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4 oS r t . 1 1 , Wolfgang Iser 2 ' rae ‘ O ATO DA LEITURA oes i “Uma Teoria do Efeito Estético 3 i . ! Vol. 1. 4 4 Tradvigdo , Johannes Kretschmer, es a et : w : 1 ~ . ag” SN nu : - editoralli34 : EDITORA 34 | Lo : Distribuigdo pela Cédice Comércio Distribuigdo ¢ Casa Editorial Ltda R, Simées Pinto, 120 “Tel. (011) 240-8033, Sz0,Paulo~ SP 04356-100 Copyright © 34 Literatura S/C Ltda. (edigao brasileira), 1996°° Der Akt des-Lesens © Wilhelos Fink Verlag, Miinchen, 1976. A FOTOCOPIA DE Quacauen FOLHA DESTE LIVRO E ILEGAL; E CONFIGURA UMA 's APROPRIAGAO INDEVIDA DOS DIREITOS INTELECTUAIS E PATRIMONIAIS DO AUTOR. > Titulo original: Der Akt des Lesens : Theorie asthetischer Wirkurg Capa, projeto grafico e edivoracao életrSnica: Bracher '& Malta Produgéo Graf ica. ° Revisio técnica: Luiz Costa Lima. Revisio: ° Ingrid Basilio 1* Edicdo - 1996 34 Literatura S/C Leda. os R. Hungria, 592 CEP 61455-000°. a Sao Paulo - SP Tel/Fax (011) 816-6777 Dados Internacionais de Catalogagio na Publicagio (CIP) ue (Camara Brasileira do Live, SP, Bras) : oer, Wolfgang cay : O ato'da leitura, vol. 1 1 Wolfgang Isers : tradugao. de Johannes Kretschmer. — Sio Paulo: a "Bd. 34, 1996 192 p, (Colegdo Teoria) On Tradugdo de: Der Akt des Lesens ‘ ay + ISBN 85-7326-037-8 : . 1. Literatura - Historia ¢ 6 I, Série. . Titulo 96-0138 | CDD- 801-95 NOTA DA EDIGAO BRASILEIRA O ato.da leitura, em sua: eidigao original alema, foi publica. yt da em um s6 volume, com quatro capitulos: Na edicao -brasilei-» ra, optou-se por publicar o livro-em:2; volumes. Este Primeito. volume contém os. dois primeiros capitulos da obra. i i i i l i 1 O.ATO DA LEITURA- Uma Tedria do EfeitorEstético > Vol. 1 Prefacio & segunda edigéio . Prefacio a priméira edicao T-SITUAGAO DO PROBLEMA A, Arte parcial —a interpretagdo universalista 4, Henry James, The Figure inthe Carpet Em lugar de uma introdugao « . 2, A’sobrevivéncia da norma classica de = interpretasao .. B, Preliminares para uma teoria da estética do efeito 1. As peispectivas fundadas na Jeitura eas objegdés tradicionais... 2. Concepedes de leitor ea a concepsao do: me leitor implicito .... : ps 3. Teorias * psicanaliticas do efeito literdrio ee I. Mopeto HISTORICO-1 FUNCIONAL DA LITERATURA A. O.repertétio, do texto 1. Pressupostos™:.. 2..0 modelo dos a atos os da fala .. 3. A constituicao de situages de textos -ficcionais 4, Campo de referéncia e selecao do tepertdrio dos textos ficcionais . B, As estratégias do texto. 1. A tarefa das éstratégias ¢: 2. A'velha resposta: desvio .. 3. A relacdo entre primeiro ¢ ‘segundo planos 4, A estrutura de tema ¢ horizonte :. 5. As modalizacées da estrutura de tema e horizonte 2101 > «103, 2 116 . 128 O que “hoje échamado de -estética da recepgao nao tem cer- | tamente aquela unidade que parece sugerir uma tal elassificagao. Em prinéfpio, escondem-se por detras. desse conceito duas orien : tacbes diferentes que se distinguem uma da outra apesar de sua’! reciprocidade. A recepcao, no seritido estrito da palavra; diz - respeito a assifnilagao documentada de textos é, por conseguin- te, extremamente deperidente de testemunhos, nos quais atitudes e reacdes se maniféstam enquanto fatores que condicionam a. apreensao de textos. Ao mesmo tempo, porémi, © proprio texto. éa “prefiguracdo da recepcao”, tendo com isso’ um potencial ‘de efeito cujas estruturas pdenr a assimilagao @ em curso € a. contra~ fam até certo ponto. : es Desse modo, 0 efeito ea recepgéo formam os prineipiog cen- trais da estética da recepgao, que, em face de suas diversas metas orientadoras, operam com métodos histérico~ sociolégicos (recep~ ¢G0) ou teorético-textuais (efeito). A estética da recepeao.alcan- 4, portanta, a sua mais plena dimensao Guando ¢ essas duas me- tas diversas se interligam. Bears : Os impulsos para um tal desenvolvimento de interesses da A teoria da literatura surgiram a partir da situagao histérica das universidades alemas na década de 60. Eles foratn’condicionados tanto por pérspectivas historico-cientificas, quanto politicas. Do ponto de vista histérico- ientifico, os anos 60 marcaram-o fim de uma hermenéutica ingénua da andlise literdtia.: ‘Cada vez mais impunha-se a pergunta pela especificidade da tradicfio, sobretu- do porque a interpretagao da litetatura cada vez mienos.compor- tava o conflito de i interpretagoes diferentes dos textos e éada vez O Ato da Leitara - Vol. 1 mais eta incapaz dé refletir sobre eles. O fato de que se possa in- dagar a literatura de pontos de vista diferentes: -e que as intérpre- > tagdes daf ‘resultantes sejam_ diferentes’ 6 éada vez mais, proble- © matizado; isso -passou.a vigorar mesmo onde sé toiria cada per gunta propria a literatura como a tinica possivel., Com ‘sempre houive interpretacdes concotrentes, 86 se pode descobrir as supos: tas deficiéncias recorrendo ab modo “verdadeiro” dé andlise: Por isso, comecoli-se a buscar argumentos especificos para fundamen- tar-os principios da i interpretagao, Mas quando i isso nao aconte. ss, Seu, estavam em jogo pressupostos inquestionados, segundo os 4 |» -quais se interpretava a literatiira. Se esses pressupostos nao sé , tevelavam, é porque foram identificados' com o préprio objeto. po Isso valia ptincipalmente para'um modo ‘de intérpretacdo: que perguata pela i intencao do autor, pela significagao ou pela men-«, i sagem da obra, assim como pelo valor estético enquanto interagao. | «1 Harménica das figuras, tropos e camadas da obra. Se essa inocéncia « | : hermenéutica perdia:por fim seu ericantamento, porqué sepre-) | cisava interpretar a literatura moderna, que ora se fechava con tra'a apreensio através de tais critérios, ora surgia ¢ como abstrusa, " quando. submetida aeles.A. partir dai, configurou: se uma situa~ g4o na qual-as pergunias aparentemente evidentes sobre literatu- ‘ra passaram a se revelar como historicamente eondicionadas. : Masa peculiaridade da tradigao se caracteriza pelo fato deo que 6 questionamento antigo e cada vez mais historico.nao é fa- ' cilmente descartado e esquecidos tal questionamento representa; antes de tudo, um’caminho ‘de'i interpretagdo que no passado ti- nha sentido, mas agora tornado perempto. Por isso, as dificulda: *, des produzidas por essa interpretacao provocam novas pergun- tas; as antigas, porém, fazer parte da tradigao, conquanté as novas s6 podem se configurar: se delas se separam: Assim, o'interes- i oo se classico pela i intengao do texto inipulsionou 6 interesse porsua, © © recepe’o.