Você está na página 1de 214
oa. Cannito manual de leandro Saraiva e Newton ov manuel, o primo pobre dos TUE OT i - ae Apresentagiio de Fernando Meirelles © OOM UOMNO DMT ON eI MOMTt Coren xtc harem men TTC Oa eo nomena ais para a auto-ajuda do que para o estudo da dramaturgia cinematografica. Quase sempre, es 2s manuais expli- UNUM Ine Leo (eM nce hen eC ONG see emcee mt cette nterl tree tee SOU NUULS OER on MCR Aaee Mele Ceer einen trey Em vez de “descobrir” as habituais formulas mégicas, o leitor CSTs LETTE MR Te cole ome Ronn Coen eter Cc eaecactnr mn ntet Celonn Ge maracas s, mas possibilidades narrativas. OTT US ce MMos MI CET Men ese Moen ey COO TSracen momar en ‘am, a partir deles, que um bom roteiro nao se faz se- guindo fielmente as formulas nem apenas rompendo com elas. ACCOMM No LKoRS Onc Ute TR McnnaTie Wetter Ware tte We Cat terree telro esta, antes de tudo, no entendimento e no dominio conscien- te dos diversos procedimentos narratives que nos foram Hee ee histrla do cinema, da TV e do video. UL CMUICO OR COR Cotes LcnMOnT MITC EMCO Tnre ca aot OUI MM USNR ace RORS conte omit Mel ceatencie et) ceeTel tere — BRAULIO MANTOVANI Roteirista de Cidade de Deus Com o Manuel de Roteiro da FICs finalmente ganhamos um PAUL SLO RCOLML cr COs Mc Ute tedee We FT tT raetote eee V es Tene Wel tte Wey te-americana, Riquissimo primo pobre, brilhante, inventivo e irre- verente, tra se de um manual vivo para um cinema vivo. Pioneiro Canin wenn iia — ANTONIO CALMON beac aren MERE emt anno MT) rs) i) by ety CREME ee OR Cac Re aiaeag TU arcs ote nel see cae ele rotciro, um elenco de receitas que garantam a iin ate (Reon eRe Mele Cone Eons RECs MMR Ce CRON CMa Reicha te Rae) TEMS oae lets CMTC Wi Kicos Mes Cenoe nec tien Abraccre (ocereeT erent Lune Coco tLE TEU aCone tay ANC Coarse ae ase aC Cel Toor ranean [Uno Reros On Cosco explorar por Se OCR erence ec Comte ty Ritecee (Coertren Ome (Cte om tse UCR URL Ce) roteirista em sua criagao. NE urease mnie esa} magicas; deixa-se claro que o bom roteiro resulta de muito exercicio e disciplina, de renovados recomecos em que caminhos variados sio raveta ee eicornete (ie Xe Etas une Mle wrlatile(e) “pessoal e intransferivel”. Os autores seguem com rigor o principio de que criar ¢ criticar sao dois momentos essenciais que se sucedem exatamente nessa ordem quando trabalhamos num texto. Daf a forma dada a este livro, que dispée suas matérias de modo a incentivar o movimento pendular entre o escrever ¢ 0 refletir sobre o ren OMe tree Meek: ORR cl Cte de seus resultados a cada etapa do proceso. ‘lorna-se, assim, viva a relacdo com as técnicas Renee ered eee caer etch nS ao drama, apresentadas sempre como resposta PUIG C teres au ke Oeics) Tans colette Conia Zack Ona alae PU GeO: EeVine CoCo mre tex ERE eon cc Tay Reon ree chron omeRe nr eere ORC) conceitos e questdes as quais se oferece aqui um vontexto em que ganham validade ¢ limites. Ou ROR PRCe eee TOM an RsCcian Cele Se énfase é dada 4 forma dramitica, Renn e eo eeu CEsC Ci Bae Le) a consideracdo licida de que o “o didlogo ECR WE ECE Cone Rec! Co Fico TTo Re) os CAM Tec Me Mest iCerecm sonnel instrumento mediador, sobre o que nela esta implicado como afirmag’o do que ha de épico Peers eom Ret ou Ms Seca R ULE Pee Meesant tens (er teks Oe tec OkS das cenas como instancias do olhar, este livro revigora o Peete CLIO Kcon treo curse moncer tome (ory filmes que conhecemos. Tais exemplos valem melhor aqui, porque neles se observa o que ha fo ere aera REC Te Cem EEO Teco tg Sr artacer eRe rent yebanone Cnn Bice Oumar ountl mortem eines pater vem aeren| renee Re RULE pedagogia que busca o equilfbrio entre 0 que expressa um Pel Se Co ems Cet at Tek A CRU TEL Ce A natureza da matéria em questao, porque esta COO NEE ce Cee) foley ELST Ce mane ISI ULU IED ON bo Professor da ECA-USP, autor de Ce ESS © CONRAD EDITORA DO BRASIL LTDA. CONSELHO EDITORIAL André Forastieri Cristiane Monti Rogério de Campos GERENTE DE PRODUTO Kate Souza CONRAD LIVROS DIRETOR EDITORIAL Rogério de Campos COORDENADOR EDITORIAL Alexandre Linares CHEFE DE REDACAO HO / MANGAS Arthur Dantas ASSITENTE EDITORIAL Alexandre Boide COORDENADOR DE PRODUCAO. Ricardo Liberal ASSISTENTES DE ARTE Jonathan Yamakami Heda Maria Lopes » Zoo SNS 6 JY oe ae 9, de Pernambuco Universi | BIBLIOTECA CENTRAL / CIDADE UNIVERSITARIA CEP 50.670-901 - Recife - Pernambuco - Brasil Reg. n° 3847 - 16/04/2007 HX. Qh CAC Titulo. MANUAL DE ROTEIRO, OU MANUEL, O PRIMO ..- iy esta Agradecimentos (Um livro como este se aperfeigoa no contato direto com os leitores. Por isso agradecemos aos mais de quatrocentos alunos ¢ dezoito professo- tey de roteiro que, por quatro meses, utilizaram uma versio anterior des- te livro durante as aulas Workshop de Roteiro Cidade dos Homens. Essa experiencia foi fundamental no aperfeigoamento do método de ensino de rotciro que propomos no Manual Fics de Rozeiro, agora publicado. Devemos ainda agradecimentos especiais & equipe de realizado do Workshop. Pelo lado da O2 Filmes, destaque a Fernando Meirelles, que acolheu a idéia, ea Bel Berlink. Pela Educine, a toda a vasta equipe, em especial a Dolores Papa, Mauricio Cardoso ¢ Maria Gercina Bastos. Por fim agradecemos a Eduardo Benaim, Fabio Dias Camarneiro € |. candro Maciel, que colaboraram na pesquisa necessdria para a redagao deste livro. Os AUTORES Copylett © 2004, E livre a reproducéo para fins estritamente néo comerciais, desde que o autor ¢ a fonte sejam citados e esta nota, incluida. CAPA: Denis C. Y. Takata FOTO DE CAPA: Adriano Goldman (atores: Darian Cunha e Douglas Silva) REVISAO: Rita Narciso e Otacilio Nunes DIAGRAMAGAO: Osmane Garcia Filho PRODUCAO GRAFICA: Priscila Ursula dos Santos (gerente), Leonardo Borgiani, Alberto Veiga e Alessandra Vieira GRAFICA; Palas Athena Dados Internacionais de Catalogagao na Publicacao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil} Saraiva, Leandro Manual de Roteiro, ou Manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e TV / Leandro Saraiva e Newton Cannito ; -- Sao Paulo : Conrad Editora do Brasil, 2004. ISBN 85-7616-054-4 1. Cinema - Roteiros 2. Televisdo - Roteiros |. Saraiva, Leandro. Il. Cannito, Newton. IIL. Titulo. IV. Titulo: Manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e TV. CDD-791.437 04-6577 -791.457 indice para catalogo sistematico: 1, Roteiros cinematograficos 791.437 2. Roteiros para televisdo 791.457 CONRAD LIVROS Rua Simao Dias da Fonseca, 93 - Cambuci Sao Paulo - SP 01539-020 Tel: 11 3346.6088 Fax: 11 3346.6078 livros@conradeditora.com..br www.conradeditora.com.br Apresentacdo Na capa esta escrito que este livro é um manual, mas deve ter sido um «itn da grifica, Este €0 Manuel, o primo pobre dos manuais. Pobre mas iiuito mais esperto, porque o Manuel nfo faz listas de regras nem da re- ceita de como fazer um roteiro. E mais inteligente que isso. Ele bate um }apo com o roteirista, ajudando-o a entender sua prépria histéria por di- verses angulos. © Manuel foi escrito para servir de apoio a um curso de roteiros que usava a série “Cidade dos Homens”, na qual estou envolvido, como excmplo, Sorte minha. Através dessa leitura, pude compreender melhor mcu préprio trabalho. Na terceira temporada da série convidamos os au- tores do Manuel para integrar a nossa equipe. E interessante ler o Manuel numa sentada, conforme proposto na in- trodugio, mas faz mais sentido ainda ir lendo durante 0 processo de cria- sao de algum projeto. E ai que as questdes levantadas adquirem relevan- cia ea leitura passa a ser realmente util. Para encerrar: O Manuel gosta de filmes inteligentes, mas filmes de que o ptiblico também gosta, O que mais diferencia e torna este trabalho interessante é 0 fato de nao estar apoiado no modelo da industria norte- americana, mas também nao olhar essa induistria com preconceito. Dziga Vertov, Truffaut, Antonioni, David Mammet, Sydney Lumet, Mike Leigh, Guel Arraes, Jorge Furtado, Godard, Billy Wilder. O que hd de melhor como referéncia esta aqui. Este camarada pode vir a se tornar seu grande amigo. O Manuel. FERNANDO MEIRELLES Dedicamos este livro a Carl Sagan e Jacques Cousteau, ao Cosmos e ao Fundo do Mar. Apresentacdo dos autores Fabricando formas de producto Este livro foi escrito originalmente para 0 Workshop de Roteito Cida- dedos Homens, curso realizado pela FICs (Fabrica de Idéias Cinematicas), com apoio da 02 Filmes, entre abril e julho de 2003, reunindo quase gqui- nhentos alunos de varios estados brasileiros para quatro meses de pratica de toteirizagio. As aulas foram ministradas num ambiente virtual ¢ tinham como base uma verso anterior do texto que agora é publicado. O Work- shop possibilitou que o método de criagao de roteiro