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CAPITULO IV ESBOCO DE UMA TEORIA DA LEGISLAGAO § 15 Recapitulagdo: uma andlise interna da legislagGo Nos capitulos anteriores, partimos da consideragao do processo de producao de leis — legislagdo — como uma série de interacées que ocorrem entre diferentes elementos: editores, destinatérins, sistema juridico, fins e valores. Ao mesmo tempo, propus cinco modelos, ideias ou niveis de racionalidade, a partir dos quais a legislacao pode ser contemplada: - Uma racionalidade linguistica (R1), em que o emissor (editor) deve ser capaz de transmitir fluentemente uma mensagem (a lei) ao receptor (o destinatério). — Uma racionalidade juridico-formal (R2), pois a nova lei deve se inserir harmoniosamente em um sistema juridico. - Uma racionalidade pragmatica (R3), pois a conduta dos des- tinatarios teria que se adequar ao que esta prescrito na lei. MANUEL ATIENZA Uma racionalidade teleolégica (R4), pois a lei teria de atingir os fins sociais pretendidos. Uma racionalidade ética (R5), pois as condutas prescritas e as finalidades das leis pressupdem valores que teriam de ser suscetiveis de justificagao ética. Um resumo desses niveis € apresentado na tabela a seguir. Editores | Destinatarios | Sist. Juridico Fins Valores Conjunto de Receptores. | enunciados R1_ | Emissor | damensagem | (mensagens)e | Clareza, precisio | Comunicagio (juridica) | de canais para transmiti-los Orgioa que | Individuos | Conjunto de seatribuia | ou érpéos aos | “OMAS(EM™ | cictematicidade: R2 capacidade ais as leis eomtoanul) integridade e peut deprodizs |[cioderion || SP°PE28 |“ coedoaa || orevaibidade dD pice das. Se eee cidas. Orgio Burocracia seakias Conjunto 4 ao qual e individuos eee “i Cumprimento do oa R3_ | sepresta | queprestam | Rms (OUdE | 1 ‘eraducio das | Manutencio da obeditncia | obeditncia . | COMPOPME | sormas em agbes) | tem: einen] tf compete | | came 1 at I expt -MODELO DE WROBLEWSKL = eee eee a | ec eee S| eee sarc aaa pene geromeion nal da scvidade See legslava Van der Velden prefere 0 modelo de Noll ao de Wréblewski, basicamente porque este dltimo sé considera o processo da legislagao ex ante, enquanto Noll o considera ex ante e ex post, e porque o modelo de Wrdblewski é linear enquanto o de Noll é circular. No entanto, ele dirige a ambos os modelos diversas criticas: eles nao indicam a ordem temporal das ac6es; baseiam-se em exemplos pri- mitivos de modelos de tomada de decisao; partem de uma série de pressupostos inadmissiveis (em ambos os casos, 0 ponto de partida € 0 legislador; assume-se que, no processo da legislagdo, apenas uma lei é produzida a cada vez; a figura do legislador é vista como monolitica, e o contexto do processo da legislacao € desconsiderado). Creio que ao menos algumas dessas criticas so supcradas pelo modelo de andlise interdisciplinar do iter legislative proposto por Losano.* Seu esquema, de acordo com o préprio Losano, seria como 0 apresentado a seguir. ss LOSANO, Mario. “Analisi empirica delle procedure giuridiche”. In: SCARPELLI, Uberto; TOMEO, Vincenzo. (Coord.). Societa, norme CAPITULO IV — ESBOCO DE UMA TEORIA DA LEGISLAGAO. Em relacdo a Losano, poderiamos, no entanto, criticar 0 seguinte: seu modelo nao faz distincao entre o que poderia ser cha- mado de fase pré-legislativa e fase legislativa propriamente dita; ele ignora a fase pds-legislativa; o modelo nao é, portanto, circular, ou é insuficientemente circular; ele pressupde (como os dois modelos anteriores) uma nogdo puramente instrumental de racionalidade: objetivos ou necessidades aparecem como elementos dados e que esto além de qualquer controle racional. Por outro lado, 0 esquema seguinte ao de Losano pode ser considerado como uma reelaboragao de ideias que estao presentes em todos ou em alguns dos trés modelos indicados, procurando evitar os inconvenientes apontados acima. Este ultimo propésito, no entanto, é apenas parcialmente alcangado, na medida em que o modelo continua atravessado por um grau consideravel — e diria também inevitavel, pelo