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William McGuire e R.F.C. Hull C. G. JUNG: UALS E ENCONTROS A PSICOLOGIA ANALITICA E UMA RELIGIAQ) is na Conferéncia Comemorativa do Tricentendri Depots ou tina semana oa ha de Bailey, no Maine, one tar yard, cine metade de um seminério sobre “Simbolos Oniticos do Pro Jelindividuagao”, tendo por base a sua Conferéncia Eranos de 1935.1 Dee Jong viajou para Nova Torque, onde passou mais uma semana de tay ¢ palestras, apés 0 que embarcou rumo & Inglaterra no dia 1° de quit Num jantar de gala para assinalar o final da visita de Jung, cle falou de Improviso. Enietanto, vérios convivas tomaram notas, a8 quais foram vg piledas por Eleanor Berine, Esther Harding ¢ Jane A. Pratt para cireula, restrita entre os membros do grupo. Finalmente, em Spring, 1972, as ‘otas foram publicadas de acordo com a organizagao da Sra. Pratt, que incluig © seguinte comentirio introdutério: : “Poucos dos que estavam presentes esquecerao algum dia as citcunstincias em que Jung falou nessa noite. Tmediatamente antes do jantar com sett ‘amigos, Jung tinha feito uma extensa conferéncia piblica no salgo nobre de Plaza Hotel. Essa conferéncia, intitulada “O Conceito de Inconsciente Cole tivo"? foi dificil e ocupou-se de idéias polémicas mas que sio cruciais per © entendimento de sua obra. Todos os mais destacados adeptos e detratona de Jung em Nova Torque tinham acudido para ouviclo. Mas a ocasiio nio eg propicia. A conferéncia (nessa época) exigia a projegdo de slides, uma porcae deles, ¢ um adepto entusidstico oferecera-se para projeté-los, mas ou a peri, desse voluntério era insuficiente ou os slides estavam possessos. Apareciam na tela de cabega para baixo, ou invertidos, e cafam no chio quando o pobre homem tentava corrigi-los. Se Jung queria rever um deles, avangavam todos, se dizia que podia prosseguir a projecdo, os slides faziam marcha A ré. Assim, Jung permanecia de pé, ponteiro na mao, num palco erguido diante de sua enorme platéia, ou aguardando o aparecimento da imagem certa, ou apres. sando-se a comentar de forma inteligivel, antes que as imagens fossem pro- jetadas, Entrementes, seus adeptos e admiradores sofriam. Reagindo primeiro com grande benevoléncia a inépcia de seu assistente, seus comentérios toma- ram-se gradualmente mais incisivos e contundentes — uma vez que sentimentos negativos comegaram vindo & tona — e 0 sofrimento dos adeptos aumentava proporcionalmente, Entretanto, essa lamentavel conferéncia terminou sem que fosse destruido algo basicamente humano — nem mesmo o relacionamento de Jung com o seu assistente, que admitiu a justiga de uma certa irritagio do mestre. $6 que 0 atabalhoado ¢ todas as interrupgdes tinham completamente destruido a continuidade da importante tese de Jung. Mais tarde, contou-se que ele dissera a alguém: “Fui analisado esta noite, como nunca antes”, 1. Ver acima, “A Mente Imortal do Homem”, nota 4. 2. Originalmente apresentada como conferéncia’ na Abernethian Society do St_ Bartholomew's Hospital, Londres, em 19 de outubro de 1936, ¢ revista em i. 100 impressionante exposiso que ele. planejara — oan demonstragio. & concebivel que ist. peatt Jng inka feito my . a a ums Fig do que ele disse depois” — que foi o segues ‘"" ifluenciado o ot a Mal sei 0 que dizer-Ihes esta noite. 