desenvolvido neste Manual fosse testado e aperfeigoado com a imensa contribuigao de todos os alunos € professores envolvidos, a quem os autores deste manual agra- decem. O Workshop e 0 Manual FICs de Roteiro sio exemplos do método de criagéo praticado pela FICs. Essa entidade atua como agéncia de iden- tificagéo, coordenagao e potencializacao de talentos dispersos, reunidos em funcao de uma produgao audiovisual ao mesmo tempo seriada € ex- perimental. AFICs acredita num modelo de criagao que combina melhor do po- tencial individual com o melhor da organizacao coletiva industrial, supe- rando tanto as limitag6es criativas impostas pelo oligopdlio das corporagses de produgio de contetido como a atomizacao da produgao artesanal. Como Vertov, acreditamos que 0 homem se multiplica na relagao or- ganizada com os outros homens. Como Godard, no acreditamos na dis- tingdo entre realizagao e reflexao. Filmar, editar, escrever, exibir, debater sao meios diferentes ¢ simultaneos de buscar a representacao do mundo contemporiinco, Por isso a FCs pretende ser uma fabrica que nao se dis- tingue de uni escobe tc formagita © a produgio sie processos que se ali NN OE OTE mentam continuamente. Para isso a FICs atua na publicacfo de livros, na producio e distribuicao de filmes e na constante catalisagao de processos criativos através de eventos e workshops. Nossa missao a construcao de pontes entre grupos culturais e sociais criativos, algo como fios que ligam pontos com diferengas de potencial, gerando a corrente elétrica da inovagao. Acreditamos na produgao cultu- ral como atividade iconoclasta de quebra de fronteiras para criar encon- tros, processos e produtos surpreendentes e diversos, 2 altura do imenso potencial cultural brasileiro. , Nosso principal objetivo é contribuir para a ampliacao dos setores so- ciais que realizam audiovisual no pats, criando novos canais de distribuicéo dessas obras, incentivando o enraizamento regional e a descentralizacto econdmica dos empreendimentos de produco. Sao esforcos coordenados nesse sentido que propiciarao a multiplicagao de obras inovadoras. Consideramos o Manual FICs de Roteiro um tijolo a mais nesse pro- cesso de construgdo e esperamos que cle sirva para motivar realizadores dispostos a contribuir com a renovacao do audiovisual brasileiro. Mais informagao sobre a FICs no site www.cinematico.com.br. Equire FICs Introdugéo O Manual que quer ser “Manuel” N&o fornecemos receitas de bolo. Por favor, nao insista Este é um manual de roteiro com crise de identidade, j4 que nao acei- fa nem assume sua condi¢o de manual. Na verdade, desconfiamos bas- tante de manuais de roteiro. Estamos convencidos de que a escrita de um roteiro depende, basicamente, de processos subjetivos e intransferfveis que nfo podem ser traduzidos em regras simples e absolutas. De modo algum prometemos algo como um “guia para o roteiro sem dor”, do tipo “é facil; basta seguir esses simples passinhos sugeridos”. Os manuais de roteiro americanos (Syd Field e outros da mesma pipa) costu- mam confundir roteiro com culindria ou hobbies do tipo “do it yourself” (“Construa a casa de seu cachorro em sete passos simples”). Fugimos disso. O que lhe oferecemos é um conjunto de ferramentas para aprimorar, lapidar, sua criagao, a partir da matéria-prima que s6 0 seu trabalho pode fornecer. Batizamos nosso livro de “Manuel” porque procuramos fugir do cardter normativo caracterfstico dos manuais. Nosso Manual quer ser Manuel porque é “um primo pobre” dos manuais, mais humilde em sua conversa. Manuel é daqueles sujeitos que, em vez de julgamentos e re- gras, preferem a conversa sugestiva, que parte do que o interlocutor diz para colocar-lhe perguntas, estimulé-lo a ver as coisas sob varios angulos. Cada cap{tulo trata, mais do que de “uma parte” ou de “um passo”, de uma dimensao do roteiro. A tentativa é de, através de indagaces, “pér em foco” conjuntos de problemas que surgem no trabalho de constru- gao do roteiro, como se cada cap{tulo fornecesse “lentes” especificas que permitissem ver determinado espectro de questSes (como se passdsse- 13 MANUAL DE ROTEIRO. mos, de um cap{tulo a outro, da imagem produzida por um telescépio para a de um radiotelescépio). Por isso, o melhor que o leitor pode fazer é tratar o Manuel com aque- la sem-ceriménia que possibilita os bons papos. Pode bem ser que, as ve- zes, o Manuel lhe diga coisas que vocé ache descabidas, ou que vocé nao entenda, nao aproveite. Paciéncia, a vida ¢ assim mesmo. O importante — a tinica coisa que importa — é o seu trabalho criativo. O Manuel esté af para lhe servir, e servir para que vocé encontre os melhores caminhos em seu trabalho. Mas, repetimos, quem caminha, quem ESCREVE, é vocé. Oprocesso criativo ou Como e por que ndo fazemos auto- ajuda A verdade = é bom que vocé, caro leitor, saiba desde j4 — ¢ que somos meio chatos, Nao achamos que vocé é superlegal, nem que vocé tem uma imensa riqueza interior prestes a se expressar. Tampouco achamos que vocé nilo a tenha, Sinceramente, nao, a gente nem te conhece € no temos a m{- nima idéia de suas potencialidades artisticas. O que sabemos ¢ que é possfvel potencializar sua perfomance na rea- lizagdo de um roteiro. Apostamos num processo de trabalho bem orien- tado e planejado, baseado em esforgo, estudo, reflexao e em reescrever, reescrever, reescrever. Inspiracio existe, sim. E 0 nome do estado de qua- se transe que por vezes alcancamos, durante o qual tudo d4 certo. Como os estados de iluminagao espiritual, a inspiragao sé rola como resultado de muito esforgo disciplinado. E também se desmancha muito facil- mente, devolvendo-nos ao trabalho duro. Nao compramos a hoje tao proclamada inutilidade da teoria. Nao acre- ditamos que “na pratica a teoria é outra’, que “sé se aprende fazendo” e ou- tras teorias empiristas-obscurantistas da mesma linha. Nenhum arquiteto aprende sua arte “na prdtica”, construindo Brasilia. Aprende fazendo ma- quetes (exercicios de simulagao da prdtica, como estaremos propondo no Manuel), analisando em detalhe a obra dos grandes realizadores e — para 14 se além do dominio técnico do metier — estudando uma gama variada e inde- terminada de assuntos, capaz da apoiar a formagao de uma visao pessoal do mundo, Além disso, nossa experiéncia na “pratica’, no dia-a-dia da criagao, hos mostrou que a “teoria” (que preferimos chamar de “reflexao”) é muito Util no processo criativo. Se, por um lado, a criacao precede a reflexdo, por outro, a reflexao a corrige e a reorienta, num movimento pendular. No entanto, isso tudo sé sera util se houver matéria-prima sobre a qual refletir. Se vocé ouviu falar que um sujeito vendeu um roteiro por uma fortuna e, no meio dessa nossa crise nacional sem fim, pensou: “taf uma boquinha’”, até nos solidarizamos com seu desespero, mas nao recomen- damos a leitura deste livro. Ou um roteiro é expressio de uma tentativa de ver a vida sob novos angulos — e af podemos sugerir perguntas para tornar essa expressdo mais eficiente — ou nao vale a pena — e af nossas per- guntas vio cair no vazio. Tentar forgar o surgimento de idéias a partir do nada faz com que seja necessdrio impor regras preestabelecidas que resul- tam apenas em roteiros medfocres, cheios de caretices, clichés ¢ obvie- dades. Trocando em mitidos: se vocé nao tem nada de novo a dizer, va vi- ver um pouco, lutar, se apaixonar por idéias e pessoas certas e erradas, se iludir e desiludir, ler coi-sas mais importantes que este Manuel. Como auto-ajuda, Aso que temos a dizer. O que este livro é ou “por que o Manuel é melhor que os outros” Acreditamos, entretanto, que nosso Manuel traz algo de novo mesmo Aqueles mais acostumados a leitura de manuais de roteiro. A grande maioria dos livros de roteiro baseia-se num modelo narrati- vo que o absolutiza, apresentando-o como se fosse 0 tinico. Para 0 “pen- samento tinico” de Syd Field e sua turma, a forma do drarha, barateado num modelo standard, é tudo o que existe em termos narrativos. Nessa forma os personagens tém programas de ago, conflitos e psicologia “pre- to no branco”, como um discurso de Bush, enredos de desenho aerodina- 15 MAUIIAL TA ReoIt Bie + mico como um caca de Jop Gun, paradas tao bem planejadas como as do metré de NY. Em geral, essa concepgao dramatica é apresentada como “aristotélica”, © que j4 mostra que ha algo de podre nesse reino de gramados bem apara- dos. Onde est4 o “terror” da tragédia? E onde esté 0 coro, que impunha aos heréis gregos 0 confronto com as regras da coletividade? Mas deixando Aristételes em paz, no alto de seu merecido olimpo, esse “drama” de manual, com pretenso e naturalizado D maitisculo, faz vis- ta grossa mesmo aos grandes dramaturgos americanos deste