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Compra e Venda: Divergências doutrinárias e

perturbações
Manuel Abecasis

Resumos feitos tendo por base as aulas teóricas do


Sr.Pr. Pedro de Albuquerque
Compra e venda com cláusula de reserva de propriedade:

1. Oponibilidade a terceiros

a) Coisas móveis não sujeitas a registo

ROMANO MARTINEZ e VAZ SERRA → NÃO:

- Necessidade de tutela da aparência e o paralelo com o penhor e a CeV a


comerciante 1301º

- Relatividade dos contratos 406º, cláusula contratual não pode ser aposta a terceiros

- Não faz sentido que imóveis dependesse de registos e móveis fosse oponível erga
omnes

- Resolução por oncumprimneto 886º não prejudica terceiros de boa fé 435º

PDA e GENERALIDADE DA DOUTRINA→ SIM:

- Não existe no nosso direito um princípio geral da tutela da aparência; paralelo com o
penhor está consagrada para a CeV por comerciante (havendo aí alguma tutela
dispensada a terceiro) mas não na CeV-RP.

- Prova demais; se o princípio da relatividade tivesse este alcance nem mesmo a


própria propriedade poderia ser oposta; para além disso o que se opõe é o efeito da
cláusula

- Também prova demais, porque a própria oponibilidade do negócio de transmissão


depende de terceiros, o que não sucede com coisas móveis não sujeitas a registo

- Invocação do direito de reserva de propriedade não prejudica nenhum direito


adquirido por terceiro de boa fé, já que enquanto o comprador não pagar o preço
não pode transmitir mais do que o direito de que é titular

- 104 nº4 CIRE, é oponível a terceiros desde que exija documento escrito (aqui
percebe-se a exigência dada a probabilidade de comportamento fraudulento).

Conclusão: Oponível, não se exigindo nem sequer documento escrito

b) Coisas imóvel ou móvel sujeita a registo

Oponibilidade depende do registo


2. A cláusula de reserva de propriedade a favor de terceiro

PEDRO DE ALBUQUERQUE → NÃO:

- Não é possível conservar numa determinada esfera jurídica um bem que nunca lá
esteve

- Não é necessário que se admita, já que a posição jurídica do vendedor com reserva
de propriedade é transferível

- Existe um princípio da tipicidade dos direitos reais 1306º, não estamos no âmbito da
autonomia privada

3. A transmissibilidade da reserva de propriedade

RUI PINTO DUARTE, GRAVATO DE MORAIS E LURDES PEREIRA → NÃO​:

- A reserva tem uma ligação ao sinalagma que se estabelece na compra e venda

- O art.409º não prevê a possibilidade de transmissão

- É uma cláusula, por isso não é transmissível

PEDRO DE ALBUQUERQUE → SIM:

- Não vê o problema; basta pensar no direito à entrega do preço, também ligado ao


sinalagma e sem dúvida transmissível

- Os direitos subjetivos de natureza não pessoal são livremente transmissíveis,


conclusão deve ser a oposta

- Depois da venda com reserva, a propriedade do vendedor é funcionalmente dirigida


a um propósito de garantia, mas continua a corresponder a uma posição jurídica
concreta merecedora de tutela jurídica correspondente a um direito subjetivo desse
alienante, naturalmente transmissível

- O que está a ser transmitido é o direito e não a cláusula

4. A estipulação de reserva de propriedade a favor do alienante, mas sujeita ao


pagamento de terceiro

GRAVATO DE MORAIS → NÃO:

- Em caso de incumprimento o financiador pode resolver o contrato de mútuo, mas


não a CeV, porque não falta o pagamento do preço
- Vendedor também não pode resolver porque recebeu o preço

- Financiador não se pode socorrer do procedimento cautelar de apreensão de


veículos, pois não é titular do registo de reserva de propriedade

- Vendedor também não, porque mais uma vez já recebeu o pagamento

PEDRO DE ALBUQUERQUE → SIM:

- Parte dos argumentos referem-se apenas à CeV de automóveis

- Existe uma união interna voluntária entre o contrato de CeV e o contrato de mútuo;
incumprimento do mútuo tem incidência direta na CeV-RP, vendedor pode exigir a
entrega da coisa

- GM refere-se ao mecanismo da condição resolutiva tácita; nada impede que as


partes estabeleçam uma condição resolutiva expressa (que pode ser o
incumprimento do mútuo)

- DL 259/91 estabelece uma solução de reciprocidade da invalidade do contrato de


crédito e do contrato de compra e venda com o mesmo coligado → incumprimento
do contrato de mútuo permite resolver o contrato de compra e venda

Conclusão: Incumprimento do contrato de mútuo permite resolver o contrato de compra e


venda.

