lei de Adopséo, Aspectos Substantivos” ~ Lei n® 31/2003, de 22 de Agosto. ™ Assitente da Faculdase de Diteito da Universidade Catlice Portguesa ~ Posto; Mestre em CiénciasJurdico-Civilisticas pela Universidade de Coimbra, 282 pineno esusTi¢a os. O principio da prevaléncia da familia, como critério orientador da intervengio do Estado (art. 4°, al. g) da Lei de Protecgiio de Criangas e Jovens em Perigo) ndo deve ser entendido como uma primazia da familia biolégica mas antes como uma preferéncia pela insergio da cri- anga numa famflia funcional, seja a familia de origem, a familia de facto 03 a adoptiva. Com a nova lei da adopeao deu-se um passo em frente na protecgio, das criangas sem familia e vitimas de maus-tratos. A lei afirma expres- samente que a adopgdo visa realizar 0 superior interesse da crianca (art 1974. n.*1), algo que jé estava subjacente 20 espirito do anterior regime juridico da adopco, mas cuja consagragio expressa, nas nor- ‘mas do c6digo civil, tem um importante valor simbélico susceptivel de fomecet orientagdes concretas ao intérprete e de o vincular a uma con- ‘cepcio da adopeéo, como um instituto centrado nos interesses da cri- nga © no seu direito a ter uma familia Esta nova legislagio tem 0 mérito de assentar em princfpios justos, ‘mas que a falta de recursos econémicos adequados ¢ a mentalidade dos intervenientes no processo, em todas as suas fases, pode frustrar. A afir- ‘magio de direitos tem um valor simb6lico muito importante, mas, sem ‘um compromisso sério do Estado e da sociedade na afectagio de recur- 808 € né educagio dos cidados, nio chega para tomar os direitos efec- tivos. B.0 que tem sucedido com as anteriores reformas da adopcdo, 0 institute mais alterado, no direito da familia, desde 19771 Confianca judicial com vista a futura adopgio A confianga judicial com vista a futura adopgdo passa a ser enten- ida pela Iei como um instituto que visa a realizagfo dos interesses da crianga. O art. 1978. do Cédigo Civil, n° 2 afirma, agora, expressa- ‘mente, que, na verificagao das situagdes que dio origem a uma decisio de confianga judicial, © tribunal deve atender prioritariamente 20% direitos e interesses do menor. Havendo um conflito entre os interesses dos pais biol6gicos em manter os lagos de filiagao e o direito da crianga 2 Sobre ests altergics, vide HORSTER, Heinrich Ewald, Evolugées lepislativas no Direltc da Fama depois da Reforma de 1977, ia Comemoracdes dos 35 Anos do (Cédigo Crit € dos 25 Anos da Reforma de 1977, Volume I, Divito da Fama e das Sucessdes, Coimbra, 2004, p. 63-66 [ANOVA LELDA ADOFGAO jana ser amada e a viver com um adulto ou casal que se responsabilize por ela, no dia-a-dia, prevalecem os interesses da crianga. ‘0 poder paternal € visto pela lei como um conjunto de deveres ¢ de responsabilidades parentais, cujo valor central ¢ a afectividade e no os lacos de sanguc. A lei pretende difundir na sociedade e nos meios judi- ciais uma cultura de responsabilizagio dos pais ¢ de realizagio das necessidades afectivas dos fills. Pais sio aqueles que cuidam dos filhos no dia-a-dia. A linguagem legal, “poder patemal”, nfo taduz a relagdo quotidiana de cuidado e de amor pelos filhos?, Verdadeiros pais so 08 pais psicolgicos, ou seja, aqueles que cuidam da seguranga, da satide fisica e do bem-estar emocional das criangas ~ as suas pessoas de referéncia, ‘A nova lei da adopeo dé mais um passo no sentido da equiparago da familia afectiva & familia biolégica e valoriza mais as criangas como pessoas, O respeito pela crianga como pessoa significa respeito pelas suas relagdes afectivas. Este respeito prevalece sobre a empatia que ‘possamos ter, como adultos, com os sentimentos