século! Quan- tos “erros” encontramos nos mondlogos interiores de Eugene O'Neil ou na debilidade das mulheres de Tennessee Williams! Alguns republicanos dirao que “isso é teatro”, que cinema é questdéo de industria e, como tal, requer aplicaco de formulas testadas e aptova- das. Digamos, por um instante (esquecendo que até o sucesso industrial se faz com invengoes ousadas), que sim. Cinema, entao, ¢ Cidadao Kane, ndo é? Mas que roteiro ¢ aquele? Como alguém deu dinheiro para se fazer um filme que termina sem que compreendamos direito 0 protagonista? E que confusao, que falta de unidade! Ou seja, todas essas regras de ouro (tais ¢ tais divisées, 0 modo corre- to de construir o personagem ete. etc) sao receitas para fazer um bolo bem especifico, que até pode ser gostoso, como classicas toreas de maga, mas que certamente nao esgota as imensas possibilidades de invengio culindria. Andlise filmica é 0 nosso instrumental Nosso Manuel, em vez de tomar algum modelo narrativo como defi- nitivo, analisa, do ponto de vista da escrita do roteiro, varios filmes ja rea- lizados, buscando compreender seus mecanismos (muito diversos ¢ com- plexos). E como desmontar varios relégios para entender seu mecanismo im, orientar as questdes que surgem quando se quer fazer um, mos bastante na andlise fflmica, um métode de observagio Nos apo formal c estrutural do cinema, Ou seja, em vez de perguntar “o que o fil- ine quer dizer”, investigamos “como ele estd construido”, levando em considcragao todos os elementos expressivos empregados na sua realiza- (aor montagem, trabalho de cAmera, fotografia, mise-en-seéne, cendrios, abjetos, musicas, rufdos, didlogos, interpretagao. A anilise filmica é um campo de pesquisa que se desenvolveu princi- palmente dentro das universidades (no Brasil temos, em especial, a obra le Ismail Xavier), em especial a partir dos anos 1970. Mas, antes disso, al- puns textos de cineastas (com destaque para as obras teéricas de Eisenstein c dos formalistas russos, escola critica sua contemporanea), jd indicavam a potencialidade desse caminho de andlise formal. Trata-se do resultado de um esforco para criar uma forma de estudo especifica ao cinema. Nosso método se apéia nas conquistas desse campo de pesquisa. Com isso, somos capazes de orientar a reda¢ao de um roteiro trabalhan- do a partir de suas préprias caracterfsticas internas, ¢ de fazé-lo tendo em vista nao apenas a histdria contada e a encenagao, mas todo o amplo le- que de recursos que sé a narrativa audiovisual tem. Para além do modelo dramatico Rotciro, como o nome diz, é um guia para um percurso a ser realiza- do, liscrever um roteiro nao é o mesmo que escrever uma pega ou uM ro- mance, Um roteiro nao é ainda uma obra, mas um plano para uma obra. Iney nao € detalhe, é fundamental. Escrever para cinema ou video envolve clementos que vao além dos que compéem o drama; vao muito além do Jexlo Escrito. © interessante é que as “regras do sticesso” dos manuais nao se apli- cam A grande maioria dos filmes realizados hoje, mesmo os chamados “comerciais” ou de “industria”, Basta assistir Cidade de Deus ¢ Cidade dos Homens, assim como Mm s especiais para TV de Jorge Furtado, Joao audio- Faleao ou Guel Arraes (entre cles algumas das melhores obra Vv MANUAL DE ROTEIRO. AN visuais nacionais dos tiltimos anos, que privilegiamos nas andlises deste livro) para ver que os roteiros dessas obras nao cabem nos modelitos de origem dramatica que circulam por af. Basicamente, esses autores costumam trabalhar criativamente com a mediacao de um narrador entre a cena € 0 espectador. Quer dizer, a camera, a montagem € a trilha sonora contam (mostram) para nds o que acontece, como quem diz: “veja isto, agora veja este detalhe, agora veja 0 que aconte- ceu dez dias antes, agora ouga 0 comentario deste personagem sobreposto a esta cena de aco, mostrada sem som, Em termos conceituais, a presenga dessa mediacao da camera torna a narrativa audiovisual uma combinagao das formas dramatica, lfrica € épica. Em termos praticos, nosso livro incorpora essas especificidades da lingua- gem audiovisual, nado como “ferramentas a mais”, como um tépico entre outros (algo do tipo: “o uso da iluminagao”), mas como um jeito visual de pensar € escrever, que deve estar presente para 0 roteirista o tempo todo. Propomos que se deixe de lado a idéia de que o roteiro é basicamente didlogo. Essa visao, derivada da absolutizacao da forma dramatica, pode e deve ser superada por uma visdo mais especificamente cinematogréfica do roteiro, que 0 encare como um estimulo a visualizagao da narrativa, envolvendo os didlogos — € as vozes off'— no conjunto do fluxo audio- visual com elipses, montagens paralelas, manipulagées temporais, muisi- ca, iluminago etc. Essa defesa de uma escrita audiovisual, vale a pena sublinhar, é algo bem mais profundo que a mera formatagao do roteiro. Em nossa experién- cia didética, percebemos certa ansiedade dos interessados em esctever rotei- ros com alguma formatacao da pagina preestabelecida. Isso ¢ outra feti- chizacdo, tao ilusdria e simplificadora como a obsessao com as “técnicas de roteiros” que definem uma cartilha clssico-dramatica para as histérias. Esse espantalho da formatacao é uma falsa questo. Para que nao se fale mais nisso: basta que as indicacées definam claramente 0 espago a ser fil- mado, o que é importante para a andlise técnica que a produgao fard, pre- parando a filmagern. Ou seja, basta que 0 famoso cabecalho “interior/noi- te/sala do fulano” seja feito com clareza, indicando cada nova mudanga de espaco. O resto ¢ detalhe. Um roteiro € um instrumento de comunicagao e deve ser esctito de modo a facilitar ao seu leitor a visualizagao da histéria. \8 —— Como ler o Manuel Por fim, apresentamos nosso plano de véo: Este manual est dividido em duas partes. Na primeira, em cinco ca- pitulos, sio discutidas idéias ¢ procedimentos que orientam o roteirista no tragado do “plano geral” de criago do texto, isto €, no trabalho de de- finicdo de “grandes blocos”, rtisticos, sem lapidagao. Nessa fase inicial o roteirista explorar4 seu proprio material, tomando consciéncia dos limi- tes e das tenses da obra em gestacdo. Em termos praticos, na primeira parte do livro o roteirista dominar4 conceitos que o ajudarao a construir um primeiro esbogo do roteiro. Num segundo momento, a partir do sex- to capitulo, o roteirista receberd orientacao sobre como analisar, desen- volver ¢ rettabalhar continuamente seu texto, seguindo uma pauta de questdes mais “técnicas”, A segunda parte visa a orientar o trabalho de desenvolvimento ¢ rees- crita do roteiro. Em vez de discutir as técnicas de roteiro de forma genéri- cae impositiva, optamos por organizar o texto em uma série de pergun- tas que o roterista deve fazer 4 sua prdpria obra, Cada capitulo é dedicado a um nivel de consideracao do roteiro: cur- va geral e edbaleta (cap. 6), seqiiéncia (cap. 7), cena (cap. 8 e 9) e repeti- bes (cap. 10). Nao se trata — insistimos ~ de “passos para escrever um r0- teiro”, mas de niveis de reflexao e ajuste do trabalho criativo, que NAO se desenvolve como a demonstragio de um teorema, do principio abstra- to até os detalhes de mise-en-scone. Um roteirista pode comegar o dia tra- balhando num didlogo ou nas rubricas de uma cena, passar para experi- mentagdes com inversdes temporais na escaleta e terminar ponderando vantagens e desvantagens de uma apresenta¢ao mais melancédlica ou di- nimica. Quer dizer que, na prdtica, o roteirista se defronta simultanea- mente com as quest6es aqui analiticamente separadas em cap{tulos. Nossa expetiéncia com este texto — que serviu de apostila para um workshop on line de escrita de roteiros ~ sugere que um bom método ¢ lé- lo uma primeira vez por inteiro, de um sé folego, para depois retomar cada capitulo como leitura de consulta reflexiva, de acordo com interes- ses espectficos. MANUAL DE ROTERO. Mas, como tudo mais no livro, isso é apenas uma sugestao. Fizemos nossa parte “construindo o personagem” Manuel, mas agora ele j4 nao nos pertence e serd recriado conforme sua relagao com ele. Manual de Roteiro Ou Manuel, o primo pobre dos manuais de cinema e TV - Sumario Parte | — ARQUITETURA E ALICERCES: DEFININDO AS BASES DO ROTEIRO, 29 Capitulo 1 - QUAIS SAO SUAS INTENGOES? EM BUSCA DO ROTEIRO, 37 Comegando a escrever, 33 Por que fazer esse filme? ou: quais sao as minhas intengGes?, 34 “Preparado vocé nao esta”, 35 As intengées veladas dos narradores ou Dialogando com adolescentes e machées, 38 Exemplo de andlise: “A Coroa do Imperado”, 41 Capitulo 2 - CRIACAO: AS TECNICAS DA ARTE, 45 O mito romantico da originalidade, 47 Multiplicando idéias, 50 Repertério cultural e curiosidade iconoclasta, 