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1510912023, 16:19 Facobook: hrtps:jiw ww facebook com/revistapostauusp/ ‘Sto: hrps:/w ww. revista. usp bripostau PDFs viewer PosFAUUSP 52 Email: rypostau@usp.be PERSPECTIVAS DECOLONIAIS PARA UM DESIGN PLURIVERSAL BRUNA FERREIRA MONTUORI. School of Autitecrce, Roa Cobeye of Ast, Kensnyzon Gove, South ‘Kenuagton, Londes, Rego Uno, CEP: SW" ZEU / Teefone: +4020 704100 arp osio/000-001-768-1105 ‘pea meeroou@neod a seu Dados do Seanaarente a pris: CNPq ot prceno 21660/2018.0 VIVIANE MATTOS NICOLETTT Unread So Judas Tad. Endergo: Ar Angelia, 2565 Bea Vie, Sin Pado SP, CEP 01277200 / Telstce (1) 296-1677 psec og 000-001-71505875 ‘Snellen com ABSTRACT ‘This amide aims to reflect on the diffesent auances that Baenzllan design caa take in the face of decoloaisl aausatives, ‘which bresk with tniversal ideals for others based on the pluivesse (ESCOBAR 2016). We seek to understand the hegemonic position of the dieciplize so question ite dominant place in the light of theories that elucidate the coloniality of power (QUITANO, 2000), Through two lines of thought — border thought, which theosizes fom the cpistemic Frontiers, and intersectional thonght, whieh looks to the vod inthe intessection of categories of race, gender, lass ai wks we sais theosetial nd pescical edletions that guide practitioners towasds an attitude aligned with decolonial thought. The asticle is divided into thice part: (1) the celitions bermien sxodesaity and eoloaiality applied to the Brazilian context; (2) Brazilian design analyzed through border and intessectional thoughts; and (8) theovetical and ppncteal celectioat foe the coustauction of « decoloaial [Perspective for a phusiversal design, Based on these poiats, wwe addcess alternative pathe to Brazilian design, which is ‘based on exancipatocy peactiees chat ghide the sntoaony ‘and freedom of subjectivities, Palaveas-chaver Design bauileizo, perspectiva decolonial, colonilidade, Pos EAUUSP, io Pasi. 28,0 52, 682 hitpsflww.revistas.usp briposfaulartcle!view!*76954/176052 ‘Acsio 16062021 RESUMO Este artigo tem como objetivo stiles sobre as dieveares sacet que o desiga belliso pode tomae dlaate de rnscrativas decoloniais, que rompem com desis wniversais por ounos baseados no pluiverso (ESCOBAR 2016) Boscames agi comipseender posicionsmeats hegeméaico do campo a fim de questionar set lngns domisante i iz de teotias que elucidam a colonialidade do poder (QUIANO, 2000), Pos miso de dase sbocdagent de peazsmento — fontetigo, que teoriza a pair das feonteinns epistémicns, ¢ ouuo intesseecional, que otha 2 partic dos vazios nos ccasoatuos de caegosine de anga, giaeeo, caste © tebe: = Ievantamos eflexdes testicas © priticas que orienta paiticantes paca uma atinide alinhada a0 pensamento esolaaial © astigo divide-se em ts pactes (I) a8 selagses| ccotte modemidade ¢ coloninlidade aplicadas 20 contexto bbasileio; (2) odesign brasileio sab aslentes de pensamentos interseccional e fosteixce:e (3) ceflesdesteérieas ¢peiticas [pars a constzucio de wma perspectiva decoloaial pasa tim design phuiversal. Com bate nesses poatas, enderecamos ccominiios altenastivos ao design bslleico, que tom como) base prticas emancipntoxins que osientam para a astonomin ce albexdade das subjesividades Keywords: Brsilian colosiality. design, decolonial perspective, a3 1510912023, 16:19 INTRODUGAO Entze as décadas de 1950 ¢ 1960, 0 design se estabe- Jecen no Brasil como uma profissio que espellava a modemidade, tendo como forca motora os ideais de sacionalidade, foncionalidade ¢ © avanco industrial Inffuendiado pelo contesto pés-guensa, o campo xefle- tia em suas bases de pensamento a esteatégia de mo- demizagho conduaida por agtacias intemnacionais de desenvolvimento como o FMI, 0 Banco Mundial e as NagGes Unidas (ESCOBAR, 2016). A estiatépin po- movia o bem-estar social a partis de ideais ocidentais entticos etecnocriticos, em que o progresso se dava pela produtividade e a neunnulacio de siquezas de uma nagio (ACOSTA, 2016), Para os paises de “primeizo manda” —de acordo com 2 oxdem de poder vigente da époea ~, tratava-se ce um ‘momento de seconsticio © avanco para o progtesso, ‘uma reafirmacio do poder ocidental em um cenitio de guess fiia ¢ disputa armamenticia, Do outro lado da Linha do Equador, os paises do chamado “texceizo mundo”, observatlos pelas lentes ocidentais, idavam com wm momento de cises humanitisias e a ausé ia da industializacto, carecendo de medidas civiliza- t6rias que absiam milo de um passado primitive para centiar no projeto desenvelvimentista, Arturo Escobar (1995, p. 46), 20 investignr as bases que formataram a concepeao de “terceiro mmindo", menciona o am- bicioso projeto das nacdes imperialistas em propiciar as condicdes necessivias para replicar os aspectos que ccarnctecizavam “as socedades avanradas naguel tempo: aos indies de indusrialzggdae urbaniag, a tenificasta da aan ‘alta, orp cescimenta da prod material eo pari de sida, « adopt da educa moderaa ¢ sens valores culture Para o autor (Idem), © projeto de modernizacio 1 presentava uma nova forma de colonizac: ses subjugados & dominacio euopeia e estaduniden- se em vista de seu casiter autositisio ¢ explotados. Como veremos adiante, as xelacdes entie a coloniza- lo © projeto modemizador s4o, como apontam os autozes Walter Mignolo e Madina Tlostanova (2016), das faces da mesma moeda, agindo como um vetor que aponta sua forga part tim projeto tinico: a per- 208 p: 2|Pos hitpsflww.revistas.usp briposfaulartcle!view!*76954/176052 PDFs viewer manéncia do pensamento ocidental como 0 predo- minante no mundo. Embora o Brasil ji possuisse suas préprias tandigdes com 0 modemo, seconhecidas principalmente nas trajetdnias dos campos da arqpiterura e do uebanisme (CAVALCANTI, 2001), 0 design foi o agente propul- sor dessa heranca pela vertente da prorlucio industrial em massa para 0 acesso democritico a bens matetiis (MAGALHAES, 1998). E a partir dos lega- dos deisados pelo design institucionalizado em bases modemnas e, posteriormente, neoliberais, que este ar- tigo visa aprofiindar a nogio de colonialidade do de- sign no contexto brasileito, Como veremos adiante, a colonialidade vai perpetuar “a logiea subjacente da fundacio e do desdobramento da civilizacio ocidental desde © Renascimento até hoje” (MIGNOLO, 2017, 2), possibilitando a sua manutencio na hegemonia alobal. Buscamos aqui localizar 0 Ingar do design — como campo de estudlo ¢ acto projetual —nos discus- sos eurocéntricos (QUIJANO, 2000) ¢ entender seu casiter dominante no Brasil. O artigo tem como objetivo tragar reflexes tedricas priticas que nos ausiliam na construgio de uma pers- ppectiva decolonial para o campo no pais. Para tanto, dentro dos amplos estudos e conceitos da decolonia- lidade construidos para formar uma nova epistemolo- ia, secorzemos a duas abordagens. Fssas sio 0 pen- samento interseccional, disutide a parti dos estudos de génevo produzidos por pesquisadoras feministas (LUGONES, 2008; GONZALEZ 2019; FEDERT- CI, 2014), ¢ 0 pensamento fronteitico, e ado por Walter Mignolo (201!) ¢ inspizado em teotias pés-co- Tonisis e pensadores