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2023
Brasília
CP Iuris
4ª edição
Organizado por CP Iuris
ISBN 978-65-5701-103-4

DIREITO DO CONSUMIDOR
SOBRE O AUTOR

JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA. Juiz de Direito do TJDFT. Pós-graduado em Direito
Administrativo pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Mestrando em Direito pela Universidade de
São Paulo (USP). Professor de Direito do Consumidor e Econômico no Curso Personalizado Iuris (CP Iuris) e
na Escola da Magistratura do Distrito Federal (ESMA-DF). Tutor cadastrado na Escola Nacional de Formação
e Aperfeiçoamento de Magistrados (ENFAM). Advogado da União com atuação perante o Supremo Tribunal
Federal de maio de 2013 a setembro de 2015. Aprovado no 28º concurso público para Procurador da
República.
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Gisely Oliveira Maria
de Oliveira CPF: 778.558.762-00
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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 - CONTEXTUALIZANDO O CDC ....................................................................................................................8


1. CONCEITO .................................................................................................................................................................9
2. INSPIRAÇÃO CONSTITUCIONAL ........................................................................................................................................9
3. NATUREZA JURÍDICA.....................................................................................................................................................9
4. MICROSSISTEMA LEGISLATIVO ........................................................................................................................................9
5. NORMAS DE CARÁTER PRINCIPIOLÓGICO .........................................................................................................................10
6. NORMAS DE “ORDEM PÚBLICA E DE INTERESSE SOCIAL” ......................................................................................................10
7. CDC COMO LEI “DE FUNÇÃO SOCIAL”.............................................................................................................................11
8. APLICAÇÃO DO CDC NO TEMPO ....................................................................................................................................12
9. TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES .................................................................................................................................12
CAPÍTULO 2 - PRINCÍPIOS DO CDC ...............................................................................................................................15
1. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR E INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA .................................................................16
2. PRINCÍPIO DA DEFESA DO CONSUMIDOR PELO ESTADO .......................................................................................................17
3. PRINCÍPIO DA HARMONIZAÇÃO .....................................................................................................................................18
4. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA ....................................................................................................................................19
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4.1. Função Interpretativa ....................................................................................................................................20


4.2. Função Integrativa ........................................................................................................................................20
4.3. Função de limite ao exercício de direitos subjetivos .......................................................................................21
5. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA......................................................................................................................................22
6. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO .........................................................................................................................................23
7. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA ...........................................................................................................................................25
8. PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO NAS PRESTAÇÕES .....................................................................................................................26
9. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL ..............................................................................................................................27
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10. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE (RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA) ..........................................................................................28


11. PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR......................................................................................29
12. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO OBJETIVA.............................................................................................................................29
13. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DO CONTRATO ..................................................................................................................29
14. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS OU DA INTANGIBILIDADE CONTRATUAL (PACTA SUNT SERVANDA).......................30
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CAPÍTULO 3 - RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO .........................................................................................................32


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1. CONCEITO ...............................................................................................................................................................33
2. SUJEITOS .................................................................................................................................................................33
de Oliveira

2.1. Consumidor ...................................................................................................................................................33


2.2. Fornecedor ....................................................................................................................................................34
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2.3. Internet e relações de consumo .....................................................................................................................35


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2.4. Profissionais liberais são fornecedores de serviços? .......................................................................................36


2.5. Consumidor por equiparação ........................................................................................................................36
3. OBJETO ...................................................................................................................................................................36
4. APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL ......................................................................................................................................37
CAPÍTULO 4 - TEORIA DA QUALIDADE .........................................................................................................................40
1. PECULIARIDADES DO REGIME CONSUMERISTA ..................................................................................................................41
1.1. Caráter Objetivo ............................................................................................................................................42
1.2. Caráter Solidário ...........................................................................................................................................42
1.3. Vício no produto ou serviço e fato do produto ou serviço ...............................................................................43
1.4. Fato do produto ou serviço ............................................................................................................................47
1.5. Excludentes de Nexo de Causalidade .............................................................................................................49
2. SITUAÇÕES ESPECÍFICAS DO REGIME DE RESPONSABILIDADE DO CDC.....................................................................................53
2.1. Danos ao Tempo Como Bem Jurídico Autônomo ............................................................................................53
2.2. Responsabilidade do profissional médico ......................................................................................................54
2.3. Ampla Equiparação Das Vítimas De Acidente De Consumo (“Bystander”)......................................................54
2.4. Viabilidade de cumulação entre pretensões fundadas no fato e no vício do produto .....................................55
3. JURISPRUDÊNCIA SOBRE A TEORIA DA QUALIDADE ............................................................................................................55
3.1. Danos Morais Considerados In Re Ipsa ..........................................................................................................55
3.2. Danos Morais Que Não São Considerados In Re Ipsa .....................................................................................56
CAPÍTULO 5 - PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC .....................................................................................................58
1. APLICAÇÃO RESTRITA DOS PRAZOS EXTINTIVOS DO CDC ....................................................................................................59
2. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL .............................................................................................................60
3. CAUSAS QUE SUSPENDEM A DECADÊNCIA ........................................................................................................................61
CAPÍTULO 6 - DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ..............................................................................64
1. TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA ...............................................................65
1.1. Teoria maior..................................................................................................................................................65
1.2. Teoria menor.................................................................................................................................................65
2. SOCIEDADES INTEGRANTES DE GRUPOS SOCIETÁRIOS, SOCIEDADES CONTROLADAS, SOCIEDADES CONSORCIADAS E SOCIEDADES COLIGADAS
.................................................................................................................................................................................66
CAPÍTULO 7 - PRÁTICAS COMERCIAIS ..........................................................................................................................68
1. DISPOSIÇÕES GERAIS ..................................................................................................................................................69
2. OFERTA...................................................................................................................................................................69
2.1. Efeito vinculante da oferta publicitária ..........................................................................................................69
2.2. Dever de prestar informações corretas e precisas ..........................................................................................70
2.3. Ofertas de peças de reposição .......................................................................................................................71
2.4. Venda por telefone e reembolso postal .........................................................................................................71
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2.5. Solidariedade do fornecedor pelos atos dos prepostos ou representantes autônomos ...................................72
CAPÍTULO 8 - PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO .........................................................................................74
1. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE ........................................................................................................................................75
1.1. Princípio da identificação ..............................................................................................................................75
1.2. Princípio da vinculação contratual .................................................................................................................76
1.3. Princípio da veracidade .................................................................................................................................76
1.4. Princípio da não abusividade .........................................................................................................................76
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1.5. Princípio da transparência da fundamentação ..............................................................................................76


1.6. Princípio da Lealdade Publicitária ..................................................................................................................77
2. PUBLICIDADE ABUSIVA E ENGANOSA...............................................................................................................................77
3. ÔNUS DA PROVA NA COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA ............................................................................................................78
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4. SANÇÕES .................................................................................................................................................................78
CAPÍTULO 9 - PRÁTICAS ABUSIVAS ..............................................................................................................................81
Oliveira Maria

1. PRÁTICAS ABUSIVAS EM ESPÉCIE ....................................................................................................................................82


de Oliveira

1.1. Venda casada ou imposição de limites quantitativos pelo fornecedor ...........................................................82


1.2. Recusa de contratar pelo fornecedor .............................................................................................................83
1.3. Produtos enviados sem solicitação prévia ......................................................................................................83
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1.4. Hipervulnerabilidade .....................................................................................................................................83


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1.5. Exigência de vantagens excessivas ................................................................................................................84


1.6. Execução de serviço sem orçamento prévio ...................................................................................................84
1.7. Repasse de informações depreciativas relacionadas a consumidor ................................................................85
1.8. Inserção no mercado de produto em desacordo com as normas técnicas ......................................................85
1.9. Recusa de venda direta de bens e serviços .....................................................................................................85
1.10. Elevação de preço sem justa causa ..............................................................................................................85
1.11. Ausência de prazo para cumprimento de obrigação pelo fornecedor ...........................................................86
1.12. Aplicação de fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido ....................86
1.13. Superlotação de Estabelecimento ................................................................................................................86
2. PRODUTOS OU SERVIÇOS SUJEITOS AO REGIME DE CONTROLE DE PREÇOS ................................................................................86
3. COBRANÇA DE DÍVIDAS ...............................................................................................................................................86
4. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NO CDC..................................................................................................................................87
CAPÍTULO 10 - BANCO DE DADOS E CADASTRO DE CONSUMIDORES ..........................................................................90
1. DIREITO A SER COMUNICADO PREVIAMENTE.....................................................................................................................91
2. DIREITO DE ACESSAR A INFORMAÇÃO .............................................................................................................................91
3. DIREITO À CORREÇÃO DAS INFORMAÇÕES ........................................................................................................................91
CAPÍTULO 11 - PROTEÇÃO CONTRATUAL.....................................................................................................................95
1. DISPOSIÇÕES GERAIS ..................................................................................................................................................96
1.1. Princípio da Transparência e Vinculação Contratual ......................................................................................96
1.2. Princípio da interpretação mais favorável .....................................................................................................96
1.3. Princípio da vinculação do fornecedor ...........................................................................................................96
2. DIREITO DE REFLEXÃO OU DE ARREPENDIMENTO ..............................................................................................................97
3. GARANTIA CONTRATUAL .............................................................................................................................................97
4. CLÁUSULAS ABUSIVAS – ART. 51 DO CDC .......................................................................................................................98
4.1. Inciso I – Cláusulas Que Diminuam A Responsabilidade Do Fornecedor Do Vício Ou Impliquem Renúncia Ou
Disposição Dos Direitos. .......................................................................................................................................98
4.2. Inciso II – Cláusulas de Decaimento ...............................................................................................................99
4.3. Inciso III – Cláusulas que transfiram responsabilidades a terceiros.................................................................99
4.4. Inciso IV – Cláusulas Que Estabeleçam Obrigações Consideradas Iníquas, Abusivas, Que Coloquem O
Consumidor Em Desvantagem Exagerada, Ou Que Sejam Incompatíveis Com A Boa-Fé Ou A Equidade; ..............99
4.5. Inciso VI – Cláusulas Que Estabeleçam Inversão Do Ônus Da Prova Em Prejuízo Do Consumidor .................102
4.6. Inciso VII – Cláusulas Que Determinem A Utilização Compulsória de Arbitragem .........................................102
4.7. Inciso VIII – Cláusulas Que Imponham Representante Para Concluir Ou Realizar Outro Negócio Jurídico Pelo
Consumidor........................................................................................................................................................102
4.8. Inciso IX – Cláusulas Que Deixem Ao Fornecedor A Opção De Concluir Ou Não O Contrato, Embora Obrigando
O Consumidor ....................................................................................................................................................103
4.9. Inciso X – Cláusulas Que Permitam O Fornecedor Variação Do Preço De Maneira Unilateral .......................103
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4.10. Inciso XI – Cláusulas Que Autorizem O Fornecedor A Cancelar O Contrato Unilateralmente, Sem Que Igual
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Direito Seja Conferido Ao Consumidor ................................................................................................................103


4.11. Inciso XII – Cláusulas Que Obriguem O Consumidor A Ressarcir Os Custos De Cobrança De Sua Obrigação,
Sem Que Igual Direito Lhe Seja Conferido Contra o Fornecedor ..........................................................................103
4.12. Inciso XIII – Cláusulas Que Autorizem O Fornecedor A Modificar Unilateralmente O Conteúdo Ou A
Qualidade Do Contrato, Após Celebração...........................................................................................................104
4.13. Inciso XIV – Cláusulas Que Infrinjam Ou Possibilitem A Violação De Normas Ambientais ...........................104
4.14. Inciso XV – Cláusulas Que Estejam Em Desacordo Com O Sistema De Proteção Ao Consumidor .................104
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4.15. Inciso XVI – Cláusulas Que Possibilitem a Renúncia Do Direito De Indenização Por Benfeitorias Necessárias
..........................................................................................................................................................................105
4.16. Inciso XVII – Cláusulas Que Condicionem ou Limitem de Qualquer Forma o Acesso aos Órgãos do Poder
Judiciário............................................................................................................................................................105
4.17. Inciso XVIII – Cláusulas Que Estabeleçam Prazos de Carência em Caso de Impontualidade (...) ou impeçam o
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Restabelecimento Integral dos Direitos do Consumidor e de Seus Meios de Pagamento a partir da Purgação da
Mora ou do Acordo com os Credores ..................................................................................................................105
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5. CONTROLE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS...........................................................................................................................106


6. CONTRATOS QUE ENVOLVAM OUTORGA DE CRÉDITO OU FINANCIAMENTO .............................................................................106
de Oliveira

6.1. Capitalização dos juros ................................................................................................................................107


6.2. Comissão de permanência ...........................................................................................................................107
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6.3. Juros............................................................................................................................................................108
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6.4. Cobrança indevida pela emissão de boletos bancários.................................................................................108


6.5. Repasse de encargos tributários ..................................................................................................................108
6.6. Retenção salarial .........................................................................................................................................109
6.7. Exclusão de mora e questionamento judicial ...............................................................................................109
6.8. Instituições equiparadas..............................................................................................................................109
7. CLÁUSULAS DE DECAIMENTO E CONTRATOS DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEIS ........................................................................109
8. CONTRATOS DE CONSÓRCIO .......................................................................................................................................111
9. CONTRATOS DE ADESÃO ............................................................................................................................................112
10. SUPERENDIVIDAMENTO ................................................................................................................................... 112
10.1. Conceito ....................................................................................................................................................112
10.2. Princípios...................................................................................................................................................116
10.3. Prevenção e Tratamento Legal do Superendividamento ............................................................................117
CAPÍTULO 12 - SANÇÕES ADMINISTRATIVAS .............................................................................................................127
1. SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR...........................................................................................................128
2. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E MATERIAL EM MATÉRIA CONSUMERISTA .................................................................................129
3. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS EM ESPÉCIE .......................................................................................................................130
3.1. Pena de multa .............................................................................................................................................131
3.2. Penas de apreensão, de inutilização de produtos, de proibição de fabricação de produtos, de suspensão do
fornecimento de produto ou serviço, de cassação do registro do produto e revogação da concessão ou permissão
de uso ................................................................................................................................................................132
3.3. Penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão temporária da atividade, bem como a
de intervenção administrativa ............................................................................................................................132
3.4. Imposição de contrapropaganda .................................................................................................................132
CAPÍTULO 13 - INFRAÇÕES PENAIS ............................................................................................................................135
CAPÍTULO 14 - DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO .................................................................................................143
1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................144
2. DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU ...............................................................................................................................144
3. LEGITIMADOS .........................................................................................................................................................146
4. ESTÍMULO À EFETIVIDADE ..........................................................................................................................................148
5. CUSTAS, EMOLUMENTOS, DESPESAS E HONORÁRIOS ........................................................................................................149
6. AÇÃO DE REGRESSO DO COMERCIANTE .........................................................................................................................150
7. APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CPC E DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA .....................................................................................150
8. COMPETÊNCIA ........................................................................................................................................................150
9. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E RIGHT TO OPT IN ..............................................................................................................150
10. SENTENÇA NO PROCESSO COLETIVO...........................................................................................................................151
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11. COISA JULGADA ....................................................................................................................................................153


12. PRESCRIÇÃO ........................................................................................................................................................154
13.DISPOSIÇÕES PROCESSUAIS ESPECÍFICAS DO MICROSSISTEMA CONSUMERISTA ......................................................................154
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................................................157
de Oliveira
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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

CONTEXTUALIZANDO O CDC

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CONTEXTUALIZANDO O CDC • 1
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1. CONCEITO

A elaboração de um conceito sobre o Direito do Consumidor precisa abordar os seguintes


fundamentos:
1) Composição: normas e princípios;
2) Objeto de preocupação: sociedade de consumo1;
3) Objetivo: “tutela integral, sistemática e dinâmica”2 da parte vulnerável na relação consumerista,
qual seja, o consumidor.
Assim, o Direito do Consumidor é conceituado como o conjunto de normas e princípios que tratam
da sociedade de consumo em busca da promoção da “tutela integral, sistemática e dinâmica” da parte
vulnerável na relação consumerista, o consumidor.

2. INSPIRAÇÃO CONSTITUCIONAL

Qualquer análise sobre o Código de Defesa do Consumidor – CDC – deve partir do fato de que se
trata de diploma com expressa origem constitucional, em virtude dos seguintes aspectos:
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1) É direito fundamental (art. 5º, XXXII, da Constituição Federal de 1988 – CF/88); e


2) É princípio geral da atividade econômica brasileira (art. 170, V, da CF/88).
Dada a relevância do tema, o constituinte estabeleceu o prazo de cento e vinte dias para a sua edição
(art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da CF/88).
Ademais, o alto grau de mutabilidade das relações consumeristas e a sujeição de tais relações a
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regionalidades conduziu o constituinte a estabelecer a edição de normas consumeristas como hipótese de


competência legislativa concorrente (art. 24, VIII, da CF/88).

3. NATUREZA JURÍDICA
Maria -- CPF:

Atualmente, há consenso sobre a autonomia do Direito do Consumidor como disciplina jurídica, dada
Oliveira Maria

a existência de princípios e de normas próprias que lhe caracterizam como tal. A divergência básica verificada
diz respeito a seu posicionamento como 3:
de Oliveira

1) Ramo autônomo do direito privado, que se soma ao Direito Civil e ao Direito Empresarial (Cláudia
Gisely de

Lima Marques);
Gisely

2) Ramo autônomo de um novo direito, denominado difuso (Rizzato Nunes e Nelson Nery Júnior).
Em particular, embora de valia para a inserção do estudo na amplamente difundida Teoria Geral do
Direito, merece menção a crítica realizada a essa teoria por autorizada doutrina, diante dos indesejados
efeitos de excessiva formalização, fechamento à interdisciplinaridade e à pesquisa empírica que dela advém4.

4. MICROSSISTEMA LEGISLATIVO

O CDC é um microssistema legislativo porque:

1 “caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas
dificuldades de acesso à justiça.” (GRINOVER, Ada Pellegrini, e Brazil, organizadores. Código brasileiro de defesa do consumidor.
12a. ed. rev., atualizada e reformulada. Gen, Editora Forense, 2019. p. 4)
2 Ibidem.
3 ANDRADE, Adriano et al. Interesses Difusos e Coletivos. Vol. 1. 9ª ed. Editora Método, 2019. p. 450.
4 CASTRO, Marcus Faro de. Formas jurídicas e mudança social: interações entre o direito, a filosofia, a política e a economia. São

Paulo: Saraiva, 2012.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA CONTEXTUALIZANDO O CDC • 1

1) Possui normas de direito público e privado; de direito material e processual; e de várias áreas do
direito (civil, penal, processual, administrativo etc.);
2) Preocupa-se menos com a subdivisão técnica e formal e mais com a efetividade e a interpretação
constitucional de suas disposições em favor da parte vulnerável da relação consumerista.

5. NORMAS DE CARÁTER PRINCIPIOLÓGICO

As normas contidas no CDC possuem dicção aberta e procuram estabelecer parâmetros aptos a
incidir com a maior amplitude possível nas relações jurídicas que contêm a presença de parte vulnerável
identificada como consumidor.
Essa característica demanda que a interpretação das leis que afetem a relação consumerista seja
feita sob a óptica do CDC, aliada ao reconhecimento do CDC como microssistema, e é ressaltada quando se
tem em vista a influência exercida pela adoção da teoria do diálogo das fontes, que será estudada adiante.

6. NORMAS DE “ORDEM PÚBLICA E DE INTERESSE SOCIAL”


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O CDC estabelece, segundo o art. 1º, “normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública
e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas
Disposições Transitórias.”
Do fato de serem normas de ordem pública e de interesse social decorre que as normas do CDC:
1) são cogentes, obrigatórias e não admitem renúncia prévia em prejuízo do consumidor5;
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Isso não significa que, no caso concreto, o consumidor encontra-se impedido de transacionar judicial
ou extrajudicialmente a respeito de direitos disponíveis. O que se veda é a renúncia prévia a direitos,
ressaltando-se que ao consumidor pessoa jurídica, excepcionalmente, mostra-se viável a pactuação de
limitações à extensão da responsabilidade do fornecedor, nos termos do art. 51, I, do CDC.
Maria -- CPF:

2) o juiz está autorizado a conhecer dessas normas independentemente de provocação das partes,
ou seja, de ofício.
Oliveira Maria

A cognoscibilidade de ofício da abusividade de cláusulas não se estende à seara bancária, nos termos
de Oliveira

da Súmula 381 do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade
das cláusulas.”
Gisely de
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Independentemente das exceções, as duas características acima elencadas evidenciam a extensão


do rompimento da lógica contratualista liberal promovido pelo CDC. O código consumerista é exemplo típico
do fenômeno conhecido como “constitucionalização do direito privado”, na medida em que representa
evidente intervenção do Estado, através das leis por ele publicadas, no espaço usualmente reservado à
autonomia da vontade.
A intervenção imposta pelo Estado nos negócios jurídicos através de leis é denominada heteronomia.
Essa idéia é oposta ao conceito de autonomia, ligado ao poder conferido às partes de livremente disporem
sobre suas obrigações em relações contratuais e usualmente prestigiado pelos princípios da autonomia da
vontade e do “pacta sunt servanda”, também denominado princípio da força obrigatória dos contratos.
Entretanto, o advento do fenômeno da constitucionalização do direito privado e da viabilização da
intervenção do ente público nas relações contratuais não significa o afastamento total do princípio “pacta
sunt servanda” das relações jurídicas travadas sob a égide do CDC. O que ocorre é a mitigação dos efeitos
dos princípios da força, de modo que o conteúdo dos contratos não pode mais corresponder simplesmente

5Elucidativas as palavras do Ministro Herman Benjamin quando do julgamento do REsp nº 586316 / MG: “As normas de proteção e
defesa do consumidor têm índole de ‘ordem pública interesse social’. São, portanto, indisponíveis e inafastáveis, pois resgua rdam
valores básicos e fundamentais da ordem jurídica do Estado Social, daí a impossibilidade de o consumidor delas abrir mão ex ante e
no atacado.”

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA CONTEXTUALIZANDO O CDC • 1

à vontade das partes, seja ela qual for. É preciso que o contrato observe padrões mínimos, a boa-fé objetiva,
necessidade de equilíbrio material, vedação do abuso de direito etc.
Tais limites, já presentes nos arts. 421 e 2.035 do Código Civil brasileiro (CC/2002), derivam não só
do caráter de ordem pública e interesse social conferido às normas consumeristas pelo art. 1º do CDC, mas
também das menções à boa-fé objetiva presentes nos arts. 4º, III, e 51, IV, do CDC.
Exemplo de aplicação prática das limitações que se originam do caráter de ordem pública das normas
consumeristas e do princípio da boa-fé objetiva é o Súmula 302 do STJ, que dispõe ser abusiva a cláusula
contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado, o qual evidencia que
na área consumerista a autonomia da vontade e o princípio “pacta sunt servanda” se submetem aos limites
de ordem pública estabelecidos pelo CDC.
Outro exemplo relevante sobre o tema diz respeito ao reconhecimento da existência de contratos
relacionais ou cativos de longa duração, definidos pela Ministra Nancy Andrighi no julgamento do REsp nº
1073595/MG como os contratos em que
para além das cláusulas e disposições expressamente convencionadas pelas partes e
introduzidas no instrumento contratual, também é fundamental reconhecer a existência de
deveres anexos, que não se encontram expressamente previstos mas que igualmente
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vinculam as partes e devem ser observados. Trata-se da necessidade de observância dos


postulados da cooperação, solidariedade, boa-fé objetiva e proteção da confiança, que deve
estar presente, não apenas durante período de desenvolvimento da relação contratual, mas
também na fase pré-contratual e após a rescisão da avença.

Nesses contratos –– dentre os quais se destaca o de seguro –– a influência do CDC, aliada ao princípio
da boa-fé objetiva, inviabiliza o acolhimento de condutas que, embora contratualmente previstas,
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encontrem-se descompassadas com a duração da relação ali estabelecida e os padrões de conduta que
razoavelmente são esperados entre as partes à luz dos deveres anexos de conduta que advêm do CDC. Isso
impede, por exemplo, que a seguradora, após vigência contratual de décadas, simplesmente se recuse a
renovar a apólice do consumidor, unilateralmente e sem justificativa.
Maria -- CPF:

7. CDC COMO LEI “DE FUNÇÃO SOCIAL”


Oliveira Maria

Alguns autores (ex.: Cláudia Lima Marques6) entendem que o CDC é uma lei de função social. Isso
de Oliveira

significa dizer que essa lei não pode sofrer ab-rogações ou derrogações, quer em parte ou absolutamente,
por outros diplomas legais de igual hierarquia, em detrimento dos direitos do consumidor.
Gisely de
Gisely

Apesar de o CDC tomar forma jurídica de lei ordinária, esses autores entendem que ele concretiza,
no plano da legislação infraconstitucional, uma vontade explicitada pelo constituinte, ou seja, pela
Constituição Federal. Assim, ao se aprovar novo diploma normativo que visa reduzir a proteção do
consumidor garantida pelo CDC, estar-se-ia contrariando o anseio constitucional, de forma que essa nova lei
seria inconstitucional.
O CDC é uma lei ordinária e, consequentemente, poderia ser revogado por qualquer lei que lhe fosse
superior. Porém, parcela da doutrina consumerista identifica o CDC como lei de função social, uma lei que
estabelece, por assim dizer, um peso normativo abaixo do qual é ilícito ir.
Tal noção faz com que se sugira a possibilidade da existência de um princípio da vedação do
retrocesso em matéria consumerista.
O Supremo Tribunal Federal, através de sua Primeira Turma, em acórdão relatado pelo Ministro
Carlos Britto em 17/03/2009, chegou a aventar a possibilidade de afastamento de normas supervenientes
em prejuízo do CDC7, afirmando que: “Afastam-se as normas especiais do Código Brasileiro da Aeronáutica e

6 Benjamin, Antonio Herman V., et al. Manual de direito do consumidor. 4ª. ed. [E-book baseado na 8ª ed. impressa] Revista dos
Tribunais, 2017.
7 A Convenção de Montreal foi celebrada em 28 de maio de 1999, aprovada pelo Congresso Nacional por meio do Decreto Legislativo

59, de 18 de abril de 2006.

11
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA CONTEXTUALIZANDO O CDC • 1

da Convenção de Varsóvia quando implicarem retrocesso social ou vilipêndio aos direitos assegurados pelo
Código de Defesa do Consumidor.” (RE 351750/RJ).
Entretanto, a matéria de fundo julgada nesse Recurso Extraordinário foi novamente posta em
discussão, desta feita, em sede de repercussão geral, quando do julgamento do RE 636.331/RJ, ocasião em
que o STF firmou a tese de que: “Nos termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados
internacionais limitadores da responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as
Convenções de Varsóvia e Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor.”
Contudo, de maneira mais recente, a Exma. Relatora das ADIs 5224, 5252, 5273 e 5978 fez constar
de seu voto análise típica da lógica atrelada ao postulado em comento, ao afirmar que “Essa modificação
legislativa não consubstancia ofensa à Constituição ou retrocesso social em desfavor dos consumidores.”
Portanto, embora a questão relativa ao princípio da vedação do retrocesso em matéria consumerista
não tenha sido analisada expressamente como tese principal, certo é que sua aplicação ainda se encontra
em debate.