5. A reserva de propriedade e a exigência de cumprimento de contrato

Alguma doutrina e jurisprudência:

- Vendedor só pode exigir a restituição da coisa quando exerça o direito de resolução,


sem previamente ser exigido o cumprimento pontual

PEDRO DE ALBUQUERQUE → discorda:

- Vendedor pode ter interesse em exigir o cumprimento do contrato, enquanto mantém


a reserva de propriedade e a possibilidade de resolver o contrato

- Não faz qualquer sentido impedir

- A simples mora não desencadeia automaticamente a possibilidade de resolução,


tem de se transformar em incumprimento definitivo art.808º, vendedor tem de fixar
um prazo razoável para que o devedor cumpra

Conclusão: Nada impede que o devedor insista no cumprimento do contrato e só perante a


permanência do incumprimento avançe para a resolução
6. Transferência do risco

ALGUMA DOUTRINA:

- Não se deu ainda a transferência do direito real, deve ser o alienante a sustentar o
risco pelo art.796º

PEDRO DE ALBUQUERQUE:

- RP visa reforçar o vendedor quanto ao risco de não pagamento, pelo que seria
estranho um mecanismo que o visa proteger o acabar por prejudicar

- Vendedor passa a ter uma propriedade limitada ao papel de garantia; comprador


passa a ter uma expectativa real de aquisição do bem

- Assim, cada contraente suporta o risco do seu próprio direito → vendedor continua a
ter direito ao preço e o comprador continua obrigado a pagar, só que vendedor deixa
de ter a garantia e comprador já não tem possibilidade de vir a adquirir o bem

7. Moldura dogmática

i. Teoria da condição suspensiva: RP corresponde a uma condição suspensiva da


transmissão do direito real:
- Dever de pagar o preço é não uma condição mas um efeito essencial do contrato de
CeV, um dever jurídico. Prof diz que considerar isto uma condição seria uma quebra
estrutural no que diz respeito ao enquadramento dogmático da compra e venda.

ii. Teoria da condição resolutiva:


- Mesma lógica com a agravante de o art.409º não prever um mecanismo de
resolução mas limita-se a suster a transmissão

iii. É uma compra e venda obrigacional

iv. Dá origem a uma dupla-propriedade:


- Adequa-se mal ao previsto no art.409º
- É complicada, complexa, desnecessária e supérflua

v. O direito transmite-se imediatamente, e o vendedor fica com uma posição jurídica real
que lhe garante a reaquisição do bem em caso de incumprimento:
- Envolve uma alteração estrutural da compra e venda com reserva de propriedade
face àquilo que parece emergir do 409º

vi. Eficácia translativa é diferida ao momento do pagamento do preço:


- É isto. Comprador adquire imediatamente uma perspectiva real de aquisição e
vendedor uma garantia real destinada a assegurar o pagamento.
Compra e venda de bens futuros, frutos pendentes, e partes integrantes de uma
coisa:

O vendedor está obrigado a cumprir todas as diligências, caso contrário responderá por
incumprimento 880.
Responde pelo interesse contratual negativo ou positivo?

- RAUL VENTURA → negativo:


- Por ser um negócio incompleto, indemnização é circunscrita ao interesse negativo

- MENEZES LEITÃO → positivo:


- Négocio é validamente constituído, pelo que a indemnização não pode ficar
circunscrito ao interesse negativo

- PEDRO DE ALBUQUERQUE:
- Surge logo para o vendedor a obrigação do vendedor a obrigação de fazer o
comprador adquirir a coisa

- Figura do contrato incompleto não é incompleto com a indemnização do interesse


contratual positivo, no caso de uma violação dos efeitos que um contrato já produz,
como aqui acontece

Compra e venda de bens de existência ou titularidade incerta:

PEDRO DE ALBUQUERQUE → 881º vai na direção de exigir menção escrita para funcionar
como forma de dissipação de dúvidas que podem existir acerca de um estado subjetivo.
Também por razões de cautela

Se as partes tiverem atribuído natureza aleatória ao contrato (o que é presumido), deve o


preço ser pago a mesma se bem não existir ou não pertencer ao devedor.

