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A TRIBUTACAO DOS RENDIMENTOS DO SOFTWARE OBTIDOS POR NAO RESIDENTES Francisco De Sousa DA CAMARA (*) 1. INTRODUCAO A informitica e 0 software sio realidades com que convivemos diaria- mente e que tém sido praticamente abandonadas pelo direito tributério nacio- nal, tanto no plano positivo como no dominio doutrinal e jurisprudencial. A semelhanga do que era ainda a pratica corrente no estrangeiro, os cédigos dos impostos sobre o rendimento, aplicaveis desde 1 de Janeiro de 1989, nao previram um regime fiscal especial para o sofiware ("). Mas, mais do que isso, as normas de incidéncia do Cédigo do IRS nao se refe- rem sequer a0 software ou a programas de computador (expressées utili- zadas como sinénimos para efeitos deste trabalho). Apesar de tudo, essa (*) © Autor agradece os comentarios e sugestées da Doutora Claudia Trabuco, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, e dos Drs. Tomés Vaz Pinto e Eduardo Maia Cadete, advogados da Morais Leitio, & Galvao Teles, Soares da Silva & Asso- ciados, os quais ido so obviamente responsaveis por eventuais erros existentes neste texto © Situago que tanto era constatada entre nés como no estrangeiro. Maria Eduarda Azevedo referia expressamente nas vésperas do inicio da vigéncia dos cédigos :«o tratamento fiscal presentemente conferido ao software assenta, na maioria das experiéncias, nos prin- cipios, conceitos e disposigdes gerajs das leis tributérias vigentes em cada pais» e John Jones € Robert Mattson, os relatores-gerais do t6pico Tax Treatment of Computer Software, no Ambito do congresso anual da IFA, realizado em 1988 em Amsterdao, confirmavam, na sequéncia da andlise de todos os relatérios nacionais apresentados ao congresso, que nenhum sistema fiscal nacional continha um regime compreensivo de regras para 0 software Maria Eduarda Azevedo, "A proteccao juridica e o regime fiscal do software", Fisco n.° 2, 15-11-1988, pégs. 11-13 (assim, pag. 12), e John B. Jones e Robert N. Mattson, "General Report — Tax treatment of computer software", Cahiers de droit fiscale international, vol. LXXINb, pags. 19-44 (assim, pag. 25) Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 198 Francisco de Sousa da Camara simples omissio nao permite concluir, como € dbvio, que os rendimentos com aqueles relacionados nio estao sujeitos a imposto. Volvidos 15 anos sobre a reforma fiscal verificamos, com alguma sur- presa, que esta realidade que tanto se desenvolveu no plano profissional como pessoal (para l4 de ter entrado em todas as empresas, instalou-se nas casas dos portugueses), nfo s6 tem sido descurada, como tem dado ori- gem a introdugo de regras avulsas, As quais faltam os suportes de base e a moldura indispensdveis a um regime préprio, s6lido e consistente. Neste dominio colocam-se, portanto, varias questdes que nos levam a questionar se o presente regime, elaborado num tempo em que raros eram 0s computadores nas empresas, nas escolas, nos lares. dos portugueses, etc., € que tem sido objecto de pequenas modificagdes, muitas vezes apres- sadas, ndo exige uma revisao aprofundada, global e capaz de dar resposta aos problemas de hoje e do amanha... O estudo integral da tributago dos programas de computador exige, naturalmente, que se identifique o seu objecto — a sua natureza e carac- terizagdo — mas requere concomitantemente, que se apresente um quadro que retrate o tratamento dessa mesma realidade [a sua criagdo ou aquisi- do, alteragao, transmissao (total ou parcial), etc.] em sede dos diferentes impostos ¢ que a ilustre quer no plano das relagdes econémicas puramente domésticas quer internacionais, tanto mais que a generalidade destes pro- dutos ou direitos sao alienados ou cedidos por entidades estrangeiros a residentes em territério nacional. Acresce que os contratos que erivolvem a alienagio ou cedéncia de programas de computador incluem, com frequéncia, cléusulas que regulam as prestagGes de servicos que tanto podem ser caracterizadas como tal, como podem, eventualmente, corresponder a servicos de assisténcia téc- nica e, em certas circunstancias, prevéem também a cedéncia de know-how. Sendo assim, estes contratos exigem muitas vezes uma dissecagdo que permita caracterizar os diferentes tipos de pagamentos realizados a entidades residentes ou nao residentes... Nao obstante, no plano doméstico ser j4 muito relevante caracterizar a natureza do bem e o tipo de pagamento para efeitos de determinar 0 regime fiscal aplicdvel a cada operagio (2), no plano internacional essa © curioso, por exemplo, verificarmos que o legislador incluiu os programas de computador no ambito dos activos corpéreos para efeitos das regras de amortizagio (Cédigo 2440 da Divisio 1, Grupo 5 da Tabela I anexa a DR n.° 2/90, 12-1), dando, por- ventura, prevaléncia 20 material ou bem fisico (e.g. cassetes, disquetes, CD-ROM, DVD, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagdo dos rendimentos do software obtidos por néo residentes 199 importancia recrudesce em virtude de dar origem a interpretagées do tipo “tudo ou nada", as quais, encabecadas por teses maximalistas ou minima- listas, tanto se batem a favor da tributacZo como da nao tributagio em cada operacao que envolve o software. Nos antipodas encontramos aqueles que em tudo véem pagamentos de royalties justificados pela cedéncia de direitos de autor e aqueles outros que apenas detectam pagamentos pela prestagdo de servicos tout court e que, mercé da aplicagio e conjuga¢ao das normas internas com as normas con- vencionais, nao dao origem a tributagaio no Estado da fonte, quando os agen- tes econdmicos se encontram em dois Estados distintos. Uma realidade tao importante nos nossos dias como é 0 software, que implica transacgGes didrias muito significativas nio sé considerando os activos subjacentes como os montantes envolvidos, exige que se consagre uma atencdo € um tratamento que dissipe as dtividas sobre a sua caracte- rizagio e elimine a incerteza geradora de equivocos, de iniquidades e que, em iiltima instancia, é responsavel pelos abusos cometidos por uns ¢ outros a coberto de uma ténue réstia de razao... Sem prejuizo da necessidade urgente de tratar toda a problematica da tributacao do software, para efeitos deste artigo sé nos interessam estudar as situagGes decorrentes da alienagiio de software ou da cedéncia de direi- tos de utilizagdo de uma licenga de software por parte de sociedades nao tesidentes e sem estabelecimento estavel em territério Pportugués, ao qual, eventualmente, pudesse ser atribuido qualquer rendimento de fonte nacio- nal por efeito daquelas operagées (3). Com este propésito procuraremos comegar por tragar o quadro posi- tivado nos cédigos dos impostos sobre o rendimento e por caracterizar os fita magnética) em que aquele programa se encontra registado, mas que a administragio fis- cal considerou, pelo menos, num caso conereto, que os ganhos obtidos com a sua aliena- do no davam origem as mais-valias previstas no entio artigo 44.° do CIRC ¢ artigo 18.° do EBF (nao permitindo, portanto, a possibilidade de reduzir a tributagio por efeito do rein- vestimento) ¢ 0 Supremo Tribunal Administrativo sufragou tal tese, entendendo numa ané- lise casuistica que o programa de computador concreto, estava sujeito a deperecimento € no se destinava ao mercado, pelo que integrava 0 activo imobilizado incorpéreo (cfr. Rec 1? 25.397, Ac. STA 08-03-2001). © Como € sabido, caso tais rendimentos fossem obtidos por sociedades residentes ou estabelecimentos estaveis localizados em territério portugués, os mesmos seriam tribu- tados como proveitos & taxa normal (25%), perdendo relevancia a apreciagdo e caracteri- zaco do tipo de rendimento (excepto, por exemplo, para efeitos de determinagio do momento de retengo e da taxa aplicavel por conta do imposto devido a final). Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 200 Francisco de Sousa da Camara programas de computador a luz do direito portugués, acabando por concluir que no presente estado das coisas — a nosso ver — os rendimentos obti- dos por entidades nao residentes e sem estabelecimento estdvel em Portu- gal pela cedéncia, definitiva ou temporéria, de software nfo se encontra Sujeita a imposto (cfr. seccAo 2). De seguida, procurar-se-4 demonstrar que, ainda que assim nao fosse, se o-direito interno permitisse a tributagio daqueles rendimentos como direitos tutelados pelos direitos de autor, as con- veng¢ées bilaterais celebradas por Portugal obstariam A sua tributagio na medida em que, entre nds, tais rendimentos no decorrem, da cedéncia do uso de uma obra literdria ou cientffica (cfr. secgdo 3). Posteriormente chamar-se-d a atengio para outros aspectos relacionados com a tributaciio do software e muitas vezes inclufdos em contratos mistos ou contratos celebrados pela mesma ocasido da alienagdo ou cedéncia do software (sec- gao 4). E, finalmente, tecer-se-Ao algumas consideragées finais ¢ lan- gar-se-Go algumas pistas que possam servir para novos trabalhos que visem abordar e tratar esta tematica (secgio 5). 