51 A experiéncia da escrita: profissionalismo e arte zen, 53 Capitulo 3 - SER OU NAO SER DRAMATICO, 57 Diferengas bdsicas entre as formas dramatica, lirica e épica, 59 23 Drama: um outro mundo posstvel, 60 a) Situacdo dramitica, 62 b) Didlogo, 63 c) Progresso, 65 d) Suspense, 66 Os limites do drama, 68 Além do drama, 69 Formas nao dramaticas, 72 a) Lirico, 73 b) Epico, 74 Os limites do drama e o cinema moderno, 77 Capitulo 4 - OS QUATRO REINOS DO DRAMA: TRAGEDIA, COMEDIA, MELODRAMA E FARSA, 79 Introdugao desconfiada, 8/ A nossa classificagio, 83 a) Melodrama, 85 b) Farsa, 87 o) Tragédia, 91 d) Comédia, 93 Capitulo 5 — PROJETO E ESTRUTURA GERAL, 97 Os grandes vetores de uma histéria (ou: “mudangas na situagao dramatica e nos personagens”), 101 Trés partes?, 104 A dimensio épica (ou: “solte a franga”; ou ainda: “TV Pirata e Jean-Luc Godard”), 106 Exemplo de andlise: projeto ¢ estrutura de Cidade de Deus, 108 Parte Il = DA CONSTRUGAO AO ACABAMENTO: TECNICAS DE TRATAMENTO DO ROTEIRO, 113 Capitulo 6 - CURVA DRAMATICA: ESCALETA E TOM, 115 Curva dramatica e escaleta, 117 Plot, 119 Pontos cruciais, 120 a) Ponto de partida, 12/ b) Ponto de climax, 121 c) Ponto sem retorno (desenlace ou crise), 122 d) Pontos de identificagao e de comentario, 124 Variagées tonais, 126 a) Pausas e preparagoes, 128 b) Foco narrativo, 129 ¢) Variagdes temporais (flashbacks, sumarios e deslocamentos), 13.2 Exemplo de andlise: escaleta de “Udlace e Joao Vitor”, um programa da série Cidade dos Homens, 135 Capitulo 7 - RELACOES INTERNAS A UMA SEQUENCIA: RITMO, 141 “Dadinho o caralho!”, 143 a) Movimento geral da seqiiéncia, 146 b) Elipses e manipulacao do tempo, 147 ©) Flashbacks e sumatios, 150 Exemplo de andlise: seqiiéncia de abertura de Cidade de Deus, 157 Capitulo 8 - CENA: LINHAS DRAMATICAS, 1617 MANUAL DE ROTEIRO. O nticleo da cena, 164 Acurva da cena, 165 Pequena digressao metodolégica, 165 Anilise: a estrutura do climax de Sabrina, 167 a) Ponto de partida, 167 b) Desenvolvimento, 167 c) Climax, 168 d) “Fecho”, 168 Cortar ou no cortar?, 169 Mostrar ou narrar?, 170 Cenas com mais de uma linha de acao, 171 Anilise: a despedida de Bené (Cidade de Deus), 173 a) Ponto de partida, 173 b) Desdobramento, 173 c) Ponto de virada, novo climax, mais forte que o primeiro, 173 d) “Respiro”, 174 e) Climax, 174 f) “Fecho”, 175 Intervengdes nao dramdticas na cena, 176 Exemplo de “esboco de cena”: “O carteiro” de Cidade dos Homens, 178 Capitulo 9 - CENA: CARPINTARIA DA MISEEN-SCENE, 179 Marcagao dos atores ou “quem manda na cena?”, 181 O climax de Sabrina: mise-en-scene, 182 a) Ponto de partida, 183 b) Desenvolvimento, 183 c) Clfmax, 185 d) “Fecho”, 186 Didlogos e comportamentos, 186 a) Diversidade das falas, 188 b) Um “problema” especial: 0 “bife”, 191 c) Falando sem drama, 192 Espago, 193 a) Espago ptiblico e privado, 195 b) Definir mais ou menos 0 espago, 196 c) Digresséo modernista sobre 0 espaco, 197 d) Aescrita cinematogréfica: um conto de Alcantara Machado, 199 e) Dramaturgia plastica: os elementos visuais da cena, 204 Capitulo 10 - REPETICOES: SINAIS AO LONGO DO CAMINHO, 205 Antecipacées, 210 Caracterizagao de personagens, 212 Caracterizagao de relagées, 213 Objetos de desejo, 215 Digressdes por “rima visual”, 276 Exemplo de andlise: 0 vai-e-vem da camera, 217 Notas, 221 Quem somos, 229 Quem queremos ser, 23 Parte | ARQUITETURA E ALICERCES: DEFININDO AS BASES DO ROTEIRO Este manual esta dividido em duas partes. Na primeira, em cinco capitulos, sao discutidos idéias e procedimen- tos que orientam o roteirista no tracado do “plano geral” de criacdo do texto, isto é, no trabalho de definicdo de "grandes blocos’, risticos, sem lapidacdo. Nessa fase inicial o roteirista exploraré seu préprio material, toman- do consciéncia dos limites e das tensées da obra em gestacdo. Em termos praticos, na primeira parte do livro © roteirista dominara conceitos que 0 ajudaréo a cons- truir um primeiro esboco do roteiro. Num segundo mo- mento, a partir do sexto capitulo, o roteirista receberé orientacao sobre como analisar, desenvolver e retraba- lhar continuamente seu texto, seguindo uma pauta de questées mais “técnicas”. | Capitulo 1 QUAIS SAO SUAS INTENCOES? EM BUSCA DO ROTEIRO * Principios de roleiro para cinema: a imporiéncia e a especificidade da imagem; a antecipagao da filma- gem. * A escrita como exercicio: contra a paralisia da “idéia genial”, muitas idéias. * Em busca da "intengGo": escrever para ver melhor o que se anteviu. © Por onde comecar? A auséncia de regras lagicas na criagao ® Criagdo e comunica¢Go: 0 projeto de roteiro e a in- terpretagdo da demanda social. Comesando a escrever Uma das perguntas mais comuns na hora de comegar a escrever um roteito é: por onde devo comegar? ‘Tecnicamente falando, ha intimeras formas de comegar seu filme. Hé pes- soas que comecam com um tema que lhes interessa ou que conhecem bem (“vou tratar da violéncia brasileira”); hd quem comece por um conflito pon- tual; outras, por um espago ou imagem, por uma miisica, ou ainda pelo vis- lumbre de um personagem. Quer dizer, comece por onde vocé bem entender. Este manual no lhe fornecerd uma receita de bolo, do tipo “seja um roteirista em dez ligdes simples”. Cada capitulo NAO E um passo dado sem esforgo € guiado de modo seguro em uma “viagem sem dor”. Acredi- tamos ajudar oferecendo, a cada etapa, um conjunto organizado de ques- tdes que pdem em foco um aspecto determinado do roteire. No capitulo 7, por exemplo, so as relagdes que compdem o padrao rftmico de uma seqiiéncia; jd ne capitulo 10, nossas “lentes” — nosso campo focal — mu- dam para pér em destaque as rimas visuais e repetigdes que atravessam 0 filme todo, como uma linha melddica secundaria. Mas tudo o que podemos fazer ¢ ajudar na ordenagao, no esforgo de melhor construir a forma daquilo que VOCE terd de produzir. Acredita- mos que 0 esforgo coordenado e coletivo melhora a qualidade do acaba- mento final, mas sabemos que na raiz da criagao est4 o impulso indivi- dual e, em larga medida, inconsciente. De modo pessoal ¢ intransferfvel, cada escritor deve enfrentar a dura tarefa de extrair de si a matéria-pri- ma, S60 que podemos fazer ¢ ajudé-lo a lapida-la. 33 Por que fazer esse filme? Ou: quais sdio as minhas in- tencdes? Um filme é um objeto improvdvel. E resultado de um conjunto de es- foros tao complexo — e tao caro — que deverfamos nos perguntar “por que tudo isso, meu Deus?”. Ser cineasta no Brasil ¢, ent4o, como resumiu o cineasta gaticho Jorge Furtado, mais ou menos como ser astronauta no Chipre'. Sinceramente, pelas recompensas materiais, nao vale a pena. Por isso, se for apenas por grana € sucesso, podemos lhe garantir: hd muitas maneiras menos penosas de obter “o tilintar das moedas, 0 alarido das palmas e os gemidos das mulheres” (ou dos rapazes, mogas) — que, segun- do o cineasta Jos¢ Roberto Torero, s4o os sons que movem o homem’. Para piorar um pouquinho mais, fazer cinema é como ser trapezista — por mais experiéncia que vocé adquira, seu negécio exige que, a cada vez, vocé arrisque 0 pescogo (se nao, nao vale a pena). E as pessoas estao [4 um tanto para ver vocé quebrar a cara, alias, Tal como diz Eugene Vale (provavelmente o autor do melhor manual de roteiro j4 escrito — até agora, dizem estes “modestos” trapezistas...), é ne- cessdrio uma “conviccdo audaz”’. Ou, como diria Silvio Santos: “vocé est4 certo disso?” Mas disso o qué? Afinal, do que se trata? Se yocé pensou “estou certo disso, sim... vou entrar nessa, pois amo o cinema’, foi gongado. Quem “ama as mulheres” nao ama nenhuma. Nao existe cinema, existem fil- mes. Vocé quer fazer um filme. Por qué? Qual filme vocé realmente quer fazer? Sidney Lumet diz que a pergunta fundamental é sobre a “intengao” fundamental: “De que trata esta histéria? O que foi que vocé viu? Qual foi a sua il tengGo? o que vocé espera que o publico.sinta, pense, viva? Com que disposicdo voce deseja que as pessoas saiam do cinema?”