8. APLICAÇÃO DO CDC NO TEMPO


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O CDC foi publicado em 12 de setembro de 1990, contendo “vacatio legis” de cento e oitenta dias
(art. 118). Imediatamente após o início de sua vigência, instaurou-se controvérsia acerca da sua aplicação
aos contratos que, embora firmados antes de sua vigência, envolviam prestação de trato sucessivo, cuja
extensão temporal ocorreria já quando vigente o novo diploma consumerista.
A solução para essa questão perpassa a análise dos comandos do art. 5º, XXXVI, da CF/88 e do art.
6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), os quais preveem o princípio da
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irretroatividade das leis.


Em um primeiro momento, o STJ admitiu a aplicação do CDC aos efeitos ocorridos sob sua vigência
em decorrência de contratos pactuados antes de tal marco temporal (REsp 735.168/RJ), em fenômeno
denominado “retroatividade mínima”. Posteriormente, porém, o STF passou a perfilhar entendimento
Maria -- CPF:

diverso (RE 555.906/SP; RE 204769/RS e ADI 493/DF), de modo que, atualmente, encontra-se pacífico que o
CDC não se aplica aos contratos firmados antes de sua vigência.
Oliveira Maria

9. TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES


de Oliveira
Gisely de

A Teoria do Diálogo das Fontes (TDF) tem suas origens na doutrina de Erik Jayme. Embora tenha sua
Gisely

análise doutrinária e jurisprudencial fortemente atrelada à disciplina consumerista, a TDF possui pretensão
acadêmica que se espraia à aplicação do direito como um todo, mais se aproximando da Teoria Geral do
Direito do que propriamente do Direito do Consumidor.
O fato de ser mais comum se estudar a TDF quando do estudo dessa disciplina se deve a dois
principais fatores: 1) a doutrina elaborada por uma das mais renomadas especialistas em Direito do
Consumidor do Brasil: Cláudia Lima Marques; e 2) o caráter principiológico e macro sistemático do CDC, que
o coloca constantemente em diálogo com outras áreas do direito, em relações que podem ser tidas pelo
intérprete como de conflito.
O desenvolvimento da TDF parte da existência de um problema denominado Pluralismo Pós-
Moderno, que se identifica com a existência de Fontes Legislativas Plúrimas. De fato, os desenvolvimentos
tecnológicos e a massificação das relações têm gerado pressão pela constante edição de leis em diversos
ramos do direito, visando, não raro, o enfrentamento do mesmo problema, o que favorece a ocorrência das
tensões na aplicação e interpretação das leis.
O objetivo da TDF é exatamente a obtenção da Coerência Derivada ou Restaurada entre esses
diversos diplomas, visando garantir, através da “aplicação simultânea, coerente e coordenada das plúrimas

12
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA CONTEXTUALIZANDO O CDC • 1

fontes legislativas”8, a Eficiência Funcional de suas disposições, o que não tem ocorrido de forma adequada
a partir da adoção das soluções previstas pelos critérios tradicionais de solução de conflitos entre leis
(cronológico, especialidade e hierarquia - art. 2º da LINDB).
Portanto, a partir da aplicação da TDF, quando identificada a existência de duas ou mais normas
aplicáveis à mesma situação jurídica, não se cogita a prevalência de uma delas, mas sim a aplicação
coordenada “flexível e útil”9, pois elas devem conviver harmonicamente na maior extensão possível,
independentemente de análises sobre especialidade, hierarquia ou critério temporal, sempre objetivando a
“prevalência do princípio pro homine e d(a) eficácia horizontal dos direitos fundamentais por aplicação do
CDC às relações privadas”10.
A aplicação da TDF se dá através de três formas de diálogos: 1) Diálogo Sistemático de Coerência:
“aplicação simultânea das duas leis, uma lei pode servir de base conceitual para a outra (…) especialmente
se uma lei é geral e a outra especial”11 (ex.: conceito de contrato de compra e venda do CC/02 apoiando a
aplicação do CDC); 2) Diálogo Sistemático de Complementaridade e Subsidiariedade: “aplicação
coordenada das duas leis, uma lei pode complementar a aplicação da outra, a depender de seu campo de
aplicação no caso concreto”12 (ex.: aplicação dos prazos prescricionais do CC/02 à demanda de repetição de
indébito fundada no art. 42 do CDC); 3) Diálogo das Influências Recíprocas Sistemáticas: “no caso de uma
possível redefinição do campo de aplicação de uma lei (…) É a influência do sistema especial no geral e do
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geral no especial, um diálogo de ‘double sens’”13 (ex.: definição da pessoa jurídica como consumidora a partir
da adoção da teoria finalista mitigada como hipótese excepcional decorre de influência do CC/02 no CDC).
A TDF tem sido largamente utilizada pelos Tribunais Superiores14 e o principal fundamento para sua
aplicação dentro da disciplina consumerista é o conteúdo do art. 7º, caput, do CDC, que dispõe: “Os direitos
previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o
Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades
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administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia,
costumes e equidade.” (Grifo Nosso)

QUESTÕES DE CONCURSOS
Maria -- CPF:

1) (FCC – 2019 – DPE/SP - Defensor Público) — O Código de Defesa do Consumidor disciplinou temas da
Oliveira Maria

relação de consumo e seus efeitos, além de aspectos processuais ligados à proteção do consumidor. Tal lei,
contudo, não tratou de matéria referente:
de Oliveira

a) à tutela coletiva.
Gisely de

b) à distribuição do ônus de prova.


Gisely

c) às responsabilidades decorrentes da relação de consumo.

8 Benjamin, Antonio Herman V., et al. Manual de direito do consumidor. 4ª. ed. [E-book baseado na 8ª ed. impressa], Revista dos
Tribunais, 2017.
9 Ibidem.
10 Ibidem.
11 Ibidem.
12 Ibidem.
13 Ibidem.
14 O caso paradigmático do STF no que tange a aplicação da TDF é a ADI n° 2.591/DF (conhecida “ADI dos bancos”). Quanto ao STJ,

Cláudia Lima Marques traz larga exemplificação da aplicação da TDF, citando os seguintes precedentes: “Se inicialmente o e. Superior
se mostrava resistente à ideia de convivência de fontes como eficácia da proteção constitucional especial aos consumidores, c omo
se observa nos votos vencidos que usaram a ex-pressão em matéria de serviços públicos (REsp 911.802, Min. Herman Benjamin) e
do uso do prazo prescricional geral se mais favorável ao consumidor (REsp 782.433, Min. Nancy Andrighi), note-se que a ideia de um
“diálogo” de aplicação simultânea do CDC, CC e leis especiais para realizar, de forma mais eficaz, a proteção do consumidor foi
recebida nas decisões mais recentes do e. STJ, em matéria de seguro-saúde (REsp 1.330.919-MT), leasing (REsp 1.060.515-DF), de
SFH (REsp 969.129-MG), transporte (REsp 821.935-SE), seguros (REsp 403.155-SP), crianças (REsp 1.037.759-RJ), idosos (REsp
1.057.274-RS), bancos (REsp 347.752-SP), incorporação imobiliária (AgRg no REsp 1.006.765-ES), processo civil (REsp 1.241.063-RJ) e
serviços públicos (REsp 1.079.064-SP), e a expressão diálogo das fontes já consta de algumas de suas ementas (veja REsp 1.037.759-
RJ, REsp 1.060.515-DF, AgRg no REsp 1.196.537, REsp. 1.388.197-PR e REsp 1.272.827-PE).” (Ibidem).

13
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA CONTEXTUALIZANDO O CDC • 1

d) à teoria dos contratos.


e) aos recursos cíveis.
2) (VUNESP - 2019 - TJ-AC - Juiz de Direito Substituto) A Política Nacional das Relações de Consumo é regida
pelo seguinte princípio, dentre outros:
a) racionalização e melhoria dos serviços públicos e privados.
b) harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção
do consumidor com a necessidade de desenvolvimento socioeconômico do Brasil.
c) coibição e repressão de abusos praticados no mercado de consumo que possam causar prejuízo aos
consumidores e fornecedores.
d) educação e informação de consumidores e fornecedores quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à
melhoria do mercado de consumo.
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GABARITO COMENTADO
1) Gabarito: E
Comentários:
a) O CDC, em seu Título III, Capítulo II, cuida "Das Ações Coletivas Para a Defesa de Interesses Individuais
Homogêneos", que inclui a matéria das tutelas coletivas.
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b) O Art. 6º do CDC estabelece que: “São direitos básicos do consumidor: (...) VIII - a facilitação da defesa de
seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do
juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de
Maria -- CPF:

experiências".
Oliveira Maria

c) O CDC, em seu Título I, Capítulo IV, Seções II e III, trata, respectivamente, "Da Responsabilidade pelo Fato
do Produto e do Serviço" e "Da Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço".
de Oliveira

d) O Título I, Capítulo VI do CDC trata da “Proteção Contratual".


Gisely de

e) Não há disposição sobre recursos no CDC.


Gisely

2) Gabarito: D
Comentários:
a) CDC, Art. 4º, VII - racionalização e melhoria dos serviços públicos;
b) CDC, Art. 4º, III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e
compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e
tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (...), sempre com base
na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores;
c) CDC, Art. 4º, VI - coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo,
inclusive a concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes
comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores;
d) CDC, Art. 4º, IV - educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e
deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

14
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de Oliveira
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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

PRINCÍPIOS DO CDC

15
PRINCÍPIOS DO CDC • 2
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

1. PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE DO CONSUMIDOR E INVERSÃO DO ÔNUS DA


PROVA

A vulnerabilidade do consumidor é expressamente reconhecida no inciso I do art. 4º do CDC e


fundamenta a Política Nacional das Relações de Consumo, sendo a razão da própria determinação
constitucional de publicação do CDC (arts. 5º, XXXII, e 170, V, da CF/88).
De acordo com Cláudia Lima Marques: “Vulnerabilidade é uma situação permanente ou provisória,
individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de
consumo.15”
É importante distinguir vulnerabilidade de hipossuficiência:

• Vulnerabilidade:
Tem caráter material e é presumida absolutamente. Uma vez qualificada como consumidora, a
pessoa será tida por vulnerável.

• Hipossuficiência:
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Tem caráter processual e é presumida relativamente. Uma vez qualificada como consumidora, a
pessoa será tida por hipossuficiente, incumbindo à parte contrária demonstrar ausência de tal qualidade. A
relevância do reconhecimento da hipossuficiência diz respeito à aplicação da inversão do ônus da prova, que
será estudada adiante.
Todo consumidor é vulnerável, porém, nem todo consumidor é hipossuficiente, pois a
hipossuficiência deve ser aferida no caso concreto.
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Ainda quanto ao tema, é importante mencionar que vulnerabilidade e hipossuficiência não se


encontram relacionados exclusivamente a questões financeiras. A doutrina costuma apontar a existência de
4 espécies de vulnerabilidade ou hipossuficiência:
Maria -- CPF:

1) Vulnerabilidade Técnica: ligada às hipóteses em que o consumidor desconhece especificidades


técnicas do produto ou serviço que está contratando ou adquirindo;
Oliveira Maria

2) Vulnerabilidade Jurídica: ocorre quando o consumidor dispõe de parcos conhecimentos jurídicos


de Oliveira

sobre o produto ou serviço que está contratando ou adquirindo;


3) Vulnerabilidade Fática ou Econômica: atrelada à análise de circunstâncias fáticas ligadas à
Gisely de

contratação do serviço ou aquisição do produto (ex.: monopólio, possibilidade de escolha, situação de


Gisely

urgência, etc.) além da questão econômica;


4) Vulnerabilidade Informacional: espécie de vulnerabilidade cujo conceito é trabalhado por Cláudia
Lima Marques e constitui decorrência de “dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de
influenciar no processo decisório de compra” 16.
Embora seja mais comum que o estudo dessas subespécies seja realizado a partir da denominação
“tipos de vulnerabilidade”17, é possível encontrar a discussão a partir do conceito “tipos de hipossuficiência”.
A par da inconsistência conceitual, é importante relembrar que nenhum tipo de classificação é
inerentemente ruim ou bom. Pelo contrário, a qualidade de uma classificação se dá a partir de sua utilidade.
Assim, a identificação de subespécies para facilitar a aplicação do direito é relevante tanto para se apurar a

15 Benjamin, Antonio Herman V., et al. Manual de direito do consumidor. 4ª. ed. [E-book baseado na 8ª ed. impressa] Revista dos
Tribunais, 2017.
16 Ibidem. Releva notar que, embora se trate de hipótese de vulnerabilidade que se assemelha ao conceito da vulnerabilidade técnica,

o que se percebe é que a autora destaca que a informação atualmente disponível pode ser manipulada e controlada pelos detentores
originários que, na maioria das vezes, possuem acesso à fonte garantido por exclusividade decorrente de segredo industrial.
17 Cláudia Lima Marques, por exemplo, trabalha os tipos relacionados à vulnerabilidade (Benjamin, Antônio Herman V., et al. Manual

de direito do consumidor. 4ª. ed. [E-book baseado na 8ª ed. impressa] Revista dos Tribunais, 2017).

16
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

existência de vulnerabilidade (ex.: aplicação do CDC à pessoa jurídica na posição de consumidora, hipótese
em que esta deve comprovar sua vulnerabilidade) quanto para apurar a ocorrência de hipossuficiência (ex.:
na apuração do preenchimento do requisito para a inversão do ônus da prova).
Portanto, não haveria, a princípio, equívoco em posicionar a diferenciação entre espécies de
vulnerabilidade ou hipossuficiência, embora, como dito, seja mais comum que a doutrina o faça com relação
à vulnerabilidade18.
Mencione-se, ainda, que a doutrina vem referenciando a existência de outras categorias de
vulnerabilidade como: vulnerabilidade ambiental (ligada à forma de produção e descarte dos produtos,
visando garantir ao consumidor a formação de escolha adequada e informada sobre o que consome e como
pode atuar para reduzir os impactos ambientais do descarte); vulnerabilidade política ou legislativa (informa
o intérprete sobre a posição de vulnerabilidade ocupada pelo consumidor em termos representativos no
exercício da democracia indireta); e vulnerabilidade de acesso (ligada ao consumidor pessoa física com
deficiência).
Por fim, merece menção a identificação do “status” de “hipervulnerabilidade” observado em
algumas categorias de consumidores que, em razão de circunstâncias pessoais (ex: crianças, idosos etc.) ou
fáticas (submetidos a um ou poucos fornecedores, contratantes de bens essenciais etc.) merecem atenção
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redobrada na interpretação e aplicação das diposições consumeristas, conforme demanda o conteúdo


exemplificativo do art. 39, IV, do CDC.
Por outro lado, quanto à inversão do ônus da prova, deve-se destacar que se trata de direito básico
conferido ao consumidor por força do art. 6º, VIII, do CDC. Tal dispositivo apresenta duas condições
alternativas para a promoção de tal inversão: verossimilhança da alegação ou quando for ele hipossuficiente.
Por se tratar de regra ope judicis, a realização da inversão pressupõe a ocorrência de decisão judicial,
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a qual deve ser proferida até a decisão saneadora (arts. 357, III, e 373 do CPC/15), uma vez se tratar de regra
de instrução, oportunidade na qual o juiz deverá aferir a existência de um dos requisitos supracitados
(embora, na prática, o STJ já tenha entendido que a ausência de verossimilhança das alegações impediria a
realização da inversão, como, por exemplo, no AgRg no Ag 1.260.584 / RJ). Destaque-se, contudo, que o CDC
Maria -- CPF:

conta com três hipóteses de inversão ope legis do ônus da prova em seus arts. 12, §3º, 14, §3º e 38.
Oliveira Maria

Outra hipótese de inversão ope legis do ônus da prova diretamente relacionada às demandas
consumeristas é a presvista nos arts. 6º, 369 e 429, II do CPC. Em razão dela, o STJ entende que “Na hipótese
de Oliveira

em que o consumidor/autor impugnar a autenticidade da assinatura constante em contrato bancário juntado


ao processo pela instituição financeira, caberá a esta o ônus de provar a autenticidade”. (REsp 1.846.649 /
Gisely de

MA)
Gisely

Seja como for, a inversão do ônus da prova não implica na inversão dos custos da prova (ex: se só o
cunsumidor pede perícia, não pode o fornecedor ser obrigado a custeá-la em razão da inversão). Beneficia o
consumidor em qualquer dos polos que ocupe na relação processual e pode ser realizada apenas em relação
a um, alguns ou todos os fatos contidos na causa de pedir da demanda consumerista.

2. PRINCÍPIO DA DEFESA DO CONSUMIDOR PELO ESTADO

18 José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto do CDC, ao comentar o art. 6º, VIII do diploma, afirma que a
hipossuficiência possui conotação estritamente econômica e que esse requisito não se encontrava no anteprojeto, que somente
elencava a verossimilhança das alegações como requisito da inversão do ônus da prova (GRINOVER, Ada Pellegrini; BRAZIL (org.) .
Código brasileiro de defesa do consumidor. 12ª. ed. rev., atualizada e reformulada. Gen, Editora Forense, 2019). Na jurisprudência
do STJ, contudo, é comum encontrar a aplicação dos subtipos também à hipossuficiência (ex.: REsp 1667776 / SP – Hipossuficiência
Técnica; REsp 1262132 / SP - Hipossuficiência Inofrmacional; e AgInt no AREsp 1059924 / SP – Hipossuficiência Jurídica).

17
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

Previsto no art. 4º, II, do CDC, o princípio da defesa do consumidor pelo Estado também possui suas
raízes nas disposições constitucionais que tratam da defesa do consumidor, em especial a que elenca os
direitos do consumidor como direitos fundamentais (art. 5º XXXII, da CF/88) e a que alça a defesa do
consumidor à condição de princípio fundamental da ordem econômica (art. 170, V, da CF/88).
Tais mandamentos constitucionais estabelecem dever inafastável imposto a todo Estado no sentido
de promover efetivamente a defesa dos interesses e direitos do consumidor. Nos termos da doutrina
especializada, trata-se de “direito a uma ação afirmativa ou positiva do Estado em favor dos consumidores
(direito a prestações)19”.
Cuida-se de postulado que cria patamar de sustentação amplo para a extração de deveres estatais
que passam pela criação de políticas públicas ligadas à proteção do consumidor como parte vulnerável da
relação de consumo, devendo esse direito ser promovido em consonância com as demais diretrizes
econômicas e individuais inscritas na CF/88.
A atuação estatal que objetiva a proteção do consumidor segue as linhas desenhadas pelo CDC, em
especial, os instrumentos de execução previstos no art. 5º e a atuação dos órgãos que compõem o SNDC
(arts. 105 e 106), sem prejuízo de outros instrumentos previstos em legislações especiais, como os Estatutos
do Idoso, da Pessoa com Deficiência e do Torcedor.
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O que se percebe, portanto, é que o princípio da defesa do consumidor pelo Estado promove
hipótese de intervenção, direta ou indireta, do Estado no domínio econômico, nos termos especificados
pela doutrina de Eros Roberto Grau 20.
De todo modo, a harmonização de direitos fundamentais, em especial quando se tem em mente a
existência de direitos com conteúdo econômico, há de ser feita a partir de uma visão constitucionalizada e
será marcada pela concorrência de direitos durante grande parte da aplicação do CDC, como se verá a partir
CPF: 778.558.762-00

do princípio da harmonização.

3. PRINCÍPIO DA HARMONIZAÇÃO
Maria -- CPF:

Nos termos do art. 4º, III, do CDC, o direito consumerista pátrio tem como princípio de alto relevo a
“harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção
Oliveira Maria

do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os


de Oliveira

princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na
boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores”.
Gisely de

Embora seja claro que a estrutura do diploma consumerista se dá a partir do reconhecimento do


Gisely

consumidor como parte vulnerável e protagonista, o legislador deixa claro, ao elencar os princípios que
regem o CDC, a existência de norte interpretativo que demanda a harmonização dos interesses entre a defesa
do consumidor e o desenvolvimento econômico.
A tensão entre o setor produtivo e a representação de interesses dos indivíduos que compõem o
mercado, comumente representados pelo Estado, manifesta-se corriqueiramente em economias de
mercado que adotam o sistema capitalista como forma de organização da produção, opção que mais se
adequa ao sistema constitucional brasileiro.

19ANDRADE, Adriano et al. Interesses Difusos e Coletivos. Vol. 1. 9ª ed. Editora Método, 2019. p.485.
20Nos termos da classificação adotada por Eros Grau (A ordem econômica na constituição de 1988. São Paulo, Malheiros, 2018), a
intervenção do Estado na economia pode ocorrer através de três modalidades básicas: por absorção ou participação, por direção ou
por indução. A intervenção direta por absorção ou participação ocorre nas hipóteses em que o Estado presta diretamente, através
de monopólio (absorção) ou em regime de concorrência (participação). A intervenção por direção, a seu turno, corresponde à atuação
reguladora do Estado, nas hipóteses em que lança mão de instrumentos legais e infralegais para induzir condutas sob pena de
sanções. Por fim, a intervenção por indução é identificada com atividades de incentivo, por meio das quais o Estado traça regras
diretivas orientadoras, porém, não cogentes, lançando mão, também, de políticas de fomento ou de incentivos, inclusive financeiros.

18
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

José Geraldo Brito Filomeno 21, ao comentar o princípio da harmonização, identifica três grandes
instrumentos como caminhos de sua efetivação: 1) o sistema de SACs (Sistemas de Atendimento ao
Consumidor), regulamentado pelo Decreto nº 6.523/2008 e pela Portaria 2.014/2008; 2) a convenção
coletiva de consumo, prevista no art. 107 do CDC; e 3) a realização de recalls em observância ao art. 10 do
CDC e da Portaria 789/2001 do Ministério da Justiça.
Dada a textura aberta contida no princípio da harmonização e sua inegável inserção na tensa relação
entre participantes de mercados e intervenção estatal na economia, pode-se dizer que esse princípio é uma
das primeiras e mais relevantes “portas de entrada” à realização das teorias que examinam a relação entre
direito e economia22.

4. PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA

Ainda do conteúdo do art. 4º, III, do CDC, extrai-se a primeira menção à boa-fé no diploma
consumerista. Essa previsão se soma ao que prevê o art. 51, IV, do mesmo diploma para avalizar a
aplicabilidade do princípio da boa-fé objetiva na disciplina consumerista, a qual, ademais, também encontra
pleno influxo dos arts. 113, 187 e 422 do CC/02, a partir da realização de um Diálogo de Influências Recíprocas
Sistemáticas.
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Nas palavras de Nelson Rosenvald e Cristiano Chaves, “a boa-fé objetiva identifica-se com a noção
de “‘confiança adjetivada”, uma crença efetiva no comportamento alheio. O princípio compreende um
modelo de eticização de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de comportamento,
caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e
correção, de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte23”.
Portanto, trata-se de princípio que se diferencia da tradicional análise de boa-fé subjetiva, ligada ao
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estado psicológico interno de cada pessoa em qualquer relação da vida civil, na medida em que o caráter
objetivo do princípio da boa-fé objetiva prioriza a análise da conduta das partes sob uma perspectiva externa,
buscando-se aferir se as ações por elas adotadas se compatibilizam com os padrões de comportamento
razoavelmente exigíveis.
Maria -- CPF:

A relevância do princípio da boa-fé objetiva no âmago do Direito do Consumidor é particularmente


Oliveira Maria

maior, dado que a disciplina consumerista é marcada pela permanente existência de parte vulnerável – o
consumidor – sendo necessária a vigilância constante por parte dos aplicadores do direito neste particular.
de Oliveira

Esclarecedoras as palavras de Rosenvald e Chaves sobre o tema: “Portanto, é evidente que em cotejo com a
autonomia privada, o peso da boa-fé cresça a medida em que a assimetria das partes se evidencia (v.g.
Gisely de

contrato de adesão) ou que o bem jurídico em jogo possua caráter essencial (v.g. contrato educacional) […]
Gisely

e também nas relações contratuais continuadas por instrumentos contratuais sucessivos (v.g. seguro de
vida)24”.
Em geral, a doutrina costuma realizar a divisão da boa-fé objetiva em três funções:

21 GRINOVER, Ada Pellegrini; Brazil (orgs.). Código brasileiro de defesa do consumidor. 12a. ed. rev., atualizada e reformulada. Gen,
Editora Forense, 2019.
22 Dentre as quais cite-se, apenas a título introdutório, a teoria da análise econômica do direito (“Law and economics”), a teoria do

direito e economia comportamental (“Behavioral Law and Economics”), a teoria das origens ou do direito e finanças (“Law and
Finance”), a teoria do direito e desenvolvimento (“Law and development”) e a análise jurídica da política econômica (AJPE). Para uma
análise acurada, consulte-se a introdução de: P. CASTRO, M. F. de; FERREIRA, H. L. P. Análise jurídica da política econômica: a
efetividade dos direitos na economia global. 1ª ed. CRV, 2018. DOI.org (Crossref), doi:10.24824/978854442488.9.
23 FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos, Teoria Geral e Contratos em Espécie. v. 4. 9.

ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2019.


24 Ibidem.

19
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

4.1. Função Interpretativa

Nesse plano, destaca-se o conteúdo do art. 113 do CC/02, que estabelece diretrizes para a
interpretação dos negócios jurídicos em alinhamento ao conteúdo que emana da boa-fé objetiva. Para
Rosenvald e Chaves, essa função determina que “a leitura das cláusulas negociais privilegiará sentido que
melhor conceda proteção à confiança” 25.
A opção do legislador civilista pelo acolhimento da teoria da confiança (em contraposição à teoria da
vontade e à teoria da declaração) é plenamente aplicável à interpretação contratual a ser realizada no
microssistema consumerista, sendo reforçada pela função interpretativa da boa-fé objetiva e pelas
disposições protetivas contidas no CDC (arts. 6º, II a V; 9º; 25; 30; 31; 35; 46 a 54).
Portanto, a interpretação dos contratos consumeristas, em especial nas hipóteses de lacuna, deve
ser realizada a partir de standards de conduta razoavelmente traçados a partir das práticas comerciais,
visando a preservação da finalidade econômico-social do negócio jurídico, sempre levando em conta a
vulnerabilidade do consumidor.