2. A TRIBUTACAO DO SOFTWARE NO AMBITO DOS CODIGOS DOS IMPOSTOS SOBRE 0 RENDIMENTO 2.1. O software e as normas de incidéncia nos CIRC e CIRS 2.1.1, Consideragées preliminares Se ha 4rea em que a autonomia da vontade e a liberdade de escolha dao origem 4 celebragao de distintos contratos com elementos comuns mas, porventura, objecto, finalidades e efeitos diferentes, essa é certamente a da informatica. Para efeitos da respectiva qualificagao juridico-tributdria importa que apresentemos, desde j4, alguns dos tipos contratuais mais comuns. Per- mitimo-nos, pois, distinguir alguns desses contratos da forma seguinte: (i) uns em que se transmitem definitivamente os programas de compu- tador (software) e outros em que se cedem meras licenga de utilizac’o; (ii) entre estes tltimos, aqueles em que se cedem apenas licengas stan- dard, licencas "shrink-wrap" ou de plastico e aqueles outros em que se cede software 4 medida através, de uma licenga "tailor-made", sendo certo que © primeiro tipo pode ainda ser adaptado As necessidades especfficas da clientela através de um processo que os anglo-saxénicos designam por Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagdo dos rendimentos do software obtidos por nao residentes __201 customisation" (4); (iii) contratos em que apenas se adquire a licenga para uso proprio (e.g. para efeitos da sua actividade profissional ou empresarial) por con- taposicao aqueles em que se adquire a possibilidade de comercializar a licenga, sendo que nestes tltimos casos,. muitas vezes, ainda se distinguem as situacdes em que 0 licenciado também utiliza e/ou desenvolve o software, daquelas outras em que se limita a intermediar a operagao no plano comercial sem uti- lizar o software; (iv) contratos de mera revenda de software, e/ou de desen- volvimento e comercializagio de software; (v) contratos que envolvem a pres- tag&io de servigos, de manuteng&o ou de consultadoria e outros em que se cede o know-how; (vi) contratos ainda em que se cede o software pelos canais convencionais (¢.g. aquisigao de caixas em lojas e até supermercados) e aque- les em que tal cbsso € realizada através da internet de forma electrénica, mediante um simples download (doravante, descarregamento). Deixdmos jé claro, na introdugao deste estudo, que para efeitos da and- lise que pretendemos aqui realizar apenas nos preocupam os rendimentos obtidos por sociedades ni residentes e sem estabelecimento estavel em Por- tugal aos quais aqueles rendimentos pudessem ser imputados, pela alienagao ou cedéncia de programas de computador. Situagdo essa que é recorrente, em virtude de grande parte do software utilizado pelas pessoas, singulares ou colectivas, localizadas em territério portugués ter origem no estrangeiro e ser directa ou indirectamente (através da distribuidora, e de diferentes tipos de revendedores), colocado no mercado e adquirido pelos consumidores. 2.1.2, Enquadramento dado pelos CIRC e CIRS Tendo em consideragao que, nos termos do Cédigo do IRC, os ren- dimentos obtidos por tais entidades «... so determinados de acordo com as regras estabelecidas para as categorias correspondentes para efeitos de IRS», serd essa a primeira indagagio a realizar (5). Na sequéncia da carac- terizagdo e qualificagdo 4 luz do direito de fonte doméstica averiguare- mos, entao, se existem, ou nao, quaisquer limitagdes de fonte internacio- nal que venham impedir ou reduzir o campo de eficdcia daquelas normas. Na auséncia de regras especfficas sobre a tributacio do software, de (*) Cf. Manuel Lopes Rocha, "Contratos de licenga de utilizagio ¢ contratos de enco- menda de software", Num novo mundo do direito de autor, pigs. 695-706 (assim pag. 697), ed. Cosmos, Lisboa, 1994, (©) Cir. attigo $1.°, n° 1, do CIRC. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 202 Francisco de Sousa da Camara estudos académicos, ou mesmo de doutrina administrativa sobre a matéria, tem-se verificado que, na pratica, as empresas tém adoptado comportamentos muito divergentes, baseados na sua propria percepgiio e interpretago da lei em vigor; e, neste deserto, parece que deparamos, como atras referimos, com diferentes perspectivas, desde as que em tudo véem o pagamento de "rendi- mentos profissionais" e "rendimentos de capitais", até 4s outras que consideram ser tudo abrangido pelas normas de incidéncia respeitantes a "tendimentos comerciais", 0 que em termos praticos leva a tributar tudo ou nada... Em qualquer caso, neste quadro, 0 caminho mais vulgar tem sido considerar os rendimentos tipicos do software como rendimentos de pro- priedade intelectual e considerd-los abrangidos na classificag&o que permite distinguir os diferentes rendimentos (integrados nas categorias B, E ou G do CIRS) consoante as realidades a que se encontram associados, nos ter- mos sintetizados no Quadro | (5). QUADRO 1 owmagonn | patios |, 00805 | wowano EM TERRITORIO A TAXA expimentos | NORMAS DE | Mcrrucues | DA TRIBUTAGKO ].. 05 aufeidos no] «... derivados de[1.1.1. «os rendi- exercicio, por conta/ outras prestagdes de! mentos [...] propria, de qualquer| servigos realizados| —ficam sujeitos a B actividade de pres-| ou utilizados em| tributagiio desde| 15% tagdo de servicos, | territério portugués,| © momento em| artigo 80.°, "EMPRESA- |incluindo os de|com excepgdo dos| que para efeitos| n° 2, RIAIS E _ |cardcter cientifico,| relativos a transpor-| de IVA seja obri-| alineas a) PROFIS- | artfstico ou técnico,| tes, comunicagées ¢| gatéria a emissio| © e), SIONAIS" | qualquer que seja a) actividades finan-| de factura ou| do CIRC sua natureza, ainda| ceiras» — artigo 4°, documento equi- que conexa com/n.** 3, alfnea c),| valente ou, nao | actividades mencio-|e 7 (salvo quando| —sendo obrigat6- (©, Tanto quanto sabemos nfo existe qualquer regulamentago (circulares ou off- cios-circulados), parecer ou informa: ‘Go publicada pela DGCI sobre o tratamento fiscal do software e apesar, de existir uma posigdo expressa, no Ambito das respostas ao questiond- rio anexo ao Relatério da OCDE sobre o tratamento fiscal do software de 1992, em que se afirma que a legislagio portuguesa protege o software através dos direitos de propriedade intelectual e, em particular, através dos direitos de autor, as questées concretas sobre 0 tratamento fiscal do software no obtiveram respostas. S69 das 27 questdes é que foram respondiidas e parte destas sem prestar qualquer esclarecimento, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagao dos rendimentos do software obtidos por ndo residentes 203 CATEGORIA DE RENDIMENTOS TIPO DE RENDIMENTOS (NORMAS DE INCIDENCIA) oonpos exc Tennrrento | ,, MOMENTO PORTUGUES TAXA B “EMPRESA- RIAIS E PROFIS- SIONAIS" nadas na alfnea ante- ior — (de natureza comercial, industrial, agricola, silvicola ou pecudria) — arti- go 3°02 1, ali nea b), do CIRS. «... 0S provenientes da propriedade inte- Jectual ou industrial ou da prestagio de informagGes respei- tantes a uma expe-. rigncia adquirida no sector industrial, comercial ou cien- tifico, quando’ auferidos pelo seu’ titular origindrio» — artigo 3°, n? 1, alinea c), do CIRS. E "CAPITAIS" «.., provenientes de contratos que tenham por objecto a cessio ou utiliza- do temporaria de direitos de proprie- dade intelectual ou industrial ou a pres- tagio de informa- ées respeitantes al uma experiéncia adquirida no sector] industrial, comer-| cial ow cientifico, quando niio aufe- ridos pelo respec tivo autor ou titu- lar origindrio, bem, «... Tealizados inte-| ria a sua emis- gralmente fora do| so, desde o territério portugués,| momento do! no respeitem a} pagamento ou bens situados nesse| colocagio & dis- territério nem este-|_ posigio dos res-| jam relacionados) — pectivos titula- ‘com estudos, pro-| res, sem prejuizo jectos, apoio téc-| da _aplicagao nico ou A gestdo,| do disposto no servigos de contabi-| artigo 18.° do lidade ou auditoria} Cédigo do IRC, e servigos de con-| sempre que o sultadoria, organi-| rendimento seja zagio investigagio| determinado € desenvolvimento] com base na em qualquer domi-| _contabilidade» nio») — artigo 4.°,| | — artigos 3 ne 4, 2* parte. ne 6, do CIRS, 88°, n° 1, alt «.., provenientes da} neas a) © 6), propriedade intelec-}n.°* 2, 3 © 6. tual ou industrial & bem assim da pres-|«... devendo as tagdo de informa-|importancias retidas goes respeitantes al ser entregues ao uma experiéncia|Estado até ao dia} adquirida no sector| 20 do més seguinte industrial, comercial |Aquele’ em que ou cientffico» —| foram deduzidas...» artigo 4.°, n.9* 3,|— artigo 889, n° 6, alfnea c), € 1, dojdo CIRC. IRC. «... derivados do} uso ou da conces- sio do uso de equi- pamento agricola, industrial, comercial ou cientifico» — artigo 4.°, n.° 3, alinea c), e 2, do CIRC. alfneas a) ee), do CIRC Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 204 Francisco de Sousa da Camara T T CATEGORIA | pepe tos onripos womexto | us (NORMAS DE EM TERRITORIO | pa TRIBUTACKO | TAXA RENDIMENTOS | IwcIDENcia) | PORTUGUES | { como os rendimen-| «... provenientes da|Os rendimentos tos derivados dal intermediagao na|ficam sujeitos a | assisténcia técnica»|celebragio _ dejimposto desde o — artigo 5°, n° 2,| quaisquer contra-|«... apuramento do | alinea m), do CIRS.| tos» — artigo 4.°,| respectivo quantita- | n.* 3, alinea c), e|tivo» — artigo 7°,) 15% | «... decorrentes do] 6. n* 3, alinea a), e 3| artigo 80. juso ou da conces- do CIRS. no 2, sto do uso de equi- alinea b), pamento agricola do CIRC ¢ industrial, comer- Os_rendimentos cial ou cientifico, ficam sujeitos a quando nio consti- imposto desde o E tuam rendimentos «... apuramento do| prediais, bem como| respectivo quantita- “CAPITAIS" | os provenientes da| tivo» — artigo 7.°, 15% cedéncia, espord- n 3, alinea a), 3,| artigo 80.°, dica ou continuada, do CIRS. no 2, de equipamentos e alinea e), redes informaticas, do CIRC incluindo transmis-| «... outros rendi-|.«... ficam sujeitos sio de dados ou| mentos de aplicagio| a tributago desde o| disponibilizagio de| de capitais» —|momento em que |capacidade infor-) artigo 4.°, n.°* 3,/se vencem, se pre-| matica instalada em|alfnea c), e 3, do| sume o vencimento, qualquer das suas} CIRC. stio colocados a dis-| 20% formas possiveis» posigio do seu titu-| artigo 80°, — artigo 5°, n° 2, lar, so liquidados} n° 2, alinea n), do CIRS. ou desde a data do| alinea c), apuramento do res-} do CIRC «... alienagio one-| «incrementos patri-) pectivo quantitativo, Tosa da propriedade| moniais derivados de| conforme os casos» intelectual ou indus-| aquisigdes a titulo} — artigo 7°, n° 1, trial ou de expe-| gratuito respeitantes| do CIRS. G rigncia adquirida no] a direitos de pro- sector comercial, | priedade industrial, "INCRE- | industrial ou cienti-| direitos de autor ¢ MENTOS |fico, quando 0] direitos conexos PATRIMO- |transmitente nao| registados ou sujei- NIAIS" _|seja o seu titular] tos a tegisto em Por- originérion —| tugal» — artigo 4°, artigo 10.°, n.° 1,|n2*3, alfnea e), e 4, | | alfnea ¢), do CIRS.| do CIRC. i | Homenagem a José Guitherme Xavier de Basto A tributacéo dos rendimentos do software obtidos por nao residentes 205 Considerando este background parece-nos ser particularmente inte- ressante recuar um pouco mais para analisarmos a evolucio da tributagao dos rendimentos da propriedade intelectual, desde a sua introdugao no Ambito do sistema cedular. A esse propésito é fundamental evocar o estudo realizado por Paulo Pitta e Cunha no final da década de sessenta (7). Por referéncia ao artigo 12.° da Convengio celebrada entre Portugal e o Reino Unido para evitar a dupla tributagdo, apresentam-se varias consideragdes sugestOes sobre o tratamento a atribuir aos rendimentos de propriedade industrial e intelectual. Dessa andlise se concluia, inter alia, que: — a lei interna nao contém qualquer definig&o de «royalties», mas no artigo 12.