* Falando das intengdes de seu Um Dia de Cao (Dog Day Afternoon, 1975), Sidney Lumet diz o seguinte: “uma histéria que, na trama, tratava 34 de um homem que assalta um banco para que o namorado pudesse con- seguir dinheiro para uma operacéo de mudanga de sexo, (...) ‘Um dia de clo’ era um filme sobre o que temos em comum com o comportamento mais chocante”’, Assistimos a Macbeth para aprender, viver a experiéncia de ganhar um reino ¢ perder a alma. Guerra nas Estrelas (Star Wars, George Lucas, 1977) é um barato, cheio de /asers, naves, batalhas, ETs e planetas explodindo, mas 4 no fundo se trata da luta de um rapaz para tornar-se homem. Yoda fala com todos nés: “Preparado vocé nao esta”. “Preparado vocé ndo esta” Nao pense, no entanto, que vocé sé pode comecar a escrever quando tiver as intengGes totalmente claras em sua cabeca. Como disse Yoda para Luke, “preparado vocé nfo estd”. Mas vocé ente que “algo” em yocé exige que escreva um roteiro, Talvez vocé ainda nao seja capaz de responder com clareza e concisao 4 pergunta de Lumet. Afinal, essa é uma pergunta que ele, como diretor, faz ao roteirista depois do roteiro pronto, No inicio, um roteiro é uma intuiga0, uma “convicgdo audaz” de que ha algo para ser expresso, O germe do roteiro pode ser a imagem de so- nho que nos perturba, como o navio encalhado de Terra Estrangeira (Walter Salles e Daniela Thomas, 1995). Pode ser uma frase (“quando Gregor Samsa acordou, viu-se transformado num imenso inseto”®), um personagem do qual vislumbramos o vulto (“meu nome ¢ Mort, Ed Mort”), uma situagao (um grupo de refinados burgueses, por alguma ra- v4 inexplicdvel, ndo consegue sair de um saldo de festas*) e sabe-se ld mais quantas possibilidades. E preciso mergulhar nesse germe, alimenta- lo. Explore possibilidades como quiser: escreva linhas do didlogo, tente fazer a escaleta ou faga como Borges’ e escreva a critica do filme que ain- da nao existe. Faga como quiser, mas faga! Todo roteiro (alids, tudo) pre- cisa comegar de algum lugar. Escrever é exercicio. 35 Cada capftulo deste manual apresentard uma série de orientag6es, um conjunto de perguntas de cardter estrutural (coisas do tipo: “a preparagao para o climax est4 feita num ritmo adequado?”), Nao considere essas li- nhas gerais como “planos arquiteténicos” para uma reda¢ao “poste- rior”. S40 reflexdes sobre possibilidades de lapidagao, como dissemos. Se nao houver o drduo trabalho paralelo de trazer 4 luz o material a ser lapi- dado, nada acontecerd. Para criat, nado espete orientacbes. Crie, de modo imediato e intuitivo. Depois, pare para pensar. Os exercicios da escrita podem ser vistos como uma série de experién- cias em busca da “intengao” de Lumet, da motivagao profunda que exige que 0 filme seja escrito. Nao hd ordem légica na criagao. Vocé nao tem, necessariamente, primeiro a idéia, a “intengao”, e depois deduz a histéria. Vocé nao vé e depois escreve para contar 0 que viu. Vocé escreve para ver o que anteviu (“Confie na forga, Luke!”). O roteirista busca algo que ele nao sabe de antem4o 0 que é; como uma lembranga bem remota, al- gum episddio da nossa vida que “sabemos” (sentimos na meméria) como “muito dramatico”, forte, mas, de imediato, nao conseguimos descrever em detalhes. Escrever o roteiro é “desenvolver essa intuig4o”, esse senti- mento sobre o “ponto” na meméria; desdobra-lo em seus detalhes ¢ dra- maticidade. O préprio conjunto do roteiro ¢é como uma experiéncia de quimica artistica, buscando que a “intengo” se precipite. Talvez, depois do roteiro pronto, vocé nunca fique satisfeito com sua prépria maneira de expressar a sua “intengao”. Talvez um critico seja capaz de fazé-lo melhor do que vocé. Mas, como roteirista, vocé sentird se 0 ro- teiro tem ou no essa “intencao”, Enquanto vocé nao “sentir” que a inten- ¢&o se realizou, 0 roteiro nao estaré pronto. Se, uma vez pronto 0 roteiro e realizado o filme, ele for assistido e continuar sendo assistido, e as pessoas conversarem e pensarem sobre ele, e discutirem sobre a “inten¢ao”, vocé teré cumprido sua missao, Se um dia vocé for trabalhar com Sidney Lumet, ele lhe perguntara: “Sobre o que é seu filme?”. Ele pode até discordar de sua prépria inter- pretagdo e, mesmo assim, achar seu roteiro étimo. Mas ele vai querer ou- vir a sua interpretagao. Ha quem diga que ficar pensando sobre o que se quer dizer “mata a criatividade”, que “os filmes so”, e pronto. Filme “so- 36 bre” seria chato, cerebral, nfo brotaria das profundezas do ser, Hd um pouco de verdade nisso: ainda que muito do que “brota das profundezas do ser” nao cheire bem — e talvez preferfssemos nao expor nossas tripas em praga publica —, ¢ disso, em grande medida, que se trata. Se vocé se protege de seus medos atrds de algum “bom tom” preconcebido, jamais escreverd algo de valor. Escrever nao ¢ um ato bem educado: estd mais para um charivari do que para um chd das cinco. Agora, se vocé ficar na “expresso visceral”, na “necessidade de pér pra fora’, pode ser dificil dis- tinguir sua arte de outras atividades visceralmente humanas, mas menos interessantes. Nao acredite no papo de que refletir sobre a obra mata a criagao. Eisenstein, Pasolini, Glauber, Alea, Visconti, Godard, Truffaut, Rohmer, Bresson, Fassbinder, Wenders — ou seja, 0 pessoal do primeiro time — nao acreditaram. Desde que nao se caia na distorcao racionalista (também mortal) de achar que a obra deve seguir e ilustrar a reflexao, vocé sé terd a ganhar misturando seu cérebro a suas visceras. Conforme enfatizaremos ho transcorrer de todo este livro, Criar e criticar sao dois movimentos complementares. O bom roteirista é um excelente critico do seu préprio trabalho. Ponha as mdos a obra até os cotovelos, lambuze-se nas préprias profundezas e depois reflita sobre o que fez, tal como um pintor que recua frente ao quadro em andamento. Misturam-se af os esforcos de narragao do fato com os esforcos de “interpretagao”, de compreensao do que estava em jogo no fato. Esse é um movimento continuo. E af que o uso das téc- nicas de roteiro se torna criativo. Provavelmente vocé passard por varios “quadros” compostos, basicamente, por um conflito principal (a busca da resolugdo detona o movimento da histéria), personagens que o vivem (co- nhecer 0 personagem e acompanhar a histéria s4o, nos bons roteiros, duas faces da mesma moeda), 0 tom em que a histéria seré contada (cémico, dramatic) e uma hipétese sobre a intencdo disso tudo. Como exercicio, a cada filme que vocé considerar bom, tente ultrapassar os recursos nao es- senciais (visuais ¢ narrativos) mobilizados e se pergunte sobre a intengao fundamental ¢ sobre como histéria ¢ personagens a revelam, Experimente imaginar mudangas, na histéria e no quadro de personagens, que altera- riam a intengao do filme, para melhor ou pior. Vocé estaré se aproximan- do mentalmente das angtistias do roteirista. 37° As intengdes veladas dos narradores ou Dialogando com adolescentes e machdes No oficio do roteirista— assim como na vida — quase nunca a melhor forma de dizer o que se quer é a forma direta e explicita. Insinuar uma vi- sao torna-a mais poderosa, faz com que ela penetre pelos poros, em vez de passar pela porta da frente, submetendo-se ao crivo de nossa critica. Nao se trata, de modo algum, de “enganar” o ptiblico, mas de tentar ofe- recer algo que nem mesmo 0 piiblico sabe que quer, Um dos argumentos mais irritantes na defesa da mesmice é: “Eu dou o que o publico quer”. Ora, todo mundo sabe que o que realmente queremos nao pode ser pos- to em palavras claras. Queremos 0 proibido, o que nos € negado até no nivel da formulagao do desejo. Um dos papéis de quem se pretende artis- ta € burlar essas fronteiras. Isso comega na luta consigo mesmo para ten- tar materializar a tal da “inteng&o” fundamental, muitas vezes pouco cla- ra para o préprio artista. Prolonga-se no modo de composi¢ao da obra, que deve absorver os niveis de repressao e desejo que formatam nossas al- mas segundo padrées vigentes. Um equivoco paralelo ao do “eu dou o que o ptiblico quer” é 0 “nao estou nem af para o ptiblico”. Isso é virtualmente impossivel. E claro que quem cria algo nao vai, antes, fazer pesquisa para conhecer o publico (nao se trata de publicidade), Mas ¢ quase um pressuposto légico que, quando se escreve algo, haja como pano de fundo a imagem de um pti- blico ideal. Guimaraes Rosa — ou melhor, 0 livro Grande Sertéo: Veredas — “projeta” um “leitor ideal” que domine umas vinte linguas e tradig6es cul- turais. Talvez apenas o celebrado tradutor alemao de Rosa, ou nem ele, rea- lize esse “projeto” de leitor ideal. Nao importa: ele esta implicito no livro. E bom que vocé, como roteitista, pense nisso, esforce-se para tornar cons- ciente seu espectador ideal. Isso € mais crucial no caso do cinema, uma arte de massas, Lumet conta que quando estava fazendo Um Dia de Cao pensa- ‘va nos machées que freqiientavam o boteco do bairro operdrio onde cres- ceu. Como fazer para que aqueles caras “dessem uma chance” a Sonny, um sujeito que assalta um banco para conseguir a grana da operacao de troca de sexo do namorado? A fim de trazer a questo para bem perto, fagamos um exercicio de a- profundamento de reflexao sobre a “intengao fundamental” e 0 modo de apresenté-la, com base em um filme recente de um dos melhores roteiristas brasileiros, Houve uma Vez Dois Verdes (Jorge Furtado, 2002). Imaginemos um didlogo com “jeitéo” socratico: — Por que Dois Verdes era um filme necessdrio? — Porque