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lrandé Antunes ANALISE DETEXTOS fundamentos e prdaticas apa: ‘Anoreir Cust000 Diagramacao: Tenn Custo00 Revisdo: Marcos Bano Imagem da capa: 123a-com CIP-BRASIL. CATALOGACAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ A672 ‘Antunes, Irandé, 1937- ‘Analise de textos : fundamentos e praticas /Irandé Antunes. - Sao Paulo Pardbola Editorial, 2010, (€stratégias de ensino ;21) Inclul bibliografia ISBN 978-85-7934-0222 1. Lingua portuguesa -Composicao.e exercicios-Estudo eensino. 2. Andlise do discurso. 3. Linguagens e linguas - Estudo e ensino. 4. Linguistica - Estudo e ensino. |. Titulo. 1. Série. 10-3916. cD: 4698 CDU 811.1343%42 105 reservados & PARABOLA EDITORIAL Rua Dr. Mario Vicente, 394 - Ipiranga (04270-000 Sao Paulo, SP pabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: [11] 2589-9263 home page: www.parabolaeditorial.com.br e-mail: parabola@parabolaeditorial.com.br ‘Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reprodu- ida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrénico ou ‘mecanico, incluindo fotocépia e gravagao) ou arquivada em qualquer sistema ‘ou banco de dados sem permissio por escrito da Pardbola Editorial Ltda, ISBN: 978-85-7934-022-2 "edicao, 5* reimpressao: novembro de 2019 © do texto: Irandé Antunes © da edicao brasileira: Parabola Editorial, Sao Paulo, setembro de 2010 OF: No) inva omy, Nog6es preliminares sobre 0 texto e suas propriedades 2.1 0 conceito de textualidade omo fundamento para a compreensao do que é 0 tex- to, tem-se desenvolvido o conceito de textualidade, a qual pode ser entendida como a caracteristica estru- tural das atividades sociocomunicativas (e, portanto, ~ também linguisticas) executadas entre os parceiros da comuni- cagao. Logo, todo enunciado — que porta sempre uma fungao comunicativa — apresenta necessariamente a caracteristica da textualidade ou uma “conformidade textual”. Quer dizer, em qualquer lingua, e em qualquer situagao de interagao verbal, o modo de manifestagao da atividade comuni- €ativa é a textualidade ou, concretamente, um género de texto qualquer. Dai que nenhuma acao de linguagem acontece fora da textualidade. “Desde que ela exista, a comunicagao se da de for- ma textual” (Schmidt, 1978: 164). Na mesma direcao, afirmou Marcuschi em uma de suas aulas: “No momento em que alguém abre a boca para falar, comega um texto”. Perde sentido, entao, aquela perspectiva ascendente da lin- guagem, segundo a qual, primeiro, se aprendem as palavras, de- pois as frases, para enfim, se chegar ao texto. Todos os segmentos de nossa atividade de linguagem, desde os primeiros balbucios, sao entendidos e clasificados como partes funcionais de um todo integrado: o texto. Fazer da textualidade 0 objeto de ensino nao é, pois, ceder as teorias da moda, ou um jeito de — como dizem alguns — deixar as aulas mais motivadas, mais prazerosas, menos monétonas. E mui- to mais que isso: é uma questao de assumir a textualidade como o principio que manifesta e que regula as atividades de linguagem. Ocorre que essa textualidade nao acontece de forma abstra- ta. Acontece sob a forma concreta de textos, linguistica e social- mente tipificados, conforme veremos a seguir. 2.2 O conceito de texto O mais consensual tem sido admitir que um conjunto aleaté- rio de palavras ou de frases nado constitui um texto. Mesmo intui- tivamente, uma pessoa tem esse discernimento, até porque nao é muito dificil té-lo, uma vez que nao andamos por ai esbarrando em ndo textos. Por mais que esteja fora dos padrdes considerados cultos, eruditos ou edificantes, o que falamos ou escrevemos, em situagdes de comunicagao, sao sempre textos. Também nao é dificil explicitar essas intuigdes, se nos fi- xarmos na analise de como acontece a interagdo verbal entre as pessoas nas diferentes situacdes de sua vida social. Vamos tentar apresentar fundamentos tericos dos pontos que pretendemos analisar, embora o fagamos, neste ponto do livro, de uma forma muito sumaria, uma vez que, nos sucessivos capitulos de andlise, vamos desenvolvé-los um pouco mais. 2.2.1. Primeiramente, poderiamos comegar por lembrar que recorremos a um texto quando temos alguma pretensdo comu- nicativa e a queremos expressar. Oomen, conforme citagao de Schmidt (1978: 