° da Convengao entre Portugal e o Reino Unido para evitar a dupla tributagao (a tmica que havia sido celebrada ao tempo de realizagao do estudo), prevé-se uma definigao sobre este termo; — tal definigéo poderé ser retomada, nos seus aspectos essenciais, na elaboragao de disposigdes fiscais internas, sendo, no entanto, de excluir do termo qualquer remuneragio auferida pela aliena- gao dos direitos (de propriedade intelectual e industrial) af refe- ridos; — as royalties compreendem dois grandes grupos; as relativas aos direitos de autor, ligados 4 propriedade intelectual (literdria e artis- tica) e as relativas 4 propriedade industrial (e.g. invengdes, marcas), podendo em certas hipdteses incluir as prestagdes de assisténcia téc- nica; — conviria consagrar um termo portugués, propondo-se a utilizagio do termo "rendimentos de propriedade intelectual e industrial" para designar estas realidades; — nessa altura, as royalties imputdveis a operagdes empreendidas em Portugal e pagas a entidades nfo residentes ¢ sem estabelecimento estével em Portugal escapavam & tributagiio (por falta de norma de incidéncia), situagao que o estudo propée alterar; — «... 0 propésito de tributar [...] devera ser temperado pela preo- cupacdo de evitar que se suscite um sério motivo de desencoraja- @) Cfr. Paulo Pitta ¢ Cunha, "O tatamento de rendimentos da propriedade industrial e intelectual", Revista da Faculdade de Direito de Lisboa, vol. XXU, 1968-69, pags. 169-189. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 206 Francisco de Sousa da Camara mento 4 importacao de capitais estrangeiros e, em particular, & implantag4o no nosso pais de tecnologia avangada proveniente das nagGes mais industrializadas»; — «a solug&o tecnicamente mais correcta consistiria, porém, na pro- mulgago de um diploma auténomo, no qual, depois de definido o conceito de "royalties", se consagrasse 0 processo de retengao na fonte na tributagao dessa categoria de rendimentos»; Grande parte destas propostas vieram a ser acolhidas e, por isso, a legislag&o cedular — revogada com a reforma de 1988/1989 — ja previa a tributagao (no Ambito do imposto de capitais) dos rendimentos dz pro- priedade intelectual e industrial pagos a sociedades nao residentes e sem estabelecimento estdvel em Portugal. Na altura em que estas regras foram introduzidas nos cédigos cedu- lares vigorava em Portugal o Cédigo do Direito de Autor, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 46,980, de 27 de Abril de 1966, 0 qual no continha qual- quer disposi¢ao directamente aplicdvel aos programas de computador. Nesse diploma, o legislador definiu as «obras intelectuais» como sendo «as criagdes do espirito, por qualquer modo exteriorizadas (n.° 1), acres- centando que a sua existéncia é «independente da sua divulgagio ou uti lizago, por qualquer modo feita». Por outro lado, no que respeita As tea- lidades que beneficiavam da tutela concedida pelo Cédigo, o legislador utilizou um critério meramente exemplificativo ao considerar «obras inte- lectuais» entre outras, permitindo assim alguma abertura a atribuigdo dessa tutela jusautoral a outras realidades (e.g. programas de computadores) situag&o esta que se manteve quando surgiu 0 Cédigo do Direito de Autor e dos Direitos Conexos de 1985. No entanto, neste dominio, tornava-se fun- damental saber a posi¢do do legislador portugués: afinal, os programas de computador s&o ou nao obras literdrias ou cientificas e/ou sao protegidas pelo regime dos direitos de autor? 2.2. Caracterizagio dos programas de computador Neste contexto, afigura-se curial recordar alguns conceitos elementa- tes € analisar brevemente a legislagdo jusautoral, bem como aquela que versa especificamente sobre programas de computador, para que de seguida pos- samos mergulhar de novo no mundo da tributagio. O termo software, por exemplo, designa genericamente os programas de computadores, por contraposi¢ao 4 componente ffsica do computador, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagdo dos rendimentos do software obtidos por nao residentes 207 © hardware (8). E os programas de computador sao identificados, pela generalidade das definicdes legais ou doutrinais, como uma "série de decla- ragGes ou instrugdes que so usadas, directa ou indirectamente, num com- putador de forma a obter um determinado resultado” (°). Por seu turno, os programas de computador dividem-se fundamentalmente em duas espé- cies; sistemas operativos e programas de aplicagio (1°). Ao contrario de outras legislac6es, 0 Decreto-Lei n.° 252/94, de 20 de Outubro, que transpés para a ordem juridica nacional a Directiva Comu- nitétia 91/250/CEE, através de um diploma auténomo, nao contém uma defi- nigdo de programas de computador. Neste dominio, ao invés de introduzir uma definig&o sobre 0 objecto dos programas de computador e respectiva extensiio que, dado 0 avanco tec- nolégico, a curto prazo se poderia desactualizar, o legislador nacional pro- curou clarificar a tutela juridica que Ihes garante, estabelecendo que “aos ©, Este conceito ¢ 0 seu desenvolvimento pode encontrar-se, entre outros, em José Alberto Vieira, nas "Notas gerais sobre a proteccdo de programas de computador em Por- tugal’, Direito da Sociedade de Informacao, vol. |, pags. 73-88 (assim, pags. 75 e segs.), ed. Coimbra Editora 1999. ©) Esta nogdo coresponde ao pardgrafo 17, secgdo 101 do Cédigo dos Estados Unidos da América, José Alberto Vieira, ob. cit., assim, pag. 75. No Brasil, por exemplo, © artigo 1.° da Lei n.° 9.609, de 19 de Fevereiro de 1998, definiu programas de computador como «.., a expresstio de um conjunto organizado de instrugées em linguagem natural ou codificada, contida em suporte fisico de qualquer natureza, de emprego necessdtio em méquinas de tratamento de informacao, dispositivos, instrumentos ou equipamentos peri- {éricos, baseados em técnica digital ou andloga, para fazé-los funcionar de modo.e para fins determinados». J4 0 artigo 69.° da Lei Alema de Direitos de Autor estabelece que os pro- gramas de computador séo «... para efeitos dessa lei os programas sob qualquer forma, incluindo 0s projectos ou material de concepgiio». (®) José Alberto Vieira distingue bem estas realidades; «... 0s sistemas operativos consistem basicamente numa série de instragdes que permitem que a UPC (unidade de rocessamento central) funcione como um computador, gerindo a interacgao entre os varios elementos do hardware do computador ¢ entre 0 hardware e os programas de aplicacio, Toda a operago do computador € feita pelo sistema operative. Exemplos de sistema ope- rativo, de entre os mais conhecidos, so 0 OS/2, Unix, Windows 98, Windows NTT, ete. Os programas de aplicaglo, ao invés, so desenhados para permitirem a satisfagio de deter- minadas necessidades de utilizadores. 'Tém de ser compativeis com o sistema operative do computador para poderem correr nele, mas a sur. fung&o néo se relaciona, como o sistema operativo, na gestio do hardware e deste com os demais programas de computador, reali- zando exclusivamente a execugo de tarefas 1elacionadas com a satisfagdo das necessida- des pessoais do utilizador, para as quais foi comcebido. Os programas aplicativos podem ser muito variados, sendo os mais frequentes os processadores de texto, as folhas de cal- culo, 0s jogos, etc.», ob. cit., pags. 76 € 77. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 208 francisco de Sousa aa Camara programas de computador que tiverem cardcter criativo é atribuida pro- tec¢ao andloga conferida as obras literdrias", equiparando-se para efeitos de proteccao, "... ao programa de computador o material de concepcao pre- liminar daquele programa" (!!). Esta abordagem nio é "inocente", como sublinham, alids, a generali- dade dos autores que se dedicam entre nds ao estudo do direito autoral e ao direito da informatica. Na génese desta solugéo, diferente daquelas que foram seguidas na generalidade dos demais Estados-Membros da CE, encerra-se j4 uma refle- xdo ponderada e uma tomada de posig&o sobre a prOpria caracterizagao dos programas de computador face aos direitos de autor. E que aquelas dispo- sigdes transpuseram para a ordem juridica o disposto no artigo 1.° da Direc- tiva 91/250/CEE, a qual prevé que «... os Estados-Membros estabeleceraio uma protec¢do juridica dos programas de computador, mediante a concessao de Greitos de autor, enquanto obras literarias, na acco da Convengiio de Berna para a Proteccaio de Obras Literarias e Artisticas», clarificando, de seguida, que a expresso programas de computador inclui o material de concepgdo. Furxtugal, como esclarece o Prof. Oliveira Ascensao, poderia ter trans- posto esta disposig&éo para o ordenamento juridico portugués passando, simplesmente, a incluir os programas de computador no artigo 2.° do Cédigo do Direito de Autor e Direitos Conexos (CDADC), onde se iden- tificam as obras literdrias, cientificas e artfsticas. Mas, como refere adiante este insigne catedratico, «seria errado». E, para tanto, antecipa uma expli- cago e uma solugio: — «A directriz impée um regime e nao qualificagdes. O programa de computador nao é hoje mais obra literdria e artistica do que era anteriormente. E exige, hoje como ontem, um regime pr6prio». — «A directriz impée a tutela mediante direitos de autor. A conces- s&o dessa tutela nao implica que o regime do computador passe a ser idéntico ao das, obras literdrias genuinas. Ha antes que elabo- rar uma lei especial destinada dquela tutela, em que se conceda anormalmente um direito de autor e se concretize o regime espe- cial destes programas» (!2). (4 Cfr artigo 1°. n.°* 2 € 3, do Decreto-Lei n.° 252/94, de 20 de Outubro. (2) Chr. José de Oliveira Ascensio, Direitos de Autor e Direitos Conexos. pag. 474, ed. Coimbra Editora, 1992. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagéo dos rendimentos do software obtidos por ndo residentes 209 Subjacentes a estas conclusdes encontramos premissas e reflexdes consistentes. Nesse percurso adianta o Prof. Oliveira Ascenso: «O pro- grama de computador tem de ser apresentado A maquina de forma "legi- vel" por esta. Implica normalmente, portanto, uma certa materializagao, uma vez que se utiliza um meio fisico. Mas também aqui o programa nio pode ser confundido com o suporte material em que for incorporado. O programa nfo esta preso a uma apresentacdo fisica determinada; guarda a sua identidade para além das configuragdes varias que pode revestir. Em si o programa escapa a nogio de obra. O programa € um processo ou um esquema para a ac¢fio. Mas os processos nao so tutelados pelo Direito de Autor (cit. art. 1.