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ISTORII CO ATRITL TIN s anos 1960 foram tempos de muito re- buligo na esfera académica no que diz respeito ao ensino ¢ & aprendizagem de linguas estrangeiras. O método audio- Tingual era o método da moda, mas jé provocava uma inquietagao e uma insa- tisfagdo muito grandes entre linguistas aplicados e professores de Iinguas. Afinal, um problema sério residia na teoria da aprendiza- gem adotada por aquele método, pois o beha- viorismo desconsidera os aspectos afetivos do ser humano, tratando-o praticamente como um animal irracional, que aprende por condiciona~ mento, pela criagao de uma série de hébitos su- postamente corretos, Essas questdes, somadas a ideia de que um método eficiente fosse passivel de ser descoberto ou criado, levaram os pesquisadores interessados no ensino de linguas estrangeiras a buscar alter- nativas tedricas que considerassem 0 estudante como um ser humano completo, que possuii ne~ cessidades sociais ¢, principalmente, afetivas. As ideias humanistas eram a bola da vez e influen- ciaram a maioria dos métodos alternativos que foram propostos. Os proponentes desses métodos se torna~ ram uma espécie de gurus dos métodos, no en- tendimento de Rodgers (2014). Nao por acaso, 106 | Sales deensinad ages ‘esses métodos também so chamados de métodos dos gurus ou métodos dos designers: a cada um deles se associa um nome de um teérico es pecifico. Em um deles, como veremos na préxima seco, hi até produ tos licenciados © comercializados, os quais sAo essenciais para as aulas acontecerem. Naquela época, um livro que se tornou leitura obrigatéria foi Caring and Sharing, de Gertrude Moskowitz. Foi essa obra que popularizou, entre 08 professores de inglés, a ideia de educar a pessoa completa, ou seja, de ‘educar no apenas do ponto de vista cognitivo, mas também do ponto de vista emocional: “Um propésito central da educagdo (Iumanista) é fornecer aprendizagem e um ambiente que facilitem a realizagao de todo o potencial do estudante” (Moskowitz, 1981: 18), Ora, uma educago preocupada com os aspectos afetivos ¢ emocionais do estudante aponta para uma dificuldade a ser enfrentada pelo profes sor — desempenhar o papel de psicélogo, de psicoterapeuta. Moskowitz ti- nha consciéncia da resisténcia do professor a esse papel e escreveu o seguinte: Allguns dos medos expressos pelos professores tomam a forma da preocu- paso de que o professor de lingua estrangeira assuma o papel de psicdlo~ ‘g0. Com efeito, os professores poclem jé se encontrar nesse papel quer eles admitam ou no (Moskowitz, 1981: 19) Para vender seu peixe, Moskowitz simplifica excessivamente o papel de um psicdlogo, que um professor de Ifngua estrangeira nfo tem obrigagao de desempenhar nem a competéncia para desempenhar. No meu entendimento, la forga a barra para minimizar a dificuldade inegével de se lidar com a afetividade e as emogdes dos estudantes (ou de qualquer pessoa). Nao con cordo com a afirmacao de que os professores ja se encontram no papel de psicblogos, admitam ou nao. De qualquer forma, a educagio humanista influenciou propostas meto- dolégicas para o ensino de Ifnguas estrangeiras, como veremos nas préxi- ‘mas quatro segdes. Na filtima se¢ao, trago um método alternativo pelo fato de cle ter surgido fora da érea de ensino de linguas estrangeiras e por ser {Ao alternativo que accita elementos de todos os métodos. Heme alterna 34. Silent Way No capftulo anterior, vimos como Chomsky contribuiu indiretamente para as reflexdes sobre o ensino ¢ a aprendizagem de linguas estrangei- ras ao abalar a credibilidade do behaviorismo, um dos alicerces teéricos do método audiolingual. E hé um dado curioso acerca de Chomsky: sua formagio foi em matemati temético também ter-se interessado por questdes da linguagem e ter dado sua contribuigdo para os estudos aplicados ao ensino de linguas estrangeiras propondo um método de ensino. Estou falando de Caleb Gattegno, pesquisador egipcio que, na década de 1960, criou 0 Silent Way, que poderia ser traduzido como “modo silencioso”. Porém, usarei Mais curioso ainda é 0 fato de outro