167), afirma que “nao se instaura um texto sem uma funcao comunicativa”; propde ainda que o texto tem seu fluxo controlado pela respectiva fungao comunicativa que exerce. Dessa forma, todo texto é a expressdo de algum propdsi- to comunicativo, Caracteriza-se, portanto, como uma atividade pentemente funcional, no sentido de que a ele recorremos com finalidade, com um objetivo especifico, nem que seja, simples- para nao ficarmos calados. Assim, nada do que dizemos é destituido de uma intengao. O do do que dizemos aos outros é parte da expressio de um ais objetivos. Falamos com a intengao de “fazer algo”. O 0 de nossa atuagao comunicativa esta, sobretudo, na iden- cagdo dessa intengao por parte do interlocutor com quem inte- mos. Por isso mesmo € que, no percurso da interagdo, vamos as instrugGes necessdrias para que o outro va fazendo, com ia, essa identificacao. Como diz Schmidt (1978: 80), 0 texto “conjunto ordenado de instrugdes”. _ 0 principio de que falamos sempre para cumprir determi- objetivo é sobejamente referido por todos os autores que ‘ocupam do texto. Por exemplo, Adam (2008: 107) declara “o texto nao é uma sequéncia de palavras, mas uma sequén- de atos”. Halliday e Hasan (1989: 52) definem texto como a iguagem que é funcional. Por linguagem funcional, queremos ir-aquela linguagem que cumpre alguma fungdo em algum xto”. Na mesma linha, Schmidt (1978: 170) define 0 con- o de texto como “um conjunto-de-enunciados-em-fungao”. _ Consequentemente, todo texto é expressao de uma atividade J. Além de seus sentidos lingu{sticos, reveste-se de uma rele- ‘ia sociocomunicativa, pois esta sempre inserido, como parte stitutiva, em outras atividades do ser humano. Nas palavras arcuschi (2008: 23), “nao existe um uso significativo da lin- fora das inter-relagSes pessoais e sociais situadas”. Assim, compreender um texto € uma operagao que vai além aparato linguistico, pois se trata de um evento comunica- em que operam, simultaneamente, agGes linguisticas, sociais gnitivas. _ 2.2.2. Um segundo aspecto que deriva desse primeiro ponto © fato de que o texto, como expresso verbal de uma atividade cial de comunicagao, envolve, sempre, um parceiro, um inter- utor. Nao, simplesmente, pelo fato de que temos uma com- a quando falamos e, assim, nao o fazemos sozinhos. Mas, sobretudo, pelo fato de que construimos nossa expressao verbal com o outro, em parceria, a dois; de maneira que 0 texto vai tendo um fluxo conforme acontece a interagao entre os atores da acao de linguagem. Dizemos 0 que julgamos ser de interesse do outro escutar. Pressupomos esse interesse e arriscamo-nos a responder a ele. Dai o dialogismo reconhecido por Bakhtin (1995) como caracteristi- ca fundamental da linguagem. Nao dizemos as coisas gratuita- mente ou aleatoriamente. Esforcamo-nos, quase sem notar, para sermos, em cada contexto, relevantes, dizendo 0 que supomos ser da necessidade, do interesse ou do gosto do outro. Em tltima HEURES € isto mesmo: nao falamos sozinhos, no sentido de que | © texto que construimos é uma resposta ao | que supomos ser a pergunta do outro. 2.2.3. Um terceiro aspecto a se consi- derar sumariamente diz respeito ao fato de que 0 texto é caracterizado por uma orienta- ¢4o temdtica; quer dizer, 0 texto se constréi a partir de um tema, de um topico, de uma ideia central, ou de um niicleo semdantico, que lhe da continuidade e unidade. Para explicitar esse principio (tao pre- sente as nossas intuigdes), vejamos, por exemplo, as seguintes passagens, que tém, naturalmente caras de texto'. * Criei essas passagens, niles te, juntando palavras e frases que fui recolhendo numa revista. Em con- tatos com professores ¢ alunos, fui testando a estranheza que causava_| ‘0 ‘sem sentido’ de ambas as pecas. As justificativas para a hipotese de que no constitufam textos centra~ vam-se na “falta de uma unidade de sentido possivel”. E curioso que, durante muito tempo, os alunos fize- ram atividades de formar frases sol- tas, sem que ninguém questionasse a distancia entre isso ¢ o exercicio real da linguagem. E que, de fato, 0 texto nao “estava previsto no programa”. Religiosidade Monstro planos sexo cantor pela denincia de polémico paguei fazer sobre pre- tendem enfermeira menino milhdes presente viva-voz telefone estar risco com mercado 0. Computador