°/2). [...] Portanto, 0 programa como tal nao pode estar compreendido nas cate- gorias de obras literdrias ou artisticas que a lei contempla (art. 2.°), muito embora tenhamos presente que a enumeragao legal é exemplifi- cativa» ('3), Isto para de seguida rematar contundentemente: «3 incompatfvel com todos os princfpios do Direito de Autor a consideragéio do programa de com- putador como obra literaria» ('+). Essa a razdo pela qual a nossa lei recusou a qualificagio dos progra- mas de computador como obra, rejeitou a sua incluséo no CDADC e ape- nas permitiu que Ihes fosse atribufda, em certas situagdes, protecgfo and- loga as obras literdrias. “O que vale por dizer, citando Alexandre Dias Pereira e Pedro Cor- deiro,"... que os programas nao sao protegidos tout court enquanto obras literérias", parecendo querer demonstrar "a firme convicgio de que um programa de computador nao € uma obra literéria, como o regime de Direito de Autor estabelecido por essas criagdes néo pode, sem mais, ser aplicado ao software” (#5), Em suma, o legislador nacional reservou o termo "obras" para as cria- Ges intelectuais do dominio literdrio, cientffico e artistico protegidos pelo CDADC e rejeitou intencionalmente a qualificagio dos programas de com- putador como obras literdrias, negando mesmo qualquer protecgfo aos programas que ndo possuirem criatividade. Isto, nao obstante Ihes poder (3) Ibidem, pags. 76 e 77. () Ibidem, pig. 77. ('3) Alexandre Dias Pereira, “Software: sentido ¢ limites da sua apropriagao juridica”, in Termos de Direito da Informdtica e da Internet, Ordem dos Advogados, pags. 73-136 assim, pag. 92), Coimbra Editora, 2004, 4 Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 210 Francisco de Sousa da Camara atribuir, se tiverem criatividade, protecg’io andloga 4 dos direitos de autor (19) (17) (18), (15) Cfr. José Alberto Vieira, ob. cir., pags. 84 e 85. Vejam-se também Manuel Lopes Rocha ¢ Pedro Cordeiro, "Protecgao Juridica do Software", Decreto-Lei n.” 252/94 de 20 de Outubro — Anotado e Comentado, artigo 1.°, em particular pags. 21-23, ed. Cos- mos, Lisboa, 1995, (17) Cfr. artigo 1.°, n° 2, do Decreto-Lei n.° 252/94, de 20 de Outubro, ¢ o artigo 1.° do CDADC. A este propésito, recorda Alexandre Dias Pereira: “Ao instituir um regime juri- dico especial para proteger os programas de co nputador, © nosso legislador ter encontrado — nao apenas relativamente técnica legislativa — inspiragio na doutrina defendida, entre nés, pelo Professor Oliveira Ascenso, que nao aplaudia propriamente a solugiio comuni- taria...", “Software: sentido ¢ limtes da sua apropriacZo jurfdica”, ob. cit., pag. 88. (8) Sublinha-se, apesar de tudo, que existem AA que nao obstante constatarem que foram suprimidas da versio do projecto final do CDADC a referéncia aos programas de com- putador € aos autores da concepedo dos mesmos, entendem que «...nem por isso deveria entender-se como exclufda a sua proteccao do sistema do cédigo: por um lado, a enumera- go constante deste preceito é puramente exemplificativa e ndo envolve qualquer ideia de numerus clausus; & por outro, j& entio era ponto assente na doutrina ¢ na jurisprudéncia que © chamado software 6, essencialmente, uma criagao do espirito, suscepttvel de ser abrangida na protecgao legal do direito de autor, expressamente aceite como tal na legislagiio de varios pafses». Lufs Francisco Rebello, Cédigo do Direito de Autor e dos Direitos Conexos, pag. 36, 2.* ed., Ancora, Lisboa, 1998. Por outro lado, poder-se- ainda discutir se a Direc- tiva 91/250/CEE foi bem transposta para o direito nacional, i.e., se exigia 0 tratamento como obra literdria ou se permitia 4 mera atribuigiio de tutela equipardvel a direitos de autor. «Ainda que se possa entender que a Directiva foi mal transposta, também se pode entender que a Directiva apenas exigiu a atribuigéo da tutela juridica que the foi conferida Pela lei interna; e, em tiltima instancia, se hé uma violagao da Directiva, o Estado Portugués € responsével por essa violagiio. O mesmo Estado nfo se poderia prevalecer de um even- tual efeito directo da disposicéio da Directiva para justificar a tributag3o alegando que o programa de computador, afinal, € uma obra. Por outro lado, a possibilidade de a admi- nistragao nacional poder recorrer ao principio da interpretagdo conforme relativamente a uma directiva contra um particular ndo se encontra firmada na jurisprudéncia comunitéria, sendo apenas reconhecida nas relagées entre particulares (cf, por exemplo, Oceano Grupo Editorial, C-240/98 a C-244/98), sendo também certo que o Tribunal de Justiga nao reconhece © efeito directo invertido (invocagao da norma da directiva pelo Estado contra o particular) Com efeito, no acérdao de 26 de Fevereiro de 1986 (Marshall, 152/84), 0 Tribunal de Justiga sublinhou que, de acordo com o artigo 189.° do Tratado, 0 cardcter obrigatorio das directivas, em que se fundamenta a possibilidade de os particulares as poderem invo- car contra o Estado, perante um érgéo jurisdicional nacional — seja quando este deixe de transpor, no prazo determinado, seja quando proceda a uma transposigo incorrecta da mesma — existe apenas relativamente “aos Estados-Membros destinatérios”. Por conse- guinte, uma directiva nao pode, por si propria, criar obrigagdes para os particulares e, deste modo, as disposigdes de uma directiva no podem ser invocadas enquanto tais con- tra eles perante um érgio jurisdicional nacional. Em conformidade, no acérdio de 8 de Outubro de 1987 (Kolpinghuis imegen, 80/86) Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagao dos rendimentos do software obtidos por néo residentes Eeeeead Alias, tendo por base este enquadramento, grande parte da doutrina nacional jusautoral para além de repudiar a classificag4o dos programas de computador como obras, questiona-se mesmo sobre se «... a proteccdo Portuguesa aos programas de computadores é ainda uma proteccao de direito de autor ou € uma proteccdo sui generis» (19). 2.3. O artigo 3.°, n.° 5, do CIRS No plano fiscal, j4 verificamos que o legislador nacional, na sequén- cia da sugestao pioneira apresentada por Pitta e Cunha, na década de sessenta, recorreu 4 expresséo "propriedade intelectual" para recortar a incidéncia de certos rendimentos, precisamente os respeitantes a "direitos de autor e direitos conexos" (0). O niimero cinco do artigo 3.° do CIRS estabelece expressamente que «... consideram-se como proveitos da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos», delimitando assim os contornos da incidéncia objectiva dentro do perfmetro dos direitos de autor ¢ conexos. Sendo assim, serd que, entre nds, os rendimentos provenientes da cedéncia de programas de software sio rendimentos da propriedade inte- Jectual? O caminho ja percorrido parece-nos permitir responder negativamente a esta questio, em virtude da lei ter recusado traté-los como direitos de autor (e.g, obra literdria), tanto aquando da rejei¢fo da sua inclusio no artigo 2.° do CDADC (lembre-se que chegaram a constar desse elenco no ambito do ante-projecto), como, mais recentemente, quando foi transposta a Directiva 0 Tribunal reiterou a proibigao do efeito directo invertido mencionando que “uma autori- dade nacional nfo pode invocar contra um particular uma disposigiio de uma directiva cuja necesséria transposi¢ao para direito nacional ainda nao tenha sido efectuada”.» Ques- {Go conexa se coloca no plano internacional, de modo a considerar que o regime domés- tico respeita a Convengao TRIP {o artigo 10.%, n.° 1, do Agreement On Trade — Related Aspects of Intellectual Property Rights dispde que «os programas de computador, em c6digo fonte ou objecto, serio protegidos como obras literdrias segundo a Convenc&o de Berna (1971) e a Convengéo da OMPI (0 artigo 4.° do Tratado do Direito de Autor exige que os signatérios, nos quais se inlui Portugal, protejam os programas de computador como obras literérias)]. Veja-se, por exemplo, Alexandre Dias Pereira, “Software...", ob. cit, pag. 9 (®) José Alberto Vieira, ob. cit., pig. 88, e Alexandre Dias Pereira, “Software...” ob. cit., pag. 88. @) Clr. artigo 3°, n2 5, do CIRS. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 212 Francisco de Sousa da Camara Comunitaria sobre software e foi publicado o Decreto-Lei n.° 252/94, de 20 de Outubro (0 diploma do software). Pode, ainda assim, colocar-se a questdo de saber se o sentido a atri- buir ao termo «direitos de autor e direitos conexos» deve ser entendido de forma precisa — significando apenas as obras literdrias, cientificas ¢ artfs- ticas € os direitos conexos mencionados no CDADC — ou se com esse termo também se abrangeriam todas as realidades, total ou parcialmente, tuteladas por aquele regime, como se o n.° 5 do artigo 3.° do CIRS se referisse aos direitos tutelados pelo direito de autor. Neste caso poder-se-ia entender que também se integrariam neste conceito os programas de com- putador. Os principios gerais de interpretagdo parecem-nos exigir aqui que o direito fiscal receba aquela qualificagdo tal quale a mesma é feita no Ambito daquele ramo do direito, impossibilitando-se o preenchimento de Jacunas com 0 recurso a interpretagdes engenhosas de equiparacdo. Na ver- dade, neste dominio particular, os princfpios constitucionais da legalidade e da tipicidade impedem equiparagées para efeitos de tributagao. Ao prescrever expressamente que se devem entender como rendi- mentos da propriedade intelectual os "direitos de autor", so estes e nao outros — ainda que tutelados em parte pelo regime autoral — os que se podem entender sujeitos a imposto como tal. A subsungio dos progra- mas de computador a direitos de autor ou a ampliacio do conceito Pprevisto no n.? 5 do artigo 3.° as "realidades tuteladas pelo regime dos direitos de autor e direitos conexos" no se afigura legitima. A primeira implicaria negar a posigdo assumida em termos autorais (violando os préprios arti- gos 11.°, n.° 2, da LGT e 1.° do Decreto-Lei n.