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Adriana Rodrigues Domingues | Solange LAbbate Robson Jesus Rusche ORGANIZADORES Analise Institucional perspectivas contemporaneas, teorias e experiéncias HUCITEC EDITORA “Di igitalizado com CamScanner 8. Adriana Rodrigues Domingues Regina Maria Santos Diss CARTOGRAFIAS ESQUIZOANALITICAS: AS LINHAS INSTITUCIONALISTAs EM MOVIMENTACAO Anilise Institucional: um breve recorte AIO DE 1968 nao foi apenas um acontecimento histérico nas ruas de Paris. O mundo vivia modi- ficagées avassaladoras geradas pelos efeitos geopo- liticos do pés-guerra e pela insatisfagao que brotava em tonalida- des diversas nos dois hemisférios do planeta, mosaico quelliberou manifestacdes € mutages que fizeram dos anos 60a década mais explosiva do século XX. No rastro dessas contribuigéeshis- t6rico-politicas, propostas cientificas e artisticas foram tecidas em diferentes campos de agiio, a0 mesmo tempo em que: cram interrogadas metodologias e concepgdes da formagiio social pregressa. ‘Tais efervescéncias se mostraram determinantes ee aparecimento de diversas praticas sociais, culturais, pedagégt cas e clinicas, constituindo as condigdes qué era Anilise Institucional francesa, ja distinta, nessa mesmit a da, em duas correntes filos6fico-conceituais: a Soret & tendo como base a tese de doutorado A Andlise Institue mn . René Lourau, publicada em 1969; ea Esquizoaaiti como referéncia o livro O Anti-Edipo: capitalisma.eesq"™ 222 Digitalizado com CamScanner publicado em 1972, escrito por Gilles Deleuze Félix Guattari. Enguanto a primeira utiliza o método da dialética hegeliana para fazer surgir 0s analisadores eas forcas instituintes, a se- sgunda visa a micropolitica, isto é, praticas singulares que libe- ram o processo produtivo-desejante-revoluciondrio, em dife- rentes pontos da rede social (Romagnoli, 2014). Essa distinglo se afirma por ages teérico-técnicas espe- cificas ¢ leituras filoséfico-politicas diferenciadas, o que nao impede de serem aproximadas quando se trata de uma tomada de posicao aguerrida diante dos centros de poder — onde quer que eles se atualizem —, na convergéncia de andlises criticas ao capitalismo e no entendimento das priticas sociais como vetores - incontestes para a produgéo da vida individual e coletiva (Baremblitt, 1989; Saidon, 1991). Assim, desde os tempos iniciais, 0 pensamento institu- . Gionalista apreende as forcas que forjam e atravessam os dife- entes grupos e equipamentos do tecido social, Nessa via, é | Possivel considerar que os desafios do campo de anilise! ¢a Problematizacio da nogio de instituigio? se confundem com Pr6pria histéria do movimento institucionalista, gerando des- dobramentos conceituais, operando rupturas ¢ fortalecendo o ento de concepgdes criticas em dissonancia com os sa- hierarquizados e naturalizados da sociedade. Tal feito se beravam a disciplinarizacao do corpo ¢ o submetimento Populacses; paisagem que era dominante, sobretudo, nos lecimentos psiquistricos (Foucault, 1979). Abriro campo de anilise consiste na pesquisa das linhas de forsa em jogo senen *T¥ensio; exercicio que desloca os elementos que tecem 0 conjunto S ¢ das objetivagses naturalizadas nos diferentes registros e priticas so- al tnaltca ocorre imanente 20 campo de intervensio, posto que as priticas "em atualizam territoriaidades que comportam dimensdes individuais, tBanizacionais (Rodrigues, 1991). i jaitituicao perde aqui o carter juridico-normativo para assumir um 'st6tico-produtivo: — no sentido ativo dos coletivos. Nessa via, tal con- mensete A anilise das forgas que se instrumenta nas relagdes sociais € nos Wa M08 da sociedade, mantendo-os de pé (Rodrigues, 1991). 223 pai als Digitalizado com CamScanner Estes equipamentos de reclusio eram pautados pe produgao de uma loucura institucionalizada, gerando cfs visiveis na postura adotada pelos pacientes. Os modelos de tra- tamento tornavam os internos surdos, cegos e mudos ante qual- quer possibilidade de comunicagio social, conferindo-lhes um rosto de estranheza ec ampliando o distanciamento da vida co- munitaria, fazendo surgir, frequentemente, a violéncia como forma de relacao predominante. Panorama semelhante acometia também os funcionarios e técnicos, os quais, por sua vez, ado- tavam uma postura desumanizante, como uma couraca neces- saria para se protegerem e escaparem do desespero da depres- sao. A loucura moldava, desta forma, as nuancas da vida coletiva: um meio de segrega¢ao, medo e isolamento (Guattari, 1992). Foi nesse cendrio que as experiéncias de Psicoterapia Institucional se desdobraram no interior de um equipamento psiquidtrico— o Hospital de Saint-Alban. Quando Frangois Tosquelles, em 1940, € enviado para la, sao acolhidos exilados do regime do Partido Comunista Francés, artistas do movi- mento surrealista e outros desviantes do pensamento oficial dominante na realidade francesa de entao. E nessa atmosfera que o hospital se transforma em um grande atelié de experi- mentagao da vida institucional — um espago de liberdade, criatividade ¢ abertura para o mundo fora de seus muros. Nes- sas primeiras experiéncias de Psicoterapia Jnstitucional pro- pde-se que a instituicao seja curada, ¢ isso s6 pode ocorrer mediante relagées inovadoras entre todos os que compoem © a: is : eet ne cotidiano dos assistidos. Assim, nos anos inicials, 3S agoes 2 sca de alternativas que garantisse! : se, sobretudo, rom iio e serializas#© vo € vazio, t0" nan- ‘Ao propor se ques giam-se muito mais para abt isténcia psicoldgica e social; buscava~ e ritualizagao, hierarqui: ter repetiti istalizados. aa per com as formas d que conferem A existéncia um card do os fazeres institucionalizados e cri : es instituidas, visav™ desconstrugiio de lugares e fungdes institufdas, vi ee indi ‘i sen individuos e os grupos se reapropriassem dO" do menos tecnocriti Assit, existéncia, numa perspectiva 1 224 Digitalizado com CamScanner almejavam tratar ainstituig fio, objetivavam a retomada da fun- gio principal do estabelecimento psiquidtrico, a saber: ser um espago de saiide para todos os que nele se encontrassem — profissio is, técnicos, funcionarios €, sobretudo, os