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7 (Reve Série Estratégias de Ensino 6 © emtno doexpantol no Brasil 2 Jia Sedycias (org) Portuguds no ensino médioeformagdo do profesor, Ze Cecio Bunzen & Marcia Mendonga (orgs] Genes catalinadores — ltramentoeformagdo do professor Inés Signosni [org] ‘A formagae do profesor de portugués — que lingua vamos ensinar?, 2. Paulo Coimbra Guedes Muito olém da gramética — por um ensino de lnguas sem pedras no eaminho, ed Trane Antunes Enna o brasileiro — rxpotes «50 perguntas de profesoret de lingua materna Celso Ferarez Semantica pare a educagaobosica Celso Ferratext (© profesor pesquisador — intraducdo & psquiss qualittina Stella Maris BortoniRicardo Letramentoem ‘Maria Cecilia Mollica & Marisa Leal Lingua texto ensino — ours esata possvel Trandé Antunes Ensinoe aprendizagem de lingua inglesa — converss com especialistas Disgenes Candido de Lima (org) Da redagdo& produpdo textual — oensino da escrita Paulo Coimbra Guedes Letramentas miltiplos,eeola e nels sci Roxane Rojo Libras? Que lingua € sa? ‘Audtei Gesser Didatica de linguasetrangiras Pieste Martinez ee Guns t duboo 2, Culling. 2 wok ‘DIDATICA : re DELINCUAS ESTRANG EIRAS | * Pierre Martinez ‘TRADUCA Marcos Marcionilo ‘ ENGLISH a0) & croblerr \atica do ensino Capitulo | individuo, a sociedade e as linguas entrar em jogo em uma relagio didética que nio escapa is regras da comuni- cagio humana. O ensino de lingua estrangeiras 56 pode, bm efeito, ser examinado como uma forma de troca co- cy tmunicativa:ensinar€ por em contato, pelo proprio ato, sistemas linguisticos, e as varidveis da situacdo refletem- on se tanto sobre a psicologia do individuo falante quanto sobre ofuncionarnento sci em geral, Quem comega a aprender uma lingo, adquite-a¢.a pratica em um contexto biolégico, biogréfico e histérico, Nao se tem certeza de que tudo seja objetivavel e, portanto, posterior- ‘mente utilizével na ago. Mas a posigdo da didatica é, em principio, uma busca de informagao e, na medida maxima do possivel, uma consideragao de tudo o que pode ajudar a facilitar a aprendizagem. f uma posigio prudente 6 Kieicla, mas otimista, que se impae a todas ns. ® 1. Ocampo da comunicagao, simples fato de comunicar pela linguagem compromete a pessoa toda, quer dizer, um individuo com suas experiéncias anteriores, sua adesio 16 edie oe uNcus emvcens O Pane Murer a crengas e valores culturas e intelectuais, suas motivagbes e as finalidades de sua iniciativa Uma comunicagdo no’ campo didético é, entéo, um sistema de siste- mas, uma interagdo entre pessoas, contetidos, um contexto social ete, Por isso nos parece oportuno lembrar coma podlemas representar, em suas grandes linhas, o funcionamento da comunicagao. Tres formalizagdes — modeliza- ges ou esquematizagées da realidade — foram mais frequentemente levadas em conta pelos didatas: o esquema de Roman Jakobson, as teorias da infor- ‘magi a etnografia da comunicagio. Elas nos levatdo a propor pessoalmente uma visio integrada das coisas. a) O esquema de Jakobson foi amplamente difundido e, ndo obstante sua simplicidade, continua a dar conta de uma maneira talvez limitada, mas muito eficiente, de uma teoria geral transpontvel para a didética. Jakobson es- creve que hé transferéncia de informagdo entre um emissor (ou destinadrde uum receptor (ou destinatério) por intermédio de uma mensagem constitufda de sinais, emitida com uma intencio, formalizada coma ajuda de um c6digo cu conjunto de regras (a lingua, por exemplo) e circulando por um canal (05 meios técnicos utilizados, que permitem um contato simultaneamente fisico € psicolégico). Serio designados como referentes da mensagem da qual ele fala 0 “contexto” ou os objetos reais aos quais ele remete, [A transposigio didatica das concepgBes de Jakobson pode ter dado mo- tivo a severas eriticas, mas ela permite enfatizar falos interessantes, como a dlissimetria dos parceiros