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Acconstituigao do mundo psiquico na concepgao winnicottiana: uma contribuigao a clinica das psicoses Manoel Anténio dos Santos Universidade de So Paulo Resumo Aimportancia da obra de Winnicott para a psicanalise vem sendo reafirmada nos ultimos anos, junto ao seu interesse crescente para o campo das psicoses. O propésito do presente estudo é apresentar as bases tedricas dessa que 6 uma das abordagens mais fecundas para a compreensdo do fenémeno psiquico, ndo apenas em condigdes patolégicas, como em condigées normais de desenvolvimento, Trata-se de um arcabougo conceitual que nos permite pensar a problematica resultante das organizagées nao edipianas do aparelho psiquico, cujas incidéncias na clinica contemporanea sao cada vez mais freqiientes. Enfoca-se, sobretudo, a génese da ‘organizagao psicética, em suas relagdes com a constituig’o do mundo intemo e o papel estruturante do objeto da experiéncia iluséria no desenvolvimento psiquico. Palavras-chave: Psicanalise; abordagem winnicottiana; objeto transicional; realidade psiquica; psicoses. The constitution of the psychic world in winnicott’is conception: A contribution to the clinical treatment of psychosis Abstract Over the last few years, the importance of Winnicott"'s work for psychoanalysis has been reaffirmed together with its growing interest to the field of psychosis. The purpose of the present study was to present the theoretical basis of this approach, which is one of the most fecund for the understanding of the psychic phenomenon, not only in pathological conditions but also in normal developmental conditions. This is a conceptual framework that allows us to reflect about problems resulting from non-oedipal organization of the psychic apparatus, which incidence in ‘contemporary clinical practice is increasingly frequent. Major emphasis is placed on the genesis of psychotic ‘organization, on its relations to the constitution of the inner world and the structuring role played by the object, and the illusory experience in the psychic development of the human being. Keywords: Psychoanalysis, winnicottian approach; transitional object; psychic reality; psychosis. As contribuigdes de Winnicott enriqueceram a concepeao psicanalltica sobre as bases do desenvolvimento ‘emocional precoce (Winnicott, 1945/1978), principalmente no que conceme ao conceito de fendmenos ¢ objetos transicionais, produzidos em uma area intermediaria situada entre o mundo intemo e o mundo externo. Winnicott formulou uma concepgao sobre a constituigao do mundo interno bastante original, afastando-se da doutrina freudiana a medida que nao recorre a teoria pulsional. Se para Froud o objeto 6 pensado como objeto da pulsdo (Laplanche & Pontalis, 1967/1983), na vertente winnicottiana 0 objeto adquire outro estatuto, relacionado a ‘experiéncia da transicionalidade e nao mais a organizagao pulsional do sujeito. ‘A importéncia da obra de Winnicott para a psicandlise vem sendo reafirmada nos tiltimos anos. Seu interesse para ‘©. campo das psicoses, em particular para a investigagao da esquizofrenia, tem sido cada vez mais valorizado, & medida que essa patologia caracterizada essencialmente pelo transtorno do pensamento, a preocupacao com © desenvolvimento da capacidade de pensar por conta prépria é um trago distintivo da psicandlise winnicottiana Winnicott (1963c/1983) considera a esquizofrenia como resultado de certas falhas de construcéo da personalidade, decorrentes de um ambiente que néo péde ser suficientemente facilitador para ajudar o lactente a atingir varias metas, tais como a integragdo, a personalizacao e o desenvolvimento das relagdes objetais. A ‘esquizofrenia faria parte do quadro das doengas mentais propriamente ditas, isto €, aquelas doengas que nao sao conseqiiéncia secundaria das patologias cerebrais ou de qualquer outra doenca organica. O termo mental é aqui ‘empregado em sua conotagao tradicional, ou seja, excluindo-se as "doengas do cérebro” e as "doengas do corpo". O presente artigo tem como propésito apresentar a concepgao de mundo interno elaborada por Winnicott sistematizar suas contribuigoes no que conceme & constituigao dos fundamentos da organizagao psicética, Tendo ‘em vista esses objetivos, procuraremos ao longo de nossa exposigao tragar um paralelo entre os processos normais de estruturacao do