4.2. Função Integrativa


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A identificação da função integrativa da boa-fé objetiva decorre da superação da visão clássica do


negócio jurídico como estrutura formada por partes que se portam como adversários e encontra sua principal
fonte no art. 422 do CC/02, bem como no art. 6º, II, do CDC. A constitucionalização do Direito Civil permitiu
a revisão de tal conceito, passando a identificar a relação obrigacional negocial como solidária, onde os
contratantes atuam como parceiros visando a obtenção de bons termos durante a execução do objeto que
avençaram.
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Assim, embora o conteúdo principal da relação obrigacional, correspondente ao objeto que se


pactuou (dar, fazer ou não fazer), seja definido pela vontade das partes, em legítima aplicação da autonomia
da vontade, a boa-fé objetiva passa a ser fonte integrativa de todos os negócios jurídicos, atuando de maneira
heterônoma através da imposição de deveres que são denominados de conduta ou anexos, sendo definidos
Maria -- CPF:

por Rosenvald e Chaves como “exigências de uma atuação calcada na boa-fé e derivadas do sistema, não de
qualquer vontade das partes”26.
Oliveira Maria

A aplicação da boa-fé objetiva em sua vertente integrativa é inegavelmente categorizada como de


de Oliveira

ordem pública (arts. 422, parágrafo único, c/c 2.035 do CC/02), em especial quando se tem em vista que essa
característica é reforçada pelo art. 1º do CDC, de modo que, observada a vulnerabilidade do consumidor,
Gisely de

mostra-se como poder-dever do magistrado a integração a partir da aplicação dos deveres anexos de ofício,
Gisely

os quais atuam em todos os momentos da relação obrigacional (incluindo fases pré e pós negociais).
Nos termos da classificação tripartite adotada por Rosenval e Chagas 27, os deveres anexos são
divididos em: A) Deveres de Proteção ou de Cuidado: objetivam a proteção da integridade física e do
patrimônio da parte (exs.: art. 42 do CDC e a cobrança de dívidas; Súmula 130 do STJ e estacionamento não
cobrado; Súmula 359 do STJ e dever de notificação do consumidor antes de negativação; etc.); B) Deveres
de Cooperação: impõem às partes o dever de não agir de forma a prejudicar a parte contrária ou alterar o
equilíbrio econômico-financeiro do negócio jurídico (exs.: Súmula 286 do STJ e operações bancárias que
sucedem operações anteriores visando mascarar encargos ilícitos; arts. 30 e 35 do CDC e o princípio do
caráter vinculativo da oferta; art. 32 do CDC e o dever de fornecimento de peças de reposição, visando
combater a obsolescência programada; etc.); C) Deveres de Esclarecimento ou de Informação: são
especialmente relevantes no CDC, onde a vulnerabilidade do consumidor possui vertente informacional 28,
sendo preocupação constante do legislador (arts. 4º, IV; 6º, III e parágrafo único; 8º; 10º, §3º; 12; 14; 30; 31;

25
Ibidem.
26
Ibidem.
27
Ibidem.
28
Vide Capítulo 2, item I.

20
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

36 a 38; 43; 44; e 52, todos do CDC). Portanto, o grau de informação ao consumidor é especialmente
profundo quando comparado ao exigido nos negócios jurídicos em geral.
O descumprimento dos deveres anexos é uma forma de inadimplemento contratual denominada
violação positiva do contrato, a qual pode resultar no dever de indenizar e/ou no direito de resolução do
vínculo (ex.: condenação de médico a indenizar por danos morais paciente na hipótese em que, embora
executado tratamento adequado, não houve informação adequada dos procedimentos – REsp 1.540.580 /
DF).

4.3. Função de limite ao exercício de direitos subjetivos

Por fim, a boa-fé objetiva dialoga também com a concepção de abuso de direito, definida no art. 187
do CC/02 e identificada com as hipóteses em que o titular de um determinado direito o exerce em
desconformidade ética, desempenhando sua posição subjetiva de maneira ilegítima e causando lesão a
direitos de terceiros. Ou seja, nas palavras de Rosenvald e Chaves: “Há um descompasso entre o objetivo
perseguido pelo agente (titular do direito) e aquele para o qual o ordenamento direcionou o exercício do
direito. A violação ao espírito do ordenamento é posta em seus fundamentos axiológicos – boa-fé, bons
costumes e finalidade econômica ou social do direito subjetivo. 29”
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A boa-fé objetiva serve de critério de balizamento de análise do exercício de uma determinada


posição abusiva, e o CDC, em seu art. 51, IV, ao reputar nulas as cláusulas “incompatíveis com a boa-fé”,
internaliza tal função ao nulificar o exercício de posições abusivas através de instrumentos contratuais.
Rosenvald e Chaves 30 distinguem três categorias de exercícios abusivos de um direito:

4.3.1. Desleal exercício de um direito


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Ocorre nas hipóteses em que há manifesta desproporção entre a vantagem que será obtida pelo
titular do direito e o prejuízo daquele que sofre as consequências do exercício. Há aqui uma espécie de
análise de proporcionalidade strictu sensu no campo do direito das obrigações, sendo a mais notória forma
Maria -- CPF:

de exercício desleal de direito a hipótese em que se reconhece a ocorrência de adimplemento substancial


Oliveira Maria

do contrato (ex.: embora tenha sido vedada pelo STJ – REsp 1.622.555, a matéria é comum nos contratos de
financiamento de veículos garantidos pela alienação fiduciária).
de Oliveira

4.3.2. Desleal não exercício de direitos


Gisely de
Gisely

Aqui a postura do titular do direito é, inicialmente, omissiva, o que gera legítima confiança de
terceiros que, após prazo razoável, é quebrada, prejudicando aqueles que inicialmente acreditaram na
inação. Exemplo de hipótese de reconhecimento dessa forma de exercício abusivo é o venire contra factum
proprium, conhecido brocardo de bloqueio ao exercício de posição jurídica que contradite ato anteriormente
tomado pelo próprio titular de direito (exs.: Súmula 370 do STJ e venda de um bem tido por durável com vida
útil inferior àquela que legitimamente se esperava – REsp 984.106/SC).
Mostram-se também derivados do desleal não exercício de um direito os brocardos supressio e
surrectio, sendo a supressio decorrente da inação por parte do titular de um direito por lapso temporal que
gere situação em que o seu exercício causará situação de desequilíbrio inadmissível entre as partes; enquanto
a surrectio decorre de exercício de direito em desconformidade com a lei ou com o pactuado, de maneira a
gerar nova fonte de direito subjetivo estabilizada para o futuro.

29
Ibidem.
30
Ibidem.

21
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

4.3.3. Desleal constituição de direitos

Por fim, a boa-fé objetiva, através da teoria do abuso do direito, impede que eventual indivíduo
violador de determinada norma jurídica se valha dos direitos decorrentes da mesma norma que violou
inicialmente. Nessa quadra, é importante destacar o brocardo tu quoque, que representa a defesa dos
princípios da boa-fé e da justiça contratual, na medida em que, ao vedar o reconhecimento jurídico de
posição obtida a partir de violação de um direito, também resguarda o equilíbrio entre as prestações,
conforme destacado por Rosenvald e Chaves31 (ex.: há nulidade dos atos praticados pela instituição
financeira em nome do consumidor quando decorrentes de cláusula de mandato ilegalmente imposta no
contrato – REsp 1084640/SP).
Outra hipótese de conduta que representa abuso de direito na modalidade de desleal constituição é
a que deriva do descumprimento do dever de mitigar o próprio prejuízo (“Duty to Mitigate the Own Loss”).
Tal brocardo impõe ao contratante que ocupa a posição de credor a obrigação de, em observância ao dever
anexo de cooperação, adotar medidas céleres e adequadas visando reduzir ao máximo possível o prejuízo
imposto à parte devedora, mesmo que inadimplente (ex.: demora na retomada de imóvel financiado – REsp
758.518 / PR).
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Entretanto, engana-se o intérprete que modula a aplicação e os efeitos da boa-fé objetiva apenas em
direção ao consumidor. Na realidade, embora grande parte da relevância desse princípio na disciplina
consumerista resida na compensação da vulnerabilidade do consumidor, é inegável que as funções
supracitadas também se estendem ao consumidor, em especial no que tange à imposição dos deveres e
condutas socialmente esperados.

5. PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA
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A Política Nacional das Relações de Consumo busca, dentre outros objetivos, assegurar a
transparência das relações de consumo, conforme o art. 4º, caput, do CDC. O legislador pretende, a partir
da positivação desse princípio, oportunizar às partes envolvidas na relação consumerista amplo acesso às
informações que envolvam o produto ou o serviço negociado, desde sua fabricação ou execução, passando
Maria -- CPF:

por sua comercialização, utilização e vida útil.


Oliveira Maria

O consumidor, portanto, é titular do direito de exigir toda informação que julgue necessária à
de Oliveira

avaliação do produto ou serviço, bem como acerca do contrato que envolva a negociação em si. O
fornecedor, a seu turno, encontra-se obrigado a, de acordo com a boa-fé objetiva, expor de maneira clara e
adequada todas as informações que envolvam o produto ou serviço que coloque no mercado.
Gisely de
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Tais diretrizes são reforçadas pelos arts. 6º, III, e 31 do CDC, sendo que este último adjetiva a
informação exigida do fornecedor como “corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre
suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre
outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.”
São exemplos de aplicação desse princípio: 1) a vedação de cláusulas dúbias em prejuízo do
consumidor (art. 47 do CDC); 2) a Súmula 402 do STJ: “O contrato de seguro por danos pessoais compreende
os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão”; 3) e a aplicação da teoria da aparência na cadeia de
consumo (REsp 1.077.911).
Como se percebe, o campo de atuação do princípio da transparência é amplo, informando a relação
consumerista em sua fase pré-contratual (ex.: exigências contidas na seção relativa à proteção à saúde e
segurança – arts. 8º a 10 do CDC), contratual (ex.: princípio da oferta – art. 30 do CDC) e pós-contratual (art.
10, §1º, do CDC).

31
Ibidem.

22
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

6. PRINCÍPIO DA INFORMAÇÃO

O princípio da informação está ligado ao princípio da transparência, sendo forma relevante de


concretização da atuação transparente das partes visando a adequada formação de vontade para
contratação do serviço ou produto ofertado.
A adoção do paradigma do princípio da informação suprimiu a regra do Caveat emptor, que
determinava ao contratante – no caso, o consumidor – o acautelamento na busca da informação. A partir de
seu acolhimento, o CDC passa a determinar como ônus do fornecedor o oferecimento amplo de informações
relativas ao produto ou serviço que oferta.
O princípio da informação possui núcleo normativo dúplice32:

• Direito do consumidor de ser informado;

• Dever do fornecedor de informar.


Segundo o art. 6º, III, do CDC, o consumidor tem o direito básico à informação adequada e clara
sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características,
composição, qualidade, tributos incidentes e preço, bem como sobre os riscos que apresentem. Ademais,
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o parágrafo único do art. 6º ainda estabelece que: “A informação de que trata o inciso III do caput deste
artigo deve ser acessível à pessoa com deficiência, observado o disposto em regulamento.”
O STJ já entendeu que informação adequada é informação completa, gratuita e útil33. Com relação
ao “útil”, o STJ veda a ocorrência da diluição da comunicação efetivamente relevante pelo uso de
informações soltas, destituídas de qualquer relevância e serventia para o consumidor (REsp 586.316, Rel.
Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJ 19/03/09). Trata-se de hipótese ligada a denominada por Nelson e Rosa
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Nery de “Informação Hipereficiente34”, a qual se identifica com o fornecimento desconexo e não didático de
uma quantidade massiva de informações que acabam por desinformar o consumidor.
A obrigação de informação é desdobrada em 4 categorias:
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• Informação-conteúdo: servirá para saber quais são as características intrínsecas do produto e do


serviço;
Oliveira Maria

• Informação-utilização: mais do que saber o que há dentro do produto, é necessário saber como
de Oliveira

ele usará o produto ou do serviço;


• Informação-preço: é necessário saber quais são os custos, as formas e condições de pagamento;
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• Informação-advertência: é necessário saber os riscos do produto ou do serviço.


Gisely

A falha no atendimento aos preceitos do princípio da informação gera, quanto à oferta, publicidade
enganosa (por omissão ou por comissão – art. 37, §§2º e 3º, do CDC).
No REsp 586.316, o STJ decidiu que este dever ativo de informação do fornecedor existe mesmo que
o produto só possa causar dano a uma parcela pequena da população. Por exemplo, para o doente celíaco a
informação “contém glúten”.
Outra hipótese relevante de aplicação concreta do princípio da informação foi dada pelo STJ no REsp
1.540.580 / DF, onde ele estabeleceu que o postulado em comento impõe ao médico que: 1) esclareça para
o paciente os riscos do tratamento, suas vantagens e desvantagens, as possíveis técnicas a serem
empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e aos quadros clínico e cirúrgico; 2) os
esclarecimentos devem se relacionar especificamente ao caso do paciente, não se mostrando suficiente a
informação genérica; 3) o dever de informar é dever de conduta decorrente da boa-fé objetiva e sua simples

32 Expressão utilizadapor Felipe P. Braga Neto (BRAGA NETO, Felipe P. Manual de Direito do Consumidor. 12. ed. rev., ampl. e atual.
Salvador: JusPodivm, 2017).
33 Ibidem.
34 NERY, Rosa Maria Andrade et. al. Instituições de Direito Civil, Vol I, Tomo I, Teoria Geral do Direito Privado. São Paulo: Editora

Revista dos Tribunais, 2014).

23
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

inobservância caracteriza inadimplemento contratual, fonte de responsabilidade civil per se; e 4) o ônus da
prova quanto ao cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente é do
médico ou do hospital.
Ainda, com base no princípio da informação, o STJ considerou enganosa a publicidade que omite o
preço e a forma de pagamento, condicionando ligação para sabê-los (REsp 1.428.801); sendo também de
relevo o precedente que estabeleceu que: “Ainda que haja abatimento no preço do produto, o fornecedor
responderá por vício de quantidade na hipótese em que reduzir o volume da mercadoria para quantidade
diversa da que habitualmente fornecia no mercado, sem informar na embalagem, de forma clara, precisa e
ostensiva, a diminuição do conteúdo.” (REsp 1.364.915 / MG).
Quanto a este último julgado, a demanda de transparência informacional nos casos de redução de
quantidade passou a ser reforçada pelo art. 6º XIII do CDC, com redação dada pela Lei nº 14.181, de 2021,
que sipõe ser direito básico do consumidor “a informação acerca dos preços dos produtos por unidade de
medida, tal como por quilo, por litro, por metro ou por outra unidade, conforme o caso”.
No mesmo sentido, o STJ considerou não observado o dever de informação na atuação de instituição
de ensino que não informou aos estudantes que o curso por ela oferecido não possuía credenciamento
perante o MEC (REsp 1.121.275 / SP), tendo editado, inclusive, a Súmula de nº 595 - As instituições de ensino
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superior respondem objetivamente pelos danos suportados pelo aluno/consumidor pela realização de curso
não reconhecido pelo Ministério da Educação, sobre o qual não lhe tenha sido dada prévia e adequada
informação.
De maneira mais recente, o STJ confirmou a relevância do princípio nas atividades educacionais,
firmando entendimento no sentido de que “Constitui dever da instituição de ensino a informação clara e
transparente acerca do curso ofertado, orientando e advertindo seus alunos acerca da separação entre
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bacharelado e licenciatura.” (AgInt no REsp 1.738.996 / RJ)


Mencione-se, ainda, as seguintes leis ordinárias que, atentas ao conteúdo do princípio em estudo,
impõem o fornecimento qualificado de informações: Lei nº 10.962/04 (trata da especificação dos preços na
oferta de produtos e serviços); Lei nº 12.291/10 (estabelece obrigatoriedade de todo estabelecimento
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comercial possuir cópia do CDC); e Lei nº 13.111/15 (estatui obrigações aos revendedores de veículos
usados).
Oliveira Maria

Outra ferramenta relevante à obtenção de informação e atendimento ao consumidor são os serviços


de Oliveira

que permitem o estabelecimento de contato para reclamações, relacionamento e informações, geralmente


denominados Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC). A oferta de tal linha de comunicação foi
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regulamentada pelo Decreto nº 11.034, de 5 de abril de 2022, “com vistas a garantir o direito do consumidor:
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I - à obtenção de informação adequada sobre os serviços contratados; e II - ao tratamento de suas


demandas.” (Art. 1º, I e II)
Em geral, a regulamentação determina que o SAC será realizado por diversos canais integrados (art.
2º), gratuito (art. 3º) e funcionará 24 horas por dia e 7 dias por semana (art. 4º). Deve-se observar, durante
o atendimento, os seguintes princípios: “I - tempestividade; II - segurança; III - privacidade; e IV -
resolutividade da demanda.” (Art. 8º).
Há, portanto, preocupação do legislador infralegal em assegurar atendimento célere e eficaz,
garantindo a integridade moral do consumidor e sua privacidade, tudo reforçado pelos princípios da “I -
dignidade; II - boa-fé; III - transparência; IV - eficiência; V - eficácia; VI - celeridade; e VII - cordialidade.”
Além disso, “O acesso inicial ao atendente não será condicionado ao fornecimento prévio de dados
pelo consumidor,” (Art. 4º, §4º), demandando-se, quanto ao canal telefônico, “horário de atendimento não
inferior a oito horas diárias”, “opções mínimas constantes do primeiro menu, incluídas, obrigatoriamente, as
opções de reclamação e de cancelamento de contratos e serviços” e “tempo máximo de espera para: a) o
contato direto com o atendente (...) b) a transferência ao setor competente para atendimento definitivo da
demanda” (Art. 5º).

24
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

Há, também, à guisa de garantia de efetividade do contato, vedação ao cancelamento unilateral da


chamada e a garantia de retorno ao cliente mem caso de finalização da ligação antes da conclusão do
problema (art. 11) e garantia de direito ao acompanhamento da demanda e de obtenção da integralidade do
histórico da conversa no prazo de cinco dias corridos, sendo obrigatória a gravação da chamada e sua
manutenção pelo prazo de 90 dias, além do registro de sua ocorrência pelo prazo de 2 anos (art. 12).
O decreto estabelece prazo de 7 dias para resposta da demanda, sendo a resposta necessariamente
completa, “clara, objetiva e conclusiva” (art. 13).
Portanto, o princípio da informação possui ampla penetração no sistema consumerista, constituindo
direitos e deveres em todas as relações jurídicas travadas no âmbito do direito do consumidor e espraiando-
se a todas as fases da relação de consumo (compra, uso e descarte), em especial, quando se tem em vista
sua estreita conexão com o princípio da boa-fé objetiva.

7. PRINCÍPIO DA SEGURANÇA

O princípio da segurança estabelece diretriz no sentido de vedar ao fornecedor a oferta de produtos


ou serviços que causem danos aos consumidores. Sua principal diretriz encontra-se no art. 6º, I, do CDC, que
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estabelece ser direito básico do consumidor a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos
provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos,
devendo-se notar que o dever de fornecimento de produtos e serviços seguros se inicia com a introdução do
bem no mercado e se estende até o seu descarte.
O art. 8º do CDC, em reforço, diz que os produtos e serviços colocados no mercado de consumo não
acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis
em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as
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informações necessárias e adequadas a seu respeito.


Percebe-se que o legislador não veda ao fornecedor o fornecimento de produtos que ofereçam riscos
“considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição”, sendo tal ressalva
Maria -- CPF:

fundamental à concretização do princípio da harmonização das relações no mercado de consumo, já que é


normal que todo produto ou serviço ofereça riscos que são considerados toleráveis, cuja aceitação decorre
Oliveira Maria

de uma análise de proporcionalidade entre os benefícios advindos de seu fornecimento e os toleráveis efeitos
colaterais dele advindos.
de Oliveira

Cuida-se de hipótese denominada pela doutrina de Perigo Inerente ou Latente, encontrando-se


presente na grande maioria dos casos da sociedade de risco atual (ex.: não se pode proibir a venda de um
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veículo baseada no risco de acidente automobilístico).


De outro lado, no caso de produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos à saúde ou à
segurança, o fornecedor deverá informar, de maneira ostensiva e adequada, a respeito da sua nocividade
ou periculosidade, sem prejuízo da adoção de outras medidas cabíveis em cada caso concreto, conforme
destacado pelo art. 9º do CDC.
Aqui, há uma gradação superior na periculosidade envolvida na comercialização do produto ou do
serviço, embora também seja a hipótese tolerada pela análise de proporcionalidade entre os benefícios e os
possíveis prejuízos, desde que haja informação ostensiva e adequada a respeito da nocividade ou
periculosidade do produto.
Adiante, segundo o art. 10, o fornecedor não poderá colocar no mercado de consumo produto ou
serviço que sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou alto grau de periculosidade à
saúde ou segurança.
Nessa situação, diante da existência de grau de periculosidade substancialmente superior ao previsto
no art. 9º, o legislador trata da hipótese denominada Perigo Exagerado, o qual não é tolerado pelo
ordenamento pátrio, justamente em razão do exame negativo de proporcionalidade strictu, ou seja, os
benefícios não superam os custos ou os custos em si são inegociáveis (ex.: vidas humanas).

25
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

Se o fornecedor introduziu o produto e descobriu após que o produto era nocivo à saúde ou à
segurança, o §1 º impõe a ele o dever de comunicar o fato imediatamente às autoridades competentes e
aos consumidores, mediante anúncios publicitários. Esses anúncios publicitários serão veiculados na
imprensa, rádio e televisão, às expensas do fornecedor do produto ou serviço, conforme §2º do mesmo art.
10. Trata-se da periculosidade superveniente, a qual também não é tolerada pelo ordenamento jurídico,
que demanda sua publicização e reparação pelo fornecedor.
Insere-se aqui o chamado Recall, que é posto como obrigação oposta ao fornecedor quando ciente
da periculosidade superveniente apresentada por seu produto. A realização de recall é obrigação imposta
pelo diploma consumerista ao fornecedor, e também decorre do princípio da segurança.
O Recall é regulamentado pela Portaria 618/19 do Ministério da Justiça e Segurança Pública, que
estabelece que “O fornecedor, conforme conceituação do art. 3º da Lei nº 8.078, de 1990, que tomar
conhecimento da possibilidade de que tenham sido introduzidos, no mercado de consumo brasileiro,
produtos ou serviços que apresentem nocividade ou periculosidade, deverá, no prazo de vinte e quatro
horas, comunicar à Secretaria Nacional do Consumidor sobre o início das investigação.” (Art. 2º)
Uma vez averiguada a existência da nocividade ou periculosidade, o fornecedor “deverá comunicar
o fato, no prazo de dois dias úteis, contados da decisão de realizar o chamamento, à Secretaria Nacional do
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Consumidor e ao órgão norma”, hipótese em que já deverá apresentar “plano de mídia”, com os requisitos
do art. 3º, §1º, inciso IX do decreto, o qual deverá conter “pelo menos, uma estrutura de veiculação escrita,
uma estrutura de veiculação de sons e uma estrutura de veiculação de sons e imagens” (art. 4º, §º) visando
“a maior efetividade de alcance da mensagem para o público alvo” (art. 4º, §2º).
A constatação da necessidade do “recall” deve ser acompanhada do fornecimento de “plano de
atendimento” (art. 3º, §1º, inciso X), responsável por estabelecer as diretrizes relativas às formas de
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atendimento destinadas à recepção, tratamento e solução das demandas dos consumidores que adquiriram
o produto ou serviço que apresentou nocividade ou preculosidade.
Além e independetemente do plano de mídia, o fornecedor deve “informar imediatamente aos
consumidores sobre a nocividade ou periculosidade do produto ou serviço por ele colocado no mercado, por
Maria -- CPF:

meio de aviso de risco de acidente ao consumidor” (Art. 6º), que não pode ser substituído por comunicações
individuais, sendo a questão relativa à responsabilidade pelos danos sofridos pelo consumidor melho
Oliveira Maria

estudada quando da análise da teoria da qualidade durante o estudo das excludentes de nexo de causalidade.
de Oliveira

Além disso, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, sempre que tiverem
conhecimento da periculosidade de produtos ou serviços à saúde ou à segurança dos consumidores, deverão
Gisely de

informar os consumidores a respeito dessa periculosidade, conforme §3º do art. 10 do CDC.


Gisely

Por fim, quanto aos tipos de periculosidade, para além das já citadas, há de se destacar que a doutrina
também reconhece a existência de periculosidade adquirida na hipótese prevista no art. 12, §1º, do CDC,
que trata de fato do produto e será melhor analisada quando do estudo da teoria da qualidade.

8. PRINCÍPIO DO EQUILÍBRIO NAS PRESTAÇÕES

O equilíbrio nas prestações é princípio que decorre do postulado da harmonização, previsto no art.
4º, III, do CDC, e já visto acima. O princípio em estudo possui maior grau de especificação, formulando diretriz
no sentido de que as disposições contratuais que se submetem ao CDC não podem prever vantagens
desproporcionais, nos termos do art. 6º, V, do CDC.
O art. 51, IV, do CDC dispõe que são nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais
que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem
exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Isso não autoriza colocar o consumidor em
vantagem exagerada. O que se busca efetivamente é o equilíbrio nas prestações, de forma que, se a cláusula
é abusiva, ela é nula.

26
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

O CDC, em seu art. 6º, V, prevê como direito básico do consumidor a modificação das cláusulas
contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou a revisão das cláusulas em razão de fatos
supervenientes que tornem aquelas obrigações excessivamente onerosas.
Basicamente, se há desequilíbrio no nascedouro do contrato, é possível que essa cláusula seja
modificada. Da mesma forma, se, após o nascimento, ocorrer um fato superveniente, passando-se a
perceber um desequilíbrio no contrato, também será admitida a modificação ou a revisão das cláusulas
contratuais.
No art. 6º, V, o CDC adotou a teoria do rompimento da base objetiva do negócio, afastando-se da
teoria da imprevisão adotada pelo Código Civil em seus arts. 317 e 478, pois não demanda que o evento seja
imprevisível e nem que a onerosidade seja excessiva para alterar ou modificar as cláusulas contratuais.
É exemplo de aplicação desse princípio a Súmula 302 do STJ, que dispõe: “É abusiva a cláusula
contratual de plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.” No mesmo sentido,
o precedente firmado em sede de repetitivo que afirma que: “No contrato de adesão firmado entre o
comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o
inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo
inadimplemento do vendedor.” (REsp 1.498.484/DF e REsp 1.631.485/DF - Tema 971).
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Além disso, o STJ entende há muito que a quitação do contrato ou o pagamento das prestações não
impede o consumidor de pleitear a revisão contratual (RESp 267758/MG), a qual pode ser feita no bojo da
demanda de busca e apreensão no caso da consolidação de propriedade na alienação fiduciária (REsp
402261/RS).
A textura aberta de tal princípio e a sua concretização através da análise das práticas e cláusulas
abusivas (arts. 39 e 51 do CDC) evidenciam um espectro amplo de aplicação, o qual será novamente revisado
CPF: 778.558.762-00

de maneira específica quando da análise dos dispositivos supracitados.

9. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO INTEGRAL


Maria -- CPF:

Dentre os direitos básicos do consumidor, o art. 6º, VI, estabelece que o consumidor tem direito à
efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos. Cuida-se de
Oliveira Maria

previsão legal que estabelece a reparação integral como diretriz a ser seguida pelo intérprete, visando a
de Oliveira

ampla reparação do dano eventualmente experimentado, em qualquer de suas vertentes, como forma,
inclusive, de prevenir a ocorrência de novas violações (função dissuasória).
Gisely de

Exemplo de entendimento que atende ao princípio da reparação integral é o conteúdo da Súmula


Gisely

465 do STJ, que estabelece: “Ressalvada a hipótese de efetivo agravamento do risco, a seguradora não se
exime do dever de indenizar em razão da transferência do veículo sem a sua prévia comunicação.” Nesse
sentido, a Súmula 402 do mesmo tribunal estabelece que “o contrato de seguro por danos pessoais
compreende os danos morais, salvo cláusula expressa de exclusão.”
Uma consequência do princípio da reparação integral é que a jurisprudência brasileira não admite
a indenização tarifada. Entretanto, essa diretriz, assim como a do princípio da reparação integral, foi afetada
pelo julgamento pelo STF, em repercussão geral, do Tema 210, onde restou fixada a seguinte tese: "Nos
termos do art. 178 da Constituição da República, as normas e os tratados internacionais limitadores da
responsabilidade das transportadoras aéreas de passageiros, especialmente as Convenções de Varsóvia e
Montreal, têm prevalência em relação ao Código de Defesa do Consumidor". (RE 636.331 / RJ)
Dessa forma, na hipótese de transporte aéreo internacional (no doméstico remanesce a integral
aplicação do CDC) há de ser observada a diretriz de limitação prevista nos arts. 21 e 22 da Convenção para a
Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de

27
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

maio de 1999, que estabelece o teto de ressarcimento baseado em Direitos Especiais de Saque, espécie de
ativo com cotação em bolsa (XDR)35.
Insta salientar, contudo, que o STJ firmou entendimento no sentido de que “As indenizações por
danos morais decorrentes de extravio de bagagem e de atraso de voo internacional não estão submetidas à
tarifação prevista na Convenção de Montreal, devendo-se observar, nesses casos, a efetiva reparação do
consumidor preceituada pelo CDC.” (REsp 1.842.066 / RS)
Ademais, o CDC também permite a mitigação do princípio da reparação integral na hipótese em que
o consumidor for pessoa jurídica. Nesse caso, a indenização poderá ser limitada e tarifada, conforme o art.
51, I, do CDC, que diz, em sua parte final, que nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor
pessoa jurídica a indenização poderá ser limitada em situações justificáveis. Portanto, é possível a
indenização limitada se o consumidor for pessoas jurídica, desde que essa limitação seja justificada.

10. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE (RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA)

O princípio da solidariedade representa diretriz específica do CDC quando do tratamento do regime


da responsabilidade dos fornecedores, na medida em que o consumidor poderá exigir o seu direito à
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reparação contra todos aqueles fornecedores, ou contra apenas um deles, conforme preferir, levando-se
em conta a solidariedade entre eles.
Nota-se que, para além do conteúdo da solidariedade imposta pelo legislador civilista no art. 942,
parágrafo único, do CC/02, o princípio em estudo reputa solidários todos os fornecedores que atuam na
cadeia de fornecimento, independente de verificação de nexo de causalidade a partir da teoria da
causalidade. Ou seja, geralmente, em fornecimento de produto ou serviço submetido ao CDC, todos aqueles
que estão vinculados à prestação são por ela responsáveis, mesmo que não tenham contribuído de nenhuma
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maneira para o evento, o que inviabiliza que um dos fornecedores impute a culpa a outro de maneira
juridicamente aceitável.
Trata-se de garantia ofertada ao consumidor, diante de sua vulnerabilidade perante a complexa
Maria -- CPF:

formação das cadeias de fornecimento, a qual, não raro, conta com o estabelecimento de estruturas jurídicas
de “blindagem patrimonial” que podem vir a frustrar o direito do consumidor de se ver reparado por eventual
Oliveira Maria

prejuízo sofrido.
de Oliveira

O art. 7º, parágrafo único, do CDC dá vazão a esse princípio ao estabelecer que “tendo mais de um
autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de
consumo.” Essa previsão é reforçada pelo art. 25, §1º, do CDC, que afirma que “havendo mais de um
Gisely de
Gisely

responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação.” Ainda, os caputs
dos arts. 18 e 19 do CDC reforçam a existência de solidariedade na cadeia de fornecimento em decorrência
de vício do produto.
Exemplo sde aplicação desse princípio se evidenciam na jurisprudência do STJ que entende que a
empresa de turismo que vende pacote responde pelo dano causado pelo hotel36 (REsp 888.751), assim como
no entendimento de que a franqueadora responde solidariamente pelos danos causados pela franqueada
(REsp 1.426.578). No mesmo sentido, o STJ entende que empresas de plano de saúde respondem
solidariamente pelo dano causado por médico ou hospital que foi por ela credenciado (REsp 164.084) e que
rede de cooperativas com o mesmo nome, embora regionalizada, é solidariamente responsável pela
prestação do serviço contratado (REsp 1.377.899 / SP).

35 Ex.: No caso de extravio de bagagem, onde a Convenção de Montreal estabelece limite de 1.000 Direitos Especiais de Saque por
passageiro, o valor máximo a ser deferido consistiria em R$ 6.324,45 (Seis Mil Trezentos e Vinte e Quatro Reais e Quarenta e Cinco
Centavos) em 04/03/2020 (https://cuex.com/pt/xdr-brl).
36 Vale destacar que o STJ entende que, nos casos em que a agência de turismo ou site de intermediação se restringe a vender

passagens aéreas, não haverá de se falar em solidariedade quanto ao serviço de aviação em si (Ex: AgRg no REsp 1453920 / CE, de
onde se destaca: “(...) A jurisprudência deste Tribunal admite a responsabilidade solidária das agências de turismo apenas na
comercialização de pacotes de viagens. (...)”).

28
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

O STJ entende, no tocante ao provedor de conteúdo de internet, que ele não responderá
objetivamente pelo conteúdo inserido pelo usuário (AgRg no REsp 1.309.891), entendimento que foi
ratificado pelo art. 18 da Lei nº 12.965/14, que estabeleceu o marco civil da internet. Entretanto, quando o
provedor da internet for comunicado do conteúdo inadequado, terá obrigação de retirá-lo e, caso não retire
após a determinação judicial, passará então a responder subsidiariamente com o autor do dano, conforme
arts. 19 e 21 da Lei nº 12.965/14.
Quanto aos aplicativos e site que compõem a “economia compartilhada”, o STJ já entendeu pela
solidariedade do “Mercado Livre” com seus anunciantes (REsp 1.107.024 / DF), o que representa precedente
para a prática do marketplace. No mesmo sentido.
No mesmo sentido, o STJ também já reconheceu a solidariedade entre os envolvidos na operação de
cartões de crédito, como bancos, “bandeiras” e administradoras, no caso de falhas no serviço (AgRg no AResp
596.237 / SP).
Em alguns casos, contudo, o STJ tem afastado a solidariedade em razão da total ausência de nexo de
causalidade entre a atividade exercida pelo fornecedor e o dano sofrido pelo consumidor: “Banco não é
responsável por fraude em compra on-line paga via boleto quando não se verificar qualquer falha na
prestação do serviço bancário.” (REsp 1.786.157 / SP); responsabilidade da financeira pelo vício do veículo
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novo apenas em casos em que a instituição integrar o grupo econômico da fabricante (REsp 1.379.839 / SP e
REsp 1.014.547 / DF).

11. PRINCÍPIO DA INTERPRETAÇÃO MAIS FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR

O art. 47 do CDC dispõe que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais
favorável ao consumidor.” A interpretação contra o estipulante também é prevista pelo Código Civil em seu
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art. 423, havendo aqui hipótese de diálogo entre as fontes. Portanto, eventuais disposições dúbias ou
obscuras presentes no instrumento contratual devem ser interpretadas em benefício do consumidor,
considerada sua vulnerabilidade e, em última instância, sua categorização como aderente ao contrato com
cláusulas já postas.
Maria -- CPF:

Exemplo de aplicação do princípio da interpretação mais favorável ao consumidor ocorre nas


Oliveira Maria

hipóteses em que determinado seguro que garante cobertura no caso de furto qualificado, a seguradora não
pode se negar a cobrir o evento se o que ocorreu foi furto simples (REsp 814.060/RJ). Isso porque a distinção
de Oliveira

rígida entre o que é furto simples e furto qualificado é uma distinção inerente ao profissional do direito penal.
Gisely de

12. PRINCÍPIO DA REPARAÇÃO OBJETIVA


Gisely

Ao lado do princípio da solidariedade, o princípio da reparação objetiva estabelece peculiaridade


inerente ao regime de responsabilização previsto no CDC. Ao contrário do que ocorre no CC/02, a
responsabilidade prevista no sistema consumerista é marcada pela objetividade, ou seja, independe da
apuração de culpa para sua ocorrência.
Nesse sentido, os caputs dos arts. 12 e 14 do CDC afirmam expressamente a desnecessidade da
verificação de culpa para apuração da reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos
à prestação dos produtos ou serviços.
Cuida-se de princípio que comporta exceções, como a prevista no art. 14, §4º, do CDC, que estabelece
que “a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa”; a
do art. 28, §4º, do CDC, que afirma que “as sociedades coligadas só responderão por culpa”; e as ligadas à
responsabilização penal (arts. 61 a 80 do CDC) que, por razão constitucional, não comportam
responsabilidade objetiva.

13. PRINCÍPIO DA CONSERVAÇÃO DO CONTRATO

29
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

O CDC diz no art. 51, §2º, que a nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato,
exceto quando da ausência dessa cláusula, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a
qualquer das partes. Portanto, o diploma consumerista adota a mesma linha do Código Civil que estabelece,
em seu art. 184, que “respeitada a intenção das partes, a invalidade parcial de um negócio jurídico não
prejudicará o negócio jurídico na parte válida, se for possível fazer essa separação entre a parte inválida e a
parte válida.”
Assim, diversamente do que possa aparentar eventual demanda que decorra da condição de
hipossuficiente do consumidor, a nulidade de cláusulas contratuais em contratos submetidos ao CDC não
implica na anulação total da avença.

14. PRINCÍPIO DA OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS OU DA


INTANGIBILIDADE CONTRATUAL (PACTA SUNT SERVANDA)

O princípio da força obrigatória dos contratos, que confere eficácia vinculante às disposições
livremente pactuadas entre as partes, é plenamente aplicável aos contratos submetidos ao CDC. Tal locução
significa dizer que o contrato que sofre o influxo do CDC também é exequível de maneira coercitiva, na forma
do art. 389 do CC/02.
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Entretanto, diversamente do que ocorre no diploma civilista, a flexibilização do pacta sunt servanda
não se restringe às hipóteses de caso fortuito ou força maior (art. 393 do CC/02) ou de aplicação da teoria da
imprevisão (arts. 317 e 478 do CC/02). Ao contrário, considerada a vulnerabilidade do consumidor, os
negócios jurídicos tutelados pelo CDC encontram-se expostos a maior grau de heterogeneidade, considerado
o caráter de ordem pública expressamente estabelecido pelo art. 1º do diploma consumerista.
Dessa forma, embora o CDC estabeleça número significativamente maior de hipóteses de
CPF: 778.558.762-00

rompimento da lógica da obrigatoriedade da disposição contratual, inclusive hipóteses de conteúdo jurídico


indeterminado como as dos arts. 39, V, e 51, IV, ambos do CDC, certo é que a lógica da força obrigatória dos
contratos prevalece quando inexistente hipótese abusiva.
Maria -- CPF:

QUESTÕES DE CONCURSOS
1) (CESPE/ CEBRASPE – 2020 – MPE/CE - Promotor de Justiça de Entrância Inicial) No âmbito do direito do
Oliveira Maria

consumidor, a igualdade de condições entre consumidores no momento da contratação, especificamente, é


de Oliveira

garantida pelo princípio da

a) função social do contrato.


Gisely de
Gisely

b) hipossuficiência do consumidor.

c) boa-fé objetiva.

d) equivalência negocial.

e) vulnerabilidade do consumidor.

2) (MPE-GO -2016 - Promotor de Justiça Substituto) — Considerando os princípios e direitos básicos que
regem o Código de Defesa do Consumidor, assinale a alternativa correta:

a) O conceito de hipossuficiência consumerista restringe-se a análise da situação socioeconômica do


consumidor perante o fornecedor, permitindo, inclusive, a inversão do ônus probatório.

b) O boa-fé objetiva é uma causa limitadora do exercício, antes lícito, hoje abusivo, dos direitos subjetivos,
e, ainda se caracteriza por ser fonte de deveres anexos contratuais.

c) Por ser os princípios da hipossuficiência e da vulnerabilidade conceitos jurídicos pode-se afirmar que todo
consumidor vulnerável é, logicamente, hipossuficiente.

30
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRINCÍPIOS DO CDC • 2

d) A regra do pacta sunt servanda se aplica as relações de consumo e encontra-se prevista expressamente
no CDC.

GABARITO COMENTADO
1) Gabarito: D
Comentários:
O art. 6º, II, do CDC estabelece o princípio da equivalência negocial ao garantir a “igualdade nas contratações”
no momento da contratação ou de aperfeiçoamento da relação jurídica consumerista. A diferenciação
desarrazoada de tratamento entre consumidores é, também, prática abusiva, nos termos do art. 39, II e X do
CDC.
Os demais princípios, embora relevantes, não tratam especificamente do equilíbrio das prestações.

2) Gabarito: B
Comentários:
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A) Tanto o conceito de hipossuficiência quanto o conceito de vulnerabilidade são trabalhados pela doutrina
sob os aspectos técnico, jurídico, fático e informacional, não se restringindo os conceitos à questão
econômica, a qual se insere na subespécie fática.
B) Correto. Cuida-se da dupla função assumida pela boa-fé objetiva na disciplina contratual.
C) A vulnerabilidade é conceito de direito material (art. 4º, I do CDC) e alvo presunção absoluta. Já a
hipossuficiência é conceito de direito processual (art. 6º, VIII do CDC) e alvo de presunção relativa. Todo
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consumidor é vulnerável, mas nem todo consumidor é hipossuficiente.


D) Embora o brocardo pacta sunt servanda seja aplicável à seara consumerista mediante observância das
restrições de ordem pública nela previstas, não há previsão expressa de seu conteúdo no CDC.
de Oliveira
Gisely de
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Oliveira Maria

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Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
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3
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO

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RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO • 3
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO • 3

1. CONCEITO

A relação jurídica de consumo é caracterizada pela presença em polos opostos de um consumidor e


de um fornecedor, tendo por objeto produtos e serviços.

2. SUJEITOS

2.1. Consumidor

O art. 2º do CDC diz que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto
ou serviço como destinatário final.
A locução “destinatário final” é a chave para a identificação da pessoa como consumidora e,
considerando seu caráter de conceito jurídico indeterminado, foram criadas três teorias acerca de sua
interpretação:

2.1.1. Teoria finalista clássica (também chamada de subjetiva ou minimalista)


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Reputa consumidor toda pessoa física ou jurídica que se vale de um bem como destinatário final
fático e econômico.

2.1.2. Teoria objetiva (também chamada de maximalista)

Classifica como consumidor toda pessoa física ou jurídica que utiliza um bem como destinatário final
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fático.

2.1.3. Teoria finalista mitigada ou temperada ou aprofundada


Maria -- CPF:

Trata como consumidor toda pessoa física ou jurídica que se vale de um bem como destinatário final
fático e econômico. Entretanto, prevê a possibilidade de mitigação da rigidez do caráter cumulativo nas
Oliveira Maria

hipóteses em que houver vulnerabilidade na relação travada entre o potencial consumidor e o potencial
fornecedor, ocasião em que o bastará que a pessoa física ou jurídica seja tida como destinatária final fática
de Oliveira

para que seja reputada como consumidora.


Mas o que é ser destinatário final fático e econômico?
Gisely de
Gisely

Destinatário final fático é toda pessoa física ou jurídica que utiliza um bem ou serviço como último
integrante da cadeia de consumo. Ou seja, é aquele que exaure em benefício próprio todo o potencial
econômico do produto ou serviço, retirando-o de circulação.
Destinatário final econômico é toda pessoa física ou jurídica que se serve de um bem ou um serviço
fora de uma atividade econômica. É aquele que não incorpora o bem ou serviço no processo produtivo de
uma atividade prestada no mercado.
Dois exemplos para facilitar o entendimento da questão: A) a caminhoneira que adquire um
caminhão para o exercício de sua atividade profissional é destinatária final fática, pois usa o produto em
benefício próprio, não o expondo a revenda. Entretanto, não é destinatária final econômica, pois se vale do
bem para colher remuneração; e B) o costureiro que adquire uma máquina de costura é destinatário final
fático, pois não a expõe à revenda. Entretanto, também não é destinatário final econômico, pois se vale do
potencial econômico da máquina para obter remuneração.
Diante de tais considerações, tanto a caminhoneira quanto o costureiro não seriam consumidores a
partir da aplicação da teoria finalista clássica. Sob a óptica da teoria objetiva, a resposta seria diversa, pois,
para ela, eles seriam consumidores.

33
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO • 3

Por fim, quanto à teoria finalista mitigada, ambos, a princípio, não seriam consumidores por não
serem destinatários finais econômicos. Contudo, dada a evidente vulnerabilidade existente entre eles e o
fornecedor de serviços, há o preenchimento do requisito para a mitigação dos rigores da teoria finalista, o
que os colocaria na condição de consumidores. Nessas situações, onde a vulnerabilidade autoriza a mitigação
da teoria finalista, ocorre o que a doutrina denomina consumo intermediário.
Qual a teoria adotada pela letra da lei? Nenhuma delas. Qual a teoria adotada pelo STJ? A teoria
finalista mitigada (Ex: AgInt no AREsp 1.545.508 / RJ).
A Pessoa Jurídica pode ser consumidora? Sim. O caput do art. 2º do CDC é claro ao afirmar essa
possibilidade, de modo que, verificada a posição da Pessoa Jurídica como destinatária final fática e
econômica, mostrar-se-á possível a plena aplicação do CDC na relação concreta. Entretanto, para a aplicação
da mitigação da teoria finalista, o STJ diferencia o tratamento: se o consumidor for pessoa física, sua
vulnerabilidade será presumida, ao passo que se for ele pessoa jurídica, deverá comprovar, no caso concreto,
sua vulnerabilidade. (Ex.: AgRg nos EREsp 1.331.112 / SP).

2.2. Fornecedor
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Segundo o art. 3º do CDC, fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional
ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção,
montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização
de produtos ou prestação de serviços.
Cuida-se de formulação ampla, de conteúdo enumerativo no que tange às atividades sublinhadas.
A caracterização de alguém como fornecedor encontra-se atrelada ao reconhecimento cumulativo
CPF: 778.558.762-00

de três características básicas: 1) profissionalismo: deve-se observar ao menos um grau rudimentar de


organização dos fatores de produção ligados à atividade exercida no mercado; 2) habitualidade: há de se
apurar se o produto ou o serviço não foram ofertados de maneira esporádica, em situação ocasional. A
verificação deve ser feita no caso concreto, não se exigindo previamente caráter diário ou semanal, mas
Maria -- CPF:

apenas um certo grau mínimo de reiteração; 3) remuneração: somente há incidência do CDC nos serviços ou
produtos fornecidos mediante remuneração. Contudo, essa remuneração pode ser indireta (ex.:
Oliveira Maria

responsabilidade por estacionamento gratuito em shoppings ou supermercados, dado a remuneração


através das compras – Súmula 130 do STJ; relação entre consumidor e emissora de televisão com sinal aberto
de Oliveira

– REsp 1.665.213 / RS).


Note-se que o produto ou serviço deve ser comercializado no mercado de consumo, assim entendido
Gisely de
Gisely

como o “espaço de negócios não institucional no qual se desenvolvem atividades econômicas próprias do
ciclo de produção e circulação dos produtos ou de fornecimento de serviços 37”. Essa conceituação, embora
de natureza fluida, tem servido de argumento para a não incidência do CDC em atividades como a relação
entre o condomínio e o condômino, entre o locador e o locatário e outros casos que serão estudados no final
deste capítulo.
O STJ já decidiu que mesmo as entidades sem fins lucrativos, de caráter beneficente e filantrópico,
poderão ser consideradas fornecedoras caso desempenhem atividade no mercado de consumo mediante
remuneração (STJ, AgRg no Ag 1.215.680).
É relevante destacar, ainda, que o CDC é claro ao estabelecer sua aplicação aos serviços públicos,
conforme comando dos arts. 4º, VII; 6º, X; e 22 do CDC. Entretanto, a jurisprudência do STJ (paradigma no
REsp 609.332 / SC) diferencia as situações: a) aplica-se o CDC aos serviços públicos prestados mediante tarifa
ou preço público, também denominados de serviços públicos uti singuli ou impróprios, pois são fornecidos
no mercado de consumo (ex.: energia elétrica – AgRg no AREsp 354.991 / RJ; telefonia – AgInt no AREsp
1.017.611 / AM; saneamento – REsp 1.629.505 / SE; e rodovias – REsp 1268743/RJ); b) não se aplica o CDC
aos serviços prestados mediante taxas ou através de remuneração indireta a partir de tributos, haja vista que
neles não há, propriamente, serviço ofertado no mercado de consumo, mas, antes, efetivação de política

37 ANDRADE, Adriano et al. Interesses Difusos e Coletivos. Vol. 1. 9ª ed. Editora Método, 2019. p. 539.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO • 3

pública submetida ao regime de direito público (ex.: serviços médico-hospitalares do SUS –– AgInt no REsp
1347473/SP; e escolas públicas).
Quanto aos serviços públicos, vale mencionar que o STJ tem reconhecido a validade da interrupção
de seu fornecimento, mesmo quando se trate de serviço essencial (ex: energia e fornecimento de água),
conforme previsto no art. 6º, §3º, II, da Lei nº 8987/95, desde que não se trate de consumidor
hipervunlnerável (ex: pessoa hipossuficiente que depende de energia elétrica para manter aparelhagem que
lhe garante vida digna – Resp 12458123 / RS). Contudo, o STJ tem reconhecido a validade da interrupção
apenas quando diz respeito a débitos contraídos pelo atual proprietário ou possuidor do bem e desde que
referente apenas aos últimos três meses de consumo e precedida de aviso ou notificação (AgRg no Ag
1.207.818 / RJ e AgRg no REsp 1.327.162 / SP).
Sobre os serviços públicos, releva destacar o conteúdo das seguintes súmulas do STJ: 407 – “É
legítima a cobrança da tarifa de água fixada de acordo com as categorias de usuários e as faixas de consumo;”
e 506 – “A Anatel não é parte legítima nas demandas entre a concessionária e o usuário de telefonia
decorrentes de relação contratual.” Aliás, quanto à presença da agência reguladora no polo passivo de
demandas consumeristas, o STJ tem afirmado a ilegitimidade passiva (ex: ANS no REsp 1.384.604 / RS).
Por fim, vale mencionar que o STJ tem considerado regular a cobrança de tarifa de esgotamento
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sanitário mesmo que a concessionária não promova seu tratamento final, mas apenas realize a coleta em si
(REsp 1.330.195 / RJ) e, ainda, tem declarado ilegal a cobrança de tarifa por estimativa em caso de ausência
ou defeito de hidrômetro, hipóteses em que se mostra exigível apenas a tarifa básica (REsp 1.513.218 / RJ).

2.3. Internet e relações de consumo

Destaque-se a Lei n.º 12.965/19, Marco Civil da Internet. Segundo o art. 18 desta lei, o provedor de
CPF: 778.558.762-00

conexão à internet não será responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por
terceiros.
No entanto, o art. 19, enxergando o provedor como fornecedor, disciplinou que, com o intuito de
Maria -- CPF:

assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente


poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após
Oliveira Maria

ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço
e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as
de Oliveira

disposições legais em contrário.


O art. 21 determina que o provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por
Gisely de
Gisely

terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem
autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez
ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu
representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu
serviço, a indisponibilização desse conteúdo.
Em outras palavras, o provedor de acesso à internet não responderá por eventual conteúdo danoso
colocado na rede mundial de computadores por um terceiro que utilizá-lo. Do contrário, poderia haver
censura por parte do provedor. Todavia, o provedor responderá se houver decisão judicial para que o
conteúdo seja indisponibilizado e ele não obedeça à determinação judicial.
Segundo o STJ, não se pode exigir do provedor de hospedagem de blogs a fiscalização antecipada de
cada nova mensagem postada. A mensagem deve ser postada primeiramente para que, somente após, seja
possível a sua retirada.
Ou seja, a Lei do Marco Civil da Internet trouxe um temperamento à responsabilidade solidária do
provedor.

35
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO • 3

2.4. Profissionais liberais são fornecedores de serviços?

O profissional liberal é aquele que exerce com autonomia a sua tarefa, sem subordinação técnica a
outrem. Além da habilidade ou habilitação técnica, o profissional liberal é caracterizado pela sua autonomia
e habitualidade no exercício de sua profissão.
Observados os requisitos da categorização como fornecedor, não há óbice ao enquadramento do
profissional liberal, sendo tal interpretação extraída, também, a contrario sensu, do art. 14, §4º, do CDC, o
qual, entretanto, excepciona o regime geral de responsabilidade adotado pelo CDC, afirmando que a
responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.
Qual é a vantagem da aplicação do CDC em relação ao CC/02, no tocante aos profissionais liberais?
Felipe Peixoto enumera algumas vantagens de se aplicar o CDC: 1) possibilidade de inversão do ônus da
prova, se houver verossimilhança das alegações ou hipossuficiência do consumidor; 2) possibilidade de o
consumidor propor a ação no seu domicílio; 3) o dever de informar de forma clara e adequada, inclusive
sobre os riscos dos produtos e serviços, é mais severo, já que se está diante de uma vulnerável.
A relação entre o advogado e o cliente se submete ao CDC?
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Não. O STJ firmou posição no sentido de que não é possível invocar as normas do CDC para regular
o contrato de prestação de serviços advocatícios. Segundo o STJ, a relação é regulada pelo Estatuto da OAB
e o advogado possui deveres para com o ordenamento jurídico, além dos para com o cliente, o que evidencia
ausência de fornecimento de serviço no mercado de consumo. Portanto, nesse caso, seria inaplicável o CDC
às relações advocatícias (REsp 1.228.104).

2.5. Consumidor por equiparação


CPF: 778.558.762-00

O CDC prevê três hipóteses de consumidor por equiparação: 1) art. 2º, parágrafo único, do CDC,
segundo o qual, equipara-se ao consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que
intervenham nas relações de consumo (é o caso do condomínio em sua relação com o público externo); 2)
Maria -- CPF:

art. 17, do CDC, segundo o qual, para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as
vítimas do evento. Todas as vítimas do acidente de consumo são consideradas consumidoras. São os
Oliveira Maria

denominados bystanders (ex.: vítimas de acidente aéreo localizadas na superfície. O sujeito foi vítima do
acidente de consumo, mesmo que não tenha relação com o contrato consumerista, continua sendo
de Oliveira

considerado consumidor); 3) art. 29, do CDC: “para os fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. Todos os que
Gisely de

forem atingidos por práticas comerciais são tidos como consumidores, mesmo que não tenham contratado
Gisely

o produto ou serviço ligado a prática em si.”