ma~ aqui o termo em inglés porque modo silencioso nao é um termo comumen- te usado e é, realmente, um tanto quanto esquisito, parecendo até o modo como deixamos 0 telefone celular em reunides (ou, pelo menos, o modo como deveriamos deixé-lo). Assim como Chomsky, Gattegno nao aceitava 0 behaviorismo como um arcabougo teérico que explicasse, de maneira convincente, a aquisi- ho da linguagem. Para Gattegno, “a lingua nao deve ser considerada um produto da formacto de habitos, ¢ sim, um produto da formagio de regras” (Larsen-Freeman, 1986: 51). Isso jé aponta para a auséncia de repetigdes mecanicas e de memorizagdes, técnicas caracteristicas do mé- todo audiolingual ‘Niio por acaso, 0 site da empresa! que Gattegno criou para divulgar sua abordagem e, principalmente, vender os produtos necessarios para as aulas que seguem os principios basilares do Silent Way, apresenta a seguinte mensagem na sua pagina de abertura: I don't teach. I let them learn. Como veremos aqui, esse método promove as aulas centradas no aprendiz com a menor interferéncia possivel do professor. Richards e Rodgers (1994: 99) apresentam as seguintes hipéteses de aprendizagem subjacentes a0 método proposto por Gattegno: 1 Confira © eontetdo disponibilizado pela empresa Educational Solutions Worldwide Ine. em:-. Acesso em: 7 de feverciro de 2014, 108 | Meniasiteensin deingtes E interessante observar como Gattegno traz, embutida nas suas hip6- teses, por meio da frase “A aprendizagem é facilitada’, a questao do papel do rofessor: suas hipteses se baseiam na rejeicao da ideia de que o professor é jum transferidor de conhecimentos e enfatiza o papel do professor como um facilitador da aprendizagem. Além disso, na primeira hip6tese, esta clara a eeusa a0 uso dos procedimentos de repeticdo e de memorizagaio, to caras 0 método audiolingual, ‘Tais recusas ecoam a posigdo de Gattegno acerca do behaviorismo. Contudlo, de acordo com Richards e Rodgers (1994: 101), 0 Silent Way € 0 método audiolingual convergem para a concepedo estruturalista da lingua, jé que “a sentenga € a unidade basica do ensino, e 0 professor foca no significado roposicional em vez de focar no significado comunicativo”. Em outras pala- ras, ensinam-se estruturas gramaticais descontextualizadas tanto no audio Tingualismo quanto no Silent Way: Como lembra Larsen-Freeman (1986: 62), © contetido das aulas no Silent Way & composto por estruturas linguisticas. Entretanto, esse contetido nao é organizado de maneira linear, como acontece no método audiolingual: a reciclagem dos pontos praticados é feita constan- temente. Outro ponto de aproximagaio entre esses dois métodos é a sequéncia das habilidades a serem trabalhadas com os estudantes: compreensio oral, fala, leitura e escrita. Contudo, os pontos de aproximagao param al, A segunda hipétese est diretamente relacionada a dois recursos didé- ticos essenciais para o Silent WVay e disponiveis para venda no site da empresa Educational Solutions Inc. O primeiro sao os famosos bastdes coloridos, os chamados cuisenaire rods, usados para mediar a produgio de significados na sala de aula. Por exemplo, imagine-se que o professor planeje apresentar os numerais a alunos iniciantes. Ele atribui um namero para cada cor, apresen- {a 0s bastdes e pronuncia 0 nimero correspondente & cor de cada bastio. Depois ele mostra um bastdo a um aluno para que ele pronuncie o nimero correspondente ao bastdo ¢ faz. isso com cada aluno diversas vezes. Ovmetadsatierathus | segundo tipo de material essencial para as aulas no Silent Way sho os c de cor-som (sound-color chart, em tazes de apoio. Um deles ¢ 0 cart inglés) e outro é 0 Fidel, que traz combinagdes de letras para a pratica da Outro cartaz € 0 word chart, que contém palavras e que é usado proniinc para auxiliar os alunos no processo de construgdo de sentengas por meio da técnica chamada de ditado visual por Gattegno (1983), a qual consiste em 0 professor apontar para as palavras no quadro para que os alunos as repitam na sequéncia determinada pelos movimentos do professor*. Vocé encontra ‘um exemplo de como usar word charts no site da organizagao