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ACCOUNTABILITY: QUANDO PODEREMOS, TRADUZI-LA PARA O PORTUGUES?* ‘Anna Maria Campos ** 1. Introdugao; 2. Estrutura do texto; 3. Em busca do significa do de accountability; Expansdo das fronteiras do controle: as possibilidades relacionadas ao contexto; 5. Aspectos politicos €, culrurais da sociedade brasileira: os limites do contexto; 6. Administragao piiblica brasileira; 7. Concluséo. Causas da auséncia da tradugdo para o portugués da palavra accountability. And- lise dos componentes estruturais e da dindmica da administracao publica. Espe- culacdo sobre as possibilidades de florescer na cultura brasileira sementes de ac- countability da administragao pablica. Palavras. pacdo polit ave: administragdo piblica, responsabilidade administrativa; partici a. 1. Introdugdo Este trabalho resultou da disposig&o de partilhar a trajet6ria de uma aprendiza- gem iniciada no outono de 1975, quando pela primeira vez ouvi a palavra accoun- tability, ainda hoje sem traducdo para o portugués. Embora essa viagem ainda nao esteja completa, acredito que h4 muita coisa a partilhar. O proceso de aprendiza- gem por algum tempo foi ndo-estruturado ¢ assistemftico, até a oportunidade de produzir este trabalho. A pressfo para ordenar de algum modo um conjunto de ob- servagées ¢ reflexGes desorganizadas constituiu, por si s6, estfmulo para buscar uma compreensio maior. Assim, 0s leitores iro acompanhar-me em uma wilha de aprendizagem que vai da crua perplexidade até uma razodvel compreensSo; da obstinagéo em achar a tradugdo perfeita até a percepcho dos vinculos existentes entre linguagem e cultu- ra; do profundo pessimismo da minha descrigao da cultura polftica até a tfmida es- peranca contida no meu exerefcio de projecio. Nas sociedades democréticas mais modemas aceita-se como natural e espera-se que os governos — ¢ o servico piiblico — sejam responsdveis perante os cidadaos. A maioria dos estudiosos norte-americanos acredita que o fortalecimento da ac- countability e 0 aperfeigoamento das priticas administrativas andam juntos. Ao explorar os requisitos essenciais da accountability, pretendo mostrar 30s profis- sionais e estudiosos de administragao publica, especialmente aqueles que prestam assisténcia técnica a paises menos desenvolvidos e a organizacées internacionais, que accountability nao € apenas uma questo de desenvolvimento organizacional * Este trabalho foi produzido em junho de 1987, como contribuigio brasileira a uma coletinea de texto: Pu- bike service accountability: a comparative perspective. Jabbra Joseph G. & Dwivedi, O.P. West Hartfird, Connecticut, Kumarian Press, 1988. Assim, 0 pubblico alvo do trabalho contemplou estudantes de acminis- tragSo piblica comparada e administracio para o desenvolvimento, bem como profissionais envolvidos em. assisténcia técnica a pafses em desenvolvimento. Registre-se um débito de gratidéo a Prof* Beatriz Wahrli- ch, originariamente convidada para a tarefa, que, sabedora da cxcitagdo que 0 assunto me despertava, decli- nou do convite a meu favor. ** Doutora em Administrago Pdblica. (Enderego da autora: Rua JerOnimo Monteiro, 10/101 - Rio de Ja- neito, RU.) Rev. Adm. publ. Rio de Janeiro, 24(2)30-50 fevsabr. 1990 ou de reforma administrativa. A simples criacio de mecanismos de controle buro- crético nao se tem mostrado suficiente para tornar efetiva a responsabilidade dos servidores piiblicos. Quando comecei meu primeiro curso de pés-graduacéo em Administragdo Pd- blica nos EUA, jé tinha oito anos de convivéncia ebapiana, primeiro como aluna e depois como professora do curso de graduacdo; tinha suficiente conhecimento de inglés, segundo os resultados do Test of English as a Foreign Language (TOEFL), suficientes para recomendar-me para uma bolsa de estudos da Organizagao dos Estados Americanos na Universidade do Sul da Calif6mia, Centro de Negécios Pifblicos de Washington, Apesar de toda essa bagagem, no primeiro dia de aula no consegui acompanhar a discuss3o sobre accountability, incapaz de traduzir a palavra para o portugués.' O inico indfcio que pude captar foi que, apesar do som, nada tinha a ver com contabilidade, Apés as aulas corri aos dicionfrios, que nao me ajudaram. Tampouco me ajudaram os {ndices dos livros de Icitura obri- gat6ria. No dia seguinte, o debate continuou e, apesar do meu esforco, néio logrei captar o significado da palavra, mas consegui entender que se discutia um concei- to-chave no estudo de administragdo e na prética de servico piiblico. De volta ao Brasil com a minha charada, perguntei a muitas pessoas que talvez pudessem tra- duzir a palavra, Aqueles que tinham participado de programas de doutorado, nos EUA, confessaram que nao sabiam como traduzi-la, Tentei, fora da 4rea de admi- nistrago publica, pessoas competentes em inglés, muitos perguntavam: “Accoun- tab...Qué?” Desisti da idéia de traducao e me concentrei no significado. Ao longo dos anos fui entendendo que faltava aos brasileiros nao precisamente a palavra, ausente na linguagem comum como nos dicionfrios. Na verdade, o que nos falta € © préprio conceito, razo pela qual nfo dispomos da palavra em nosso vocabuld- tio. A busca passou a orientar-se por outros questionamentos: quais as conseqtién- cias dessa auséncia do conceito para a realidade da administracdo publica brasilei- ra? De que forma as relagdes entre burocracia e piiblico séo diferentes no Brasil ¢ nos EUA? Qual a relac&o entre essas diferengas e a auséncia da accountability? Estive ligada nessas quest6es por mais de 12 anos, tendo registrado algumas ob- servaces € comparagdes entre a experiéncia no meu pafs e aquela vivida na cultu- ra polftica americana, As primeiras observacées diziam respeito a0 proprio rela~ cionamento entre a administraco publica e seu puiblico, a propria nogdo de publico. Pelo lado dos funciondrios, um destespeito pela clientela (exceto os clientes con- nhecidos ou recomendados) e uma completa falta de zelo pelos dinheiros piiblicos (supostamente pertencentes a um dono tio rico quanto incapaz de cobrar). Pelo lado do piiblico, uma atitude de aceitago passiva quanto ao favoritismo, ao nepo- tismo e todo tipo de privilégios; tolerdncia e passividade ante a corrupgao, a dupla tributac&o (0 imposto mais a propina) e o desperdfcio de recursos. Algumas perguntas orientaram a minha pesquisa das causas desses fenémeno: Por que as pessoas so to complacentes? Por que nfo tém consciéncia de scus Teitas como contribuintes? Que explica o distanciamento do érgdo pubblico das ne- cessidades de sua clientela? Por que os servidores puiblicos se consideram empre- gados de seus chefes e nfo dos cidadaos? Por que os brasileiros se comportam como tutelados e niio como senhores, cm seus contatos com as reparticdes publi- * De 1983 a 1988 a autora manteve estreito contato com 0 Instituto Nacional de Administragio de Portugal, dirigindo um seminério no programa anual destinado a executivos da administracio publica. Ao que parece, ainda esté faltando a palavra também na me pitria. Accountability ar cas? Quais as possibilidades de aumentar a protecao do cidadio contra mau-tra- tamento que a burocracia piiblica Ihe dispensa? Enquanto buscava as respostas, organizci algumas idéias, verifiquei alguns re- lacionamentos dos quais, por feliz acaso, eu tinha suspeitado: primeiro entre lin- guagem e cultura, e depois entre desenvolvimento politico e preocupagdo com a accountability. Embora nfo-definitivas nem acabadas, sféo essas idéias que comp6em 0 texto a seguir. 2.Estrutura do texto A estrutura do texto teve em vista facilitar a consecugao de seus objetivos: a) Tepartir 0 processo de aprendizagem com os meus leitores; b) chamar sua atengdo para as dimens6es contextuais da administracio publica, A secdo 3 tem um tom essencialmente normativo e remonta as razGes por que 0 Estado deveria ser responsdvel perante os cidadaos. Na segdo 4, os leitores so le- vados dos suportes éticos da democracia até a discuss4o das condigdes prévias es- senciais para os controles externos & burocracia. Na tentativa de compreender por que as coisas ndo eram como deveriam ser, 0 vinculo suspeitado entre linguagem e cultura demonstrou ser indfcio seguro. A cul- tura polftica do Brasil e o nfvel de desenvolvimento polftico constitufram a chave capaz de explicar a diferenca. ‘A abordagem comparativa est4 presente nas secdes 4 5. Enquanto a 4 d& én fase as possibilidades oriundas do contexto, a seco 5 mostra as limitagdes contex~ tuais que explicam a auséncia de accountability. O pafs € comparado com outros politicamente desenvolvidos na medida em que seus aspectos culturais e polfticos s&o destacados para servir de contraste entre suas possibilidades e nossos limites contextuais, Tenho certeza de que o passo mais importante no processo de apren- dizagem € aquele tratado na seco 5, A secao 6 € essencialmente descritiva. Os aspectos estruturais e a dindmica da administragao publica brasileira emergem como uma conseqiiéncia natural dos fa- tores contextuais salientados na segdo precedente. Os mecanismos de controle nfo sdo descritos exaustivamente; apenas suas caracterfsticas gerais siio indicadas. A seco 7 4, sobretudo, um exercfcio de projecio das possibilidades do estfmu- lo & accountability em administracdo publica. Certos germes de desenvolvimento polftico j& identificados trazem a esperanga de que, num futuro ndo muito distante, a accountability venha a surgir como uma preocupacao, a ganhar significado e, conseqiientemente, ingressar no nosso vocabulério e fazer parte da prética da ad- ministragio piiblica, 3. Em busca do significado de accountability ‘A jornada comegou da suspeita de um elo entre accountability © a necessidade de proteger os cidaddos da m4 conduta burocratica. Enquanto tema importante, o conceito devia estar relacionado com a questéo dos direitos do cidadféo. Dessa * Para Alberto Escobar (Lingua, cultura e desenvolvimento, In: Lingua, cultura e desenvolvimento, Mont serrat, Ruth & Gryner, Helena ed. Rio de Janciro/Brasflia, Editora Brasflia, 1974) a linguagem humana ca sociedade seguem em paralelo, Se a linguagem - ¢ 0 vocabuldrio - € um sistema de cédigos para transmisso de sfmbolos e idéias, uma palavra que falta indica a auséncia de um aspecto da realidade, da maneira como ma sociedade o percebe, Para ele, 0 desafio a lingiistica € 0 da identificagio das relagées entre linguagem ecultura. 