Eventualmente, a legislação pode criar outras figuras de fornecedores. Por exemplo, o Estatuto do
Torcedor, que equipara ao fornecedor a entidade responsável pela organização da atividade esportiva (art.
3º da Lei nº 10.671/03).

3. OBJETO

O CDC traz, nos parágrafos 1º e 2º de seu art. 3º, definições de caráter exemplificativo acerca do que
deve ser considerado produto (§1º) e do que deve ser considerado serviço (§2º).
Note-se que a abertura do conceito de produto, incluindo bens móveis e imóveis, assim como
materiais ou imateriais, amplia sua incidência, abarcando, por exemplo, o segmento imobiliário e as relações
jurídicas que abrangem a produção intelectual.
No mesmo sentido, a dicção do conceito de serviço também é ampla e de caráter não taxativo,
incluindo, por exemplo, a atividade bancária (Súmula 297 do STJ) entre outras formas de atividades de
prestação de benefícios ou de vantagens.

36
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO • 3

Muito importante a observação de que apenas a prestação de serviço é que exige remuneração, na
esteira da letra da lei, haja vista que o CDC pode ser aplicado a produtos fornecidos gratuitamente, por força
do comando do art. 39, III e parágrafo único, que determina a aplicação das disposições consumeristas às
“amostras grátis”.

4. APLICAÇÃO JURISPRUDENCIAL

Com base nessas linhas gerais, cumpre citar alguns casos concretos:
Não se aplica o CDC:
1. Relação entre condôminos e condomínios: não há fornecimento de serviço no mercado de
consumo (REsp 650.791);
2. Relação entre autarquia previdenciária e seus beneficiários: não há fornecimento de serviço no
mercado de consumo (REsp 369.822);
3. Relações jurídicas tributárias: não há fornecimento de serviço no mercado de consumo (REsp
673.374);
4. Relações disciplinadas pela Lei do Inquilinato: não há fornecimento de serviço no mercado de
consumo (AgRg no ARESp 11.983);
5. Relação entre o representante comercial autônomo e a sociedade representada: não há
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preenchimento da figura do consumidor, pois o serviço é contratado na ausência da condição de destinatário


final fático e econômico (REsp 761.557);
6. Não há relação de consumo quando as partes se juntam para construir – regime de administração
ou de preço de custo. (REsp 860.064). Não há preenchimento da figura do consumidor, pois o serviço é
contratado na ausência da condição de destinatário final fático e econômico;
7. Franquia: “O contrato de franquia por sua natureza não está sujeito às regras do CDC, pois não há
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relação de consumo, mas relação de fomento econômico” (REsp 632.958). Não há preenchimento da figura
do consumidor, pois o serviço é contratado na ausência da condição de destinatário final fático e econômico;
8. FIES: por se tratar de política relativa ao fomento da educação, não se aplica o CDC — Não há
fornecimento de serviço no mercado de consumo e a instituição bancária atua apenas como mandatária na
execução de um serviço público remunerado indiretamente através de impostos;
Maria -- CPF:

9. Relação entre cooperativa e cooperado: não há fornecimento de serviço no mercado de consumo


(AgRg no REsp 1.122.507);
Oliveira Maria

10. Factoring: as empresas de factoring não são consideradas instituições financeiras. Não há
de Oliveira

preenchimento da figura do consumidor, pois o serviço é contratado na ausência da condição de destinatário


final fático e econômico (REsp 836.823, REsp 938.979);
11. Financiamentos bancários ou aplicação financeira com o propósito de ampliar o capital de giro:
Gisely de
Gisely

não há preenchimento da figura do consumidor, pois o serviço é contratado na ausência da condição de


destinatário final fático e econômico (REsp 963.852);
12. Não se aplica ao serviço prestado em voo internacional: tese específica definida pelo STF em
Repercussão Geral (RE 636.331);
13. Transporte internacional de cargas: não há preenchimento da figura do consumidor, pois o
serviço é contratado na ausência da condição de destinatário final fático e econômico (REsp 1.442.674);
14. “Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre acionistas investidores e a
sociedade anônima de capital aberto com ações negociadas no mercado de valores mobiliários.” (REsp
1.685.098 / SP);
15. Empresas patrocinadoras de evento (REsp 1.955.083 / BA);
16. Em contrato de compra e venda de imóvel com garantia de alienação fiduciária devidamente
registrado em cartório, a resolução do pacto, na hipótese de inadimplemento do devedor, devidamente
constituído em mora, deverá observar a forma prevista na Lei nº 9.514/97, por se tratar de legislação
específica, afastando-se, por conseguinte, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor 38. (TEMA
1095/STJ)

38
Note-se que a não incidência do CDC diz respeito somente à fase executória da garantia (consolidação da propriedade) e os
procedimentos ali adotados, vedando, portanto, a aplicação do artigo 53 do CDC para obstar o procedimento de consolidação de

37
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO • 3

17. Contrato de seguro de responsabilidade civil de conselheiros, diretores e administradores de


sociedade empresária (Seguro RC D&O). (REsp 1.926.477 / SP)
Aplica-se o CDC ao(s):
1. Contratos de administração imobiliária (REsp 509.304);
2. Mercado de ações, corretagem de valores e títulos imobiliários (REsp 1.599.535);
3. Condomínio e público externo contratado para execução de serviços, por força do art. 2º,
parágrafo único, do CDC (ex.: companhia de água – REsp 650.791);
4. Contratos de promessa de compra e venda em que a construtora/incorporadora se obriga à
construção de unidades imobiliárias mediante financiamento. Compra de imóveis na planta (REsp 334.829 e
REsp1.560.728);
5. Cooperativas quando equiparadas às atividades típicas de instituições financeiras (AgRg no Agr
1.088.329). Aliás, o STJ editou Súmula 602 entendendo que o CDC é aplicável aos empreendimentos
habitacionais realizados pelas sociedades cooperativas;
6. O STJ entende que o CDC se aplica aos contratos do Sistema Financeiro de Habitação (SFH). Nesse
caso, cabe lembrar da Súmula 473. Existe uma exceção, o STJ diz nos contratos regidos pelo SFH que forem
firmados com a cobertura do fundo de compensações salariais não se aplica o CDC (AgRg no EDcl no REsp
1.032.061). O STJ entende que, nesse caso, a garantia dada pelo governo de quitar o contrato afasta o CDC;
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7. Exploração comercial da internet (REsp 1.186.616);


8. Entidades abertas de previdência privada (a fechada não se submete ao CDC – Súmula 563 do STJ);
9. Consórcio (REsp 1.185.109). Há dois feixes de relações jurídicas. Na relação entre administrado e
administradora se aplica o CDC. Na relação entre os consorciados não se aplica;
10. Planos de saúde, salvo se forem regidos pelo sistema de autogestão (Súmula 608 do STJ);
11. Serviços de atendimento médico hospitalar – emergência (REsp 696.284);
12. Atividade notarial – cartório (REsp 1.163.652);39
CPF: 778.558.762-00

13. Correios (REsp 1.210.732);


14. Comparecem a espetáculo aberto ao público (REsp 1.955.083 / BA).

QUESTÕES DE CONCURSOS
Maria -- CPF:

1) (VUNESP - 2019 – TJ/RJ - Juiz Substituto) —Tendo em vista o entendimento sumular do Superior Tribunal
de Justiça, é correto afirmar que
Oliveira Maria

a) o Código de Defesa do Consumidor não é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas
de Oliveira

sociedades cooperativas.
Gisely de

b) é abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que prevê a limitação do tempo de internação hospitalar
Gisely

do segurado.

c) constitui prática abusiva a estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano.

d) incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no


prazo de cinco dias úteis, a partir do pagamento do débito ainda que parcial.

propriedade previsto pela Lei 9.514/1997. Tal entendimento não afasta, contudo, a aplicação do CDC ao contrato de alienação
fiduciária em si.
39 Entendia-se, anteriormente, que “a atividade notarial não é regida pelo CDC”, vencidos alguns ministros (STJ, REsp 625.144, Rel.

Min. Nancy Andrighi, 3ª T., DJ 29/05/06). O STJ, revendo o entendimento anterior acerca do tema, firmou posição no sentido de que
“o Código de Defesa do consumidor aplica-se à atividade notarial” (STJ, REsp 1.163.652, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., DJ
01/07/10). Os serviços notariais e de registro são exercidos por delegação do poder público. É também irrelevante o argumento de
os cartórios não terem personalidade jurídica. O CDC, art. 3º, é explícito ao dispor que também os entes despersonalizados po dem
ser fornecedores. Pesa contra a aplicação do CDC aos cartórios a natureza jurídica de taxa da remuneração por ele cobrada. Ou tro
aspecto relevante a ser destacado é que o STF, em repercussão geral, definiu que: “O Estado responde objetivamente pelos atos dos
tabeliães registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem danos a terceiros, assentado o dever de regresso contra o
responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa” (RE 842846). Tal entendimento afasta grande
parte do regime de responsabilidade traçado pelo CDC.

38
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA RELAÇÃO JURÍDICA DE CONSUMO • 3

e) constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de crédito sem prévia e expressa solicitação do
consumidor, não se sujeitando, no entanto, à aplicação de multa administrativa.

2) (Ano: 2019 Banca: VUNESP Órgão: TJ-RO Prova: VUNESP - 2019 - TJ-RO - Juiz de Direito Substituto) —
Segundo o inteiro e exato teor das súmulas vigentes editadas pelo Superior Tribunal de Justiça acerca das
relações de consumo, é correto afirmar que

a) se aplica o Código de Defesa do Consumidor a todos os contratos de plano de saúde.

b) o Código de Defesa do Consumidor é aplicável a todas as espécies de contratos de cartão de crédito.

c) o Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas


sociedades cooperativas.

d) o Código de Defesa do Consumidor é aplicável a quaisquer relações jurídicas entabuladas entre entidade
de previdência privada e seus participantes.
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e) é vedado ao banco mutuante reter, em qualquer extensão, os salários, vencimentos e/ou proventos de
correntista para adimplir o mútuo (comum) contraído, ainda que haja cláusula contratual autorizativa.

GABARITO COMENTADO
1)Gabarito:B
a) Incorreta. Não corresponde ao conteúdo da súmula 602 do STJ: “O Código de Defesa do Consumidor é
CPF: 778.558.762-00

aplicável aos empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas.”


b) Correta. Trata-se do entendimento exposto na Súmula 302 do STJ: “É abusiva a cláusula contratual de
plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado.”
c) Incorreta. Em desconformidade com a súmula 382 do STJ: “A estipulação de juros remuneratórios
Maria -- CPF:

superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade.”


d) Incorreta. Em contradição com a Súmula nº 548 do STJ: “Incumbe ao credor a exclusão do registro da
Oliveira Maria

dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e
de Oliveira

efetivo pagamento do débito.”


e) Incorreta. Discrepante da Súmula nº 532 do STJ: “Constitui prática comercial abusiva o envio de cartão de
Gisely de

crédito sem prévia e expressa solicitação do consumidor, configurando-se ato ilícito indenizável e sujeito à
Gisely

aplicação de multa administrativa.”

2) Gabarito:C
a) Incorreta. A súmula nº 608 do STJ estabelece que: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos
contratos de plano de saúde, salvo os administrados por entidades de autogestão.”
b) Incorreta. Desconforme com o enunciado. Não há súmula do STJ com a locução da questão.
c) Correta. A súmula 602 do STJ afirma que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos
empreendimentos habitacionais promovidos pelas sociedades cooperativas.”
d) Incorreta. A súmula 563 do STJ dispõe que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às entidades
abertas de previdência complementar, não incidindo nos contratos previdenciários celebrados com
entidades fechadas”.
e) Incorreta. A súmula 603 do STJ dispunha no sentido do enunciado. Entretanto, ela foi cancelada em
fevereiro de 2018.

39
Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
Maria -- CPF:
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4
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

TEORIA DA QUALIDADE

40
TEORIA DA QUALIDADE • 4
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

O capítulo IV do Código de Defesa do Consumidor, que se estende dos arts. 8º a 28 do diploma, trata
da teoria da qualidade, assim denominada por objetivar o controle da adequação dos produtos e serviços
colocados no mercado de consumo, assim como por traçar as diretrizes para garantir a efetiva reparação do
consumidor em caso de funcionamento inadequado do produto ou serviço adquirido.
Trata-se, portanto, de regime similar ao tratado pela doutrina da responsabilidade civil na disciplina
civilista. Entretanto, na seara consumerista a distinção entre responsabilidade contratual e extracontratual
perde relevância, em função do estabelecimento de regime único aplicável às relações de consumo, aliada à
amplitude das regras de equiparação já mencionadas (arts. 2º, parágrafo único, 17 e 29 do CDC), que
maximizaram o espectro protetivo das regras consumeristas40.
Tais diferenças, contudo, não impedem a utilização de conceitos desenvolvidos pelo Código Civil para
a regulamentação da responsabilidade civil de natureza contratual e extracontratual. Ao contrário,
concepções ligadas ao ato ilícito, ao nexo de causalidade e ao dano e sua indenização são aplicáveis em
diálogo de fontes, respeitadas as peculiaridades da relação consumerista.
Ainda, há de se destacar que a doutrina trabalha com a conceituação de três tipos diversos de
fornecedor responsável: 1) Responsável Real: aquele responsável por fabricar o produto ou prestar
diretamente o serviço; 2) Responsável Presumido ou Aparente: o responsável pela exposição à venda do
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produto ou serviço; 3) Responsável Ficto: o responsável pela importação de um produto ou serviço para
venda no mercado doméstico.
Quanto ao conceito de responsável, o STJ firmou entendimento no sentido de que “A empresa que
utiliza marca internacionalmente reconhecida, ainda que não tenha sido a fabricante direta do produto
defeituoso, enquadra-se na categoria de fornecedor aparente.” (REsp 1.580.432 / SP)
Por fim, embora seja comum a exigência de nota fiscal pelos responsáveis em caso de acidente ou
CPF: 778.558.762-00

vício do produto ou serviço, certo é que tal exigência não consta do texto legal (em especial dos arts. 12 a 25
do CDC), sendo certo que a proteção ofertada pela legislação consumerista também é extensível àquele que
usa o produto sem, necessariamente, ser seu proprietário. Logo, em se tratando de hipótese em que resta
comprovada a utilização lícita do produto pelo consumidor (ex: doação), não se mostra legal a oposição de
Maria -- CPF:

óbice ligado à apresentação de nota fiscal pelo fornecedor.


Oliveira Maria

A questão é especialmente relevante quando o vício ou fato surgir no produto ou serviço adquirido
fora do país, nas hipóteses em que o fornecedor também possua representação local. Nestas hipóteses, o
de Oliveira

CPC/15 deixa clara a existência de competência concorrente da jurisdição brasileira (art. 22, II), tendo o STJ
afirmado, em duas ocasiões (REsp 63.981 / SP e REsp 1.021.987 / RN), que o CDC se aplica nestas hipóteses,
Gisely de

embora exista entendimento no sentido de que o comando do art. 9º, caput e §2º, da LINDB determina a
Gisely

aplicação da legislação do local onde foi adquirido ou recebido o serviço no caso concreto.

1. PECULIARIDADES DO REGIME CONSUMERISTA

A responsabilidade civil nas relações de consumo é marcada por duas características próprias: via de
regra, é objetiva e, também, solidária, pois está inspirada fortemente na teoria do risco (inspiradora também
da regra contida no artigo 927, parágrafo único, do CC). De acordo com essa teoria, quem cria, com a sua
atividade ou serviço, u m risco, deve por ele responder sem culpa, inclusive por ter dele se beneficiado
economicamente (risco-proveito).

40
Parcela da doutrina afirma a adoção da teoria unitária da responsabilidade civil pelo CDC, conforme anotado por ANDRADE,
Adriano et al. Interesses Difusos e Coletivos. Vol. 1. 9ª ed. Editora Método, 2019. p. 557.

41
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

1.1. Caráter Objetivo

A objetividade do caráter da responsabilidade do fornecedor resta clara a partir da análise do caput


dos arts. 12 e 14 do CDC, sendo marca geral do sistema consumerista, seja no que tange à apuração de
práticas comerciais, seja quanto à apuração administrativa de eventuais violações aos direitos e garantias
consumeristas. Portanto, a apuração da responsabilidade do fornecedor pelo funcionamento inadequado de
algum produto ou serviço, assim como por práticas abusivas ou inserção de cláusulas contratuais abusivas e
por infrações administrativas, dá-se de maneira objetiva.
Entretanto, pode-se cogitar de duas exceções ao caráter objetivo da responsabilidade no sistema
consumerista: 1) a responsabilidade dos profissionais liberais por acidentes ligados à prestação de seu
serviço, conforme comando do art. 14, §4º, do CDC; e 2) a responsabilidade penal diante dos tipos previstos
nos arts. 61 a 80 do CDC.
Quanto à responsabilidade dos profissionais liberais por acidentes ligados ao serviço por eles
prestado, há de se mencionar a existência de exceção da exceção. A obrigação dos profissionais liberais é,
em geral, obrigação de meio, haja vista compreender a utilização de sua técnica e esforços de acordo com os
protocolos técnicos aplicáveis, buscando a obtenção de benefício em linha com o usualmente esperado de
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sua técnica. Trata-se, portanto, de obrigação de cuidado, de diligência e de perícia (ex.: a contratação de
médico cardiologista para realização de cateterismo não envolve a contratação da cura do paciente, mas sim
o emprego adequado das técnicas razoavelmente esperadas do profissional).
Entretanto, quando a obrigação contratada pelo consumidor envolver expressamente a obtenção de
resultado certo prometido pelo profissional, eventual não atingimento da finalidade prometida implicará em
presunção de culpa, a qual será tida como do profissional liberal responsável pelo procedimento, a quem
incumbirá comprovar a ausência de culpa e/ou o advento de situação de rompimento do nexo de
CPF: 778.558.762-00

causalidade. Portanto, haverá, na prática, a inversão do ônus da prova em desfavor do profissional liberal
responsável pelo tratamento.
O caso da cirurgia plástica é o mais comum entre as obrigações de resultado do médico (ex.: REsp
985.888 / SP). Não é qualquer cirurgia plástica que é capaz de gerar obrigação de resultado, pois, por
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exemplo, a cirurgia reparadora é obrigação de meio (REsp 819.008 / PR).


Oliveira Maria

Outros exemplos de obrigação de resultado entre profissionais são: tratamento odontológico com
de Oliveira

finalidade estética (REsp 1.178.105 / SP); transfusões de sangue (REsp 1.645.786 / PR); e exames laboratoriais
(REsp 1.653.134 / SP).
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1.2. Caráter Solidário


Gisely

A solidariedade na responsabilidade no sistema consumerista é marca permanente, nos termos dos


arts. 7º, parágrafo único, 18, 19 e 25, §§1º e 2º, do CDC. Assim, havendo mais de um fornecedor na cadeia
de fornecimento, todos serão solidariamente responsáveis por eventual funcionamento inadequado do
produto ou do serviço, independentemente da apuração de nexo de causalidade.
Recentemente, o STJ ratificou que “Em se tratando de responsabilidade pelo fato do serviço, não faz
o Diploma Consumerista qualquer distinção entre os fornecedores, motivo pelo qual é uníssono o
entendimento de que toda a cadeia produtiva é solidariamente responsável.” (REsp 1.985.198 / MG) Tal
precedente, que imputou responsabilidade a sociedade empresária que comercializa ingressos no sistema
on-line por evento danoso ocorrido no evento, corroborando a desnecessidade da apuração de nexo de
causalidade entre a atividade desempenhada pelo fornecedor na cadeia de fornecimento e o evento danoso.
Em corroboração, confira-se o também recente precedente: “A empresa arrendatária e possuidora
indireta de aeronave acidentada é considerada responsável pelos danos provocados a terceiros em superfície
advindos de sua queda.” (REsp 1.785.404 / SP)

42
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

No particular, assim como no caráter objetivo, a solidariedade também se mostra presente em toda
a análise de responsabilidade cível do CDC, aplicando-se também aos casos de práticas abusivas, abusos
contratuais e infrações administrativas.
A existência da solidariedade é deferida em benefício do consumidor, motivo pelo qual o art. 88 do
CDC veda a realização de denunciação da lide em demanda consumerista, visando preservar o consumidor
da realização de inversões tumultuárias no curso processual, em especial, com a integração de terceiros que
ele possa ter optado por não demandar, tudo em busca da duração razoável do processo.
Entretanto, por se tratar de garantia deferida ao consumidor, caso haja pleito de denunciação
acolhido e processado, não cabe ao denunciado levantar o óbice do art. 88 do CDC, pois o consumidor pode
dele abrir mão se assim julgar conveniente (REsp 913.687 / SP).
Ademais, há de se mencionar que o próprio CDC estabelece em seu art. 101, II, do CDC, a
possibilidade de intervenção de terceiro denominada “chamamento” de seguradora por parte do
fornecedor. Esta hipótese seria, a rigor, caso de denunciação da lide, nos termos do art. 125, II do CPC, sendo,
contudo, tratada como chamamento e admitida em decorrência da especialidade do microssistema
consumerista.
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Por fim, há de se destacar que há uma exceção de alta relevância à solidariedade: a hipótese prevista
no art. 13 do CDC, segundo a qual o comerciante (responsável aparente) é subsidiariamente responsável
pelo fato do produto, não valendo essa exceção para as hipóteses de fato do serviço (interpretação restritiva
ligada ao caput do art. 12, que trata somente do fato do produto).
Por inexistir solidariedade neste caso, o STJ entendeu que “A inexistência de responsabilidade
solidária por fato do produto entre os fornecedores da cadeia de consumo impede a extensão do acordo
feito por um réu em benefício do outro.” (REsp 1.968.143-RJ)
CPF: 778.558.762-00

De fato, se o comerciante é subsidiária e não solidariamente responsável no caso de fato do produto,


não há de se falar em aplicação do comando do art. 844, §3º, do Código Civil, que determina a extinção da
dívida em relação aos co-devedores quando um deles formula transação. Dessa forma, se o comerciante
Maria -- CPF:

firma transação em demanda que reclama fato do produto, não há de se falar em extinção do processo com
relação aos demais fornecedores que eventualmente estiverem presentes na demanda. A assertiva reversa
Oliveira Maria

também é verdadeira: se algum(ns) do(s) fornecedor(es) demandados por fato do produto transacionam em
demanda consumerista, não há de se falar em exoneração do comerciante.
de Oliveira

Há, portanto, de se diferenciar o fato do vício do produto para que essa exceção se torne de fácil
compreensão.
Gisely de
Gisely

1.3. Vício no produto ou serviço e fato do produto ou serviço

No vício (arts. 18 a 25 do CDC), há um descompasso entre o produto e o serviço oferecido e as


legítimas expectativas que o consumidor tinha. Espera-se um produto com a qualidade X, mas vem com a
qualidade Y, viciado.
No fato (arts. 12 e 14 do CDC), há um dano que o consumidor experimentou, seja à integridade
física ou à integridade moral.
O vício atinge o produto e o fato atinge a pessoa do consumidor.
Embora o CDC separe as hipóteses para traçar o seu regime jurídico, tanto o fato quanto o vício do
produto estão ligados à teoria da qualidade estabelecida pelo CDC, no sentido de impor duas vertentes a
serem observadas pelo fornecedor: 1) qualidade-segurança: ligada ao fato do produto, determina que os
produtos e serviços devem atender às diretrizes de segurança impostas pela lei (ex.: arts. 8º a 10 do CDC) e
por órgãos técnicos responsáveis (art. 39, VIII, do CDC), vedando-se que representem ofensa ao patrimônio
e/ou à integridade física ou psíquica do consumidor; e 2) qualidade-adequação: ligada ao vício do produto,
demanda que os produtos e serviços devem atender ao que transpareceram em sua oferta (arts. 30 e 35 do
CDC) e ao que razoavelmente dele se espera em termos de durabilidade e prestabilidade.

43
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

Outro aspecto relevante a se destacar é o de que o dever do fornecedor de reparar os vícios


eventualmente encontrados nos produtos ou serviços fornecidos no mercado encontra-se geralmente
atrelado à noção de “garantia legal”, prevista no art. 24 do CDC. Ou seja, independente do que se encontra
no conteúdo contratual, o consumidor tem o direito de ver seu produto ou serviço reparado pelo fornecedor
nas hipóteses de vício oculto ou aparente, desde que observadas as regras de prescrição e decadência
previstas nos arts. 26 e 27 do CDC, as quais serão melhor estudadas adiante.
Dessa forma, nos termos do art. 50 do CDC, a garantia contratual (ex.: garantia estendida) é
complementar à garantia legal, vigendo seus prazos apenas após o fim dos prazos da garantia legal, ou seja,
apenas após o transcurso do prazo decadencial ou prescricional.
Outro aspecto relevante a se mencionar é que as disposições ligadas ao estudo da teoria da qualidade
(arts. 12 a 25 do CDC) encontram-se no núcleo essencial de proteção do consumidor e, por essa razão,
mostram-se irrenunciáveis a priori e de maneira geral, dado seu caráter de ordem pública (art. 1º do CDC).
Por essa razão, a preocupação em demonstrar a irrenunciabilidade dos direitos que decorrem dos deveres
de garantia legal é repetida pelo legislador nos arts. 25, caput, e 51, I, do CDC.
Dito isso, passemos à análise de cada tipo de vício.
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1.3.1. Vício do produto

Segundo o art. 18, os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem
solidariamente pelos:

• Vícios de qualidade ou quantidade que tornem esses produtos impróprios ou inadequados ao


consumo a que se destinam;
CPF: 778.558.762-00

• Vícios de qualidade ou quantidade que diminuam o valor do produto;


• Vícios decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem,
rotulagem ou mensagem publicitária.
O §6º do art. 18 apresenta conceitos exemplificativos de vícios ao dizer que são impróprios ao uso e
Maria -- CPF:

consumo: produtos com prazos de validade vencidos; produtos deteriorados, alterados, adulterados,
avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em
Oliveira Maria

desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação; produtos


de Oliveira

inadequados ao fim a que se destinam.


A violação dos deveres de qualidade acarreta a aplicação do comando do parágrafo 1º do mesmo
Gisely de

dispositivo, que determina: “§1° Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o
Gisely

consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a substituição do produto por outro da mesma
espécie, em perfeitas condições de uso; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente
atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço.” Note-se que
o dispositivo erige direito potestativo em favor do consumidor, que não precisa declinar motivação para a
escolha que fez.
O prazo de trinta dias é um direito que o fornecedor tem para solucionar o problema, devendo o
consumidor concedê-lo, sob pena de perda dos direitos elencados nos incisos do §1º (REsp 1.520.500 / SP).
Entretanto, nas hipóteses em que o fornecedor devolve o produto e o vício reaparece, o STJ tem entendido
que não há renovação com nova concessão do prazo de 30 dias para o conserto, mas sim uma espécie de
suspensão do prazo, o que daria ao fornecedor, em tese, apenas o prazo remanescente dos trinta dias
anteriores para conserto do bem, sob pena de incidirem as alternativas legais dos incisos41 (REsp 1.443.268

41 Essa diretriz foi adotada pelo Distrito Federal na Lei Distrital nº 6.259/2019: “Art. 1º A contagem do prazo de 30 dias de que trata
o art. 18, §1º, da Lei federal nº 8.078, de 11 de setembro de 1990, inicia-se com entrega do produto ao serviço de assistência técnica
indicada pelo fornecedor ou fabricante. §1º O prazo de que trata este artigo é suspenso com a entrega do produto ao consumidor
após sanado o vício. §2º Caso o produto apresente vício novamente, o prazo de que trata esta Lei volta a correr do momento da
suspensão, devendo o vício ser sanado no prazo remanescente, sob pena de aplicação das disposições contidas no art. 18, §1º, I, II e
III, da Lei federal nº 8.078, de 1990.”
Também a Nota Técnica nº 20 de 2009 do Ministério da Justiça aponta no sentido da suspensão do prazo.