° 252/94, de 20 de Outubro), na medida em que se estariam a considerar os programas de computador como "obras" para efeitos autorais quando o legislador portugués rejeitou essa qualificagdo; a segunda, consistiria em preencher uma lacuna com 0 Tecurso a analogia, de modo a estender a norma de incidéncia a situagdes de facto no expressamente reguladas na lei (21). O recurso a conceitos de outros ramos de direito tem claras vantagens mas também exige, sobretudo quando tais referéncias sio feitas nas normas de incidéncia, que, em cada momento, 0 legislador tenha consciéncia plena das realidades que abarca, de modo a poder avaliar permanentemente se tem C!) Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, Lei Geral Tributdria, Comentada e Anotada, artigo 11.°, pag. 77, 3." ed., Viseu, 2003. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagto dos rendimentos do software obtidos por nao residentes 213 interesse em alterar tal conceito, restringindo-o ou ampliando-o, com o recurso a normas adicionais. Alias, neste domfnio, é curioso verificar que o legislador sentiu a necessidade de delimitar a incidéncia em torno da realidade informatica com o aditamento da alfnea n) ao n.° 2 do artigo 5.° do CIRS, 0 que de alguma forma indicia que, tendo tomado consciéncia destas dificuldades, pro- curou recortar a incidéncia no ambito dos rendimentos de capitais, con- siderando como tais «os provenientes da cedéncia, esporddica ou conti- nuada, de equipamentos e redes informaticas, incluindo transmissao de dados ou disponibilizagio da capacidade informatica instalada em qual- quer das suas formas possiveis». S6 que a simples leitura deste periodo permite-nos compreender que também nfo se encontram incluidas grande parte das realidades respeitantes ao software, A cabeca das quais surge a propria cedéncia de uma licenga para uso de um programa de com- putador, pelo que também nao se podem incluir os respectivos rendi- mentos. Parece-nos, assim, que os rendimentos provenientes da cessiio do uso de programas de software (e.g. intangiveis) nao podem ser sujeitos a tri- butacdo em Portugal como rendimentos da propriedade intelectual, sob pena de violagao da lei. Poder-se-4 dizer que, de jure condendo, se afigura razodvel colmatar esta lacuna, de modo a que as entidades nao residentes e sem estabeleci- mento est4veis e que aufiram este tipo de rendimentos sejam sujeitas a imposto, 4 semelhanga do que acontece com aqueles que tém presenca em territério portugués, seja como residentes seja através de um estabele- cimento estavel. Mas essa é tarefa para o legislador, néo podendo nem devendo o intérprete e aplicador do direito, substituir-se aquele quando depare com situagdes que no siio como, supostamente, deveriam ser (22). @) Também se impée realizar esta reflexio posto que importa avaliar a situagao de forma global, designadamente, tendo em considerago a necessidade de: (i) nfo entravar a circulaco destes direitos; (ii) apucar as receitas que teoricamente se perdem; (iii) verifi- car a situago no direito comparado, néo s6 na Unido Europeia, tanto mai’, que esta rea- lidade esté parcialmente abrangida pela Directiva 2003/49/CE (uma vez que estes rendi- mentos sto cobertos pelo termo royalties) limitando-se as tributagdes na fonte, como no plano mais vasto coberto pelas convengdes para eliminar a dupla tributagao. Desde logo, comega por levantar-se a questio de saber como seré que o Tribunal de Justica vird a inter- pretar 0 conceito de royalties e a respectiva extenso, no Ambito comunitério? Seré que vird a servir-se da referéncia efectuada pela Directiva do Software para qualificar 0 soft- Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 214 Francisco de Sousa da Camara 3. A TRIBUTACAO DO SOFTWARE NO AMBITO DAS CON- VENCOES BILATERAIS PARA ELIMINAR A DUPLA TRI- BUTACAO 3.1, O MCOCDE e os comentarios introduzidos em 1992 e 2000 Admitindo, ainda assim, a titulo meramente académico e sem conce- der, a interpretagao segundo a qual, no termo "direitos de autor", previsto no n.° 5 do artigo 3.° do CIRS se deveriam considerar os "direitos tutela- dos pelo direito de autor" (considerando esse exercicio hermenéutico como uma mera interpretacao extensiva permitida pelo direito constitufdo) ou uma interpretagdo que levaria a integrar na alinea n) do n.° 2 do artigo 5.° do CIRS as realidades informéticas j4 referidas, importaria agora averi- guar se o direito convencional restringiria a eventual aplicagao do direito interno quando 0 mesmo quisesse despoletar a consequéncia das respecti- vas normas permitirem essa tributacao. Tomando consciéncia do rapido desenvolvimento da tecnologia infor- miatica, os representantes dos governos dos Paises Membros da OCDE, no seio do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE vieram afrontar a pro- blemitica da tributacio dos rendimentos do software modificando os comen- térios do MCOCDE em 1992 e 2000; por regra, o enquadramento sugerido subsumiu parte da realidade no Ambito do artigo 7.° (lucros industriais ou comerciais) e, uma outra parte, no quadro do artigo 12.° ("royalties"). Mas, como veremos, tal tarefa exige uma prévia determinago e qualificag%o da realidade subjacente como "obra". No pardgrafo 12.1 dos comentarios ao artigo 12.° do MCOCDE define-se 0 termo software como «... um programa ou um conjunto de Programas que contém instrugdes destinados a computador quer para fins de funcionamento operativo do préprio computador (sistema de exploragiio) quer para execugao de outras tarefas (software de aplicagio)». Neste con- texto, a titulo explicativo, e de modo a clarificar os comentérios seguintes sobre a qualificagio para efeitos tributérios, refere-se que 0 mesmo «pode ware como uma “obra” para efeitos de definir o rendimento como uma royalty? Seria admissivel? Seré que a definigao da Directiva que serve para acabar com obstéculos fis- cais poderia ser indirectamente utilizada para erguer outras barreiras através do apelo & Directiva do Software? Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagao dos rendimentos do software obtidos por ndo residentes 215 ser transferido nas diversas formas, por exemplo, por escrito ou electro- nicamente, em fita ou disco magnético ou em disco laser ou CD-ROM. Pode ser normalizado com vista a uma vasta gama de aplicacdes ou per- sonalizado de acordo com utilizadores individuais. Pode ser transferido como parte integrante do material informético ou sob uma forma inde- pendente, susceptivel de utilizagio na grande diversidade de hardware (equipamento fisico)» (23). No plano fiscal, e de acordo com os mesmos comentérios, constata-se que podem grosso modo distinguir-se duas situag6es: (1) Uma, segundo a qual os pagamentos devem ser classificados como rendimentos comerciais: (i) quando se limitam a permitir ao utilizador servir-se do pro- grama (e.g. quando adquiriu cépia do programa), podendo também efectuar cépias do programa para fins de exploracio no quadro das suas actividades [e.g. licengas de site, licen- gas de empresas ou licengas de rede], independentemente da quest&o de saber se 0 direito € cedido nos termos da lei ‘ou de um contrato de licenga (74); (ii) quando visam remunerar a transferéncia plena da proprie- dade do software; apesar de poderem surgir dividas quando se procede a uma alienacao parcial dos direitos, considera-se que, mesmo nesse caso, «... é provdvel que os pagamentos constituam, em regra, um rendimento da actividade comer- cial (...) ou que relevem das mais-valias (...) e nao das royalties (...), em virtude de a contraprestagdo nao poder visar a utilizagio dos direitos sempre que a propriedade des- ses mesmos direitos seja alienada no todo ou em parte» (75); (iii) quando constituem essencialmente a remuneragao de outra coisa que no seja o uso ou a concessiio do uso de direitos que relevem dos direitos de autor (designadamente, a aqui- sigio de outros tipos de direitos, de dados ou de servigos contratuais) e o uso dos direitos de autor se limitar aos direi- @)_ Cf. pardgrafo 12.1 dos comentétios ao artigo 12.° do MCOCDE. Cf. parggrafo 14 dos comentarios ao artigo 12.° do MCOCDE. 5) Cfi. parégrafo 15 dos comentarios ao artigo 12.° do MCOCDE. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 216 Francisco de Sousa da Camara tos de download, de armazenamento e de exploragio (...), de execugao ou de visualizagao do cliente (6), (2) Outra em que os pagamentos podem ser clasificados como royalties: (i) quando sao efectuados com vista a aquisicio de uma parte dos direitos de autor (sem que o cedente aliene integral- mente os seus direitos de autor) e aquele pagamento é efec- tuado em troca do direito de utilizar o programa de maneira que, na auséncia dessa licenga, seria uma violagiio da legis- lagdo relativa aos direitos de autor; designadamente, quando se dé autorizagéo de reprodugao e distribuigio ao ptiblico de software que incorpore o programa objecto de direitos de autor ou de modificago e difusio ptiblica do pro- grama (?’); Gi) quando visam remunerar uma empresa ou 0 criador de pro- gramas informaticos pelas informagdes respeitantes aos con- ceitos e aos princfpios em que assenta o programa, tais como a légica, os algoritmos ou a linguagem ou as técnicas de programagio (nestes casos, os pagamentos podem ser qualificados com uma royalty pela cedéncia de know- -how) (8), quando os pagamentos constituem essencialmente a remu- neracdo da concessfo do direito de usar um direito de autor num produto digital que é descarregado por via electrénica para 0 efeito (29), Em certos casos, quando os pagamentos visam remunerar diferentes Prestagdes no Ambito de contratos mistos, podem ter de ser decompostos de modo a permitir a aplicaciio do regime fiscal préprio de cada uma das partes assim determinadas (3°), 5) Cir. pardégrafo 17.2 dos comentérios ao artigo 12.° do MCOCDE. @) Cr. pardgrafo 13.1 dos comentérios ao artigo 12.° do MCOCDE, @®) Cir pardgrafo 14.3 dos comentarios ao artigo 12.° do MCOCDE. ©) Cit. pardgrafo 17.4 dos comentarios ao artigo 12.° do MCOCDE. ©) Cli: parégrafo 17 dos comentérios ao artigo 12° do MCOCDE. Também no paré- grafo 11.6 se esclarece: «Na hipdtese de um contrato misto, em principio convém decom Homenagem a José Guitherme Xavier de Basto A tributagdo dos rendimentos do software obtides por ndo residentes 217 No entanto, nao obstante estas consideragdes, os comentérios come- gam logo por antecipar que a aplicagao do artigo das royalties pode sus- citar dificuldades «... uma vez que a aplicagiio do disposto no n.