pacientes, Em 1953, Félix Guattari é convidado para trabalhar na Clinica La Borde dirigida por Jean Oury, sendo esta conside- rada a segunda experiéncia de Psicoterapia Institucional. As- sim como no Hospital Saint-Alban, La Borde se tornou o es- conderijo para militantes em luta pela libertagao da Argéliae, portanto, lugar de experimentasio de uma nova relacio da psi~ quiatria com aloucura. Apelidado como contrabandista, derru- bador de fronteiras (Rodrigues, 2005), a contribuigao de Guattari foi uma mistura composta de militancia politica, apro- ximag6es com a psicandlise lacaniana e com a loucura vivida no interior e fora dos muros da Clinica La Borde. Nesse momento, Guattari investe na produgao de modos de vida mais singulares, levando em conta a autoanilise ¢ a autogestio das decisdes que se desdobravam naquele equipa- mento. Esse tipo de interven¢ao aposta em individuos, grupos ecoletividades como processualidades, aptas a produzir novos sentidos e novas priticas — criadas e geridas de modo libertitio e transversal Para que um proceso autogestionfrio ocorra, deve-se considerar a transversalidade presente nos grupos envolvidos. Inicialmente, para Guattari (1981), este conceito refere-se 20 grau maximo de comunicagio entre os diferentes niveis que Se encontram em um espago terapéutico — dos gestores aos usuarios — e, sobretudo, em diferentes sentidos — na horizontalidade das relacées cotidianas. Assim, o coeficiente detransversalidade? se constitui em uma ferramenta conceitual 3 Para explicar o que denomina “coeficiente de transversalidade”, Guattari (1981) o compara a viseira regulivel do cavalo, isto é, ao grau de abertura que a Eat precisa ter para que 0 cavalo possa circular de maneira mais harmoniosa. ‘ompara-o, também, i parabola de Schopenhauer sobre os porcos-espinhos que, uttindo fri € no suportando uma aproximagio muito intima, precisam encontrar lima distincia conveniente para que possam se aquecer uns oe Outs & 3 Mesmo tempo, suportar melhor os males que os espinhos alheios Ihes cau: 225 Digitalizado com CamScanner capaz de permitir distinguir entre um grupo sujeitado ¢ um grupo sujeito. : O grupo sujeitado, fechado em si mesmo, softe como processo de hierarquizacao por ocasiao de seu acomodamento e passividade em relacao aos outros grupos. Seus membros nig admitem a existéncia de conflitos ou dissidéncias; sua lideran. ca é centralizadora e exige de seus membros a obediéncia ¢ submissio aos seus objetivos ¢ coesio internos. Na vertente de sujeigao do grupo estariam fendmenos tendentes a “curvé-lo sobre si mesmo, [. . .] tudo 0 que tende a proteger o grupo, a calafeté-lo contra as tempestades significantes” (Guattari, 1981, p- 107). O grupo sujeito, diferentemente, produz uma subje- tividade com vocagao a tomar a palavrae ter controle sobre sua propria conduta, admitindo certa provisoriedade e contingén- cia, Por exercer esse carater, suportam 0 encontro com aalte- tidade, o que pode até mesmo concorrer para a dissolugio do préprio grupo, posto que nesse modo de funcionamento nio ha medidas de seguranga colocadas em primeiro plano. Ne- nhum desses dois tipos de grupos existem de maneira estan- que, e nem sao mutuamente excludentes; ha sempre um mo- vimento pendular que oscila entre um polo de antiprodugio, cristalizacao e sujeicio, ¢ outro polo de produgio, abertura para novas conexdes e subjetivagao mais criativa. A transversalidade € entiio a capacidade dos grupos de caminharem em ditegioa certo protagonismo e se expressa por limiares ou coeficientes. O coeficiente de transversalidade define a margem de abertura de cada grupo em um momento particular. Nesse sentido, o lugar do analista também deve ser colo- cado em andlise, transversalizando as relagdes entre quem sabe! pensa/fala e quem nao sabe/nio pensa/nio pode falar. Nessa via, 0 inconsciente e também a transferéncia sio pensados fort do campo estrito da experiéncia clinica dual dominante n° periodo, o que concorre para a énfase que receberi o conceit de dispositive analisador nas agBese situaes surgi mint dia da clinica — uma conceituagio cara ao desdobramento °™ 226 Digitalizado com CamScanner jntervengdes institucionalistas nessa segunda fase. Tal ferra- menta se mostra fundamental para acatar e/ou disparar visibi- jdades dizibilidades produzidas pelo grupo, fazendo emer- git contetidos e express6es que permitem pensar os vetores de conservacao presentes nas formas instituidas da sociedade e que, concomitantemente, se reproduzem nas relagdes em cur- so no equipamento social. Membro do Grupo de Trabalho de Psicologia e Sociolo- gia Institucionais (GRPsi), Guattari adota, em 1960, a ex- pressio andlise institucional para Caracterizar essa segunda ex- periéncia de Psicoterapia Institucional (Rodrigues, 2005). Introduz estrategicamente a dimensao analitica em todas as experiéncias grupais, destituindo a funcio de anilise e a fun- gio terapéutica a figura exclusiva do analista e dos elementos psi. Tudo e todos passam a ter fungdo analitica e terapéutica. Dessa maneira, aposta na capacidade de o ambiente institucional se transformar em um meio apropriado para a psicose mostrar- -se em uma relagio diferente com o mundo. Seus principais eixos centram-se entio na desospitalizacao dos pacientes com transtornos mentais, incluindo-os na familia e no trabalho; no rompimento dos lugares e saberes instituidos entre os especia- listas ¢ os objetos de seu conhecimento; na ampliagio dos es- pagos de participagiio dos pacientes na proposicio de oficinas, assim como dos funcionarios na coordenagio de reunides; em sintese, na transformacao da vida social, comunitaria e no coti- diano de todos aqueles que experimentavam a Clinica La Bor- de (Guattari, 1992). As estratégias utilizadas para que essa mudanga ocorra sio marcadas por uma profuséo de dispositivos coletivos: assembleias gerais, secretariado, comissdes e subcomissées, coor- denagio dos encargos individuais e ateliés de todos os tipos. Uma minirrevolugao interna que convocava cozinheiros, jardi- neiros, faxineiros a se integrarem ao atendimento dos pacientes, asim como os “técnicos” a se revezarem nas tarefas