dos pais. O centro do instituto da adopeo ¢ a crianga. Neste sentido, a andlise da existéncia de lagos afectivos entre 0 filhos € 08 pais biol6gicos, pressuposto deci- sivo para decretar a confianga judicial da crianga com vista a furura adopgio, deve ser realizada do ponto de vista das criangas?. O afecto ddos pais, para uma crianga de tenra idade, nada significa quando sepa- rado dos cuidados e das atengdes de que esta necessita, constantemente, no dia-a-dia, A finalidade da lei &a proteego das criangas ¢ nfo a pani ‘¢Ho dos pais. Consequentemente, as causas da confianga judicial so Claramente motivos objectivos, cuja verificagdo ndo depende de culpa dos pais. Ficou, assim, afastada uma anterior corrente jurisprudencial, 2 para ums definigo da nature jridica do “poder patemal” como cuidado ou res- ‘ponsabilidade parent, vide SOTTOMAYOR, Masia Clara, 0 poder paternal como Cuidado parental e os direuos a crianca, in Cuidar da Justia de Criangas e Jovens, 1A Fungo dos Julzes Sociais, Actas do Encontro, coordenagio de SOTTOMAYOR, ‘Maria Clara, Fundago para o Desenvolvimento Secial do Pora/Universidade Calica PPortsguesa ~ Porto, Coimrs, 2003, pp. 454. "A tendéncia gral dos tibunais tem sido a de apreciar a existncia ou a quebra os lagos afetivos na perspectiva unilateral dos progenitores, como informam JAR: DIM, Ménica/ASCENSAO SILVA, Nuno, Relatério da Mesa Temdtica Relativa & ‘Adopedo, 21 de Outubro de 2002, Lex Famine, Revista de Dizeito da Fumi, Centro ‘de Dieito da Familia, Ano 1m | 2004, p. 94 “ Defendendo, a0 abrigo da lei anterior, que o julgador se deve colocar na perspec tiva da crianga para aferit acerca da enisttacia de los afectivos eatre a crianga © 08 244 DiREITO EsusTIGA que exigia, da parte dos pais, comportamentos culposos, para que esti- vessem preenchidos os requisites de adoptabilidade da crianca, sem o ‘consentimento daqueles. A lei esclarece, logo no n.° 1 do art.® 1978.9, ue © tribunal pode decretar a confianga com visia w futura adopgao, quando néo existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vin. culos afectivos préprios da filiagéo, pela verificago objectiva de qual- ‘quer das seguintes situagdes: “a) Se o menor for flho de pais incégni ‘os ou falecidos; b) Se tiver havido consentimento prévio para adopeao; «) Se 0 pais tiverem abandonado o menor; d) Se 0s pals, por acglo ou ‘omissio, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razes de -doenga mental, puseram em perigo grave a seguranca, a satide, a for- magio, a educagio ‘ou 0 desenvolvimento do menor; ¢) Se os pais do menor acolhido por um particular ou por uma instituigo tiverem reve- Jado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seri ‘mente a qualidade © a continuidade daqueles vinculos, darante, pelo menos, os irés meses que precederam o pedido de confianga.” A actual redacefio da primeira parte do n° 1 do art. 1978.°, na ‘medida em que se refere & ndo existéncia ou ao sério comprometimento dos vinculos afectivos prérios da filiagdio, levanta uma nova questo de interpretagdo, que € a de saber se a quebra ou a auséncia de vinculos afectivos consiste num requisito autGnome, para além dos factos que integram cada uma das alfneas do n° 1 do art. 1978, ou se basta a Prova da verificacio destes factos, presumindo a lei, irrefutavelmente, a 4quebra dos lagos afectivos. A doutrina’ defende que a acgo de confi- anca judicial tem uma causa de pedir complexa, composta nao s6 pela Prova de uma das situagdes descritas no art. 1978.°, mas também pela prova da ruptura dos vinculos afectivos. ‘A pertinéncia desta questio tem relevancia para o conceito de aban-

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