psiquismo e as suas perturbagdes correlatas observadas na personalidade psicética. Procuraremos explicitar, no decorrer de nossa argumentagao, 0 vértice que privilegiamos em nossa leitura, segundo 0 qual a psicose esté ligada a privagao emocional em um estadio anterior aquele em que o bebé possa perceber essa privagdo. Isso acarreta uma interrupgao no sentimento de continuidade do existir, que nem sequer & experimentada como tal, dada a indiferenciagao em relagao ao ambiente. Ateoria winnicottiana acentua o papel do ajustamento defeituoso do ambiente em relagao as necessidades da crianga, atribuindo um papel secundario a sua reagao. Em nossa exposi¢ao, procuraremos demonstrar que essa contribuigao introduz um pensamento original dentro do referencial psicanalitico, cujas conseqliéncias tanto conceituais como clinicas necessitam ainda ser pensadas. Os Primérdios do Desenvolvimento Emocional No quadro de sua teoria do desenvolvimento emocional, Winnicott (1945/1978) enfatiza que no principio o bebé no constitui uma unidade em si mesmo. A unidade corresponde a uma organizago entre o individuo e o meio ambiente. A base da satide mental ¢ estabelecida nos primérdios da infancia pelo provimento de cuidados dispensados a crianga por uma mae suficientemente boa. © bebé depende da disponibilidade de um adulto genuinamente preocupado com os seus cuidados, isto é, que possa contribuir para uma adaptagdo ativa e sensivel as necessidades da crianga, que a principio séo absolutas. Portanto, a psique sé pode ter origem dentro de um determinado enquadre, dentro do qual a crianga pode gradualmente vir a criar um meio ambiente pessoal, que a capacitara, mais tarde, a se desembaracar do mesmo. Para superar esse estado inicial de dependéncia e atingir a independéncia, o meio ambiente criado e subjetivado pela crianga transforma-se em algo suficientemente semelhante ao ambiente percebido. Essa é uma etapa especialmente delicada do desenvolvimento e de seu sucesso depende o estabelecimento da satide ou da psicose. Winnicott (1952/1978) parte do ponto de vista de que a aquisigao saudavel da posigao depressiva no desenvolvimento emocional pressupée, além de um cuidadoso manejo do desmame, um desenvolvimento anterior adequado. Para compreender as psicoses, precisamos remeter a esses estadios mais primordiais da psique. A desilusdo, para Winnicott (1952/1978), 6 um fenémeno mais amplo que antecede ao desmame. Enquanto 0 desmame implica uma alimentagao bem-sucedida, a desilusao esta relacionada ao formecimento adequado de “oportunidades para ilusao”. Ou seja, a mae deve inicialmente fomecer ao bebé a ilusao de que o que ele cria est mesmo la para ser encontrado. O desenvolvimento saudavel estd relacionado ao estabelecimento de uma tendéncia a redugao dos estados esquizéides nos momentos iniciais da vida, quando o bebé esta sendo gradualmente introduzido a realidade externa, Para Klein (1946/1982), o amor e a compreensao matema so capazes de reduzir os estados de desintegragao que a crianga normalmente vivencia. Winnicott (1952/1978) avanga por essa trilha, mostrando a necessidade de uma mae-ambiente que exer¢a uma fungao altamente especializada no inicio do desenvolvimento. A dedicago materna, tanto do ponto de vista fisico (através do holding) como psicolégico (através da relacao ‘empatica e da adaptacdo sensivel as necessidades do beb8), funciona como uma espécie de membrana protetora que viabiliza 0 isolamento primério, fundamental para que se articule um espago psiquico. Em outras palavras, através de uma adaptagdo ativa as necessidades da crianga, o meio ambiente a torna capaz de permanecer em um estado de isolamento imperturbado, ocupando um espago em que ela possa desenvolver sua vida de fantasia | um mundo secreto sentido como s6 seu, onde mais tarde vai se alojar um aparelho psiquico e uma organizaco dos processos de pensamento. O beba, que nao tem consciéncia desse suprimento por parte do objeto, entrega-se & fruigéo de um movimento espontaneo. Se tudo correr bem, o meio ambiente é descoberto, ‘sem que haja uma perda do sentido de seff. Quando, entretanto, ocorre uma adaptagao falha as necessidades da crianga, e isso a obriga a reagir a essa ‘experiéncia |) sentida como invasiva , 0 sentido do self se perde. A crianca se afunda no ndo-senso, isto é, na impossibilidade de atribuir significado, nomear e organizar