didcias. Uma grade repleta com quarenta atividades para cem pacientes e 227 Digitalizado com CamScanner “= setenta funcionarios, com descrigées sobre o te cago necessaria para o desempenho das tarefas, disponibitinn todas as atividades do dia, desde as. ligadas ao tratamento ' ; animagao das oficinas, até as relacionadas 4 manutencio ¢ dimento das necessidades da vida institucional, Assim, o5 Mpoea qualif. monitores formados pelos “revezamentos” “grade” e participando ativamente das reu magio e de formagio, tornavam-se pouc diferentes do que eram ao chegarem a clit nas se familiarizavam com o mundo daloucura, tal como o revelava o sistema labordiano, nao apenas aprendiam novas técnicas, mas sua forma de ver e de viver se modifi- cava. [. . .] O mesmo acontecia com os doentes Psicéticos: alguns revelavam capacidades de expresso totalmente imprevistas, por exemplo, de ordem pictérica, que a con- tinuagao de suas vidas em um ambito comum nio lhes teria jamais permitido entrever, Empregados de escrité- tio preferiam garantir tarefas materiais, agricultores se de- dicavam a gestao do clube e todos af encontravam mais do que um derivativo: uma nova relacio com o mundo (Guattari, 1992, pp. 187-8). » Buiados pela nides de infor. ‘0. pouco bem nica. Nio ape- Nessa nova composiciio formam+se territérios existenciais c institucionais completamente diversos dos modelos asilares. Por meio das experiéncias coletivas promovidas pelos ateliés ou pela convivéncia nas salas de jantar e nos quartos,avidee ; Toucurapassam a ser reinventadas. Os efeitos predides essa experiéncia foram a dessegregacio das relagdes oT 7 usuarios € os técnicos, instaurando tomadas de responsabili ia des individuais ¢coletivas, além do rompimento com 2° lidade de agées, qualificacdes e fungées, concorrendo pan ; atuagao mais ética e menos técnica; uma relagio dite como trabalho, coma existncia pessoal e com o mundo efeitos valorizam a reversibilidade do encontro, enten 228 Digitalizado com CamScanner enquanto capaz de fomentar acontecimentos que produzem desvios nos processos estratificados de subjetivacio. Nessa pers- pectiva guattariana, a vida pode se tornar surpreendente, o que Jeva o pratico-guerrilheiro a constatar que com as mesmas “notas” microssociolégicas, pode-se com- por uma mitisica institucional completamente diferente. {.. .] Existe af uma espécie de tratamento barroco da instituigao, sempre 4 procura de novos temas e variacées, para conferir sua marca de singularidade quer dizer de finitude e de autenticidade — aos minimos gestos, aos minimos encontros que advém dentro de um tal contex- to (Guattari, 1992, p. 189). Para que estas experiéncias possam ser reinventadas (mas, nunca reproduzidas), deve-se considerar que a subjetividade, tanto a dos doentes quanto a dos “técnicos”, nao pode ser sepa- tada dos agenciamentos coletivos* de sua producio. A insti- tuigdo, pensada agora como um conjunto de forgas politicas, deve abarcar a nogio de uma continua movimentacao, concep- G40 que passa a considerar as diversas relagdes como lugar de recomposi¢ao dos territérios existenciais que contemplam o corpo, 0 espago ea relacao com 0 outro. Nesse entendimento, passa-se a tecer as linhas vividas como processos de recriago permanentes, perspectiva micropolitica® 4 Os agenciamentos coletivos permitem pensar a realidade e a subjetiv 4 partir de um sistema de fluxos continuos. Tal conceps0 rompe com os processos de recognigdo, descartando a um s6 tempo a ligica cartesiana © empirista. O agenciamento se di primordialmente em dois eixos e acata as condigdes de di- ferenciasdo imanente a todo ¢ qualquer evento. Comporta uma face voltada para &S estratos ¢ cédigos. Estes, ao se conjugarem, recolocam as forgas conservativas 4 Aviso dos sentidos ¢ expressdes vigentes em um corpo sotial. A outra face do mento esti voltada para a desestratificagdo e/ou descodificagio, liberando Revs de movimentagio capazes de operar modificagées na realidade (Guattari 8 Rolnik, 1986), 5A perspectiva micropolitica situa a subjetivagio como producto. Ao etait 84 dicesio, Guattari considera as formas subjetivas como um conjunto midget de componentes em relagio, ais como elementos econdmicos, soci, ities, informacionais, téenicos, etc. Nessa via, a subjetivago passa a ser en 229 Digitalizado com CamScanner que permite sonhar uma verdadeira “revolugio molecular”, uma revolugio capaz de transformar a vida e gerar modificagdes tar bém nos conglomerados urbanos, nas escolas, nos hospitais, nag pensdes etc. . ., se, ao invés de concebé-los na forma da repeticao vazia, nos esfor¢4ssemos em reorientar sua fi nalidade no sentido de uma recriagao interna permanen- te. Foi pensando em uma tal ampliagao virtual das préti- cas institucionais de produgao de subjetividade que, no inicio dos anos sessenta, forjei o conceito de “andlise institucional” (Guattari, 1992, p. 189). Deleuze e Guattai m encontro fulgurante PsicOTeRAPIA Institucional viabilizada em La Borde er a experiéncia que despertard a curiosidade de Deleuze sobre a loucura, em especial a esquizofrenia, o que ira fomen- tar um rico didlogo que dard origem aos textos escritos com Guattari. Felix Guattari nasce em 30 de margo de 1930 ¢ falece em 29 de agosto de 1992. Depois de trés anos de estudos aban- dona a faculdade de farmicia, frequenta cursos de conhecidos professores de filosofia, além de aprimorar o pensamento mar- xista ¢ participar ativamente de diversas agdes e manifestagdes politicas. Sua vida foi marcada pela conjungao de trés dimen- soes diferentes: a militancia politica em organizagdes como os Albergues da Juventude e em movimentos de extrema esquet- da, como a Via Comunista, as experiéncias com a psiquiatria Vividas na Clinica La Borde, em Cours-Cheverny, desde 1953, fendida como engendramento de elementos diversos que se conectam € 5¢ aglo- meram em uma relagao diferencial infinita. Esse carter esquizo, fragmentitio indica © potencial disruptivo das forgas minoritirias — cariterprocestil Ue convoea a problematizagio dos sentidos que se atualizam a cada agenciamento de descjo (Guattari 8 Rolnik, 1986), 230 Digitalizado com CamScanner formagio ¢ anilise feitas junto a Jacques Lacan, desde o ci neso dos semindios. Na tentativa de integrar esses modos seve, comesaa nterpretaraneurosea parr da exquizofrenin, abandona a ideia de significante €se aproxima de uma légica das multiplicidades. Arduo defensor do Maio de 68, ede toda expiéaia que sublinhe contomnos desingularidade, escreve livros que interrogam, de forma contundente, a Psicologizacio dos problemas sociais ¢ a patologizacao da vida subjetiva, cons- truindo, por essa via, um discurso ao mesmo tempo politicoe clinico, sem reduzir uma dimensao 4 outra (Deleuze, 19922). A partir das experiéncias acumuladas, viabiliza a cria- soda Fgeri (Federagio dos Grupos de Estudos e Investiga- gdes Institucionais), em 1966, que consiste em um grupo for- mado por psiquiatras, professores, estudantes, arquitetos, urbanistas, socidlogos, cineastas, antropélogos, psicanalis. tas e psicossocidlogos. Nesse universo funda as bases da Ana- lise Institucional que, desde 1960, havia cunhado o termo. Incorpora a dimensio analitica em todos os grupos, introduz oquestionamento do propésito das coisas, ampliando, assim, as priticas e os saberes que configuram 0 campo da anilise. Portanto, onde quer que se dé a problematizagio das ideias classicas ¢ das l6gicas estabelecidas, faz-se necessirio a habi- lidade de colocar questées que nao lograram ser apresenta- das, operando, necessariamente, enfrentamentos sempre de um novo modo. Assim, desde as contribuigdes da Anilise Ins- titucional, Guattari j4 anunciava a prevaléncia das forcas diagonais a0 pensamento, destacando a importancia de se pen- Saras transversalidades que podem ajudar a romper as divisées cas hierarquias naturalizadas nas praticas sociais ¢ institucionais (Guattari, 1992), Em 1969 cria o Cerfi (Centro de Estudos, Pesquisa e Formagio Institucionais), com a intengao de potencializar a luta dos 8TUPos minoritirios, os quais ele passard a denominar como “revolugdes moleculares”. Nesse mesmo ano, conhece Gilles Deleuze e com ele inicia uma parceria que mudard a 231 Digitalizado com CamScanner a feicio conceitual das ages institucionais, sobretud vengdes clinico-politicas (Rodrigues, 2005), Gilles Deleuze nasce em Paris em 18 de gradua-se em filosofia na Sorbonne. Escreve lo das inter. Janeiro de 1995 : Monografia, bre diversos filésofos, extraindo uma conceituagiio propri ida cada estudo empreendido. Desse modo, forja novos Proble- mas, abrindo outra imagem do pensamento no seio dacons- trucio filos6fica ocidental. E desta fase os livros sobre Hume Spinoza, Kant, Niezsche, Bergson. Deleuze pensa uma pop filosofia para escapar da classica historia da filosofia, se desem- baragando do conhecimento livresco e langando izes sobre uum plano de pensamento interessado nas variages—conce,. 40 que favorece um novo entendimento das artes, e das priticas sociais. Em 1968 finaliza uma tese de doutorado intitulada Dj- _ferenca erepetigao, na qual trabalha a nogio de repeticio dife- rencial e concebe a vida como processo ininterrupto de criacio do novo. Recorrendo a temas literérios escreve sobre Kafka, Proust, além de cotejar outros expoentes da literatura, no con- junto da construgio filosdfica que empreende. Segundo Deleuze, criar conceitos é a maneira de “fazer arte” da filosofia, © que se afirma no frequente cruzamento com o cinema ea pintura, sem negligenciar o campo cientifico— regio em que desdobra intenso ¢ rigoroso didlogo. Morre em 4 de novembro de 1995, deixando uma obra que afeta os diferentes campos do conhecimento, influenciando praticas e coletivos em diver- sas partes do mundo. Em 1969, além de Diferenga e repetigao, Deleuze tam- bém publica Légica do sentido, material profundamente lido por Guattari e que evidencia compatibilidades filos6ficas, além de aproximag6es te6rico-priticas. Foi a partir de um encontr®, providenciado por Jean-Pierre Muyard, em junho de 196, que a amizade — nascida a partir de correspondéncias trocadas antes dessa data — péde se consolidar (Dosse, 2010). Provocu™ do rupturas conceituais, esses autores modificam o pensament® 232 dos saberes Digitalizado com CamScanner francés ¢ trazem imtimeras contribuigdes as praticas em curso nasegunda metade do século XX. Escrevem, entre outras obras, dois livros que transformam drasticamente o panorama inte- Iectual do periodo, apontando sajdas tedricas, convocando a problematizacao das aces técnicas estabelecidas e tracando pistas consistentes para que os trabalhadores sociais desenca- deiem interveng6es originais no campo social. Em ultima ana- lise, esses pensadores forgam os limites dos sistemas filoséficos tradicionais, além de esgargar os pardimetros do que est colo- cado como campo de intervengao e anilise clinico-institucional. Movidos pelos ares de 68, buscavam uma escrita capaz. de escapar aos cddigos e, nessa via, pudesse também dar passagem auma revolugao na cultura. A afinidade intelectual entre os dois pensadores mereceu, anos depois, a seguinte apresentacio: Félixe eu decidimos entio trabalhar juntos. No comeco isso aconteceu por cartas. Depois, a cada tanto, sessdes em que um escutava 0 outro. Divertimo-nos muito. En- tendiamo-nos muito. Sempre um de nés falava demais. Acontecia frequentemente de um propor uma nogio que nao dizia nada ao outro, ¢ este se servir dela sé meses depois, num contexto diferente. De resto liamos muito, nao livros inteiros, mas pedagos. As vezes achavamos coi- sas completamente idiotas, que nos confirmavam os es- tragos de Edipo ea grande miséria da psicandlise. Outras vezes, coisas que nos pareciam admiraveis e que tinha- mos vontade de explorar. E escreviamos muito. Félix tra~ ta a escrita como um fluxo esquizo que arrasta em seu Curso todo tipo de coisas. Quanto a mim, interessa-me que uma pagina fuja por todos os lados, e no entanto que €steja bem fechada sobre si mesma, como um ovo. Além disso, que haja num livro retengdes, ressondncias, preci- pitagdes, e um monte de larvas. Escreviamos realmente a dois, isso nao constitufa um problema. Fizemos sucessi- vas versdes (Deleuze, 1992a). 