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O BRASILEIRA NO SECULO XX ee ere gon no José Claudinel Lombardi ne DIRETOR GERAL. ion Masala Je ‘COORDENACAO EDITORIAL. Win F Mighion COORDENAGAO DE REVISAO E COPYDESK Alice &. Gamer REVISAO DE TEXTOS Helena Moysés EDITORAGAO ELETRONICA Fabio Diego da Siva Tiane de Lima capa, Camila Lagoero Dados Internacionas de Catalogagio na Publicasso (CIP) (Cimara Brasileira do Livro, SP, Brasil) ‘A Fducago brasileira no séeulo XX e as perspectvas paraoséeulo XXI organizadores ‘Amarlo Ferreira J, Carlos Roberto Massa Hayashi, José Clandin’ Lombard. Campinas, ‘SP: Editor Anes, 2012 Varios autores, ‘sbligraia 1. Bdueagao- Bra 2. Educagoe Estado = Brasil 3 Politica ¢educapao- Brasil, Ferri “iio, Amaro. U. Hayasi, Carls Roberto ‘Masao, I. Lombard Jose Claudine. 2.05107 cpp 379.81 Indices para Catilogo Sistemtico 1. Brasil: Politica educacional 379.81 ISN 978.95-7516-554.6 “od 05 dtcitos eeservados & Editora Alinea ‘Rua Tradenes, 1053 - Guanabara ~ Campinas SP (CEP 3023-191 - PBX: (19) 3232.9340. 3232 0047 swwwatomoealineacom.br Impresso no Brasil, Apoio CGpo de Estos e Pesquisas, His, Sociedade Edueago no Brasil SUMARIO Apresentagio. 7 Capituto 01 Marxismo, Edueaglo e Pos-modernidade: amid etrospestiva da pesquisa educacional a partir do século XXP wl ‘Maria Cristina Pumtbatolnocenn Hayashi, dmariio Ferra te. -Mircio Coelho ¢ Carlos Roberto Massao Hayashi Capituto 02 Edvcaho,mpralisnoe Penpentivas em Tempos de Tus breves consideragdes, sons 55 José Claudine’ Lombard Capituto 03 ‘A Educagao Brasileira no Século XX: um balango ertieo. » Marisa Bitar Capitulo 04 Estudos sobre a Desigualdade Escolar no Brasil. 107 Ester Buffa Capitulo 05 Possibilidades para a Educagdo do Sévulo XXI Contribuigdo para os debates sobre curriculo escolar. son 9 ‘Mara Regina Martins Jacomeli Capitulo 06 ‘A Formaedo Humana por Meio da Educagao Escolar no Século XXI: © ensino usurpado e a escola desconstruida, 7 Alessandra Arce Capitulo 07 (O Trabalho e a Educagao nas Entrecruzilhadas da Sociabitidade Produtiva com a Formagao Humana... 159 Eduardo Pinto e Silva Capitulo 08. A Edlucagao das Camadas Populares: o repensar da pratica cotidiana.. sennnnnennes IID Luis Bezerra Neto e Maria Cristina dos Santos Bezerva Capitulo 09 Adolescentes ¢ Jovens em Escolas Pablicas de Ensino Médio em Sao CarlosiSP: perfil socioecondmico € a questo da violencia... 201 Roseli Exquerdo Lopes, Carta Regina Silva, Beauriz Rocha Moura ¢ Jorge Oishi Sobre 08 AUOFES sen 235 APRESENTACAO Accriagio do HISTEBR, em 1986, na Universidade Fstadual de Campinas, foi fruto do confexto singular do final da ditadura militar ¢ da organizagio da sociedade brasileira, correspondendo, no-plano académico, 4 efervescéncia politica que o Brasil vivia na década de 1980, Desde entdo, o campo da produgo do conhecimento em educagao assumiu contorno mais complexo sobressaindo protagonistas coletivos, ‘como as associagdes cientifico-académicas ¢ os Grupos de Pesquisa. :mblematicamente, dentte tantos, podemos destacar trés momentos marcantes da organizagdo académico-cientifica nessa déeada impar da hist6ria do Brasil: em 1984, coincidindo com o siltimo ano da ditadura 1 ctiagio da ANPEd, principal entidade da area; em 1986, a criagao do HISTEDBR, que postulou a importincia da dimensto tedrico- -metodolégiea das pesquisas em edhucagao contrapondo-se as tendéncias ‘pés-modemas; finalmente, em 1989, fechando a década, a fumdagio da Associagao Brasileira de Histéria da Educagto (SBHE). Quando o Grupo de Estudos e Pesquisas “Historia, Sociedade ¢ Educago no Brasil” - HISTEDBR -, fundado e dirigido na UNICAMP por Dermeval Saviani, José Luiz Sanfelice e José Claudinei Lombardi, estava prestes a completar os seus vinte anos de existéncia ¢ ja contava com niileos difinlides por quase todo o pats, um grupo de professores dda Universidade Federal de Sie Carlos (UFSCar) comegou a pensar na sia extensio para esta universidade como meio de enriquecer a vida académica do Centro de Educagio e Ciéncias Humanas. Contando com © apoio do professor José Claudinei Lombardi, Coordenador Executive do Grupo, em dezembro de 2004 os professores Marisa Bittar, Amarilio Ferreira Ir, Roseli Esquerdo Lopes, Paolo Nosella ¢ Ester Bulla criaram o HISTEDBR/UFSCar, 03 A EbucacAo BrASILEIRA No SECULO XX Um balan¢o critico Marsa tar Introdugao O século XX foi marcado por um trago ideoldgico determinante: 4 polarizagio entre capitalismo ¢ socialismo. Essa dualidade marcou todos os aspectos da vida social e se refletiu na histéria da edueagao brasifeita, Foi um século complexo ¢ j4 definido como “breve” ¢ também como “longo” depenstendo do ponto de vista que se adote e vin transcorrer duas guerras mundiais, A segunda delas matou 55 milhdes Soviética, Um século de pessoas, dos quais 20 milhées e meio na Ui que inauguroue finalizoua experiéncia do socialismo real, que assisin a descolonizagio da Africa e Asia, que instautou a Guerra Fria, ividindo ‘© mundo em dois blocos, um século que germinou totalitarismes, ‘mas que também viu florescer movimentos libertérios, um séeulo de ‘ragédias, mas também de esperangas. Para Erie Hobsbawm, foi um séeulo inerivel, marcado pela enorme expansio da populagio humana € da tecnologia, pelos extraardindrios conflitos, nfo apenas as grandes ‘querras, mas a violéneia de maneira geral. Pois, 80_Maisa Bitar howe um tempo em que as guerrastinam como alvo apenas as forgasmiltares do iimigo, 0 dado comum nao estava ameacado; hoe, 0s civis sao indiscriminadarente atacados. Também na vida privada na sociedad cil, no exter mais regras para a violencia. Se voc@ anda