as experiéncias sensoriais e o préprio corpo, devido a fenda profunda que o atravessa. Nesse caso, a crianga reage a essa experiéncia traumatica retornando ao estado inicial de isolamento, ‘A medida que se reitera a experiéncia de uma adaptagao nao suficiontemente boa, comega a ser produzida uma distorgao psicética da organizagao meio ambiente-individuo. As relagdes com os objetos produzer sucessivamente, a perda do sentido de integridade do self, de modo que, para recuperé-lo, o individuo ¢ obrigado a recorrer cada vez mais ao retorno ao isolamento primario, Essa operagao vai adquirindo um carter crescente de organizagao defensiva como reptidio a invaséo ambiental. O self pode ser esmagado no espago da realidade que ele nunca alcanga e da subjetividade que carece de sentido. 0 fracasso ambiental nesse ponto do desenvolvimento acirra o potencial parandide. O bebé se vé obrigado a se defender de intensas ansiedades parandides, e para tanto organiza defesas igualmente vigorosas. Além disso, recolhe-se para seu préprio mundo interno (introversdo patolégica), um mundo que ainda nao esté bem organizado. Para se livrar da perseguigdo do ambiente, deixa de adquitir 0 status de unidade, “renunciando" ao compromisso de crescer e conquistar sua prépria autonomia. Essa é a verso pessoal que Winnicott (1952/1978) da para o conceito de posi¢ao esquizoparanéide descrito por Klein (1946/1982), Neta introduz, contudo, uma diferenga fundamental om relagdo ao pensamento Kleiniano, que tle nao deixa de acentuar: 6 0 fracasso ambiental nos primérdios do desenvolvimento que leva a edificagao dessa organizagao defensiva, e nao um suposto impulso de auto-aniquilamento, um sadismo destrutivo inato ou qualquer tendéncia que possa ser atribuida a hereditariedade (loparic, 1996). Nesse ponto, podemos detectar a dissensao de Winnicott (1945/1978; 1952/1978) em relagao a importancia que Klein (1946/1982; 1957/1974) atribui a heranga filogenética, aos precursores do édio e aos prentincios da inveja, como constituintes da mattiz de impulsos, defesas e ansiedades primitivas. Segundo Loparic (1996), para Winnicott esses fenémenas nao tém raizes em profundezas oceanicas, nem sao tdo inevitaveis assim na histéria dos seres humanos, Parafrasendo a famosa frase atribuida ao poeta francés Paul Valéry, também para Winnicott "o mais profundo é a pele". Uma Teoria do Amadurecimento Humano Winnicott (19630/1983) considera que, para compreendermos as desordens do tipo da esquizofrenia, é necessério ‘examinarmos 0s processos de maturagao nos estagios iniciais do desenvolvimento emocional, uma época em que muito desse desenvolvimento esta se iniciando e nenhum processo se completando. Nesse momento, as tendéncias basicas correspondem a maturacdo e a dependéncia. Apsicanélise winnicottiana implica uma teoria do amadurecimento humano. Como vimos, as bases da saiide mental do individuo so estabelecidas nos estadios iniciais do desenvolvimento, e envolvem basicamente os processos de maturacao, que sao tendéncias herdadas, @ as condigdes ambientais necessérias para que eles se realizem (Winnicott, 1963b/1983). Mas nao é 0 ambiente que faz 0 bebé crescer, nem determina o sentido desse crescimento, mas apenas facilita, quando for suficientemente bom, o processo de maturacao.A tinica heranca admitida por Winnicott 6 o potencial inato para o amadurecimento, que ocorre entre dois estados de néo-vida * Toda a existancia decorre nesse intervalo entre o ndo-ser ¢ o ser, na luta do individuo para no sucumbir aos estados de dissolugao e estender, ao longo do tempo, a continuidade do seu ser, mediante o funcionamento do proceso maturacional. Essa continuidade nao pode ser assegurada pelo individuo por si s6, mas depende de um meio ambiente facilitador. Por conseguinte, a falha da proviso basica inicial perturba os processos de maturagao, barrando 0 ccrescimento emocional da crianga. Nesse sentido, o que constitui a etiologia das psicoses, em particular da ‘esquizofrenia, é uma falha do proceso de maturagao e integragao. "Psicose é uma doenga de deficiéncia do ambiente" (Winnicott, 1963b/1983, p. 231) 4 . Isso nao deve ser entendido como a presenga de experiéncias traumaticas severas ou a ocorréncia de eventos adversos durante a primeira inféncia * . O ponto central é que essas falhas so imprevisiveis. Elas nao podem ser consideradas pelo bebé como