32 RAP. 2/90 suspeita extraf a pista na direcfo da teoria normativa, passando ao estudo de auto- Fes que discutiam os deveres da administragao pilblica e do govern, A Frederich Mosher credito as primeiras luzes na busca da compreensio. Ele apresenta accountability como sinénimo de responsabilidade objetiva ou obri- gacao de responder por algo: como um conceito oposto a ~ mas nao necessaria- mente incompatfvel com — responsabilidade subjetiva. Enquanto a responsabilid: de subjetiva vem de dentro da pessoa, a accountability, sendo uma tesponsabili- dade objetiva, “‘acarreta a responsabilidade de uma pessoa ou organizagao perante uma outra pessoa, fora de si mesma, por alguma coisa ou por algum tipo de de- sempenho”. E esse autor continua: “Quem falha no cumprimento de diretrizes legftimas € considerado irresponsével e estd sujeito a penalidades”’.* Da explicago de Mosher veio-me a idéia do caréter de obrigagao embutida no conceito de accountability. Se esta nao é sentida subjetivamente (da pessoa peran- te si mesma) pelo detentor da fung%o pdblica, deverd ser exigida “de fora para dentro”; dever4 ser compelida pela possibilidade da atribuigao de prémios e casti- gos Aquele que se reconhece como responsével.! A questo seguinte era saber quem ~ fora do detentor da fungao ptiblica — deve- ria ser reconhecido como capaz de compelir ao exercicio da accountability; quem teria o poder de declarar alguém responsfvel: um cliente, um cleitor, um burocrata de nfvel mais elevado, um legislador, um tribunal? Essa questo parecia envolver assuntos como representacio, legitimidade do poder, 0 que me levou a teoria de- mocritica: de que emana o poder delegado ao Estado? Que valores guiam 0 go- yerno democritico? Daf decorreu que a accountability comegou a ser entendida como questio de democracia. Quanto mais avancado 0 est4gio democrético, maior o interesse pela accountability. E a accountability governamental tende a acompanhar 0 avango de valores democraticos, tais como igualdade, dignidade humana, participaco, repre- sentatividade. A inevitdvel necessidade do desenvolvimento de estruturas burocréticas para atendimento das responsabilidades do Estado traz consigo a necessidade da pro- tego dos direitos do cidadio contra os usos (e abusos) do poder pelo governo como um todo, ou de qualquer indivfduo investido em funggo ptiblica. Na proporcio em que as organizacées oficiais aumentam seu tamanho, comple- xidade e penetragio na vida do cidadéo comum, cresce também a necessidade de salvaguardar este iltimo dos riscos da concentrag&o de poder nas maos dos servi- dores piiblicos, quando esses no so representantes ativos dos cidadios.* A inc- xisténcia de controle efetivo e de penalidades aplicdveis ao servico piiblico, em caso de falhas na execucao de diretrizes legftimas, de acordo com Mosher, enfra- quece 0 ideal democrético do governo pelo povo, porque expée os cidadaos aos riscos potenciais da burocracia. Sob a falaciosa premissa de que administracdo e polftica sio processos distin- tos, a prética da accountability por parte da burocracia oficial seria uma questo ® Mosher, F. Democracy and the public service. New York, Oxford University, 1968. p.7. * A idéia de um controle externo como protegao contra a tirania & marca registrada das teorias democriticas desde a democracia madisoniana, Madison nao confiava na responsabilidade subjetiva, nem numa identifi- cago de simpatia como mcios de inibi¢do da tirania. Sobre a questo da tirania e dos meios de reagir aela, yer: Dahl, Robert, A preface, to democratic theory. Chicago, University of Chicago, 1973, * Este conceito de representatividade ativa € igualmente tomado emprestado a Mosher, quando distingue entre representatividade ativa (a dos ocupantes de cargos efetivos) e representatividade passiva (a dos fun- ciondriog péblicos de carreira). Enquanto os representantes ativos tm uma representagio por prazo certo, 20 fim do qual sfo confirmados ou removidos pela vontade do povo manifestada nas eleigdes, a sanciio definiti- va da remogio do cargo raramentc ocorre no caso dos servidores de carreira, (Mosher, F. op. cit. p. 11-2.) Accountability 33 de desenvolver mecanismos burocr4ticos de controle, Ao reconhecermos que as burocracias tém de fato um papel ativo na formulacdo da politica, entendemos que est4vamos contando com um arcabouco defeituoso para o problema da accounta- bility. Embora necess4rios, os mecanismos de controle interno no bastam para garantir que o servico publico sirva a sua clientela de acordo com os padrées nor- mativos do governo democrético. A questdo da representatividade dos servidores publicos foi trazida para o primeiro plano. Relegada a seus préprios controles monocréticos, a organizagao burocrética do governo tem-se mostrado incapaz de contrabalangar abusos potenciais como cor- Tupgao, conduta aética ¢ uso arbitrério do poder. O modelo monocrético de autori- dade (toda a autoridade concentrada no topo) somente leva a uma accountability ascendente (upward accountability). Esse tipo de accountability € demasiadamente limitado, pois pode servir aos in- teresses da minoria detentora do poder ou, quando muito, aos interesses dos buro- cratas. Estes sio respons4veis perante seus superiores hier4rquicos, dos quais cer- tamente dependem para fazer avancar seus interesses pessoais, incluindo o pro- gresso na carreira. A accountability ascendente no basta; nado h4 garantia de que © mais eficiente, mais honesto e mais obediente dos servidores piiblicos tenha a visdo nftida e adequada do piblico a que deve servir, Os melhores mecanismos de controle burocrdtico — incluindo sistemas de re- compensas e punigées; as prdticas de avaliaco do desempenho; a estrita definicao de autoridade ¢ de responsabilidades — estarao sempre limitados aos valores buro- crdticos tradicionais: eficiéncia, honestidade, observancia das regras, Serio estes mecanismos suficientes para defender os direitos dos abusos de poder? Serao ne- cessariamente eficazes na promocio da justica social e polftica? Garantirao que 0 governo trabalhe para o povo? A economia de recursos piiblicos, a eficiéncia e a honestidade requerem atengao especial, mas h4 outros padrées de desempenho que merecem conside- rago: qualidade dos servigos; maneira como tais servicos so prestados; justiga na distribuigao de beneffcios, como também na distribuigéo dos custos econémicos, sociais e polfticos dos servigos e bens produzidos; grau de adequag&o dos resulta- dos dos programas as necessidades das clientelas. Esses padrées da accountability governamental nao sdo garantidos pelos controles burocraticos. Outra questo re- levante € se o Executivo pode, isentamente, avaliar 0 desempenho de sua propria burocracia. O verdadeiro controle do governo — em qualquer de suas divisdes: Executivo, Legislative e Judicidrio — s6 vai ocorrer efetivamente se as agées do governo forem fiscalizadas pelos cidadaos. Embora essencial, 0 processo cleitoral, por si s6, nao € 4gil bastante para sal- vaguardar o interesse public. A legitimidade do poder delegado (pelo povo ao Estado) precisa ser assegurada pelo exercicio ativo da cidadania, por Partidos Politicos sintonizados com seus eleitores e por uma opiniao piblica bem-informa- da, 4. Expanséo das fronteiras do controle: as possibilidades relacionadas ao contexto O controle democratico, portanto, néo pode ser eficaz se limitado A estrutura do Executivo, Quando as atividades governamentais se expandem e aumenta a inter- vengao do governo na vida do cidadio, a preservagio dos direitos democraticos requer neccssariamente a expansio dos limites da arena em que se exerce 0 con- 34 RAP. 2/90 trole. O problema do controle assume, de fato, uma dimensdo de legitimidade. Quem controla o controlador? Pode essa tarefa ficar nas m&os do Estado? Em ter- mos ideais, tal controle constituiria prerrogativa essencial dos cidadaos: nado dos cidadaos individualmente, mas da cidadania organizada. Isso porque, a despeito de sua legitimidade, as reivindicaces individuais ndo dispéem da forca necess4ria para conter 0 abuso do poder por parte do governo, O ponto a enfatizar, mais uma vez, € que um controle efetivo € conseqiiéncia da cidadania organizada; uma so- ciedade desmobilizada nfo ser capaz de garantir a accountability. O exercfcio da accountability € determinado pela qualidade das relagdes entre governo e cidadao, entre burocracia e clientelas. O comportamento (respons4vel ou ndo-responsdvel) dos servidores ptiblicos € conseqiiéncia das atitudes e com- portamento das préprias clientelas, Somente a partir da organizacdo de cidados vigilantes e conscientes de seus direitos