233 Digitalizado com CamScanner O primeiro livro escrito pelos amigos-pensadores — 0 Anti-Eddipo: capitalismo e esquizofrenia— € publicado em 1977, Nele, encontram-se dois aspectos fundamentais: a critica ao Edipo ea psicanilise, e o estudo do capitalismo e suas telacdes com a esquizofrenia. No primeiro aspecto, criticam a priticae a teoria psicanalitica no que diz respeito ao complexo de Edipo earedugao da libido aos investimentos familiares, No segun- do, problematizam aquilo que escapa aos cédigos estabeleci- dos pela sociedade capitalista: os fluxos, as linhas de fuga ati- vas revoluciondrias, as linhas de descodificacao que se opdem cultura (Deleuze, 1992a). Surge assim a Esquizoanilise, dis- parando, entre outras construg6es, uma forte problematizasio ante uma subjetividade intimista, unificadora, conferindo en- tao passagem para as concep¢Ges que destacam a importincia das forgas coletivas em seu funcionamento dessubjetivante. Pode-se mesmo dizer que 0 texto em questio alavanca uma recusa diante do modo fascista de gerir a vida, onde quer que esse procedimento se exerca. Portanto, esse livro transmutaa nogio de desejo, que se torna real, material, histérico, produti- Vo, assim como toda produgao se torna desejante, pois os combativos pensadores nao podiam se contentar em: prender um vagao freudiano ao comboio do marxismo- -leninismo. Era preciso [. . .] desfazermo-nos de uma hierarquia estereotipada entre uma infraestrutura opact € superestruturas sociais ¢ ideolégicas concebidas de tal modo que recalcam as questdes do sexo e da enunciagio para o lado da representagio [. . .]. Trata-se de fazer pas~ sar 0 desejo para o lado da infraestrutura, para lado da Produgao, enquanto se fara passar a familia, o eu ea pe Soa para o lado da antiprodugao (Deleuze & Guattarh 1976, pp. 58-9). ae ae or Substitui-se entio o polo paranoico ligado 8 falta, i um polo esquizofrénico correspondente ao desejo © 234 — Digitalizado com CamScanner riquina, desprovido de objetos ¢ intengoes. O Edipo-estru- tura é substituido por um Edipo-dispositivo de captura e 0 desejo como produgio deslocaré a nogio de desejo como repre- centacio (Rodrigues, 2005). Como uma continuagio do primeiro livro, mas feito de guinadas radicais, Mil platés: capitalismo e esquizafreniaé pu- blicado em 1980. Este original conjunto de textos, que po- dem ser lidos fora de uma ordem definida, apresenta capitulos que se referem a quinze datas consideradas acontecimentos. Tal feigiio nao aponta para uma cronologia progressiva, mas para acidentes, desvios da historia que produzem modos de individuacdo sempre inaugurais (Deleuze, 1992b). Trata-se de um livro que inventa ou cria conceitos 4 medida que tem necessidade, e a partir das composigdes de um determinado acontecimento. Cada platé traga um mapa de circunstncias sobre uma data ou sobre um evento fulgurante, contendo doses derealidade que guardam a possibilidade de serem ficcionados. O que interessa aos autores sfio as individuagées que se produ- zem € os conceitos que podem dar visibilidade a elas. Assim, afastando-se radicalmente de um pensamento sistémico clas- sico, este segundo livro explora um significativo ntimero de conceitos dirigidos aos diversos campos do saber, apresentando mundos que se constituem de movimentos incessantes de cria- sao. Rizoma, multiplicidade, modos de subjetivagio, plano de composicio, linhas de fuga, cartografia— dentre outras con- ceituagdes, sio singularidades que reagem sobre os fluxos de pensamento; conceitos carregados de forga critica ¢ liberdade Politica. Essa profusio vocabular recebe, por vezes, a censura 6 Individuagio € um conceito de Gilbert Simondon que ganha enorme ‘elevincia nas andlises deleuze-guattarianas, sobretudo quando situa as inten- sidades como multiplicidades moventes. Estas atravessam as forgas de conservasio, {24ristindo com a expansio dos diferentes universos de sentidos, de modo que intividuo ¢ realidade iio coincidem jamais com qualquer carter de unidade Posdvel, As intensidades impulsionam “as relagoes diferenciais a se atualizarent", terioridade. Tal conceituagio, também scanicistas para substitui-las pelo pri- agées de intensidade” (Dosse, 2010, p. 235 Digitalizado com CamScanner dos desavisados, a ponto de gerar a acusacao de serem autores que abusam das “palavras complicadas a fim de «parecer chi- que»”. Segundo os pensadores da Esquizoanilise, isso ‘nio 56 maldoso, € idiota. Um conceito ora necesita de uma nova pa- lavra para ser designado, ora se serve de uma palavra ordinéria a qual dé um sentido singular (Deleuze, 1992, p. 46), Rizoma e fluxos desejantes: um trampolim esquizoanalitico Paes por Deleuze e Guattari, a Esquizoanilise pro- poe uma ampla leitura da realidade — ambiental, coletiva e subjetiva —, fazendo devir os conceitos da Anilise Insti- tucional em uma linha que arrasta metodologias e aces até entio estabelecidas. A perspectiva vitalista ¢ o entendimento construtivista dos autores resulta por conferir relevancia aos fluxos heterogéneos que compéem a superficie dos agencia- mentos do desejo. Essa leitura ético-politica permite ainda que arealidade seja pensada como invengao, o que reafirma o pa- radigma estético como plano de criagio dos estilos de vida. Tais processos podem constituir modos de subjetivacio, 20 mesmo tempo, sio capazes de gerar interrogacGes as formas classicas de pensar e agir em uma dada sociabilidade. Nesse sentido, cabe considerar a realidade ¢ 0 desejo como produgao de movimentos revolucionarios e imanentes entre si; posto que ambos sio, simultaneamente, forcas e formas que atualizam mundos diversos a cada agenciamento. Nassua primeira publicago, o pensamento esquizoana- litico presente em O Anti-Edipo viabiliza uma dimensio ne- gativa, colocando em questo o carter reducionista da subjeti~ vidade, a partir de um sistema de representagdes teatrais € familiares. Nessa mesma via interroga a concep¢i0 de delitio ancorada nas construgées estruturais-familialistas — referencias que postulam um psiquismo pautado, prioritariamente, ™ 236 i — Digitalizado com CamScanner relagao com a lei. No entanto, na face’ positiva, esse livro associa adimensio politica a dimensao clinica, além de extrair da es- quizofrenia (eno da neurose) o