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Be REALISMO. NATURALISMO. PARNASIANISMO Movimentos literarios do século XIX. Cri- tério de periodizagéo literaria. Realismo e Naturalismo. Sistema de idéias da época: o materialismo, o cientificismo, o determi- nismo. Estética e poética do Realismo e do Naturalismo: definigao e caracteres. O Parnasianismo. Histérico da situagdo no Brasil. As academias. Introdugao das no- vas correntes no Brasil. Tres grandes movimentos literarios, de prosa e poesia floresceram durante a segunda metade do século XIX, penetrando pelo século XX: 0 Realismo, Q Naturalismo e o Parnasianismo. Ao adotar o critério litefarto de divisio periddica pelos movimentos e estilos, procura escapar a presente obra ao escolho da divisao meramente cronologica, geralmente arbitraria, ou, ao menos, sem sentido estético- literario. Os marcos cronolégicos, quando aqui se impdem, sao meros pon- tos de referéncia, assinalando a marcha das idéias e das tendéncias. Acima de tudo, 0 que releva fixar s4o os caracteres especificos dos movimentos, seu estilo, suas idéias diretoras, suas concepgées filoséficas, estéticas € poéticas, seus programas seus representantes mais tipicos, suas obras. Sem descurar 0 contetido espiritual, o denominador comum de definicgaéo deve ser literdrio, isto é, 0 estilo que predominou,.emprestando forma lite- raria_a um autor ou escola. Os elementos histdricos, sociais e biograficos, a nao ser naquilo e naqueles que possam contribuir para explicar o desen- volvimento mental de um autor, sao relegados para plano secundario, como simples acidentes ocasionais, em relacao a obra, cuja andlise, inter- pretagao e julgamento importam acima de tudo. Como método, 0 ideal a que se visa é aliar a histéria A critica, aquela subordinada ao ponto de vista “da segunda, que é a finalidade suprema do estudo do fenémeno literario. Devem-se encarar 0 Realismo e o Naturalismo como movimentos es- pecificos dos éculo™ ) XIX: Porquanto, antes de se coneretizarem numa €poca historica, categorias estéticas ou temperamentos artisti- cos, tendéncias gerais da alma humana em diversos tempos, como Classi- ‘Cismo e ‘Romantismo, ‘surgindo’ 6 Realismo sempre que se dé a uniao do espirito & vida, pela objetiva pintura da. realidade. Dessa forma, ha Re- alismo na Biblia’c em Homeroy na na tragédia e comeédia cldssicas, em Chau- cer, Rabelais e Cervantes, antes de aparecer em Balzac, Stendhal e Dos- toievski. Do mesmo modo, o Naturalismo existe sempre que se reage con- , tra a espiritualizacao excessiva, como em certas expressées do erotismo | BaiTOco ow na-ficead Haturalista do século XIX, Q século XIX ¢é um campo onde se cruzam e entrecruzam, avancam e Jecuam, atuam e reagem umas sobre as outras, ora se prolongando ora opondo-se, diversas correntes estéticas e literarias. E, embora constitua um bloco homogéneo o grupo aqui estudado, 0 periodo é também atraves- sado pelo filete romantico-simbolista. Se h4, portanto, época que se recusa a.uma peilodizagao precisa e a mostrar nitidez de fronteiras entre os mo- | vimentos, € 0 século XIX. Estes misturam-se, as figuras literdrias nem | sempre apresentam uma fisionomia nitida quanto a colorido estético, o mais das vezes vestem roupagens diferentes no curso de sua evolugao lite- raria, quando nao usam, no mesmo instante, os caracteres de escolas di- versas Ou opostas. Esse fenémeno que é geral, no Brasil torna-se mais) ot corriqueiro, dadas as circunstancias naturais de sua vida na época, e em/ virtude do atraso com que sempre repercutem entre nos os movimentos espirituais, e ainda porque as transformagoes aqui nao se realizam organi- | camente, de dentro para fora, como resultado da propria evolucdo da | consciéncia