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Nogao e Modalidades de Obrigagao Nogaio de Obrigacao Conforme esclarece ANTUNES VARELA, “O termo obrigagao ¢ usado, tanto na linguagem corrente como na propria literatura juridica, em sentidos diversos.” © mesmo Professor apresenta algumas das tradicionais acegGes da terminologia e do conceito de obrigagao. Desde logo, a obrigagao pode ser perspetivada enquanto manifestagao de um dever juridico, significando dessa forma uma imposigao do direito que se dirige € que se impde ao comportamento de um sujeito. Assim entendida, a obrigagao 6 "uma ordem, um comando, uma injungao dirigida a inteligéncia e a vontade dos individuos” Na maioria das situagGes, esse dever juridico é dirigido a satistagao do interesse de um ou varios sujeitos juridicos, a quem so, portanto, atribuidos direitos subjetivos, protegidos através de meios coercivos legalmente estatuidos. Pelo que, numa relagao de interdependéncia e de concordancia, o dever juridico 6 a “necessidade de (ou a vinculagdo a) realizar o comportamento a que tem Note-se que esse dever juridico — que, consoante se apresentou, corresponde & imposigo de garantir, realizar e satisfazer um direito subjetivo de outrem — no se deve confundir nem com 0 estado de sujei¢ao, nem com o énus juridico: — 0 estado de sujeicao corresponde ao sacrificio sinalagmatico de um direito Potestativo, em que o titular passivo dessa relacdo tem (forgosamente) que suportar o exercicio de um poder conferido a outrem. Sendo que, na maioria das situagdes, 0 sujeito ativo titular de um direito potestativo pode exercer os seus poderes sem necessidade de qualquer cooperagao da sua contraparte. Pense- se, a titulo de exemplo, na dissolugao do casamento por decisao judicial que se impée na esfera juridica do sujeito passivo. Digtakcasa com Camscanner — Diferente do dever juridico é, também, a figura do onus juridico, que “consiste na necessidade de observancia de certo comportamento ou de manutengao de uma vantagem para o proprio onerado" Assim entendida, a figura do énus juridico nao foi legalmente moldada para impor Geveres ou condutas: trata-se, somente, do estabelecimento de condi¢ao(des) ou pressuposto(s) para que o sujeito a ele adstrito obtenha uma vantagem ou a satisfagao de um interesse. Pense-se, num exemplo comum, no énus de o Réu contestar os factos apresentados numa petigao inicial de natureza civil: ele (0 Réu) nao tem qualquer dever juridico de rebater os factos que contra ele séo apresentados. Mas, se 0 nao fizer, nao obtera as vantagens processuais que a contestago Ihe confere. Feitas essas distingdes, a obrigaco em sentido técnico, segundo a definicao constante do art. 397.° do CC portugués, é apresentada como uma relagdo juridica por forga da qual uma (ou mais) pessoa(s) pode(m) exigir de outra (ou outras) a realizagdo ou disponibilizagéo de uma prestacao. Ou, numa outra formulagdo: “As obrigacées sao situagdes juridicas que tém por contetido a vinculagdo de uma pessoa em relagdo a outra a adogdo de uma determinada conduta em beneficio desta” Assim, deve conciuir-se que numa relacdo obrigacional se atribui um direito subjetivo a uma das Partes (0 credor), a que corresponde o dever juridico de conferir algo (a prestagdo) pela contraparte (0 devedor). Ou seja: a uma atribuigéo de um direito subjetivo ao sujeito ative corresponde a sujeigao do sujeito passivo a um dever juridico, que é a realizagao de uma prestagao. Anote-se que essa relacao obrigacional pode ser simples ou complexa: é simples se entre um credor e um devedor se estabelece um Unico dever juridico para satisfagdo de um direito subjetivo; sera complexa se a partir de um mesmo facto juridico se desencadeiam uma pluralidade de direitos, deveres ou estados de sujeigdo. Elementos constitutivos da relagdo obrigacional Digtakcasa com Camscanner Apresentam-se, comummente, quatro elementos essenciais na relagao obrigacional:os sujeitos (ativo ou passivo); 0 objeto, que corresponde a prestagao debitéria a cargo do devedor; 0 vinculo ou o facto juridico, que é 0 nexo que liga os sujeitos e que justifica a prestagao a realizar pelo devedor; ¢ a garantia. Vejiamos, em mais pormenor, esses quatro elementos. Os sujeitos Na sua estruturagao axial, a obrigagao é uma relagao bilateral, constituida por um credor, que € 0 sujeito ativo e titular do interesse que a obrigagao visa satisfazer; e por um devedor, o sujeito passivo, a quem compete adotar a conduta ou 0 comportamento devido para que o credor receba a prestagao. Esta delimitagdo basica admite, ainda assim, desvios: a) Em alguns casos, analisados em mais pormenor a seguir, admite-se que 0 devedor realize a sua prestagdo no perante o credor, mas, sim, perante tetceiro(s) — ver o art. 770.