a noite por uma cdade, no sabe se cegar.asalvo em «casa ou se ndo chegaré (Hobsbawn, 1995, p. 7) Em se tratando de um séeulo de extremos, portanto, de contra- digdes, de desgragas ¢ de avangos, de sofrimentos ¢ de esperangas, foi também 0 séeulo das eriangas e das mulheres, das massas e da téeniea, Conforme definiu Franco Cambi (1999), folumséeulodramitico,conflituoso, radicalmente inovador em cada aspecto da vida social em economia, em politica, nos comportamentos, na cultura (p. 509). Esse autor acrescenta que o século XX, na esteira das revolugdes dos séculos XVIII e XIX, aprofundou a tendéncia caracterizada pelos direitos. Segundo ele, vivemos a época dos direitos, do seu reconhecimento teérico e da sua afirmagio pratica Sio direitos do homem, do cidado, da crianga, da mulher, do trabalhador, depois das etnias, das minorlas, dos animals e da natureza, num processo que desde 1789 se expande de modo concéntrico e ndo-tinear (mas com andamentos em ziguezague) para inclu aspectos cada vez mais amplos e também distintos do homem, para tutelar sua existénciae especifcidade. Estamos talvez diante do aspecto mais nobre, mais raciona, mais iuminista até, da época moderna, que serve um pouco de contracanto ede corragio para aquele status de tragédia que & tpico da histria contemporsinea entre industrializacao e revolucées (p. 379) Nesse complexo século, surgiram, também, novos sujeitos eduea- tivos, principalmente as eriangas ¢ as mulheres. Para nés que nos dedicamos & Histéria da Educagao, reportando- -nos as primeiras agdes educativas de que temos noticia nas soviedades ocidentais, desde os poemas de Homero ¢ da defesa, por Aristoteles, de uma edu i¢fo a cargo da polis, fica nitido que a educagao, talvez, nunea tenha sido {Ho impregnada pelas marcas de seu tempo como no século XX. No casa da educagio brasileira, como mostearam Ester Bua ¢ Paolo Nosella no livro Edueagdo negadla (1991), ela transcorrew A educagao Massa na Scudo 81 mento pendular que determinou os momentos de debate © 05 de retrocesso, conforme os regimes pol 1s que 0 Brasil viveu, preponderando periodos de autoritarismo. Essa interpretagio confirma a analise de Manacorda, segundo a qual, a pedagogia, desde o séeulo XIX, vinha adquitindo, cada vez mais, feigdo social e politica A propésito da relagio entre politica e pensamento pedagé Manacorda (1995) assinala que o fato novo do século XX foi o socialismo, ‘que assumiu crtieamente todas as instincias da. burguesia Progresssta, censurando-a por no té-as aplicado conseqtien- temente; acrescentou-hes de préprio uma concepgdo nova dda relagio instrugao-trabalho (0 grande tema da pedagogia moderna), que vaialém do somatério de uma instrugio tradicional ‘mais uma capacidade profissional etende a propor a formacio de ‘um homem omallateral. Tudo ise em hipStese, como proposicio ‘deal, porque no socialsmo real é extremamente érduo aplcar ‘esse ideal. Assim como 6 arduo no liberalsme e na democracia, reais aplicar 0s Ideas liberais e democriticos(p. 313) Quanto ao debate pedagogico, ainda segundo este autor, [J 6 nosso século assist a um fecundo dillogo, direto ou & distincia, entre pensadores liberaldemocriticos ou burgueses (lato sensu) © pensadores © pedagogos socialists (embora as etiquetasrepugnem): dalogo em que hi momentos de encontro «© momentos de choque (p. 313). Assim, no século XX, 0 marxismo ndo rejeitou, mas assumin as conguistas ideais e priticas da burguesia no campo da instrucdo: universalidade, Inicidade, estatalidade, gratuidade, renovagao cultural, assungo da tematiea do trabalho, como também a compreensdio dos aspectos literirio, intelectual, moral, fisico, dustrial € eivico, Segundo ‘Manacorda (1995), 0 que o marxismo actescentou de préprio, além de dade de realizar estes uma critica contundente burguesia pela ineaps seus programas, foi uma assungo mais radical e consequente destas premissas © uma concepgio mais orginica da unido instrugio-trabalho na perspectiva ‘oweniana [de Robert Owen] de uma formacio total de todos os homens (p.296) 82_ Marsa Bitar ‘Tendo esbogado esse panorama, o balango critico da edueagio brasileira no século XX ser aqui focalizado em duas dimensdes: 1, a construgtio do sistema nacional de escolas piiblicas no Brasil; 2, a constituigao da pesquisa em educagdo brasiteira & sua relagtio com a escola piblien A construcao do sistema nacional de escolas piiblicas no Brasil: uma tarefa inconclusa Diferentemente da Europa Ocidental que consolidou a escola no século XIX, lornando-a a instituigio mais presente na vida social das ‘comunidades, o Brasil ficou muito aquém disso, Tanto é assim que, para Dermeval Saviani, a educagio brasileira do século XI deverd cumprir ‘tarefa do século XIX, isto 6, alfabetizar toda a populagao. & importante comegar com esta premissa para reforgar @ compreenstio sobre a defasagem educacional com que © Brasil ingressou no século XX. Basta Jembrarmos que em 1900 o Pais tinha 65,3% de analfabetos (mais de 15 anos de idade) e em 1970, com uma populagao de 94.501.554 habitantes, amalfabetismo era de 33,1%, segundo Otaiza Romanelli, em cujo livro se Ié que, em 1888, tinhamos 250.000 alunos para uma populagdo de 14 ‘mithoes de habitantes (Romanelli, 1986, p, 64). Ao contritio do que ocorreu durante 0 século XIX nos paises ccidentais nos quais, conforme Cambi (1999), a instituigdo escolar se tormara. quase um centro de gravidade da vida social (p. 381), no Brasil cla era quase ausente, Naqueles paises, 0 séeulo XX foi o século da expansfio de direitos e da democratizago da educagio. Aqui, em um pais eminentemente agrério, rural e mareado por 300 