na comunicacio, a dificuldade de interpretar onde se localiza o observador estrangeiro ¢ a importancia do contexto. Nao hé nada 1 estranhar no fato de esse esquema ter suscitado uma reflexo prépria em didatica. Tal reflexiio levou: ‘ a descrigio de situagdes de ensino habituais a classe. A compreensio ds trocas complexas que se observam ali foi beneficiada por essa des- crigho; © 4 analise de situagoes extemas a classe e de produgoes literdrias ou sociais pertencentes aos géneros admitidos: romance autobiogréfico, discurso politico, texto cientifico, poesia etc. Dessa forma, esse tipo de atividade pode caracterizar um ensino que no se abria mais exclusi- vamente ao sistema da lingua, mas também a fala social; Aronisuines so rxsmo @T7 + a uma melhor andlise do malentendido inerente a comunicagao hu- ‘mana, que no decorre apenas de nossos humores e de nossa vontade, ‘mas também de fatores variados: c6digo apenas parcialmente comum 0s interlocutores, efeito da conotagao subjetiva, necessidade da re- dundancia em uma economia do discurso magistral, erros de codifica- ‘¢40 ou de decodificagao que afetam o dispositive, tanto no oral como no escrito (essa é uma justificativa frequentemente evocada para a fixa- (20 do cédigo escrito, a ortografia..) ete. (Kerbrat-Orecchioni, 1990). +b) Uma corrente de influéncias, a qual o proprio Jakobson nao é insen- sivel, atua sobre o modo por meio do qual representamos para nés mesmos a ccomunicagio. Ela se inspira nas teorias de Shannon e Weaver (1939, 1948) sobre “as” comunicagBes, na cibernética de Wiener e nas teorias da informa- edo, Aideia é tentar modelizar matematicamente a transmisslo de informagao ¢ visa globalmente responder as perguntas: “Quem diz o qué, 2 quem, por quais meios € com quais resultados?” (Laswell, 1948). Em todos os casos, 0 objetivo € a transmisso de uma mensagem, com 0 auxilio de "repert6rios” ‘mais ou menos cormuns, com ajustes que permiter, na troca, os retonos de | informagio. Iregularidades técnicas, organizacionais e semdnticas (“ruidos") atuam no sistema. A teoria da informagao, que destaca a desigualdade entre | 65 interlocutores (em nosso caso, professor ¢ aprendiz), também ressalta o in-| teresse das nogGes de probabilidade e de incerteza nos efeitos produzides pela mensagem sobre os parceiros da troca: 0 processo de informagio, mensurdvel, || visa redusir uma incerteza parcial ou até mesmo total, preenchendo aqui uma ‘gnordncia por parte do aprendiz. Isso € o que torna possivel uma aprendiza-| gem, uma adaptagdo & situagao com a qual o aprendiz se vé confrontado, ‘c) Mas podemos ver perfeitamente que esse tipo de modelizagao convi- da.a desenvolver a reflexdo em outras direc6es, por exemplo, as das ciéncias ‘humanas como a psicolinguistica ¢ a antropologia social. A linguagem ine- gavelmente vinculada a uma experiéncia coletiva (Sapir, 1953), a maneira] Pessoal com a qual o individuo “interpreta” os signos da lingua (Peirce, 1932) sdo, quando menos, raz6es para aprofundar: © a questo do sujeito na comunicagao (seu quadro de referéncia, suas at-| tudes durante a troéa, sua capacidade de se identificar com outro etc.) || © a questio das regras e normas que regem a comunicagao;, ‘© a questio dos papéis e dos lugares de cada um na interagio, Beprnimca ne uncuss esmmscinas © Pine Murase Por isso estudo dos grupos humanos em ws patnlidade cultural, que € 0 objeto espectfico da etnografa, leva os pesqhisadores a definirem ou- tt0s modelos comunicacionais. Identificamos aqui afin propostas, no mo- vitnento daquela que foi chamada “a nova comunicagao” (Y. Winkin, 1991). 