° do CC portugués. b) A obrigago pode ser, quanto aos sujeitos, plural: do seu lado passivo (varios devedores), ou do seu lado ativo (varios credores).. No que a pluralidade passiva importa, 0 CC portugués estabelece a regra da conjungo: sendo varios os devedores, presume-se que cada um deles o é em igual medida, apenas podendo o credor demandar de cada um deles a parcela da prestagao Ihe corresponde. No entanto, a lei ou a convengao das Partes podem submeter a pluralidade passiva ao regime da solidariedade, regulado nos arts. 512.° e ss. do CC Portugués. Se a pluralidade passiva for assim qualificada, 0 credor podera reclamar a cada um dos seus devedores a totalidade da prestagao debitéria Sendo a pluralidade do lado ativo — 0 que implica a existéncia de varios credores —, distingue-se nos arts. 512.°, n.° 1, e 519.9, n.° 1, do CC portugués: Digtakcasa com Camscanner — A solidariedade ativa, em que cada um dos varios credores pode exigir e receber do devedor a totalidade da prestacao, devendo posteriormente entregar aos restantes titulares ativos a parte que Ihes corresponde. — A pluralidade ativa conjunta, regime em que cada um dos credores pode, ta0- somente, exigir ao devedor a parte que Ihe cabe na obrigagao. Saliente-se, ainda, que a relagao obrigacional nao se altera pelo facto de mudar um dos sujeitos, seja ele credor ou devedor, no que ANTUNES VARELA denomina como a “persisténcia da obrigacdo, no obstante a alteragéo dos sujeitos". 0 objeto da relagao obrigacional O objeto da relacao obrigacional consiste “naquilo sobre que incidem os poderes do titular ativo da relac&o", ou seja, na prestacdo debitéria que € devida ao credor. Relativamente a este elemento da relagéo obrigacional, os Autores procedem as seguintes distingdes e esciarecimentos: a) A prestacdo, ou seja, a conduta a que o devedor esté obrigado consubstancia- se normalmente numa atividade: a entrega de uma coisa, a celebraco de um contrato, a prestagao de um servigo, etc. Contudo, a prestagao debitbria pode, também, consistir numa mera abstengdo, permisséo ou omissdo: séo as chamadas obrigagées de non facere. b) Numa outra perspetiva, diferencia-se, ainda, 0 objeto imediato da prestacao, que compreende a propria atividade devida e realizada pelo devedor, do objeto mediato da obrigagdo, que € a propria coisa entregue e em si mesmo considerada. Digtakcasa com Camscanner ©) O objeto da prestagao obrigacional deve, nos termos gerais, preencher os requisitos e as condigées especificadas no art. 280.° do CC portugués: deve ser determinavel, ser fisica e legalmente possivel, ser licito 4) Do ponto de vista da sua concetualizacao, € possivel identificar uma pluralidade de ciferentes tipos de prestaca 1- A prestacao pode ser de facto, se, no que tem de essencial, consistir numa atividade do devedor; ou de coisa, caso o fundamental da prestagao compreenda a entrega da coisa, relevando-se 0 objeto mediato da obrigagao. 2- A prestagao pode ser instantanea, caso a prestagao do devedor se realize num Gnico momento; ou duradoura, se, inversamente, a conduta debitéria for protelada no tempo. 3 - A prestagao pode ser fungivel, se puder ser realizada tanto pelo proprio devedor como por qualquer outro sujeito, sem que tal implique um sacrificio do interesse do credor; contrariamente, a prestacdo é infungivel, quando apenas 0 devedor possa executé-la, isto atendendo a sua habilidade, ao seu saber, & sua destreza, a ou quaisquer outras suas qualidades pessoais exclusivas. Desta qualificagao resulta que, nas prestagdes infungiveis, o credor pode recusar legitimamente a prestagdo que lhe seja disponibilizada por um terceiro que ndo © devedor. 