anos de escravidio, somente se comegou a erigir um sistema nacional de educagto na década «de 1930, provesso tardio que esteve em consondncia com a construsio do Estado Nacional, como analisou Octivio fanni (1979), para quem, desde a RevolugZo de 1930 0 estabelecimento do Estado Novo, os deseavolvimentos do poder pilblico revelam a acentuacio dos seus contetdos A Educacio Basie no SéculoXX_83 bburgueses em confronto com os elementos socials, culturas ¢ politicos de tipo ligrquico vigente nas décadas anteriores (p. 13) Foi a década de 1920 com sua efervescénecia politica e cultural que definiu os rumos da sociedade brasileira e © tipo de Estado que teriamos apés 1930. Ela gerou o tenentismo e a crise das oligarquias tradicionais; movimentos artisticos ¢ literrios. que inauguraram: uma nova interpretagdo do Brasil; a representago politica do nascente operariado urbano; eno terreno educacional, a eriaglio, em 1924, da Associagao Brasil ra de Educagio (ABE), que viria a ser reduto da Escola Nova polarizando com o pensamento catdico, que se enraizara na educagdo brasileira desde © Ratio Stuiorun (1599). Comegacia ai 0 século de reformas e debates na educagdo brasileira Na imbricagao entre politica © educagio, tipiea relagio desse contexto histérico, o Estado Nacional foi-se consolidando no Brasil «em meio ao debate pedagégico & a movimento renovador. No fmbito institucional, tivemos a etiagdo do Ministério da Educagio (1931), enquanto @ ABE representava a expressdo organizativa dos educadores, ou seja, 0 movimento da soviedade civil que ia se delineando. eriaglo da Associagao Brasileira de Educagio (ABE) representou, no campo a educagio, a contestagdo politico-ideologiea que ocorria em outros selores da vida social durante a déeada de 1920, De fato, em 1918, tove cio © movimento tenentsta, que colocou em xeque a Repilblica dos coronéis (1889-1930), expondo um rol de reivindicagGes centradas na moraidade pl Etupo de operdvios, 0 Partido Comunista Brasileiro, primeira expresso tea © no voto secreto; em 1922, foi fundado, por um organizativa da classe (rabalhadora urbana brasileira; também naqueles anos acontecera @ Semana de Arte Moderna, um marco na histéria da arte brasileira do século XX, ‘Quanto d educagao, ainda com hegemonia do pensamento catélico, desde a criagao da ABE, comegou a ser mareada pela eoncepeao que ficou conhecida como Escola Nova ¢ eujo maior te6rico foi o norte-americano John Dewey. Desse modo, a década de 1920 germinou movimentos que promoveriam um novo desenho na vida p , constituindo-se, 84 Marsa Bitar por isso, em uma década devisiva da historia do Brasil. De certo modo, podemos dizer que ela forneceu o fermento ideol6gico para 0 que viria acontecer nas d&cadas posteriores, especialmente nos anos 30, época de alta efervesc@neia e tensSo politica na qual a educagio foi arena de disputas ideologicas, conforme esereveram Simon Schwartzman et al (2000): A partir da década de 1930, no entanto, os componentes ideoligicas passaram a ter uma presenca cada vez mais forte na vida politica, a educagio seria a arena principal em que o ‘combate ideol6gico se daria (p. 69) Esse combate ficou mais explicito quando o manifesto de 1932, cujo titulo oficial & 4 reconstrugdo educacional no Brasil ~ ao povo e ao _governo, consignou a expressiio do pensamento pedagdgico liberal. Os 26 intelectuais que o assinaram no pouparam a Repiiblica por nfo ter implementado a escola piiblica no Pais, criticando também as reformas parciais, como podemos ler: Se depots de 43 anos de regimen republicano, se der um balango ao estado actual da educagio publica, no Brasil se verificard ‘que, dissociadas sempre 2s relormas econémicas @ educacionas, que era indispensavel entrelagar © encadear, dirigindo-as no ‘mesmo sentido, todos os nossos esforgos, em unidade de plano fe sem espirto de continuidade, mio lograram ainda crear um sytenna de organizacio escolar altura das necessidades modernas fe das necessidades do paix. Tudo fragmentirio © desaticulado (Azevedo, 1990, p. 54). Iniciando com a afirmagtio de que na hierarquia dos problemas racionaes, nenhum sobreleva em importincia e gravidade a0 da educacio, (Azevedo, 1990, p. 54) 0 manifesto defendia escola sinica dos 7 aos 15 anos ~ edueagio integral ~ a cargo do Estado, a laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducagio como principios sobre 08 quais deveria assentar a escola unificada, Foi o bastante para ser combatido pela Fereja, Catétiea, ‘Ao mesmo tempo em que postulava uma escola piblica para todas as eriangas dos 7 aos 15 anos de idade, 0 manifesto inawgurou um nove A Educarto Basiera no SéculoS\_ 85, ‘momento no pensamento pedagégico brasileiro, isto é, na mudanga de influéncia que se opera nesse pensamento, até entio de matriz europeia (desde 0s jesuitas), e que passa a ser influenciado pela mattiz norte- americana, Mas, na prética, a escola pouco mudou, Mesmo nos EUA, as experiéncias educativas novas pouco conseguiram atingir a rotina da escola oficial, mas se caraeterizaram como um grande ¢ generalizado movimento de democratizagio da educacio (Manacorda, 1995, p. 311). No Brasil, onde nao havia sequer sistema nacional de educagiio, € interessante notarmos « defesa que dete fazem os liberais de 1932 ¢ isto porque estabeleciam a educagdo como fundamento da construgio dda naga, uma relagd tipicamente ideatistae liberal, posto que deixava em segundo plano a base econdmica na qual deveria se assentar esse sistema, ou melhor, a base econdmica que permitia a auséncia de sistema nacional de educagio. A propésito, muito ja se escreveu sobre & importincia, as