menos por enquanto — de imprecisao. Por outro lado, ele € 0 resultado da perspectiva de andlise baseada nos cineca modelas de racionalidade examinados anteriormente. e valori: studi in onore di Renato Treves. Mildo: Giuffré, 1984, pp. 357-381. MANUEL ATIENZA ANALISE INTERDISCIPLINAR DO ITER LEGISLATIVO Fase do iter legislativo Técnica prevalecente Resultado imediato Individualizagao de necessi- dades sociais e serem regu- Jadas juridicamente. Sociologia Medidas para satisfazer a necessidade individualizada; especificagdo dos efeitos relacionados, mas nem sempre evidentes, Recepyae politica das necessidades individuali- zadas (partidos, grupos de pressio, movimentos espontaneos); preparacao dos artigos. Sociologia Inclusao da necessidade e das medidas para atendé-la em um programa de par~ tido ou movimento; inicio do controle com técnicas de implementagao. Controle sobre a formula- io dos artigos: transfor- ‘mayo em projeto de lei. Legistica Formulagio linguistica correta da norma e estruturalmente correta do procedimento. Discussao do projeto de lei diante do érgio legislati- vos; emendas ao texto. Direito Emendas na camara controladas sobre o diagrama de blocos do projeto de lei. Depois da aprovacio for- mal do projeto de lei, novo controle sobre sua formula- Gio e estrutura Legistica Reformulagao correra da norma e do procedimento, levando em conta as emendas na cimara. Promulgagao do texto legislativo; incluso no Digrio Oficial eno banco de dados automatizados auromatizacio eventual do procedimento aprovado. Informatica a) Transferéncia de dados legislativos para o sistema de information retrieval; b) Fornecimento de recursos de Tle organizacionais para automatizar 0 procedimento aprovado. CAPITULO IV — ESBOCO DE UMA TEORIA DA LEGISLAGAO [mente ayr gern eemr ayes FASES PRE-LEGISLATINA Jz IEGSLATIA [g-—>[ POSLEGISLATIVA — a | Recepslo on proponigio 5 Inicio eee dde um problema por um Bae erie gio legislative “Andie do ‘aise do problema] P} ‘protien Deverminago dow abjvon Avalagio da adequacion + ¥ deer ss densi Deserminasie de] |] Prosonedee mene eas eet objtvor contd dae 3 patel = Tuaieaio minds 19 Proporta de mes abjtivos emis, i legis on no leas a persatencarom | | Fase | Anise | andlne 2 B ebeivo nga | sited | page Pg ¥ fest |r |e Tisifcaia ea | | ————y 5 SP | | eomateane | dos mein ie Peoposts de uma Promalgagio Peoporas de i solo leilaciea dla fe rmodifcago da el Conhecimentose | Método cients, | Controle de ealidade,dcetries egisaivas, | Extudo sobre impact das teeneasutliives | conhecimeto objetivo | chekliten, emia de implementacio, | _normas juris roricas ara conolara, | diponivel citénose |ecncas etculares, andine de csto-beneicio,| de implementaao,dogmtica Tecionaldade, | regres da argumenagio. | eeeniesderedagio de documenton, "| jurilca,peequisas KOL, Prtcarcionl degen toi do Dire heclten Nines de ppabrscen R4eRS RI-RS R2,R3eR4 prferencialeone No esquema mencionado, parte-se de trés fases: a pré-legisla- tiva, a legislativa e a pés-legislativa, que esto inter-relacionadas. Por exemplo, a discussdo nos meios de comunicagdo sobre a descrimi- nalizacao do aborto ou das drogas pode nao apenas fazer com que surjam iniciativas legislativas em uma determinada diregao, mas a aplicacao das leis em questao — incluindo o exame de sua adequacao, de acordo com os cinco modelos de racionalidade apontados — tam- bém sera parcialmente determinada por aquela discussdo (na medida, por exemplo, em que se produza um certo estado de opiniao, ou o surgimento de certas expectativas, entre outras possibilidades). Por sua vez, as experiéncias que emergem a partir da aplicacao da lei fazem surgir novos problemas sociais, revelam aspectos do problema que antes passavam despercebidos, e assim por diante. E importante esclarecer, também, que em qualquer processo legislativo ha uma fase legislativa (que sera, dependendo do caso, MANUEL ATIENZA mais ou menos complexa); a fase pos-legislativa pode ser irrelevante; ea fase pré-legislativa pode nao existir, pois uma lei (no sentido amplo