-A orientacao predominantemente semantica que visa. _ va a significacdo converteu-se em uma andlise da objetividade es- téticd do texto. Por fim, a pergunta pelo valor tornou atuala per | >" gunta sobre como aobra de arte absorve as faculdades humanas. Wolfgang Ise” i = Ci eS Neste ponto, vem 4'tona fiovamente um problema herme= néutico, 4 medida que as respostas passadas evidenciami perguti- ° tas que nao foram formuladas, Para estas é decisivo, no entanto, | © fato de que nao poderiam ter sido levantadas sem as respostas” antigas. Em conseqiiéncia, essas perguntas nao sao jogadas ao mar, «. mas sobrevivenrenquanto relaciio negativa de um novo intetesse. " Isso pode ser uma razdo de ser, porque, n@ teoria da estética ‘da recepgao, a inten¢ao, a significagdo €0 valor concretizam 0,“pro- cedimento-mends” (Lotman), pois em ‘iltima andlise Um novo in. “teresse ndo se mostra serh que surjam expectativas de que as nor z mas de interpretagao estejami moribundas. Nesse sentido, a pro-. pria estética da recepgao faz parte da traditao, pois'é uma deter- ‘ minada articulacdo desta ultima e'se torita a sua manieira um ho- rizonte hermenéutico do qual outras articulacées hao'de sutgir: . tal As causas dessa mudanga na tradicio baseiam-se,. de um” lado, na experiéncia da modernidade, e, de outro; na revolta estu+* dantil. !\ modernidade se manifesta sobretudo como uma néga-" 5 cao daquilo que era essencial para a arte classica: a’ harmonia, a: 1 conciliagao, a supéragao dos opgstos, a contemplagad da pleni- : Jo tude. Ohébito da negatividade na literatura moderna age, por isso, re como agressdo. ininterrupta As nossas convengbes orientadoras, oy . desde d atitude até a percepcdo cotidiana. Em conseqiiéncia, sem- pre nos acontece-algo através dessa arte, e nos cabe perguntat'o que acontece. Por isso, a pergunta deve ser alterada; pois ela nao | ‘i visa mais a significacao, mas principalmente aos efeitos do texto. t _. Quanto mais tal experiéncia se'torna consciente, tanto mais ft _ estéreig parecem ser os “arboretos daintérpretagio” (Kayser), ‘nos, quais tradi¢des cientificas quase extintas floresceram até mul 0. ‘ depois do fim da Segunda Guerra Mundial. A initerptetaco das” . grandes obras, freqiientemente tecitada em tom. hierdtico‘nas c4*" : : . tedras dos auditérios alemaes, yisava consciente ow inconsciente- of .| mente a prodtizir nos ouvintes aquela atitude conéemplativa que’. era requerida diante de uma obra de arte cldssica. No entarito; quanto mienos se estivesse a ponto de achar é'sentido da obra de arte, ¢ quanto mais s¢ desdobrasse,a partir dai'a.quetela entre as 2’ ‘ I { . : : : : © Ato da Leitura = Vol. 1 . me geo BEES ~ fatura, que. nao mais se concentravain tanto na significagad. ou" na interprétacdes, tanto mais impossivel se desconsiderar os pressu- postos da interpretagao. Na revolta estdantil, esses pressupostos tornaram-se relevantes para o,desmascaraménto critico-ideo| bgi -co. Por isso, a prépria literatura comegoui aser problematizada, e nao apenas porque uma interpretacdo qué reclamava validade nor mativa tenha produzido a ilusdo de-que ela éra ‘0 préprio objeto. Nesse sentido, a situagdo politica produziu.o ‘impulso neécessario para se encontrar um acesso adequado 4 literatita contenipord- nea.Daji resultou uma mudanga de’ orientacao nas andlises da lite mensagem, rhas sim tios.éfeitos do textto'e emsua recepcdo. Quando algo-nos acontece através da literatura, entao. vale concentrar’o interesse da andlise em trés problemas basicos: Le Como os textos sio apréendidos? 2. Como sio-as estruturas que , dirigem a elaboraco do texto naquele que’o recebé? 3. Qual é éa * func de textos literdrios em seu contexto? * A estética da recépgao Sempre tomou esses problemas ¢ em” conjunto e os compreendeu coino tim contexto, Isso foi neces. tio na situagdo'de ent&o, antes de tudo, porque a “sociedade” x avangara para um novo conceito de substancia, através do: qual osiferidmenos da arte foram nivelados em um Sociologismo pri mario. Exatamente porque estética da recepgio tinha em men-: * te, enquanto teoria do efeito, explorar a elaboracao do ‘texto ¢, - enquanto historia da fungio; fazer com que a ‘interagao entre o texto e o mundo extia~ textual se tornasse um objeto ‘central da anilise, ela precisou defender-se contra este soéiologismo simplista’ que compreendia o texto literdrio como a alegoria da sociedadé. Se os textos literarios produzem: algum efeito, entio'eles fe beram um acontecimento, que precisa ger assimilado. Em conse-.". qiiéncia, os processos de tal elaboracao esto no centro do inte- resse do éfeito estético, Eése interésse visa, antes de tudo; a duas Q questées: 1. Em que medida 0 texto literdtio se deixa: apreender | conio um acontecimento? 2: Até que ponto.as‘elaboracdes ‘pro-- ; votadas| pelo texto so previamente estruturadas por ele? Pergun- tas desse tipo sao fundamentais: para a estética do efeitos e isso’ w Ce “o> Woligatig Iser a é mais uma vez ultrapassada. Isso j4 se mostra em. éxemplos bem: i porque através delas a jnteracao entre texto e'conteXto, tanto: _quanto entre texto e leitor, constitui o objeto da atengao. Enquaiito ; isso, a estética da recepgdo emseu sentido mais estrito atém-se as | condigées histéricas da recepgao documentada dos textos. * Bees ‘4 O texto literdtio-se origina da reacdo de um autor ao mun- 235 > do e ganha,o cardter deacontecimento a medida que traz uma perspectiva para o mundo presente que nao esta nele contida. Mesmo quahdo um texto literdrio nfo faz'sendo. copiar 6 mundo presente, sua repeticao no texto jo altera, pois repetiza realida- -- : de a partir de um ponto de vista ja ¢ excedé-la. Em principio, a. ees reagdo ‘do autor-ao mundo, que se manifesta’ no tekto, rompe as’ imagens dominantes no mundo. real, os sistemas sociais ¢ de sen- tido, as-interpretacdes ¢ as estruturas. Por isso; cada texto litera- tio comporta-se seletivamente quanto ao muido dado, no inte- rior do qual ele surge ¢ que forma sua realidade de referéncia..