° 2 exige que o software seja classificado como obra literdria, artistica ou cienti- fica» G1). E apesar de se tomar consciéncia de que nenhuma destas cate- gorias se afigura plenamente satisfatéria, esclarece-se de seguida: «The copyright laws of many countries deal with this problem by specifically classifying software as a literary or scientific work. For other countries treatment as a scientific work might be the most rea- listic approach. Countries for which it is not possible to attach soft- ware to any of those categories might be justified in adopting in their bilateral treaties an amended version of paragraph 2 which either omits all references to the nature of copyrights or refers specifically to software» (32), Em suma, caso os programas de computador nao sejam considerados como uma obra literdria, artistica ou cientifica num determinado Estado, esse mesmo Estado esté impedido de subsumir os pagamentos corres- pondentes ao termo "royalties" e de os tributar em conformidade com o artigo 12.° de qualquer convengio bilateral que se possa eventualmente invocar. A este propésito lembra-se a recente decisiio do Supremo Tribunal Administrativo (STA) Polaco, de 20 de Junho de 2001, que anulou um acto de liquidago adicional de imposto que havia sido praticado pela administragao fiscal Polaca. Esta tiltima entidade, com o fundamento de que uma empresa polaca nfo tinha retido o imposto sobre o rendimento na fonte que lhe competia, quando efectuou pagamentos pela cedéncia de uso por, mediante as indicagdes constantes do contrato ou através de uma afectagio razoavel, © montante total da remuneragio estipulada em fungo das diversas prestagGes de servigos a que se aplica e submeter cada uma das parcelas da remunerago assim determinadas ao correspondente regime fiscal. ‘Todavia, quando uma das prestagdes acordadas constitui, claramente, © objective principal do contrato e as demais prestagdes nele previstas apresentam uma natureza meramente acessoria e irrelevante, o tratamento aplicdvel prestagdo prin- cipal dever-se-ia aplicar, de um modo geral, 20 montante global da remuneraco». @) Chi. pardgrafo 13.1 dos comentarios ao artigo 12.° do MCOCDE. ©). Cli. pardgrafo 13.1 dos comentitios ao artigo 12.° do MCOCDE — versio 2003 (a Gltima alteragio neste dominio é de 2000). Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 218 Francisco de Sousa da Camara ndo exclusivo e tempordrio de software a uma empresa americana, proce- deu A liquidacdo do imposto considerando que a mesma poderia ser tributada na fonte ao abrigo das disposigdes internas e do artigo das royalties pre- visto no tratado celebrado entre os EUA e a Polénia, na linha da definigao proposta pela OCDE (33). O problema colocado ao STA consistia em saber se os pagamentos efectuados para a empresa norte americana pelo direito de uso de software eram royalties 4 luz da Convengio para eliminar a dupla tributagao cele- brada entre a Polénia ¢ os EUA e, em particular, se no regime doméstico e convencional, o termo "obra literdria, artistica ou cientffica", inclufa ou abrangia os direitos pela cedéncia de software. O STA entendeu que nao e deu total provimento ao recurso do contribuinte, rejeitando a posigaéo assumida pela administragao fiscal e que havia sido sufragada em instan- cia jurisdicional inferior. Primeiro, sublinhou que o direito doméstico Polaco nao trata os direi- tos do software informatico como obra literaria, cientifica ou artistica. Ea este propésito o Tribunal fez referéncias aos préprios comentérios do MCOCDE (para. 13.1 do comentério ao artigo 12.°), concluindo que a administrago fiscal tinha interpretado incorrectamente as recomendagdes ali previstas. A seu ver, como a lei interna Polaca nfo classifica os pro- gramas de computador como uma "obra" os respectivos pagamentos nao se podem subsumir no ambito do artigo das royalties 24). Depois, reforcando este entendimento, o Tribunal adianta que —a seu ver — 0 legislador ja havia reconhecido esta situagio, a ponto de as mais recentes convengées ja inclufrem o termo "programa de computador" na definig&o do préprio artigo 12.° (35) (35), ©) Aleksandra Ostaszewska, "Poland: Decision of the Supreme Administrative Court on the taxation of software payments", European Taxation, Maio 2002, pags. 202-204. (4) Ibidem, pags. 203 e 204. 5) Uma das convengdes em que esse termo foi utilizado foi a Convengio celebrada com Portugal, constatando-se, ainda assim, uma divergéncia nos textos, porquanto 0 texto Polaco inclui no termo royalties a referéncia expressa a programas de computador e o texto portugués e inglés (0 qual prevalece em caso de divergéncia) nao fazem qualquer refe- réncia aquela realidade. C5) B importante referir que 0 Supremo Tribunal utilizou os comentérios da OCDE de 1992, revistos em 2000, para proferir a sua decistio, apesar da convengtio EUA-Polénia ter sido assinada em 1974. Situago que também foi seguida de acordo com as recomen- dagées do proprio MCOCDE, Neste sentido, vejam-se os pardgrafos 35 ¢ 36 da Introdu- glo 20 MCOCDE. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagdo dos rendimentos do software obtidos por ndo residentes 219 3.2, A posigio assumida por Portugal no 4mbito das convengées para eliminar a dupla tributagao Como regra, na celebragio das suas Convengées Bilaterais, Portugal seguiu a definicio prevista no artigo 12.° do Modelo de Convengiio da OCDE (versio de 1977, equivalente ao projecto de 1963) no que respeita a definicdo de royalties, a qual «... significa as retribuigdes de qualquer natureza atribui- das ou pagas pelo uso ou pela concessao do uso de um direito de autor sobre uma obra literdria, artistica ou cientifica, incluindo os filmes cinematografi- cos, bem como os filmes ¢ gravagGes para transmissio pela radio ou pela tele- visio, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um dese- nho ou de um modelo, de um plano, de uma férmula ou de um processo secreto, bem como pelo uso ou pela concessio do uso de um equipamento indus- trial, comercial ou cientifico e por informagées respeitantes a uma experiéncia adquirida no sector industrial, comercial ou cientifico» — veja-se 0 Quadro 2. QUADRO 2 Direrenres ‘Mopetos/ Direrentes Derwnicbes Do TsRMO "ROYALTIES" CONVENGOES BILATERAIS IConvencoes (Que SBQUEM ESTA FORMULAGAO «O termo "royalties", usado neste artigo, sig-| Esta definigao foi adoptada| fica as retribuigdes de qualquer natureza atri-| em varias Conveng6es cele-| Dbuidas pelo uso ou pela concessao do uso de] bradas por Portugal, tendo-se| tum direito de autor sobre uma obra literéria, | mesmo alargado 0 campo| artistica ou cientifica, incluindo os filmes cine-| de aplicaco abrangendo| matogréficos, de uma patente, de uma marca| outras realidade, tais como| de fabrico ou de comércio, de um desenho ou] as gravagdes para transmis- de um modelo, de um plano, de uma férmula| so para radio, pagamentos| MCOCDE jou de um processo secreto, bem como pelo| de assisténcia técnica, etc... 1977 uso ou pela concesso do uso de um equipa-| A Convengao celebrada com| mento industrial, comercial ou cientifico ou| Singapura abrange expressa-| por informages respeitantes a uma experién- | mente o software numa pre- cia adquirida no sector industrial, comercial| cisio incluida no protocolo ou cientifico» ¢ a Convencio celebrada| com a Polénia inelui também| uma referéncia aos progra- mas de computador, mas| apenas na verso polaca «O termo "royalties", usado no presente Artigo,| Nunca se adoptou esta defi- MCODCE |significa as retribuigées de qualquer natureza| nigdo. 2003 —_{pagas pelo uso ou pela concessiio do uso de uum direito de autor sobre uma obra literéria, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 220 Francisco de Sousa da Camara Direxenres Movs.os/ ICoNvENcoEs Direnewres DerinigOss 00 TeRMO "ROYALTIES" ConvEncOes BILATERAIS (QUE SEGUEM ESTA FORMULAGAO MCODCE, 2003 ariistica ou cientffica, incluindo os filmes cine- matogréficos, de uma patente, de uma marca de fabrico ou de comércio, de um desenho ou de um modelo, de um plano, de uma formula} ou de um processo secreto, e por informagées respeitantes a uma experiéncia adquirida no; sector industrial, comercial ou cientifico». |CONVENGOES BILATERAIS «O termo royalties usado neste artigo signi- fica as retribuigdes de qualquer natureza pagas; pelo uso ou pela concessao do uso de um direito de autor sobre uma obra literdria, artis- tica ou cientifica, incluindo os filmes cinema- togréficos ¢ os filmes ou gravagGes para trans- misso pela rédio ou pela televistio, de uma| patente, de uma marca de fabrico ou de comér- cio, de um desenho ou de um modelo, de um Secreto, bem como pelo uso ou pela concessiio do uso de um equipamento industrial, comer- cial ou cientifico e por informagies respeit tes a uma experiéncia adquirida no sector industrial, comercial ou cientifico, e inclui jos ganhos provenientes da venda ou troca dos direitos ou bens que dao origem a essas royalties.» in i Convengao Portugal —| plano, de uma férmula ou de um processo| Reine Unido «O termo royalties, usado nesta Convengio, significa as retribuigdes de qualquer natureza atribufdas pelo uso ou pela concesszio do uso de um direito de autor sobre uma obra literd- ria, artistica ou cientifica, incluindo os filmes cinematogréficos, ou os filmes, gravagées ¢ outros meios de reprodugao da imagem ou do som, de uma patente, de uma marca de fabrico | modelo, de um plano, de uma férmula ou de |um processo secreto, on outros direitos ou bens idénticos, bem como pelo uso ou pela con- |cesstio do uso de um equipamento industrial, comercial ou cientifico ou por informacées: respeitantes a uma experiéncia adquirida ‘no sector industrial, comercial ou cientffico. © termo "royalties" inclui também os page-| ou de coméreio, de um desenho ou de UM) Conyenci Portugal —BUA| Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagao dos rendimentos do software obtidos por ndo residentes 221 Diesavres | CConvencoes Bian onal Direrentes Derinicdes 00 TERM "ROYALTIES Sie vai esos Roel “ONVENCOES. mentos relativos a assisténcia técnica prestada num Estado Contratante por um residente do [outro Estado Contratante em conexiio com © uso dos direitos ou dos bens referidos. ‘Convencoes |O termo “royalties” inclui ainda os ganhos| Convengio Portugal — EUA\ BILATERAIS | provenientes do uso de tais direitos ou bens no caso de alienagdo desses direitos ou bens, na medida em que tais ganhos sejam determ nados em fungo da produtividade, uso ou alie- nago dos mesmos.» Curiosamente, constata-se, ao consultar o MCOCDE, que a Polénia e Portugal foram a Gnicos dois Estados que se reservaram «... 