nao existem comédias romanticas adolescentes nacionais, O filme centrou-se num ptiblico especifico e numa realidade especifica, ¢ contribui com a representagao de questdes ausentes na maioria dos filmes brasileiros. Sé pela escolha do recorte, o filme ja foi altamente inovador. — Mas esse filme precisava realmente ser feito, em termos cul- turais, e nGo apenas de mercado? O que ele tem de igual e o que tem de diferente? — Por ser um bom roteiro de comédia romantica, o filme oferece aos adolescentes algo de substancial sobre suas experiéncias, partindo nao de fora, mas de dentro dessas experiéncias. O filme parte do modelo da jornada do heréi'®. Chico tem de passar por peripécias para se tornar um adulto realizado, Em vez de um caca dos rebeldes, Chico pilota m4quinas de fliperama e sua Fora € 0 velho Amor. Guiado por ela, ele acerta no 4mago de Roza, destréi sua Estrela da Mor- te de femme fatale, e a resgata do Lado Negro. — Mas isso 60 padrdo Guerra nas Estrelas. O filme nGo oferece nada de novo? — Oferece. Esse padrao ¢ apenas um esqueleto muito geral. O filme constréi personagens a partir da experiéncia do adolescence contempora- neo. Usa a estrutura-padréo, mas inova nos personagens. Além disso, o filme tem o cuidado de assumir 0 ponto de vista ado- lescente ¢ evita o moralismo adulto comum na representacdo do tema. Uma crftica bem-intencionada disse, na época do langamento, que Dois ide ree Bi Bd Od Verges era um filme “sauddvel”. Os guris comam suco de laranja, nao cer- veja. Baseado, entao, nem pensar. Ele seria uma comédia romantica leve e saudavel como um suco tomado na praia. Mas, para um olhar atento, o filme é bem mais do que isso. Filme saudavel é 0 video de gindstica da Jane Fonda. Dentro da garrafa de su- quinho de Furtado tem dinamite. O filme ¢ uma ode ao amour fou de um filhinho da mamie por uma putinha de praia! Foda-se o bom senso, o cinismo critico ¢ inteligente do amigo egofsta: ame loucamente, des- preze as convengées. Todo mundo merece amor, pelo menos se, apesar das bandidagens, ainda for capaz de guardar uma ficha de fliperama por “razdes sentimentais”. Seguindo a Forga, Chico/Luke tira a mdscara de Roza/Darth Vader: ela nao é uma putinha: ¢ uma moga que cria sozinha, a Billy Wil- der — que bem poderia ser 0 patrono secreto desse filme -, “ninguém é contra tudo e contra todos, o irmaozinho menor (como di: perfeito”). O filme oferece aos adolescentes de hoje, em geral indivi- dualistas e moralistas, algo para mexer com suas emocGes. E sem agredir ninguém. Em vez de agredir, o filme quer conversar. Como quem quer conversar, o filme aceita os padrdes convencionais do romantismo atual: Chico acaba casado, como sempre quis. As coisas mais importantes nao sao dbvias. Como se nao bastasse, o filme ainda embute na narrativa um “gancho” para espectadores mais velhos (através de uma trilha de velhos sucessos do rock), possibilitando-lhes uma apreciagao nostdlgica do primeiro amor — e, talvez, uma reflexdo sobre o quanto de generosidade perdemos junto com os cabelos e 0 félego. De quebra, ainda reflete (através de uma série de co- mentitios e sinais, como joguinhos eletrdnicos, moedas, combinatérias de ntimeros de telefone etc.) uma reflexZo sobre o papel do acaso na determi- nagao do “destino”. Um bom roteiro ¢ isso, entao? Ele nao precisa ser bem escrito? E claro que precisa. Mas uma boa e clara proposta dramatirgica ¢ 0 resultado final do uso criative de todos os recursos técnicos. Na verdade as duas coisas estéo interligadas: nés sé percebemos a boa proposta dramattirgica porque ela foi construfda com uma série de técnicas. 40 enna eee ness Ha uma porgio de conflitos secundarios, piadas e metéforas fazendo este esqueleto ficar vigorosamente de pé, mas isso é a carpintaria, o que dd corpo 3 “intuigéo fundamental”, 4 “intengao” que Furtado persegus. Tirando daf uma ligéo para nosso uso: um manual de roteiro pode ajudd-lo a melhorar sua carpintaria, mas se vocé nao for movido pela for- ga da inveng’o— forga semelhante a um amour fou como o de Chico, que busca se realizar sem respeitar regras — nao haverd roteiro (pelo menos niio digno desse nome). Estudar harmonia nao garante a composi¢ao de boas muisicas. Se vocé nao dominar a técnica, a auséncia de técnica 0 do- minard. De boas intengdes 0 inferno estd cheio. Exemplo de andlise: “\ Coroa do Imperador” “A Coroa do Imperadoz”, primeiro episddio da série Cidade dos Ho- mens (Rede Globo), busca apresentar tanto os protagonistas da série — Acerola e Laranjinha — como o contexto social em que eles vivem (ou, mais especificamente, a ldgica de guerra imposta pelo tréfico). Para isso, o filme entrelaca dois niveis de desenvolvimento: a) O primeiro é 0 das digressdes explicativas, didéticas, sobre o funciona- mento do trdfico e suas conseqiiéncias. Esse € 0 “nticleo duro” do epi- sddio, que aposta numa “demanda documental” por parte do puiblico: as pessoas querem conhecer como funciona a coisa. b) A segunda vertente é dramatica, as aventuras de Acerola e Laranjinha. Afinal, aposta-se na curiosidade do piiblico sobre a situacao real, mas nao se imagina que seja possivel fazer um “audiovisual”, com slides, so- bre o tréfico. E preciso envolver a informagao no entretenimento. E é preciso apresentar a dupla dinamica. 4) SN a Como fazé-lo? a) Dando uma moldura diddtica a todo o episddio: em torno da “Co- roa”, o filme comega € termina na sala de aula, com a professora expli- cando as guerras napoleénicas. b) Criando situagées dramaticas que envolvem a dupla, que permitam digress6es explicativas sobre o contexto da situacao, assim como refle- x6es sobre a sua ldgica. c) Usando a narragao (voz off’) de Acerola como vefculo das digressées, Abusa-se da inteligéncia de Acerola. Literalmente, palavras so postas na boca dele, explicando e comentando tudo com muita argiicia. Ape- sar de a elaboragao desses comentdrios ser meio inveross{mil, ela ajuda a apresentar 0 personagem como “cérebro” da dupla. d) Enxertam-se, no meio do filme, “cenas de documentario explicito”, com os préprios atores dando depoimentos sobre casos de violéncia em suas vidas. Fazendo isso no meio do filme, quando o espectador “jé esta ganho”, sacia-se a vontade documental “sem dor” e reveste-se todo o filme de autenticidade. Exercicio Esboce seu projeto Talvez vocé no consiga, de inicio, formular um projeto to acabado como 0 apresentado no exemplo acima [sobre “A Coroa do Imperador’), Mas tente apresentar as linhas gerais do seu projeto, nos termos em que vocé 0 antevé no momento, Vocé pretende tratar de algum tema (religiosi- dade dos traficantes, por exemplo] ou vocé nao sabe “sobre o que" é seu projeto, mas sabe qual o niicleo da histéria (um pastor desafia um trafi- SL canle para um duelo verbal na radio local)? Qu vocé quer explorar um personagem (um traficante que tem um amante]? Agarre o que vocé tem e fente dizer como (de modo bem geral] vocé pretence estruturar 0 roteiro. Nao se justifique, no se explique: apenas apresente as suas idéias, de modo “seco” e sucinto. 43° Capitulo 2 CRIAGAO: AS TECNICAS DA ARTE © A experiéncia da escrita. A busca de um caminho proprio. * Importancia do repertério estético e cinematografico. *O mito romantico da originalidade contra a recom- binagGo criativa do tipo “Lavoisier”. * Criag&o e critica da prépria obra. * liberdade e repertério cultural: a curiosidade icono- clasta como caracteristica do roteirista. 