34 falei tanto, s6 esta noite por duas vezes. Nao sei o que possa ter sobrado. Apenas posse a perar que me ocorra alguma coisa suscetivel de lhes ser trans- mitido# Muitas pessoas me perguntaram, e sei ram também, se a psicologia analitica ni gido. Por outro lado, em ligacdo com o tema de minhas conferén. cias de Yale, assim como do Seminério, tive que dedicar muite atengdo, nestes tiltimos tempos, a relacio da Psicologia com a reli- gio. Por isso, agora, no final do Seminério, gostaria de lhes falar sobre essa questao, A ativacéo do inconsciente é um fenémeno peculiar dos nossos dias. Durante toda a Idade Média, a psicologia das pessoas era intei- ramente diferente do que € hoje; elas néo tinham a percepeao de qualquer coisa fora da consciéneia. A propria ciéncia psicoldgica do século XVIII identificava completamente a psique com a cons- ciéncia, Se dispuséssemos de uma espécie de raios X por meio dos quais pudéssemos observar 0 estado do inconsciente num homem de ha duzentos ou trezentos anos ¢ 0 compardssemos com o de um ho- mem moderno, verfamos uma enorme diferenga. No primeiro homem ¢staria inativo, em repouso; no homem de hoje, tremendamente ativo € excitado. Antigamente, os homens nem mesmo sentiam que tives- sem uma psicologia, como nés agora. O inconsciente era contido ¢ mantinha-se dormente na teologia cristé. A Weltanschauung resul- ante era universal, absolutamente uniforme — sem espaco para a divida. O homem tinha comecado num ponto definido, com a oie S40; todos sabiam tudo a respeito disso. Mas hoje, os ae ia arquetipicos, de que antigamente as explicagdes da Igreja cui ard de um modo mais ou menos satisfatério, soltaram-se de sats’ Proje: 90¢s © estZo perturbando as pessoas modernas. pengunias oe i an onde vamos ¢ por que sao feitas de todos os lados. A energia p: 7 eed 4 do mais estimulada do quica associada a esses contetidos est4 sendo sii Cqusagiin (Ne nunca; no podemos permanecer alheados disso, Cameul oa teiras da psique estdo vindo a luz pela primeira vez. m diivida thes pergunta- 0 € realmente uma reli- acy aad, 3. Este pardgrafo inicial foi adicion Eding ‘ado de uma outra versio por E. F. er, que contribuiu com uma ou dua’ texto, 's outras mudangas de somenos no » MEWOR 101 TS F xuberincia de “ismos”. Grande temos uma ti0 grantee ‘a ciéncia, por certo; mas a citncie s dessq cenergia canalizade Te ¢ nio_satisiaz_as_necessidades argue’ vradigio_€ FECT rica no tem precedentes; do pont gee qual stuagios Pe prévia, ela € anormal, ——~“< Wista~ guinte, ‘9 homem comegou a conscientizar-se on Uy amos de af ed atone _Psict i aco: gueremos signficar aire pareca com isso the acon tora nossas cabecas. Ser, pensaria que estava ficando doido, wey be vesse sentido tal ett: sSinto algo mexendo em minha caipega»t mens costunayan tiam-no mais abaixo, no estOmago, $6 ae Sa eT oe Tein se javra grega phen, que significa “espftito”, € a raic da pq. pes A Parmer Ovando as pessoas comeseran sentindo cone Lara em suas eabecas, ficaram com medo e foram consulta me mexemiois sabiam que algo estava errado. Foi dos ‘médicos proveio esa nova espéce de psicologia, de modo que era uma pa ‘i 0 patolégica. a ian é, provavelmente, a melhor condi¢&o para o incons- ciente, Mas a vida saiu das igrejas e nunca mais voltaré a elas, Q, ete. po se reinstalardo em domicilios que abandonaram uma vey ‘A mesma coisa aconteceu antes, na época dos Césares romanos. Guando 0 paganismo estava agonizante. De acordo com a lendaj 0 capitéo de uma embarcagio que passava entre duas ilhas Guviu um grande som de lamentagao ¢ uma voz gritando: Pan ho megas tethneken, o Grande Pa esta morto. Quando esse homem che- gou a Roma, solicitou uma audiéncia com o imperador, tio impor. tante era a