fronteiticos exiticos,além das se- fiexdes provocacas pela sede de pesquisa Modesnida- dde/Colonialidade (M/C) (BALLESTRIN, 2013). Por meio dessas, analisazemos a nocio de colonialidade do design no Brasil também, poc onde estrutusamos n0s- sas seflexdes pain questionas Futusos camiahos de acko, Buscamos compreender as diferentes facetas que 0 design brasileiro pode tomar diante das narrativas de- coloniais. © artigo divide-se em trés partes: (1) ar re lagies entre modernidade e colonialidade aplicadas ao contexto Fos FAUUSR, Prd = 28,5 52, 168265, jan jon 202 23 1510912023, 16:19 rast, apresentando a origem desses debates, suas intencdes teézicas € como sen desdobramento pode ser estendida a0 nosso pais; (2) o dsign nacre sob as letes de Densamentos intersecional e foncéiiz, a fim de compreender 0s diferentes anguilos que 0 design espe- Ihe diante da perspectiva decolonial; ¢ (3) fener tt reas « piticas para a consrazta de uma perspetva decolonial i cksigy brasileiro, tsazendo diferentes aspectos que si0 aqui sevisitados & Inz da pritica projetual. Buscamos, par esses pontos, questionar a colonialidade do design biasileito e seus desafios de atuacio com base em uma petspectiva decolonial AS RELAGOES ENTRE MODERNIDADE E COLONIALIDADE APLICADAS. AO CONTEXTO BRASILEIRO (Os estudos decoloniais advém de um esfosco de in- telectuais latino-amesicanos em constnuir uma epis- temologia a partir do Sul Global, formando 0 gmpo Modemidade /Colonialidade (M/C) no final da déca- a de 1990, A proposta do M/C esa de radicalizac a abordagem constnuidla pelo grupo latino-ameticano de Estudos Subaltemos', desagregado em 1998, Discor- @iincias entre seus componentes se deram porque © arupo de Estudos Subaltemos utlizava uma epistemo- logia pantada no Norte Global, devido a infinéncias da Escola subalterna Sul-asiitica, na qual o grupo M/C se inspivou para se formar (BALLESTRIN, 2013). Como nara o exmembro Santiago Castio-Gémez (ALA- CIP, 2020), a rede de pesquisacoses de diversos paises latino-americanos se desmembrou em 2006 por conta de discorcincias politcas e conceituais®. Entre essas, 0 apoio de membros a govemnos de esquerda que ascen- desam 20 poder, visto por outzos membros como uma PDFs viewer adequacio ao mundo colonial ¢ capitalista, Ontsos motives de ordem conceitual € teésiea provocazam também divises no grupo, como a nto concosdin- ia sobre a sepulsa totalizante acerca da modernidade seus vineuilos com 0 eapitalismo e 4 colonialidade, Além de discordincias com a perspectiva decolonial apenas por seu viés geopolitico, pexdendo sentido em questdes da filosofia « da subjetividade Enquanto atuante, 0 ceme do debate do grupo M/C estava na ampliacio dos discursos contia a corrente ‘da modemidade para o resto do mundo a0 invés de se ater apenas 20 veconhecimento do discusso do opsimi- do, Ao longo de seus quase trinta anos de existéncia, ‘© gmpo M/C é composto por inteleetuais? que focam fem um programa de investigacio que busea pensar “ao contririo das grandes naratvas medernistas ~ rstianis- ‘me, leralisma e marsismo- sitwando sex questionamente nas priprias bordas des sistemas de pensamente¢ esgiisa para a _pessibilidade de modas de ensaments nao enrocntios” (ES- COBAR, 2003, p. 53). Deste modo, sua “princbal fora ovientadora (..) € uma rifesto continuada sobre a realiéade caksral¢ poltca tatine-americana, inchindo 0 conbeciounte subalerizade des gribes exblorades e abrimides” (dem), conttibuindo para a construcio de uma epistemologia ppantada nas experiénciaslatino-americanas ‘Um dos pioneiros € Anibal