Compra e venda de coisas sujeitas a pesagem, contagem e medição

2 toneladas de cortiça da Herdade A → coisa específica


2 toneladas de cortiça → coisa genérica

Se se estipular um preço global e quantidade for menor à estipulada → cumprimento


defeituoso

Objeto do contrato é determinado e posteriormente entregue → não se adequa à


indicação/juízo/cálculo → transferência de propriedade ocorre independentemente da
pesagem porque é uma compra e venda de coisa determinada 408º.
→ risco pelo comprador

Preço acordado por unidade comprada → compra e venda por medida → preço deve ser
proporcional à quantidade real (preço X quantidade real) art.887º.
Preço global → compra e venda a corpo → comprador deve a mesma soma 888º nº1,
menos se variação for superior a 20% nº2

Resolução é possível pelo 891º

Compra e venda a contento e compra e venda sujeita a prova

1. As várias modalidades

a) Compra e venda a gosto 923º

- Coisa deve agradar ao comprador senão não se produzem os efeitos.


- Silêncio tem valor jurídico 923º nº2
- Recusa (dentro do prazo) não depende de justificação
- Como a compra e venda não produz ainda os seus efeitos típicos, risco não se
transfere, corre pelo vendedor

b) Segunda modalidade de venda a contento 924º

- Contrato produz efeitos desde logo, mas o comprador tem o direito de resolver o
contrato se a coisa não lhe agradar
- Aqui não há uma paralisação dos efeitos típicos da compra e venda, transfere-se o
risco

c) Venda sujeita a prova 925º

- Prazo é dado pelo contrato; senão pelos usos. Se ambos forem omissos, vendedor
estabelece um prazo
- Mesma coisa quanto à modalidade da prova
- Cabe ao comprador o encargo de comunicar ao vendedor o resultado da prova
antes de expirar o prazo, sob pena de o contrato produzir definitivamente todos os
seus efeitos
- PEDRO DE ALBUQUERQUE → se a conformidade da prova depender de um
pequeno afinamento, deve-se dar a prova por superada

2. Natureza da venda a contento e da venda sujeita a prova

Compra e venda a gosto → contrato preliminar, constitutivo de um direito típico de opção


Vendedor está vinculado definitivamente; comprador reserva a faculdade de aceitar ou
rejeitar o negócio.
→ não é uma condição resolutiva porque o negócio não produz a totalidade dos seus
efeitos.
→ não é uma condição suspensiva porque produzem-se já alguns efeitos; quanto muito
seria uma condição potestativa, que não é uma verdadeira condição
Segunda modalidade → compra e venda com direito de resolução
Compra e venda sujeita a prova → negócio incompleto de formação sucessiva, que só
ficará completo com a constatação do funcionamento do condicionalismo a que as partes
subordinaram o negócio.

Compra e venda a retro 927º

a) Regime

A vende casa a B, e logo no contrato estipulam que A podia reaver a casa mas apenas
decorridos 6 meses sobre a data do contrato.

Perigo de usura, por isso tem limitações:


- Preço a pagar pela resolução não pode ser superior ao da compra e venda inicial
- Prazo improrrogável para exercer o direito de resolução: limite de 2 anos para bens
móveis e 5 anos para bens imóveis → evita entrave excessivo à circulação de bens

Bens imóveis → resolução deve ser reduzida a escritura pública ou documento particular
autenticado nos 15 dias imediatos à sua verificação.
Resolução fica sem efeito se no prazo dos 15 dias o vendedor não pagar de volta ao
comprador art.931º

b) Risco

ROMANO MARTÍNEZ → por conta do comprador 796ºnº3 → mas isto pressuporia que a
CeV a retro correspondesse a uma situação de condição.
→ PEDRO ALBUQUERQUE, não corresponde, porque é uma condição potestativa.