44
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

/ DF). (Ex.: veículo automotor apresenta vício no câmbio. O consumidor entrega para conserto na oficina
credenciada por 12 dias e o retira com o vício supostamente sanado. Entretanto, o mesmo vício reaparece,
ocasião em que o fabricante ou vendedor disporia de apenas 18 dias para consertá-lo).
Destaque-se que o prazo de 30 dias pode ser reduzido ou ampliado, conforme diretriz do §2º do art.
18 do CDC, desde que não seja inferior a sete e nem superior a cento e oitenta dias, devendo a cláusula de
alteração, em todos os casos, ser convencionada em separado e alvo de manifestação expressa do
consumidor (em geral através de ciência específica).
Ademais, o prazo de trinta dias não precisa ser observado nas hipóteses do §3º do art. 18 do CDC,
ligadas à extensão do vício ou a produto essencial (ex.: vício grave de potência no motor do carro ou vício em
produtos médicos como um marca-passo).
Além disso, o §4º do art. 18 do CDC destaca que se o consumidor opta pela substituição do produto
por um novo e essa substituição não se mostrar viável por ter o produto parado de ser produzido, por
exemplo, mostra-se possível a “substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante
complementação ou restituição de eventual diferença de preço”.
Outra regra relevante encontra-se no §5º do art. 18 do CDC e diz respeito ao fornecimento de
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produtos in natura (ex.: vegetais, frutas e alimentos). Nesses casos, constatada a existência de vício no
produto, apenas o produtor irá por ele responder se este for identificado claramente pelo comerciante que
expõe o produto à venda42.
No vício de produto, há sempre responsabilidade solidária, inclusive do comerciante (ex.:
concessionária é solidária na venda de veículos viciados). Portanto, constatando o consumidor a existência
de vício no produto, deve procurar algum dos fornecedores responsáveis pelo produto para lhe conceder o
prazo de 30 dias para a reparação.
CPF: 778.558.762-00

No particular, o STJ chegou a entender, no REsp 1.411.136 / RS, que, em que pese a existência de
solidariedade quanto ao vício do produto, nas hipóteses em que houve assistência técnica do fabricante no
local em que foi adquirido o produto, o comerciante não teria o dever de promover o encaminhamento para
Maria -- CPF:

conserto, o que deveria ser realizado diretamente pelo consumidor. Entretanto, de maneira mais recente, o
STJ reviu esse entendimento no REsp 1.634.851 / RJ, ocasião em que reafirmou a existência de solidariedade
Oliveira Maria

com relação a todos os fornecedores no caso de vício, inclusive o comerciante, que possui o ônus do
encaminhamento independentemente da existência de assistência técnica no local.
de Oliveira

1.3.2. Vício de quantidade


Gisely de
Gisely

Já no caso de vício de quantidade, o art. 19 do CDC estabelece que os fornecedores respondem


solidariamente pelos vícios de quantidade do produto sempre que, respeitadas as variações decorrentes de
sua natureza, seu conteúdo líquido for inferior às indicações constantes do recipiente, da embalagem,
rotulagem ou de mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
• Abatimento proporcional do preço;
• Complementação do peso ou medida;
• Substituição do produto por outro da mesma espécie, marca ou modelo, sem os aludidos vícios;
• Restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais
perdas e danos.
O regime de garantia legal em caso de vício de quantidade concedido ao consumidor se assemelha
ao que ocorre com o vício do produto. As peculiaridades relativas ao vício de quantidade são: a

42A questão foi abordada na prova objetiva do concurso de ingresso na carreira de Promotor de Justiça do MPE-AM da seguinte
forma: “No caso do fornecimento de maçãs a granel pelo ‘Supermercado Vende Bem’, identificadas nas gôndolas do estabelecimento
como produzidas por ‘Irmãos Santos & Cia. Ltda.’, CNPJ 123.444.555/0001-00, em que houve a constatação técnica, pelo órgão oficial
de fiscalização, de utilização de agrotóxicos permitidos para a referida cultura, mas utilizados além do limite máximo permitido pela
ANVISA, quanto à Responsabilidade por Vício do Produto e do Serviço”. A resposta adequada ao problema era: “apenas ‘Irmãos
Santos & Cia. Ltda.’ deve ser responsabilizado perante o consumidor.”

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

desnecessidade de aguardo de prazo de trinta dias para lançar mão das alternativas e a opção de
complementação de quantidade, que se soma às alternativas similares já previstas nos incisos do §1º do art.
18 do CDC.
O §2º do art. 19 do CDC afirma que: “O fornecedor imediato será responsável quando fizer a pesagem
ou a medição e o instrumento utilizado não estiver aferido segundo os padrões oficiais.” Em geral, a hipótese
é direcionada aos fornecedores que se utilizem de instrumentos de medição (ex.: balança).

1.3.3. Vício do serviço

Segundo o art. 20, o fornecedor de serviços responde pelos:

• Vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo;

• Vícios que diminuam o valor do serviço;


• Vícios decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem
publicitária.
Neste caso, poderá o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:
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• Reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível;


• Restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais
perdas e danos;
• Abatimento proporcional do preço.
No mesmo sentido, o §2º do art. 20 do CDC adiciona, exemplificativamente, que: “São impróprios os
serviços que se mostrem inadequados para os fins que razoavelmente deles se esperam, bem como aqueles
CPF: 778.558.762-00

que não atendam as normas regulamentares de prestabilidade”. Mais uma vez nota-se a preocupação do
legislador com a observância de parâmetros regulamentares, em especial, os emitidos por entes públicos
com capacidade de certificação de qualidade (ex.: INMETRO). Vale lembrar que, em todas as circunstâncias
e independentemente do resultado, a inobservância de parâmetros regulamentares aplicáveis é prática
Maria -- CPF:

abusiva, nos termos do art. 39, X, do CDC.


Oliveira Maria

Note-se, ainda, que no caso do vício do serviço inexiste a necessidade de se aguardar o prazo de
trinta dias para reparação, pois se presume que a reexecução do serviço, em sendo constatado o vício, deve
de Oliveira

ser imediata.
Ademais, releva destacar que o §1º destaca que: “A reexecução dos serviços poderá ser confiada a
Gisely de
Gisely

terceiros devidamente capacitados, por conta e risco do fornecedor.” O comando permite a delegação da
reexecução pelo fornecedor de acordo com análise de conveniência.
É normal que nas hipóteses em que ocorre desavença comercial quanto à execução de serviços, a
fidúcia entre as partes se dissipe, tornando mais satisfatória a saída de terceirização da reexecução de
serviços para evitar que a animosidade entre as partes prolongue ainda mais a situação de descumprimento
contratual (ex.: constatada a má execução de uma reforma, torna-se mais prudente a reexecução dos
serviços por outro profissional, com o custeio imputado ao primeiro fornecedor, evitando a extensão do
contato entre as partes originalmente contratadas em virtude da perda de fidúcia).
Embora o §1º do art. 20 transpareça que a opção pela reexecução por terceiros seja deferida
somente ao fornecedor, o que ocorre na prática é que, diante da controvérsia acerca da qualidade do serviço
(o consumidor considera defeituoso e o fornecedor não), o consumidor opta pelo ajuizamento de
procedimento antecipatório de produção de provas (art. 381 e seguintes do CPC/15) para comprovar o erro
que alega ter ocorrido (ex.: através de perícia nos serviços de engenharia) e, para evitar a demora na
tramitação processual até o trânsito em julgado, produz três orçamentos diversos, escolhendo o mais barato
deles para reexecução e posterior reembolso em caso de procedência de seus pedidos (alguns tribunais
adotam a regra do orçamento médio).

46
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

1.4. Fato do produto ou serviço

Sinônimo de acidente de consumo e de defeito do produto ou serviço, o fato do produto ou serviço


é a ocorrência de danos oriundos de ausência de segurança do produto ou serviço que atingem o consumidor
em sua integridade física ou moral.
Portanto, há aqui uma diferença de intensidade quanto ao vício do produto ou serviço, pois nestes
há um mau funcionamento cujos efeitos se limitam a atingir a adequação do produto ou serviço ao que
razoavelmente deles se espera em termos de funcionamento, ao passo que o fato do produto ou serviço
decorre de um defeito que gera consequência danosa de ordem física ou psíquica ao consumidor.
Um exemplo simples é o da aquisição de uma televisão: se o consumidor liga a televisão e esta não
liga ou funciona de maneira inadequada (ex: sem cor), a televisão é considerada viciada. Ao contrário, se ao
ligar a televisão sobreaquece e explode, lesionando o consumidor, há um fato do produto, na medida em
que lesionada a integridade física do consumidor.
Portanto, o que se percebe é que o defeito pressupõe o vício, de modo que sempre que houver um
defeito haverá um vício, sendo a recíproca falsa. Ou seja, nem sempre que houver um vício haverá um
defeito que lhe seja correspondente.
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De outro lado, é relevante destacar que a doutrina costuma classificar os defeitos em: 1) Defeito de
concepção, decorrentes de equívocos no próprio projeto de construção, fabricação ou execução; 2) Defeito
de fabricação, que ocorre nas hipóteses em que embora o projeto seja hígido a sua execução resulta em
produto defeituoso; 3) Defeito de comercialização, o qual, a despeito de envolver produto ou serviço cujo
modelo de execução é adequado e cuja execução é correta, é comercializado de maneira inadequada.
É importante mencionar, ainda, que a jurisprudência do STJ costuma conferir interpretação extensiva
CPF: 778.558.762-00

ao conceito de fato do produto, como destacado no REsp 1.176.323 / SP, ocasião em que se afirmou que “O
vício do produto é aquele que afeta apenas a sua funcionalidade ou a do serviço, sujeitando-se ao prazo
decadencial do art. 26 do Código de Defesa do Consumidor – CDC. Quando esse vício for grave a ponto de
repercutir sobre o patrimônio material ou moral do consumidor, a hipótese será de responsabilidade pelo
Maria -- CPF:

fato do produto, observando-se, assim, o prazo prescricional quinquenal do art. 27 do referido diploma
legal.”
Oliveira Maria

Na hipótese, tratava-se de situação em que o consumidor havia adquirido cerâmicas que vieram a se
de Oliveira

deteriorar em prazo amplamente inferior ao razoavelmente esperado (9 meses) o que, em uma primeira
leitura, poderia levar à categorização da hipótese como vício do produto. Entretanto, entendeu-se que a
Gisely de

gravidade das consequências causadas pela deterioração do piso, em especial infiltrações e gastos com a
Gisely

reexecução do serviço, eram indicativos de que a hipótese seria de fato do produto e não de vício.
Tal categorização é relevante para a definição da extensão dos prazos, pois, como ser veremos
adiante, o prazo prescricional para reparação de fatos do produto ou serviço (cinco anos) é substancialmente
superior aos prazos decadenciais (trinta dias para produtos ou serviços não duráveis e noventa dias para
serviços ou produtos duráveis).
Por outro lado, ressalte-se que o fato do produto ou serviço poderá coexistir com o vício do produto
ou serviço. Trata-se de consideração alinhada com a própria sistemática do CDC, o qual adota, como visto, o
princípio da reparação integral, exemplificado pelos comandos dos arts. 18, §1º, II; 19, IV; e 20, II, todos do
CDC, que destacam que a restituição de valores em casos de vício do produto, quantidade ou serviço ocorre
“sem prejuízo de eventuais perdas e danos”.
De fato, o que se percebe é que o entendimento que eventualmente prestigiasse a possibilidade de
reparação de danos de ordem material, estética ou moral, apenas nos casos em que fosse solicitada a
restituição de valores acabaria por induzir situação de desequilíbrio nas relações consumeristas, ferindo o
princípio da reparação integral e prejudicando, inclusive, o fornecedor, para quem, em geral, medidas como
a reexecução do serviço, o abatimento do preço e a restituição parcial de valores costuma ser menos
prejudicial do que o reembolso em si.

47
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

Na jurisprudência do STJ é comum se encontrar precedentes deferindo a indenização por danos


morais ou materiais em conjunto com a determinação de algumas das alternativas ligadas à garantia legal
(ex: AgInt no AREsp 1.146 222 / RS).
Visto isso, passemos à análise dos tipos de acidente de consumo.

1.4.1. Fato do produto

Segundo o art. 12, o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador


respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos
consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas,
manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações
insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.
Quanto aos defeitos em si, o §1º do art. 12 do CDC estabelece rol exemplificativo de tipos: “§1° O
produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em
consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que
razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação.”
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Ou seja, há aqui comando amplo de responsabilização do fornecedor, que deve ser entendido como
dever de reparação de danos morais, estéticos e materiais em todas as hipóteses que a integridade física
ou moral do consumidor for violada em decorrência de um defeito de segurança de um determinado
produto. Na prática, a amplitude dos comandos de responsabilização e a principiologia do CDC têm sido
interpretados no sentido de que uma vez constatada a ocorrência de violação à integridade física ou psíquica
do consumidor e apurado o nexo de causalidade entre o dano e o produto ou serviço prestado pelo
fornecedor, este deverá ser responsabilizado pela reparação integral, ressalvada a ocorrência de
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circunstâncias que rompam o nexo de causalidade, as quais serão estudadas adiante.


Vale lembrar que o produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade
ter sido colocado no mercado, conforme destacado no art. 12, §2º, do CDC.
Maria -- CPF:

Ademais, segundo o art. 13, nos casos de fato do produto, o comerciante é igualmente responsável
quando:
Oliveira Maria

• O fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;


de Oliveira

• O produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou
Gisely de

importador;
Gisely

• Não conservar adequadamente os produtos perecíveis.


Com base nesse comando, é comum se afirmar que a responsabilidade do comerciante por fato do
produto é subsidiária. Isso acontece porque só irá responder nas hipóteses acima, o que tem levado a
jurisprduência a reconhecer a ilegitimidade passiva do comerciante nos casos concretos de fato do produto
(ex: ilegitmidade do supermercado para responder por corpo estranho em alimento industrializado nele
adquirido).
Alguns doutrinadores, entretanto, afirmam que a hipótese encerra espécie de regime especial de
responsabilização, aplicável apenas ao fato do produto, em que a responsabilidade do comerciante não
segue a regra geral de ampla solidariedade, estando condicionada às hipóteses do art. 13.
De todo modo, caso haja alguma das hipóteses previstas no art. 13 do CDC, nos termos da
jurisprudência do STJ (ex: AgInt no AREsp 1.016.278 / RJ), o comerciante passará a ter as mesmas obrigações
dos demais coobrigados, que remanescem responsabilizados (ex: o fato de comerciante não conservar
adequadamente os produtos perecíveis não exclui a responsabilidade do fabricante pelo fato do produto,
restando apenas reforçada a fonte de responsabilização em benefício do consumidor, haja vista que também
o comerciante pode ser acionado solidariamente com os demais integrantes da cadeia de fornecimento).

48
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

1.4.2. Fato do serviço

Diz o art. 14 que o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela
reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como
por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Exemplificativamente, o §1º do art. 14 estabelece que “O serviço é defeituoso quando não fornece
a segurança que o consumidor dele pode esperar, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes,
entre as quais: I - o modo de seu fornecimento; II - o resultado e os riscos que razoavelmente dele se
esperam; III - a época em que foi fornecido.”
Saliente-se que o serviço não é considerado defeituoso pela adoção de novas técnicas, conforme
expressamente destacado pelo §2º do art. 14 do CDC.
Ainda, como destacado anteriormente, o §4º do art. 14 do CDC estabelece que, se tratando de
serviço prestado por profissional liberal, a responsabilidade será apurada de maneira subjetiva, ou seja,
demandará a apuração de culpa lato sensu para sua verificação.

1.5. Excludentes de Nexo de Causalidade


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Assim como ocorre na teoria geral da responsabilidade civil contratual e extracontratual, uma vez
evidenciada a existência de dano e nexo de causalidade entre o dano e o produto ou serviço fornecido, é
possível a isenção de responsabilização nas hipóteses em que for comprovada a existência de hipótese que
rompa o nexo de causalidade.
O CDC dispõe, em seu art. 12, §3º, que o fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não
CPF: 778.558.762-00

será responsabilizado quando provar:

• Que não colocou o produto no mercado;


• Que, embora haja colocado o produto no mercado ou tenha prestado o serviço, o defeito inexiste;
• Que a culpa é exclusiva do consumidor ou de terceiros.
Maria -- CPF:

Em redação semelhante, o art. 14, §3º, do CDC, tratando do fato do serviço, estabelece que “O
Oliveira Maria

fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o
defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.”
de Oliveira

Destaque-se que, embora inexista comando similar quanto ao vício, é consenso na prática que tais
Gisely de

matérias também podem ser alegadas como rompimento de nexo de causalidade nos casos de vício do
Gisely

produto ou serviço (Ex: AgRg no AREsp 400.983 / PB, onde o STJ rechaça a tese de culpa exclusiva do
consumidor).
Dito isto, é de suma importância notar que, diversamente do que ocorre com a comprovação em si
da existência do vício ou fato do produto de serviço, que depende de decisão judicial para ser submetida ao
ônus da prova invertido em desfavor do fornecedor (art. 6º, VIII, do CDC), no caso da comprovação da
ocorrência de fato que rompe o nexo de causalidade tal inversão opera em todos os casos, independente de
atuação jurisdicional, sendo denominada ope legis.
Dessa forma, acaso seja alegada a ocorrência de vício ou fato do produto pelo consumidor em
demanda judicial, eventual alegação de rompimento de nexo de causalidade, inclusive a de ausência de vício
ou defeito, fica a cargo do fornecedor, independente de atuação judicial, já de partida. Ou seja, evidenciada,
a priori, a existência de vício ou defeito, cabe ao fornecedor comprovar que não se trata de vício ou defeito
(ex: que é hipótese de desgaste natural e não vício) ou a ocorrência de qualquer outra forma de rompimento
de nexo de causalidade (ex: que o vício decorreu de mau uso pelo consumidor).
Quanto às hipóteses elencadas nos dispositivos supracitados, verifica-se que os incisos I e II do
parágrafo 3º do art. 12 e o inciso I do parágrafo 3º do art. 14, ao estabelecerem a prova da ausência de
colocação do produto ou serviço no mercado ou a inexistência do defeito não tratam, propriamente, de

49
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

hipóteses de rompimento do nexo de causalidade. Isso porque a ausência de defeito encontra-se ligada à
caracterização do próprio ato ilícito, de modo que, ausente o ato ilícito, não há sequer de se apurar o nexo
de causalidade. Ademais, a hipótese em que o fornecedor não colocou o produto ou serviço no mercado
representa ausência de nexo de causalidade em si, e não rompimento.
Dessa forma, apenas o inciso III do parágrafo 3º do art. 12 e o inciso II do parágrafo 3º do art. 14,
constituem, tecnicamente, hipótese de rompimento de nexo de causalidade, conforme, inclusive, o conteúdo
da teoria geral da responsabilidade civil. De fato, quando a culpa é atribuível exclusivamente ao consumidor
ou a terceiro há, a princípio, o preenchimento dos requisitos básicos da responsabilidade civil em desfavor
do fornecedor (ato ilícito, nexo causal e dano). Entretanto, nessas hipóteses, a apuração de culpa exclusiva
do consumidor ou de terceiros é apta a romper o nexo de causalidade e inviabilizar a responsabilização do
fornecedor.
Relevante apurar se a hipótese da culpa exclusiva do consumidor também abarcaria a situação em
que resta apurada a culpa concorrente. O Código Civil estabelece, em seu art. 945, que se a vítima tiver
concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada, levando em conta a gravidade
de sua culpa em confronto com a gravidade da culpa do autor do dano.
Portanto, o que se percebe é que, mesmo que admitida a aplicação do diploma civilista, resta inviável
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a exclusão total de responsabilidade do fornecedor nos casos de culpa concorrente, tendo em vista que, a
própria dicção do CDC se refere à culpa “exclusiva”, restando apurar a possibilidade de se reduzir o valor da
indenização.
Parcela substancial da doutrina (ex: Zelmo Denari, Rizzato Nunes, etc.), entende que a culpa
concorrente não resulta nenhum tipo de consequência no regime do CDC por duas razões: 1) o regime de
responsabilidade objetiva adotado pelo CDC busca eliminar da apuração da relação de consumo a discussão
CPF: 778.558.762-00

sobre o elemento subjetivo; 2) o CDC não elenca regra similar à do CC/02, a qual não pode ser aplicada ao
sistema consumerista diante das limitações apresentadas pela vulnerabilidade do consumidor (art. 4º, I, do
CDC) e pelo princípio da reparação integral (art. 6º, VI, CDC).
Entretanto, em caso concreto, o STJ já entendeu que a verificação de culpa concorrente permite a
Maria -- CPF:

redução da condenação (REsp 287.849 / SP), aplicando em diálogo de fontes o comando do art. 945 do CC/02.
Oliveira Maria

O exemplo mais recorrente de rompimento de nexo de causalidade em razão da culpa exclusiva do


consumidor encontra-se ligado aos casos de saques e operações bancárias realizadas mediante utilização de
de Oliveira

senha que não são reconhecidos pelo consumidor (REsp 601805 / SP e AREsp 1652048 / SP, este último ligado
ao “golpe do motoboy”), assim como as hipóteses de “mau uso”, ligadas ao manuseio incorreto do produto,
Gisely de

em desconformidade com as instruções expressamente nele contidas.


Gisely

De outro lado, quanto a culpa exclusiva de terceiro, trata-se de situação que envolve a interferência
de pessoa completamente alheia ao serviço ou ao produto contratado que acaba contribuindo para
ocasionar o defeito do produto. Evidentemente que, nos termos do art. 7º, parágrafo único; 25, §2º; e 34 do
CDC, não se caracterizam como terceiros quaisquer pessoas relacionadas à cadeia de fornecimento. Ademais,
o STJ entende que o fato de terceiro somente exclui o nexo de causalidade quando for inevitável e
imprevisível (REsp 685.662 / RJ).
Por tal razão, é comum que a causa de rompimento relativa à atuação de terceiros é comumente
associada ao caso fortuito ou força maior (ex: roubos em coletivos, hipótese em que o STJ entende rompido
o nexo de causalidade – AgRg no REsp 1.551.484 / SP).
De todo modo, para além das hipóteses dos parágrafos 3º dos arts. 12 e 14, há também a discussão
acerca da possibilidade de outras hipóteses de rompimento de nexo de causalidade.

50
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

1.5.1. Caso Fortuito e Força Maior

Verifique que os arts. 12, §3º, e 14, §3º, não elencam o caso fortuito ou força maior como causas
excludentes da responsabilidade, gerando a dúvida acerca da aplicação de tais fatores como hipótese de
rompimento do nexo de causalidade.
Embora parcela substancial da doutrina tenha articulado que se tratava de silêncio eloquente, ou
seja, que o legislador deixou de contemplar o caso fortuito e a força maior exatamente porque queria que
tais casos não fossem vistos como fator de rompimento do nexo de causalidade, a jurisprudência do STJ
passou a acatar tais hipóteses como aptas ao rompimento, mas apenas nos casos fortuitos externos. Dessa
forma, devemos agora ver a distinção entre fortuito interno e fortuito externo:

a) Fortuito interno

Se o dano sofrido pela vítima guarda relação com a atividade desenvolvida pelo ofensor, o caso é de
fortuito interno e, nestas hipóteses, o dever de indenizar continua (Ex.: A súmula 479 do STJ dispõe que “As
instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes
e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”).
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A questão da responsabilidade pelas fraudes bancárias tem sido aplicada de forma ampla pelo STJ,
inclusive no caso das compras com cartões de crédito decorrentes de fraude, conforme excerto do seguinte
precedente: “Cabe às administradoras, em parceria com o restante da cadeia de fornecedores do serviço
(proprietárias das bandeiras, adquirentes e estabelecimentos comerciais), a verificação da idoneidade das
compras realizadas com cartões magnéticos, utilizando-se de meios que dificultem ou impossibilitem fraudes
e transações realizadas por estranhos em nome de seus clientes, independentemente de qualquer ato do
CPF: 778.558.762-00

consumidor, tenha ou não ocorrido roubo ou furto.” (REsp 1.058.221 / PR)


A tendência, portanto, é que as compras com cartão de crédito realizadas sem a utilização da senha
pessoal e intransferível e não reconhecidas pelo consumidor tenham seus prejuízos imputados às instituições
financeiras e administradoras de cartão de crédito, a critério do consumidor.
Maria -- CPF:

No mesmo sentido, também as fraudes ocorridas durante o processo de portabilidade de crédito


Oliveira Maria

consignado têm sido consideradas incluídas no dever de segurança das instituições financeiras, conforme se
extrai do seguinte precedente: “É dever das instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade
de Oliveira

de crédito apurar a regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a


reponsabilidade solidária pelos danos decorrentes de falha na prestação do serviço.” (REsp 1.771.984 / RJ)
Gisely de
Gisely

Quanto às instituições bancárias, para além da garantia da higidez das operações e transações
bancárias, também compõe o objeto da prestação de seus serviços a garantia da segurança e da integridade
física de seus clientes, de modo que eventuais consequências de roubos no interior de agências também é
considerada hipótese de fortuito interno (REsp 1.098.236 / RJ). No mesmo sentido os roubos e furtos em
estacionamentos pagos também são tidos como fortuitos internos (AgRg no AREsp 613.850 / SP).
No que tange o transporte público, para além dos defeitos ligados ao próprio meio de transporte em
si (ex: estouro de pneu, defeito mecânico) também se tem entendido como espécie de fortuito interno o
atraso de voô por qualquer motivo, embora este, por si só, não gere dano moral (REsp 1.584.465 / MG) e
que o “ato de vandalismo que resulta no rompimento de cabos elétricos de vagão de trem não exclui a
responsabilidade da concessionária/transportadora” (REsp 1.786.722 / SP).
Além disso, o atraso na entrega de imóvel em construção em razão de questões ligadas ao mercado
imobiliário (ex: obtenção de “habite-se”, chuvas, e falta de mão de obra) também tem sido enfrentado como
hipótese de fortuito interno (AgInt nos EDcl no REsp 1.869.642 / SP).
Outra hipótese de fortuito interno diz respeito às questões relativas à segurança e integridade física
do hóspede em serviços de hospedagem (ex: AREsp 1.719.359 / SC e REsp 1.102.849 / RS), sendo a agência
de turismo solidária nestes casos, como visto anteriormente, mesmo nos casos de hospedagem realizada no
exterior. No mesmo sentido, o STJ firmou entendimento no sentido de que: “A entidade esportiva mandante

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

do jogo responde pelos danos sofridos por torcedores em decorrência de atos violentos perpetrados por
membros de torcida rival.” (REsp 1.924.527 / PR)

b) Fortuito externo

Nos casos em que o dano não guardar ligação com a atividade desenvolvida pelo ofensor haverá
rompimento do nexo de causalidade, sendo o dever de indenizar afastado (Ex: A concessionária de
transporte ferroviário não responde por ato ilícito cometido por terceiro e estranho ao contrato de
transporte. A prática de crime (ato ilícito) – seja roubo, furto, lesão corporal –, por terceiro em veículo de
transporte público, afasta a hipótese de indenização pela concessionária, por configurar fato de terceiro.
REsp 1.748.295 / SP; Considera-se fortuito externo a queda de passageiro em via férrea de metrô, por
decorrência de mal súbito. REsp 1.936.743 / SP; Concessionária de rodovia não responde por roubo e
sequestro ocorridos nas dependências de estabelecimento por ela mantido para a utilização de usuários –
REsp 1.749.941 / PR; e “Banco não é responsável por fraude em compra on-line paga via boleto quando não
se verificar qualquer falha na prestação do serviço bancário.” – REsp 1.786.157 / SP).
Têm sido enfrentados como casos de fortuito externo os ligados a roubos ou furtos ocorridos fora da
agência bancária ou do estabelecimento comercial em geral que tenha como objeto de seu serviço a garantia
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de segurança dos clientes (REsp 1284962 / MG e REsp 1440756 / RJ – shopping), assim como o roubo ou furto
ocorrido dentro de estabelecimento comercial que não tenha como atividade típica a garantia de segurança
(REsp 1243970 / SE – posto de combustível).
Quanto ao serviço de valet, o STJ tem entendido que o roubo ou furto somente será tido como
fortuito externo se o estacionamento se der nas ruas, de modo que, se tal serviço for prestado agregado ao
depósito em estacionamento privado, a hipótese de roubo ou furto será tida como fortuito interno (REsp
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1.321.739 / SP e EREsp 1.431.606 / SP).