completo ficar frontal vocé veloz se para esperar doméstico brincando mamifero moda. Rel6gios cartas sobre expectativa inteiro promogao empregadas sabatina campa- nha novo queijo compra Brasil meninos. ¥ preciso 100 pontos para ganhar um relogio de plastico. Teremos imenso prazer ‘em lhe mostrar 0 nosso pais. Ja esta nas lojas Tok & Stok a Linha Garden Verao {7 Dizia-se la em casa que éramos de origem francesa. Tenho um pequeno museu m casa proximo passo ¢ ter um cartao com 6 meses de anuidade gratis. — Jamais abandonarei a senhora. om mesmo ¢ viver numa cabana no meio do mato. O proprio banco ajuda a des- quais so os melhores produtos para montar sua carteira de investimentos. _ Daria para perceber em alguma dessas passagens uma unida- ntica, ou reconhecer qualquer niicleo de sentido? Daria a dizer sobre qué é cada uma? Daria para fazer, a partir delas, resumo, uma sintese? Alguém poderia reconhecer ai uma fun- comunicativa pertinente a determinado contexto? _ Como se vé, so passagens construidas a partir de palavras de frases soltas, 0 que nos faz voltar aos termos com que in 10s esta secdo: um conjunto aleatério de palavras ou de frases 0 constitui um texto. _ Com base nos pontos até aqui levantados, podemos recapitular seguida o que tem sido proposto na linguistica de texto como propriedades do texto, ou seja, como critérios que nos permitem hecer um conjunto de palavras como sendo um texto. Em sintese, a questao seria: 0 que um conjunto de palavras isa ter para funcionar e ser identificado como um texto? A resposta a essa questao ja se encontra definida na literatura bre a linguistica de texto. Por exemplo, Beaugrande e Dressler 1981) propdem como propriedades ou critérios da textualida- a coesao, a coeréncia, a intencionalidade, a aceitabilidade, a ormatividade, a intertextualidade, a situacionalidade. Sao, na do deles, sete propriedades, portanto. Nos estudos que tenho feito, na sequéncia dessa e de outras postas, optei por fazer uma pequena reordenagdo no qua- o dessas sete propriedades, concedendo certa saliéncia aquelas 2 muito comum 0 entendimento dessa intencionalidade como um conceito equivalente a questa das intengdes com que usamos a linguagem. Nao € bem assim. A intencionalidade de que se trata aqui corresponde a disposigao do falante de somente dizer coisas que tém sentido, que sao coerentes. A outra questo ~ a da ‘intengao com que falamos’ ~ tem a ver com a di- mensio pragmético-funcional da linguagem, no sentido de que todo ato de linguagem 6 um fazer, pois é carregado de uma intengao ou de uma finalidade. Sao diferentes, pois, os dois conceitos. Para uma revisio desses e de outros conceitos da textualidade, sugiro a leitura de Costa Val (2000), bem como a de Antunes (2009). propriedades que, mais diretamente, perten- cem A construgdo mesma do texto. Assim, proponho, como propriedades do texto, a coesao, a coeréncia, a informatividade e a in- tertextualidade. Proponho, como condi¢des de efetivagao do texto, a intencionalidade?, a aceitabilidade e a situacionalidade. Para justificar essa reordenagao, alego que a intencionalidade e a aceitabilidade re- metem aos interlocutores e nao ao texto pro- priamente. Quer dizer, pela intencionalida- de, propde-se que o interlocutor que fala se dispde a dizer somente aquilo que tem senti- do e é, portanto, coerente. Pela aceitabilida- de, admite-se que o ouvinte, simultaneamen- te, empreende todo o esforgo necessario para processar os sentidos e as intengGes expres- sas. Como se vé, essas duas propriedades nao sio propriamente do texto. Embora 1A se reflitam, remetem para a disponibilidade cooperativa das pessoas envolvidas na interagao. O mesmo cabe afirmar da situacionalidade: uma condigio para que o texto — que é parte de uma atividade social — aconte- ca. Nenhum texto, como sabemos, ocorre no vazio, em abstrato, fora de um contexto sociocultural determinado. Todo ele esta an- corado numa situacao concreta ou, melhor dizendo, esta inserido num contexto social qualquer. Uma conferéncia, por exemplo, é parte da programacao de um evento e é por ela regulada em todos os detalhes. Uma simples conversa é parte de um relaciona- mento interpessoal que prevé variadas finalidades. Fissa insergao da linguagem em nossa atividade social é tao ‘até mesmo temos