motivagdes ¢ as distintas concepgdes tebricas dos seus vinte © seis signatérios. Nao nos cabe, aqui, voltar a esse rico tema da pesquisa em educagdio brasileira. Oportuno ¢ frisar,no entanto, que, embora crtieado quanto aos seus apelos psicoligicos & defesa do método ativo, esse documento preconiza uma ideia de escola piibliea ¢ igual para todas as criangas © adolescentes. Uma ilusio progressista? Uma ideia fora do ugar? Varios estudiosos jé se debrugaram sobre este tema to presente nas pesquisas em educagdo brasileira. O certo é que o embate entre liberais¢ catslicos atravessou as décadas, mesmo que reprimido durante a ditadura de Vargas (1937-1945). Enquanto o debate prosseguia, pouco fazia o Estado pela cedificagao de um sistema nacional de eseolas plilicas, deixando a maioria das eriangas € adolescentes sem acesso a esse direito, Ji as poucas escolas existentes, caracterizavam-se pela boa qualidade. De Fito, ‘maior parte dos estudiosos afirma que, em matéria de educaga0, o Brasil dessa primeira metade do século ficou mareado pelo rigor ¢ seriedade das Escolas Notmais ¢ dos Grupos Escolares. Para Paolo Nosella, por exemplo, 86_Mavsa ear ‘2 velha Escola Normal, primiriae secundaria, fla forma didtica mals importante para a preparacio de educadores da Primeira Republica. Essa escola marcou profundamente @ meméria brasileira. [.] AS normalstas de azul e branco permanecem na meméria de muitos (Nosella, 1998, p. 49). Essa formagdo de qualidade, no entanto, contrastava com a auséncia de escolas para todos, pois, no dizer de Jorge Nagle, as Escolas Normais destinavam-se as mogas burguesas da época ‘A expanso quantitativa da escola piiblica brasileira, fenémeno tardio que s6 comegou na década de 1970, esté associada ao regime militar, Foi a reforma de 1971 (Lei $692) que ampliou de quatro para ilo anos a cola obrigatstia como fator essencial para que o Brasil se tomasse “grande poténcia”, conforme o jargio militar, pois © modelo de desenvolvimento capitaista preconizado pelo regime requeria uma base de escolaridade, Mas essa expansio no se fez acompanhar das condigdes necessfiias a aprendizagem e, desde entio, 0 panorama da escola piblica brasileira passou a ser o dos prédios precétios; salas lotadas; turnos intermedirios; baiva remuneragio dos professores, Esses aspectos indicam que © regime militar praticou 0 prineipio segundo 0 qual, para as camadas populares, qualquer escola bastaria, Ademais, a cexpansiio fez surgir uma nova categoria de professores que, submetida 20 arrocho salarial, se depauperou materialmente © adotou formas de futas tipieas do protetatiado como a organizagdo sindical, desde que passou 4 afuar contra a ditadura, Inversamente as perspectivas acalentadas nas lutas pelo final desse regime, essa situagdo se agravou, especialmente na década de 1990, com a adogto de politicas neotiberais iniciadas por Femando Collor de Mello ¢ continuadas nos govemos de Femando Henrique Cardoso (1995-2003). © resultado no poderia ser mais grave: em 1997, dados do IPEA indicavam que 25 milhes de pessoas economicamente ativas se encontravam, pelos padrées emergentes de qualidade educatva, em stuacio de infraescolardade, ou seja, com um acervo de competéncias cognitvas Sociais inferiores & que corresponderia as pessoas que tivessem completado, Aducarao Basena na culo X87 ho minimo, quatro anos de escolarizacio mediana (IPEA, 1997, p. 97). Ainda segundo esses dados, a taxa de escolarizagio do grupo etario de 7a 14 ‘anos que, em 1940, era de menos de 30%, chegava a um patamar préximo ‘da universalizagto: 88,5%. A taxa média de escolatidade ~ medida pelo nnimero de anos de estudos completados ~ situava-se em 5,4 anos de estudos, ou seja, no atingia 0 estabelecido peta lei de 1971: oito anos de cescolaridade obrigatéria, A “era FHIC”, designagao desses dois governos, foi bem-sucedida na universalizagio desse nivel de ensino, além de ter instituido © Fundo de Manutengaio e Desenvolvimento do Ensino Fundamental ¢ de Vatotizagio do Magistério (FUNDEF), que reduziu diferengas regionais © estabeleceu um piso para os gastos estaduais © municipais com o ensino fundamental. Outra medida foi a reabilitagao do Instituto Nacional de Estudos Pedagogicos (INEP), a0 qual foi acrescide © nome de Anisio Teixeira, ue ficou incumbido das estatisticas da educagio no Brasil e de trés avaliagdes do ensino: o Saeb (sistema de avatiagio do ensino basico); © Enem (para concluintes do ensino médio) ¢ os exames nacionais para cursos de gradagao, conhecidos como “provi”, que foram rejeitados pelo movimento estudantil ¢ docente da época. A escola, no entanto, continuou ineficiente, e, além disso, ocorreu retracesso nas relagdes entre Estado e professores universitirios do sistema piblico federal, que ficou estagnado, fato que gerou longas € recorrentes greves, © fiacasso silencioso © crescente do sistema educacional prablico ao fongo do século contrastou como burburinko dos debates, disputas ideolduieas entre correntes pedagéaicas distintas € presses sobre o Estado, Essa movimentagio no plano das ideias © as sucessivas rupturas institucionais no plano politico (golpes de Estado, ditaduras, momentos breves de democracia) explicam a profusdo de reformas durante 0 século XX. Tivemos as germinadas em momento de eferveseéneia politica e relativa liberdade, mas implementadas por govemnos autoritérios, como a reforma Capanema (1942-1946), a reforma universitiria de 1968 © a lei 5692/1971. Depois tivemos movimentos pela democratizagao da educagdo que se intensifiearam 88_Marsa gtr apés a ditadura, Finalmente, na década de 1990, tivemos as reformas guiadas