projecdes, porque ele ainda nao atingiu um estado tal em que a estrutura de ego torne possivel atribuir ao ambiente a produgao desses fracassos, 4 que no ha uma oposicao inicial entre 0 externo @ o interno ® . O resultado mais marcante das falhas ambientais 6 um sentimento permanente de aniquilamento e panico que toma conta do bebé. A continuidade de sua existéncia 6 subitamente interrompida Loparic, 1996). Winnicott (19630/1983) chama essas falhas da provisao basica de privacdo, opondo esse conceito ao de perda, que, ao tratar das psicoses, ele nao se refere Aqueles casos intermedidrios, em que a provisao ambiental é boa de inicio (logo, ha uma mae que evita esse tipo de deficiéncia em um primeiro momento), e depois falha em um estadio em que a crianga ainda nao foi capaz de estabelecer um ambiente intemo que Ihe permita ficar independente. Isso é uma perda e nao leva a psicose. O que mostra que a psicose nao pode ser explicada no ‘quadro da fungao sexual. © complexo de Edipo uma fungao do amadurecimento, ¢ ndo o inverso (Loparic, 1996). E pode ocorrer de ele nem se formar, ou que os efeitos da situagdo edipica nao incidam sobre o individu, a tal ponto que o complexo possa ser sentido como tal. Por essa viséo, 0 que especifica a condigao humana nao é o fato de sermos, desde 0 inicio, um Eaipo em potencial (Loparic, 1996), mas de sermos seres frageis, fnitos, que precisam de um outro ser humano para continuar existindo. A sofisticada metapsicologia freudiana, apesar de todo o seu aparato dinamico e estrutural, tem um poder limitado para explicar os transtornos nos quais incidem as angUstias impensaveis, que cada vez mais tém se transformado no paradigma da demanda de tratamento na época contemporanea. Essa afirmagao no se baseia em dados de pesquisa, ainda nao disponiveis nessa area, mas em observagées, no sistematicas oriundas da experiéncia olinica de psicanalistas como Alvarez (1994) e Zimerman (1999), que tém constatado que "...a maioria das pessoas que hoje procura andlise apresenta importantes problemas caracterolégicos, de baixa auto-estima e de prejuizo do sentimento de identidade, derivados da permanéncia de um estado depressivo subjacente, muitas vezes resultantes das primitivas feridas narcisisticas" (Zimerman, 1999, p. 312). Como ressalta Loparic (1996), € preciso buscar novos modelos explicativos para lidar com esses casos que interrogam os limites da psicandlise, uma vez que a metapsicologia nao é capaz de, por si s6, elucidar a esséncia tragica do homem contemporéneo, com sua existéncia fraturada e descontinua. Desse moda, investigando as particularidades dos fenémenos que tém origem nesses estadios mais elementares do existir humano, segundo Loparic (1996), Winnicott rejeita a idéia do conflito edipico como motor do desenvolvimento psiquico e fonte precoce das neuroses. O que move o bebé, segundo ele, o proprio fato de estar vivo, O bebé nao deseja incorporar a mae, e muito menos castrar o pai (Winnicott, 1987/1990), Tudo o que cle anseia 6 a presenga reasseguradora da mae, que Ihe inspire uma confianca basica em si mesmo e no mundo. Somente quando 0 seu contato com a mae-ambiente for salisfatério, o bebé poderé adquirir a capacidade de usar os seus mecanismos mentais. ‘As Angustias Impensaveis De acordo com Loparic (1996), Winnicott, em sua obra, reconheceu que nas psicoses ¢ em outros disturbios severos correlatos as angiistias macigas nao parecem se enquadrar no classico modelo da regressao aos pontos de fixacdo pré-genitais, vinculadas ao conflito edipico mal resolvido (ver também Winnicott, 1955/1978). Nesses pacientes, ndo é possivel identificar a origem da problematica em termos de dificuldades de resolucao de um ‘complexo de Edipo plenamente desenvolvido. Ainda que tenha acatado, inicialmente, as reformulacées Kleinianas ‘om termos da posigao depressiva, Winnicott acabou se convencendo da existéncia de problemas iniciais do desenvolvimento humano que desencadeiam 0 que ele denominou de anguistias impensdveis, que ndo podem ser entendidas por meio da concepgao edipiana 7 Segundo Loparic (1996), so angtistias relacionadas nao a fungao sexual, mas as muttiplas ameagas ao sentimento de existir que assolam o bebs, tais como o temor do retorno a um estado de ndo-integragao (levando a0 aniquilamento e a ruptura da linha de continuidade do ser), o medo da perda de contato com