francesa Une Education Pour Demain, localizado no endereco ; acesso em 7 de fevereiro de 2014. Os cuisenaire rods, 0 Fidel, os color charts € 08 sound-color charts, segundo o préprio Gattegno (1988), se tornam uma “segunda natureza’ dos estudantes. ‘A terceira hipétese do Silent Way esté ligada ao prinefpio formulado por Gattegno, chamado de subordinagao do ensino a aprendizagem. O nome desse prinefpio jé explicita, de imediato, o deslocamento do foco do professor para o aprendiz, representando as aulas centradas no estudante. O prinefpio esté intimamente ligado a ideia de silenciamento do professor durante as aulas, a qual originou o nome do método. O silenciamento do professor ¢ a reduco mais radical do tempo de sua fala j& proposta por um método. Vale lembrar que o tempo de fala do profes- sor 6 um elemento importante do gerenciamento da sala de aula. O corolario dessa redugdo é a diminuigo da importincia da fala do professor como fonte de dados lingufsticos para os alunos. Além do mais, os alunos podem até se sentir angustiados, ansiosos, em determinados momentos com o silencio do professor. Lembro-me de uma aula-demonstragio de japonés realizada por Donald Freeman em um seminério para professores brasileiros na School for International Training, em Brattleboro, no vera estadunidense de 1994. Foi a tinica experiéncia que tive com o Silent Way na posigo de aluno e con- fesso que nfo gostei nem um pouco dela por achar aquela forma de ensino muito chata, com um ritmo muito lento. Note-se que o problema nao foi 0 {2 Se voct quiscr ter uma ideia acerca do formato e do prego dessescartazes, basta acessar _. Acesso em: 7 de fevereiro de 2014, HO |) Metadasdeenston de ages professor — Donald Freeman nao apenas demonstrou ter muita familiari- dade com 0 método, como também mostrou ser uma pessoa muito simpética, com um excelente rapport com o grupo. Imagino que minha experiéncia na~ quele dia poderia ter sido mais frustrante ainda se o professor nao fosse ele. Um texto dispontvel no site da empresa que vende os materiais neces- sérios para as aulas que seguem o Silent Way explica que 0 professor fica silencioso porque ele “jé fala a lingua e nao precisa praticar — os estudantes sdo aqueles que precisam praticar a fala. O professor fala quando necessério, mas os estudantes nfo precisam de um modelo continuo do professor para aprender a lingua’. Ainda de acordo com 0 texto: O siléncio ¢ um mecanismo pedagigico que possbilita aos estudantes perce~ bberem, desde o comeo, que podem aprender muito mais ao dependerem de si ‘mesmos em vez de dependerem de uma autoridade externa. Para o professor, ‘o siléncio permite que mais tempo e energia sejam despendidos observando ‘seus alunos e pensando em diferentes formas de intensficar a aprendizageny. Percebe-se que a terceira hipétese esti ligada a ideia de apresentar de- safios pedagégicos aos estudantes. Tais desafios tém a intengo no apenas de ajudé-tos a se tornarem conscientes de seu aprendizado, mas também de levi-los a experimentacdo de hipdteses de aprendizagem e, consequentemen- te, A autonomia. Observe-se que esse principio esté de acordo com as ideias construtivistas de Piaget e de Vygotsky, apresentadas no primeiro capitulo. Entretanto, repito, o siléncio do professor pode causar desconforto nos alunos. No Silent Way, os erros cometidos pelos estudantes nao sao vistos ‘como comportamentos ou hibitos negativos a serem corrigidos, mas, isto sim, como consequéncias naturais do proceso de construgo da aprendiza- gem. A partir dos erros, o professor tem uma ideia do que precisa planejar para as aulas, a fim de auxiliar seus alunos a produzirem enunciados com- patfveis com o sistema sintatico, fonolégico, morfolégico ¢ lexical da lingua estudada, Essa é uma maneira pedagogicamente saudavel, construtivist de se considerarem os crros dos estudantes. O professor precisa ficar atento 8 O texto que consultel, Why Is The Teacher Silent? fazia parte da segto “Frequently as- ed questions” do site da empresa Educational Solutions eestava disponivel no dia 4 de agosto ‘de 2012. Por alguma razdo, a empresa