4— Numa ultima destringa relevante, a prestacao tanto pode ser de resultado como de meios. Na primeira das modalidades, 0 devedor (apenas) se compromete a prosseguit uma determinada conduta de acordo com os seus melhores esforgos, qualidades e a legis artis, sem que, contudo, assegure a veriticagao de qualquer efeito. No exemplo cléssico, 0 médico que se compromete ao tratamento do seu paciente (e credor) esté apenas comprometido a desenvolver os seus melhores esforgos para obter a cura do doente. Diferentemente, nas obrigagées de resultado, o devedor compromete-se a que, através da sua conduta debitéria e da sua prestagao, o credor obtenha determinados beneficios. No também exemplo classico: 0 devedor que se compromete & entrega de um bem mével no domicilio do credor numa Digtakcasa com Camscanner determinada data incumpriré essa obrigagao se 0 credor no receber essa prestagao, independentemente do que poderdo ter sido os seus melhores esforgos. Facto ou vinculo juridico obrigacional No seu sentido amplo, facto juridico ¢ “todo o facto (acto humano au evento natural) produtivo de efeitos juridicos.” No Ambito das obrigagées, exige-se que as Partes estejam ligadas por um vinculo juridico que justifique que o devedor tenha que realizar uma prestagao e que 0 credor possa reclamé-la. Assim, é ‘através do vinculo que a ordem juridica estabelece entre o credor e o devedor’ que emerge a obrigagao. Em face da natureza bilateral do vinculo obrigacional, 6 necessario decompor as suas vertentes: — Na perspetiva do credor, ha um direito subjetivo relativo: o direito a obter a prestagao debitéria, quer seja voluntéria ou coercivamente, Deste modo, e por forma a assegurar a efetividade do direito subjetivo do credor, estabelece o art 817.° do CC portugués que, nao sendo a prestagao cumprida voluntariamente, 0 credor pode exigi-la coercivamente, através de uma agao de cumprimento. Assim, “o direito a prestagao é o poder (juridicamente tutelado) que o credor tem de exigir a prestagdio do devedor.” — Na perspetiva do devedor, ha o correspetivo dever de prestar, isto é, de realizar a prestagao debitéria nos exatos termos legal ou convencionalmente determinados. Desta sorte, “o dever de prestar ¢ a necessidade imposta (pelo direito) a0 devedor de realizar a prestagéo sob a cominagao das sangées aplicaveis a inadimpléncia’. Naturalmente, tanto 0 direito subjetivo a prestago como o dever de a realizar, que interligam dois sujeitos (credor e devedor), terdo que ser juridicamente fundados e justificados. Esses vinculos, denominados como fontes das obrigagées, serao tratados em capitulo auténomo que se segue. Digtakcasa com Camscanner A garantia Podemos definir garantia como “o conjunto de providéncias coercivas, postas 4 disposigao do titular ative de uma relagao juridica, em ordem a obter satistagao do seu direito, lesado por um obrigado que o infringiu ou ameaga infringir’ Efetivamente, a garantia, entendida nos termos da nogao apresentada, 6 um elemento constituinte da obrigago. Nem de outro modo poderia ser: a simples consagracao e explicitagao de um direito sem que, simultaneamente, se prevejam mecanismos para a sua efetivacao é um puro exercicio proclamatério inécuo e meramente formal. Numa formulagao pratica daquela constatagao: a satisfagao do interesse do credor, finalidade Ultima da relagao obrigacional, néo se basta com a mera prociamagao do seu direito; obtém-se, isso sim, pela tealizagdo da prestagéo devida. E, para tal, a ordem juridica consagra mecanismos coercivos, que atuam na falta da conduta voluntaria do devedor. Nao sendo possivel (ou admissivel) coagir 0 devedor ao cumprimento da obrigagao, deve ser 0 credor ressarcido pelos danos que o incumprimento do devedor Ihe provocou, A garantia geral das obrigagées. No que respeita &s garantias das obrigages, 0 CC portugués distingue entre a garantia geral, regulada nos seus arts. 601.9 a 662.°, e as garantias especiais, cujo regime se encontra nos arts. 623.° a 761.°. Na sistematizagao da presente obra, a apresentagao das garantias especiais consta de capitulo proprio e auténomo, para o qual se remete. O presente ponto e capitulo versa apenas sobre a garantia geral das obrigacées, que, conforme explicita o art. 601.° do CC portugués, consiste no patriménio do devedor. Tendo presente o contetdo daquela norma, qualquer credor pode fazer-se pagar Digtakcasa com Camscanner através dos bens do devedor: esse patriménio constitui a sua seguranga de ressarcimento em caso de incumprimento por parte do devedor ‘Sem embargo, 0 CC portugués impée algumas condicionantes no acesso ao patriménio do devedor. Desde logo, cada credor comum — isto é, todo aquele que nao seja titular ou beneficiério de uma garantia especial - esta sujeito a concorréncia dos demais. Regulando este ponto, o art. 604.