nacional, mas como reflexo de idéias-forgas de origem estran: De fato, o século XIX € uma grande encruzilhada de correntes literd- rias. O Romantismo nao terminou ¢ ja se fazem notar os tracgos do Realis- mo; € mesmo certas de suas vivéncias, reforcadas, constitufram caracteris- ticas realistas e naturalistas. Por outro lado, o Simbolismo o prolongara no esforco por levar a literatura cada vez mais dentro da intimidade humana, nesse longo processo de interiorizagao que caracteriza a evolucao literaria ’ ao se aproximar de nossos dias. A velha oscilagao pendular entre Classi- cismo e Romantismo, entre objetividade € subjetividade, mais do que nun= ca, e talvez jamais com tanta freqiéncia, teve lugar nessa época _/ Realismo-Naturalismo-Parnasianismo, componentes de uma mesma fami \ ( lia de espirito, reagiram contra 0 Romantismo, sem embargo de receberem ‘Ss dele muitos de seus elementos. Por sua vez, estoutro filho do Romantis- mo, 0. Simbolismo, em nome do indiyiduo contra _a sociedade, opds-se _ ., - mn A Ke SO BR aquele grupo. A oscilagad € 6 ntrecruzamento dessas correntes fizeram-\ \se perceber no Brasil de modo marcante na obra de muitos escritores que | iniciaram sua formagdo ou mesmo sua carreira literéria no Romantismo e (que vieram a transformar-se em representantes do Realismo ou Naturalis- mo, muitos sem perder a marca original. Nao s6 na prosa, senao também / Na poesia essa mistura se observa: muitos parnasianos mostram-se fiéis a | | formas romanticas ou avancam pelo Simbolismo. | \. O grupo de correntes aqui estudadas ocupa uma época cultural da maior relevancia no Brasil, a segunda metade do século XIX. Por circuns- tancias historicas, nacionais e internacionais, coincidindo com o advento da civilizagao burguesa, democratica, industrial e mecanica, e com a nova penetra¢ao da ciéncia no mundo das idéias ¢ da pratica por meio da biolo- gia, os valores que a representam produziram um impacto tao grande no | espirito ocidental, que o dominaram quase por completo, mormente no Brasil, onde recalcaram de todo para um plano secundario a tendéncia oposta, a ponto de quase nao se notar a presenca contemporanea do Sim- bolismo, cuja importancia sé muito mais tarde foi notada e registrada. O sistema de idéias e normas que caracterizou aquela época exerceu tal influéncia no Brasil dos fins do século XIX e comecos do XX, que a sua marca até hoje ainda se faz notar em muitos espiritos. Daf a importdn- cia da época e a necessidade de uma redefinic4o geral, indispensdvel a de- vida compreensdo de sua expressao literdria. De modo geral, 1870 marca ni mundo uma revolucao nas idéias e na vida, que levou os homens para o interes ‘se € a devocao pelas coisas mate- riais. Uma geragao apossou-se da di ecéo do mundo, possuida daquela fé ‘especial nas coisas materiais. E a‘ geracdo do materialismo”’, como a de- nominou, em um livro espléndido, o his ‘oriador americano Carlton Hayes. A revolugdo ocorreu primeiro no espirito ¢ no pensamento dos homens e dai passou a sua vida, ao seu mundo e aos seus valores. Intelectualmente, a elite apaixonou-se do darwinismo e da idéia da evolugio, heranga do Romantismo e, de filosofia, 0 darwinismo tornou-se quase uma religiao; o liberalismo cresceu ¢ deu os seus frutos, nos pianos politico e econdmico; é undo € 0 pensamento mecanizaram-se, a a religido tradicional recebeu \ um, feroz assalto do livre- -pensamento. Essa era do materialismo (1870-1900) foi uma continuagao do iluminismo e do enciclopedismo do sé- culo XVIII e da Revolugao, acreditou no “‘progresso”’ indefinido e ascen- \ sional e no desenvolvimento constante da civilizacio mecdnica ¢ indus: \trial. Acreditou no impulso humanitario, conciliando a educacao da massa 0 socialismo com o culto