~ Quando determinados elementos dela sio retitados e incorpora- dos'ao texto, eles experimentam a paitir daf uma riudanga de sua. significagio, Nesse sentido, a ‘selegio, a patti da-qual se constréi © texto literdrio, possui o cardter dé acontecimento, ¢ isso por= . que ele,.ao intervir emuma determinada. organizagao, elimina sua referéncia. Toda transformagao da reféréncia é um aconteciinén=- to, porque-agora os elementos da tealidade de referéncia sao re- tirados de sua subordinacdo: Mtoe es Ocardter de acontecimento do texto se intensifica pelo-fato *» de que os elementos selecionados do ambiente do texto séio ‘por sua vez combinados entre si, Desse modo, eles se inserter em su= bordinagées, pelas quais sua determinacao seméntica e-¢ontextual / simplés, como é-0 caso dos versos de Prufrock de T.S. Eliot: Should I, after téa and cakes and ices, 3 : Have the strength to force the moment to its crisis?. Através das rimas, “ices” ¢ “crisis” s40 jnterrelacionados;” ~ mas sobretudo essa’ combinagdo torna-se aqui condicao da des--° oy © Ato da Leitura - Vol. 1 territorializacao semAntica. A partit daf, resulta’ uma polissemia estruturada que pode motivar tanto a ttivializagao da “crisis”, quanto um maior prau de significacao de “ices”: Eni cada um dos casos, porém, surge urh espectro de oscilacdes semanticas, visto que os dois lexemas-chave ndo mais se separam ‘um do outro e podem ser transformados em uma univocidade significativa. Atra-~- vés disso, 0 cargter de acontecimento do texto,- ‘que'se ‘origina da selegaio eda’ combinagio, se comunica ao receptor. Poti isso,’ texto: tem o cardter do acontecimento, pois na selegao a referéncia da tealidade se rompé e, ina. combiniacao, 6 og limites semanticos do: léxico sfo ulteapassados. . : Esse estado de coisas encontra no receptor, contude, uma s expectativa central: a Lekpectativa de constantes do sentido da lin- gua; pois onde se fala e emprega a lingua, esperase um sentido; Isso é valido até mesmo para “as frases sem sentido”, como aquelas s que os littgitistas criaram'para demonstrar suas regras. Exemplar para isso é a famosa ‘frase de Chomsky: “Colorless green ideas - sleep furiously”. Se com isso deve ser démonsirado que uima cons: trucao sintaticamente correta é semanticamenté sem sentido; en=\<, tGo pode-se argumentar contra essa pretensa auséncia dé sentido, © que ela, etn face da expectativa de constantes de sentido em cada: uso da lingua, se ajusta a distintos contextos, até ganhar um sen- “tido. Nesse caso; isso’é até relativamente facil. Nem se. precisa des- = locar essa frase para'o contexto de um poema pata encontrat nela algunt sentido; ela jd seria uma descrigao adequada de situagées oniricas, sobretudo quando, no soriho, 0s sonhos em preto ¢ bran: co transitam para os sonhos coloridos. ‘Tal transicaio seria capaz até mesmo de fazer com quie 0 advérbio furiously, enquanto ca- racterizacao dessa mudanca, se tornasse semanticamente wnivoco:.. A expectativa basica de constantes de sentidd forma o pres= _Suposto para que se possa comipreender 0 cardter de acontecimento do texto literdrio, O sentido torna-sé sentidoatravés de sua prég- nancia. Isso significa; no efttanto, que os Processos de formacZo . dé sentido que se desenvolvem na recepgao do texto s6 podem ser realizatties seletivas do texto. A plutivocidade do texto, condicio., 12 co Wolfgang Isce’ nada por seu carter de aconteciniento; se tealiza como univo- : cizagSo seletiva. A base dessa nivocidade é a formagao de con- 3 sisténcia ‘que sucede na leitura; pois somente a consisténcia ‘de seus segmentos possibilita a compreensdo do texto. Isso significa, po rém, que'a polissemia, que tem o carter do-acontecimento, nao- pode ser totalmente realizada; pois os processos de formacgdo de sentido do texto nao se realizani tia leitura sein que se percam pos- sibilidades de atualizacao. Essa possibilidades so condicionadas, - * no caso concreto, pelas disposices individuais do. leitor, bem como. SE : pelo cédigo sociccultural do qual ele faz parte. Fatores desse tipo orientam a selecdo daquilo‘que constitu para cada leitor a base da consisténcia e, assim, o pressuposto. para a pregnaticia de ‘sen tido do texto." . eer Levarido em conta todés esses fatos, podemos concluir que. 9 texto Se mostra como um protesso, ‘pois ele nao sé deixa iden- pO _ _tificar exclusivamente com nenhuma das fases descritas. O texto oe nao pode sér fixado nem_a réagdo do autor 46 mundo, nein ‘aos: atos da selécdio & da combinagao, nem aos processos de forma-, oe cao de sentido que acontecem na elaboragao ¢ nem, mesmo 2-ex- ' : periéncia éstética que se origina de seu cardter, de acontecimento; | ao contratio, o texto é o processo integral, q qué abrange desde a ' reagdo do autor ao'mundo até sua-experiéncia pelo leitor. Nesse : processo, no entanto, fases podent ser distinguidas, pois nelas acontece uma mudanga' daquilo ¢ que as, precede. ie boot ‘Sea vestética do efeito compreende ° texto coin um proces- 9 1 so, entdg a praxis da intérpretagdo, que dele deriva, visa princi- palmente ao acontecimento da formagao de sentido. Tal andlise- nao afasta a interpretagao — como se afirma de vez em quando... | na-polémica contra’a estética do. efeito — mas sim enfatiza atgu-.: ‘ é mentos que poderiam manter o-interesse pela literatura’ em‘yma - : I * época.na qual esta rido'é mais vista sociaimente como. evidenté. "0 Desse modo, uma ‘interpre! co da literatura, orientada pela es- tética-do efeito, visa a fungio, quie os textos desempenhain em ' oO contextos, & comunicagiio, por meio da qual-os textos transmi- I. ”Q'Ato da Leitura = Vol. 1 Ce ES ug Se ig fem experiéncias que, apesar de nao-| Jamiliaies, sao. coiitudo com: preensiveis, ¢ & assimilagao. do texto, através da qual se évidenciam a “prefiguragao da recepgdo” do texto; bem como as faculdades.: e competéncias do leitor por ela estimuladas. Para para esta nova edig&o precisar a argumentagio do livro em algu: mas passagens, quanto nada para fevar-em conta as objecdes fei- tas ao texto. De lé pra cd, no entanto, houve uma discussio s clarecer melhor nossa intengao, teria sido oportuno ~ ficientemente documentada acetca deste livro.que agora ehicon: |. tra nova edico. Essa ‘discussao:poderia servir — aitida que de. forma limitada’— como complemento: necessario 4 primeira ‘édi- 40 (diacritics, junho de“1980 e outono de 1981; Comparative Literary Studies 19, 1982). Tal discussao tornou mais claras al gumas passagens e destacou em outras: 08 pressupostos que de- sempenharam um papel para o livro e sua recépgaa. Desse modo, eu desisti; em face dos metivos econémicos da editora, “de incor potar as sugestdes da critica ao texto. Por isso, mudei apenas poucas passagens, para ajustar a nova edicao aquela versd0, do texto em que se