PEDRO DE ALBUQUERQUE → na pendência da resolução o comprador é um possuidor


de boa fé → responde apenas pela perda ou deterioração da coisa quando tenha culpa
art.1269º:
- Se houver negligência ou dolo e vendedor quiser exercer a resolução, pode
demandar o comprador pelos prejuízos causados
- Sendo a perda fortuita, o vendedor já não quererá exercer o seu direito de resolução

A boa fé impõe que o alienante comunique ao vendedor a ruína ou a eliminação do bem


vendido → senão resolução pode ser atacada com base em erro

c) Oponibilidade

O que acontece se o comprador re-vender dentro da pendência da resolução?


- Quanto a bens imóveis e bens móveis sujeitos a registo, o art.932º é uma exceção à
regra do art.435º nº1 (nº2)
- Bens móveis não sujeitos a registo, aplica-se o art.435º, direito do terceiro de boa fé
não é prejudicado
d) Enquadramento dogmático

É uma hipótese de resolução, 927º, dotada de eficácia retroativa 432º e ss.

Compra e venda a prestações

886º (derroga o 801º) → transmitida a propriedade da coisa o vendedor não pode resolver o
contrato por falta de pagamento.
934º → afasta a aplicação do 881º

934º consagra a situação em que:


- vendida a coisa a prestações
- com reserva de propriedade
- e feita a sua entrega
- a falta de pagamento de uma prestação superior a ⅛ do preço
- ou de duas ou mais prestações independemente do seu valor
- confere ao vendedor o direito de resolver o contrato

PEDRO DE ALBUQUERQUE → 934º deve ser aplicado também nos casos em que não
houve tradição da coisa:
- O desapossamento traz consequências particularmente penosas para o comprador
- Uma interpretação literal neste ponto do artigo desprotegeria, sem se encontrar uma
razão para isso, o comprador, na eventualidade de não ter beneficiado da tradição
da coisa
- Não faria sentido um comprador a quem a coisa tenha sido entregue ser tutelado de
forma mais eficaz, especialmente quando ao estar avantajado pela entrega da coisa
o incumprimento, faz com que o incumprimento seja ainda mais censurável

PEDRO DE ALBUQUERQUE → 781º e 934º → deve se entender “exigibilidade” e não


“vencimento”, caso contrário poderia-se exigir o credor a que falta uma prestação a
aceitação de todas as prestações em falta, o que pode ser um benefício que este não quer
ter.

O 934º tem um duplo sentido:


- deve-se entender que a simples mora preenche o conceito de “falta de pagamento”
- mas estando em causa o direito de resolução, só pode ser utilizado após
transformação em incumprimento definitivo pelo 808º.
PERTURBAÇÕES TÍPICAS DO CONTRATO DE COMPRA E VENDA

Compra e venda de bens alheios

a) Caracterização

892º → nulo
Mas nulidade atípica; tem um regime muito próprio, pode ser convalidada, e a sua
invocação também é particular.

Temos uma compra e venda de bem alheio quando:


- Vendedor não tenha legitimidade para alienar a coisa
- haja alienação da coisa alheia como própria
- que essa coisa não se encontre no comércio
- que seja uma coisa específica
- e que seja considerada como presente

b) Contrato-promessa sobre bem alheio

Maioria da doutrina → pode se aplicar a um contrato-promessa, desde que preenchidos


estes requisitos; PEDRO DE ALBUQUERQUE concorda, porque não tem efeito translativo
imediato, tal como acontece com a compra e venda de bem futuro.