° do CC portugués estatui a paridade entre credores concortentes; assim, cada um deles tem um direito id&ntico aos demais de se fazer pagar através do prego obtido com a venda executiva dos bens pertencentes ao devedor. Se estes bens se revelarem insuficientes para a satisfago integral dos direitos de cada um deles, deve ser entregue a cada credor 0 montante que proporcionalmente Ihe caiba sobre o prego dos bens do Gevedor — ver o art. 604.° do CC portugués. Por outro lado, e ja no ambito de normas estritamente processuais e aplicaveis numa fase executiva da cobranga de créditos ao devedor, estatui-se que alguns bens n&o podem ser subsumidos ao patriménio daquele. Donde deve concluir- se que a garantia geral das obrigagées é constituida nao por todo o patriménio do devedor, mas apenas pelos bens componentes desse patriménio suscetiveis de penhora Por forma a assegurar que o devedor mantém o seu patriménio ~ afinal, a garantia geral de ressarcimento do credor -, 0 CC portugués estipula quatro meios de conservagao da garantia patrimonial geral: 1— Declaragio de nulidade (art. 605.° do CC portugués) Contere ao credor uma legitimidade processual para invocar a nulidade de atos praticados pelo devedor (com base noutros institutos previstos na lei, como por exemplo uma simulagdo, um erro, a coagao, etc.), mesmo que essa conduta seja anterior a constituigao do crédito ou nao implique a insolvéncia do devedor. 2 — Sub-rogago do credor ao devedor (arts. 606.° a 609.° do CC portugués) Digtakcasa com Camscanner Permite ao credor substituir-se ao devedor em relagées crediticias em que este Ultimo seja credor. E, assim, um mecanismo que se destina a reagir contra omissées do devedor suscetiveis de fazer perigar a garantia patrimonial dos credores. Num exemplo: A é credor de B. Por seu tuo B, numa outra relagao juridica, € credor de C. Neste tipo de situagées, A terd todo o interesse em que B exerga o seu crédito sobre C, uma vez que aumentara o seu patriménio e, portanto, a garantia geral de cumprimento. Contudo, B pode nao exercer esse direito sobre C, até porque tal sé beneficiara 0 seu credor A. Face a essa omissao de B, 0 ordenamento juridico portugués confere a A 0 direito de substituir B na cobranga do crédito perante C. Para que possa ocorrer uma sub-rogago do credor ao devedor, séo necessarios 08 seguintes requisitos: a) Uma inércia do devedor no exercicio do seu crédito com um terceiro; b) Que esse direito de crédito nao tenha uma natureza pessoal, mas, sim, patrimonial; ©) Que 0 exercicio da sub-rogacao seja imprescindivel para que o credor consiga a integral satisfacdo da sua pretensao 3 — Impugnago pauliana (arts. 610.9 a 618.° do CC portugués); A ago pauliana tem em vista permitir ao credor impugnante uma reagdo contra atuagdes do seu devedor capazes de colocar em perigo a respetiva garantia patrimonial. Num exemplo: A € credor de B, que € proprietario do imével x, patrimonialmente avaliado em 200 000 euros. B vende a C esse imével x por 120 000 euros. Esta venda prejudica 0 credor A sob dois prismas: desde logo, porque o patriménio de B diminui; e, também porque o patriménio pecuniario é mais facilmente dissipavel do que o patriménio imobilidrio. Para a procedéncia da ago de impugnacao pauliana exigem-se os seguintes requisitos: a) Que © ato praticado pelo devedor seja lesivo ou prejudicial para o seu Digtakcasa com Camscanner Patriménio, isto é, tem que representar uma diminuigao da garantia patrimonial do crédito; b) Que o ato que se pretende impugnar nao tenha uma natureza pessoal, mas, sim, patrimonial; c) Que 0 ato que se pretende impugnar seja gratuito; ou, se oneroso, que tenha sido praticado de ma-fé, Para efeitos da impugnacao pauliana, considera-se ma- 16 a consciéncia do prejuizo que 0 ato causa ao credor, e nao propriamente a intengao de prejudicar este itimo; d) Que 0 ato que se pretende impugnar seja posterior & constituicéo do crédito, ou seja, ao estabelecimento da relagao juridica entre credor e devedor. 4— Arresto (arts. 619.° a 622.° do CC portugués) Com o arresto produz-se uma apreensao judicial de bens a favor do credor que ‘tenha justo receio de perder a sua garantia patrimonial. Trata-se, portanto, de uma providéncia cautelar que pode surgir antes ou durante a ago principal. E, assim, uma medida preventiva, que permite a um credor obstar a livre disponibilidade dos bens do devedor, por forma a garantir que aquele mantem o seu patriménio. Digtakcasa com Camscanner

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