Em relação à segurança virtual, o STJ firmou posição no sentido de que “O provedor de aplicações
que oferece serviços de e-mail não pode ser responsabilizado pelos danos materiais decorrentes da
transferência de bitcoins realizada por hacker.” (REsp 1.885.201 / SP)
Maria -- CPF:

1.5.2. Teoria do risco do desenvolvimento


Oliveira Maria
de Oliveira

A teoria do risco do desenvolvimento envolve a aceitação, como excludente da responsabilidade do


fornecedor de produtos ou serviços, da circunstância de o defeito apurado derivar de fato que o fornecedor
não poderia ter conhecimento, de acordo com as tecnologias disponíveis, no momento em que inseriu o
Gisely de
Gisely

produto ou serviço no mercado de consumo.


Ou seja, trata-se de defeito que se evidencia somente após o fornecimento do produto ou serviço,
de acordo com o avanço da ciência, ocasião em que os danos começam a aparecer. O CDC não adotou posição
categórica sobre ela. A União Europeia e os Estados Unidos a aceitam como excludente de responsabilidade.
No Brasil há autores que entendem que ela é uma excludente (Fábio Ulhoa Coelho e Gustavo
Tepedino), em geral, pelos seguintes motivos: 1) os riscos referentes ao desenvolvimento não
representariam, propriamente defeito do produto ou serviço, já que o CDC só proíbe o fornecimento de
produtos ou serviços que o fornecedor “sabe ou deveria saber apresentar alto grau de nocividade ou
periculosidade à saúde ou segurança” (art. 10 do CDC); 2) o CDC considera defeituosos apenas o os produtos
e serviços que “não oferece(m) a segurança que dele(s) legitimamente se espera, levando-se em
consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: (…) II - o uso e os riscos que razoavelmente dele
se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação.” (Grifo nosso).
Outros autores (Herman Benjamin, Sérgio Cavalieri e Bruno Miragem), entretanto, entendem que o
risco do desenvolvimento não rompe o nexo de causalidade, pois: 1) Não há menção expressa do CDC; 2) O
acolhimento de tal teoria vai de encontro aos princípios da vulnerabilidade (art. 4º, I, do CDC) e da reparação
integral (art. 6º, VI do CDC), transferindo o risco da atividade desproporcionalmente ao consumidor; 3) o
defeito ligado ao desenvolvimento é uma forma de defeito de concepção. No sentido disposto por esta

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

segunda corrente, o Enunciado nº 43 da I Jornada de Direito Civil afirma que: “A responsabilidade civil pelo
fato do produto, prevista no art. 931 do novo Código Civil, também inclui os riscos do desenvolvimento.”
A questão foi posta recentemente ao conhecimento do STJ, ocasião em que houve filiação ao
entendimento da segunda corrente, firmando-se precedente no sentido de que “O laboratório tem
responsabilidade objetiva na ausência de prévia informação qualificada quanto aos possíveis efeitos
colaterais da medicação, ainda que se trate do chamado risco de desenvolvimento.” (REsp 1.774.372/RS)

1.5.3. Recall

Como já mencionado por ocasião do estudo do princípio da segurança, o recall ocorre quando o
fornecedor identifica a existência de defeito ou mau funcionamento em determinado produto ou serviço,
hipótese em que, por força do art. 10, §1º, do CDC, terá a obrigação de comunicar o fato às autoridades
competentes e consumidores, disponibilizando solução gratuita ao problema.
O procedimento de divulgação de chamamento dos consumidores é disciplinado pela Portaria
618/2019 do Ministério da Justiça, sendo certo que, embora obrigatória, sua realização não importa em
rompimento de nexo de causalidade com relação a eventuais danos causados pelo defeito ou mau
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funcionamento que deveria ser corrigido pelo recall, mesmo que o consumidor não tenha levado o produto
para conserto após o chamamento (AgRg no REsp 1.261.067 / RJ).
Entretanto, no caso em que o fornecedor tenha convocado para a realização de recall e o consumidor
não tenha atendido à convocação, há dúvida sobre a possibilidade de redução do valor da indenização por
força da concorrência de culpas, tendo o STJ acolhido tal entendimento no REsp 287.849 / SP, sem prejuízo
de anotações doutrinárias acerca da inadequação da análise de culpa no sistema de responsabilidade
objetiva adotado pelo CDC.
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A possibilidade de redução do montante da indenização pode, inclusive, ter sido reforçada pelo
comando inserido pela Lei nº 14.229/2021 no Art. 131, §4º do Código de Trânsito Brasileiro: “As informações
referentes às campanhas de chamamento de consumidores para substituição ou reparo de veículos
Maria -- CPF:

realizadas a partir de 1º de outubro de 2019 e não atendidas no prazo de 1 (um) ano, contado da data de sua
comunicação, deverão constar do Certificado de Licenciamento Anual.”
Oliveira Maria

De fato, a averbação de tal informação no Certificado de Licenciamento Anual implica na


de Oliveira

inviabilidade de terceiro adquirente alegar boa-fé ou desconhecimento do chamamento para “Recall”


ocorrido antes da aquisição.
Gisely de

2. SITUAÇÕES ESPECÍFICAS DO REGIME DE RESPONSABILIDADE DO CDC


Gisely

2.1. Danos ao Tempo Como Bem Jurídico Autônomo

Trata-se de discussão suscitada pela doutrina e recentemente analisada no campo jurisdicional, a


qual se liga a viabilidade de se reputar valor juridicamente tutelável ao tempo do consumidor para efeito de
proteção.
Atualmente, a questão vem sendo debatida principalmente em torno da teoria do desvio produtivo
do consumidor, a qual trata das hipóteses em que o consumidor se vê obrigado a renunciar a seu tempo
para solucionar problemas criados pelo fornecedor, os quais são vistos como ato ilícito.
A questão já foi enfrentada pela jurisprudência do STJ, ocasião em que se afirmou a possibilidade de
reparação do desvio produtivo, conforme se extrai dos seguintes precedentes: 1) AREsp 1.260.458 / SP: O
STJ entendeu que há dano moral quando o consumidor passa por verdadeiro calvário para obter o estorno
pretendido, no caso, passaram-se dois anos entre o ajuizamento da ação e a sentença; 2) AREsp 1.241.259 /
SP: a 4ª Turma do STJ fixou indenização de R$15 mil em favor do consumidor diante da “frustração em
desfavor do consumidor, aquisição de veículo com vício ‘sério’, cujo reparo não torna indene o périplo

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

anterior ao saneamento”; 3) REsp 1.737.412 / SE: dano moral coletivo por descumprimento reiterado de
limites de espera em filas de banco.
É relevante destacar que, em geral, o STJ defere a indenização pelo desvio produtivo a título de dano
moral, sendo controversa a natureza jurídica da indenização na doutrina, havendo doutrinadores que
defendem seu caráter autônomo.

2.2. Responsabilidade do profissional médico

Como visto, o regime de responsabilização dos profissionais liberais em caso de acidente de consumo
possui natureza subjetiva (art. 14, §4º do CDC), demandando comprovação de culpa para seu
reconhecimento, ressalvando, como já visto, o caso em que há contratação de obrigação de resultado,
ocasião em que a culpa do médico é presumida, como ocorre na cirurgia plástica embelezadora que não
apresenta o resultado esperado (ex: REsp 985.888 / SP).
De outro lado, uma coisa é a responsabilidade do médico, como profissional liberal, outra coisa é a
responsabilidade do hospital, pois este é um fornecedor de serviços também. Nos termos da jurisprudência
do STJ (REsp 1.145.728 / MG), a responsabilidade do hospital é objetiva quanto aos serviços por ele prestados
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(ex: estadia internação, instalações, equipamentos, serviços auxiliares, como exames, imagens, radiografias,
etc) e, em se tratando de erro de atuação médica de profissional que componha seus quadros (contratado
pelo hospital), a responsabilidade só existirá se ficar comprovada a culpa dos médicos, ocasião em que o
hospital responderá solidariamente pelo erro.
No entanto, em se tratando de médico que não seja contratado pelo hospital (ex: aluga a estrutura
para fazer uma cirurgia), não haverá responsabilização do nosocômio se houver erro no procedimento, haja
vista a inexistência de nexo de causalidade (REsp 764.001 / PR). Há controvérsia, contudo, sobre a
CPF: 778.558.762-00

responsabilidade solidaria do chefe da equipe cirúrgica no caso de erro cometido por outro profissional sob
sua supervisão, havendo precedente no sentido do reconhecimento da solidariedade (REsp 605.435) e
contrário (REsp 880.349).
Maria -- CPF:

Outro aspecto relevante sobre o tema médico está ligado ao entendimento do STJ que responsabiliza
os planos de saúde por atos praticados por profissionais médicos e por clínicas a credenciados por eles (REsp
Oliveira Maria

866.371 / RS).
de Oliveira

2.3. Ampla Equiparação Das Vítimas De Acidente De Consumo (“Bystander”)


Gisely de

Como já destacado quando do estudo das equiparações, segundo o art. 17 do CDC, equiparam-se aos
Gisely

consumidores todas as vítimas do evento, de modo que todas as vítimas do acidente de consumo são
consideradas consumidoras, sendo denominados bystanders.
Importante notar que a equiparação em comento somente diz respeito à seção do CDC que trata dos
acidentes de consumo, de modo que eventuais terceiros que sofram prejuízos em decorrência de vícios de
um determinado produto não serão equiparados à figura do consumidor.
O STJ já reconheceu como bystanders as vítimas de uma explosão ocorrida em loja de fogos de
artifício (REsp 181.580 / SP); familiares de pessoa atropelada em rodovia mal sinalizada (REsp 1.268.743 /
RJ); terceiro que se envolve em acidente com veíuclo de transporte de carga (REsp 1.125.276 / RJ);
pescadores artesanais atingidos por derramemnto de óleo (CC 143.204 / RJ); comerciante que é vítma de
defeito em produto por ele adquirido (REsp 1.288.008 / MG); vítimas em terra de acidente aéreo (REsp
1.281.090); vítima atingida por disparo em troca de tiro dentro de estação de metro (REsp 1.372.889 / SP);
pessoa que tem o nome negativado em razão de cheque falso (CC 128.079 / MT); pessoa atropelada em via
férrea (AgRg no REsp 1.334.527 / RJ).
Portanto, trata-se de regra que permite substancial ampliação do regime consumerista. Contudo, há
de se destacar que o STJ tem afastado a aplicação do art. 17 do CDC quando a vítima do acidente de consumo
é pessoa jurídica (REsp 1.162.649 / SP), nas hipóteses em que há relação de trabalho prévia entre a vítima e

54
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

o fornecedor (REsp 1.370.139 / SP) e em caso de vício do produto ou serviço (arts. 18 a 25 do CDC) (REsp
1.967.728 / SP).
Quanto ao último entendimento, acaso prevaleça, restará prejudicada uma das principais regras de
equiparação responsáveis pelo estabelecimento do regime uno/único de responsabilidade do CDC. De fato,
como visto, considera-se que o CDC não estabelece diferenciação entre responsabilidade contratual e
extracontratual principalmente em razão das equiparações contidas nos arts. 17 e 29, que permitem a
concessão das garantias do microssistema consumerista em favor de qualquer pessoa que seja lesada por
algum produto ou serviço ou vítima de alguma prática comercial abusiva, independente de sua relação com
o fornecedor.
Entretanto, afastando-se a aplicabilidade do art. 17 do CDC dos casos de vícios no produto ou serviço,
haverá maior dificuldade na obtenção de reparação por particulares que não consigram comprovar o vínculo
contratual com o(s) fornecedor(es). Um exemplo ocorre quando uma pessoa ganha um produto ou serviço
de presente ou adquirie de “segunda mão”. Nesses casos, os fornecedores poderiam negar a concessão da
garantia legal contra o vício diante da inaplicabilidade da regra do “bystander” em favor do lesado.

2.4. Viabilidade de cumulação entre pretensões fundadas no fato e no vício do


produto
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Embora o CDC traga regimes jurídicos diversos para a ocorrência do vício e do fato do produto, é
pacífico o entendimento de que poderá o consumidor, com base no mesmo evento, postular a aplicação de
dispositivos relativos a ambos os regimes. Nesse sentido, o próprio conteúdo dos arts. 18, II; 19, IV; e 20, II,
do CDC já deixa clara a possibilidade de cumulação da restituição de valores em decorrência de vício com a
indenização por perdas e danos.
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Ademais, os princípios da reparação integral e da vulnerabilidade, alidos à ausência de qualquer


vedação legal também indicam a total viabilidade da cumulação de regimes, o que vem sendo amplamente
reconhecido pelo STJ (REsp 567.333 / RN).
Maria -- CPF:

3. JURISPRUDÊNCIA SOBRE A TEORIA DA QUALIDADE


Oliveira Maria

3.1. Danos Morais Considerados In Re Ipsa


de Oliveira

• Inclusão/manutenção em cadastros negativos. REsp 432.177. REsp 597.814.


Gisely de

• Se os correios não comprovarem a efetiva entrega de carta registrada postada pelos clientes REsp
Gisely

1.097.226.
• Súmula 370/STJ: Caracteriza dano moral a apresentação antecipada de cheque pré-datado.
• Súmula 388/STJ: A simples devolução indevida de cheque caracteriza dano moral.
• Súmula 403/STJ: Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada
de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.
• É dever das instituições financeiras envolvidas na operação de portabilidade de crédito apurar a
regularidade do consentimento e da transferência da operação, recaindo sobre elas a
reponsabilidade solidária pelos danos decorrentes de falha na prestação do serviço. (REsp
1.771.984 / RJ)
• SÚMULA N. 595 do STJ - As instituições de ensino superior respondem objetivamente pelos danos
suportados pelo aluno/consumidor pela realização de curso não reconhecido pelo Ministério da

55
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

Educação, sobre o qual não lhe tenha sido dada prévia e adequada informação. Segunda Seção,
aprovada em 25/10/2017, DJe 6/11/2017.
• É cabível dano moral pelo defeito na prestação de serviço de transporte aéreo com a entrega de
passageiro menor desacompanhado, após horas de atraso, em cidade diversa da previamente
contratada. (REsp 1.733.136 / RO)

3.2. Danos Morais Que Não São Considerados In Re Ipsa

• Atraso de voo – pacificado pelo STJ. Deve-se provar no caso concreto os prejuízos ao consumidor
(REsp 1.584.465 / MG).
• Irelevante, para fins de caracterização do dano moral, a efetiva ingestão, pelo consumidor, do
produto considerado impróprio para o consumo, em virtude da presença de corpo estranho no
alimento (REsp 1899304 / SP);
• Dano sofrido pela pessoa jurídica. REsp 1.564.955;
• Inclusão de valor indevido na fatura de cartão de crédito e/ou saque indevido. (REsp 1.550.509 /
RJ).
• O atraso, por parte de instituição financeira, na baixa de gravame de alienação fiduciária no
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registro de veículo não caracteriza, por si só, dano moral in re ipsa. (REsp 1.881.453 / RS)

QUESTÕES DE CONCURSOS
1) (FCC – 2019- TJ/AL - Juiz Substituto) — No que concerne à qualidade de produtos e serviços, prevenção e
reparação dos danos nas relações de consumo,
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a) o comerciante só será responsabilizado perante o consumidor se não conservar adequadamente os


produtos perecíveis.

b) os produtos e serviços colocados no mercado de consumo em nenhuma hipótese poderão acarretar riscos
à saúde ou à segurança dos consumidores.
Maria -- CPF:

c) o fabricante, o produtor, o construtor e o importador respondem objetivamente pela reparação dos danos
Oliveira Maria

causados aos consumidores, independentemente da existência de nexo de causalidade, na modalidade de


de Oliveira

risco integral.

d) o fornecedor de produtos e serviços deverá higienizar os equipamentos e utensílios utilizados nesse


Gisely de
Gisely

fornecimento, ou colocados à disposição do consumidor, informando, de maneira ostensiva e adequada,


quando for o caso, sobre o risco de contaminação.

e) a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais dar-se-á objetivamente, na modalidade do risco


atividade.

2) (VUNESP -2019 – TJ/AC - Juiz de Direito Substituto) — Maria da Silva comprou um aparelho celular e,
durante o regular uso, a bateria superaqueceu e explodiu, ferindo a sua sobrinha que estava manuseando o
aparelho. Diante desse fato hipotético, assinale a alternativa correta quanto à responsabilidade do
fornecedor.

a) Há responsabilidade do fornecedor por fato do produto, pois o aparelho se apresentou defeituoso,


causando danos aos consumidores.

b) Não há responsabilização do fornecedor pelos ferimentos na sobrinha com base na legislação


consumerista, pois o aparelho celular não lhe pertence e, desse modo, não é considerada consumidora.

56
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA TEORIA DA QUALIDADE • 4

c) Trata-se de dano causado por vício do produto, devendo Maria da Silva e a sobrinha serem reparadas pelos
danos patrimoniais e físicos sofridos.

d) O fornecedor se exime da responsabilidade de reparar os danos se conseguir comprovar a inexistência de


culpa pelo defeito do aparelho celular.

GABARITO COMENTADO
1)Gabarito:D
a) Incorreta. A responsabilidade do comerciante em caso de fato do produto é subsidiária e ocorre nos casos
do Art. 13 do CDC: “quando o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser
identificados” (inciso I); “quando o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor,
construtor ou importador” (inciso II); “no caso de produtos perecíveis, o comerciante não os conservar
adequadamente” (inciso III). O erro ocorre porque há omissão dos incisos I e II.
b) Incorreta. O art. 8º do CDC estabelece que “Os produtos e serviços colocados no mercado de consumo
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não acarretarão riscos à saúde ou segurança dos consumidores, exceto os considerados normais e previsíveis
em decorrência de sua natureza e fruição, obrigando-se os fornecedores, em qualquer hipótese, a dar as
informações necessárias e adequadas a seu respeito.” (Grifei). Portanto, a periculosidade inerente é aceita.
c) Incorreta. Em desconformidade com o art. 12 caput do CDC, que afirma que “O fabricante, o produtor, o
construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa,
pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação,
CPF: 778.558.762-00

construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem


como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.” O CDC estabelece apenas
responsabilidade objetiva, não se filiando à teoria do risco integral (conforme excludentes de nexo de
causalidade do arts. 12, §3º e 14, §3º do CDC) e nem dispensando a ocorrência de nexo de causalidade.
Maria -- CPF:

d) Correta. Corresponde ao conteúdo do art. 8º, §2º do CDC: “O fornecedor deverá higienizar os
equipamentos e utensílios utilizados no fornecimento de produtos ou serviços, ou colocados à disposição do
Oliveira Maria

consumidor, e informar, de maneira ostensiva e adequada, quando for o caso, sobre o risco de
de Oliveira

contaminação.”
e) Incorreta. O Art. 14, §4º do CDC estabelece que “A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será
Gisely de

apurada mediante a verificação de culpa.”


Gisely

2)Gabarito:A
a) Correto. No caso de fato do produto o fornecedor responderá pelo dano (CDC, art. 12).
b) Incorreto. A sobrinha será considerada consumidora por equiparação (“bystander”), nos termos do art.
17 do CDC.
c) Incorreto. Como destacado, a hipótese trata de fato do produto, também nomeada acidente de consumo,
tratada pelo art. 12 do CDC.
d) Incorreto. Nos termos do caput do art. 12 do CDC a responsabilidade pelo fato do produto é objetiva.

57
Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
Maria -- CPF:
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5
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC

58
PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC • 5
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC • 5

O Código de Defesa do Consumidor encerra o tema da garantia legal com o estabelecimento de prazo
decadenciais e prescricionais.
O art. 24 do CDC afirma que “a garantia legal de adequaçãwo do produto ou serviço independe de
termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor”, garantia essa que é referente ao regime
dos arts. 12 a 20 do CDC, ou seja, que garante a reparação pelo fato e pelo vício do produto. O consumidor
possui essa garantia a partir do momento que adquire o produto ou serviço até a expiração do prazo
decadencial ou prescricional, conforme o caso.
Daí deriva a importância de se estudar os prazos prescricionais e decadenciais sob a ótica do CDC:
definir até qual momento o consumidor pode exigir do fornecedor a reparação por um vício ou por um fato
do serviço.
O regime de prescrição e decadência encontra-se nos arts. 26 e 27 do CDC, separando prazos e
instituições de acordo com a hipótese de vício ou fato do produto. Nesse sentido, a categoria conceitual da
prescrição é aplicável ao fato do produto ou serviço (acidente de consumo), e a categoria conceitual da
decadência é aplicável ao vício do produto ou serviço.
O prazo para a parte reclamar de um vício aparente ou de fácil constatação de um produto ou serviço
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é um prazo decadencial, definido pelos incisos do art. 26 do CDC:

• 30 dias para produtos não duráveis (inciso I);

• 90 dias para produtos duráveis (inciso II - Produto durável é aquele que não se esgota com a sua
primeira utilização, ou com a sua aquisição. Ex.: carro, celular, vestido de casamento, roupa etc.).
É importante notar que o art. 26, ao tratar de vícios aparentes ou de fácil constatação, não veda a
CPF: 778.558.762-00

prática de venda de produtos ou serviços usados com pequenos defeitos mediante abatimento no preço.
Nestes casos, observado o dever de fornecer adequada informação e transparência, a boa-fé objetiva veda
o acionamento da garantia legal pelo consumidor em razão dos vícios aparentes que já se encontravam
presentes no momento da aquisição.
Maria -- CPF:

Por outro lado, o art. 27 do CDC afirma que “prescreve em 5 anos a pretensão à reparação pelos
danos causados por fato do produto ou do serviço” (acidente de consumo).
Oliveira Maria

1. APLICAÇÃO RESTRITA DOS PRAZOS EXTINTIVOS DO CDC


de Oliveira

A aplicação de tais prazos tem recebido interpretação restritiva por parte do STJ, que somente vem
Gisely de

aplicando esses regramentos aos casos que tecnicamente se evidenciam como fato ou vício do produto. Tal
Gisely

afirmação pode parecer lógica, mas, na prática, há grande controvérsia, gerada principalmente pela
existência de prazos diversos no CC/02 e em outros diplomas legais, como, por exemplo, o prazo previsto no
Decreto nº 20.910/32 para as ações movidas em desfavor do poder público.
Um exemplo disso é que o Código Civil, no art. 205, diz que “a prescrição ocorre em 10 anos, quando
a lei não lhe haja fixado prazo menor”. O STJ afirma que esse é o prazo para reclamar danos contratuais
(EREsp 1.281.594). Ainda, o art. 206, §3º, V, do CC diz que “a prescrição para a reparação civil ocorre em 3
anos”. Nesses casos, em comparação com o prazo prescricional aplicável ao acidente de consumo (5 anos),
a lei civil, fixou prazo menor para reparação do dano extracontratual (3 anos), enquanto fixou prazo maior
para o dano contratual (10 anos).
Para facilitar a compreensão, cite-se os seguintes precedentes sobre o tema:

59
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC • 5

• Erro médico é fato do serviço e prescreve em 5 anos, nos termos do art. 27 do CDC (AgInt no
AREsp 1.127.015 / MG);
• Restituição de Tarifas Elétrica, de Esgoto e de Telefonia é demanda submetida a regime especial
de direito público e, à falta de disposição específica, prescreve no prazo genérico de 10 anos do
art. 205 do CC/02 (REsp 1.113.403/RJ e REsp 1.512.465/RS);
• Súmula 477 do STJ - "A decadência do art. 26 do CDC não é aplicável à prestação de contas para
obter esclarecimentos sobre a cobrança de taxas, tarifas e encargos bancários”. Nesses casos, o
STJ vem entendendo que o prazo prescricional é o decenal previsto no art. 205 do CC/02 (AgInt
no AREsp 606.001 / MG);
• Complementação de indenização securitária segue o prazo de um ano previsto no art. 206, §1º,
II, do CC/02 (REsp 574.947 / BA). Lembre-se que esse prazo somente se aplica à relação entre
seguradora e segurado. No caso de terceiros beneficiários o prazo prescricional é o decenal
previsto no art. 205 do CC/02 (AgInt no AREsp 178.910 / MG);
• As pretensões indenizatórias decorrentes do furto de joias, objeto de penhor em instituição
financeira, prescrevem em 5 (cinco) anos, de acordo com o disposto no art. 27 do CDC. (REsp
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1.369.579-PR – 2018/VUNESP /TJ-RS);


• Inscrição indevida em cadastro de inadimplentes possui prazo prescricional de 3 anos, conforme
art. 206, §3º, V, do CC/02 (AgInt no AREsp 1.073.899/RS);
• Quanto aos imóveis: 1) Vício aparente que não compromete a segurança se submete ao prazo
decadencial de 90 dias (REsp 1.161.941 / DF); 2) Vício aparente que compromete a segurança:
“Aplica-se o prazo prescricional do art. 205 do CC/02 às ações indenizatórias por danos materiais
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decorrentes de vícios de qualidade e de quantidade do imóvel adquirido pelo consumidor, e não


o prazo decadencial estabelecido pelo art. 26 do CDC.” (REsp 1.534.831 / DF);
• “É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas
médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro
Maria -- CPF:

saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora.” (REsp 1.756.283 / SP);
• Atraso em entrega de imóvel e outras espécies de inadimplemento do contrato consumerista se
Oliveira Maria

subemete ao prazo de 10 anos do art. 205 do CC/02 (REsp 1.591.223 / PR);


de Oliveira

• É decenal o prazo prescricional aplicável ao exercício da pretensão de reembolso de despesas


Gisely de

médico-hospitalares alegadamente cobertas pelo contrato de plano de saúde (ou de seguro


Gisely

saúde), mas que não foram adimplidas pela operadora. (REsp 1.756.283 / SP);

• Sujeita-se à decadência à restituição dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de


assessoria imobiliária (SATI) quando a causa de pedir é o inadimplemento contratual por parte da
incorporadora, não se aplicando o entendimento fixado no tema repetitivo 938/STJ. (REsp
1.737.992 / RO);
• É ânuo o prazo prescricional para exercício de qualquer pretensão do segurado em face do
segurador - e vice-versa - baseada em suposto inadimplemento de deveres (principais,
secundários ou anexos) derivados do contrato de seguro, ex vi do disposto no artigo 206, §1º, II,
"b", do Código Civil de 2002 (artigo 178, §6º, II, do Código Civil de 1916). (REsp 1.303.374 / ES)

2. INÍCIO DA CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL

O termo inicial do prazo prescricional no CDC se dá a partir do conhecimento do dano e da sua


autoria, nos termos dos arts. 26, §§1º e 3º, e 27 do CDC.