baseavam as diversas traducdes. Pela boa wontas: Psy de com que acolheu tais mudangas, gostaria de agradecer ao edi- tor Ferdinand Schéningh. r : LSS 14 . a pd ” "Wolfgang Iser Como o texto literdrio 86 produz seu éfeito quatido é lido, uma descricdo desse efeito coincide amplamente < coma. andlise’do- processo da leitura. Por isso,'a leitura encontra-ée no centro das” reflexdes seguinites; pois nela.os processos provocados pelos textos : literdsios podem ser observados. Na leituta acontece uma alabora- Gao! do texto, que se realiza através de um. certo uso das faculdades humanas. Desse modo, nao podemos captar exclusivamente Oo: efeito nem no texto, nem na coriduta do leitor; o texto é um poten- | cial de efeitos que se atualiza no processo-da leitura. . O pélo do texto eo pélo do leitor; bem como a interagao en-. "tre eles, formar o esbogo a partir do qual se busca teotizar os efeitos» dos textos literdtios que sao desenvolvidos na leitira {capitulos: : IL, volume 1; HI e TV, volime 2): O texto literdrio é considerado, . por conseguinte, soba premissa de ser comunicagao. Através dele, acontecem, intervencdes no mundo, fas estruturas: sociais domi- enquanto reorganizagio daqueles sistéinas de teferéncia, 08 quais. ° repertério do texto evoca. Nessa reoxganizagao de referéncias're- levantes, evidencia-se a intengao comunicativa do. texto, a qual se inscreve em certas ifstrugdes para sua compreensio. A estrutura. do texto enquanto instrugao constitui o ponto de vista central do -capitulo que trata do texto (capitulo II): A descrigae do proceso 1A palavra alema verarbaiten tem taiito 0 sentido de elabori; fabri- nantes € na literatura existente, Tais intervencdes mariifestam-se cat; produzir, como o de assimilar, digerit. Na falta de uim termo que man- tivesse o duplo sentido em portiugués, ela foi traduzida ora pot “eibotaio” i ora por “assimilagio”. w da Ry © Ato da Leitura + Vol. 1 Done Eee Abs da leitura busca evidericiar as operacdes elementares ‘queo texto provoca na conduta do leitor. Pois a assimilagao das instiucdes : significa que 0 sentido do texto precisa ser constituido;:por isso," « Os processos de constituicao que se desenvolvem na consciéncia ima- ginativa formam o ponto central do capitulo sobre a leitura (capi-.. tulo IIL, volume 2),——Mas até aqui-apenas descrevemos os polos de uma relacao, por meio da qual leitor situagdo se ligam, a a qual * o texto reage. A prépria relagdo necessita de impulsos para se reas) lizar. Por isso, sfo tematizados no diltimo.capitulo do ségundo vo- lume os impulsos‘da i interacdo, que constituem; na consciéncia ima~ ginativa do leitor, os préssupostos necessarios para’ Proceso de® constituicéo do texto. : O efeito estético deve sei analisado; portanto, na relacdo dia: lética entre texto, leitor e stia interacdo. Ele é chaimado de efeito estético porque — apesar de ser motivado pelo texto — requer do, leitor atividades imaginativas e‘perceptivas, a fim dé : obrigd-lo'a diferenciar suas prépriag atitudes, Isso significa também que o pre- sente livro entende-se como uma teoria do efeito nao como uma: teoria da recepgao. Sé.a anélise da. literatura sé origina da relagao, en com textos, ento ndo se pode negar qué aquilo que nos acontece através dos textos seja de grande intetesse: Nao consideramos on texto aquicomo um documento sobre algo, que existe — seja qual.” for a sua forma —, mas sim corhe uma reformulaga y de uma rea- lidade j ja formulada. Através dessa reforntulagao advém algo’ao mundo que antes nele nao. existia. Emi conseqiiéncia; a teoria do efeito confronta-se com um problema::como se pode assimilar e mesmo compreender algo até agora nao formulado? Uma teoria da recepgao, ao contrario,.sempre se atém'a leitozes historicamen- te definiveis, cujas reagdes evidenciam algo sobre literatura, Uma: teoria do efeito estd ancorada no texto ~- ima teoria da recep¢ao esta ancorada nos jufzos histéricos dos Iéitores. - $ Eevidente que uma teoria tem o carater de construcao. Isso vale também para o processo aqui desctito, em que 0.éfeito estético se atualiza na leitura. Esse proceso, no entanto; estabelece um pa- drao, que permite compreender os processos individuais de. realiza- 16 oo Wg oligang Ieee | So dos textos, tanto quarto a sua interpretacio; desse modo, seus” Pressupostos, que os orieritam, podem ser diagnosticados. Una? tarefa da teoria do efeito seria, portanto, ajudar a fundamentar a discussio intersubjetiva de processos individuais.de sentido da lei- tura, bem como a da: interpretacao. Nesse momento se mostra,:-.- | por certo, sua condigao histérica; a qual, no entanto,. resulta da convicgao de que a auto-suficiéncia da i interpretagao do texto. chegou a seu fim; a interpretagao rido mais. pode existit sem a re-~ flexdo acerca'de suas premissas ¢ interesses. Enquarito construcdd, a teorid aqui i désenvolvida nao se com: prova empiricamente, Trata- se menos de sé submeter-a um pro- * cesso de validacdo do que de ajudar ‘a formulat possiveis padres. que sao necessarios, se se quer analisar de forma émpirica.as reagdes: dos leitores: Pois nem a realidade empirica, nem a histéria respon- “ dem, por assim dizer, por si mésmas; € portanto indispensavel levan- tar uma determinada pergunta, através da qual o empirico ¢ a his- téria possam se manifestar. Come essas petguntas por stia vez S40 condicionadas por muitos pressupostos, precisamos refletir sobre eles, tanto quanto acerca dos resultados que deles se originam. Nesse ponto, as reflexes aqui desenvolvidas ganhain sua relevancia. Embora a teoria literaria consider necessatia a auto- reflex ° sobre o controle do acesso aos textos, tal atitude reflexiva apenas ganha seu pleno sentido na exploragao’ de. metas até aqui pouco estudadas. Se € correto que através dos textos algo nos acontece, que aparentemente nao podemos nos separar das ficces = dependentemente do qué pensamos delas—, y Surge a pergunta pela: funcdo da literatura para 4 “constituigao humaria”. As idéias aqui desenvolvidas sobre 0 efeito estético langam apenas um primeiro ” olhar a esse objetivo antropoldgico das. andlisés literdvias. Sua fon~ gio é, no entanto, chamar a atengq pata esse horizonte ja aberto. Os argumentos que deseiivolvo ‘nos capttutos que seguem. apresentam 0 esboco de um problema, que publiquei pela primeira vez em 1970, sob o titulo Die Appellstruktur der Texte. Uribes- timmtbeit als Wirkungsbedingung literarischer Prosa, Como jul, O Ato da Leitara-Vol L200 os guei necessario continuar com essas questbes, ‘até entdo. -analiga- das de foriia muito fragmentaria, desisti.de responder aos argu- mentos estimulados: por aquelé pequeno trabalho®, Essa ‘recusa © esteude-se também & integragdo dos argumentos desenvolvidos em contextos existentes de discussao; referéncias ‘desse tipo tetiam so-* brecarregado a apresentacdo. Apenas no pritneiro capitulo tentei esbogar as condicbes histéricas que, de acordo'com a arte moder- na, tornam obsoleta a pergunta clssica pela significagéo do tex- to. Além disso, em alguns momentos discuti.4 obra de Ingarden —> menos pata criticd-lo do que para esclarecer através da critica como o’problema comum que nos interéssa poderia ser analisa~ . do de outra manieira. Mas-estou. consciénte de que. foi Ingarden’ quem criou, através de suas pesquisas sobre a ‘concretizacao’ das.’ _ obras literdrias, o nivel de discussdo que nos permite — mesmo:~ que seja contra suas idéias ~~ ver outros lados ‘da questao.. Para diminuit as veges 0 grau de-abstracao das reflexdes:” sobre a teoria do efeito, algumas linhas de pensamiento foram ilus- tradas por exemplos — algumas até desenvolvi através de'exem- °' 1 Plos. Ilustragdes desse tipo nao sdo pensadas como interpretacbes de certos textos, imas sim servem. para esclarecer melhor.o que foi: dito. Quanto aos -exentiplos, fiz uma selecdo rigorosa, para nao. perder tempo com a desctigZo dos contextos, dos quais séo reti- radas as passagens citadas. Por isso, escolhi aqueles textos que interpretei em meu livro Der implizite Leser. Nesse livto, encon-.:.~ tram-se os pressupostds em que se baseia a arguitentagao'dos. exemplos aqui citadgs, que, no entanto, ‘sG0 desenvolvidos como’ ilusteagdo. Se récorro quase exclusivamente 4 textos nairativos I para esclarecer os processos de,constituicao do texto que sucedem. a na leitura é sobretudo porquea questi setoloca aqui de manei- : ra mais diferenciada. : aoe ee y 2 Para a discussdo de algiamas posigGes, cf. “Im Lichte der Kritik”, ia Rainer Warning (org,), Rezeptionsdsthetik. Theorie ind Praxis. (UTB 303), Manique, 1975, pp. 325-342. : woo. : "Wolfgang Iser Para que o livro nag, ganhasse o carater de uma mistura de’ linguas, recorri a tradugdes, sempre que delas dispus: A primeira. parte do segundo capitulo deste volume (Il, A) foi publicada sob". 0 titulo “Die Wirklichkeit der Fiktion” no volinne organizado por Rainer Warning intitulado Rezeptionsdsthetik. Theorie und Praxis : € sé encontra aqui novamente impressa com algumas coire¢6es. esclarecedoras.,Um primeiro estudo do capitulo Ill, A (vol. 2) for ptimeiro publicado sob otitulo de “The Reading Process, A Pheno="---' menological Approach”, in New Literary History 3.(1971) & em. : versio alema, no volume publicado pot Rainer Warni Eu no poderia ter escrito este livro semo recolhimento que! me ofereceram dois convites como fellow em centros de pesqui- sa. Gostaria de agradecer pela possibilidade de um trabalho.sem interrupgoes, longe das atividades freqiientemente vazias dé nos- sa vida universitaria, ao Center.for the Humanities, Wesleyan Uni- versity, Middletown/Conneéticut, EUA, onde busquei em 1970/ 1971 conceber o plano de realizac4o; agradego igualmente aa “Netherlands Institute for Advanced Study in the Humanities and : Social Sciences, Wassenaar/Holanda, onde pude escrever em 19731 1974 as partes centrais da obra, Sob condigées idéais..* " aes O Ato da Leitura - Vol. 1 _ Situagao do Problema AVARTEPARCIAL— A INTERPRETAGAO UNIVERSALISTA 1. HENRY JAMES; THE FIGURE IN THE CARPET ony EM LUGAR DE UMA INTRODUGAO °- es Henry James publicou em 1896 sua novela The Figure inthe Carpet, que, analisada retrospectivamente; aparece como 6 prog- néstico de uma ciéncia que em sua época ‘ainda nao existia, na extensdo que nos é hoje habitual. Mas, de I para cd; essa ciéncia- “provocou um tal desconforto que a apreensio explicita desse fato j4 se tornou um cliché, Estamos falando da i interpretagdo tedrica da literatura que busca as significacbes aparentemente ocultas nos- textos literdrios. Se o proprio Henry James tématiza a procura por’. significagdes ocultas do texto, em uma-antecipacdo por certo nao consciente dos futuros modos de ihterpretagaa, poc se concluir x dai que ele se referiu'a pontos de vista ‘que desempenharam um. papel i importante em sua época. Pois, geralmente, textos ficcionais respondem a ‘situagbes. de sua €poca, a medida que produzem algo . que esté condicionado pelas normas vigentes, mas que} jd ndo pode: mais ser captado por elas. Quando James coriverte'a relagao er trea obra ea interpretagdo em um sujet | literdtio,' evidencia-se ‘que’, © acesso habitual ao texto tem um lado avesso, cuja elucidaco comeca a problematizar esse acesso. Nessa elucidagao expressa sé ‘ao menos a Suspeita de que" a a procura ‘por significagées, apa~ rentemente tao evidente e, por ‘conseguinte, desprovida de pres supostds, ¢orientada, cohtudo, por nortnas.histéricas, ainda que a ifterpretacio se realize como se esse processo fosse’ um dado natural.\A coisificagdo de notmas histéricas, todavia, foi sempre’. condigao de miséria, que entretanto alcangou também essa for- O Ato da Leitura- Vol. Bs interpretagdo, ainda obscura na época, jf estava presente. E preciso detalhar 9 problema que James. delineia; para que se faga compreerisivel a dimensao da critica. A apteensdo da sig- ponto de vista orientador da histéria. A esse ponto. evista: vi- a de seu amigo Corvick.’ O meio da nartagao, porém, distorce esse paralelismo aparente. Pois o que experimentamios d das des- cobertas de Corvick, no‘que diz respeito.a significacao, ‘oculta, haver encontrado 6-qué o'ew-narrador procura-em vao, 0 leitor dessa novela’ precisa resistir 4 orientagaio da perspectiva do, nar~ ragdo ea estratégia da histéria.. Logo no comego; 0 eu-narrador que ‘designaremos como da (“loss of his mistery”)!. Se a interpretacdo consiste em arraii- car do texto a sua significagao oculta, ént&o € logico que o atitor surgem que-perpassam toda a historia. Em face desse éxito, nada mais resta sendo ) congratular se com 0, Edel (org.), Philadeiphia/ New York, 1964, p.276. 00 1° 2 Diz o erftico acerca de si mesma; quando encontra Verekter, com of the peculiar justice I had done him"(ibidem, p. 276)... 