dificuldade de percebé-la. O absoluta- dente é que falamos sempre em um lugar, onde acontece social, e com a finalidade de, intervindo na executar qualquer ato de linguagem: ex- uum ponto de vista, fazer um comentario, uma justificativa, uma ordem, fazer o ito de um fato, convencer, expressar um timento, apresentar um plano, uma pes- a, um lugar, fazer uma proposta, ressaltar qualidades de um produto, pedir ou ofe- r ajuda, fazer um desabafo, defender-se, estar, reivindicar, dar um parecer, sinte- r uma ideia, expor uma teoria; enfim, fa- , 0 dia todo e todos os dias, intimeras de linguagem, cada uma, parte consti- de uma situagdao social qualquer. Em resumo, proponho para 0 texto, es- ificamente, as propriedades da coesao, da éncia, da informatividade e da intertex- idade’. As outras sao condigdes funda- ais para que os textos se efetivem. Retomando o absolutamente basico para mpreensao dessas quatro propriedades, ramos Os seguintes pontos*: lexicai: condigées de sua unidade; ) Sobre a coesio e a coeréncia, apresentei em Lutar com palavras: coesio e coeréncia (Sao Paulo: Pa- rabola Editorial, 2005), além de explicagdes bem acessiveis, um far- to conjunto de exemplos. Sobre as propriedades da intencionalidade e da aceitabilidade, sugiro a leitura do capitulo 4 de meu livro: Lingua, texto ¢ ensino (Sao Paulo: Parabola Editorial, 2009). Sobre a proprie- dade da informatividade, pode-se ver 0 capitulo 7 desse mesmo livro. * Volto a justificar por que, neste ponto do livro, fago apenas uma suméria apresentacao das proprie- dades do texto: nos capitulos desti- nados a analise, pretendo desenvol- ver com mais detalhe esses e outros pontos. Aqui, trago apenas 0 que considero essencial para a compre- ensdo das questdes. ® a coesao concerne aos modos e recursos — gramaticais € — de inter-relagao, de ligagao, de encadeamento entre os varios segmentos (palavras, oragdes, periodos, paragrafos, blocos superparagraficos) do texto. Embora seus recursos transparegam na superficie, a coesao se fun- damenta nas relagdes de natureza semantica que ela cria €, a0 mesmo tempo, sinaliza. Ou seja, pela coesao se pro- move a continuidade do texto que, por sua vez, € uma das a coeréncia concerne a um outro tipo de encadeamento, © encadeamento de sentido, a convergéncia conceitual, aquela que confere ao texto interpretabilidade — local e global — e lhe da a unidade de sentido que esta sub- jacente 4 combinagao linear e superficial dos elementos presentes ou pressupostos. A coeréncia vai além do com- ponente propriamente linguistico da comunicagao verbal, ou seja, inclui outros fatores além daqueles puramente linguisticos, fatores que estao implicados na situagao em que acontece a atuagao verbal; dai que a coeréncia decor- re nado s6 dos tragos linguisticos do texto, mas também de outros elementos constituintes da situag¢do comunicativa; a informatividade concerne ao grau de novidade, de im- previsibilidade que, em um certo contexto comunicativo, © texto assume; concerne ainda ao efeito interpretativo que o carater inesperado de tais novidades produz. Essa novidade decorre, portanto, da quebra do que era previsi- vel, do que era esperado para aquela situacao de comuni- cacao, seja em relagao a aspectos ligados a forma (decor- rentes de maneiras diferentes de se dizer o jd dito), seja em relagao a aspectos ligados ao contetido (decorrentes de ideias e conceitos novos). De qualquer forma, todo texto, em alguma medida, comporta algum grau de informati- vidade. O contexto de uso é que determina um teor mais alto ou mais baixo de informatividade. Logo, nem sempre o texto melhor e mais adequado é aquele com um grau de informatividade mais alto. Os avisos, como: “Transito terrompido”, “Devagar. Escola”, “Reduza a velocidade” e outros semelhantes sao de baixa informatividade, mas, por isso mesmo, é que sao adequados ao seu contexto de funcionamento; a intertextualidade concerne ao recurso de inser¢do, de en- trada, em um texto particular, de outro(s) texto(s) ja em circulacao. Na verdade, todo texto é um intertexto — di- zem os especialistas — no sentido de que sempre se parte de modelos, de conceitos, de crengas, de informagées ja veiculados em outras interagdes anteriores. Ou seja, dada a propria natureza do processo comunicativo, todo texto contém outros textos prévios, ainda que nao se tenha intei: ra consciéncia disso. Mas ha uma intertextualidade expli- cita, que tem lugar quando citamos ou fazemos referéncia direta ao que esta dito em outro texto, por outra pessoa. 