do poder politico e da gléria militar e nacional. As massas emergiram ao plano histérico, de posse dos progressos mate- riais e politicos. Acciéncia, 0 espirito de observacdo e de rigor forneciam os padrées do pensamento e do estilo de vida, porquanto se julgava que todos os fenémenos eram explicaveis em termos de matéria e energia, e eram governados por leis matematicas e mecanicas. O vasto processo de “mecanizacio do trabalho e do pensamento”’ (Hayes) refletiu-se tanto na vida material como nas diversas ciéncias — fisicas, naturais, bioldgicas, sociais. A biologia, com a teoria determinista, e sua promessa de melhoria de satide € raga, conquistou uma voga dominadora. Problemas de heredi- tariedade, de embriologia, de estrutura celular, de bacteriologia, seduzi- ram 0s espiritos. O darwinismo, a evolugao e a doutrina da selecdo natural imprimiram direcao 4s pesquisas nao somente da biologia, mas também da psicologia e das ciéncias sociais. Outro dado importante foi a ascensao da psicologia cientifica com seus métodos de laboratério, mais um elo da ca- deia de unido da biologia com a fisica, para mostrar a base fisica do pen- samento, da conduta e da afinidade do homem com os animais (Hayes). Foram enormes e profundas as repercussées desse clima espiritual nas ciéncias sociais. Para a geracio que entrava na maioridade intelectual em 1870, 0 positivismo de Augusto Comte, que vinha dos anos de 30 a 40, oferecia singular atracdo, sinténico que era com 0 espirito da época. Repe- lindo qualquer explicagao tiltima, qualquer finalismo teolégico ou metafisi- co, € concentrado sobre o fatalismo cientifico, exaltou a ciéncia social ou sociologia como a rainha das < ciéncias, dando-lhe como método e princi- pios Os mesmos que caracterizavam as ciéncias fisicas. Os estudos socio- ldgicos, dirigidos pelo positivismo, orientaram-se_para a | coleta de fatos, sintetizando-os e formulando leis e tendéncias para explicar a conduta e evolucao da sociedade humana. Spencer viu a sociedade como um orga- nismo em evolugao, ¢ a luta pela existéncia como um constante antago- nismo entre as forgas sociais. Os historiadores esposaram os pontos de) vista da sociologia, e interpretaram a histéria como a resultante de -movi-. mentos sociais, de evolugao de forcas € instituicdes sociais, e procuraram salientar a influéncia do fenémeno econdmico e buscar a origem das 30- ciedades atuais nos troncos primitivos. A partir do momento em que se constituiu-a ciéncia social, que Comte batizou de sociologia e Spencer emancipou, ela recebeu o impacto de ou- x tras ciéncias. por um fendmeno muito comum que é a aplicacéo dos méti dos ¢ principios de uma a outra. As ciéncias sociais aliaram-se As naturais, fisicas e biolégicas: economia, sociologia, estatistica, biologia, psicologia, ciéncias naturais, geografia, antropologia e etnografia. Inte: relacionaram-se no estudo dos fatos humanos € sociais, consoante os pos: tulados do positivismo de Comte. E geraram 0 evolucionismo de Spencer, « o ambientalismo de Taine, o materialismo psicolégico de Wundt e Lom- broso.' Assim, 0 acontecimento mais importante da histéria da cultura no sé- ) culo XIX foi a convergéncia da biologia € e da Sociologia, que derramou por toda parte, na observacao e interpretacio da vida, a atitude | evolucionista. A revolucao bioldgica efetuada por Darwin, que destarte re reforgou a ten-_ déncia historicizante do espirito romantico, colocou a biologia num Osto de diregéo do pensamento, mudando as ance neDES elo 08 métodos cientifi- €08, nO sentido naturalista: © homem foi integrado no ambiente natural com origem ¢.histéria natur; il. Ao receber 0 impulso da biologia, gracas a Comte e Spencer, as ciéncias sociais tomaram-the conceitos e