do termo, que também inclui decretos, ordens etc.) pode regular questdes técnicas nao discutidas extralegislativamente, mas que surgem dentro de um 6rgao juridico (como em um gabinete ministerial, por exemplo). Cada uma das trés fases esta delimitada por dois extremos que marcam 0 inicio ¢ o fim do processo, representado no diagrama por uma série de operagées intermedidrias. Tal processo é circular, uma vez que 0 resultado de uma operacao subsequente pode reper- cutir sobre uma anterior. No caso da fase legislativa, foi feita uma disting&o entre as operagdes que determinam o que Karpen chamou de procedimento interno (a metédica da legislagao) e procedimento externo (a tatica da legislagdo). De certo modo, a distingao nao pode ocorrer na fase pré-legislativa (pois, na medida em que tais opera- ¢Ges fossem regulamentadas juridicamente, seria necessdrio falar de uma fase legislativa), embora aqui seja possivel distinguir entre © procedimento real e 0 procedimento racional que leva 4 proposta de uma solucao legislativa especifica. Ao contrario, as operacdes que integram a fase pés-legislativa poderiam ser (e, até certo ponto, ja comegam a ser, pelo menos parcialmente) regulamentadas juridica- mente, mas aqui a distingao em questao nao parece ser (ou ainda nao é) significativa. No entanto, esta ultima distingao (da qual nao se pode prescin- dir) levanta o problema da dificuldade, se nao da impossibilidade, de integrar os dois procedimentos em um mesmo modelo. O motivo é que um modelo de procedimento externo - ou seja, do iter legislativo — tem um carater descritivo (e aqui, por sua vez, caberia diferenciar um modelo que descreve os varios momentos, tais como aparecem regulados juridicamente, daquele que descreve como eles realmente ocorrem na pratica legislativa),°* enquanto os modelos de procedi- 54 Losano tem buscado, precisamente, uma integragao entre ambos os aspectos [|LOSANO, Mario. “Analisi empirica delle procedure giuridiche”. In: SCARPELLI, Uberto; TOMEO, Vincenzo. (Coord.). CAPITULO IV - ESBOGO DE UMA TEORIA DA LEGISLAGAO mento interno possuem um cardter prescritivo e mostram como se deveria proceder para tomar uma decisao racional que consiste na promulgagao de uma lei. Isso nao quer dizer, naturalmente, que nao haja pontos de contato entre ambos; mas seria um exagero supor que o iter legislativo seja simplesmente a realizagao de um modelo racional de tomada de decisao. Tal dificuldade esta provavelmente relacionada aalguns dos inconyenientes que os modelos anteriores apresentavam. Uma tiltima observacao, talvez desnecessaria, é que o modelo em questdo, dado seu carter genérico e indeterminado, pretende ter um valor puramente didatico, embora talvez também possa ser visto como um ponto de partida para a construcao de modelos mais operativos. §19 Perspectivas da teoria da legislagao Com base nas considerag6es anteriores, levantarei agora uma série de pontos, nao com o intuito de oferecer conclusées ou algo do tipo, mas apenas quest6es ou problemas que poderiam ser objeto de pesquisas futuras. Uma teoria da legislagao deve ser compreendida, obviamente, como parte de uma Teoria do Direito, e essa, por sua vez, no contexto de uma teoria da sociedade. Aqueles que se debrugam sobre a técnica legislativa frequentemente lamentam a falta de uma auténtica teoria da legislagao que possa proporcionar um marco adequado para sua tarefa.° Tal caréncia é, sem diivida, verdadeira, mas, talvez, possa ser estendida as outras duas areas identificadas. Com isso, quero afirmar que precisarfamos de uma Teoria “Geral” do Direito que olhasse nao apenas para baixo (ou seja, para teorias menos gerais, como a teoria da legislacado ou da aplicacao, as diferentes teorias dogmaticas Societa, norme e valori: studi in onore di Renato Treves. Milao: Giuffré, 1984, pp. 357-381]. ss Cf, GRUPO DE ESTUDIOS DE TECNICA LEGISLATIVA - GRETEL. La forma de las leyes: 10 estudios de técnica legislativa. Barcelon: Bosch, 1986, p. 23. MANUEL ATIENZA etc.), mas também para cima (para a teoria da sociedade) e, inclusive, para