pela cartitha que ditou a diminuigio do papel do Estado nna educagZo piiblica, Apesar da abundéncia de reformas, a escola publica atual nao atende minimamente aos seus objetivos bisicos As avaliagdes governamentais jé constataram que as nossas criangas € jovens, depois de oito anos de escolaridade obrigatéria, deixam a escola mal compreendendo o idioma patrio. Além disso, carregamos ‘© maior fiasco da politica educacional brasileira no sculo XX: a nto erradicagto do anaifabetismo, ‘A continuidade da expansio quantitativa no contexto de globa- lizagio © das politicas neoliberais enfraqueceu o sistema escolar, especialmente na déeada de 1990, que revelou claramente 0 bindmio no, caracteristicn universalizagio de acesso x ineficiéneia do en mareante da educagao brasileira nas tltimas décadas do séeulo. Nesse sentido, © govemno de Luiz Indcio Lula da Silva (2003-2010, dois mandatos) fez a diferenga, pois promoveu o erescimento econdmica do pais ¢ a diminuigao da pobreza por meio de politicas de inclusio. Na edueagfo, deu sequéncia A expansio quantitativa, atingindo Finalmente a universatizagao do ensino fundamental, situagdo longe de set alcangada pelo ensino médio. Quanto ao ensino superior, ampliow as matriculas nas universidades federais, nas quais insttuiu cotas para ingresso segundo a légiea das agdes afirmativas, além de ter recuperado © salario © melhorado a carreira dos professores. Prosseguindo a tendéncia anterior, o govemo federal continuou tragando politieas para 4 escola piblica, como a instituigo do piso nacional para 0 salério dos professores, reivindicagdo do movimento docente desde 8 ditadura militar, Além disso, apesar das dcidas criticas a “era FHC”, manteve 4 politica de avaliagao nos trés niveis de ensino, mudando de nome © “provao”, Fez muito ante a heranga recebida, 0 que ainda é poueo ante as urgéncias do séeulo XI. A Educagao dasiora no Século®\_89 A pesquisa em educacao e a escola publica brasileira no século XX Desde as décadas de 1920 e 1930 vem se cor da pesquisa em educagio no Brasil, A fundagdo da Associagao Brasileira de Educagio (ABE), em 1924, como vimos, foi um marco importante itwindo o campo desse provesso por significar a organizagio de uma parte dos edueadores ‘em termos tedricos. Ela inaugurou uma fase de debates e eferveseéncia de ideias pedagégicas, interrompidas com o golpe de Estado de 1937 ©, depois, com o golpe militar de 1964, No interregno desses dois golpes, 0 Brasil vivew a fase denominada redemocratizagio (1946- 1964), durante a qual desenvolveu-se o mais importante pensamento pedagégico brasileiro, o de Paulo Freire. Todo o dinamismo no plano das ideias contrastou, porém, com a ago do Estado, que foi muito lenta « insuficiente para eriar escola para todos. Tanto & assim que chegamos 1960 com os segaintes niimeros (Quadro 1) fornecidos por Otaiza Romane (1986): Quadro 1. Dados populacionsis e de escolaridade oo Brasil em 1960 (em milhes de habitantes), Populagiodo pals 7an1907t Populacio de 5a 19 anos deidade 25877611 Matricuas ne primar 7as8002 Matriculas no ensino medio 17.27 Total dematiculas 3635.29, [Anatebetismo (15 anos e mas) 39.35% da populagio Taxa de ubanizagio em 1960 45.2% A influéneia da Escola Nova nesse periodo foi nitida © os cconflitos entre catdlicos ¢ liberais se estenderam, pelo menos, até a LDB de 1961. Assim, a década de 1960, nos seus primeiros anos, assinalou o jo da pedagogia nova. Mas enquanto os acitrados debates auge € 0 dec! transcorriam, a escola primétia permanecia elitista, tanto € assim que Anisio Teixeira designou os concluintes do primério de 1944 a 1953 de “nossos doutorezinhos”, to infimo era © nimero dos que conseguiam 90 Matsa Bitar coneluir as quatro séries. Sua constatago resultava do exame dos dados ‘de matricula nas quatro séties. De acordo com estes, o ano de 1953 exibiu ‘um total de 4.142.318 matriculas, dos quais 336.196 cursaram @ quarta série, mas apenas 243,652 conseguiram conelui-la, Com tais niimeros, nfo & preciso ir muito longe para compreendermos o porque da critica de Paulo Freire, em 1961, quando definiu a escola primria brasileira como insuficiente quanto a0 aspecto quantitativo einadequada quanto a0 todo (Preite, 1961). Foi nessa época que a tendéncia histériea de baixa oferta de eseolas no Brasil entrou em colapso porque o Pais comegava a viver a transigd0 de uma sociedade rural-ageéria para urbano-industral e essa nudanga estrutural provocaria graves consequéncias para o aparelho escolar, insuficiente © inadequado. Uma sociedade urbana passava a requerer mais sistematicamente a escola, mas esta 36 existia para poucos. Foi na confluéncia desses fatores que Paulo Freire formulou ‘0 seu método de alfabetizagdo de adultos. O seu livro Edueagiio como ritica da liberdade evidencia que a alfabetizagao era apenas um aspecto de uma proposta pedagégica mais ampla enraizada na tradiio mais auténtiea do existencialsmo crstdo, em didlogo com algumas contribuigdes do marxismo (Gaviasi, 2007, p. 332) ‘Segundo Paulo Freire, o papel da educaga0 em uma sociedade em transito era muito importante. Ele interpretava o Brasil da época como uma sociedade deixando de ser fechada para ser aberta, A sociedad fechada se caracterizava por ser rural ¢ sem experiéncia democritica ¢ de acordo com ele eaminhava para ser aberta, ou seja, com partcipagao do povo na vida nacional. A esse transito de uma sociedade fechada para sociedade aberta correspondiam niveis de consciéneia da populagio. ‘Trés eram esses niveis: a consciéneia intransitiva, ou seja, migiea & ingénua,tipiea da sociedade fechada; a conseiéneia transitivo-ingémua, tipica