analogias. As leis cientificas passaram a ser deduzidas do principio fundamental da evolugao. Concebeu-se 0 mundo como um processo de crescimento e eyor ducao. A idéia de evolugao espalhou-se largamente como a maior e a aot .sedutora di das. cren¢as romanticas, E 0 novo ideal cientifico, a nogao revo-' luciondria do século, cuja presenca € constante na sua vida intelectual e\ nas crencas dos homens. A sociedade foi encarada, sob o influxo da biolo—) gia. como um organismo composto de células em funcionamento o harmé-. nico e obedecendo As leis biolégicas de escimento € morte. Ao interesse pela historia. do pasado, pela tradicdo, caractetistico do romantismo,* cE acrescentaram-se a atitude biolégica e 0 método evolucionista, a idéia de mudanga e desenvolvimento continuo, de evolugao e progresso. Do senso ‘* yomantico da importancia do tempo, do passado e das origens, transitou-se naturalmente para a nocao de crescimento e desenvolvimento, de evolu- ” cdo e progresso. Em suma, pela metade do século, a biologia e a sociolo- gia coligaram-se na idéia de evolucdo, em conseqiiéncia do trabalho de Darwin, Comte e Spencer, e o darwinismo biolégico e social sintonizado com teorias mecanicistas em fisica e quimica teve seu ponto alto em Ha- eckel, cuja popularidade foi enorme. Os principios mecanicistas de expli- | cago penetraram nas ciéncias do homem e da sociedade, reduzindo os a processos de vida a f6 rmulas quimicas. vy Outro resultado dessa convergéncia da biologia e das ciéncias sociais / foi o relevo dado a estoutra idéia essencial do darwinismo, a de que “‘as_ circuns' is externas determinam rigidamente a natureza dos seres Vi —} vos, inclusive 0 homem, e de que nem a vontade, nem a razao pi i ‘independentemente de seu condicionamento passado’’ (Hayes). E daonipoténcia do ambiente, ou milieu de Comte e Taine. O e parte integrante da ordem natural, e seu corpo tanto quanto seu espirito_se desenvolvem ¢ atuam debaixo de seu condicionamento total e inevitével. O ambientalismo, contribuigao da antropogeografia aos estudos sociais no século XIX, contaminou a mente dos historiadores da civilizacdo e da cul- tura, em seguida aos trabalhos de Lamarck, Buffon, Cuvier, e A obra de gedgrafos como Ritter, Kohl, Peschel, Reclus, Ratzel. Foi por meio de Buckle e de Taine que a nogao se popularizou e se tornou um lugar- comum da critica histérica e da critica de artes e letras. Nesse ponto, a influéncia de Taine, inclusive ou sobretudo no Brasil, é avassaladora. ; ( Esse foi, pois, o zeitgeist, o espirito da época, a concepcao geral da \vida que a dominou e Ihe deu fisionomia espiritual tipica: culto da ciéncia ‘\e¢_do progresso, evolucionismo, liberalismo, iluminismo, determinismo, ' positivismo, contra-espiritualismo, naturalismo. Esse é 0 complexo espi ‘tual que caracterizou a ““geracao do materialismo’’. A infusao dessa concepgao na literatura fez-se pelo Naturalismo ou, por outras palavras, o Naturalismo foi 0 movimento que deu forma literd- Tia aquelas teorias. NO romance, Zola transformou as suas personagens em titeres, sem livre-arbitrio, a que um ambiente e uma forca hereditaria inelutavelmente imprimiam cardter, acdes, destino. Na critica, Taine re- duziu a interpretagéo das obras de arte a compreensao do meio, da raga, do momento em que se produziram. ~ a Esse cientificismo comunicou feitio préprio ao Naturalismo. Todavia, Realismo, Parnasianismo e Naturalismo, como revoltas contra o subjeti- vismo romdantico, participam do mesmo espirito de precisao e objetividade cientifica, de exatidao 1 de rigor e economia de | descrigaéo, de apelo 4 mimicia, de-culto-do fato, guagem, de amor a forma, e s6 distingue o Re- 8 alismo do Naturalismo o aparato cientificista deste iltimo Jogia ¢ ao determinismo da heranca e do ambient ~2> O conhecimento da estética e da poética realista-naturalista resulta- ra da fixag&o de seus caracteres. Como definir os dois temperamentos ou estilos artisticos? Em primeiro lugar, vejamos a definigao dos termos. A palavra realista deriva de real, oriunda do adjetivo do baixo latim realis, reale, por sua vez derivado de res, coisa ou fato. Real+ismo (sufixo denotativo de partido, seita, crenga, género, escola, profissio, vicio, esta- do, condicéo, moléstia, porcdo) é palavra que indica a preferéncia pelos fatos e a tendéncia a encarar as coisas tais como na realidade sao. Em lite- ratura, Realismo opde-se habitualmente a idealismo (e a Romantismo), em yirtude da sua opcao pela realidade tal como é e nao como deve ser. As- sim, em critica literaria, como refere M. C. Beardsley, no Dictionary of World Literature, de J.T. Shipley, o termo designa as obras literarias mo- deladas em estreita imitacao da vida real e que retiram seus assuntos do. mundo do real, encarado de maneira objetiva, fotografica, documental, “sem participagao do subjetivismo do artista. A palavra entrou na literatura pela mao de Champfleury quando editou em 1857 um volume de ensaios que vinta publicando desde 1843, e nos quais expunha a doutrina realista. Pela mesma época, circulava uma revista de arte do critico Duranty, cha- mada Le Realisme. Mas foi a publicagao de Madame Boyary (1857) de Flaubert que assegurou o triunfo do Realismo em Franca, mais tarde con- firmado, em pintura, pelo uso que fez Courbet_ do termo no prefacio ao_ catalogo de sua exposig¢ao (1885). Ja a literatura ocidental vinha, como mostrou Auerbach, evoluindo no sentido da incorporacao gradativa da realidade. Em todo 0 caso, s6 no sé- ‘culo XIX 6 que, em rebeldia contra 0 idealismo romantico, relacionado com a classe alta, o Realismo logrou-impor a _pintura verdadeira da vida dos humildes e obscuros, os homens e€ “mulheres comuns “que éstao habi- ‘tualmente em torno de nés, vivendo uma vida compésita, feita de muitos a uniao a bio- ‘opostos, bem e mal, beleza e feitira, rndeza e requinte, sem receio do tris 'vial e do monotono. Embora opostos em muitos sentidos, como ja se acentuou, o Re\"~ alismo e o Romantismo propendem para o mesmo alvo, continuam-se em | On vez de se oporem. Rousseau tentara mostrar que a natureza era boa, e que’ \ o homem era naturalmente bom. Conseqiientemente, nenhum obstaculo | deveria ser oposto ao livre exercicio de suas virtudes elementares. Todas | yitucss as peias e 6rgaos de restricao deveriam ser abolidos como no males inuma- nos: sociedade, leis, religido, estado, instituigdes, razao, eis toda sorte de entraves a livre manifestacdo da bondade natural e dos impulsos natural- mente bons. Caracteres do Realismo..E impossivel uma definigdo completa do Re- alismo, que é antes um temperamento, uma tendéncia, um estado de espi- U rito, do que um tipo ou género literério acabado. Ele existe sempre que 0 9 homem prefere deliberadamente encarar os fatos, deixar que a verdade dite a forma, e subordinar os sonhos ao real. Todavia, pode-se descrever as suas qualidades dominantes, as suas caracteristicas principais, e o fa- remos de acordo com o trabalho de A. Hibbard, Writers of the Western World (Boston, 1942). 1) — O Realismo procura apresentar a verdade. Esse tratamento verdadeiro do material, essa verossimilhanga no arranjo dos fatos selecio- nados, unificados, apontando numa direcAo, é essencial, e se traduz tam- bém no uso de emocao, que deve fugir ao sentimentalismo ou artificialida- de. Essa qualidade ainda aparece no modo de apresentar as partes: 0 re- alismo nfo se submete a uma visio demasiado ordenada da vida, 0 que lhe parece artificial, pois a tem_um ritmo irregular. 