24 Wolfgang Iser ma de interpreta¢io teérica da literatura. Na novela de James, tal: nificagio do“dltimo romance do protagonista Vereker forja’o~ sam duas perspectivas diferentes: a perspectiva do eu-narrador e. reflete-se na versio do eu-narrador. Mas: como Corvick parece’ il rador. Quanto mais.o faga, tanto: mais compreensivelmente a” procura por significagdo, do eu-narrador se revela como o tema, . até que, por fim, se torna objeto de sua critica, Essa é €a estrutu- L © critico — exalta-se com o fato de ter desvelado em sua resenha * a significagao oculta do tiltirho romance de Vereker, motivo pelo . qual est4 agora Curioso.em saber como 6 autor reage a essa per- sofre uma perda nesse proceso. A partir daf, duas congeqiiencias a © éritico, ao descobrir o sentido’ oculto, decifrouo enigina. S resultado*. Pois o que se pode fazer agora Com esse sentido, apés : 4 *Heney James, The 7 Fgias inthe Cet qe Coinplete Tales 1X), Leon as qual gostaria de falar sobre Sua resenba: “... he should nog remain in ignorance’ tet-se tornado, enquanto significacao desvelada, uma coisa ¢.per-: dido o’seu cardter de “mistério”? Enquanito ‘a significacdo est ve escondida, a meta era procurd-la; logo depois de'a descobrir~ mos, apenas a habilidade demionstrada se revesté dé alguim i inte- resse. © critico quer-agora estimular esse interesse junto ao seu , public e ao proprio Vereker?, Nao é de espantar, assim, que se S torne um peédante. we Contudo, essa conseqiiéncia tern menor “importéncia ave a que Se mostrou a partir da orientagao indicada. Se a’ inerpreta- gdo tem de descobtir a significagdo oculta de umt'texto literdrio, ento os pressupostos que lhe sao caracteristicos sto ‘feitos do: séguinte modo: . 5 [...] 0 autor éncobriria um sentido claro, que man- + teria, no entanto, para’si, com 0 intuito de utiliza-lo— ~da{ decorre uma cerita afrogancia; comn'a apaticio do . critico chegaria a hora da verdade, pois este aficma ter desvelado o sentido originario, ea razio do encobri- : mento. 4 . & Com isso, ‘oma primeira norma Surge, que dirige essa apreen- . sao. Se o autor softe uma perda através da significagao deésvelada pelo critico, como aparece no inicio da novela, entéo 0 sentido é eo -algo que pode ser subtrafdo do texto. Ao extrair o sentido, enquanto niicleo proprio da obra, esta'sé esvazia; por isso, a interpretagao coincide com. a, consumptibili dade da literatuta, Tal esvaziamen- to, contudo, no é fatal apenas para o texto, pois ésuscitada a: pergunta: em que se pode fundar ainda propriamente a fiingao das: interpretasio, seéla, através sda significado firada da obra, aabar 3 Tbidém, pp 276 ss. 4 Ascii J.B, Pontlis (em Nach Froud, tad. para alemdo de Peter Assion et al,, Frankfurt, 1968, p. 297). caracterizava esse faro' emi sua anilise’ as de The Figure in the Carpet de James © Ato da Leitura + Volt dona como uma casca vazia? Mostra-se aqui seu carater parasita- rho; ¢ € por isso que James faz’o esctitor dizer que a resenha docritico. contém téo-somente a lengatenga usual (“the usual twaddle”)5. Com esse. julgamento, Vercker desmente quero esforco “ at queolégico” da interpretacdo mais profunda; quer a hipdtese ‘de que a significagdo seja algo que —como édito explicitamente no’ texto —-simbolize um tesouro® a ser descoberto pela interpretacao. Esse desmentido, que Vereker formula na présenca do exitico?, conduz inévitavelmente a uma melhor explicacdo das normas-que » dirigem a interptetagao. Além disso, tevela-se o cardter histérito os das normas. A soberba, mosttada no inicio pelo critico, jUstifica- se agora coma igéncia da-procura pela dade’, Mas; como a. Verdade do texto teiti o-cardter de uria coisa e sua validade’ se: mostra no fato de existir também independentemente dele; 6 crf. > ticd pergunta se o romance de Vereker ndo contém, como sem pre supéds, uma mensagem esotérica, uma certa filosofia, pontos. de vista centtais sobre a yida‘ou uma “extraordinary ‘general :~ intention’”?, ou ao menos uma “figura'de estilo: impregnada’ de | + significagdes!°, Com isso estd definido um repertério de normas caracteristicoda concepgao literdria do século‘XIX: Parao criti: : | ©0;a significagao buiscada denota normas desse tipo, ¢, ¢aso-se deva » desvelar tais norms como 0 sentido do texto, o sentido deverd ser entdo mais do que apenas o produto do texto. Tal presstipos-_ to possui para’o critico uma tal obviedade que sé'pode supor tra- tar-se de'‘uma expectativa bastante disseminada éntre os leitores | , . . Soo S James, op. citp.279. 0 6 Ibidem, p. 285. aoe 7 Bbidem: “ ‘on oe -* Tbidem, p. 281. TEs ? Ibidem, pp. 283 ss. e 285. "9 Ihider, p. 284: 26 : Tae “Wolfgang Iser 4 _ 0 seguinte elogio: de obras literarias. Parece, pois, natural ao critico qué ‘o sentide: como segredo escondido Seja acessivel e seja reduzido elas fer- ramentas da andlise discursiva. © -." A discursividade articula o-sentidoa dois Ambitos ja consti- tuidos. Primeiramente ao Ambito da disposicao subjetiva do cri- tico, ou seja, ao modo de sua percepcao, de sua observacdo e de setis juizos. O critico. quer explicar:a significagio que descobriw. Pontalis observa a propésito: vee Tudo o que os criticos tocam’se torna trivial,;Os: : | | exlticos 86 querem integiat em.uso géral, autorizado estabelecido uma linguagem,cujo proprio impeto'con-. . sisté’em nem poder, nem querer coincidir com aquele uso, mas’sim em encontrar o seu prdptio estilo. “As ex- plicagdes habituais do critico sobre stias intengdes em” nada mudam seu procedimento;, de fato ele esclatece, : compara e interpreta. Essas palavras podent enlouque- \ eer alguém.!! Tal irritagdo funda-se, env diltitna andlise, em que a critica. literdria, com freqiiéncia, ainda téduz os textos ficcionais a uma: significagio referencial,embora isso j4 houvesse sido settone do no final do, século passado, “ : Pode-se supor que havia uma tiecessidade clementar de ex- plicagao das obras literdrias.que 0 critico podia cumprir, No sé culo XIX, ele tinha a importante funcao de mediar entre ‘a obraé 3 - 0 ptiblico, 8-medida que interpretava o sentido da’obra de arte ~ para o seu piblico, como orientacao para, vida’ Carlyle formu: lou de modo paradigmatic a relagdo estreita entré literatura cri-” tica em 1840 em suas conferéncias sobre Hero. Worship: ocriti-.” co¢ o homem de letras eram Postos no Pantedo dos Imortais com 1 Pontalis, op. cit., p. 297.. © Ato da Leitura- Vol 1 a fog ‘Men of letters are a perpetual Priesthood, from.” age to age, teaching all men that a God is still present. in their life; that all “Appearance”, whatsoever we see” in the