4 palavra do outro responde sempre a alguma estratégia argumentativa’. De qualquer forma, propriedades e condi- devem centralizar os estudos e as andlises fazemos em torno do texto. E fundamen- ampliar nosso repertorio acerca do que ‘ar ver nesses materiais. Quando falta visao clara dos elementos que sao neces- Para se constituir um texto (e é muito ivel que tais elementos faltem para mui- fessores!), vamos a ele, simplesmente, reconhecer classes e categorias da grama- sem que procuremos averiguar em que élasses e categorias intervém para fazer, uele conjunto de palavras, uma unidade itido comunicativamente funcional®. Nesse caso, a intertextualidade assume um aspecto dind- mico, na medida em que significa mais do que o simples transito do outro texto ou da outra voz. Quem recorre a palavra do outro, o faz ou para apoiar-se nessa palavra, ou para confirma-la ou para refuta-la. Ou seja, o recurso * E de grande relevancia a consul- ta a obra de Koch et al., intitulada Intertextualidade ~ didlogos pos- siveis, S30 Paulo: Cortez Editora, 2007. Além de consideragdes te6- ricas, as autoras apresentam fartos exemplos de géneros textuais, onde sio explorados diferentes aspectos da intertextualidade. Minha pretensio com este livro 6, exatamente, oferecer elementos para que os professorespossam ampliar essa compreensio do que é un texto e possam, assim, intervir no desenvolvimento da competén- cia dos alunos para a produgao, re- cepgao e andilise de textos de forma relevante e significativa. Mesmo numa abordagem suméria como esta, da para per- 'f que um texto nado se constitui apenas de elementos gra- ‘ais e lexicais. O texto é um tragado que envolve material istico, faculdades e operagdes cognitivas, além de diferentes de ordem pragmatica ou contextual. Possivelmente, uma das maiores limitagdes que tem aconteci- em nossas aulas de linguas tem sido a pressuposi¢ao ingénua “que um texto resulta apenas de um conjunto de elementos isticos. Ou seja, nessa suposi¢ao reduzida, as palavras bas- a gramatica basta. Por isso, ficamos tateando por sobre elas, se todo o sentido expresso estivesse na cadeia dessas pala- €na sua gramatica de composicao. O conjunto de propriedades que mencionamos possibilita-nos para 0 texto — seja do aluno, seja de um outro autor — e ber ai, por exemplo: recursos de sua coesdo, fatores (explicitos ¢ implicitos) de sua coeréncia (lingufstica e pragmatica), pistas de sua concentracao tematica, aspectos de sua relevancia sociocomunicativa, tracos de intertextualidade, critérios de escolha das palavras; sinais das intengdes pretendidas, marcas da posicao do autor em relacdo ao que € dito, estralégias de argumentacao ou de convencimento, efeitos de sentido decorrentes de um jogo qualquer de palavras, adequagao do estilo e do nivel de linguagem, entre muitos outros elementos. junicativa. Na verdade, essa compreensao nao é tao dada assim, pois pode ter como supor- tradicional diferenciagao, feita em quase iS as gramaticas e manuais didaticos, en- oracdao e frase. Segundo essa discrimina- por exemplo, o pedido de auxilio feito Frequentemente, falo em ‘textos elevantes ¢ adequados’. E que, 10 lado da coeréncia, dois outros itérios so. fundamentais para iprestar qualidade aos textos, a saber: sua relevincia - 0 texto deve fugir a obviedades ¢ a0 ja sabido~e sua adequacio contextual ~ 0 tex- to deve conformar-se as condicbes da situagio social de que faz par- te. Dessa forma, séo bons textos aqueles que apresentam coeréncia, releviincia comunicativa e adequa- ¢do contextual. Nese tripé, cabem todas as outras propriedades, in- clusivamente a coesdo € a corregao gramatical. O fato de apenas nos fixarmos em ques- toes de gramatica, sobretudo naquelas liga~ das a norma-padrio, nos fez deixar de ver muitos outros componentes também fun- damentais para a comunicagao relevante” e adequada socialmente. £ hora, portanto, de abrir nossa capacidade de percepcao e de procurar encontrar nos materiais que lemos e ouvimos tracos de sua coeréncia global e de sua funcionalidade comunicativa. 