0 direito de tratar e de tributar em conformidade como royalties todos os rendimentos a titulo de software que nao sejam obtidos da transferéncia total de direi- tos relativos a software» (37). Contudo, até a data, salvo no que respeita & convengo celebrada com Singapura e a insdlita situacio ocorrida com a Pol6nia, ndo ha conhecimento de, no que respeita ao software, Portugal ter utilizado uma nogio divergente do termo royalties, daquela que é defi- nida no MCOCDE de 1977. O que significa que, na pratica, nao fez valer essa reserva na celebragdo das suas convencées bilaterais. De facto, s6 recentemente se comegaram a aludir expressamente a essas realidades no plano convencional. No Protocolo anexo a conven¢gao celebrada com Singapura refere-se expressamente que «... 0 termo royal- ties compreende igualmente os pagamentos derivados do uso ou da con- cessdo do uso de software (suportes programacionais), e bem assim os Pagamentos recebidos como remuneragio pela assisténcia técnica prestada em conex#o com o uso ou a concessao do uso de direitos de autor, de bens ou de informagdes a que este néimero se aplica...» (8), mas ainda aqui @) Pardgrafo 43 dos comentérios ao artigo 12.° do MCOCDE. @)_Cfr. Convengao entre a Reptiblica Portuguesa e a Repiblica de Singapura para evitar a dupla tributagao e prevenir a evasio fiscal em matéria de imposto sobre o rendi- mento — aprovada para ratificago pela RAR n.° 85/2000, DR n.° 288, 15-12-2000, pag. 7285 (assim, pag. 7295). Acerca dos significados desta redacgo veja-se Rui Cama- cho Palma, "Portugal: Income taxation of intellectual and industrial property and know-how: Conundrums in the interpretation of domestic and treaty law", European Taxation, Noven- ber 2004, pags. 480-492 (assim, pag. 492). Homenagem a José Guitherme Xavier de Basio 222 Francisco de Sousa da Camara com uma amplitude e extensdo que fica aquém da reserva introduzida no MCOCDE. Por outro lado, constata-se que Portugal, ao contrario de varios outros Estados, no lavrou quaisquer observagdes aos comentdrios respeitantes ao artigo 12.° do MCOCDE, o que, em regra, sempre acontece quando os Estados Membros nao se conformam com a interpretagaio do Artigo apre- sentada nos comentérios (°°). Nestes termos, podemos concluir que ainda que se admitissem as interpretagGes a que aludimos no inicio desta secgfo 3.1. [no sentido de enquadrar, os citados rendimentos no n.° 5 do artigo 3.° ou na alinea n) do n.° 2 do artigo 3.° do CIRS como sublinhémos — cfr. ponto 3.1. supra], a qualificagao interna nao permitiria superar 0 obstdculo convencional que se sobrepde e que, no caso concreto portugués, impediria a subsungiio daquelas realidades no termo royalties previsto nas Convengées bilaterais para eliminar a dupla tributaco. Ou seja, existindo aplicando-se uma con- ven¢ao bilateral, a classificagio do rendimento efectuado pelo direito doméstico nao prevaleceria sobre a qualificagio convencional em virtude da remunerago nao respeitar ao uso ou cedéncia de uso de obra literaria ou cientifica (4) (41), ©) Cit. pardgrafos 28 a 31 dos comentérios ao artigo 12.° do MCOCDE e paré- grafo 30 da IntradugZo a0 MCOCDE. (®) Cf. Kees van Raad, "Five fundamental rules in applying tax treaties", Planea- mento e Concorréncia Fiscal Internacional, pags. 240-341, Fisco, Lisboa, 2003. (*)_ In casu, independentemente da tese qualificatéria a que se adira, a qualificagio deve ser feita pela Estado da fonte; ou porque se trata de qualificar um conceito-quadro (com- petindo apurar, face & lei portuguesa, se o rendimento pago ao titular do software pela cedéncia do mesmo deve ser qualificado como uma royalty ou n&o e, portanto, se se esta a remunerar 0 uso de uma obra literéria ou cientffica) ou porque, segundo as teses tradi- cionais definidas por Klaus Vogel (Lex fori) ou por John Avery Jones (qualificagéo exclu- siva pelo Estado da fonte), tal qualificagao deveria, no caso concreto, ser feita & luz da lei portuguesa em obediéncia aos artigos 3°, n.° 2, 7° da Convengao. Vejam-se Alberto Xavier, Direito Tributério Internacional, pags. 149 e 150, ed. Almedina, Coimbra, 1993; Klaus Vogel e Rainer Prokisch "General Report — Interpretation of double taxation con- ventions", Cahiers de droit fiscal international, vol. LXXVIII a, pags. 55-85 (assim, pags. 82 ¢ 83), ¢ John F. Avery Jones, "UK report on interpretation of double taxation conventions", Cahiers, cit., pags. 597-614 (assim, pags. 607-610). Manuel Pires defende também que a lei a considerar para efeitos da qualificaglo deve ser a lei doméstica do Estado que aplica a convengao — "Portuguese Report on interpretation of double taxation con- ventions", Cahiers, cit, pags. 521-536 (assim, pags. 531-532). Nao se afigura neste caso legitima uma qualificagao pelo Estado da Fonte & luz do direito constitufdo no Estado de residéncia, em virtude de implicar um esvaziamento do poder qualificat6rio da Fonte, de Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagdo dos rendimentos do software obtidos por nao residentes 223 4, OUTROS ASPECTOS RELACIONADOS COM A TRIBU- TACAO DO SOFTWARE 4.1. Introducao No ambito da andlise a que nos propusemos, afigura-se ainda relevante fazer uma breve referéncia a alguns aspectos particulares, a saber: a) Enquadramento juridico-tributério de realidades conexas: @_ Ao tratamento dos rendimentos decorrentes do uso ou da concessio do uso de equipamento [bem como os provenientes de cedéncia de equipamentos e redes informaticas, incluindo transmissao de dados ou disponibilizagio da capacidade informética instalada em qualquer das suas formas posstveis); (i) Ao tratamento do know-how e da assisténcia técnica; (ii) Ao tratamento dos incrementos patrimoniais provenientes de mais-valias realizadas pela alienagio de software ou pela aquisigo gratuita de direitos da propriedade intelectual. b) Caracterizacao das situagdes em fung&o da natureza dos direitos transmitidos e nao do método da transferéncia on-line ou off-line 4.2. Rendimentos decorrentes do uso ou da concessio de uso de equipamentos Como tivemos oportunidade de referir (cfr. ponto 2.1.2. supra e Qua- dro 1), os rendimentos provenientes do uso ou da concessio do uso de equi- pamento agricola e industrial, comercial ou cientifico (quando nfo consti- se poder considerar contréria ao artigo 3°, n° 2, da Convengio, ¢ & propria segurenga Juridica que € exigida nestas situagdes. RazGes suficientes para que o CAF da OCDE nao tenha aceite a proposta do BIAC apresentada & OCDE, a qual sugeria: «where software is eligible for protection under the copyright law of the country in which it was developed, Payments for the use of such software in the source country should be classified as copy- Tight royalties», but «payments of software not eligible for copyright protection will cons- titute business profits under Article 7, the taxability of which would depend upon the exis- tence of a permanent establishment in the source country» — John Jones e Robert Mattson, ob. cit pag. 37. Veja-se também, sobre a aplicagdo das leis estrangeiras, Alberto Xavier, ob. cit, pags. 162 a 166. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 224 Francisco de Sousa da Camara tuem rendimentos prediais), bem como os provenientes de cedéncia, espo- rédica ou continuada, de equipamentos e redes informiticas, incluindo transmisséo de dados ou disponibilizac&o de capacidade informatica instalada em qualquer das suas formas possiveis obtidos por entidades nao residen- tes € sem estabelecimento est4vel em Portugal s&o sujeitos a imposto, como rendimentos de capitais, estando, por via da regra, 0 direito de tri- butar limitado pelo disposto no artigo 12.°, n.° 2 ou 3 (i.e. 0 artigo desig- nado por royalties), da convengao bilateral para eliminar a dupla tributa- gdo que se aplicar ao caso (cfr. Quadro 2). A tipificagéo normativa referida na primeira parte do pardgrafo ante- tior foi importada para o nosso ordenamento jurfdico interno directamente do texto das Convengées, no inicio da década de oitenta, quando os ren- dimentos derivados do uso ou da concess&o do uso de equipamento agri- cola, industrial, comercial ou cientifico que nao estivessem sujeitos a con- tribuigao predial se submeteram a tributacio no Ambito do imposto de capitais (*). A segunda parte foi aditada recentemente, no Ambito da reforma concretizada no final do ano 2000, sem ter subjacente uma refe- réncia convencional (43). Desde cedo que nos comentarios ao artigo 12.° (versio MCOCDE de 1977) se procurou definir a extensio do termo "uso ou concessio de uso de equipamento", conduzindo a excluir as remuneracées derivadas do alu- guer de bens méveis que nao constituem equipamento industrial, comercial ou cientifico, bem como o prego de venda de equipamento, assim como as prestagGes recebidas em virtude de vendas a prazo (4). Por outro lado, acei- tando-se e utilizando-se este termo também se consideraram excluidos os bens iméveis € os bens incorpéreos que no so, por natureza, equipa- mentos (45). (®) Chr. artigo 6, n° 11, do Cédigo do Imposto de Capitais, com a redacco pelo dada pelo artigo 1.° do Decreto-Lei n° 197/82, de 21 de Maio. (®)_Aditamento introduzido pela Lei n.° 30-G/2000, de 29 de Dezembro. Segundo parece, 0 objectivo do legislador tera sido ode abranger «... realidades ligadas ao comér- cio electrénico, prevenindo lacunas e as consequentes oportunidades fiscais» — Vide ECORFI — Relat6rio — Final e Anteprojectos, Cadernos de Ciéncia Técnica e Fiscal n! 190, pag. 25, ed. Ministério das Financas, Lisboa, 2002. (#) Chr. pardgrafo 9 do comentério ao artigo 12.° do MCOCDE de 1977, ¢ Manuel Pites, Da dupla tributagao juridica internacional sobe 0 rendimento, pags. 656 ¢ 657, ed Centro Estudos Fiscais, Lisboa, 1984. (*) Equipamentos poderao ser definidos como «um conjunto de meios materiais necessarios ao exereicio de uma fungdo ou de uma actividade», O Relat6rio da OCDE Homenagem a José Guitherme Xavier de Basto A tributagdo dos rendimentos do software obtidos por ndo residentes 225 Nao se encontrando qualquer referéncia expressa no CIRS sobre o termo "equipamentos" e nao existindo orientagGes para preencher 0 contetido de tal termo de uma forma precisa nao se deverd deixar de interpretar este conceito da mesma forma por que € interpretado em geral (seguindo o termo comum) e, em particular, no plano convencional, tendo em conta a unidade do sistema juridico que importa preservar (46), E, sendo assim, os pagamentos que visam remunerar 0 uso ou cedén- cia de uso de software, ao contrério daqueles que remuneram as cedéncias do uso de hardware nao se subsumem claramente na categoria de rendi- mentos de capitais (disposi¢ao doméstica) ou de royalties (artigo 12.