world, is but a vesture for the “Divine Idea of, the World!, for “that which lies at the bottom’ of Ap- pearance”, In the true. Literary Man. there i is thus ever, acknowledged or not by the world, a sacredne: : » the light of the world; the world’s Priest: — guiding i it, * like a sacred Pillar of Fire, in its dark pilerinage through : the waste of Time.!2 es O que Carlyle exagerou pateticamente —dotar 0 mimeo dos atributos de Deus —jé era, cinqiienta anos: depois, para James uma, norma historica e invdlida. O critico que capta as “aparicées”; scapta para James 0 vazio.: Pois 4s “aparicdes™ “nao 'sdo mais o-véu que. encobre um significado substancial, Porque tals “aparigdes” sao. os meios de trazer ao“niundo algo que no existia antes e em ne- nhum outro lugar. A medida, porém, que 0 critico se fixa ao sentido oculto, nfo é capaz, como. ° proprio Vereker the diz; de ver coisa alguma. Nao surpreende que por fim 6 critico considere aobra do” ‘romancista'sem valor!3, pois naose deixa reduzirao padrad expli cativo que o critico nunca questiona. Ein cnseqiiéncia, 6 leitor dessa _” - novela deve decidir se a falta de valor é da obra ou da explicagao, Entra em cena agora ‘o segundo quadro de: teferéncia que. orienta o criticoZO critico possuia no séculé XIX tal i importan-:*, cia porque a literatura, enquanto pega. central da religiao da arte dessa época, prometia solugdes que n&o-podiam ser ofereci las. pelos sistemas religioso, sécio- politico on cientific fico, Essa situagao einprestava a literatura do-século XIX uma extraordindtia’ signi- ficagao histbriea} yA literatura equilibrou as. deficiéncias resiltan- ¢ 12 Thomas Cailyle, Oni Heroes, Hero Wor, anid the Heroic in His. So tory (Everyman's, Library);London, 1948, p 385. Y 13 James, op.-cit., p: 307. 28 ce: Ba “o> Wolfgang Iser 4 : wo 5 tes de sistemas que postulavam validez universal. Em contrast com épocas passadas, em que dominava uma hierarquia mais.ou. menos estdvel de valores, essa hierarquia ruiu ito século-XTX, em virtude da crescente complexidade dos sistemas particulares de interpretagao, assim como pelo ntimero-crescente desses sistemas _¢ pela concorréncia entre eles. Esses sistemas conflitante’s de que se dispunha, da teologia até As ciéncias, limitavam reciprocamente- suas. exigéncias de valorjDesse. modo, a importancia da ficcao como equilibrador de déficits de saber é de exp icagao-comiecou:. ase ampliar. Ao contrario, de séculos : anteriores, a literatura ane- xou quase todos os sistemas de explicagdo ao seu proprio meio € os pds no texto. Ali, onde se mostraram as fronteiras dos siste- mas, a literatura sempre aprésentava suas respostas. ta que sé buscasse encontrar mensagens na_literatura; pois'a fic- 7 sao oferecia aquelas orientagdes de que se "7 Ibidens, p. 304, ae : '8 Ibidem, pp. 314.55, Pe 30 . : Wolfgang iser na-se ainda mais enfatica a pergunta: que € que isso quer dizer?” -Se se'trata, porém, de desmentir a perspectiva orientadora do cri- tico, essa estratégia implica que o leitor leia contra seus préprios preconceitos. Essa disposigao é atualizada’apenas se'se retira do leitor o que ele deseja saber por meio da propria perspectiva: Se a perspectiva prévia permite que'‘o leitor perceba, no atorda leitu-.. ra, as suas insuficiéricias, isso 0 leva a cada'vez maig’ voltar’ aqui--. | Jo em que ele confiava, até que, por fim, conseguie ver ‘os seus pro- prios preconéeitos. Pois a “willing suspension of disbelief” nao mais se relaciona com as linhas postas pelo autot, mas sit com: as orientagGés que dirigiatt- leitor. Liberar-se delas, mesmo que: "por apenas um lapso. de temipo, nao é facil. A falta de informagées sobieo segtedo descoberto: por Cor oe vick aguca pelo menos a observacio, pois nao lhe escapam os si- ‘nais, com que se dispunha a inutil busca pelo. sentido dculto. O critico recebe o sinal mais importante do préprio Vereker, serh. ae, ao contrério de Corvick, o compreenda:, For himself, beyond doubt, the thing we were all, so blank about was vividly there. It was something, L guéssed, in the primal plan, something like a complex °. 4, figure in a Persian carpet“"He highly approved of this. image when used it, and he uséd another himself: “It’s _the very string”. "5 he said, “that.my pearls are strung ont”!?- : O ctitico, em vezde compreender o sentido como objeto; ape-.~. nas percebe um lugar vazio. Esse lugar vago, porém, nao é preen- chido por uma significagao discursiva e, por isso, toda busca desse: tipo tetmina ém um nZo-sentido.,Nao obstante, o proprio critica dé a chave para‘essa qualidade diferente do sentido que James ex- pressarnente subliriha como titulo de‘sua novela, The Figure in: 2 Ibidenti, p. 289. : a4 © Ato da Leitura - Vol. 1 : ve Ht the Carpet, que Vereker confirma outra vez na presenca do criti: co: 0 sentido tem o carater de imagem. Nessa direcdo, desde’o prini- > cipio, se dao as hipétéses de Corvick. Cabe entao ad critico’ com- preender: que o critico é apenas capaz de responder: “When I remarked that the eye séemed what the printed page had becn expressly invented” te meet he immediately accused me of being spiteful becatise Thad been foiled24.”. : : - Ocritico, trabalhando com citidado filolégico, suace aban- donou em-toda novela o pressuposta de encontrar’o sentido for- mulado nas proprias paginas i impressas. Por isso, apenas’ vé luga- - tes vazios (blank), que nao lie respondem ‘ao que ele busca em” vao nas paginas impressas do texto. Mas o texto formuladoé és como Vereker Corvick’ compreendem ~~ antes 0 modelo de‘in= Mee dicagdes estruturadas para a imaginagao do! leitors Por isso, o sentido pode ser captad6 aperids como imageni. Na imagem su- cede o preenchimente do que o modelo téxtual oimite ¢ ao mes- ‘ mo tempo esboga por sua estrutura. Tal “preenchimento” apre- senta-se como condicao elementar para a comunicacio e, embo-"; -there. was more-in Vereker than’ met the eye”20,a9, °: ta o.autor nomei€ esse modo de comunicasao, sua explica¢ao nao. : tem. efeito sobre 6 ctitico, pois para‘ele 0 sentido apenas pode se converter em sentido se for apteéndido por meio de uma lingua~ gem referencial. No ) entanto, a imagem se furta 4 essa ‘referen- “clalidade. Pois ela nado descteve algo existente de antémao, mas: sim concretiza uma’ tepresentagao daquilo « qué nao existe’ e que. nao se manifesta.verbalménte nas paginas imptéssas do romance. Mas isso 0 critico nao conségue compreender, 4 havendo ace! tado a opi * vo 2 Ibiden, p. 287. 