carater fragmentario dos agen- cjamentos desejantes. Os autores indicam ainda como os di- ferentes tipos de formacio social codificam os grupamentos humanos em suas respectivas formas de existéncia individual e coletiva, entendimento que evidencia o capitalismo como um conjunto de forcas capazes de capturar a vida. Seem formacées sociais anteriores os cédigos eram locais eméveis, na forma capitalista eles sao capazes de produzir es- tratificagées e significagGes que ganham estatuto de universa- lidade. Portanto, com as praticas sociais hegemOnicas moder- nas, uma rede de dizeres e fazeres inclui a prépria naturalizagao da subjetividade individualizada, incluindo ai as maneiras de educé-la, traté-la, corrigi-la, etc. Essas concepgdes normali- zadoras desdobram diferentes explicagdes que indicam a pre- valéncia de uma interioridade como caminho natural do que sedenomina “desenvolvimento psiquico”. Essa direc4o conso~ lida entio uma concepgao de subjetividade como proprietaria de caracteristicas personolégicas, em outras palavras, uma iden- tidade modelizada e voltada a se sobrepor As outras formas de experimentar a vida. Contrariar as concepgées essencialistas c/ou estruturais de uma subjetividade universalizada implica adotar outra ima- gem do pensamento, procedimento que consiste em conside- rar os diversos fluxos que atravessam 0 corpo coletivo e indivi- dual—fluxos econémicos, politicos, familiares, sociais, culturais, religiosos, institucionais, sexuais, desejantes. Assim, além de situar cada momento como tinico, pensar os modos de subje~ vaso requer acatar e afirmar a heterogeneidade das forgas que emergem no campo politico-cultural; heterogeneidade que se faz na profusio das intensidades que atravessam longos ¢ complexos caminhos, seja para cristalizar valores, tornando os Setes mecinicos e repetitivos — processos de significagao subjetivagaio —, ou para produzir individuagoes inventivas, a 237 Digitalizado com CamScanner ™ purtir das intensidades em conextiesoriginais. Portanto spun os autores da Esquizoanilise, uma incansivel Produciio inte, : siva torna toda forma impermanente, & medida que fa desejantes fazem conexées entre fluxos heterogéneos, dos, quais certo individuo e seu respectivo contorno se forjam como uma resultante. Avangando um pouco mais na impessoalidade das linhas do desejo, os pensadores da diferenga operam mais uma guina- da quando se utilizam da ideia de alianga, ¢ nao de filiagio, para entender a subjetivacao também como um processo que libera tracos diversos ¢ imprevisiveis. Ao se apropriarem do conceito de rizoma, da Botanica, Deleuze & Guattari (1995b) destituem ao mesmo tempo a drvore — como imagem trans- cendente do pensamento (filiagio) — ea imposigo do verbo “ser” — construcao que busca formas e definigées tiltimas (iden- tidade) —, problematizando as l6gicas que postulam uma gé- nese para a subjetividade, ou mesmo uma estrutura subjetivante da qual ramificam respectivas detivacoes. Na perspectiva rizomatica, assim como uma graminea (ou um tubérculo, como o gengibre), os tragos linguisticos, percep- tivos, mimicos, gestuais, cogitativos sfio entendidos como pro- cessos que nfo tm comego nem conclusiio — encontram-s¢ sempre no meio das coisas. Tal como a graminea nao tem um centro nem um ponto de partida, a subjetivagiio entendida como um rizoma (alianga) afirma uma tessitura composta pela con- jungio “e” (e nao por “é”), havendo nesta particula forsa sulfi- ciente para desterritorializar e desenraizar 0 verbo seh deslo- cando as formas substancializadas tal como um “riacho a inicio nem fim, que réi suas duas margens e adquire velocida- de no meio” (Deleuze & Guattari, 1995b, p. 36). oes O conceito de rizoma permite entao pensar as — “ intensivas que se modificam continuamente, entendimen? i : reafirmaa nogio de desejo como forga, além de ratifcar tt de que todo desejo s6 existe agenciado. Portanto, 08 Pesto da diferenga passam a situar a subjetivagio fora das cone? 238 Digitalizado com CamScanner classicas, mantendo-a também distante das dicotomias inte- rior/exterior, cu/outro, individuo/sociedade, subjetividade/ob- jetividade; o que reitera a perspectiva de que todo agenciamento “de desejo é de campo social. Ao mesmo tempo, enfatizam que osvalores €as hierarquias escapam das diregdes dadas a priori, feito que ocorre exatamente pela presenca das forgas minori- tarias que percorrem os agenciamentos coletivos. Conexio e heterogeneidade sao, portanto, os dois primeiros principios do tizoma, entendimento que possibilita a destituicao da identi- dade ea prevaléncia da variacio intensiva, em detrimento de qualquer totalizagao possivel. J& distante da légica da unidade, um terceiro princfpio aponta para a possibilidade da realidade, também os modos de subjetivacao, serem pensados como um mapa aberto— multiplicidades.’ Essa paisagem em constan- te processo de ruptura funda o quarto principio, o mesmo que evidencia as forgas minoritérias como as que podem operar fissuras nos modelos vigentes, liberando linhas desejantes que sio chamadas, na Esquizoanilise, de linhas de fuga’ do desejo. Essas linhas recebem tal nomenclatura nao porque fagam o sujeito fugir, mas porque fazem fugir a modelizagio imposta nos agenciamentos dominantes que comparecem em um cor- posocial. Portanto, os acontecimentos siio as rupturas nem sem- Pre perceptiveis, detectaveis e/ou reconheciveis, mas que fun- cionam na prépria transitoriedade espago/temporal. Isso corresponde a dizer que no rizoma os acontecimentos se en- trelacam, se enxertam, se influem, se conectam, se disjuntam, Se conjuntam, deslizam uns sobre os outros, se desviam, se 7 A multiplicidade nao visa a formagio de su Spenas determinagdes que mudam de natureza A medida que se ampliam as co- Rex6es que a constituem. Elas também nio sugerem a presenga de “uma dimensio Ge to6 mas, ao conttitio, da maneira simples, com forca de sobriedade, no nivel pe dimensdes de que se disp, sempre n-1. (...] Um tal sistema poderia ser wmiado de rizoma” (Deleuze & Guattari, 1995b, p. 15). tos nem de objetos, pois sto Digitalizado com CamScanner compéem. Assim, ao dar relevancia ao