Parte da doutrina → só se o contrato-promessa não estiver dotado de execução específica

c) Venda feita por representante sem poderes de representação

Doutrina discute → há quem diga que abrange os casos em que o vendedor admite não ser
titular do bem mas pensa ter legitimidade para o vender quando não tem → mas há uma
norma que abrange especificamente esta situação art.268º nº4

PEDRO DE ALBUQUERQUE → não se aplica este regime; aplica-se o 268º nº4 da


ratificação. MAS, sendo o art.268º nº4 um direito de exercício transitório, não havendo
ratificação, aplica-se o regime da compra e venda de bens alheios.

d) Legitimidade para arguir a nulidade

892º:
- vendedor só pode opor ao comprador de má-fé
- comprador doloso não pode opor ao vendedor de boa-fé
Termo “dolo” não corresponde ao do art.253º, mas sim a má-fé (deve aproximar-se da boa
fé em sentido ético) → haverá má-fé quando a propriedade de terceiro seja conhecida ou
ignorada com culpa.
e) Efeitos da nulidade

894º nº1 → comprador de boa-fé, diante nulidade, tem direito de exigir a restituição integral
do preço mesmo que os bens estejam perdidos, deteriorados ou desvalorizados → preceito
gera discussão; maioria dos autores, fazendo uma interpretação ​a contrario​, afirmam não
poder o comprador de má-fé pedir a restituição do preço (ao invés do que acontece no
regime geral):

- DIOGO BÁRTOLO (apoiado por PEDRO DE ALBUQUERQUE): 894º não pode ser
alvo de uma interpretação ​a contrario​; ao contrário do que é subentendido, o que o
894º faz não é atribuir ao comprador de boa-fé um direito a restituição integral (isto
já resulta do 289º que é o regime geral), mas sim desligar esse direito este direito
das vicissitudes sofridas pela coisa.
- Assim, o comprador de má-fé só não tem direito à restituição total caso haja
deterioração da coisa

MENEZES CORDEIRO → 894º deve ser harmonizado com o 1269º:


- Possuidor de boa-fé responde pela deterioração da coisa se tiver procedido com
culpa na deterioração

MENEZES LEITÃO → discorda:


- Adquirente de boa-fé beneficia por força do 894º nº1 de uma proteção superior a do
possuidor.

- PEDRO DE ALBUQUERQUE concorda, preceitos estão pensados para casos


distintos: 894º regula as relações entre comprador e vendedor naquilo que seria a
pretensão da restituição do preço; 1269º regula uma relação distinta entre sujeitos
distintos, entre possuidor e titular do direito de fundo, estabelecendo quais são os
direitos deste último em caso de perda da coisa objeto da posse por outrem.

- Culpa é irrelevante, até porque não sendo o bem do vendedor este não tem direito a
receber nenhuma contrapartida pela destruição do bem

- 1269º pode eventualmente estabelecer uma responsabilidade do comprador por


parte do proprietário

E se o alienante estiver de boa-fé e o comprador de má-fé? Só o primeiro pode suscitar a


nulidade → 898º, indemnização limitada ao interesse contratual negativo.
Compra e venda de bens onerados

a) Caracterização

art.905º→ anulável por erro dolo caso se verifiquem os requisitos da anulabilidade

ROMANO MARTINEZ, MENEZES CORDEIRO, PEDRO DE ALBUQUERQUE → hipótese


do art.905º deve ser enquadrada não no âmbito do erro mas antes numa hipótese de
resolução, já que os efeitos previstos no 905º e ss. nada têm que ver com a anulabilidade:

- regime do erro e do dolo não tem susceptibilidade de aplicação no que diz respeito à
expurgação do ónus do 907º

- O mesmo pode ser dito quanto à redução do preço do 911º

- Igual no pedido de indemnização do 909º

De facto, o erro não afeta a fase de formação do negócio, mas sim na sua execução, onde
é identificado um bem que não corresponde à vontade formada de maneira correta e isenta
de vícios → é um cumprimento defeituoso e não uma hipótese de erro.

b) Remédios

906º → convalescença automática → desaparecidos os ónus ou limitações, o negócio é


objeto de convalescença automática.
Não será assim se já tiver causado prejuízo ao comprador ou se este já tiver pedido em
juízo a anulação no momento da expurgação.
907º obriga alienante à expurgação.

908º → em caso de dolo, indemnização


909º → em caso de simples erro
910º → em caso de não cumprimento da obrigação de convalescer

Mas se as circunstâncias demonstrarem que sem o erro o dolo o comprador teria adquirido
à mesma os bens apenas lhe caberá a redução do preço, além da indemnização do 911º.