7 24 Tbidem. oe Sen A Sa et 32, ces “Wolfgang Iser ido de Vereker de que o sentido se mostra em uma - imagem, entdo sé € capaz'de conipreender tal i imagem como c6- : pia de algo dado que, enquanto coisa, deve precedet tal proceso, : No entanto, é tao absurdo i imaginar algo dado quanto contar com: que seja dada também sua’ reprodugio em imagem. ‘i medida que a critico nao compreende esse problema, permanéce'cego ante 4: diferenca entre imagem é discursividade: sao duas apreensdes de mundo, independentes entre sie, por conseguinte, quase irreduti- véis. Em conseqiiéncia, a qualidade especffica do sentido'se mostra no fracasso da orientagao do critico, Essa especificidade vern a fona” fa negacdo constante dos quadros de referéncia, pois é através 5 destes queo eritico terita traduzir sentido da ficgdo em unia dis". cursividade referencial. Essa negac&o se réconhece no fato'de que s6 pela recusa dos critérios herdados passa a, existit a possibili- dade de se imagiriar aquilo que é buscado pelo sentido da fico: Se o sentido do texto fi iccional tem wm carater de i imagem, “ entac a relago entre texto e leitor forgosamente se toma diversa:~ : daquela que o critico busca fixar por suas redugdes. Sua‘apreén- sdo se caacteriza pela divisdo Suijeito-Objeto, que'se estende’a todo campo do conhecimento discursivo, O sentido é 0 objeto, a qué o sujeito se dirige e que tenta definir guiado por um quadro de refe- réncia. A validade, que assim se alcaniga, se caracteriza pelo’ fato de que a definic&o elaborada’ nao s6 se afasta das marcas da sub:. jetividade, mas supera 0 proprio stijeito. Essa independéncia do: sujeito constitui entao o'critério buscado de verdade, E, porém, duvidoso que tal definigo do sentido ainda pode significar para 0 sujeito..Se o sentido tem um carater‘de’ imagem, ent3o 0 sujeito nunca desapareceré dessa relagao, ao conttario do que € em prin-.: cipio valido para o modo do: onhecimento discursive: Os séguin- - tes pontos de vista sao caracteristicos desse proceso. Se a princi pio éa imagem que estimula o sentido que'ndo se encontra formu- lado nas paginas impressas do texto,-entio ela se mostra:como 0 produto que resulta do complexo,de signos. do texto € dos.atas de. apréénsio do leitor, O leitoz nao consegue mais se distanciar des- sa interagao. Ao contrario, ele rélaciona o texto a uma situag4o pela, atividade gele despertada; assim estabelece as condicdes necessd- rias para que o texto seja eficaz, Se o leitor realiza os atos de apreen: sao exigidos, produz uma situacio para 0 texto e sua relagao com. ele nao pode ser mais realizada por meio da divisao discursiva entre © Ato'da Leitura - Vol. 1 - : eB +, ptéprio sentido. Essa transformagao afeta também a senhora, Cor Sujeito e Objeto. Por conseguinte, o sentido nao é mais algé'a set’. explicado, mas sim um efeito a ser experimentado. :° Em sua novela James tematizou essa questo pela perspec- tiva de Corvick: Depois que este compreendeu o’ sentido do ro- mance de Vereker, sua vida mudou. Por conseguinte, sabe ape~ nas relatar essa transformagao éxtradrdindria que sé passou com, ele,:mas nado explicar € comunicar, como. Q critica’ desejaria, 5 seu vick, que empréende uma nova produgdo litetéria : depois da morte de seu marido, que desilude o critico, pois ele nao, consegue dis" secar as influéncias que ihe'perntitiriam algumas co} iclusbés $02 bre 0 sentido-oculto do'romance-de Vereker**, 00 ey E possivel que James tenha exagérado a tmudanga provoca= da pela literatura, mas ndo testa nenhuma divida de que tal’exa- gero evidenciou dois:‘caminhos diferentes para os textos ficcionais. O sentido como efeito causa impacto, ¢ tal,impacto nao ésup rado pela explicacdo, mas, a0 contrérid, a leva-do fracasso One efeito depende da participagao do leitor e sua leitura; contratia- mente, a explicaga6 relaciona o texto & realidade dos quadrds de referéncia ¢, em conseqiiéncia, nivela' com o-mundo o que surgiu através do texto ficcional. Tendo em vista a oposicao entre efeito 5 ¢ explicagao, tem dias contados a fungao do critico comio ‘media- dor do significado oculto dos textos ficcionais.- 2. A SOBREVIVENCIA DA NORMA. : CLASSICA DE INTERPRETAGAO A reducéio do texto ficciénal 4 uma 5 significagto refercincial . pode ser descrita como tima fase histérica da i interpretagdo desde | a inrupgio da arte moderna. Esia conscigncia comega’a penetrar. hoje, de forma mais ou menos: signifi icativa, também nas interpre” 22 Ihidem, p. 308. WER oS 34 +. Wolfgang Iser’ tagées da teoria literdria. Ticulos como Against Interpretation®> | ou Validity in Interpretation®* mostram tanto em posigao ofen-. “siva como defénsiva que os s procedimenitos de i interpretacdo jénao podem se‘contentar com seus atos de rédugio aplicados automa- ticamente. Susan Sontag, no seu ensaio “Against. Interpretation” on atacou com veeméncia a exegese tradicional da obra de-arte, que tem por meta a descoberta do significado ‘oculto da obras: The old style of interpretation was insistent, but respectful; it erected aitother meaning oni top of the li- teral one. The modernsstyle of interpretat ion excavates, and as it excavates, destroys; it digs “behind” the text, ' to find a sub-text which is the true one... To understand’: is to interpret:’And to interpret is to restate the pheno- menon, in effect to find an equivalent for it. Thus, inter- pretation is not (as most people assume) an absolute va- Jue, a gesture of mind situated in some timeless realm” of capabilities. Interpretation must itself be evaluated, : within a historical view. of human consciousness 2! Tudo indica que a arte modérna comegaa reagita 1 uma inter pretagdo qué tem por meta’a descoberta desta significacdo. Isso.” corresponde a‘uma Gbservagao que se pode fazer desde o romantis- mo: a literatura e a arte-respondem, de diversos: modos, as tior-” mas das teorias estéticas que as acompanham, Tais respostas mui- tas vezes tém/um caratet ruinoso para a teoria. A pop art é um exemplo extraordindrio. entre os movimentos da arté contempo- rAneos que Contam com as éxpectativas habituais do receptor dé.” - arte. De modo particular, a pop art joga com uma certa interpre-< 23'8, Sontag, Agabist Interpretation and other Essays, New York, 1966: 34 BD. Hitech; Validity in Interpretation, New Haven, 1967. 35 Sontag, pp.6 88. : Ato da Leitura - Vol. 1 : ve “35

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