da transigio; , finalmente, a conscigneia transitivo-critica, caracteristica de sociedades democriticas. Para Paulo Freire, a passagem da consciéncia mégiea para a conseiéneia transitivo-ingémua decortia dda mudanga provocada pelo processo de urbanizagao e industralizagao A tucagio Base no Sécula x 91 do Pais, processo este que produzia rachaduras na sociedade fechada provocando a emersio do povo na politica. Diferentemente, a passagem da conscigncia transitivo-ingénua para a consciéneia transitive-critica do avonteceria automaticamente, mas dependeria de um trabalho educative voltado intencionalmente para esse objetivo. Era esse process que exigia a importancia da educag30 como instrumento para promover a passagem da consciéneia popular do nivel transitivo-ingémuo para onivel transitivo-ertico. Dai a elaborago de sua proposta pedagéica na qual a alfabetizagdo era um dos aspectos centrais considerando o nosso contexto ‘quase sem escolns. partir de elementos histrico-antropolégicos, Paulo Freire compae neste livro quatro eapitulos A sociedad brasileira em transigio; Soviedade fechada c inexperiéncia democritica; Educagio versus massificagio; Educagdo e conscientizagao. Como apéndice, temosa exposigao do scumétododealfabetizagio, ‘com as figuras que © compunham, ‘Trabalhando com pares de conccitos antitéticos como sociedade fechada x sociedade em transito, elite superposta x elite integrada, sectiio x radical, esmagarx convencer, massa x povo, para o povo x sobre © pov, ‘conscigneia intransitiva x conseinein transitva, polémica x didlogo ete., ‘ passagem estaria ocorrendo da primeira para a segunda forma social, Era «essa @ expectativa do autor quando atuava nas experiéneias de educagio popular, mas ao escrever o livro,jé exilado no Chile, 0 Brasil voltava a viversob regime fechado, o que contratiou inteiramente as suas previsdes de trdnsito para uma sociedade aberta, Um revés que pegou a muitos de surpresa, conforme escreveu Francisco Wellort (1978) no Pref Livro, airmando que o golpe de abril de 1964 se abateu sobre o governo ‘populista como um rato em eéu azul (p. 25). Numa visto panorimica, a obra de Paulo Freire, em seu conjunto, do ‘uma vez que se caracteriza por procurar compreender o Brasil mais pelos estados de consciéneia da populagio do que polas estruturas, embora 92_Mansa vitae contenha nitidas aproximagdes com 0 marxismo, ao longo da segunda metade do século XX, foi considerada como uma espécie de Escola Nova pelo pensamento marxisia académico, como no livro Escola € democracia, no qual Dermeval Saviani (1983) aborda a questio da incorporagio do método “escolanovista” por correntes que se propuseram a aprimorar a educagio das massas(p. 70). Ji em seu revente livro Histéria da idéias pedagégicas (2007) escreveu: ‘Com efeito, mais do que classicd-o como escolanovista, destaca-se aio seu empenho em colocar os avancos pedagéglcs preconizados pelos movimentos progressstas a servigo da educacio dos trabalhadores e nfo apenas de reduridos grupos de elite (p. 332-333) Postulando a necessidade de anlises mais “isentas” de “adesdes por vezes de carter pré-critica”, uma vez que jé nos distanciamos de sua morte, ocorrida em 1997, afitma, contudo, tratarse de um dos noss0s maiores educadores, entre 0s poucos que lograram reconhecimento internacional, por isso seu nome permaneceré como referéncia de uma pedagogia progressista de esquerda (p. 332-333) Desse modo, @ importincia do pensamento de Paulo Freire para a educagdo brasileira justfica-se pela sua critica radical as elites brasileiras, imersas em seu egoismo de classe, vivendo distanciadas © acima do povo, uma critica que, embora embasads no cristianismo, religitlo professada por essas mesmas elites, foi um divisor de dguas na istoria da educagio brasileira. Iss0 porque, além da interpretagio, critica sobre o atraso brasileito ser decorrente da aco predatéria de stias elites, Paulo Freire eriow um método de alfabetizagdo de adultos que revolucionou o pensamento pedagogico, nfo apenas o do Brasil ‘Tanto é assim, que se trata do tinico educador brasileiro citado nas obras de historia da educagio de Manacorda (1995) e Franco Cambi (1999). B, aqui, & necessério estabelecer 0 profundo vinculo entre o contexto hist6rico © o seu método, uma vez que ele s6 pode ser etiado porque 0 Brasil ainda era um pais destituido de eseotas, ow melhor, um pais em nfima minoria, Portanto, que a escola existia, mas apenas para uma A Ecucacto Basra no Século%X_93 se Paulo Freire nao tivesse sido um homem brasileiro do século XX, comegando sua atuagao de educador na década de 1950, esse método no existiria, Abordar © pensamento de Paulo Freire nos remete também a consideragao sobre a hegemonia catélica no pensamento educacional brasileito, pois € interessante registrar que mesmo a sua critica ¢ oriunda, pelo menos em parte, das suas conviegdes religiosas. A propésito, em varios momentos de Educagdo como pratica da liberdade, ele cita 0“Criador”. No entanto, ¢ importante destacar que essa interpretagdo critica $6 foi posstvel porque derivava de uma reinterpretagio do proprio crstianismo na América Latina, a Teologia da Libertagto, cujo eixo foi a critica segundo a qual a lsreja deveria se aproximar dos pobres, aspecto que levou os seus defensores 2 inaugurar uma prética politco-religiosa junto as comunidades chamadas carentes, No Brasil essa tendéncia foi forte, adquiriu o tom de militincia politica e, além disso, teve rebatimento no campo intelectual ¢ académico. ‘Apés 0 golpe militar de 1964, por exemplo, grupos catélicas, como os dominicanos, apoiaram a resisténcia a