noticia, Originalmente, Pa era um espirito secundério da natureza, principalmente ocupado em apoquentar os pastores; mas, depois, quando os romanos se envolveram mais com a cultura grega, Pa foi confundido com to pan, que significa “o Todo”. Passou entio a ser o demiurgo, 0 anima mundi, Assim, os mumerosos deuses do paganismo foram concentrados em um Deus. Entao veio a mensa- gem, “PA esté morto”. O Grande Pa, que é Deus, esté morto, So- mente o homem permanece vivo. Depois, o Deus uno transformou-se em homem, ¢ esse foi o Cristo; um homem para todos os homens. Mas agora também esse partiu, agora cada homem tem que conter Deus em si. A descida do espirito na matéria esté completa. Jesus, como sabeis, foi um rapaz nascido de mie solteira, Em tais condicdes, considera-se um rapaz ilegitimo, ¢ existe um precor- A ~de toda_a ox?! Por con! ssui uma Psi que 4, Plutarco, De defectu oraculorum, 17. (A citagfio grega foi corrsile de acordo com a edigio Loeb.) Ses 102 7 i © coloca em ecito que ie sore) anlacee desvantagem. Ele sofre de ‘um terrivel sentimento le, para 0 qual tem certamente que encon- trar uma compensacio. Daj a tentacdo de Jesus no deserto, caank Ihe € oferecido o reino, Af se defrontou ele com o seu pior inimiga, o deménio do poder; mas péde enxergar isso e recusou. Disse cle; +O meu reino no é deste mundo”. Mas era um “reino”, de qualauee modo. E recorde-se aquele estranho incidente da entrada trivafal ea Jerusalém. O fracasso total chegou com a Crucificagao, através das palavras trégicas, “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?” Se quisermos entender toda a tragédia dessas palavras, devemos com- preender 0 que elas significam: Cristo viu que toda a sua vida, de. dicada a verdade segundo a sua mais profunda convicgéo, tinha’ sido uma terrivel iluséo. Tinha-a vivido até ao fim de um modo absolu. tamente sincero, realizara seu experimento honesto, mas houve, no” ‘obstante, uma compensacto. Na cruz, sua missio abandonou-o, Mas “porque tinha vivido tao plena e devotadamente, , ganhou 0 corpo atra- vés da Ressurreicao. ‘odos devemos fazer o que Cristo fez. Devemos realizar 0 nosso expetimento, Devemos eometer- erros” Devenos vite aie fie nossa propria visio da vida; num certo sentido, pode ser até dito que toda a vida é um equivoco, pois ninguém descobriu a verdade. Quando vivemos assim conhecemos Cristo como um irmio e, de fato, Deus torna-se homem. Isto soa como uma terrivel blastémia, mas nao é. Pois somente podemos entender Cristo como ele queria ser entendido, como um semelhante nosso; s6 entdo Deus se torna homem em nés mesmos. Isto parece religido, mas nao é. Estou falando apenas como um filésofo. As pessoas, por vezes, chamam-me um lider religioso. Nao sou. Nao tenho mensagem nem missdo; procuro apenas compreen- der, Somos fildsofos na antiga acep¢io da palavra, amantes do saber. Isso evita a cor Saas Tia poe Tae ASCH GagaCEy que” OFTEN por vezes discutivel daqueles que oferecem uma religio. E assim, a tiltima coisa que direi a cada um de v6s, meus ami- gos, € o seguinte: Levem por diante vossa_vida tio bem quanto Buderem,mesmo_que_se-bascie_num_erro, porque vida {om gue ser desfelta e, com freqiéncia, chega-se A verdade através do erro. Entaio, como Cristo, tereis realizado _o vosso_experimento. Assim, sede humanos, buscai o entendimento, a visio intuitiva das coisas, Teconhecer 0 Fspirito vivo no inconsciente de cada individuo. E seremos entéo irmaos do Cristo. 103

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