haver4 condigfo para a accountability. Nao haveré tal condigiio enquanto 0 povo se definir como tutelado e o Estado como tutor. ‘Assim, o alto grau de preocupag&o com accountability na democracia america- na a virtual auséncia desse conceito no Brasil esto relacionados ao elo entre ac- countabillity e cidadania organizada; explica-se pela diferenga no est4gio de de- senvolvimento polftico dos dois pafses. Uma sociedade precisa atingir um certo nfvel de organizaco de seus interesses publicos ¢ privados, antes de tomar-se capaz. de cxercer controle sobre o Estado. A extenséo, qualidade e forca dos controles so conseqiiéncia do fortalecimento da malha institucional da sociedade civil. A medida que os diferentes interesses se organizam, aumenta a possibilidade de os cidadaos exercerem o controle e cobra~ rem do governo aquilo a que tém direito. Um desses mecanismos de controle seria a participaco da sociedade civil na avaliagio das polfticas publicas, fazendo reco- mendages a partir dessa avaliagio. (O desenvolvimento da consciéncia popular é a primeira pré-condigao para uma democracia verdadeiramente participativa e, portanto, para a accountability do servigo ptiblico, A medida que a democracia vai amadurecendo, 0 cidadao, individualmente, passa do papel de consumidor de servigos piiblicos ¢ objeto de decisées piiblicas a um papel ativo de sujeito, A mudanga do papel passivo para o de ativo guardiao de seus direitos individuais constitui um dramdtico avango pessoal, mas, para al- cangar resultados, h4 outro pré-requisito: 0 sentimento de comunidade. Em outras palavras, 6 a emergéncia e o desenvolvimento de instituigGes na sociedade que fa- vorecem a recuperaciio da cidadania e, portanto, a verdadeira vida democritica. A cidadania organizada pode influenciar néo apenas o processo de identificagao de necessidades e canalizagao de demandas, como também cobrar melhor desempe- nho do servigo pilblico. Este parece ser 0 caminho para a accountability. © modelo de democracia liberal e participativa praticado nos EUA favorece 8 accountability porque define © papel do cidadSo (desde muito cedo) como algo muito mais amplo do que a mera participag&o como eleitor no processo de escolha de seus governantes no Executivo e representantes no Legislativo. Nos EUA ~ tal como em muitas sociedades amadurecidas — existem numerosas organizacées, através das quais a opiniao dos cidaddos faz-se ouvir e por cujo in- termédio os descontentamentos sfio processados: associagées de pais ¢ professores, associagdes de consumidores, comités de vizinhanga, associagdes profissionais, sindicatos, comunidades eclesiais, etc. Tais associagdes servem também de foro onde as necessidades do cidadio sio discutidas, consolidadas, traduzidas em de- Accountability 35 mandas e canalizadas para os Srgaos piiblicos, Em muitos casos, os problemas so apresentados e solugdes altemnativas so af desenvolvidas ¢ avaliadas. Essas orga- nizagdes operam como mecanismos provocadores da burocracia e como cobradoras dos servidores ptiblicos — e também dos legisladores — de obrigagdes para com 0 publico. Esse resultado decorre nfo sé da textura institucional da sociedade americana, como ainda de uma cultura em que a autoconfianga é um trago muito forte, refletido na postura do cidad&o diante do Estado, na disposicSo para exigir os préprios direitos, ao invés de pedi-los como favores. A autoconfianga, como um valor em si, € transferida para as organizacées co- munitérias, Uma vez criadas, tais organizacées sao financiadas por contribuicgdes regulares"pagas pelos associados e por recursos levantados na comunidade, mas nunca subvencionadas por qualquer tipo de auxflio governamental. Um outro fator que favorece a legitimidade das organizagées associativas ¢ a significativa participagiio de seus membros. Tomar parte nos foros que tratam de interesses que Ihe dizem respeito individualmente é natural na cultura americana, € parte da sua rotina de vida, praticada desde os primeiros anos na escola, Assim, é “natural” que a burocracia oficial, nos EUA, se preocupe com a ac- countability perante o poblico, E € também “natural” que um curso de introdugo A administracao piblica inclua a accountability como tema obrigatério de dis- cussa4o em suas aulas, Além do que é “natural” que as condigdes bdsicas sociais, culturais ¢ polfticas da accountability sejam tidas como normais por muitos estu- diosos ¢ profissionais da administragao ptiblica nos EUA. Com vistas a salientar as diferengas entre um pals com alto nfvel de democracia polftica e um outro onde ainda nao existem as pré-condicées bisicas, a seco se- guinte comeca com uma visio global das dimensdes polfticas do contexto da ad- ministrac4o publica brasileira. 5. Aspectos poltticos e culturais da sociedade brasileira: os limites do contexto Enquanto nas democracias mais amadurecidas a textura politica é caracterizada por uma bem-sedimentada rede de associagées, nos pafses menos desenvolvidos tais estruturas denotam um alto grau de pobreza politica, As poucas instituigdes existentes parecem no ter compromisso com sua pr6pria continuidade. Falta-lhes, além disso, legitimidade, em azo da fragilidade de suas bases, agravada pela fal- ta de aptidio para a auto-sustentagiio. Freqiientemente, vao buscar apoio financei- To no proprio governo. Em semelhantes contextos, 0 exerc{cio da democracia fica limitado & partici- pacdo em eleigdes esporddicas. A falta de base popular faz da democracia brasilei- ra uma democracia formal, cujo traco distintivo € a aceitagdo passiva do dominio do Fstado.* Aceita-se como natural que alguns “direitos” constitucionais sejam negados aos cidadaos (por exemplo, educacao basica gratuita para todos, salé- rio mfnimo para os trabalhadores). A desigualdade € também considerada uma fa- talidade e as pessoas se sentem incapazes de lutar contra ela. Pior que isso, a luta pelos proprios direitos pode até ser encarada, na cultura brasileria, como algo in- delicado. A um super-Estado corresponde, entAo, uma subcidadania. Governo autoritério e cidadiios subservientes mutuamente se explicam ¢ tém uma relaggo de apoio © Para Pedro Demo (Pobreza polltica. Sao Paulo, Cortez, 1988), em quem me apoiei para escrever esta seco, mais do que um trago cultural isto & uma imposicao da histéria, ‘pie 36 RAP.2/90 recfproco. O super-Estado escapa facilmente ao controle da sociedade e 0 cidadao vé aumentado seu sentimento de impoténcia. Na cultura polftica nao h4 uma tradicao de conquista pela cidadania, do mesmo modo que no hé qualquer compromisso popular com qualquer forma de associati- vismo. Em lugar de participar de organizagao para agregacéo de seus préprios in- teresses, ou para enfrentamento do poder do Estado, as pessoas pteferem esperar que o Estado defenda e proteja os interesses nio-organizados. Muitas sio as “‘as- sociagdes” nascidas da iniciativa oficial, para prevenir uma verdadeira partici- pagio.” Tampouco a participagéo tem constitufdo tradicéo; 0 sentimento de im- Poténcia e de desesperanga diante da dominagio do Estado empresta & parti pacfio 0 cardter de custo vo — e nao de um direito civil. Nossa f€ democratica € débil ¢ a submissao do cidadao € um trago cultural que contribui para enfraquecé-la. O povo brasileiro mostra vocagéo maior para ser ajudado do que para exibir autoconfianga. Como conseqiiéncia, abre os bragos ao paternalismo, uma forma disfarcada de autoritarismo. Na histéria da democracia brasileira, tem havido perfodos alternados de autori- tarismo e de populismo. Cada um, por sua vez, explica a distancia entre o governo e a sociedade civil, j4 que ambos dispensam as instituicdes.* Enquanto 0 governo ditatorial, apoiado pela tecnocracia, toma a si a tarefa de definir bemrestar social, © governo populista tenta estabelecer uma relacdo direta entre a lideranca persona- lista € os segmentos populares nfo-organizados. Ambos mantém a participagao popular em nfveis mfnimos. O autoritarismo apoiado pela tecnocracia acredita que a patticipago popular € prejudicial 4 obtengo de um répido crescimento econé- mico, No modelo tecnocrético de crescimento econdmico, a distribuicéo de rendas € riqueza vai sendo protelada até o pafs atingir determinado nfvel de acumulagao. Contudo, antes que esse nfvel seja atingido, as desigualdades acumulam-se em tal Proporgiio que a tendéncia & a massa insatisfeita explodir. Pastore* identifica nesse padrao duas alternativas: a) de reagao — ou reforgar-se © grau de autoritarismo, mantendo-se a insatisfagéo sufocada através de mecanismo de repressfio; b) ou ocorre uma volta ao populismo. Em sua opinido, a abordagem populista decorre de um grande desejo de participago e expresso, manifestado de maneira um tanto difusa, dada a auséncia de organizagées processadoras de demanda, A tendéncia da economia tem sido a de reduzir investimentos, especial- mente 08 investimentos estrangeiros e, em conseqiiéncia, cai a taxa de crescimen- to. A medida que decresce o crescimento econémico e que a manifestagio popular € permitida, intensificam-se a um s6 tempo a inquietagdo social e a polarizagao da sociedade. Essa imploso costuma ser evitada — ou pela ago de I{deres autorit4- fios, ou pela intervengao militar — 0 que reconduz ao esquema tecnocratico. No Brasil, a democracia populista (1945-64) seguiu-se A ditadura do Estado Novo (1930-45) © precedeu a ditadura militar (1964-85). A partir de marco de 1986, juntamente com a Nova Reptiblica, houve a inauguragéo de uma nova fase 7 Convém lembrar que 0s sindicatos foram criados pelo Estado. que nomeava suas “liderangas" (os chama dos pelegos), Esta pritica favorecia a mA qualidade polftica e, por si mesma, atrasava o aperfeicoamento da democracia. Atribuiu-se as “‘organizagGes trabalhistas’” uma’ missio recreativa ¢ assistencial. mantendo 0 ais entorpecida possfvel a dimensfo reivindicatdria e de protec de direitos, ® Para M. Chauf (Cultura € democracia: 0 discurso comperenie e outras falas. 