os lados (para a teoria politica e a teoria moral). Uma maneira de comprovar a adequacao das teses do novo pluralismo juridico (por exemplo, na perspectiva defendida por Santos)* é ver se ela realmente facilita essa conexdo entre os varios niveis sugeridos e, em caso afirmativo, se essa vantagem serve para compensar outras (supostas) desvantagens da teoria, como, por exemplo, a indefinigaéo do conceito de Direito que ela carrega consigo.” A Sociologia do Direito ocupa, sem diivida, um lugar importante no desenvolvimento dos estudos sobre a legislagdo;** em particular, obviamente, no que diz respeito aos niveis de racionalidade R3 e R4. Isso nao significa, no entanto, que sua situagao seja facil. De fato, se considerarmos a sociologia juridica legislativa a partir da vertente da técnica legislativa (ela seria um aspecto das técnicas de implementag4o), entao, o problema que aparece é a lacuna entre o desenvolvimento do conhecimento social (neste caso, o conhecimento sociojuridico) e a complexidade do mundo social; isso faz das técnicas em quest4o, como varios autores tém apontado,” ferramentas nao Cf. SANTOS, Boaventura de Sousa. “O Estado e 0 Direito na tran- si¢do pés-moderna: para um novo senso comum juridico”. Tercer congreso de la federacién de asociaciones de sociologia del estado espafiol, Anais. San Sebastian, set/out. 1989. Cf. ATIENZA, Manuel. “Un filésofo del Derecho francés: André J. Arnaud”. Cuadernos de la Facultad de Derecho, vol. 2, 1982, pp. 119-132, a propdsito, nesse caso, da tese deste autor. ss Cf, TOMASIC, Roman. The sociology of law. Londres/Beverly Hills/ Nova Deli: Sage Publications International Sociological Association, 1985, que apouta o cardter recente deste tipo de estudos sociolégi- co-juridicos. Por exemplo, TEUBNER, Gunther. “Aspetti, limiti, alternative della legificazione”. Sociologia del Diritto, vol. 12, n° 1, 1985, pp. 7-305 TEUBNER, Gunther, “Evoluzione giuridica ed autopoiesi”. Sociologia del Diritto, vol. 13, n° 2/3, 1986, pp. 199-214; BLANKENBURG, Erhard, “La recherche de l’efficacité de la loi. Réflexions sur I’ étude de la mise en ceuvre (Le concept ‘d’implémentation’)”. Droit et Soci n° 2, 1986, pp. 59-76. 3 5 CAPITULO IV — ESBOCO DE UMA TEORIA DA LEGISLACAO muito potentes. Se, ao contrario, a Sociologia do Direito é considerada a partir da vertente da teoria da legislagao, a situagdo também nao é muito animadora. Por um lado, encontramos teorias de alcance muito geral, como a de Teubner, cuja deficiéncia mais notoria tal- vez seja sua inclinagao conservadora: se a legislagao é vista como 0 resultado da autorreproducao do Direito, torna-se dificil, a partir desse ponto de vista, compreender — e muito menos promover - a fungdo de transformacao social do Direito. Por outro lado, podem-se mencionar teorias com um alcance muito mais restrito e que, por esse motivo, evitam o risco de arbitrariedade presente em qualquer tentativa de generalizacao, porém a custa de explicar e prever muito pouca. Lm exemplo deste filtimo tipo de teorias é um interessante trabalho de La Spina,*! 0 qual, para determinar as correlagGes entre certas situagGes sociais e decisdes legais especificas (esse é 0 nivel de andlise escolhido por ele), toma como ponto de partida a tipologia das medidas legislativas de J. O. Wilson, que classifica os beneficios e custos que elas acarretam de acordo com seu cardter concentrado ou difuso. Porém, o que se consegue explicar e prever é muito pouco ou muito ébvio; basicamente, que em uma democracia representa- tiva hd uma tendéncia a se apresentarem e aprovarem projetos de lei que envolvem beneficios concentrados e custos difusos. Em suma, a situacao da sociologia juridica legislativa nao é facil, mas também nio se deve pensar que cla esta diante de um dilema ou algo pare- cido; nao se trata disso, simplesmente porque nao ha raz4o para ter que escolher apenas uma daquelas alternativas, enquanto ha muitas razoes para escolher todas elas, ou seja, para desenvolver a sociologia juridica legislativa naquelas duas (ou