plano das forcas surge o quinto principio, ou seja, ganha importancia a cartografia que essas forgas tecem nas coletividades, tomando parte, simulta- neamente, nos processos de subjetivago (Deleuze & Guattari, 1995b). Deleuze & Guattari (1997) indicam que o rizoma, feito de linhas ¢ diregdes movedicas se constitui de miltiplas entra- das, o que possibilita a constituigio de um plano de anilise das forcas, em outras palavras: plano de intensidades em variagio incessante. Esse plano analitico acompanha os movimentos de expansio ou captura das for¢as, podendo ser pensado a partir de trés processos: territorializago, quando ha enclausuramento das intensidades em uma identidade; desterritorializagio, quan- do ocorre uma ruptura com esses processos identitarios; € re- territorializacdo, quando um processo de subjetivacdo comeca ase desenvolver em acordo com alguma captura das forgas li- vres. Nesses movimentos do desejo as linhas de fuga, ou vetores de desterritorializacdo, constituem a superficie de acontecimen- tos que afugentam as identidades fixas e cristalizadas (territ6- rios estratificados), embaralhando o plano de organizagio’ vol- tado a aprisionar as forcas criativas. Nessa feicao rizomitica, os processos de subjetivacdo podem ser acompanhados como mon- tagem de territérios os processos de singulariza¢ao podem ser acessados como desmontagens potentes, capazes de favorecer’a problematizagao das formas assumidas, ou ainda: engendrar vias de passagem para novas formas de existéncia. que eon caer de 90 plano de organizasio corresponde as estratificagd Fcagdes ¢ atibuigdes subjetivantes, portanto, tal plano consiste ‘erste que visa a capurar as forgas disjuntas, posto que ess por Sed SHE lilerenciny20, possbiltam a destituigio dos terstGrios de existéncia. Ele 9 °P 40 plano de consisténcia das linhas do desejo, plano i emt que eg de livres tecem cartografias € fazem consistir novas formas de viver. O plan? Yencia também tent a ver com as multiplicidades, e & medida que 63°, M), pam todas as suas dimensdes falar-se-i entio de umn plano de conifers ‘multiplicidades” (Deleuze 8 Guattari, 199Sb, p. 17)- 240 Digitalizado com CamScanner Cartografar as linha do desejo: experimentacio-intervengio €m esquizoanilise N& nova imagem do Pensamento, que tem a multi- plicidade como tessitura do plano das forcas eo rizoma como as vias de passagem tra agadas pela producio desejante, a ‘a inter- vencio institucionalista hoje consiste em Pensar a criacio de planos ¢ funcionamento dos agenciamentos em mutagio, Tal caminho visa a acompanhar as variagdes intensivas que Operam estranhamentos nas linhas de subjetivagio, acatando 0s movimentos que ai insistem ¢ as Opsoes politicas que ai se esbogam, concomitantemente, alia-se as saidas viabilizadas na- quilo que esta em vias de se formar e diferir, Aanilise cartogrifica, Proposta pelos pensadores dos mil platés de existéncia, se mostra muito ttil como orientagio do plano de pesquisa, mas também se faz necessiria no plano da intervengio do analista institucional, Nao se trata, contudo, de uma metodologia ancorada em uma Preocupagio epistemoldgica erigor cientificista, mas sim de um acompanhamento dos sen- tidos singulares que emergem a cada experimentagio e abertu- rade mundo, Portanto, cabe acentuara importincia da anilise das linhas e dos devires que compde o mapa das forcas, posto que tal diagrama intensivo se constitui de um conjunto de lin! tempo (as linhas da hitipos de linha mi uma sociedade, tam alguma cois, as diversas funcionando ao mesmo mao formam um mapa). Com efeito, luito diferentes, na arte, mas também numa pessoa. Hi linhas que represen- ‘a, € Outras que so abstratas. Ha linhas © segmentos, ¢ outras sem segmento. Hi linhas dimen- Sionais e linhas direcionais. Hi linhas que, abstratas ou 241 Digitalizado com CamScanner nao, formam contorno, ¢ outras que nao forma é . ™ Contor. no. Aquelas sao as mais belas. Acredit : oe tamos que as linhas sao os elementos constitutivos das coisas ¢ dos Aconteg}. ‘ ‘ a ci~ mentos. Por isso cada coisa tem sua Beografia, sua grafia, seu diagrama. O que hé de interessante. numa pessoa, sao as linhas que a compéem, ou carto- mesmo, 5 que ela compée, que ela toma emprestado ou que ela crig (De. leuze, 1992b, p. 16). Cartografar os movimentos do desejo consiste em Se es- quivar dos universais e, assim, construir um mapa “conectavel em todas suas dimensdes, desmontavel, suscetivel de teceber constantemente modificagées. Ele pode ser rasgado, adaptar- -se amontagens de toda natureza, ser colocado «em obras» por um individuo, um grupo, uma formagio social” (Deleuze & Guattari, 1995b, p. 20). Se o conceito instituicao perde a car- ga valorativa pregressa, ganha importancia agora a proces- sualidade rizomatica e seus muitos platés — uma multiplici- dade conectavel com entradas e saidas, cuja dimensio maxima se metamorfoseia, mudando de natureza (Deleuze & Guat- tari, 1995b). Cabe assinalar que uma andlise cartogréfica acompanha 0s processos que sao inventados e, simultaneamente, transfor- mados pela propria experimentagao-intervengao. Esse modo especifico de comunicagao se dé a partir de um conjunto de microelementos que entram em relagdes de interferéncia cons- tante, pois a “cartografia é um desenho que acompanha os movimentos de transformacio de uma paisagem. Neste senti- do, ela é sempre provisdria e singular” (Barros & Brasil, 1992, p- 228). Cabe, também, pensar a anilise cartografica como 0 palmilhar de um mapa, em outras palavras, acompanhar 0 ie senho que se delineia nas “linhas que so puxadas daqui ed € que se tecem no préprio acontecer. A cartografia nfo vl prctensio de verdad nem de universalidade” (Barros & Br 1992, p. 228). Todavia, esse plano da realidade s6 pode § 242 el Digitalizado com CamScanner ycessado poralguém que mergulha intensamente na experién- cia, se arrisca ante os congelamentos disciplinares renitentes e a nas minimas cons apos sténcias que se esbocam em meio aos agenciamentos que surgem. Uma das pistas fundamentais para autilizacao da analise cartografica consiste em que o pesquisador habite um territdrio, ou seja, mantenha-se em contato