ditadura, inclusive a luta armada, golpe militar de 1964 Foi o fechamento de um ciclo da “revolugto burguesa’”no Brasil e inicio de outro, embora ambos dirigidos pelo Estado, De acordo com a anélise de Florestan Femandes (1981), o segundo foi realizado pela via autoritiria, “autocrética” (p. 289). Foi o fechamento também de um longo processo vivide pela educagao brasileira, marcado por debates, reformas, alguns avangos e muitos recuos, ou, para usar a célebre expresso de Anisio Teixeira, “meias vitérias”. Além disso, foi © epitogo de um momento histérico e de um pensamento pedagéaico ‘marcanté, cujas expressdes maiores foram a Escola Nova (Anisio Teixeira) caclaboragao da pedagogia de Paulo Freire (libertria). Durante todo esse perfodo, o Estado manteve a educagao para as elites. Concomitantemente ao autoritarismo e ao tecnicismo instituidos ‘com 0 golpe de 1964, 0 regime militar implantou a Pés-graduaga0 no Brasil (1965), fato que representou o divisor de aguas na hist6ria dda pesquisa em educagio, que tivera iniefo formal com a criagio do Instituto Nacional de Estudos Pedagozicos (INEP), em 1937, em plena 94 Marsa star ditadura Vargas. Nas décadas de 1940 ¢ 1950, além do INEP, a pesquisa se desenvolveu também no Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional (CBPE) e alguns Centros Regionais. Em linhas gerais, a pesquisa nessa fase foi fundamentada em preceitos psicopedagogicos, influéncia que pode ser explicada pelo pensamento educacional que marcou aquela geragao, una vez que foi Anisio Teixeira, seu principal nome, quem trouxe para 0 Brasil o idedrio da Escola Nova, cuja matriz era 4 Psicologia. Os estudos tiveram como objeto os processos de ensino, 6s instrumentos de avaliag2o da aprendizagem e do desenvolvimento psicol6gico, Nos anos 50, principalmente, passaram a ter como base te6rica principal a Sociologia e tiveram cardter funcionalista baseados na teoria do capital humano, isto €, que concebe a educagdo como fator de desenvolvimento. Tanto 0 Centro Brasileiro de Pesquisa Educacional (CBPE) quanto os Centros Regionais de Pesquisa Educacional (CRPES) se distinguiram por produzir estudos de cardter empirico voltados para 6 problemas da edueagao nacional. Além da produstio dos Centros de Pesquisa, foram desenvolvidas pesquisa na Universidade de Sto Paulo (USP) e nas faculdades de Filosofia do interior do estado de Sao Paulo, lideradas por Laerte Ramos de Carvalho, No Departamento de Pedagogia, «, posteriormente, no Centro Regional de Pesquisas Educacionais (1956- 1974) ¢ na Faculdade de Educagio (1969), ele coordenou um grupo articulado em tomo da eétedra de Historia e Filosofia da Educagio coujas pesquisas se tomariam referencia, Com base em documentagdio priméria, a partir de um plano geral de monografias proposto por Laerte, cada pesquisador dedicava-se a estudar um tema ou personagem do passado educacional brasileiro, objetivando compor um quadro histérico compreensivo dos séculos XVIll aX (Vidal; Faria Filho, 2003, p. $5). ‘A eriagao dos Programas de Pés-graduagdo mudou inteiramente 0 panorama da pesquisa em Edueagao, razendo para Ambito da niversidadea pesquisa que até entio se realizava fora dela, Coube Pontificia Universidade Catélica do Rio de Janeiro o pioneirismo, pois, fundado em 1965, 0 seu Programa de Pés-gradago em Educagto , hoje, o mais antigo da area. (Os potcos que vieram em seguida, entre 0s quais 0 da Universidade Federal A Eduacto Basler no Século_ 95 de So Carlos (1976), foram criados em pleno ambiente de contestagdo a ditadura militar, esse respeto, seu fundador, Dermeval Saviani, defini 0 period como “anos heroicos”, pois, segundo ele, {uase ao final de um periodo que costume chamar de heréico na historia da pés-graduagdo no Brasil, que vai de 1970 até, aproximadamente, 1975. Heréica porque, na verdade, nfo havia condigées peévias minimas para se implantar seriamente esses cursos (Saviani, 2001p. 6). Do ponto de vista tebtico, a criago desse Programa esté associada a influéneia que a fenomenologia e o materialismo historico comegaram 1 exerver na pesquisa educacional, até entio fortemente marcada pelas abordagens positivistas, segundo analisou Silvio Gamboa. Discorrendo sobre os referenciais te6rico-metodoldgicos mais influentes na primeira fase (1971-1976) da Pés-graduagao em Educago no Brasil, ele afirmou: ‘As propostas fenomenolégicas aplicadas & educacéo surgem ro contexto da organizagio dos curtos de pérgraduagio da PUC-SP com a vinculacio de um grupo de docentes vindos da Universidade de Louvain, que, formados em flosofia, comecam a estudar os fendmenos educativos, criando um novo enfoque para.a pesquisa em educacio, Essa proposta fol sendo amplada na media em que © modelo inicial de pés-graduagio da PUC-SP fol lavado pola mesma equipe de professores & UNIMEP @ & UNICAMP Posteriormente, essa mesma experiéncia servi para {que alguns docentes e alunos da PUC-SP vinculados & Fundacio Carlos Chagas, contribuissem para a estruturagio do curso de pos-graduacio da UFSCar (Gamboa, 1989, p. 96). As caracteristicas gerais da pesquisa dessa época podem ser assim sumariadas: 1. a Pés-graduagio retirou a educagao do “pedagogismo” em ‘que se encontrav. 