trés) diregGes. Novamente, 0 problema sera, entdo, como coordené-las entre si e com as outras eo Cf, TEUBNER, Gunther. “Aspetti, limiti, alternative della legifica- zione”. Sociologia del Diritto, vol. 12, n° 1, 1985, pp. 7-30; TEUBNER, Gunther. “Evoluzione giuridica ed autopoiesi”. Sociologia del Diritto, vol. 13, n° 2/3, 1986, pp. 199-214. > e: LA SPINA, Antonio. “I costi della decisive. Per una sociologia dell’at- tivita legislativa”. Sociologia del Diritto, n° 3, 1987, pp. 49-77. MANUEL ATIENZA dimens6es da teoria e da técnica da legislacdo. Mas esse é um dos objetivos que a diferenciagao dos cinco modelos de racionalidade legislativa a que me referi no inicio deveria contemplar. Nos modelos de Noll, Wréblewski e Losano, aos quais me referi anteriormente, a racionalidade legislativa aparece exclusiva- mente como uma racionalidade de carater instrumental; em outras palavras, a racionalidade ética (R5) nao figura entre eles ou, talvez mais precisamente, aparece apenas como mais um dado a ser con- siderado (isto é, como um conjunto de opinides sobre o que é certo ou errado que faz parte da realidade social), 0 que, na realidade, equivale a eliminar a dimensao ética como tal. Parece-me que, como sugeri anteriormente, isso esta relacionado com as dificuldades para articular os aspectos desctitivos e prescritivos que um modelo dinamico de legislagao tem necessariamente que incorporar; 0 ob- jetivo da teoria da legislagdo nao é apenas descrever, mas também explicar e propor procedimentos que impliquem um aumento da racionalidade em relagio a pratica legislativa existente. E, aqui, poderfamos discutir — buscando operacionalizar a incorporagdo desse outro nivel de racionalidade, o nivel RS - se, eem que medida, © processo da legislacao obedece, ou deve obedecer, as regras do discurso racional pratico. Para essa questdo, poderia servir como ponto de partida a teoria de Alexy, que contempla a argumentacao juridica (incluindo a que ocorre nos 6rgaos de interpretagao e aplicagao do Direito e também a dogmatica) como um caso especial do discurso pratico geral. Esses seriam alguns dos problemas que surgem aqui: é pos- sivel afirmar, assim como Alexy, que a argumentagio que se leva a cabo para promulgar uma lei — por exemplo, no contexto de um Estado de Direito — é um caso especial de discurso pratico racional? E, caso a resposta seja afirmativa, quais regras e formas de raciocinio 42 ALEXY, Robert. Theorie der juristischen Argumentation. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1978. CAPITULO IV - ESBOGO DE UMA TEORIA DA LEGISLAGAO. a serem agregadas 4s do discurso pratico geral seriam andlogas as que regem a argumentagao juridica (nos processos de interpretagao e aplicagdo do Direito)? Isso se aplica apenas as fases que eu chamei de legislativas, ou poderia ser ampliado, até certo ponto, as fases pré-legislativas e pds-legislativas? Finalmente, dado que uma das condicées delimitadoras do discurso juridico (e que o torna um caso especial) é, como afirma Alexy, o respeito 4 lei, nao se poderia afir- mar que, sem um minimo de racionalidade legislativa, nao € possivel falar da racionalidade da argumentagao juridica?® Mas qual seria esse minimo? Afinal, é apropriado falar de argumentagao juridica sem incluir a argumentacdo que tem lugar no processo legislativo? ¢s Cf. NEUMANN, Ulfrid. Juristische Argumentationslebre. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgesellschaft, 1986, p. 90, 0 qual dirige uma critica A teutia de Aleay tclacionada com essa questéo; cf. também ALEXY, Robert. Teoria de la argumentaci6n juridica. Tradugao de Manuel Atienza ¢ Isabel Espejo. Madri: Centro de Estudios Constitucionales, 1989, pp. 274 ess. ¢ 314 ess. 6 No capitulo 6 de ATIENZA, Manuel. Tras la justicia. Barcelon Ariel, 1993, busquei mostrar, através da andlise de um “caso le- gislativo” concreto — 0 previsto pela Ley de Extranjeria — , como os argumentos que tém lugar no processo da legislacao podem ser analisados e avaliados.

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