45 O mito roméntico da originalidade A originalidade plena é uma inveng&o romantica datada do infcio do século XIX. O “génio”, demiurgo que faz das trevas luz, € uma expressao transfigurada do individualismo burgués entéo em ascensao. Esse super- herdi respondia as angtistias dos artistas que viviam as contradigdes de um mundo que exaltava 0 individuo, ao mesmo tempo em que submetia to- dos ao ritmo da produgao capitalisca. Nao por acaso, foi na Alemanha, economicamente atrasada e culturalmente desenvolvida, que a “geniali- dade rom4ntica’ floresceu, dando sentido & experiéncia de artistas e pensa- dores altamente capacitados, mas que se viam impotentes diante da trans- formacao acelerada do mundo. A crenga no valor absoluto da originalidade nao ¢ mais do que uma idéia reguladora. Ela nao deixa de ser importante, pois aponta para um va- lor ainda significativo em nossa cultura. Mas num mundo recoberto por camadas e camadas de linguagem, no qual as praticas cotidianas sao em grande medida operagées com materiais culturais acumulados, apostar na criagao de obras absoluramente novas é, no minimo, duvidoso. Alids, em épocas anteriores a0 romantismo, nao havia esse tipo de cobranga. E mais do que sabido que Shakespeare — para ficarmos num terreno acima de qualquer suspeita — tinha por prdtica partir dos enredos de outros. De qual- quer maneira, independentemente dessas discussées histéricas, o que se man- tém como central ¢a busca de uma viséo nova sobre as coisas. Podemos conciliar essa busca pela novidade da visao (ea relativizagao sobre a novidade dos materiais) com a mais que conhecida méxima do 47 Senta aetna eee quimico Lavoisier: “No mundo nada se cria, nada se perde, tudo se trans- forma’, Nao se trata de incentivar o plégio ou cépias baratas, mas de apostar que ¢ com a combinagao que se produz a novidade. As idéias de- vem ser lapidadas, fundidas e por fim construfdas. O socidlogo italiano Vilftedo Pareto aproxima-se dessa concepgao, afirmando que a criatividade é a capacidade de estabelecer novas relagdes entre os elementos de um repertério comum a todos". A tarefa do roteiris- ta ¢ desse tipo: dar forma nova a relagées entre fatos supostamente desco- nexos da vida. Tomemos o exemplo de um fenémeno cultural contemporaneo alta- mente significativo: o rap. Esse ritmo, que surgiu na Jamaica na década de 1960, chegou aos guetos nova-iorquinos em meados dos anos 70. Na origem, era um texto falado sobre o cotidiano das pessoas de classes so- ciais excluidas e acompanhado por musicas que j4 tocavam nas radios. Os rappers utilizam uma linguagem altamente cinematogréfica, explorando as imagens e o desenvolvimento de narrativas, histérias de grande identifica- ¢40 com o ptblico-alvo. No Brasil, o ritmo ganhou novas nuangas, her- dadas principalmente do samba. A inspiragao funciona dentro de trilhos culturais que sao expressdes coletivas de momentos histéricos. Mergulhe nas influéncias, busque afinidades (e identifique diferen- gas) na massa de criagdes humanas, E nao tenha pudores de apropriar-se das criag6es alheias, como os DJs que criaram, em sua pratica, o termo “samplear”, um dos mais contemporaneos verbos que correm pelas in- tensas redes de comunicac4o mundiais. Vale aqui a citagao de um trecho de Verdade Tropical, no qual Caeta- no Veloso comenta a composigao de “Alegria, alegria” (com a elucidagao das relagdes criativas de um artista com seu repertério, aprendemos com o lider tropicalista a importancia da lucidez sobre as demandas as quais uma obra de arte responde num momento determinado). “Ha um critério de composigio de ‘Alegria, alegria’ que, embora tenha sido adotado por mim sem cuidado e sem seriedade, diz muito sobre as inteng6es € as possibilidades do momento tropicalista. Em flagrante e in- tencional contraste com 0 procedimento da bossa nova, que consistia em criar pegas redondas em que as vozes internas dos acordes alterados se mo- 48 pK LL vessem com natural fluéncia, aqui opta-se pela justaposi¢a’o de acordes perfeitos maiores em relagées insdlitas. Isso tem muito a ver com o modo como ouvfamos os Beatles — de que nao éramos grandes conhecedores. Na verdade, foi uma composicao de Gil, ‘Bom dia’, segundo ele influen- elada pelos Beatles, que sugeriu a férmula. A licdo que, desde o inicio, Gil quisera aprender dos Beatles era a de transformar alquimicamente o lixo comercial em criagdo inspiradora, reforgando assim a autonomia dos cria- dores — ¢ dos consumidores. (...) “No ano anterior ao lancamento de ‘Alegria, alegria’, ele [Chico Buar- que] tinha vencido o festival [da TV Record] com uma marchinha singela e antiquada chamada ‘A banda’, uma crénica da passagem de uma bandinha de musica de sabor oitocentista por uma rua triste (...) ‘Alegria, alegria’, om sua exibida aceitagao da vida do século XX, mencionando a Coca- Cola pela primeira vez numa letra de musica brasileira, e vindo acompa- nhada por um grupo de rack [Os Mutantes], apresentava um contraste gri- tante com a cangao de Chico. “(...) A banda, se podia servir como porta de entrada num mercado mais amplo via TV, ou como massificagao da atmosfera lirica da persona piiblica de Chico, nao representava 0 alto nivel de sofisticagio composicional de sua produgao. Pois bem, o que eu imaginara para ‘Alegria, alegria’ era um papel semelhante, guardadas (ou melhor, superexpostas) as diferengas de projeto e estilo entre mim e Chico. Na verdade, 0 fato de ser uma marchinha fazia de ‘Alegria, alegria’, no contexto do festival, uma espécie de anti-‘Banda’ que nfo deixava de ser outra ‘Banda’. Os trés primeiros versos das duas can- goes sio permutaveis sobre as respectivas melodias, e nao apenas por se- rem heptass{labos, 0 metro mais freqitente na poesia brasileira (e na poesia ibérica em geral). A letra de “A banda” na melodia de “Alegria, alegria” soa particularmente natural. Isso revela que ambas as cangées se dirigiram a ex- pectativas formais bem sedimentadas no gosto do ptiblico — ambas sao, por- (unto, igualmente ‘antiquadas’ — e ressalta o parentesco entre o personagem «que diz “Estava 4 toa na vida’ (‘A banda’) e 0 que se diz ‘caminhando contra o vento, sem lengo, sem documento’ (‘Alegria, alegria’).”"? ic O caso é emblemitico por se tratar de cang6es téo vivas na meméria de todo brasileiro e tio — aparentemente — marcantes em suas diferengas. Mas 49 el poderfamos citar muitos outros trechos do livro, que é um riqu{ssimo en- sato testemunhal sobre a amplitude de referéncias mobilizadas no processo criativo de um artista inovador contemporaneo. Multiplicando idéias Um dos mitos que alimentam manuais e botecos artisticos, e precisa ser desmitificado, ¢ o da “grande idéia’. Bons filmes nao s4o resultado de uma Unica boa idéia. Sao feitos de muitas idéias, Sea pessoa diz “tenho uma boa idéia para um filme”, a resposta direta é “Como assim? Sé uma? Isso é s6 0 comego e ainda nao garante nada. Arrume outras, muitas outras, Sé ai, quem sabe, poder fazer um bom filme”. O fato é que num bom filme ha idéias de varios nfveis: desde idéias mais gerais (relacionadas a histérias, per- sonagens e ao tom de tratamento do filme) até idéias que resolvem deter- minada cena ou problema dramatico. Todas sio importantes e as segundas estdo sempre em fungao das primeiras, isto é, em funcao da construcao da unidade: so idéias a servigo do projeto do filme. No entanto, ao contrdrio de inibi-lo, a necessidade de haver uma infi- nidade de boas idéias deve funcionar como incentivo para vocé comegar a escrever um roteiro. Afinal, uma idéia inicial é apenas uma entre tantas outras e, portanto, nao garantir4 muita coisa no resultado final. Ela nao precisa ser genial, pois aos poucos outras idéias surgirao. Por isso, o pro- blema nfo é ter uma idéia para comecar o filme. Desde que se busque formular algo que realmente precise ser dito, as idéias virdo no exercicio de sua busca. Comegar — superar a tal “crise do papel em branco” — é sé isso mesmo: comegat, apenas um primeiro passo. Se vocé ficar esperando por uma ilumi- nagao, uma revelacao que o leve além de Eisenstein ¢ Billy Wilder, talvez de- more um pouco... Para esse primeiro passo, temos uma sugestdo mais sim- ples: roube uma idéia. Como se diz num truque de mégica, “escolha uma idéia, qualquer uma’. Pegue, por exemplo, Velocidade Mdxima (Speed, Jan de Bont, 1994): um Onibus em alta velocidade. Se diminuir, explode. Dois caras preci- fam se entender para resolver o pepino. E af comece a adaptar, a variar. (Ok, Sai dnibus, entra bondinho do Pio de Aguicar. Se parar, explode. us, protagonistas 14 dentro. Com eles, um grupo de gente que, ao esti- Jo de No Tempo das Diligéncias (Stagecoach, John Ford, 1939), forma lima micro-sociedade: nossos herdis favelados, uma emergente metida a besta, uma carola do interior de Minas, um técnico do bondinho, um Vereador petista etc. Mais adiante, vocé pode substituir 0 mote inicial do bondinho por qualquer coisa (um culto pentecostal invadido por ladrées, algo assim). Ou seja, com o decorrer de seu trabalho, aquele pontapé inicial “roubado” vai se tornar irreconhecivel, justamente porque ele nao era a esséncia do ue vocé queria dizer, nao era a sua “intenga0”, Como dissemos no capi- tulo 1, a “intengao” vai sendo descoberta conforme o trabalho avanga. Repertério cultural e curiosidade iconoclasta Existem varios livros que sugerem técnicas de criatividade (coisas do tipo: “Escreva uma pagina por dia de modo automatico, sem parar para pensar”). Eles podem ou nfo ser titeis. Isso é uma questo individual. ‘Tem gente que precisa se vestir como quem vai sair para conseguir traba- lhar disciplinadamente. Outros acordam no meio da noite com idéias, «ue anotam num caderninho previamente deixado na cabeceira. Enfim, cada um que descubra ou invente as suas mandingas criativas. O que ndo é bom é fetichizar técnicas, como se houvesse alguma receita mdgica para ver criativo, © que podemos indicar é 0 sentido geral do processo de criagao. A dindmica geral de