2, ed. S80 Paulo, Moderna, 1981, p, 61), 0 popularismo em suas duas manifestagdes (de paternalismo ou da defesa da justiga) envolve ‘manipulagSo ¢ autoritarismo inconsciente. Enquanto 0 populacho for mantido passivo, imaturo.e nio-orga- nizado, o esclarecimento vanguardista do Ifder populista estf justificado, Esse tipo de lideranca € legitimado pelo baixo nfvel de educasao e de capacidade de organizagao das massas, Pastore, J, A crise ccondmica e 0s dilemas de Samey. In: Folia de S, Paulo, 24 de mar. 1987, Accountability populista, que j4 dé sinais de crise polftica e econdmica, O presidente tenta colo- car-se como o benfeitor da nacg4o, acima dos interesses de sindicatos, grupos co- munitérios ¢ partidos politicos.'° A fraqueza do tecido institucional tem determinado a auséncia de controles do piiblico sobre o Estado. Em conseqiiéncia disso, o desrespeito pelos contribuintes, pelos eleitores e pelo cidadéo em geral tora-se um aspecto natural das relagées entre governo e sociedade. Numerosas violacGes da moralidade polftica e adminis- trativa, envolvendo funciondrios publicos — tanto de carreira como detentores de cargos polfticos — e também congressistas, constituem acontecimentos corriquei- ros, Além disso, esses abusos contra a cidadania tendem a ser estimulados, j4 que a maioria deles raramente é revelada, geralmente passa sem investigacdo ¢ nunca € punida. O Estado nao tem obrigagées perante a sociedade. Se a democracia fundamenta-se na soberania dos cidadios, o “modelo”? demo- crético experimentado no Brasil est4 longe de ser caracterizado como tal. Na so- ciedade brasileira contemporanea testemunhamos um sério desrespeito pelos ci- dadfios, em numerosos aspectos da vida civil, O cidado brasileiro nao tem sido apenas desrespeitado como contribuinte, eleitor ¢ cliente de um érgio publico: é também um consumidor impotente ante qualquer organizacdo privada fornecedora de bens e servicos. Nao é respeitado nem mesmo como pedestre nas ruas,"" Para Camargo'?, vivemos uma crise de credibilidade.'? A nacio nao pode con- fiar em suas instituigGes e a crise econémica nao € senao o outro lado de uma se~ vera crise polftica. A safda est4 na recuperacio de valores fundamentais, tais como a cidadania, a liberdade e a justica social. Nas rafzes da crise, aquele autor identi- fica o isolamento em que cidadaos ¢ legisladores foram mantidos por duas décadas de ditadura. Por um longo perfodo os brasileiros deixaram de tomar parte nas de- cisdes que thes afetaram a vida ¢ que ainda podem continuar afetando-Ihes o futu- To. Tal situago nao se modificaré a menos que os movimentos sociais comecem a conquistar lugar importante na arena polftica. O modelo tecnocrdtico de formu- lac&o e implementagio de polfticas, na medida em que se protege do controle polf- tico, promove os interesses das minorias, mantendo as maiorias perplexas fora do processo polftico, Camargo aponta ainda a falta de informa¢do - ou a mA infor- macao deliberada — como a melhor explicacao para a alienagao polftica, Vimos que a indignagGo individual, no importa quao disseminada, ndo tem a forca necesséria para o exercicio de efetivo controle dos abusos e dos usos perni- ciosos do poder pelo Estado. A impoténcia polftica deriva da falta de organizagao '© Declaragéo do cicntista polftico Roberto Unger a Visdo (25 jan. 1986). "© pals atravessa uma crise institucional c ética como nunca antes experimentou, Vive uma crise de ano- mia: nfo apenas a auséncia de normas, mas a inobservincia de qualquer tipo de norma, sem punicio, Nada funciona: a Constituicgo, os Partidos Polfticos, os trés ramos do governo (freios e contrapesos), o sistema fe- deralista, a Justica, a polfcia e assim sucessivamente, Aqueles que detém muito poder — as classes economi- camente clevadas ~ ocupam posigo privilegiada pera protegio de seus direitos, & custa dos que no t#m poder , especialmente, daqueles que nada possucm, Um pedestre brasileiro no estf seguro quando atraves- Sa uma rua com o sinal vermelho para os carros, Um passageiro brasileiro pode fazer sinal numa parada de Gnibus € nfo ser atendido pelo motorista, Nem tem certeza de que poderd desembarear do nibus, no ponto solicitado. A tnica certeza que tem €a de que nfo vale a pena reclamar. *® Camargo, Affonso. Um desafio a0 PMDB. In: Fotha de S. Paulo, 24 mar, 1987. 13 A faltade credibilidade das organizacdes formais - Govemo, Justica, 6rgios Iegislativos e assemelhados ~ explica a confianea do povo, especialmente das classes mais baixas, em instituigoes marginais e em homens 44 condenados pelaJustica. Os moradores de favelas so “‘protegidos” por chefes que demonstram maior sensibilid.de por seus interesses do que a demonstrada pelos burocratas, que proporcionam os servicos que a ‘burocracsa fot incapaz. de proporcionar, sem cobrar por eles. A minguada confianga no sistema formal, em sua eficScia, em suas regras ¢ crit6rios aumenta a distincia entre o Estado c as classes inferiorcs{a maioria sem poder, que tem sido mantida “fora” da democracia, 38 RAP. 2/90 da sociedade civil combinada & falta de transparéncia nas organizagées burocrdti- cas do governo, A fraqueza da imprensa como instituigao também € parte da explicago, Tem- Ihe faltado organizagio e autonomia para poder agir © reagir como instituigao, Fragmentada, e subserviente a interesses e conveniéncias particulares, a imprensa no tem desempenhado o papel de vigilante, que geralmente lhe cabe nas socieda- des politicamente avangadas. A debilidade das instituigdes polfticas, acoplada ao baixo nfvel de organizagao da sociedade civil, explica também a m4 qualidade do processo de partilha de in- formagées entre governo e sociedade.'* Se, por um lado, a omissao ou distorsio da comunicagéio entre governo e sociedade reforca indigéncia polftica, porque compromete a possibilidade de controlar a burocracia, por outro lado essa mesma fraqueza prejudica a credibilidade governamental. A falta de credibilidade atinge também o Congresso, visto como a casa dos pri- vilégios. Os “representantes” parecem s6 preocupados com seus interesses pes- soais e as conveniéncias de seus parentes ¢ amigos. As promessas de campanha nao so honradas nem reclamadas. Muitos eleitores nfio cobram de seus candidatos programas que alterem a hegemonia de grupos tradicionalmente favorecidos. Em vez disso, trocam-se votos por dinheiro e por empregos nos 6rgios de admi trago piiblica, esvaziando o sentido da representago polftica.'* O funcionamento dos Partidos Polfticos observa um padrao casufstico com ele- vada vulnerabilidade em face da orientaco particularista. A visdo deteriorada que ‘© povo tem do sistema politico — visto como venal e corrupto — aumenta o senti- mento de impoténcia ¢ reduz 0 nfvel da demanda popular sobre o sistema."* Nesse cendrio de fragmentagio cfvica e ética das instituigdes da sociedade, o cidadio, individualmente, sabe que ndo pode esperar muito da administragio pu- blica e nem pode contar tampouco com os Poderes Legislativo e Judiciario, este Ultimo muito dependente do Executivo, até mesmo quanto a recursos financeiros. © fato de que a burocracia $6 esteja sujeita a seus préprios controles a torna in- sensfvel ao ptiblico e surda em relagao as necessidades e aos direitos do povo. Na realidade, a supremacia dos controles burocrdticos tende a aumentar o autoritaris- m0 no relacionamento entre Estado e sociedade. Desta descrig&o bastante superficial do contexto cultural e polftico, o leitor po- de deduzir até que ponto a democracia vivida no pafs se distancia do ideal de um governo pelo povo, para o povo e com 0 povo. 6. Administragaéo publica brasileira 6.1 O padrao tutor-tutelados O padrao predominante de relacionamento entre o Estado e a sociedade, entre 0 ‘4 Sobre sigilo na burocracia, Max Weber acentuou que “'a burocracia naturalmente recebe bem um parlas mento mal-informado ¢, conseqilentemente, sem poder — pelo menos na medida em que a ignorncia con- corda, de alguma forma, com os interesses da burocracia (u)” Apud Henry, N, Public administration and Public affairs. Economics and Society, New Jersey, Prentice=Halt, 1975, Somente 50% dos eleitores alistados compareceram & votacfo em novembro de 1986, quando a Assem- blgia Constituinte foi eleita, ‘Nio € realista esperar-se que 0 cidadiio comum tenha credibilidade num sistema de privilégios. Um pe- queno ¢ significativo exemplo era a situacfio desigual dos contribuintes do imposto de renda antes da Consti- tuigéo de 1988. Uma comparagao entre os impostos recolhidos por um cidadlio comum e por cidados privi- legiados mostrava que, para uma renda idéntica, o cidado comum pagava 115,35% mais imposto do que um membro da Corte Suprema; 985,85% mais do que um general de quatro estrelas do Exército; 7.684,34 mais do que um congressista! Dados extrafdos de “Os poucos que pagam”, In: Jornal do Brasil, 15 mar. 1987. Accountability 39 governo € 0 conjunto dos cidadaos, entre a burocracia oficial e sua clientela indica © nfvel de desenvolvimento politico do pafs. Demo" faz um paralelo entre desenvolvimento econémico e politico da seguin- te