Quijano (2000), socidlogo pemano, que aponta que, apesar de a colonizacio ter terminado, suas relacies de poder ainda se mantém vvivas por meio da colonislidade. Pasa o autor (idem), a continuidade dessas selacdes de porler abarca dimen- s8es da economia, de gine1o ¢ sexuulidade, da subjetividade ¢ do conhe cimento (Idem; MIGNOLO, 2000, BALLESTRIN, 2013). © tinbalho de Quijano, em especial, aponta como tis velagdes de pocler se fortaleceram em pro- ia natureza e dos recursos naturals, O gupo de eo Sinha marge porssnnt de pat debi ene ue cams ey pvp eprint ol aed de 17D cau de Suctage Cat te vest ie act de Ci Vil Casi el PsP. patel ip: esate ca eBESORLMSESGNY. acon ee denn dea {Eggo tots ed eo Wal Mil, Ares Eco Antal Quins, iss Loge, Glogs Arma, Neos inde Toa, Rane Gigi Cae ‘Waste omen seman sou peony deca po eens ppt tase Sone oars ~ ands ws keaton eine ‘init eames pl ngs sien Vr co ue "08 os AUUSE Sio Pala 28 a 52, 16263 ane M21 hitpsflww.revistas.usp briposfaulartcle!view!*76954/176052 Pos | 3 3n3 1510912023, 16:19 ccessos de classificacio de saca ¢ identidade social seus desdobsamentos nas selagdes de tsabalho. Tais aspectos podem ser enxergadlos na hegemonia da saca branea como colonizadora em relacto as racas colo- nnizadas tratadas como infetiores. Para estrutusar esse penstmento, Quijano (Ibid, p. 120) afitma que: Essa colonialidade da controle do teaballio de- terminow a distal io geogréfica de cada uma das formas integradas no capitalismo mundial, Em outras palavras, determinow a geografia so- cial do capitalismo: o capital, na relacio social de controle do trabalho assalarindo, exa 0 eixo em tomo do qual se astienlavam todas as de- mais formas de contiole do trabalho, de seus recursos € de seus prodntos. Isso 0 tomava dominante sobre todas clas e dava eaniter eapi- talista a0 conjunto de tal estrutwa de contuole do teaballio, Mas ao mesmo tempo, essa relagio social especifiea foi geogsaficamente concentia- a na Encopa, sobretndo, ¢ socialmente entre ‘0s europens em todo o mundo do capitalism, E nessa medida e dessa maneisa, a Eucopa © 0 eusopen se constituiram no centro do mundo capitalist, Enquanto Quijano foca sett olhar na classificacao de aga, na divisio do trabalho ¢ centralidade do capita- lismo na Europa, outros autores do grupo vio, poste- slormente, construir uma sévie de uelexdes sobse a €o- lonialidade do poder em outzas dimensdes. Entre eles, Nelson Maldonado-Touzes (2007) analisa 2 coloniali- cade do poder a pattir da dimensio subjetiva do ser, analisando como os discursos modemos perpetuam ‘uma légica de vide que racionaliza 6 conhecimento, os sentimentos, a cultura, homogeneizando © modo de sere pensar entopeus como universais ‘Trazendo esses aspectos para o contesto brasileiro, Darcy Ribeiro (2006) reftete sobre a exploracio ea catequizacio de povos ineigenas no perfodo colonial PDFs viewer Segundo Ribeico (bid, p. 49), esses exam vistos pelos calonos come “ado humane, cya nacre, mais prsina de iche que de gente 16 rcomendata beac” Ribeiso 108 di wm guncho paca compreender como a imposi- Go de uma pecspectiva ensocénttca € 0 viés da apio~ priacio e violéncia atavessavam as diferentes dimen ses presentes no Brasil colonial: do ser, da 1aga, do tesbalho e do géneso, Luciana Ballestin (2013, p. 13), a0 levantaratsjetria do grupo M/C, menciona que € sna “denice des dover de aon com sua fas on exes 49s" que a diferenga colonial ¢ estabelecida, “progida e rebrodugida pela colonialidade do poder” E. na auséncia de ‘uma visio que integra essascategorias que detetmina- ddos grupos sociais