o retirou do ar no ano seguinte. Cemtodasatermathos | aos erros de seus alunos para poder auxilid-los no processo da construcio das suas hipéteses. Diferentemente do método audiolingual, 0 Silent Way nfo atribui ao professor o papel de modelo a ser imitado cegamente pelos estudantes, que so colocados no centro da aula e provocados a pensarem e a construfrem suas prdprias hipéteses sobre a lingua. O papel dos estudantes nfo é 0 de ‘um papagaio ou o de uma esponja. Eles sto considerados seres ativos no processo de construgio dos seus conhecimentos. Alids, um pensamento de Benjamin Franklin que se tornou muito popular entre professores de inglés que buscavam concepgdes de aprendizagem alternativas & behaviorista e que representa a posigdo de Gattegno foi o seguinte: Antes de finalizar esta seco, gostaria de comentar algo curioso. Gattegno parte do pressuposto de que a lingua tem um espfrito, que esta estreitamente relacionado & maneira como os falantes nativos respiram (Ii vem essa hist6ria de falante nativo de novo, né?). Para ele, o espirito da Iingua nao pode ser ensinado aos alunos, mas eles podem, alertados pelo professor, desenvolver sua intuigdo acerca desse espirito: [Assim como a maneira como respiramos tem um componente cultural, ‘como proferir enunciados est conectado com a respirago, podemos ver por que ganharemos mais e mais do espirito da lingua & medida que aprendermos a alterar nossa respiragdo para adequé-la a sua melodia (Gat- tegno, 1983: 76). Parece que 0 que ele chama de espirito ¢ 0 conjunto de idiossinerasias dda lingua e 0 que ele chama de respiragdo como elemento cultural é 0 ritmo que caracteriza a maneira como os falantes nativos pronunciam a Kingua. Se encontrar uma definigo pacifica para falante nativo é algo complicado, imagine definir espirito da lingua. Por isso, deixei esse comentario para 0 final da seco, apenas como uma nota de curiosidade. 112 [Noa dension dents Gattegno nto foi o tinico pesquisador que buscou um método de ensino de Iinguas estrangeiras que representasse uma alternativa mais eficiente 20 método audiolingual. Como veremos a seguir, um psiquiatra e educador bilgaro também daria sua contribuigao nessa busca por uma forma mais cficiente de ensinar uma lingua estrangeira. 8.2. Suggestopedia (Reservopedia) Os anos 1960 pareciam mesmo fervilhar com reflexdes sobre 0 ensino e a aprendizagem de Inguas estrangeiras desencadeadaé pela queda da popula ridade do método audiolingual. Foi naquela década que o psiquiatra e edu- cador biilgaro Georgi Lozanov deu sua contribuigao para essas reflexdes e apresentou a sua explicagao para as dificuldades que muitas pessoas sentem para aprender uma lingua estrangeira: barreiras psicoldgicas. Por exem- plo, muitos estudantes sentem medo de fracassarem na aprendizagem € no serem capazes de produzir enunciados na lingua que estudam. Esse medo € uma barreira psicolégica para 0 aprendizado. Outros ja ouviram tantas pessoas dizerem que é diffeil aprender uma lingua que no apenas acreditam nessa dificuldade como a vivenciam. A renga na dificuldade inerente de aprender uma lingua estrangeira é uma barreira psicol6gica. Para Lozanov, as barreiras psicolbgicas slo sugestdes mentais, que, se- gundo a versio eletrénica do diciondrio Merriam-Webster, sio os processos pelos quais um estado fisico ou mental é influenciado por um pensamento ‘ou: uma ideia, Assim, 0 medo e a crenga mencionados no pardigrafo anterior sto barreiras psicolégicas e acabam por influenciar negativamente o pensa~ mento de um estudante a respeito da sua aprendizagem. ara ajudar os aprendizes a eliminar as barreiras psicol6gicas, Lozanov criou o método chamado de Suggestopedia. Esse termo é resultado da mis- tura de dois outros termos: suggestology e pedagogy: A sugestologia ¢ 0 estu- do cientifico da sugestao mental, das suas causas e da sua rela¢o com o meio ambiente € com os comportamentos do ser humano. Conforme Lozanov gentilmente esclareceu por e-mail, a Suggestopedia surgiu como um ramo 4 CF. verbete em: . Acesso ‘em: 7 de fevereiro de 2014

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