direto com as pessoas ¢ com os grupos, além de acolher as circunstan- cias eas configuragdes na qual sujeitos e objetos se produzem ese codeterminam. Portanto, o objetivo da cartografia é: {. . .] desenhar a rede de forgas 4 qual o objeto ou fend- meno em questao se encontra conectado, dando conta de suas modulagGes e de seu movimento permanente. Para sso é preciso, num certo nivel, se deixar levar por esse campo coletivo de forgas. [. . .] O desafio é evitar que predomine a busca de informagao para que entio 0 car- tdgrafo possa abrir-se ao encontro (Barros & Kastrup, 2009, p. 57). Diante dos acontecimentos que atravessam a experimen- tagio-intervengio, incluindo o proprio analista, cabe eviden- ciar as ilimitadas conexées produtivo-desejantes e os agen- ciamentos que ai se configuram, dando sentido as forgas que estiio em jogo, posto que: [. . Jaintervengio sempre se realiza por um mergulho na experiéncia que agencia sujeito ¢ objeto, teoria ¢ pra- tica, num mesmo plano de produgao ou de coemergéncia —o que podemos designar como plano da experiéncia. A cartografia como método de pesquisa é 0 tragado desse plano da experiéncia, acompanhando os efeitos (sobre © objeto, o pesquisador ea produgao do conhecimento) do proprio percurso da investigagiio (Passos & Barros, 2009, p. 17). 243, Digitalizado com CamScanner Portanto, pensar as mutagGes que a anilise cartografica libera consiste em acessar os movimentos que emergem da ten- o entre as intensidacles que escapam do plano de organiza- gio, ao mesmo tempo, “representagdes [que] estancam o fluxo, lizando asintensidades, dando-Ihes sentido” (Rolnik, 1989, pp. 68-9). Assumir essa tarefa requer considerar que 0 imanentismo desses movimentos nao oferece ao analista pistas para o curso dos acontecimentos, muito menos previsibilidade aos modos deagenciamento possiveis, Embora transversalizéveis, cédigos ¢ territérios efetuam, por vezes, funcionamentos que sram estratificagdes de diversas ordens. Estes efeitos totalizadores captam as forgas que curto-circuitam as linhas de fuga e, sempre que tais constrangimentos ocorrem, é por- profi que um rizoma se fechou ¢, nese momento, “do desejo nada ; porque & sempre por rizoma que o desejo se move ¢ produz” (Deleuze & Guattari, 1995b, p. 23). Todavia, o pla- nocart a “ressituar os impasses sobre o mapa ¢ por ai abri-los sobre linhas de fuga possiveis” (Deleuze & Guattari, 1995b, p. 24). ‘Tal diagramitica contribui entio para a conexio dos cle- mentos heterogéneos, potencializa as linhas de desterrito~ ZG que engendram os acontecimentos, além de favore- mais ps ria cer a emergéncia de sentidos diferenciados, como vias de o de novos mundos. passage i criags Consideragées finais AS breves consideragées, vale sublinhar que a Esqui- se em afinidade com essas mutagoes 0s vetores que engessam 0s MO cartografica vist anilise encontr s, capazes de destocs dos de existéncia, N di olver as toralizag culagiio das for de singulari ssa diego, a andlise enclausurantes, oportunizando acit- em a emergéncia dos processos a refundagio das formas Assim, no que p 244 — Digitalizado com CamScanner estratificadas de campo social —as mesmas que atravessam os » todo e qualquer ter- leslocamento. Tal mo- 0s fluxos escapam dos estratos identitarios, o que correspond ‘© 40s processos de des- territorializagao das formas dominantes de Pensar, sere agir. Portanto, nessa andlise cartografi fica de mo dupla, 0 esquizoanalista opera uma meticulosae arriscada tarefa. As- sim, a partir dos acontecimentos insurgentes, cria condicées de escuta das diferencas, aposta no carater de multiplicidade dos agenciamentos do desejo e se afeta pela criacao de novas paisa- gens para ocoletivo do qual participa. Para tal, cabe ao analista cartégrafo considerar que toda relacio € contemporinea aos termose territ6rios construidos e toda mutacio de valores ocorre pelo contagio das linhas de movimentagio do rizoma, mas que dao passagem aos elementos disparadores de novos sentidos. Tal perspectiva encontra-se em sintonia com uma é uma ética da conectividade, capaz de compatibilizar ressonncias entre as miltiplas dimensoes da realidade. Essa impessoalidade, ou transversalidade generalizada, indica que o procedimento car- togrifico requer, vimentagao se da exatamente porque ) aS Mes- prioritariamente, 0 exercicio da experimenta- so. Diferente de uma ago tecnicista ou espontaneista, Perimentacao-intervengio esta voltada para a composi¢: Sentidos e valores que se abrem as ultrapassagens das formas e dos cédigos enclausurantes, produzindo, a um sé tempo, in- flexes e funcionamentos criativos. “" Nesse momento que se pode perceber a importancia do Paradigma estético tio valorizado por Deleuze e Guattari. Os Pensadores franceses enfatizam que 0 exercicio cartografico nao sedetém no estado das coisas, mas se interessa pelos processos ©pelas mutacdes que percorrem os agenciamentos desejantes. Portanto, © paradigma estético ressalta a profusio de dominios iMpensados que podem surgir em uma experimentagio ana- litica ©peragao simultanea a invengao de novas cartografias € Todos inaugurais de existéncia. A experimentagio dessas 245 aex- fio de Digitalizado com CamScanner Tupturas € Os remanejamentos criativos da Producao desejante desfocam ages e modos de vida, concomitanteme! tecimentos originais que af surgem incitam novas Vas praticas ¢ novas cartografias esquizoanaliticas, inte, Os acon- relacdes, no- Referéncias V. Cartografia de um trabalho socoanalitco. In: BARROS, R. D.B; RODRIGUES, H.B. c &SALEITAO,M.B. (orgs.). Grupos einstituirdesem andlive Rig de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1992, pp, 228-48, DELEUZE, G. Conversagées. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992a (Capi- tulo: Entrevista sobre o anti-Edipo (com Félix Guattari)). DELEUZE, G, Conversasées. Rio de Janeiro: Editora 34, 1992b (Ca- pitulo: Entrevista sobre Mille Plateau). DELEUZE, G. Cinco proposigéessobrea psicaniise. In: DELEUZE, G. A Ilha Deserta e outros textos. Sao Paulo: Tluminuras, 2006. DELEUZE, G. & GUATTARI, F. Entrevista 1. Em CARRILHO, M.M. (org,). 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