907º nº1 e 3; 909º e 910º cedem perante estipulação, menos se vendedor proceder com
dolo e as cláusulas visem beneficiá-lo.

Compra e venda de coisa defeituosa

a) Caracterização
arts.913º a 922º CC → 913º faz uma remissão genérica para o regime da compra e venda
de bens onerados

O propósito deste regime é o da protecção dos consumidores e em geral dos adquirentes


(daí a legislação avulsa referente aos bens de consumo).

913º diferencia 4 cenários distintos:


- vícios determinantes de uma diminuição do valor da coisa
- vícios impeditivos da realização do fim a que o bem é destinado
- falta de qualidades asseguradas pelo vendedor
- falta das qualidades necessária para a realização do fim a que se destina

Diferenciação vícios/faltas de qualidade:


- bem sofrerá de um vício gerador de uma diminuição do valor da coisa se possuir
uma imperfeição determinante do seu posicionamento abaixo do habitual valor de
troca ou de mercado (situação objetiva)
- se padecer de um vício impeditivo da realização do fim a que se destina está-se
perante situações do tipo funcional; não desvalorizam, mas não servirão o seu
propósito normal.

Qualidade = aumento relativamente ao padrão médio normal → falta gera desconformidade;


vendedor na celebração do negócio assegura determinadas qualidades.

São tratados de forma igual, única diferença na prova:


- simples vício: é suficiente o adquirente demonstrar o estado do bem e evidenciar os
padrões de valor ou funcionalidade das coisas do mesmo tipo
- falta de qualidades: comprador deve tornar manifesto ter o vendedor assegurado
essas mesmas qualidades ou serem elas pressupostas pelo fim a que se destinam.

Em qualquer caso, provado o defeito, presume-se a sua essencialidade.

Não se exige que os vícios sejam ocultos → a ciência de falha escondida sem afirmação de
necessidade de proceder à reparação afasta a responsabilidade do vendedor.

Diante de vícios patentes → será que as partes pretenderam negociar a coisa no estado em
que se acha? O comprador deve ter atenção à ambiência negocial; aquisição por baixo
valor numa feira por exemplo pode levar à necessidade de aceitação de uma coisa menos
perfeita.
Se o comprador sabia ou devia saber de vícios ou faltas de qualidade não há cumprimento
defeituoso.
Perante pagamentos de valores importantes há uma presunção ​hominis n ​ o sentido da
ignorância do vício, que serve ao contrário quando se paga “barato” → MENEZES
CORDEIRO: “preço é bitola para aferir a qualidade do bem”.

Prova de defeito pertence ao comprador → provado há presunção de culpa e má-fé do


alienante → presume-se também a essencialidade → existência de erro

Se vendedor ignorar sem culpa alguns remédios são reduzidos ou paralisados:


- Não há dever de substituir o bem art.914º
- Não há obrigação de indemnizar em caso de simples erro art.915º
→ mas com a presunção fica difícil
b) Remédios

i- A anulação/resolução do contrato e os remédios gerais

Duas teorias de emolduramento dogmática da compra e venda:

- Teoria do erro: Compra e venda de coisa defeituosa é uma simples hipótese de erro.
Acordo dirige-se apenas à coisa como tal, sem abranger as suas qualidades, erro
sobre o objeto.
- Teoria do incumprimento: cumprimento defeituoso do negócio, já que a vontade
contratual abrangeria os atributos do bem. A indicação da coisa como objeto do
contrato tem dupla função: por uma lado determina o bem devido; por outro
representa o bem singular tido pelo comprar como idóneo ao dever ser contratual →
vontade expressa sem vícios, erro na execução.

Nas situações de erro → 247º e ss., não 905º e ss → estes servem para as situações de
vício da coisa:
- Interesse do comprador em obter um bem sem defeitos teve expressão no contrato
- Qualidades estão abrangidas e são designadas pelo negócio

PEDRO DE ALBUQUERQUE rejeita a indiferença das qualidades:


- comprador pretende um bem que lhe ofereça as utilidades próprias do seu género, e
não apenas o bem selecionado

913º → remetendo para o 905º → anulação (que é uma resolução).


Culpa in contrahendo pode existir pelo 762º nº2.