sfo mais optimidos e explosados nas rlacSes de poder. A eategotizacio ¢ também explorada por Maria Lugo- nes (2008), também participante do grupo M/C, que analisa com cautela a dimensio de género e sexual dade, Ela parte da colonialidade do poder elaborada por Quijano (2000) para indicar que € preciso mais do que uma compreensio sobre sexo, seus recursos «© produtos para se entender as diniimicas que envol- ‘vem géneto, Lugones lance luz sobe a dela de que a ‘fingdo repredutiva” & aquela attibuida como caractetis- tica central da mulher, uma verdade biolégica imposta pela supremacia branca ocidental. Pata ela, a légica de separagio em categoria distorce o que se encontra na intersec¢io, impedindo que os encontros entre género, aca, classe e trabalho sejam enxergados integralmente, ¢ permitindo que situacées como a violéncia contsa as mulheres de co: se mantenham encobertas. Voltando 0 trabalho de Ribeizo (2006), tal aspecta fica evidente quando ele localiza as “indiar” como aquelas que vio _gerae, a pasts do seu ventze, a vasta prole mestica no Buasl, evelando a imposicio de seu papel reprodutivo histéxico na divisto social e do teabalho. ‘Outza autora que nos ajuda a compreendes a colonia lidade de géneso no Brasil é Lélia Gonzslea, pesqui- sadora e militante do Movimento Negro Unificado ‘Sls Logne 008 oe oa mb de oe cgi ce Eder Undo prensa dont cl come ter an topes sls Cermn em geen 208.2 poner scr cere, 4 [Pos hitpsflww.revistas.usp briposfaulartcle!view!*76954/176052 Pos FAUUSR Sie Pula 280 52 168265, janjun 20. ans 1510912023, 16:19 tna década de 1980. Em seu texto Racksmo ¢ sexismo tna cultuza brasileiza, Gonzalea (2019) sitaa a violencia simbélica sobre a mulher negra brasileita, carregada desde o periodo da escravidio, em que suas classifica~ ‘gBes se xeduziam A fignsa da empsegada doméstica no cotidiano © & ‘malate devsa do mew samba”, exaltada por meio de sua hipersexualizagio no camaval. A autora bid,, p. 283) identifies esse ugar de esquecimento, pantado por Lugones como intersecce, como aqne- Te em que Yiutamente aguela negra aninioa, babitante de perferia, nas baixadas da vida. quem sere mais tragcamente gts da terielcufpabildade brance. Exsatamente porque 6 la ie sobrevive na base da presasto de srvias segura a barra familiar pratcamente oxjuba.” So ollax para ainter- secgio, Gonzalez tensiona as classificagdes impostas ‘em buses de uma visio verdadeia acerca da expetién- cia da mulher negra no Brasil baseada em opressdes sistemiticas e geracionais. ‘Com base nesss Iégica de dominacio, intrinseea 4 co- lonialidade do poder, ¢ sua selacio com aqueles domi- ‘nados, olhamos para a modernidade como um projeto ‘que atticula a Tinguagem, os dliscnssos e a histéxia a favor de um tinico modo de viver. A opsessio ¢ 0 es teiminio de grupos infetiotizados (negros, indigenas, mulheres, pessoas LGBTQIA+, outros) teve um pa- pel central na construsio da modemidade, ainda que ‘nitos intelectuais tenham, em certa medida, buscado formas de negociar dentro do projeto colonialsta ou- tros caminhos de acio, tendo buscado formas alterna- sivas para o projeto’ Come indicado por Cardoso (2005), coustaniti-se um mito de que a design teiia sido fandaco no Brasil en- te @ inauguracio do IAC (1951) da ESDI (1963), PDFs viewer ‘enquanto na verdade, nesse periodo, 0 que acontecen foi uma mpmsa que zedizeeionow a pritica profissional de matsiz modernists estimulada em grande paste pelo poder piblicot, Projetava-se assim wm Brasil moder- zno que visava opor-se ao Brasil escravocsata, mas sem cefetivamente enfientar o