forma: o desenvolvimento econdmico, expresso em dados quantitativos, tem co- notag4o essencialmente material e relaciona-se com 0 fer; 0 desenvolvimento polf- tico traduz-se em aspectos qualitativos ndo-materiais da vida civil ¢ relaciona-se com 0 ser. Aquele autor defende que a pobreza politica e econémica reciprocas mente se explicam e se reforcam. Nao € por acaso que o segmento economicamente privilegiado tende a ter maior representacao na arena do poder, enquanto os nao-privilegiados mal conseguem atingir um grau minimo de representagao nos diversos nfveis do proceso decisé- rio governamental. Nas sociedades politicamente pobres, os baixos nfveis de asso- ciativismo, participagdo e representacio favorecem a prepoténcia do Estado sobre a sociedade a que 0 mesmo deveria servir. Assim sendo, o Estado transforma-se em tutor e a populagdo em seus tutelados. De acordo com Castor e Franga'*, o fortalecimento do govemno central foi uma estrat€gia internacional de consolidacao dos Estados nacionais. Nao obstante, no caso brasileiro a debilidade das instituicdes permitiu, definitivamente, a acentuada supremacia do Executivo federal sobre os outros nfveis (estadual e municipal), bem como sobre os outros Poderes do governo (Legislative e Judicifrio). Sob o regime autoritério que vigorou no pafs de 1964 a 1985, a Constituicao, a legis- lagfo e as normas fiscais e financeiras impostas deixaram os governos estaduais ¢ municipais sem autonomia nem poder politico." Ao mesmo tempo, os freios e contrapesos inerentes & vida democritica foram igualmente aniquilados. O Legis- lativo desempenhou um papel subalterno em relacio ao Executivo, com seu poder. Judiciério, como j4 mencionamos, torou-se dependente do Executivo até mes- mo para obtencSo de recursos orcamentarios. Um Poder Executivo forte e sem freios desempenha fungSes reguladoras, extrativas e distributivas: atribui a si mesmo © controle do comportamento dos cidad4os; arrecada descontroladamente recursos desses cidadaos; considera-se independente para alocar recursos piiblicos sem qualquer consideracao a critfrios como igualdade, representacao, partici- pacdo, transparéncia. Sendo assim, 0 padrao autoritério ¢ centralista de governo materializa-se através de trés aspectos principais da sociedade brasileira: - centralizacio politica: dominio do governo federal sobre os outros nfveis de go- verno; - centralizagdo administrativa: concentragZo do poder decisério na ciipula da bu- rocracia federal; - inacessibilidade da participagdo individual ¢ comunitéria & formulagao da polfti- ca publica. Segundo Mauro Guimardes*’, a vida civil das pessoas pertence ao Estado, mas a vida do Estado nao € publica, porque nao € dada ao conhecimento dos cidados, ¥1 Demo, P. op. cit. Castor, B. O. Franca, C, Administragio Piiblica n0 Brasil ~ exaustio e revigoramento do modelo. Revista df Administragdo Piiblica, Rio de Janeiro, FundagSo Getulio Vargas, 20 (3): 3-26, jul/set. 1986. Apesar das intengoes manifestadas nos discursos, a chamada Nova Repilblica nfo promoveu ages con- cretas para fomentar 0 federalismo. Ao contrério, mostrou a relutancia do Governo Federal em partilhar re- ceitase poderes com os outros nfveis de governo, No sistema fiscal em Vigor, quando este trabalho foi escrito (1987), de cada 100 cruzados arrecadados de imposto na cidade de Sao Paulo, 63 iam para o Governo Fede al; 30 para o estadual ¢ apenas 6 cruzados e 30 centavos para o municipio, Esse padrio de ““federalismo"™ fiscal acravs o dominio do Governo Federal, ao mesmo tempo em que atrasa 0 desenvolvimento polftico, Guimardes, Mauro, A causa das coisas. In: Jornal do Brasil, 10 jun. 1987. 40 RAP, 2/90 Em outras palavras, aquilo que € publico em uma sociedade democrética transfor- ma-se em segredo de Estado cm uma sociedade totalitéria. Em decorréncia, a corrupgdo é endémica, geralmente néo-controlada e raramen- te punida, Na realidade, a tradig&io de impunidade anula de safda e desmoraliza qualquer tentativa de controle — interno ou externo — da burocracia. Outro trago marcante do pafs, com impacto na administragao piiblica e na vida dos cidadaos, é a abundancia de leis e regulamentos aprovados, porém nunca obe- decidos (nem destinados a ser obedecidos). 6.2 Centralismo: uma tradigio de arrogancia politica No contexto que estamos comentando, centralismo e autoritarismo fizeram um casamento de conveniéncia e o formalismo tem sido o guardiéo desse vantajoso arranjo."* A Constituicao em vigor até 1987, ao mesmo tempo em que proporcionava uma fachada de federalismo, nao garantia aos governos estaduais ¢ municipais nem re- cursos nem autonomia fiscal para atender as necessidades bisicas de suas cliente- las. A burocracia federal — enorme ¢ fortemente centralizada em seus processos decis6rios — faltava a flexibilidade necesséria para lidar com a diversidade das po- pulagées espalhadas por um pafs continental, com diferentes realidades culturais, econémicas e sécio-polfticas.* Em razio da superioridade que supée ter sobre os cidadios e sobre as outras es- feras de governo, a burocracia federal concede a si prdpria o direito de tomar de- cisdes em nome das clientelas-alvo de seus programas. Isto tem sido verdadeiro tanto nos regimes autoritérios quanto nos regimes populistas. Nos governos auto- ritftios, a sabedoria popular tem sido subestimada pela arrogancia perceptiva dos tecnocratas, que se dao 0 direito de identificar as necessidades, de atribuir priori- dades nacionais, de desenvolver altemativas ¢ de fazer escolhas polfticas, em perfeito isolamento em relagéo As clientelas, Os programas de assisténcia & pobre- Za, por exemplo, sfo identificados por tScnicos com referencial de classe média, sem qualquer insumo dos pobres. Os tecnocratas acreditam firmemente que nfo erram; se erram, nunca ficam sa- bendo, porque se protegem da avaliacSo de estranhos. Os mecanismos de controle intemos & burocracia no consideram o resultado’ou impacto dos programas. Em que pese a suspeita de baixo nfvel de eficiéncia e eficdcia — para nem mencionar- mos efetividade — a aco do governo tende a ocorrer sem qualquer controle, Tal tendéncia persistiré enquanto nao ocorrer a mobilizago polftica.** A opiniéo do piiblico-alvo, assim como sua participagdo no proceso, € vista como imiitil ou ameagadora da eficiéncia, Assim, a burocracia publica no Brasil opera sob um nfvel mfnimo de pressao das clientelas, concebidas como objetos do governo e subordinadas &s organizagées piiblicas. Muito poucos sio os que tém *\ A palavra““formalismo” € tomada por empréstimo de: Riggs, Fred, Administration in developing coun- tres: the theory of prismatic sotiery. Boston, Hovgion Piffin, 1564, que inventou para sigalfice ora Ge discrepancia entre as prescrigées da legislagio ¢ normas reguladoras e as préticas reais, observadas no dia~ 4-dia das “‘sociedades prismiiticas””. 2 De acordo com Castor & Franca (op. cit.), a administracio pilblica brasil tea sido fortemnentefasci- nada pela uniformidade, o que levou 40 desenvolvimento de ehormes "sistemas" nacionli,nsenst eis Bs ‘ovestidades das comunidades locas, Apesar dos balxos nfvels de eficidncia e adequagS desses sistemas, gles serviram com perfeigao 4s decisdes centralistas e A dominagio politica, 39 Procura-se manter os cidados alienados via promogSo de eventos no-polfticos, Os campeonatos mun- diais de futebol ttm desempenhado lindamente essa funco desmobilizadora, Accountability 4t seus interesses representados nos érgéos do governo (os economicamente mais fortes). De modo geral, os grupos sem poder (as classes média ¢ baixa) nfo t&m acesso nem & tomada de decises, nem participam da avaliagéo de uma organi- zagio ptiblica. Porque as clientelas sdo vistas como tuteladas, os servigos ptblicos so presta- dos como se fossem caridade publica, Em muitos casos, os préprios clientes enca- ram esses servicos como dddivas e se sentem na obrigacao de retribuf-los.** A partilha de informagées com os cidadaos nao constitui tradigao em qualquer governo autoritSrio e centralizado apoiado pela tecnocracia. Na verdade, os go- vernos totalitérios dependem da desinformagao das clientelas. A opiniao ptiblica é manipulada para atender aos interesses do governo; os dinheiros piiblicos séio gas- tos secretamente em aventuras do Estado gigante. Imune a controles externos, a burocracia publica é corrupta e ineficiente, enquanto os cidaddos continuam sem qualquer proteg4o contra as decisGes arbitrarias, 6.3 Uma burocracia livre de accountability As dimensées polfticas ¢ culturais do contexto de administragao pilblica, focali- zadas nas seg6es precedentes, explicam os tragos principais da administragao pi'- blica brasileira. Existe, na realidade, uma correspondéncia entre os tragos contex- tuais e as caracterfsticas marcantes da burocracia.?