a realidade e 0 temor da desorientagao no espago, o panico do desalojamento do préprio corpo (0 despencar no vazio) e de um ambiente fisico imprevisivel, etc. Essas anguistias primarias sao impenséveis porque nao podem ser definidas em termos de relagdes pulsionais de objeto, baseadas no modelo representacional (isto &, relagdes mediadas por representagdes de objeto, ou seja, representacdes mentais). Ocorre que tais angiistias ndo acedem a percepgao, nem chegam a ter um estatuto de fantasia, e & medida que nao ganham contetido representacional, sao impedidas de alcangar a simbolizacao. Essas angiistias eclodem em uma etapa bastante precoce da vida, antes que tenha sido claramente configurado um sujeito capaz de experimenté-las como algo interno, Os estados que as originam precedem, portanto, ao inicio da atividade dos mecanismos mentais e das forgas pulsionais, o que implica que essas angustias ndo possam ser ‘compreendidas em termos do conflito gerado pela situagao edipica, Pode-se, entao, interrogar sobre sua verdadeira origem. Essas angiistias assaltam a mente do bebé em um estagio do desenvolvimento primario quando hd 0 encontro com um mundo sentido como incompreensivel. Ou seja, tudo comega com o nascimento, que é um problema fundamentalmente do bebé, nao da mae (Loparic, 1996). E 0 bebé, como tal, no existe no inicio, segundo a conhecida expressao de Winnicott (1971/1975). H& apenas uma configuracai inicial e indissolivel, formada pelo bebé e o ambiente, do qual a crianga nao se diferencia. Isso porque nenhuma distingao primordial entre o interno e o extemno & pressuposta, como em Melanie Klein. O que para Klein constitui o bom objeto (seio bom), para Winnicott resume-se to somente & maternagem acompanhada da amamentagao. Em contrapartida, nao existe algo semelhante a um mau objeto (seio mau), alvo de sucessivos ataques desferidos pela crianca. E, a medida que nao hd nogao de exterioridade, nao se pode falar de mecanismos de proje¢o ou introjego operando desde o nascimento. Sé é possivel projetar se hé um continente para acolher a projegdo. Em uma situag4o como essa, 0 bebé ndo pode sentir édio pelo objeto, pois, ndo sabe 0 que é possuir algo diferente de si mesmo. A propria capacidade de possuir e de usar 0 objeto (evolugao da "relagao de objeto" para o "uso do objeto") deve ser construida na relagao satisfatéria com a mée- ambiente (Winnicott, 1969/1975a), Para Klein (1946/1982), a énfase esta posta no interno, enquanto que para Freud (segundo Pereda, 1997) a angiistia ¢ sempre marcada pela caréncia dos primérdios e pela perda do objeto (ou nas fantasias de castragao). Ou seja, se em Klein importa a pulsao de morte, em Freud contam as perdas. Jé Winnicott (segundo Pereda, 1997) introduz a importancia radical do outro no processo de estruturagao da subjetividade, rompendo com a dicotomia interno-externo. *O que ele descreve em sua transicionalidade é a perda do objeto para que surja 0 ‘sujelto. Objeto que “idemora” em sua representacdo mais auténoma (disponibilidade {da representacao), que se encarna nele perdendo-se (metafora a meio caminho, que € objeto transicional), mas que finalmente desaparece e marcaré com isto a simbolizagao ‘mais acabadamente realizada e a disponibilidade da fantasia’ (Pereda, 1997, p. 85). Talvez 0 que sobreviva nao seja o objeto (que existe para ser "morto"), mas o sujeito marcado pela perda ou pela destruigdo do objeto, testemunhando o aparecimento da fantasia, como uma “metafora viva" que dé acesso a0 pensamento e a cultura. Winnicott destaca que no estabelecimento da alteridade algo se perde ao se adquitir essa ‘conquista. Ja as falhas e distorgdes do brincar (proceso simbélico) levam a formacao de formagGes e divises, que Se estruturam em pseudo-identificagdes, na linha do falso self. As perturbagdes ou a detencao do brincar criam condigdes para 0 desenvolvimento de patologias infantis ¢ a base para os transtornos do adult. AExperiéncia lluséria e 0 Advento do Objeto Transi nal 0 éxito do desenvolvimento, que permite avangar no sentido do objeto percebido como exterior ao self, est intimamente ligado a capacidade da crianga de se sentir real. Essa capacidade tem ainda que se harmonizar com ‘a nogao de se sentir real no mundo e de sentir que 0 préprio mundo 6 real. O esquizofrénico nao pode alcancar

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