2) — O Realismo procura essa verdade por meio do retrato fiel de personagens. As personagens do Realismo sdo antes individuos concretos, conhecidos, do que tipos genéricos. Os incidentes do enredo decorrem do _carater das personagens, e os motivos humanos dominam a agao. Sao se- res humanos completos, vivos, cujos motivos, razées de ago, emogoes, o Realismo retrata e interpreta. Dai a relacao com a psicologia, o Realismo tendo tido a sorte de coincidir com o desenvolvimento da ciéncia da alma humana. Por isso, realizou-se em duas diregdes: para 0 corpo e a vida ex- terior, € para o espirito e a vida interior. 3) — O Realismo encara a vida objetivamente. Nao hd intromissio do autor, que deixa as personagens e os circunstantes atuarem uns sobre 9s outros, na busca da solugao. Q.autor nao confunde seus sentimentos e pontos de vista com as emogées € motivos das personagens. | 4-90 “Realismo fornece uma interpretagdo da vida. Retratando ob- jetivamente a vida, 0 Realismo, todavia, da-the sentido, interpreta-a. A acumulagao de fatos, pelo método da documentagdo, nao é tudo na atitude realista: a selegdo e a sintese operam buscando um sentido para o encade- amento dos fatos. Daf a preferéncia pela narracao em vez da descricao. 5) — O Realismo retrata a vida contemporanea. Sua preocupacao é com homens e mulheres, emogdes e temperamentos, sucessos e fracassos da vida do momento. Esse senso do contemporaneo é essencial ao tempe- tamento realista, do mesmo modo que o romantic se volta para o passado ou para o futuro. Ele encara o presente, nas minas, nos corticos, nas cida- des, nas fabricas, na a politiéa; nos"n negocios, nas relacées conjugais, etc. Qualquer motivo de conflito do homem com seu ambiente ou circunstantes € assunto para 6 reé . 6) — O Realismo retira a maior soma de efeitos do uso_de detalhes especificos. Até agora, vimos as § qualidades realistas quanto aos assuntos e contetido. 0 Realismo tem também uma técnica e um método especifico. Assim é que a 9 € a fidelidade na observacdo e na _pintura sao es- senciais caracteristicas realistas. Usam-se detalhes aparentemente i insigni- ficantes na pintura de personagens e ambientes. E esses detalhes devem 10 ser reunidos e harmonizados, para dar a impressao da propria realidade. Recolhidos os fatos, ha que dar-Ihes certo arranjo de acordo com um pro- posito artistico, a fim dé criar uma unidade especial. 7) — A narvativa realista move-se lentamente. Pela propria natureza da técnica, que é minuciosa, e pelo maior interesse na caracterizacéo do que na agao, o realista da a impressao de lentidao, de vaivéns, de marcha quieta e gradativa pelos meandros dos conflitos, dos éxitos e fracassos. 8) — O Realismo apdia-se sobretudo nas impressdes sensiveis, esco- The a linguagem mais proxima da realidade, da simplicidade, da natura- lidade. 7 3. Quanto ao Naturalismo, é um Realismo a que se acrescentam cer- tos elementos que o distinguem e tornam inconfundivel sua fisionomia em relagéo a ele. Nao é apenas um exagero ou uma simples forma reforgada do Realismo, pois que 0 termo inclui escritores que nao se confundem com os realistas. Eo Realismo fortalecido por uma teoria peculiar, de cunho cientifico, uma visio materialista do homem, da vida e da sociedade. A palavra Naturalismo é formada de natural+ismo, e significa, em fi- losofia, a doutrina para a qual na realidade nada tem um significado super- natural, e, portanto, as leis cientificas, e nao as concepgées teoldgicas da natureza, € que possuem explicacOes validas; em literatura, é a teoria de que a arte deve conformar-se com a natureza, utilizando-se dos métodos cientificos de observacdo.e experimentacao no tratamento dos fatos e das personagens. somente nos