* Da parte do contexto, merecem destaque: ~a debilidade das instituig6es; - 0 baixo nfvel de organizag&o da sociedade civil; - 0 baixo nfvel de expectativa quanto & atuag4o do governo; ~ 0 baixo nfvel de participago: o povo como objeto da politica publica. Da parte da burocracia, os tracos mais significativos sfo: - imunidade a controles externos; - falta de transparéncia; ~ baixo nfvel de preocupagiio com o desempenho; = marcada orientag4o para meios e procedimentos; = tendéncia exagerada para regras ¢ normas e desrespeito pelo seu cumprimento (formalismo). Durante os ultimos 60 anos, a administragéo piiblica brasileira passou por al- gumas reformas administrativas. De fato, tem sido um cliché em todos os progra- mas de governo, Para os govemnos totalitérios, em particular, a reforma da buro- cracia tem um apelo especial, Comum a todas as iniciativas tem sido a comprova- da inutilidade dessas reformas, em termos de aperfeicoamento do desempenho bu- rocratico, ‘So trés os aspectos comuns da experiéncia histérica da reforma administrativa, todos relacionados aos tracos contextuais e estruturais salientados anteriormente nesta seco. primeiro aspecto diz respeito a iniciativa dos esforgos reformistas. As refor- mas t€m sido iniciadas no seio do Estado e nao como uma resposta as “‘demandas” dos cidaddos, Na verdade, a burocracia brasileira tem operado sob um nfvel muito baixo de pressdo por parte de sua clientela. De um lado, porque as expectativas 2¢ \Agrados” ¢ presentes sfo considerados cabfveis depois do ato. Somente se apresentados antes do “‘fa~ yor slo considerados um suborno. ae 0 Jeitor nto devers esperar uma rigorosa correspondéncia entre os aspectos contextuas ¢ ox burocrfticos, ‘mas uma correspondéncia entre 08 dois conjuntos de aspect 42 RAP. 2/90 sGo muito reduzidas, De outro, o nfvel de mobilizac4o polftica € tao baixo que nao confere & cidadania poder de barganha ou de sano, em relacao as organizacdes iblicas, ar segundo aspecto prende-se A eficiéncia como o valor Unico a orientar as re- formas administrativas. Estas tem mostrado forte preocupac’o com os meios ¢ procedimentos administrativos e absoluto desinteresse pelos resultados finais da agio administrativa. Conseqiientemente, os esfor¢os de reforma tém consistido no transplante, para érgdos piiblicos, de métodos desenvolvidos no setor privado para aumentar a eficiéncia, Os controles de cima para baixo so cada vez mais reforga- dos, enquanto o controle pelos cidadaos continua totalmente negligenciado. Como |j& vimos na sec&o precedente, a busca da eficiéncia leva a resisténcia da organi- zaco a padrdes participativos de administragao. Em terceiro lugar, e nao surpreendemente, os projetos de reforma administrati- va tém fortalecido o centralismo. Menos surpreendentemente, apés os perfodos de ditadura, esses projetos tém sido constantemente abandonados. A subsegio seguinte examina dois aspectos da administracao piiblica brasileira da maior importancia para o tema em foco: a forga de trabalho ¢ controles da bu- rocracia, 6.3.1 A forca de trabalho no setor governamental O perfil do servigo piblico brasileiro reflete o contexto da administragao publi- ca em suas dimensdes culturais, polfticas ¢ sécio-econédmicas, Nas ultimas décadas, o servico civil tem funcionado como valvula de escape da inquietagdo social, como mecanismo de redugao das tensdes que resultam do de- semprego. O emprego piiblico representa a oportunidade de trabalho para 10% do contingente de mao-de-obra. Cardoso** estima que quatro milhdes de brasileiros ocupam cargos no setor publico,?” metade desse total empregada pelos governos estaduais e muni i: Nos nfveis municipal e estadual, a troca de votos pelos cargos publicos tem si- do pritica corrente, independentemente da existéncia de vagas. Apés duas eleigdes para govemadores, as burocracias estaduais e municipais tinham tal ex- cesso de pessoal que a maior parte de seus orgamentos estava comprometida com saldrios.** O servico péblico € uma “profissio” altamente valorizada, ndo pelas compen- sagdes materiais e oportunidades de carreira, mas pela estabilidade e pensGes de aposentadoria que proporciona, independentemente da qualidade do desempenho. 8 Cardoso, R. Continua a indefinicéo. Administragdo Profissional, Sao Paulo, CRA, 7(72): 2, jun.1987. #7 Os empregos no setor piiblico séo regidos por diferentes regimes legais: 0 contrato tradicional, nos ter= ‘mos do estatuto do servigo piiblico; 0 contrato de trabalho do modelo privado, regulado pela legislagéo tra- balhista em geral; 0 contrato por tempo limitado, destinado a vigorar por determinado perfodo, O estatuto do servigo pablico tem aplicagSo a um ndmero limitado de indivfduos, j4 que relaciona os cargos &s vagas Jegalmente criadas. A prescaga cada vez maior do governo ¢ de sua burocracia eo desejo de livrar tanto ad ministradores quanto politicos das limitagSes estatutérias levou & adogo dos contratos de trabalho regula- mentados por normas de cardter privado, Antes limitados &s empresas piiblicas ¢ a outros Srgios “autBno- mos”, tais contratos agora coexistem com os contratos estanutérios em Srges componentes da chamada “administracio direta™ 2 Excluindo-se os servidores federais c os municipais, a taxa média estadual & agora de um funciondrio pblico para 45 babitantes! A proporedo varia de 1:21 (governo do Distrito Federal) a 1:72(governo do esta- do do Paré). Fonte: Jornal do Brasil, abr. 1987. Accountability 43 sistema do mérito, introduzido nos anos 30 pelo governo ditatorial,:* pretendia responder @ necessidade de maior eficiéncia, tanto mais se a eficiéncia pudesse justificar o regime ditatorial. Embora os govemos ainda hoje reverenciem o sistema do mérito, critérios par- ticularistas dominam amplamente tanto a entrada em sistemas de carreira como a indicagio para cargos de confianga, Além do recrutamento, o nepotismo ¢ o clien- telismo interferem também nas regras de promog4o. O servico civil €, portanto, al- tamente vulnerével a politicagem: uma recomendaco de um politico pode ser mais importante do que o mérito pessoal de um postulante ou ocupante de cargo puibli- co." Em qualquer esfera de governo — mesmo federal — os empregos funcionam co- mo moeda no jogo polftico. Polfticos trocam apoio a projetos do Executive por cargos de alto nfvel no servigo ptiblico, de preferéncia no setor “‘produtivo”’, onde os salérios séo mais elevados e os controles mais frouxos. © problema nio € que 0 servico péblico brasileiro ndo alcance os melhores re- cursos humanos, mas sim que nao tenha capacidade de estimulé-los a que conti- nuem sendo bons empregados. O sistema de incentivos generalizados faz as orga~ nizacées piiblicas ao mesmo tempo incapazes de estimular os desempenhos mais adequados e impotentes para punir desempenhos abaixo do nfvel desejavel. A auséncia cu o mau uso de praticas de avaliacao do desempenho impedem que a organizacao publica identifique diferentes nfveis de qualidade do desempenho. Mesmo quando essa diferenciagao € conseguida, as chefias nfo sao dadas con- digdes de retribuir atuacdo superior com recompensas materiais compatfveis. Isso para no mencionarmos os incentivos as avessas, que acabam estimulando condu- tas administrativas menos adequadas. Acrescente-se ainda que, pelo fato de as clientelas nao terem qualquer partici- pacSo no processo de avaliacio do desempenho de um servico ptiblico, a deferén- cia demonstrada por um empregado ante os superiores, mais do que a sintonia com as necessidades das clientelas e o bom atendimento do publico, determina a re- compensa recebida, Ainda assim, nao se pode afirmar que o servigo pblico nao conte com empre- gados dedicados ¢ competentes. E verdade que a administracdo tem atrafdo pes- soas nfo-qualificadas e estimulado desempenhos menos que desejaveis. Também & verdade que tem atrafdo para os escalées mais altos pessoas que tém inclinagao pelos privilégios que advém do cargo, ou pelo poder que 0 cargo representa ou pela oportunidade de estar préximos aos Ifderes politicos. Todavia, apesar das im- propriedades de prdticas de administrag&o de pessoal, ainda é possfvel encontrar em rgios publics profissionais com mentalidade de servigo ptiblico, H4 muita gente que trabalha para o governo independentemente de vantagens materiais ¢ se sente recompensado pela oportunidade da satisfacao Intima tirada do desempenho 2° ‘Fortemente motivada por eficiéncia e “‘modernizacSo", foi aprovada uma legislaco criando uma Co- missio Federal de Servigo Pablico e, em cada ministério federal, uma Comissfo de Evicifncia (Lei n? 284, de 28 de outubro de 1936). Foi aprovado o primeiro plano de casificao de cargos ¢ institufdo o sistema de iérito, As comissGes foram suocdidas pelo Departamento Administrative do Servigo Pablico (Dasp) em 1938, Sob forte orientacéo centralista, o Departamento 1utou para levar a burocracia federal a nfveis mais elevados de efcitria, © Departamento foi perdendo sous poderes apds a queds da dtadure, em 1945, ea de administragko de pessoal, embora nfo revogadas, foram gradualmente sc enfr FPO corpo diplomtico & o ramo do servigo pdblico civil que mats tem resistido influcncia poltica. L40 sistema de carreira tem sido mais respeitado do que em qualquer outro setor da administraao. Alguns auto- res consideram 0 favorecimento politico dil ao desenvolvimento das instituigdes politicas, tais como os cor- pos legislativos ¢ o sistema partidério, Ver Rehfuss, J, Public administration as politcal process. New York, Ghurles Scribner's Sons, 1973, 189, 44 RAP. 2/90 de atividades socialmente tteis. A questéo que se coloca € a vulnerabilidade: por quanto tempo esses idealistas resistirfo & experiéncia didria de um injusto sistema de compensag6es e & atragio de outras oportunidades de emprego no setor priva- do? Por quanto tempo o respeito préprio dessas pessoas deixar4 de ser abalado, diante do progresso de colegas incompetentes? 6.3.2 O controle externo da burocracia O controle externo da burocracia executiva, de acordo com a Constituigéo de 1967, € limitado as dimensGes financeira ¢ orgamentdria. Esse controle compete ao Congresso, com 0 apoio do Tribunal de Contas da Uniao (TCU)." Até 1987, © papel controlador do TCU abrange: a) o exame das contas do pre- sidente da Repiiblica; b) 0 controle das organizagoes piiblicas, relativamente A ho- nestidade e legalidade da despesa pifblica e a observacio dos limites orgamenté- tios; c) a apreciagao da legalidade das concessdes dos beneffcios da aposentado- via.