2.2.4. Merecem um comentario também dois aspectos do texto: (a) a modalidade — falada ou escrita; (b) € a extensdo em que ele se realiza. £ comum, até mesmo entre alguns professores, a impressao de que a fala nao é textual; ou seja, texto é apenas 0 escrito. Dai, uma outra suposicao: a de que a lingua falada nao é regulada pela gramatica. A fala ser qualquer coisa fora das normas morfos- sintaticas. Algo meio caético. As regras — € muitas! — seriam privativas da escrita; por isso, elas é que serviriam de parametro para a avaliagao da fala. Ha quem acredite que fala bem, em qualquer situacao, quem fala conforme a escrita correta. Outra compreensio infundada diz respeito 4 crenga de que 0 texto, para ser reconhecido como tal, tem que ser grande. Ora, alguém, mediante o grito Socorro!, mes- numa situagao comunicativa concreta, € ificado como frase. Assim, também, os : Atencao, desvio a esquerda!; Curva ;osa; Propriedade privada e tantos ou- exemplares do que Halliday e Hasan 9) chamaram de “textos minimos”®. € qualquer passagem, de qualquer extensdo, desde que itua um todo unificado e cumpra uma determinada fungao * Halliday ¢ Hasan (1989) chamama atengao para esse tipo de textos (“os textos minimos”), absolutamente funcionais, e curtos, porque adequa- dos a seus contextos de circulagi Pela funcionalidade que aprese tam, tornaram-se comuns as transa- «ges sociais, sobretudo na complexi- dade dos contextos urbanos. Por sua dimensio assim reduzida, bem que poderiam prestar-se a atividades de linguagem nas primeiras séries do ensino fundamental, Assim, seriam deixados de lado os exercicios com frases inventadas e fora de qualquer contexto comunicativo. Como se vé, as fungdes implicadas nesses enunciados nao agdo de uma unidade maior. de quais resultados etc. vam e, assim, aquilo que, de fato, constituia um texto era como uma frase. O texto — inclusivamente aquele de geo- , biologia, histéria, que os alunos liam — se localizava fora la e, portanto, nao era considerado objeto de estudo. centralizagdo na frase levou a escola a outra redugao: a mnceber 0 texto como uma espécie de super-sentenca, algo uma unidade gramatical mais ampla, uma espécie de perio- ande, que se forma juntando-se unidades menores, em vistas mpor um texto, conferir-Ihe unidade, supde uma integra- strutural bem diferente daquela pensada para unir as varias de um periodo. Desde a configuragao convencionada para género, até os detalhes de como responder as determina- pragmaticas de cada situagao, a habilidade de promover a \ciacao das partes de um texto ultrapassa as injungGes esta- las pelas estruturas gramaticais. Depende do que se tem a a quem dizer, com que finalidade, com que precaugées, em Ninguém aprende, pois, a ler ou a escrever cartas, por exem- plo, com o exercicio de analisar e compor frases, nem mesmo aquelas mais complexas, assim como, para aprender a falar, nao treinamos, como iniciagao, a jungdo de palavras ou de frases. As leis do texto so outras e, embora sejam previsiveis, estao sujeitas as condigées concretas de cada situagao. Noutras palavras, 0 mais previsivel para 0 texto é que sua coeréncia e relevancia socioco- municativa sao dependéncias contextuais, e muito do que deve ser dito e feito vai sendo decidido na hora mesma de sua realizacao. Essas observagoes nao significam que nao estejam definidos os termos ou as condigées de uma competéncia textual. Ja mos- tramos, nas referéncias 4s propriedades e condig6es da textuali- dade, o que é requisitado para que se constitua 0 objeto texto. Queremos chamar a atengao, no entanto, é para a natureza dessa competéncia, que € bem diferente daquelas estabelecidas para o nivel da oragao ou do periodo. Em termos bem simples, quere- mos ressaltar que, para compor um texto, as regras da boa for- magao de oragGes e periodos sao insuficientes, embora um texto — que nao aqueles textos minimos compostos de uma ou duas palavras — seja formado com oragées e perfodos. Assim, 0 texto, suas leis, suas regularidades de funcionamento, seus critérios de sequenciacgao e boa composi¢ao precisam ser 0 centro dos pro- gramas de ensino de linguas, se pretendemos, de fato, promover a competéncia das pessoas para a multiplicidade de eventos da interagao social. Insisto em lembrar que, tradicionalmente, temos olhado o