legado da colonizacio. A colonialidade é paste fimmdamental do projeto de mo- dernizacio no Brasil, © se constanin nas relacSes de lin- gugem, nos meios de produc zo ensino, no wbanismo ete. Tais elacBes constituin- tes de dominacio e opressio ganhaam novas nuances com a ascensio tecnolégica ea tuansigho pasa o pesio- do neoliberal. sedistibuicto dos meios de producto, focada na expansto e no actimulo de capital, ndo ape- znas intensificon as desigualdades jé esistentes, como constant relacdes binarias entre centzo (a Exropa © 08 (0, nas relacdes sociais, Estados Unidos) ¢ perifesia (paises pobres abaixo da Linha do Eqnados). Escobar (2003, p. 57) cosrobora essa visio quando coloce que a “pbbaligayto implica wana radicaligayto e universal de da noderndads” O DESIGN BRASILEIRO SOB AS LENTES DE PENSAMENTOS INTERSECCIONAL E FRONTEIRICO Como obseivamos 4 presenca da colonialidade no de- siga brasileira? Como essa se concretiza na acio pro jemal? Buscamos responder essas pexguntas com 0 it~ tito de localizar 0 design nesses discussos ¢ entender sa posicio hegemsnica pata imaginas possiveis cami- snhos pasa suas priticas que seafastam de ideais univer~ sais e se apxoximam de ideais baseados no plusiverso ESCOBAR, 2016). A plosiversaldade éselevante pasa Hae RE RE RRR CeEseEp ETc su bes cous sages deta fe trade «dns Salo) Ee clon ucla Sea Ge ate ods de DEE goer gem Sc Waa sas a aul as St qe pn ee saan an um sums sms coms alan» Sane So Cans Suess Beans (Cl erp lon apie wanes deh mtr o pon de wea ese «aco, gp ten ae sth ond Pl ge west gos ‘reo eepn dbrdspor Lan Bo Bel av Slo Uns rs vede/BA ego po prem satan, et essne Virco Grace Dj, tae ne, Cekna 205 10 sie ben gen ata a pls ald sng deg nde ete Sl ha de 95D in ede 19 gn pace, pnp paps ~ cade cme ung tags panne o punta sao tea ei nda acs aot ‘Nosie O Bnd node de Ge Pen dee Baa, de Ans Gansta do ip oe Cut Lae hE pee or ail de pual (Ebi sakes nee on ead ec pl pemoene a os AUUSE Sio Pala 28 a 52, 16263 ane M21 hitpsflww.revistas.usp briposfaulartcle!view!*76954/176052 513 1510912023, 16:19 pensar em outsas puitieas de design, baseadas em ou- tas cosmovisdes e modos de viver ESCOBAR, 2016; KRENAK, 2019), que nto apenas aquelas institaidas pela modernidade /colonialidade, Nos apoiamos em duas abordagens de pensamento: 0 fronteitio e 0 interseccional. O pensamento frontei- igo parte da ideia de que hé um maxeo zero do couhe- cimento na Europa, gerando fionteiras epistémiess, Baseadas em uma “ondom de classifcarte que aguales qe a ffxgram se colocam no tope da bmanidade” (MIGNOLO; TLOSTANOVA, 2016, p. 206), sio representadas por tipos de “iferega colanial”. Essa difevenca reflete © modo com que os saberes e as subjetividades sio continnamente moldados pelas estrunusas do mundo modemo/colonial (Thid., 207), maseada nos “tacon- ‘ras zgnas de fonters, process de resitincia,bilbridxagte, LB afirmagia de diferenga culteral” (ESCOBAR, 2018, p. 94). Assim, o pensamento fronteitico refere-se a pen- sar pels fronteims, reescrevendo suas epistemologias tetsitoriais, Signifca se desprender de uma geografia a snaio pautada em uma politica teleolégica € ego- cEnttica do conhecimento, aproximando-se de ontea ‘que pauta o conhecimento na geogratia e no cospo. Para tanto, 0 pensamento fronteitico requer abrir mio das epistemologias da modemidade ocidental, admitindo que saberes podem ser gerados para além das normas e do controle institucional. Tiostanova (2017, p. 4) refere-se 4 colonialidade do de- sign como Jntergretasia de mundo, de oatrossreshunnaes¢ ni buoanas « ceicas de aco com