*? A 6rea ptblica controlada inclui todos os érgaos da administragéo direta, assim como aqueles que se classificam como “érgiios de administragio indireta”: as em- presas puiblicas, as sociedades de economia mista, as fundagGes geridas pelo Esta- do ¢ as autarquias, Todas as pessoas responsdveis por valores ¢ ativos ptiblicos fi- cam sujeitas 4 auditoria do Tribunal. Muito embora possam ocorrer inspegGes in loco, o controle do TCU baseia-se, sobretudo, em inquéritos formais sobre o contetido de relatérios contdbeis e do- cumentacio de auditoria, Uma vez que a distribuicdo de poderes entre os trés ra- mos de governo favoreceu o Executivo e reduziu a forga do Legislativo, o TCU te- ve suas fungGes profundamente prejudicadas. Nao ha difvida de que a eficdcia de qualquer controle requer a autonomia do controlador diante do controlado. O TCU tem nove ministros, nomeados pelo pre- sidente ¢ aprovados pelo Senado Federal." No que toca a extensio do mandato do TCU, a nomeaco de seus membros constitui um ponto critico, quando se con- sidera a acrountability da burocracia: 0 grau de liberdade (ou de coacSo) do Legislativo para aprovar a indicagio dos membros do Tribunal tem variado também de acordo com o poder relativo do Legislativo vis-a-vis o Poder Executi- vo."* Na realidade, a ativago de mecanismos para anular o controle do Legislati- vo tem sido caracterfstica dos perfodos de fortalecimento do Executivo. Além da questo da autonomia, a prpria natureza do controle constitui uma limitag&o: enquanto a Corte se limitar a aspectos cont&beis e orcamentérios, a bu- Tocracia nfo se moverd no sentido da accountability. No exercicio de seu papel constitucional o Tribunal pode, no m&ximo, verificar a probidade formal dos ad- ** Como institui¢io da Repdblica brasilcira, o Tribunal de Contas da Unio (TCU) nasceu com a Consti- ‘micho de 1891, As referéncias ao texto constitucional t#m por base a Constituicéo outorgada pelo governo ditatorial em 1967 ¢ emendada em. 1969. Na tradicéo latina, 0 Srg80 controlador denomina-se “‘corte”, en- Juanto na anglo-saxOnia sSo referidos como “‘controlador-geral”. De acordo com J.Mello (Os Tribunais de Gontas ea Consituigao. Ins Fodia de S: Paulo, 11 jan 1587), ce tious de conta lao ser vm fea cionando desde a antiga civiliza;io grega. Contude, stricto sensu, as cortes 86 surgiram apis a divisio do go- 3°% Consttulgo,em prossuo deel boracéo quand “onstituigdo, em processo de elaboracd lo se cscrevia este texto, antecipou a ampliagSo das freas de controle pelo TCU. * Pusan 35" A nova Constitui¢ao reduziu para um tergo 0 niimero dc ministros cscolhidos pelo presidente da Rept- dics rt 73) Os comentdrios que se seguem no texto sio baseados no texto em vigor até outubro de 1987. urante a ditadura do Estado Novo, foi formmalmente eliminada a aprovaco de qualquer redo legislati- vo (Lei Constitucional n° 9, de 28 de fevereiro de 1945). pe stesiaver Sato Accountability 45 ministradores piiblicos no uso do dinheiro dos contribuintes.** Do controle exer- cido pelo TCU, pouco se pode concluir quanto a: a) eficiéncia com que uma orga- nizagao empregou recursos pilblicos; b) eficdcia no atingimento das metas; c) efe- tividade dos érgdos ptiblicos no atendimento as necessidades das clientelas: d) justiga social e politica, na distribuicdo de custos ¢ beneficios. Assim, a fragilidade do controle que 0 Tribunal tem exercido sobre a burocra- cia vem somar-se & fragilidade da malha institucional da sociedade civil, contri- buindo para que a burocracia oficial permanega imune & accountability. 6.3.3 Controles internos ‘A Constituigdo prevé também controles internos dos érgdos publicos, no ambito do Executivo. As medidas de controle interno tém em vista: - facilitar a eficdcia do controle externo exercido pelo TCU; - garantir a regularidade da execucio das receitas e despesas puiblicas; - monitorar a implementago do orgamento € a consecucdo das metas; - avaliar 0 desempenho gerencial; = verificar a correcdo da parceria contratada com érgios privados. A burocracia executiva desenvolveu uma “estrutura de controle”, cujo érgio central € a Secrotaria do Tesouro Nacional (STN), 6rgéo do Ministério da Fazen- da,°* O sistema de controle interno dispde de agéncias setoriais em todos os mi- nistérios, Cada um desses 6rgdos setoriais desempenha fungées de controle interno sobre as entidades publicas, incluindo as da administragao indireta. Na ultima década, com o sério agravamento da dfvida ptiblica, o Executivo fe- deral tem-se visto sob fogo cruzado para controle de sua eficiéncia, No campo doméstico situam-se os poderosos interesses das grandes empresas, No campo ex- terno ficam os bancos estrangeiros credores, que seguem a Bfblia do Fundo Mo- netério Internacional (FMD). A presso no sentido da reduco da despesa publica levou © governo a tomar medidas expressas para controle da eficiéncia e produti- vidade das empresas estatais, bem como para recuperagdo da satide das financas publicas, Constitufram objetivos principais: o controle da despesa (com a reducao dos investimentos pifblicos) ¢ as polfticas de pessoal das organizagées de adminis- tragéo indireta, especialmente na 4rea de salfrios e beneffcios. Além da rede da STN, outros érgdos, em diferentes ministérios, exercem de maneira descoordenada © controle de entidades ptiblicas, havendo diversos exemplos de controles super- postos, que nada acrescentam & eficdcia da fiscalizagéio.*” Entre as principais deficiéncias dos controles burocréticos no Brasil, trés devem ser mencionadas. Primeiro, os controles sao altamente formalistas e tém sido de ab- ** Quanto mais competente € 0 administrador nss artes da contabilidade, menos verdadeiros so seus de- rmonstrativos conifbes. Além diss, pelo fato de que as sangGes legals tendem a estimulr (em ver de puns) 0s violadores, 0 poder de controlar honestidade & ainda mais limitado, Mesmo quando alguém 6 apanhado pelo controle do Tribunal, a falta prova-se compensadora, pois as multas pecunirias séo inexpressivas € as sqnqbes eciplinares em ¢geral nfo So aplicadas. Depois dé numerosas mudangas de denominacéo ¢atribulgses, a agtncia central de contole interno do MinistBrio da Fazenda, desde 3 de setembro de 1986, 6 a STN, Nos termos de seu presente mandato legal, a STN exerce também a superviséo da administracfo salarial, incluindo servidores ativos ¢ inativos, pensio- hiistae, igualmente, o pagamento de servigos de consultoria ¢ de especialistas contratados pelo governo. Entre outros Srefos federais competindo pelo controle da burocracia oficial esto: Secretaria de Admi= nistragdo Publica da Presidéncia da Repdblica (Sedap); Secretaria de Controle das Empresas Estatais (Sest); Secretaria de Orsamento ¢ Financas (SOF); Comisso Interministerial de Remuneracio e Proventos. Na ea as empresas publicas, as corporagées “‘produtivas” so controladas pela Sest, enquanto as néo-produtivas esto sob o controle da SOF. 46 RAP, 2/90 soluta ineficiéncia, no que diz respeito A accountability. Segundo, mostram forte orientacdo no sentido dos meios e completo desinteresse pela consecugdo dos fins, resultados ¢ conseqiiéncias dos programas pulblicos. Terceiro, preocupam-se inde- vidamente com a uniformidade, ou seja, ndo consideram as diferengas entre os 6rgios puiblicos, a diversidade de missio desses Srgios, no que isso representa em termos de diferentes processos de controle ¢ avaliacao. No que se refere As empresas piblicas produtivas, um decreto presidencial au- torizou a Secretaria de Controle das Empresas Estatais (Sest) a contratar auditores particulares para procederem ao exame da eficiéncia, produtividade e desempenho financeiro das empresas pablicas.** A-simpl6ria premissa em que se apoiou o de- creto 6 a de que os critérios da geréncia privada so adequados para avaliagao das organizagdes pifblicas, Ao que parece, dois aspectos deixaram de ser considera- dos: primeiro, que mesmo uma empresa pilblica “produtiva” atende a objetivos sociais, do que decorre no serem os critérios de eficiéncia econémica e de lucra- tividade plenamente adequados para a avaliagio de empresas de propriedade do Estado. Hf que se considerar outros critérios capazes de acompanhar 0 atingimen- to dos objetivos néo-econémicos relacionados com polfticas piiblicas. Segundo, a decisio nao considerou a questo da legitimidade: podem auditores particulares, legitimamente, compensar ou substituir a auséncia do controle politico das organi- zacées piiblicas? Sant’Anna’* critica severamente a pritica da contratagio de auditores privados para o exerc{cio de fungées de controle externo. Nega-Ihes qualquer legitimidade polftica, porquanto nao satisfazem qualquer critério de representatividade. Werner Baer“ advoga o controle aberto das empresas puiblicas por uma entida- de controladora mista, que incluiria representantes do governo, da comunidade empresarial, dos trabalhadores e dos gerentes de nfvel intermedidrio da hierarquia. Montoro‘ também defende a composi¢a0 mista dos Srgios colegiados — com po- der de decidir sobre polfticas e/ou incumbidos da avaliacio do desempenho de or- ganizagao piiblica. Todavia, a administracdo publica brasileira tem sido muito cau telosa quanto a admitir representacio mista de agentes relevantes no processo de controle de Srgaos pilblicos.