°, n.° 2, do MCOCDE) (47). Dificuldade acrescida provém do aditamento introduzido 4 2.° parte da alinea n) do n.° 2 do artigo 5.° do CIRS. Qual o sentido ttil e a finalidade desta disposi¢fio introduzida no final de 2000? Poder-se-4 argumentar que uma parte dos rendimentos ja seriam tri- butados como proveitos da cedéncia do uso de equipamentos e, uma outra seria sujeita a imposto como proveniente da Prestagao de servi- gos, sendo desnecessério este aditamento; mas, também se podera acei- tar que o legislador procurou nao sé estender, mas também clarificar o sentido da cedéncia de equipamentos, de forma a abranger o hardware ¢ qualquer outro material ou infra-estrutura que permita a transmissio de dados entre duas ou mais entidades, posto que pouco ou nenhum sentido faz pretender tributar servigos (e.g. transmissao de dados) como rendi- mentos de capitais (48), de 1983 sobre a tributagao do rendimento derivado da locagéo de equipamento industrial, comercial ou cientffico, esclarece mesmo que os equipamentos so activos corpéreos tais como os contentores, maquinarias e bens em geral (mas no iméveis). (3) Interpretagdo que se faz 2 luz dos artigos 9.° do Cédigo Civil e 112 da LOT. (®) Aste propésito, Rui Camacho Palma, recorda que num recente estudo da OCDE sobre E-Commerce chega-se a concluir que «... 0 termo "equipamento" 6 se aplica a activos corpéreos ¢ 0 facto de um produto digital (software) ser cedido através de um meio corpéreo nfo modifica 0 facto de que o objecto da transaccio € a aquisi¢ao de direi- tos de uso de um bem digital ¢ nao o direito de uso de um bem corporeo». Cf. Rui Camacho Palma, "Portugal: Income taxation of intellectual and industrial property and know-how: Conundrums in the interpretation of domestic and treaty law", European Taxa- tion, November 2004, pégs. 480-492 (assim, pags. 483 e 484). () Sobre esta inconsisténcia, veja-se também Rui Camacho Palma, ob. cit, pgs. 484 © 485. Sobre a problemética mais vasta de tributar servigos como rendimentos de capitais Tembram-se as discussdes no dealbar da reforma fiscal em torno da incluso da assistén- 15 Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 226 Francisco de Sousa da Camara No plano internacional, outros problemas se podem equacionar. Caso se aplique qualquer convengdo, importaré comecar por indagar se o mate- tial em causa se poderd incluir no termo convencional (“equipamentos”), permitindo a subsuncao do rendimento & categoria das royalties (caso assim niio seja, tais rendimentos deverao ser considerados como rendi- mentos comerciais), ficando o Estado da fonte limitado nos termos previstos naquela disposigio convencional. Caso néo exista ou nao se possa aplicar qualquer convengao, € nfo obs- tante se aceitar que o requisito exigido pela regra da territorialidade se encontra preenchido de forma genética (cfr. artigo 4.°, n.°° 3, alinea c), 3.° € no por referéncia, por exemplo, a qualquer dos restantes ntimeros da ali- nea c) do artigo 4.°, n.° 3, do CIRC), constata-se que estes rendimentos poderiam ser sujeitos a uma taxa superior Aquela que se aplicaria, caso fossem obtidos por pessoas singulares (4%); as exigéncias interpretativas conduzem, neste caso, em obediéncia a preservar a unidade do sistema e a neutralidade dos impostos, a proceder a uma interpretagao restritiva, entendendo-se, sempre que possivel, que a 2.* parte do artigo 5.°, n.° 2, alf- nea n), do CIRS pretende esclarecer 0 sentido da’ 1.* parte no sentido de © sujeitar. a0 mesmo tratamento tributério (5%), 4.3. Rendimentos pagos pela cedéncia de know-how e assistén- cia técnica por sociedades nao residentes sem estabeleci- mento estével em Portugal A propésito destas situagdes e em virtude de ambas as realidades estarem previstas no ambito da legislacao interna, a principal questao que se coloca é a de saber se a convenciio celebrada para eliminar a dupla tri- butagtio que concretamente se possa aplicar limita a possibilidade de se apli- car 0 direito intemo, nao abrangendo eventualmente esse rendimento na cate- cia técnica como rendimentos de capitais. Dificilmente se vé como é que com esta redac- ao se pretendiam tratar os problemas do comércio electrénico, prevenir lacunas e as con- sequentes oportunidades fiscais, situagdes a que alude o Relatorio ECORFI. () Ou seja, 15% © 20% respectivamente. Cfi. artigos 71, n° 4, alinea a), do CIRS 2 80°, n° 2, alinea c), do CIRC. ) Subsumindo o rendimento previsto no artigo 5°, n° 2, alinea n), do CIRS as regras de territorialidade referidos no artigos 4.°, n.° 3, alinea c), 2°, do CIRC e & taxa pre- vista no artigo 80.°, n° 2, alinea 6), do mesmo CIRC, de modo a sujeitar tal rendimento A taxa de 15%. Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto A tributagdo dos rendimentos do software obtidos por ndo residentes 227 goria de royalties e impedindo, consequentemente, o Estado da fonte de tri- butar tais rendimentos (51), Esta matéria est muito tratada em Portugal tanto no plano doutrina- rio como jurisdicional, pelo que, em geral, os problemas que se levantam decorrem apenas da subsungao dos factos ( necessdrio verificar a natureza especifica dos servigos em face dos factos) ao direito e, bem assim, da con- trovérsia gerada pela incorrecta aplicaco dos procedimentos administrati- vos para beneficiar da aplicago das convengées para eliminar a dupla tri- butacio. 4.4, Alienagées onerosas e aquisigdes gratuitas de software trans- mitido por sociedades nao residentes e sem estabelecimento estavel em Portugal 4.4.1, Alienago e cedéncia onerosa de software a) Alienagao total de direitos ‘Também neste dominio, as recentes alteragdes aos cédigos dos impos- tos € a falta de concretizagao, na negociag’io das Convengées bilaterais, da posic&o assumida por Portugal no seio do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE, criaram novas perplexidades. Primeiro, verifica-se do confronto das normas de incidéncia [e.g. artigo 10.°, n.° 1, alinea c), do CIRS] com as regras da territorialidade (artigo 4.°, n.° 3, do CIRC) que as mais-valias eventualmente obtidas com a alienaco onerosa de rendimentos de propriedade intelectual e industrial (€ aqui, no que respeita ao software, j4 teriamos que aceitar a interpreta- g4o segundo a qual esta disposi¢do abrange nao s6 os direitos de autor como quaisquer direitos tutelados e protegidos pelos mesmos direitos de autor) nao se consideram obtidos em territorio portugués, uma vez que, por um lado, dificilmente se poderia aceitar que "rendimentos provenientes da propriedade intelectual e industrial" (expresso esta utilizada no Cédigo do IRC) incluiriam as mais-valias, quando, para efeitos de IRS, s6 abran- gem os rendimentos derivados do uso daqueles direitos (52) e, por outro lado, @1)_No pressuposto de que tais rendimentos sto rendimentos comerciais passiveis de tributago exclusiva no Estado da residéncia, nos termos do artigo 7°, n.° 1, da mesma Con vengao. ) Quando o legislador pretendeu sujeitar os ganhos provenientes da alienago de direitos da propriedade intelectual e industrial disse-o expressamente na alinea c) do n.° | Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto 228 Francisco de Sousa da Camara ndo se pode, em rigor, defender que tais mais-valias provéem daqueles direitos (5). Acresce que, no plano internacional (convencional), se tem entendido que 0 artigo 12.°, n.° 2, do MCOCDE nio incluiu no termo royalties 0 pro- duto da alienagao de direitos (constituindo antes rendimentos comerciais), salvo em situagées totalmente identificadas como tal (54). b) Alienagdo parcial de direitos e cedéncia do uso de software No entanto, na generalidade dos casos nao se transferem a totalidade dos direitos relativos ao software, o qual resulta frequentemente de um trabalho de investigagiio e desenvolvimento muito profundo que pode ser explorado comercial e economicamente de formas muito diversificadas (55). A titulo meramente exemplificativo lembramos que 0 software: (i) pode ser inclufdo (tanto © software da aplicago como o de exploracao) de forma a fazer parte integrante do préprio hardware quando o mesmo é alienado; Gi) pode ser cedido para simples uso pessoal ou empresarial, designadamente através da obtengiio da chamada licenga de plastico em que geralmente € proibido qualquer desenvolvimento ou exploragio comercial da licenga e em que, por via de regra, o licenciado adquira um direito permanente ("shrink-wrap license"); (iii) pode ser cedido com o simples propésito de revenda (e.g. os chamados contratos de revenda ou de distribuicdo); ou (iv) pode ser cedido pata ser utilizado, desenvolvido e explorado comercialmente pelo licenciado do artigo 10° do CIRS; disposigao esta que se distingue claramente das normas de incidéncia referidas nos artigos 3.", n.* 1, alinea e), e 5.°, n.° 2, alinea m), do CIRS. () Cer. artigos 10°, n? 1, alfmea ¢), do CIRS e 4.%, n.°* 3, alinea c), e 1, do CIRC. No mesmo sentido, Rui Camacho Palma, ob. cit, pag. 488. () Cir. ponto 3.1 (1) (ii) supra. Nas Conveng6es celebradas por Portugal, consti- tuem excepgdes as Convengées assinadas com o Reino Unido e os EUA (veja-se 0 Qua- dro 2). Veja-se também Rui Camacho Palma, ob. cit., pags. 485 a 488, (9) facto dos custos poderem ser muito avultados sempre suscitou reacgées & tributagdo das royalties no Estado da fonte (sobretudo por incidir sobre o valor bruto) A principal critica que se tem apresentado a este respeito € a de que este sistema é infquo ¢ ineficiente, promovendo situagées em que a tributago é superior ao rendimento liquido obtido pelo cedente da licenga ou, pelo menos, a situagdes de dupla tributagio que no sao climinadas mesmo com a aplicagao das Convengées, caso 0 Estado da residéncia adopte 0 método da imputago normal, Sobre a qualificago juridica (compra e venda/locacao de pro- gramas de computador). Veja-se, entre nés, Alexandre Dias Pereira, “Programas de com- utador, sistemas informéticos, ¢ comunicagdes electrOnicas: alguns aspectos juridico-con- tratuais”, in R.O.A. n.° 59, 1999, III, pags. 915-1000 (assim, pag. 931 e segs.). Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto

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