texto como uma criagdo puramente linguistica, formada com palavras, apenas — de diferentes classes gramaticais —, reuni- das, conforme certas regras sintaticas, em oragGes e periodos. Tem toda relevancia, portanto, ressaltar que a construgao e a compreensao dos sentidos expressos resultam de vdrios siste- mas de conhecimento e de varias estratégias de processamento. O conhecimento do sistema linguistico, se é necessdrio, nao é, contudo, suficiente para dar conta de todas as operagdes que precisam ser feitas. Pretendemos com essa observacao advertir professores contra uma visdo demasiado linguistica da co- icagao verbal. O éxito de uma transacao verbal resulta de série de fatores, que se inter-relacionam e se integram em as amplos e complexos. Ou seja — como temos mostrado em outras oportunidades para o processamento textual, em hora de fala ou de escrita, escuta ou de leitura, ativamos quatro grandes conjuntos de nhecimento, a saber: 0 conhecimento linguistico (compreendendo aqui 0 lexical e 0 gramatical); ‘0 conhecimento de mundo, o conhecimento geral, ou 0 que se conhece com 0 nome de ‘conhecimento enciclopédico’ (que inclui as protétipas, os esquemas, ‘0s cendrios, ou os modelos de eventos e episddios em vigor nos grupos a que pertencemos); oconhecimento referente a modelos globais de texto (que inclui as regularidades de construcao dos tipos e géneros}; © conhecimento sociointeracional, ou o conhecimento sobre as ages verbais (que inclui o saber acerca da realizacao social das agdes verbais ou de como as ‘pessoas devem se comportar para interagir em diferentes situagdes sociais). Numa visio bem ampla, esses sistemas de conhecimento en- slvem o conhecimento das operac6es cognitivas, das estratégias s procedimentos que fazem a rotina das pessoas em seus entos de interacao verbal. _ Desse pequeno esquema, pode-se concluir que um programa ensino de linguas restrito as classes de palavras e as suas fun- es sintaticas é, incontestavelmente, pobre e irrelevante. Talvez por isso os resultados de nossas aulas de linguas nao am convencido a sociedade de que o professor de linguas — bretudo o professor de lingua materna — é uma figura muito ificativa para a elevacao dos padrées de desenvolvimento da iedade. As imensas desigualdades sociais que marcam a reali- brasileira tem um grande reforgo na escola que nao alfabe- na escola que nao forma leitores criticos, na escola que nao wolve o poder de argumentar — oralmente e€ por escrito — criar, de colher, de analisar e relacionar dados, de expressar, m prosa e em verso, os sentidos culturais em circulagao. Mesmo sabendo da nao onipoténcia da escola, acreditamos que sua atuagao constitui um fator de grande peso na resolugao dos problemas sociais de uma comunidade e na sua ascensao a niveis mais altos de realizagao humana. Representa muito pouco, na economia dos valores sociais e éticos, centrar-se na discriminagao de classes e categorias gramaticais. Infelizmente, ainda é preciso fazer esse alerta. * Conforme ja adverti, limito-me, neste ponto do trabalho, a trazer nogées bem gerais acerca do ponto em questo, uma vez que, nos capi- tulos seguintes, destinados as andli- ses, retomo tais pontos, embora 0 facade forma nao muito aprofunda- da. A questio dos géneros textuais € demasiado complexa xigiria um espago que a natureza deste trabalho nao permite. Sugerimos, no entanto, aos professores que procurem am- pliar o estudo da questao (leiam, por exemplo, a segunda parte do livro de Marcuschi, 2008). © Propostas de explorago dos géneros textuais em atividades de ensino podem ser vistas em Olivei- ra (2010), Antunes (2009), Moco (2009), Marcuschi (2008), Guedes (2008), Schneuwly e Dolz (2004), Costa (2000, 2008), Dionisio et al. (orgs.) (2010), Faraco e Tezza (2002). Alguns livros. didéticos também ja exploram a questo dos géneros [ver, por exemplo, Faraco (2003), Faraco & Tezza (2002, 2003); Abaurre et al. (2008). 