arredores de 1880 € que assumiu posic¢do definitiva, quando Emile Zola e seu grupo o adotaram, nas Soirées de Médan, dai, por sua influéncia, irradiando-se para o mundo. © desenvolvimento da ciéncia, com sua formula biolégica da evolugdo e da ligagdo do homem A ‘‘nature- za”, as reformas politicas, as tendéncias realistas na literatura com Bal- zac, Stendhal, Flaubert, as teorias de Taine sobre o ambientalismo na in- terpretacao das origens da arte, tudo conduzia a colocar o Naturalismo na ordem do dia, com a sua visao cientifica, social, do _homem em relacao com 0 meio € com a heranga. Ent siasmado com a leitura da obra de Claudé~Bernard; m a V’étude de la médicine expérimentale (1865), Zola elaborou uma aplicacao das suas teorias 4 literatura e, no seu livro Le roman expérimental (1880), }evantou um paralelo das idéias do | mestre com a sua teoria do romance naturalista, asseverando que o mé- todo do cientista deveria tornar-se o do escritor. ‘‘O romance experimen-- fal substitui 0 estudo do homem abstrato e metafisico pelo do homem hatural, sujeito a leis fisico-quimicas ¢ determinado pela influéncia do meio.”’ Assim ficou estabelecido, como teoria dominante da literatura na- turalista, o determinismo, para o qual “‘as deliberagdes morais sdo deter-" _ minadas ou s4o.o resultado direto das condigées psicolégicas e outras”’ de ‘ “ie i O termo entrou na critica literaria por volta de 1850, na Franga, mas ¢ { natureza fisica. O homem nada € sendo uma méquina guiada pela ac& leis fisicas e quimicas, pela hereditariedade e pelo meio fisico e social. Como os realistas, porém, os naturalistas Procuraram a verdade, des- denharam do sentimentalismo, Preocuparam-se com a época contempora- nea e construiram seus livros sobre o fundamento dos fatos precisamente, observados ¢ fielmente recolhidos, ao mesmo tempo que os seus enredos e naifativas sé moviam co 1 Tentidao. Aumentaram 0 interesse pela socie- dade e sobretudo pelas siias Camadas mais baixas, e puseram mais énfase na liberdade de expressao. ‘~ O critico M. C. Bearsdley registra trés sentidos para o termo: 1) é re- ferente a obras que exibem acentuado interesse e amor pela natureza e be- leza natural; 2) € relativo a obras que se pautam por uma estreita fideli- dade a natureza, e neste sentido é equivalente de Realismo; 3) refere-se (e este € o sentido mais geral) a obras que, de modo implicito ou explicito, exprimem um conceito naturalista da vida, em oposic&o ao conceito hu- manista e religioso, e, em conseqiiéncia, acentuam o aspecto fisiolégico do homem, seu parentesco com os animais, a transitoriedade e a futilidade, | bem como a origem irracional e egoistica de seus ideais, e o retratam de \ maneira irénica, ligubre e nos seus aspectos sordidos e vis. Ha, pois, diferencas fundamentais entre os dois, como mostra ainda Hibbard: 1) A viséo da vida no Naturalismo é mais determinista, mais me- canicista: 0 hi m_é um animal, presa de forgas fatais e superiores sem efeito e impulsionado pela fisiologia em igualdade de proporgdes que pelo espirito ou pela razdo; 2) O naturalista observa o homem por meio do mé- todo cientifico, impessoal e objetivamente, como um ‘‘caso”’ a ser anali- sado: 3) O naturalista denota inclinagaéo reformadora: a sua preocupagio com os aspectos da inferioridade visam 4 melhoria das condigdes sociais que a geraram; 4) O naturalista, com sua preocupagao cientifica, declara- se de interesses amplos e universais, nada é desprovido de importancia e significado como assunto, nada que esteja na natureza € indigno da litera- tura. Essa universalidade e fidelidade ao fato, a todos os fatos, conduz o Naturalismo a certo/amoralismo, certa indiferenga. Nao importa a opinido sobre os atos, mas os atos em si