*? 7. Conclusdo O conceito de accountability explorado neste trabalho salienta os limites dos me- canismos de controle formal gerados no interior da burocracia, Esta sec4o resume 0s resultados do processo de aprendizagem e indica algumas possibilidades de se reduzir 0 hiato entre 0 desempenho do governo e as necessidades do cidadao. Primeiro, aprendeu-se que uma burocracia responsdvel € conseqiiéncia de um so- matério de dimensées contextuais da administragéo piiblica. O grau de accounta- bility de uma determinada burocracia é explicado pelas dimensées do macroam- biente da administrac&o publica: a textura politica e institucional da sociedade; os valores e os costumes tradicionais partilhados na cultura; a histéria. Desretou? 1.537, de 16 de agorto de 1985. Sant’anna, R. Igamento das contas pblicas. In: Jornal do Bras. 7 fev. 1987. Baer, Werner. Sobhe ocontole dat ase 200 empresas estatais. In: Foatha de § Paulo, 29 jun. 1986. 41 Montoro, A. Democracia e seriedade, In: Jornal do Brasi, 21 jun. 1987. Quandoest trabalho era escrito bavia rojeto de Constitucéo,elaborado pelas Comissdes da Ascembleia Constituinte dos direitos coletivos, chegou a propor a représentaco mista, nos Srpios de con- trole das entidadespalblicas, bom Gomo a democratizae Ge formagbes sobre Orglos publicos, seus pro= ‘gramas € recursos. Accountability a7 A segunda aprendizagem diz respeito ao papel do desenvolvimento politico na tra- jet6ria para tomar as burocracias responsdveis: h4 uma relacio de causalidade en- tre desenvolvimento polftico e a competente vigilancia do servico publico. Assim, quanto menos amadurecida a sociedade, menos provAvel que se preocupe com a accountability do servigo piblico. Portanto, ndo surpreende que, nos pafses me- nos desenvolvidos, nao haja tal preocupag4o. Nem mesmo sente-se falta de pala- vra que traduza accountability. Quando a indigéncia polftica for superada e 0 te- cide institucional fortalecido, € provavel que surja 0 conceito e, s6 entdo, surja a palavra para traduzi-lo. Por enquanto, qualquer tentativa apressada de cunhar uma palavra seria desprovida de significado, pois nao faria parte da nossa realidade. A terceira conclusdo refere-se & baixa contribuicao dos diversos esforgos de re- formas da administracio publica e & precariedade dos controles formais ag longo da histéria para tornar a administragdo publica brasileira mais accountable ao seu piblico, A jomada de aprendizagem evidenciou que a falta de accountability da nossa bu- rocracia decorre do padrao de relacionamento entre Estado € sociedade. A estrutu- ra ¢ a dinamica do guvemo tém favorecido, na pritica, 0 domfnio do Executivo Federal, @ custa dos outros nfveis de governo, dos Poderes Legislativo e Judiciério , sobretudo, da qualidade de vida do povo. Ficou claro também que os controles formais internos a burocracia nao sao sufi- cientes para garantir a accountability da administragdo publica; accountability de- pende também de fatores externos 4 burocracia. A pergunta que se coloca agora diz respeito &s possibilidades de que a situagdo da burocracia brasileira se altere no futuro, No que conceme ao funcionamento da administracao piiblica, a alteragdo de- mandaria a ampliacgao de controles burocriticos em dois sentidos: primeiro, no sentido da redefinicao conceptual de controle e avaliacio, para incluir outras di- mensées de desempenho como efic&cia, efetividade e justica social e politica. Se- gundo, no sentido de expandir o mimero de controladores e a sua representativi- dade, reforgando a propria legitimidade do controle. As possibilidades de tornar a administragao piiblica amena a controle politicos, como se viu, vio depender de reversao do padrao de tutela que tem caracterizado © relacionamento entre governo e sociedade. Tais possibilidades esto relaciona- das: ~ &s chances de que os cidad4os brasileiros — até aqui politicamente adormecidos — despertem e se organizem para exercer 0 controle polftico do governo; ~ Bs chances de que o aparato governamental, conformado ao passado de autorita- rismo e centralismo, seja remodelado, tornando-se descentralizado ¢ transparente para os cidadaos; - &s chances de que valores tradicionais, que tm apoiado o “formalismo democré- tico”, sejam substitufdos por valores sociais emergentes, Quanto as oportunidades de que o torpor polftico venha a ceder a vez & mobili- Zagao politica, observa-se entre os estudiosos um forte pessimismo. Debita-se a opgéo econémica pelo capitalismo monopolista ¢ dependente a excluséo polftica da maioria, social e economicamente prejudicada. Observa-se também muito pessimismo em relagéio As oportunidades de recupe- rao do conceito de res publica, numa cultura polftica tio permeada pelo cliente- lismo. O clientelismo oficial sempre foi largamente aceito como prftica adminis- trativa em todos os nfveis de governo, quer no Executivo, quer no Legislativo. Os polfticos ainda hoje confiam muito no clicntelismo para intensificar a estabilidade 48 RAP. 2/90 polftica, Entre os cidadaos nfo-organizados, h4 um sentimento de insanfvel im- poténcia ante préticas clientelistas, embora a imprensa j4 comece a se movimentar denunciando alguns casos, ‘No que se refere as chances de reestruturaco do governo e do estabelecimento de regras de cardter social incentivadoras de efetiva participag&o em decorréncia da nova Constituigéo, as perspectivas combinam pessimismo com um otimismo moderado, O pessimismo vem de muitas reagdes observadas em membros conser- vadores da Assembléia Constituinte, diante das proposicées inovadoras que pu- xam por maior descentralizacao politica e fiscal. Quanto a abertura do processo de tomada de decisées do governo e & transpar€ncia da administracao piiblica, scnte- se uma emergente aceitacdo da necessidade de organizagées pilblicas se abrirem as suas clientelas, sobretudo a nfvel local. A nfvel federal, a burocracia apresenta ainda dificuldade até em “‘operacionalizar” a abertura. Previsdes moderadamente otimistas fundamentam-se nas bem-sucedidas expe- riéncias de organizac4o de cidadania, com caréter social e associativo.‘* HA sufi- ciente registro de interesses articulados em torno de demandas concretas relacio- nadas as condigées de vida, infra-estrutura urbana, servicos sociais, protegio do poder de compra dos cidadiios.** Previsdes otimistas séo também fundamentadas na observacao de iniciativas bem-sucedidas de governos estaduais e municipais, que procuram trazer para as cidades a tradig&o de solidariedade ainda praticada em zonas rurais, através das quais se procura recriar a autoconfianga entre os pobres urbanos: 0 muutiraio. Ex riéncias de construgfo solidéria de casas pelos préprios moradores, com assisté cia das autoridades, multiplicaram-se em muitas cidades. Vale a pena mencionar também o efeito-cadeia da experiéncia de construgiio de casas em outras experiéncias de mutiréo: saneamento participante, desenvolvimen- to ecoldgico, construgao de unidades de satide e de escolas, de atividades sociais, culturais, esportivas,'* Cabe ressaltar que 0 mutirdo traz também esperanga de desenvolvimento politi- co auto-sustentado, na medida em que, além de envolver a participagio popular, tende a reduzir o torpor polftico. Ao criar um novo padrao de relacionamento coo- perativo entre a populacao e as autoridades locais, o mutirao desmitifica 0 “go- verno como tutor” ¢ aproxima as autoridades piblicas das clientelas. Por fim, mas maO menos importante, sua pr&tica estimula o reencontro da sociedade com a coo- peracao, a organizacio comunit4ria e a autoconfianga. “2 ‘Sachs, Celine. Mutirio in Brazil, initiatives for selforeliance, In: Development: Seeds of change, SID, 1986, p. 4; 65-9 — faz refer€ncia 2 1.300 associagdes de vizinhanga em $0 Paulo; 178 reagruparamese na Federagio das Associag5es de Moradores (Famer}), no Rio de Janciro; h& dezenas de milhares de comunida- dps eclesias de base, “*’ Ein 1986, mutuérios do Sistema Financeiro de Habitagdo organizaram-se ¢ conseguiram anular uma al- teragfo arhitrdria nas regras de seus contratos com o Sistema, Em 1987, outra decisio arbitréria sobre a re~ tengio do imposto de renda fo revista, depois que grupos organizados dé presio agiram junto a0 Ministerio "zen “® (© mutirdo assume formas diferentes de cooperacio entre a sociedade civil, o Estado ¢ 0 mundo empresa~ rial, Em alguns casos, cria possibilidades locais de trabalho, usa a tecnologia apropria . Tego dessas escolas; a produc&o da merenda escolar com Hicipagko da unidade itica corre: ‘no sistema escolar do estado de Sio Paulo. Paticipas “on ‘ump me Accountability 49 Summary Starting from her amazement on the meaning of accountability and the absence of a word to translate it into Portuguese, the author explains how the absence rela- tes to the political and cultural limitations that prevail in Brazilian society. She analyzes the structural traits and the dynamics of Brazilian public administration, with special emphasis on both intemal and external control mecanisms. In her con- clusion, the author explores some possibilities for fostering public service accoun- tability in Brazil; they include the establishment of performance criteria based on effectiveness and responsiveness; decentralization of an authoritarian government aparatus; and the increasing mobilization of the citizenry. Before these possibili- ties mai realized, any attempt to translate the accountability into Portuguese would be void. 50 RAP. 2/90

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