2.2.5. Na alinea (c) do esquema apre- sentado, fizemos mencao ao ‘conhecimento referente a modelos globais de texto (que in- clui as regularidades de construgao dos tipos e géneros)”’. Nogées relativas a essa questao dos ti- pos e géneros textuais tém ganhado espaco nos estudos e nas pesquisas sobre a lingua- gem, sobretudo no ambito dos programas de pés-graduagao. Muitas dissertagdes e te- ses tém se debrugado sobre tais questées e tém proposto alternativas de inclui-las nas programagées de ensino, Também alguns manuais didaticos — principalmente aqueles destinados ao ensino médio — ja exploram tais aspectos do mundo textual!?, De fato, entendendo que a ampliacgado da competéncia textual dos alunos representa um dos objetivos centrais do ensino, é neces- sdrio ultrapassar o nivel das consideragdes te6ricas para chegarmos ao campo concre- to das ages de linguagem. Nesse campo, o que existe é o género de texto; quer dizer, no Ambito das atividades concretas de linguagem, 0 que temos sao os géneros: crénicas, contos, poemas, cartas, avisos, entrevistas, antincios, declaragées, atestados, atas, editoriais, noticias, arti- gos, notas de esclarecimento etc. ja verdade, o que temos mesmo sao textos em classes de gé- , uma vez que, por exemplo, dentro do género carta, temos ites perfis, conforme também diferentes propésitos: carta presentacao, de convite, de cobranga, de solicitagao, de agra- lento, de congratulagao etc. _ De qualquer forma, é relevante lembrar que todos os géneros jpondem a modelos convencionais de comunicagao, social- estabelecidos (nunca, porém, modelos rigidos!), os quais lam nossa atividade social de uso da linguagem. Compor um , assim, corresponde a uma operagao de cumprir um certo ‘lo textual, e, por outro lado, compreender um texto supde \quadramento desse texto em determinado género. Dai por em geral, frente a tarefa de produzir um determinado gé- , Seguimos, praticamente, 0 mesmo modelo. Uma carta que emos, por exemplo, tem a mesma cara que a de outros de grupo, de nosso tempo. Por outro lado, o entendimento do textual é, a partida, condigdo de sua interpretabilidade. historinha que tem o seguinte comeco: Tudo aconteceu no ipo em que os bichos falavam... jA regula a sua compreensao, ‘sentido de que traz as marcas convencionais do quadro em deve ser percebido: uma narrativa de ficgao. Em geral, os diferentes contextos sociais — os chamados inios discursivos — sao marcados por determinadas rotinas junicativas, pois, costumeiramente, utilizam um mesmo con- de géneros. Assim, 0 dominio juridico, 0 dominio jornalis- , 0 dominio religioso, entre outros, costumam servir-se dos jos géneros, dentro, é claro, da natural flexibilidade que a itica da linguagem implica. A questio dos tipos de texto é mais simples, pois esta me- sujeita a fatores de ordem pragmatica do que os géneros. fato, os tipos sao marcados por caracteristicas linguisticas e turais, como, por exemplo, o modo de selegao lexical, a es- a dos tempos verbais. Distribuem-se em cinco categorias, ou i: OS tipos narrativo, descritivo, expositivo, dissertativo e in- ivo. Cada um desses tipos pode acontecer na composigao de diferentes géneros. Por exemplo, no tipo narrativo, se inserem os géneros noticias, fabulas, contos, romances, cr6nicas ete. Vale advertir, no entanto, que um mesmo texto pode conter sequéncias narrativas e descritivas, ou um outro, sequéncias ex- positivas e descritivas etc. De qualquer forma, todo texto é re- gulado por determinagées do tipo e do género que realizam. a conviccao desse principio que nos faz perguntar, por exemplo, diante de uma situagao concreta de comunicacai faz uma noticia? Como se faz um requerimento? Convém advertir ainda que os tipos e géneros nao sao cate- gorias dicotémicas, antag6nicas; mantém uma relacdo comple- mentar, no sentido de que “os textos realizam géneros e todos os géneros realizam sequéncias tipolégicas diversificadas”, segundo observacao de Marcuschi (2008: 160). Mais uma vez parece oportuno lembrar a pertinéncia de uma programacao de estudo centrada nas questées textuais. O exer- cicio de formar frases serve para isso mesmo: aprender a formar frases soltas, 0 que equivale a atrofiar 0 conhecimento explicito do que se deve fazer para interagir verbalmente. Eleger o fun- cionamento da linguagem — que somente acontece em textos — como uma das prioridades do estudo significa promover a possibilidade da efetiva participagao da pessoa, como individuo, cidadao e trabalhador. Os cacos da vida, colados, formam uma estranha xicara. Sem uso, Ela nos espia do aparador. (Drummond, Poemas) como é que se

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