Caminho possível (por estarmos no campo do cumprimento defeituoso): não aceitação da


coisa → alegação de exceção de não cumprimento → regime da mora → fixar prazo
admonitório → perder interesse na prestação → dar o contrato como não cumprido →
resolver o contrato → pedir indemnização nos termos gerais (inclui interesse positivo)

918º + 914º → ninguém pode ser obrigado a aceitar um bem diverso do devido

Apenas a entrega afasta as regras do cumprimento defeituoso; só depois tem lugar a


regulamentação especial dos arts.914º e ss.
918º especifica que, enquanto não houve entrega, o comprador pode optar pelo regime
geral (incumprimento) ou especial (914º e ss.).

Tem de escolher um regime ou o outro, menos se for estipulado que o comprador apenas
pagará após a entrega, situação na qual pode optar pelas pretensões do 914º e ao mesmo
tempo alegar exceção, MENEZES CORDEIRO:
- Isto quer dizer que pode por exemplo exigir reparação e até lá não pagar
ii) A reparação ou substituição da coisa

914º → direito a reparação ou substituição da coisa se for esta for necessária e bem tiver
natureza fungível

DOUTRINA → se vendedor ignorava sem culpa o vício esta obrigação é afastada

Presume-se a culpa → PEDRO DE ALBUQUERQUE desprotege o comprador → não pode


ser esta a solução resultante do 914º:

- Porque no 921º culpa não é pressuposto

- Do ponto de vista literal só está em jogo a substituição, senão dir-se-ia no preceito


“aquelas obrigações”

- As duas obrigações não estão no mesmo plano; há uma preferência pela reparação

- 914º tutela o cumprimento pontual; afastar a estes direitos caso não haja culpa
pressuporia um ​favor debitoris ​insuscetível de se mostrar apropriado. Isto é uma
ação de cumprimento, o comprador pede a condenação do vendedor na prestação
devida

CALVÃO DA SILVA → este preceito é uma manifestação de cumprimento → comprador vai


sempre ter o direito de exigir a eliminação ou a substituição da coisa independentemente de
culpa.
PEDRO DE ALBUQUERQUE → esta posição dogmaticamente é acertada → mas não pode
ser aceite na sua extensão; sem culpa claramente não há direito à substituição → há um
propósito de atenuar os deveres do vendedor em homenagem à sua boa-fé.

906º (convalescença) → substituído pela regra do 914º → incumprimento da obrigação de


reparar ou substituir, vale o 910º → mora → pode ser fixado prazo admonitório ou valer o
desinteresse objetivo do comprador, aplicando o regime do incumprimento definitivo.

iii. Redução do preço

911º → solução alternativa à resolução/anulação

iv. Indemnização

Existem 3 fundamentos diferentes:

- Indemnização havendo dolo → 913º nº1 e 908º

- Indemnização por simples erro → 913º e 909º → responsabilidade objetiva do


vendedor é afastada pelo 915º, ou seja, indemnização pelo 909º depende de culpa
→ PEDRO DE ALBUQUERQUE critica, vulnerabilidade do comprador perante uma
série de danos emergentes não ressarcidos

- Indemnização pelo incumprimento de convalidar o contrato → 914º

v. A denúncia e caducidade das pretensões e a caducidade da ação de anulação, de


reparação, de substituição ou de indemnização

Deve-se distinguir prazo para a denúncia do vício ou defeito dos prazos para interposição
da ação destinada a fazer valer os direitos do comprador:

- Denúncia da desconformidade: 916º nº1 → 30 dias depois de conhecido o defeito e


dentro dos seis meses após a entrega → se for bem imóvel 1 ano/ 5 anos

Garantia de bom funcionamento:

921º → é uma responsabilidade objetiva

Prazo expira 6 meses depois da entrega da coisa → defeito deve ser denunciado dentro do
prazo de garantia e, salvo estipulação diversa, até 30 dias depois de conhecido 921º nº2 e 3

MENEZES LEITÃO → “vendedor”, não se abrange garantias prestadas pelo fabricante →


921º institui relação direta produtor-consumidor; à qual o vendedor permanece estranho e
que não exclui nem limita as garantias por ele prestadas

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