apropriagao de elementos e recombinagées tem uma dimensio muito mais profunda, que esté como que por tras dos exerci cios didrios do criador — 0 rio profundo da busca, que conduz todo 0 pro- 5) cesso. Hé muito de inconsciente nesse movimento, mas mesmo assim po- demos dizer algumas coisas sobre ele. No limite, todo filme dialoga, em maior ou menor grau, com todos os filmes a que o roteirista assistiu ao longo de sua vida. Possuir um am- plo e diversificado repertério cinematogrdfico é de grande utilidade no offcio de roteirista. Em primeiro lugar, e de modo mais fundamental, trata-se da velha his- téria: ver mais longe por se apoiar sobre ombros de gigantes. Se vocé sente que “a sua” é explorar a abolicao subjetiva da ordem temporal, dos labirin- tos da alma onde convivem nossas lembrangas de dois anos de idade com nossas idéias de pessoas adultas, nao ler Proust é, simplesmente, bobagem. Por outro lado, se seu interesse € por tudo que fica nfo dito, a cada frase simples que dizemos, Hemingway e Raymond Carver serio lacénicos companheiros de viagem. Nesse nivel profundo, trata-se de encontrar a sua turma. Ser dentro dos caminhos abertos por aqueles que 0 antecederam que vocé vai criar. Simplesmente nao h4 outro modo. Quem acha que sua criatividade é pura e inaugural, sem influéncias, estd apenas ignorando suas fontes, nao s6 lierdrias, mas virais (uma vez que essas tradigoes podem nao ser literdrias). J4 que o didlogo com tudo que nos antecede é constitutivo, por que nao procuré-lo ativamente, estimulé-lo, ir em busca de nossos pares? Ampliando nosso repertério sé temos a ganhar, no apenas como quem re- colhe ferramentas ou produtos num supermercado, mas como quem faz amigos, deixa-se influenciar ¢ influencia. Fazer amigos ¢ influenciar pessoas € uma legenda do trabalho de escrever, mesmo para o mais solitdrio e ensi- mesmado escritor. E provavel que voce jd seja uma pessoa com “fome de cultura”, j4 que um roteirista ¢, de certo modo, um aglutinador dos discursos do mundo. Mas hd alguns riscos a respeito dos quais é bom falar. Um deles é limitar- se 4 “cultura culta” e perder de vista a riqueza das formas de expresso po- pulares, muito mais corporais do que livrescas, Outro problema é a afo- bacao. Mastigue bem antes de engolir. Por vezes, o “ambiente cultural” contempor4neo tende a nos entupir de produtos. A isso, devemos con- trapor uma relacZo de contato humano — ¢ nao de consumo — com as ex- pressdes criadas por outros seres humanos (€ disso que se trata), Absorva 52 eden ieeatiee eerie © que o amplo carddpio do mundo tem a the oferecer no ritmo de suas prdprias descobertas, O objetivo desse “jogo” nao é empanturrar-se de (pretensa) cultura, mas aprimorar sua visdo sobre a vida. Ou seja, a sua telago com o repertério cultural é sé sua, depende da sua histéria e de wus desejos. Sua atividade criativa comega pela criagao de seu caminho prdprio através da floresta cultural. Citemos dois exemplos significativos, de artistas que souberam en- eontrar ¢ se relacionar criativamente com “sua turma”, O roteirista Bréulio Mantovani tem profunda admiracao por Eisens- teln, No trabalho de escrita do roteiro de Cidade de Deus (Fernando Mei- telles, 2002), ele estava diante do desafio de transpor, do livro para o cine- ma, um churrasco narrado sob o ponto de vista de um galo. Bréulio, em vex de cortar a cena, encarou-a mobilizando o repertério da montagem elsensteiniana. O resultado ¢ a brilhante cena de abertura do filme. Jorge Furtado diz que Houve uma Vez Dois Verdes surgiu da vontade de fazer uma comédia romantica para adolescentes brasileiros, como seu filho, somada ao desejo de reunir Romeu e Falstaff num filme de praia gaticho, O resto foi trabalho e trabalho: uma unidade dramatica rigida (regra: “Chico nao pode ficar nem cinco minutos sem estar perseguindo Roza”) recheada de piadas. A experiéncia da escrita: profissionalismo e arte zen Muitas das grandes obras de arte do mundo foram feitas sob enco- menda, € nao sé no cinema dos estiidios. Reza a lenda que Mozart com- pOs a abertura de “Don Giovanni” algumas horas antes da estréia da dpe- li_¢ que os muisicos receberam suas partituras com a tinta ainda fresca (Isso é que € opressdo dos produtores!), Michelangelo, que nao pode ser «juestionado em matéria de talento, fez a Capela Sistina sob encomenda. Faga, ent&o, como os profissionais: mesmo que simuladamente (a data de um edital com um tema definido ou que vocé defina para si mes- 53 Oe Bale Relate Nailin mo), estabelega uma demanda, ¢ a absorva, no decorrer do trabalho, den- tro de seus préprios parametros. Imponha-se uma tarefa e aproprie-se dela. Uma das grandes vantagens que a obrigacio profissional impée éa necessidade de trabalho diligente. O amador pode se dar ao luxo das visi- tas esporddicas da musa inspiradora. O profissional trabalha todo dia e faz da musa sua parceira de trabalho. Ser4 que isso implica sufocar a es- pontaneidade? Bom, se vocé souber conduzir suas atividades, talvez a dis- ciplina de trabalho seja, justamente, o caminho da espontaneidade. O zen sempre afirmou que o esvaziamento da mente, ou melhor, a indissociagao entre mente individual e mundo, é 0 caminho da liberta- 540, Sem maiores aprofundamentos misticos, para nossos fins basta que lembremos aqueles momentos de entrega sem reservas a alguma ativida- de, quando o tempo parece nao existir e, de repente, vocé esta fazendo tudo de modo “tranqiiilo ¢ infalivel como Bruce Lee”, Isso pode acontecer quando se esta jogando futebol, tricotando um blusao ou até estudando matemitica. Por que nao escrevendo um roteiro? Chamar esse transe cria- tivo de inspiragao é apenas dar o nome certo As coisas. Mas os mestres zen também ensinam que somente com uma continua- da e rigorosa pratica especifica vocé poderd “liberar a mente”. As artes zen do arco ¢ a ceriménia do ché sao caminhos como esse. Robert Pirsig, em Zen ea Arte da Manutengio de Motocicletas, tentou traduzir esse princ{pio para o mundo moderno, dizendo que “o Buda mora no circuito elétrico”, A manutengao de motocicletas, ensina Pirsig, também pode ser uma “arte zen”: vocé deverd pratic4-la durante anos, religiosamente. Precisard criar uma rotina, que inclui hordrios fixos, ambiente propicio, reuniio de todas as ferramentas necessdrias ¢, sobretudo, um exerc{cio permanente de con- trole de suas ansiedades ¢ frustragées, durante a longa jornada de superagdo de sua ignorancia e inépcia (no caso, no campo das motocicletas). Lenta- mente, vocé ird adquirir confianca, e a manutengao comegard a “rolar”. Ainda mais lentamente, essa sensacao de tranqiiilidade (que Pirsig chama de “brio”) vai se espalhar para outros momentos de sua vida (ou seja, vocé passard a viver melhor, com menos softimento). Essa experiéncia é sempre repetida pelos misicos: h4 um longo perfo- do de exercicios e técnicas, a partir do qual o muisico nao apenas se forma 54 pacientes aaa erat tecnicamente, mas se torna capaz de utilizar-se da técnica para deixar fluir a expresso, a inspiragao, Stephen Nachmanovitch, muisico e artista grafico, autor de Ser Cria- tivo (que tem o titulo original — muito mais interessante — de Free Play — The power of improvisation in the life and the arts), diz o seguinte: “A pratica nao é sé necesséria a arte, ela é arte. “Nao precisamos praticar exercicios magantes, mas temos de fazer al- gum exercicio, Se achar um exercicio chato, nao fuja dele, mas também hilo precisa suporté-lo, Transforme-o em algo que lhe agrade. Se vocé se chateia em repetir uma escala, toque as mesmas oito notas em outra or- dem. Ent4o, mude o ritmo. Depois, mude a tonalidade. Vocé estard im- provisando. (...) Em qualquer arte é possfvel tomar a técnica mais basica simples, modificé-la e personalizé-la até transform4-la em algo que nos motive. “O exercfcio néo € chato ou interessante em si mesmo; somos nés que 0 tornamos chato ou interessante (...) Para criar, é preciso ter técnica ¢ libertar-se da técnica. Para isso precisamos praticar até que a técnica se torne inconsciente. (...) Parte da alquimia gerada pela prdtica é uma espé- cle de livre transito entre consciente e inconsciente. Um conhecimento técnico deliberado e racional surge da longa repeticao, a ponto de poder- Mos executar nosso trabalho até dormindo. (...) Embora possa parecer um paradoxo, descobri que ao me preparar para criar j4 estou criando; a pritica ea perfeigao se fundem numa coisa s6.”'4 Exercicio Um saco de idéias Faga uma lista de idéias, reliradas das mais diversas fontes, das quais vocé possa langar mao durante a escrita de seu roteiro, Solte-se, ndo tente ainda costurar as idéias, Como uma crianga, junte coisas de que vocé gos- 55

Você também pode gostar