mesmos. Em conclusao, 0 Realismo é a tendéncia literéria que procura repre- sentar, acima de tudo, a verdade, isto é, a vida tal como 6, utilizando-se, para isso, da técnica da documentagao e da observacao contrariamente a inyengao romantica. Interessado na andlise de caracteres, encara 0 homem © o mundo objetivamente, para interpretar a vida. Utilizando-se _das im- pressées sensiveis, procura retratar a realidad aS a0 Uso de detalhes _ especificos, 0 que faz que a narrativa seja longa e lenta e dé a impressao ‘nitida de fidelidade aos fatos. A estética realista procura atingir a beleza sob os disfarces do comum e do familiar, no ambiente local e na cena con- temporanea. i; i Do ponto de vista da estrutura, a ficco realista se distingue pelo pre- _ dominio da personagem sobre enredo, da caracterizacao, sobre a_acao, | do retrato We-individiios e da crOnica de suas vidas sokre os incidentes, {estes alids decorrentes das proprias motivagdes humanas. O Realismo empresta particular atencao aos aspectos técnicos, estru- turais e formais, de narrativa e composigao. No particular da forma, o re- alista reitera.o ideal classico da pureza, da medida e da co! itengao, che- gando mesmo 4 exaltagdo da beleza da expressao, como écriture artiste, em Flaubert é alguns representantes da segunda geracao realista francesa, a contraparte do ideal parnasiano da arte pela arte. O Naturalismo acentua as qualidades do Realismo, acrescentando uma concepgao da vida que a vé como o intercurso de forcas me sobre os individuos, resultando os atos, o carater ed destino destes da ‘atuagao da hereditariedade e di ambiente. O espirito de objetividade e im- ' parcialidade cientificas faz com que o naturalista introduza na literatura todos os assuntos ¢ atividades do homem, inclusive os aspectos bestiais e repulsivos da vida, dando preferéncia as camadas mais baixas da socieda- de. Pelo método documental, pelo uso da linguagem simples, direta, natu-- ‘tal, coloquial, mesmo vulgar, e dos dialetos das ciéncias e profissdes, o- Naturali: ) procura representar toda a natureza, a vida que esta proxima | da natureza, o homem natural. 7 “4. Quanto ao Parnasianismo, foi o movimento correspondente em po- esia ao Realismo-Naturalismo. Surgiu na Franca para designar os poetas que se reuniram na publica- ao das antologias de poesia chamadas Le Parnasse Contemporain, langa- das em trés fases, em 1866, em 1871 e em 1876. Os poetas mais famosos da escola foram: Gautier, Baudelaire, Leconte de Lisle e Banville. O nome de Parnasse (em portugués Parnaso, Parnasiano, Parnasianismo) vem de Par- nassus, monte da Fécida, na Grécia, onde, segundo a lenda, residiam os poetas. Por extensdo é uma espécie de morada simbdlica dos poetas, e de- signa também o conjunto de poetas de uma nacao. Inspirado na estética da “arte pela arte’? de Gautier, reflete o Parnasianismo 0 mesmo movimento pendular que fez seguir uma corrente objetivista e classicizante ao subjeti- vismo romantico. Também ele se subordinou ao ideal cientifico da objeti- vidade e mesmo ao positivismo filoséfico. Patrocina a pintura de inciden- tes histéricos e fenémenos naturais, em versos impassiveis e perfeitos, com forma rigorosa e classica, com motivos também classicos. A poesia é * descritiva, com exatiddo e economia de imagens e metdforas. Esse re- alismo classicizante em poesia teve grande fortuna, especialmente no Bra- sil, certamente pela facilidade que os fazedores de verso encontraram na sua poética, mais de técnica do que de inspiragdo, mais formal do que es- Sencial. O Parnasianismo no Brasil penetrou muito além dos seus limites cronolégicos, paralelamente ao Simbolismo e mesmo ao Modernismo, so- 13

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