2, criou uma bibliografia de referencia, especialmente oriunda ddas primeiras dissertagdes e teses produzidas nos Programas, 96 Marsa Bitar entre elas as de Luiz. Anténio Cunha, Carlos Jamil Cury, Ester Buffa, Paolo Nosella e Guimar Namo de Mello; 3. trouxe para a pesquisa vieses teéricos como idealismo, economicismo, reprodutivismo ete.; 4, rejeitou a escola piblica como objeto de estudo, uma vez que cla era entendida como aparetho ideoldgico de um Estado, itatoril e, portanto, ela mesma autoritria, 5. no final do perfodo, com a luta contra a ditadura, @ escola comegouaser valorizada como objeto depesquisaea educagio a ser vista em seu papel transformador, o que coincidiu com @ influéncia do pensamento de Antonio Gramsci ‘A formagio de una pléiade de pesquisadores cuja obra marcou a pesquisa em Educagao e influenciou a geragio seguinte é um dos fatores, principais da constituigéo do campo cientifico da area nessa época tuma vez que essa produgdo, a0 estabelecer a critica ao capitalismo ¢ ‘compreender a escola como um aparelio ideolbgico desse sistema, inovou a abordagem sobre a educagao brasileira, opondo-se, principalmente, & corrente idealista que entendia a educagio como redentora da sociedade, tal como escreveu Ester Buffa (2005): Parecia que © materialismo histérico, ‘0 nos mostrar esas coisas, bria nossos olhos, mas, por outro lado, nos tornava mais etios (p. 170-171) Esses pesquisadores passaram a ser referéncia no campo, polarizando com as demnais abordagens; entretanto, 0 “ceticismo” aque se refere a autora acabaria sendo um dos limites dessa interpretagao, uma vez. que, ainda segundo ela, predominavam eswidos menos preocupados em pesquisar a ‘escola com seus métodos pedagéslcos, sua legislagio © muito mais voltados para a compreensio dat relagdas mais amplas entre escola e sociedade capitalat.[..] Or dados empiricas cram desprezades porque considerados postivsas (Bula, 2001, p.81) ‘Ao estudar esse assunto, Pedro Goergen (1986) constatou que no final da década de 1980 comegou a haver uma negagdo de andlises A dveagao Brasleta no Sécuo XX 97 paralisadas na critica do sistema educacional como puramente reprodutor «€ propbs como equagao epistemolégica o desafio de articular o aspecto particular 20 geral, ou seja,aliar 0 nivel de explicagdo empitica (ser) a0 hhermenéutico (dever ser). final da ditadura militar provocou mudangas no campo. Quanto fis teméticas, em lugar das andlises paralisadas na critica do sistema educacional como puramente reprodutor, ocorreu uma tendéncia oposta que predominow durante a ditadura militar, ou seja, a escola passou a ser referéncia empitica da pesquisa. Entretanto, a partir dos primeiros anos da década de 1990, verifica-se grande dispersio tematica, provocando o que alguns autores denominam de auséncia de objeto proprio da educacao. No que se refere as influéncias te6ricas, duas vertentes marcaram essa ‘mudanga: de um lado, a Escola dos Annales, que, inicialmente, no negou 4 interpretagdo marxista, ao contririo, se apoiou na compreensio das estruturas econdmicas para explicar os fenémenos sociais, mas depois cnveredou pela psicandlise, historia das mentalidades, do cotidiano etc. « conquistou enorme espago na pesquisa em educagio; de outro lado, 0 pensamento de Antonio Gramsci que, na perspectiva marxisa, avangou sobre a questdo da hegemonia e o papel dos intelectuais descortinando novas abordagens sabre a relagio entre o Estado © a sociedade. Nessa perspectiva, o papel da educagio como espago de construgto de hhegemonia se constituiu em objeto novo de pesquisa Outro aspecto diz respeito& coincidéncia de conjunturas poitcas que influenciaram a pesquisa em educago dessa época. A superagio do autoritarismo no Brasil transcorreu simultaneamente & derrocads do “socialismo real” no leste europeu cujos momentos marcantes foram a queda do muro de Berlim (1989) e 0 fim da Unio Soviétiea (1991). 0 rebatimento desses dois eventos no campo epistemologico & bastante conhecido: chegou-se a decretar o fim da Historia bem como o fim da isto de totalidade passou a ser rejeitada e, em seu lugar, instaurou-se uma visio fragmentiria do mundo, caracterizada pela dispersio, indeterminagao e relativismo, a expresso mais acabada de pés-modernismo. A critica aos “velhos capacidade explicativa do marxismo. A 98_ Mansa war cesquemas interpretativos” — positivismo e, principalmente, marxismo —, valorizando 0 fragmentitio, 0 efémero e 0 imagindrio, caracterizou 0 ambiente académicona década de 1990, Na pesquisa em edueagéo, se por lum lado, esses fatos provocaram a emergéncia de “novos paradigmas”, novos objetos de estudo e ampliagio do conceito de fontes, por outro, suscitaram modismos, disperstio temitica, recorréncia de temas, pobreza teorica e inconsisténcia metodolégica, segundo analisou Miriam Warde (1990), no artigo O papel da pesquisa na pés-graduagdo em educagao, Para a autora, com base em levantamento da produg@o discente nos Mestrados desde 1984, as dissertagdes nfo so, tendencialmente, produto de pesquisa, uma vez que estamos ampllando tanto © conceito de pesquisa que nele cabe tudo: flclore, senso comum, relatos de experiéncia (de preferéncia a prépria), desabafos emocionais (p. 67-75). Por incapacidade de enfrentamento filoséfico, segundo ela, 0 conceito de pesquisa fora abandonado, torando-se “primitive” © passando-se a discutir, em seu lugar, as vantagens ¢ desvantagens da pesquisa qualtativa x pesquisa ‘quandativa,tebrica x empirica (pritica?), dalétiea x positsta... parece que acabamos por optar pela velha senda: atjetivar para no enfrentaro substantive (-70), De acordo com a autora, as tendéncias observadas nessa produgio foram: recortes teméticos minisculos; privilegiamento de aspectos cada vez mais particulares da educagio; reincidéncia sobre t6picos referentes & edueagto escolar mais do que @ extraescolar; domindncia de recortes que incidem sobre @ conjuntura presente; diminuigto de estudos historiogréficos; abandono dos marcos teéricos gerando um

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