certer principiae legtimadee®. Teata- «se da imposicio de um conjunto de “oye ontligicas, epistinicas + axivlgicas que afttam todo 6 mundo”, em qpe ‘alternativas de sida, extruturas sciis, modelos ambientais ‘ow princpies estos foram invariavelmente descartadas”. No contexto brasileixo, € necessisio admitis o design como forca motota do projeto modesno/colonial. control «dsiplnament de nasea perp e PDFs viewer ‘Ainds na estrurssncio do campo no pais, 0 lema da fouma ¢ da fincio, baseados em uma 1acionalidade sadical, moléaram as instituicdes de ensino, de modo ‘que suas bases eussiculaces fossem importadas e ade- gquadas is notmativas alemas”. Esses aspectos se espe- Thavam em wm mitinde de projetos qne carsegavam consigo esses idenis estéticos e utilitisios da vida mo- deina, impondo 4 sociedade uma visio totalitisia do gue é bom, do que jinviona (CARDOSO, 2011). Para Cardoso (Idem), essa visio é confiontada apenas nos anos 1960 nos paises dominantes, especialmente com obra de Victor Papanek, e apenas nos 1980 no Brasil ‘Embora o enfrentamento dessas bases tenha ocorrido na trajetérin do campo, a colonialidade se fxzin pre- sente, especialmente por meio do principio de mime- tismo, no qual a retésica e os waloses espelhados pela modemidade (TLOSTANOVA, 2017) exam tomados como centrais, © penstmento fronteitigo, portanto, nos ajuda a com- preender as intimerns formas pelas qnais 0 design Drasileito tentou © ainda tenta se moldar a0 design hegeménico do Norte Global. Com a diminnigio de Daureisas na comunicagio, essas nuances ficam ainda mais imperceptiveis, no entanto, muito evidentes 20 observarmos 0 foco na acumnlacio de capital e o be- neficio de grupos sociais abastados por conta de seus privilégios de raga, género, classe e trabalho. Compreendendo o lugar hegeménico insttuida a0 de- sign brasilezo, trazemos a segunda aborcagem pata tc fictimmos sobre o campo: o peasamentointerseccional ‘A busca em sic esses dois pensamentos tem como o objetiva levantar rma visio mais completa com sela- fo 20s processos exchudentes produzides pelo cam- po. Como mencionado no tépico anterior por meio dos trabalhos de Masia Lugones (2008) e Lélin Gon. zalez (2019), 0 peasamento interseccional possibilita ‘uma leinua que chega a0s espacos que estio em es- "Note "De Got pao Bal -O enn ee desgnineconi” de of de Sour Late 2014) omtr pet pono neido mario emis so Beale oma teen com iets fem taunt pus Empl Bes Monn x Bg Fess, 201 mesure pte ems (EPUC is Jue Regge pnts en tun putes ea enpoute dein got uae de oye ovo dee pvr amas ence ‘pean eset dane inde cen am © Lnoedn bce ei gr auc cance ‘pie dh gnomes de a meee av potatoe cho 6 [Pos hitpsflww.revistas.usp briposfaulartcle!view!*76954/176052 Pos FAUUSR Sie Pula 280 52 168265, janjun 20. ena 1510912023, 16:19 eecinento,sloesoe no encanto enti a écenes clasifcage seis imposts pela modesnidade, Psa Lagones, a “itrcioakded rela 0 ge ne te gua decal ond hee erage bares oa ara sme daca" Etaoin ies exten ie possvel enserga deteaninadostipos de opressi, Sci at obscura a miessidd pe isis camp es © pensamento interseccional, quando aplieado ao de- sign brasileiro, nos permite observar como ages de dominacio ocorrem em meio 4 acio projetual, espe- Gialmente com relagio a questdes de género e raca. Quando olltamas o design ¢ pensamos a partis do seu projeto, da sua comexcializacio, logistiea de distsibui- ‘lo, € sua seciclagem, mas falhamos so no observar as selacdes de trabalho, género € aca nos usos, con- sumos, na producio © no descaite, pesmitimos que vviokéncias epistémicas (MIGNOLO; TLOSTANOVA 2016) se pespetuem. A medida que o pensamento terseccional nos mostra 0 que esti faltendo, ou esta escondido, “temas a frente a tanga de reonceitualzar at ‘a da inteseso para estar a sqparabilidade” (LUGONES, 2008, p. 82) Em seu histérico, o design carrega uma tradigio de excinsio de género ¢ inca, visivel desde a Bauhaus ¢ seu plano de ensino. Ana Julia Almeida e Maria Los- hiavo dos Santos (2020) tragam na trajetdria de Marta Exps-Brever, ex-aluna da Bauhaus radieada no Brasil apis a década de 1930, como as mulheres estudantes dda Bauhaus cram dizecionadas pasa atividades especif- ea delegadas ao fazer feminino, como a tecelagem. artigo, Almeida e Loschiavo (dem) apontam os meios pelos quais alunas da Bauhaus atoavam pasa superar © Iugar de exchusio imposto as mulheres. Ellas busca- vvam circular por mais espagos, buscando métodos de ‘eabalho e expesimentacio astistica a fim de adquisic competéncizs adicionais para utilizar em percussos pubfissionais, Ao tuazecmos a lente intesseccional pasa ‘esse ca50, posdemos observar como as interseccoes das PDFs viewer ‘opressdes que afetam as mulheres se da desde as saizes do ensino em design. Ao mesmo tempo, observamos como essas mesmas mulheres se empenharam para sais dessa intersecgio por meios alternatives pasa além da tecelagem e dos ateliés a elas destinados. REFLEXOES TEORICAS E PRATI- CAS PARA A CONSTRUCAO DEUM PENSAMENTO DECOLONIAL PARA UM DESIGN PLURIVERSAL Entie aceites © secusas, 0 design no Brasil foi cons- teuido sob alicesees ci modemidacle/colonialidade, As ceflexdes a sepuir visam discuticsobse fetsamentas ‘que articulam e mantém a posture hegeménica do de- sign ¢ possiveis brechas a serem ocupads pasa a sub- vvetsio, osientadas a construir um design plusiversal, bbaseado em uma perspectiva decolonial. Inicialmente, discute-se come o univessalismo linguistico, inchuindo 15 discursos e fercamentas de projetos, & responsivel pelo achatamento das possibilidades criativas. Disser- tamos sobre como os métoclos de projetos impdem ‘um modo de fincionamento da sociedade e deixam de considerar certas relagdes sociais e maneitas phuais de sclacionar-se com o mundo. Por fim, sesio apresen- tadas 1eflexées pata a construc de tim design com bases de pensamento decolonial, A acumulacio ¢ transmissio do conhecimento se di pela linguagem, seja ela vecbal, visual ov coxposal. O {filésofo argentino Diego Tatién (2013) apcesenta uma seflexio sobve a inguagem utilizada nos congyessos intemacionais. Segundo o auter, a disputa pela univer- sidade/produgio de ciéneia, se dé entre os que apoiam a sua captagio pata secvis 20 mercado ¢, teosicamente, por consequéncia,& sociedade, ¢ 0s que a seivindicam ‘como lugar de resguardo das heteronomias*, A nocma- lizagio de termos universais para a conmunicacao cien- tifica, ainda mais em um idioma tinico, contribu para As ior uti cae ee hn pn de te tins ott pen tec mini pind ee gn weaie oo os AUUSE Sio Pala 28 a 52, 16263 ane M21 hitpsflww.revistas.usp briposfaulartcle!view!*76954/176052 73 1510912023, 16:19 © achatamento dos conhecimentos em debate, jf que se esvai dos possiveis actimnlos culnuais, das plurais maneiras de sentir © construis a tealidade © dos teper- t6ti0s simbélicos (Ibid, p. 17). Gonzalez (2019) ressalta que nomes afiicanos como “mucama”, da lingua quimlvunda, so deslocados e es- vvaziados de seu sentido original, acultando os saletes tuazidos por seus ascendentes, reaproptiados a partir dos interesses da elite dominante em espacot instita-

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