1» modelo preposio por Dell H. Hymee, em] 1974, qua noe ajadar a ver mais claramente a céna da comunicagao lingufstica. Apresentado sob 0 aeréstico amplamente conhecido como SPEAKING, ele faz entrarem em acd: = a situagao, tanto em termos fisicos comb psicol6gicos (setting); + P= os participanies (rarticipants); ‘* E= 0s objetivos projetados ¢ os objetivos atingidos (ends); + Aas sequéncias de atos (cls), com seus contetidos ¢ com suas formas, ‘* K=as entonagées, 0 tom adotado (key); | csimrumeth, igo ans, inp a comonieae (o, trumentalities); iF ‘* N=as normas socioculturais de interago ou de interpretacdo (Norma); G = os géneros ou tipos de atividade (cenves: conversagiio, conto, narrativa etc. | Essa ampliaglo do quadro conceitual leva também a ressaltaro quanto 0 ato de fala 6 um ato social complexo, que excede uma competéncia gramati- cal e tece uma rede de dependéncias que devem set analisadas e globalmente levadas em consideracao. | ‘Como indicou o sogiolinguista J. Fishman, enquanto estudava o estatu- to de outras linguas afora o inglés ém grupos étnicos' religiosos nos Estados Unidos, essas relagGes vao da linguagem aos grupos de valores mais significa- tivos para uma comunidade, Elas passam pelo momento da fala, pelo lugar onde a fala & pronunctada, pelas relagdes de papéis que ocorrem, mais ou ‘menos implicitamente, éntre os participantes, pelo|tipo de interago que eles desenvolvem. E todos esses parametros estio inscritos em uma situagao social € so parcialmente definidos pelo comportamento da comunidade, Bo que se manifesta quando observamos, por exemple, alternancias c6- dicas, mudangas de lingua em um escritério em Porto Rico, onde se fala inglés ¢ espanhol; nos mercados de uma cidade africana ou em ambientes es- ‘colares. Nao estamos certos de sempre podermos + para prevenit ou corrigit Armonuasincs oo avo O19 ‘que vai acontecer em sala de aula — levar em consideragio todos os dados, ‘mas nos parece impossivel poder ignorar que eles produzem efeitos. Na medida em que existem claramente maneiras diferentes de aprender segundo os individuos, interrogamos se essa caracterizagio também nao de- corre, pelos menos em parte, de sua cultura de origem. Com efeito, « prépria comunicagao exolingue — aquela em que pelo menos um dos interlocutores no se exprime em sua lingua materna (Porquier, 1984) — atesta uma varia. ‘20 cultural que assume aspectos muito diversos. Essa variagdo certamente incide sobre o material semi6tico itilizddo, que € a lingaa, mas também sobre o material paraverbal e sobre o nko verbal: pos tura, mfmica, gestualidade e espaco. A prépria representacao do espago e do tempo também ¢ duvidosa: preeminéncia das marcas do aspecto verbal (a ago comega, dura no tempo, se repete etc), inexisténcia do tempo passado, posigdo do sujeito e do objeto etc. Hé uma “tematizac3o” do real diferente, que faz di- zer, em inglés, Men at work e, em portugues, “Atengio, homens trabalhando”, © em varias linguas algo como “acabou para mim”, em vez de “acabei’. AA variagZo cultural afeta ainda as rotinas e os rtuais (f6rmulas de tra- tamento, cumprimentos envolvendo a satide e a familia, agradecimentos), 605 atos de linguagem (recusar algo ndo se marca do mesmo modo em todos os lugares). E, em sentido amplo, todo o planejamento do discurso e sua progressao, com sua sinalizagdo, sua “pontuacao” verbal, que seria posstvel demarcar ¢ também as regras da conversagio (aberlusa, cuntinuidade, sincro- nizago, turnos de fala e sobreposig6es, encerramento) que aparecem como altamente culturalizados (Kasper, Blum-Kulka {orgs.], 1993) Em suma, veremos que a variagio € regra, Para poder nos comunicar em uma lingua estrangeira e para aprendé-la, no podemos nos limitar & ex trita descrigio do sistema linguisico. Em sala, permanecer em siléncio e nfo olhar o professor nos olhos nio revela obrigatoriamente que nio saibamos out que no queiramos responder; iso pode remeter a um c6digo implicit. Com toda a certeza, conhecer todas essas “dimensoes ocultas” (Hall, 1966) nao deve nos levar a clichés, a esterestipos, fazendo-nos esquecer a variagio individual. A livre relagao dos interlocutores, sua intersubjetividade

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