60
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC • 5

O CDC, assim como o CC/02, adota a teoria da actio nata para definição do termo inicial do prazo
extintivo. Isso implica em dizer que tanto o prazo prescricional quanto o decadencial se iniciam quando o
consumidor toma ciência da existência do vício ou do defeito do produto.
Assim, no caso em que o vício ou defeito do produto forem ocultos ou só se manifestarem após certo
tempo de uso, o legislador estabeleceu expressamente que a contagem do prazo se dará a partir do momento
em que “ficar evidenciado o defeito” (art. 26, §3º) ou, no caso de acidente de consumo, quando houver o
“conhecimento do dano e de sua autoria” (art. 27 do CDC).
Isso significa que o fornecedor fica eternamente sujeito a essa reclamação?
Não. O STJ entende que essa garantia contra vícios ocultos persiste durante o período de vida útil
do bem (REsp 984.106 / SC).
Portanto, os prazos para exercício de garantia legal têm seu início com a aquisição do produto ou
serviço e seu fim com o transcurso do prazo decadencial ou prescricional, os quais se iniciam com o
surgimento do vício ou defeito, desde que o produto ainda esteja em sua vida útil.
Vale lembrar que, nos termos do art. 50 do CDC (ex: garantia estendida), a garantia contratual é
complementar à legal, de modo que o prazo decadencial se inicia após o prazo de cobertura da garantia
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contratual.
Quanto ao conceito de vida útil, insta salientar que, em geral, deve ser expressamente estabelecido
pelo fornecedor, nos termos do art. 31 do CDC. Na falta de tal informação, a durabilidade do bem deve ser
apurada no caso concreto (ex: bateria de celular que perde capacidade de recarga após um mês da aquisição
está evidentemente viciada).
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3. CAUSAS QUE SUSPENDEM A DECADÊNCIA

O art. 26, §2º, do CDC estabelece exceção ao regime geral da decadência previsto no art. 207 do
CC/02, afirmando que obstam a decadência:
Maria -- CPF:

• A reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos


e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma
Oliveira Maria

inequívoca:
de Oliveira

O STJ vem entendendo que a reclamação não demanda qualquer tipo de formalidade, bastando a
ciência inequívoca do fornecedor (ex: e-mail informando o problema, reclamação perante o SAC mediante
Gisely de

anotação de protocolo, reclamação no chat do site etc. - REsp 1.442.597 / DF);


Gisely

• A instauração de inquérito civil, até seu encerramento:


O prazo decadencial ficará suspenso até o encerramento da investigação pelo MP nas hipóteses em
que houver apuração mediante instauração de Inquérito Civil Público.
Insta salientar que, por força do veto aposto no inciso II do art. 26, §2º do CDC, a reclamação realizada
perante o PROCON não suspende o prazo decadencial.

QUESTÕES DE CONCURSOS
1) (FCC – 2020 – TJ/MS - Juiz Substituto) Mariana adquiriu numa loja uma geladeira nova, para utilizar em
sua residência. Apenas dois dias depois da compra, o produto apresentou vício, deixando de refrigerar.
Mariana então pleiteou a imediata restituição do preço, o que foi negado pelo fornecedor sob o fundamento
de que o produto poderia ser consertado. Nesse caso, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor,
assiste razão
a) à Mariana, por se tratar de produto essencial, circunstância que lhe garante exigir a imediata restituição
do preço, ainda que o vício do produto possa ser sanado.

61
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC • 5

b) à Mariana, em virtude de o vício ter se manifestado dentro do prazo de sete dias contado da compra,
circunstância que lhe garante exigir a imediata restituição do preço, ainda que o vício do produto possa ser
sanado.
c) ao fornecedor, pois o consumidor só terá direito à restituição do preço se o vício do produto não for
reparado no prazo legal de trinta dias, que pode ser aumentado ou diminuído por convenção das partes.
d) ao fornecedor, pois o consumidor só terá direito à restituição do preço se o vício do produto não for
reparado no prazo legal de trinta dias, que não pode ser aumentado nem diminuído por convenção das
partes.
e) ao fornecedor, pois o consumidor só terá direito à restituição do preço se o vício do produto não for
reparado no prazo legal de trinta dias, que não pode ser aumentado, mas pode ser diminuído por convenção
das partes.

2) (MPE-GO -2019 - Promotor de Justiça – Reaplicação) – O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é tido
pela doutrina como uma norma principiológica, diante da proteção constitucional dos consumidores, que
consta, especialmente, do art.5º, XXXII, da Constituição Federal, ao enunciar que " o Estado promoverá, na
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forma da lei, a defesa do consumidor ".


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Acerca do tema e da jurisprudência dominante no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assinale a
alternativa correta:
a) O início da contagem do prazo de decadência para a reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC) se
dá após o encerramento da garantia contratual.
b) O prazo de decadência estabelecido no art. 26 do CDC é aplicável à prestação de contas para obter
esclarecimentos sobre a cobrança de taxas, tarifas e encargos bancários.
CPF: 778.558.762-00

c) O Superior Tribunal de Justiça não admite a mitigação da teoria finalista para autorizar a incidência do
Código de Defesa do Consumidor nas hipóteses em que a parte (pessoa física ou jurídica), apesar de não ser
destinatária final do produto ou serviço, apresenta-se em situação de vulnerabilidade.
Maria -- CPF:

d) Em demanda que trata da responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço (arts. 12 e 14 do CDC),
aplica-se a inversão do ônus da prova previsto art.6º, inciso VIII, do CDC ("ope judicis").
Oliveira Maria

GABARITO COMENTADO
de Oliveira

1) Gabarito: A
Gisely de

Comentários: Nos termos do art. 18, §3° do CDC: “O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas
Gisely

do §1° deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder
comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto
essencial.” A geladeira é produto essencial. Logo, havendo vício no produto, o consumidor pode exigir
imediatamente alguma das alternativas do art. 18, §1º do CDC.

2) Gabarito: A
Comentários:
a) Correta. Dispõe o art. 50 do CDC que “A garantia contratual é complementar à legal e será conferida
mediante termo escrito.” O STJ entende que “O início da contagem do prazo de decadência para a
reclamação de vícios do produto (art. 26 do CDC) se dá após o encerramento da garantia contratual.”
(Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 42, afirmação 12)
b) Incorreta. A súmula nº 477 do STJ estabelece que “A decadência do art. 26 do CDC não é aplicável à
prestação de contas para obter esclarecimentos sobre cobrança de taxas, tarifas e encargos bancários.”
c) Incorreta. O STJ adota a teoria finalista mitigada para conceituação da pessoa do consumidor.
(Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 39, afirmação 1)

62
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRESCRIÇÃO E DECADÊNCIA NO CDC • 5

d) Incorreta. Os arts. 12, §3º e 14, §3º do CDC estabelecem hipóteses de inversão “ope legis” do ônus da
prova nas hipóteses de responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço.
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de Oliveira CPF: 778.558.762-00
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Oliveira Maria
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6
JURÍDICA
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

DESCONSIDERAÇÃO
DA
PERSONALIDADE

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DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA • 6
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA • 6

1. TEORIA MAIOR E TEORIA MENOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA


PERSONALIDADE JURÍDICA

Talvez a mais importante mudança que acontece quando uma pessoa jurídica de responsabilidade
limitada é criada no Direito Privado seja a autonomia patrimonial, que faz com que se separe os bens do
sócio dos bens da pessoa jurídica.
Essa separação patrimonial é a regra, e se aplica a teoria da desconsideração da personalidade
jurídica para se superar essa separação – A origem clássica da teoria diz que, nos casos em que houver fraude
ou abuso, o juiz fica autorizado a levantar o véu para atingir a pessoa física que está atrás da personalidade
jurídica.
Segundo o art. 28 do CDC, o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando,
em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito
ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver
falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má
administração.
A redação do caput deste artigo se assemelha ao conteúdo do art. 50 do Código Civil. No entanto, o
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§5º do art. 28 afirma que: “também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua
personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos
consumidores.”
Sobre o tema destaque-se a existência de duas teorias:

1.1. Teoria maior


CPF: 778.558.762-00

Prevista no art. 50 do Código Civil, exige, como visto, o preenchimento de algum dos seguintes requisitos:

1.1.1. Desvio de finalidade


Maria -- CPF:

Caracteriza-se pelo uso abusivo ou fraudulento (teoria maior subjetiva).


Oliveira Maria
de Oliveira

1.1.2. Confusão patrimonial


Gisely de

Caracteriza-se pela não separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e o patrimônio de seus
Gisely

sócios (teoria maior objetiva).


Portanto, para aplicação da vertente maior, prevista no art. 50 do CC/02, não basta a insolvência ou
a impossibilidade de reparação do dano pela pessoa jurídica, sendo indispensável que tenha havido o abuso
da personalidade jurídica, que pode se dar pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

1.2. Teoria menor

Trata-se da teoria adotada pelo CDC, a qual não exige fraude, abuso de direito ou confusão
patrimonial. Para sua aplicação, basta que o consumidor demonstre a inexistência de bens da pessoa jurídica
aptos a saldar a dívida.
Importante destacar que o CDC, diversamente do que prevê o CC/02, admite a realização da
desconsideração da personalidade jurídica de ofício pelo juiz, em especial quando se tem em mente a
própria redação do art. 28, caput, que fala “O juiz poderá desconsiderar…”, e o já mencionado caráter de
ordem pública das disposições consumeristas (art. 1º, caput, do CDC). Cuida-se de entendimento já acolhido
pela jurisprudência do STJ (REsp. 279.273 / SP).

65
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA • 6

Entretanto, o Novo CPC condicionou a realização da desconsideração da personalidade jurídica à


instauração de um incidente processual (arts. 133 a 137 do NCPC). Segundo o NCPC, o incidente da
desconsideração da personalidade jurídica será instaurado a pedido da parte ou a pedido do Ministério
Público, quando for o caso (art. 133, caput, do NCPC), o que apresenta óbice à atuação de ofício do juiz, haja
vista não estar ele legitimado pela regra do art. 133, caput, do NCPC.
Embora não tenha havido manifestação do STJ sobre o tema, há de se mencionar que o caráter de
ordem pública das disposições consumeristas, aliado à vulnerabilidade do consumidor, parece autorizar a
instauração de ofício pelo juiz do incidente de desconsideração de personalidade jurídica no bojo de
demanda consumerista, especialmente com fulcro no art. 28, caput e §5º, do CDC.
Ademais, a desconsideração da personalidade jurídica pode se dar de maneira inversa, conforme
art. 135 do NCPC. Na formulação tradicional, levanta-se o véu para atingir o patrimônio da pessoa física sócia
da pessoa jurídica. No caso da desconsideração inversa ocorre o contrário, ou seja, atinge-se o patrimônio
da pessoa jurídica para responder por débitos da pessoa física que compõe seu quadro social.
Seja como for, o STJ tem limitado a aplicação da teoria menor de acordo com a função exercida na
estrutura da pessoa jurídica, verbis: “A desconsideração da personalidade jurídica, ainda que com
fundamento na Teoria Menor, não pode atingir o patrimônio pessoal de membros do Conselho Fiscal sem
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que haja a mínima presença de indícios de que estes contribuíram, ao menos culposamente, e com desvio
de função, para a prática de atos de administração.” (REsp 1.766.093 / SP)
No mesmo sentido, quanto ao administrador não sócio: “Para fins de aplicação da Teoria Menor da
desconsideração da personalidade jurídica, o §5º do art. 28 do CDC não dá margem para admitir a
responsabilização pessoal de quem não integra o quadro societário da empresa (administrador não sócio).”
(REsp 1.860.333 / DF)
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2. SOCIEDADES INTEGRANTES DE GRUPOS SOCIETÁRIOS, SOCIEDADES


CONTROLADAS, SOCIEDADES CONSORCIADAS E SOCIEDADES COLIGADAS
Maria -- CPF:

O §2º do art. 28 do CPC diz que as sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades
controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código. O conceito de
Oliveira Maria

grupo societário encontra-se no art. 265 e seguintes da Lei nº 6.404/76, enquanto o de sociedades
controladas está presente no art. 243, §2º, da mesma lei.
de Oliveira

Questão atual acerca de grupos societários e sociedades controladas é a relativa às empresas de


Gisely de

tecnologia que, embora não tenham sede no Brasil, operam através de aplicativos no país. Nestas situações,
Gisely

poder-se-ia cogitar se condicionar o acionamento da pessoa jurídica sediada no exterior para, só então, em
caso de inadimplência, se viabilizar o acionamento da pessoa jurídica componente do grupo econômico que
é sediada no Brasil (ex: acidente de consumo ligado a aplicativo oferecido no Brasil, mas gerenciado por
pessoa jurídica própria sediada no estrangeiro, a qual, contudo, é controlada por multinacional de tecnologia
que possui sede no país.)
Embora a situação ainda não tenha sido explorada em detalhes, o que se tem percebido é que as
cortes brasileiras têm entendido que a controladora deve responder pelos danos da controlada situada no
exterior em função do comando do art. 7º, parágrafo unico, e 25, §2º, do CDC.
O §3º do art. 28 diz que as sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas
obrigações decorrentes deste código. O conceito de consórcio se encontra previsto no art. 278, §1º, da Lei
nº 6.404/76. Vale dizer que a regra do CDC, por contrariar o comando da Lei de Sociedades Anônima, deve
ser interpretada de maneira restritiva, permitindo solidariedade entre consorciadas apenas no que tange às
obrigações relativas ao consórcio e não a qualquer ato tomado por elas isoladamente (REsp 1.635.637 / RJ).
É com base neste dispositivo que se tem reconhecido a solidariedade entre cooperativas médicas de estados
distintos.
O §4º diz que as sociedades coligadas só responderão por culpa. O conceito de sociedades coligadas
encontra-se no art. 243, §1º, da Lei nº 6.404/76.

66
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA • 6

As regras desses dispositivos costumam ser cobradas através da reprodução da letra da lei nas provas
objetivas de concurso.

QUESTÕES DE CONCURSOS
1) (CESPE / CEBRASPE -2019 - TJ-BA - Juiz de Direito Substituto- adaptada) – À luz da jurisprudência e da
legislação acerca do direito das relações de consumo, assinale a opção correta.
(...)
b) As sociedades controladas e as consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações
decorrentes do CDC.
(...)
e) Atos lesivos praticados por representantes autônomos de determinado produto ou serviço são de
responsabilidade subsidiária dos fornecedores daquele produto ou serviço.
2) (VUNESP – 2018 - TJ-SP - Juiz Substituto) — Nas obrigações sujeitas ao Código de Defesa do Consumidor,
pelo defeito do produto, as sociedades
a) coligadas, consorciadas ou integrantes dos grupos societários e as controladas são solidariamente
responsáveis, independentemente de culpa.
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b) coligadas só respondem por culpa, as consorciadas são solidariamente responsáveis e as integrantes dos
grupos societários, ou controladas, são subsidiariamente responsáveis.
c) integrantes dos grupos societários e as controladas são solidariamente responsáveis, as consorciadas
respondem subsidiariamente e as coligadas só responderão por culpa.
d) consorciadas e as coligadas respondem solidariamente, mas só por culpa, e as integrantes dos grupos
societários ou controladas são subsidiariamente responsáveis.
CPF: 778.558.762-00

GABARITO COMENTADO
1) Gabarito: A) INCORRETA; E) INCORRETA
Comentários:
Maria -- CPF:

b) Incorreta. Em desconformidade com o Art. 28 §2° do CDC: “As sociedades integrantes dos grupos
societários e as sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes
Oliveira Maria

deste código.”
de Oliveira

e) Incorreta. Em desconformidade com o Art. 34 do CDC: “O fornecedor do produto ou serviço é


solidariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.”
Gisely de

2)Gabarito:B
Gisely

a) Incorreta. As sociedades coligadas só responderão por culpa, nos termos do Art. 28, §4° do CDC: “As
sociedades coligadas só responderão por culpa”, enquanto as sociedades consorciadas são solidariamente
responsáveis pelas obrigações decorrentes do CDC, conforme Art. 28, §3° do CDC: “As sociedades
consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.”
b) Correta. As sociedades coligadas só responderão por culpa, nos termos do Art. 28, §4° do CDC: “As
sociedades coligadas só responderão por culpa”; as sociedades consorciadas são solidariamente
responsáveis pelas obrigações decorrentes do CDC, conforme Art. 28, §3° do CDC: “As sociedades
consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.” Por fim, nos
termos do Art. 28, §2° do CDC: “As sociedades integrantes dos grupos societários e as sociedades controladas,
são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.”
c) Incorreta. Nos termos do Art. 28, §2° do CDC: “As sociedades integrantes dos grupos societários e as
sociedades controladas, são subsidiariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste código.”
d) Incorreta. As sociedades coligadas só responderão por culpa, sem solidariedade, nos termos do Art. 28,
§4° do CDC: “As sociedades coligadas só responderão por culpa”.

67
Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
Maria -- CPF:
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7
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

PRÁTICAS COMERCIAIS

68
PRÁTICAS COMERCIAIS • 7
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS COMERCIAIS • 7

1. DISPOSIÇÕES GERAIS

O Capítulo V do CDC traz 6 seções:

• Das Disposições Gerais;


• Da Oferta;
• Da Publicidade;
• Das Práticas Abusivas;
• Da Cobrança de Dívidas;
• Dos Bancos de Dados e Cadastros de Consumidores.
O art. 29 do CDC estabelece que: “para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.” Portanto,
qualquer pessoa que tome contato com qualquer tipo de prática publicitária ou prática abusiva é considerado
consumidor, independente de ter ou não contratado o serviço ou produto ligado à publicidade, oferta ou
prática comercial.
Trata-se de equiparação já mencionada, que amplia o espectro protetivo do CDC, buscando viabilizar
controle amplo das práticas comerciais, em busca de coibir posturas de mercado que violem os padrões de
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proteção estabelecidos pelo diploma consumerista. Releva notar que, diversamente do caso do bystander, o
STJ já admitiu que a pessoa jurídica exposta a práticas comerciais seja equiparada a consumidora por força
do art. 29 do CDC (RMS 27.541 / TO).
A questão permitiria, por exemplo, que determinado concorrente questionasse publicidade
veiculada por determinado anunciante se valendo, para tanto, dos dispositivos consumeristas. Entretanto,
há precedente do STJ admitindo que, mesmo nos casos de equiparação por força do art. 29 do CDC, somente
CPF: 778.558.762-00

haverá a aplicação do CDC se a pessoa jurídica comprovar sua vulnerabilidade (AgRg no REsp 735.249 / SC).

2. OFERTA
Maria -- CPF:

2.1. Efeito vinculante da oferta publicitária


Oliveira Maria

O art. 30 do CDC diz que “toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por
de Oliveira

qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados,
obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado”.
Gisely de

Tal dispositivo consagra o princípio da vinculação da oferta. Trata-se de princípio que decorre da
Gisely

boa-fé objetiva, pois o dever de lealdade, cooperação, informação e transparência deve existir antes, durante
e após a celebração do contrato e mesmo após a execução do contrato.
Para que seja tido como vinculante, a oferta tem que possuir dois requisitos essenciais: A) Deve ter
sido veiculada ou publicizada de alguma maneira; B) Deve ser razoavelmente precisa. Preenchidos tais
requisitos, a oferta atua de duas maneiras: obrigando o fornecedor a contratar com o consumidor que se
proponha a atender seus termos; e integrando o contrato que vier a ser celebrado. Portanto, a oferta
publicitária, no âmbito do CDC, é irretratável.
Impende destacar que, como se verá adiante, as técnicas de marketing identificadas como puffing,
correspondentes a um exagero facilmente perceptível, não vinculam o fornecedor justamente por não serem
precisas. Ademais, o STJ tem entendido que a oferta realizada por anunaciante que integra grupo societário
(ex: concessionária e montadora) vincula solidariamente a todos os demais fornecedores do grupo (REsp
1.309.981 / SP), tendo a corte decidido que “O mero fato de o fornecedor do produto não o possuir em
estoque no momento da contratação não é condição suficiente para eximi-lo do cumprimento forçado da
obrigação.”
Entretanto, o STJ vem admitindo que, na hipótese em que se evidenciar a ocorrência de erro
grosseiro, aquele facilmente perceptível aos olhos do próprio consumidor, a oferta não será vinculante (ex:

69
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS COMERCIAIS • 7

“O erro sistêmico grosseiro no carregamento de preços e a rápida comunicação ao consumidor podem


afastar a falha na prestação do serviço e o princípio da vinculação da oferta.” - REsp 1.794.991 / SE).
Eventual recusa de cumprimento de oferta gera o efeito previsto no art. 35 do CDC, que dispõe que
se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o
consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

• Exigir o cumprimento forçado da obrigação (tutela específica), nos termos da oferta,


apresentação ou publicidade;
• Aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
• Rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
A conversão em perdas e danos só pode ocorrer se o consumidor por ela optar ou se for impossível
a tutela específica.

2.2. Dever de prestar informações corretas e precisas

Trata-se de dever que também decorre do direito de informação e da boa-fé objetiva. O art. 31
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estabelece que a oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas,
claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade,
composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos
que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.
As informações acima, nos produtos refrigerados oferecidos ao consumidor, serão gravadas de forma
indelével, nos termos do parágrafo único do art. 31.
CPF: 778.558.762-00

Como se percebe da redação do caput, o art. 31 estabelece rol exemplificativo de informações que
devem constar da oferta, valendo mencionar que, observados os princípios da transparência e da informação
(art. 4º, caput, e 6º, III, do CDC), deve o fornecedor apresentar o máximo possível de informações úteis ao
consumidor ligadas ao produto ou serviço, em especial aquelas que influam em sua decisão de adquiri-lo,
Maria -- CPF:

bem como as ligadas a eventuais repercussões da aquisição para sua saúde e as eventualmente determinadas
por agências reguladoras.
Oliveira Maria

Rememore-se, no particular, quanto ao princípio da informação, que, conforme definido pelo STj no
de Oliveira

REsp 586.316, a obrigação de informação é desdobrada em 4 categorias:


Gisely de

• Informação-conteúdo: servirá para saber quais são as características intrínsecas do produto e do


Gisely

serviço;
• Informação-utilização: mais do que saber o que há dentro do produto, é necessário saber como
o consumidor usará o produto ou do serviço;
• Informação-preço: é necessário saber quais são os custos, as formas e condições de pagamento;
• Informação-advertência: é necessário saber os riscos do produto ou do serviço.
É da obrigação de informação que decorre o dever de informar eventual diminuição de conteúdo em
embalagens (REsp 1.364.915 / MG). Entretanto, o STJ já entendeu que o dever de informação não implica na
obrigação de informar o prazo de garantia legal, pois se trata de informação já contida na lei (REsp
1.067.530/SP).
Ademais, o art. 2º, III, da Lei nº 10.962/04 contém diretrizes de observância obrigatória acerca da
forma de oferta a ser observada pelos fornecedores que se valem da internet para comercializar seus
produtos e serviços.

70
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS COMERCIAIS • 7

2.3. Ofertas de peças de reposição

Segundo o art. 32 do CDC, “os fabricantes e importadores deverão assegurar a oferta de


componentes e peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do produto.”
Trata-se de imposição legal de responsabilidade pós-contratual direcionada exclusivamente aos
fabricantes e importadores (exclui, portanto, o comerciante). Enquanto o fornecedor estiver fabricando e
importando o produto é necessário assegurar a oferta de peças de reposição. O parágrafo único diz que,
cessadas a produção ou importação, a oferta deverá ser mantida por período razoável, na forma da lei.
Perceba-se que a lei não fixou o prazo, mas o art. 13, XXI, do Decreto 2.181/97 afirma que o dever de
fornecimento de peças deve se guiar pela vida útil do bem ou serviço fornecido.
O descumprimento do dever de oferta de peças de reposição é espécie de prática abusiva que pode
estar estritamente ligado à ocorrência de obsolescência programada, prática comercial que dolosamente
reduz a vida útil de um bem ou serviço visando forçar o consumidor a adquirir novas versões.
Trata-se de fenômeno já repudiado pelo STJ, que assim afirmou:
Ademais, independentemente de prazo contratual de garantia, a venda de um bem tido por
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durável com vida útil inferior àquela que legitimamente se esperava, além de configurar um
defeito de adequação (art. 18 do CDC), evidencia uma quebra da boa-fé objetiva, que deve
nortear as relações contratuais, sejam de consumo, sejam de direito comum. Constitui, em
outras palavras, descumprimento do dever de informação e a não realização do próprio
objeto do contrato, que era a compra de um bem cujo ciclo vital se esperava, de forma
legítima e razoável, fosse mais longo (REsp 984.106 / SC).
São exemplos de tal conduta: atualizações de software que, desarrazoadamente, não contemplam
CPF: 778.558.762-00

versões mais antigas do produto; fabricação de componentes com baixa duração aliada a cobrança de valores
altos para reposição, quadro que força o consumidor a adquirir novas versões; criação de barreiras artificiais
na reposição de peças após a inserção no mercado de nova versão do produto ou serviço.
De fato, para além de representar ofensa à boa-fé objetiva, a prática de obsolescência programada
Maria -- CPF:

também viola a Política Nacional das Relações de Consumo (art. 4º, II, “d”, do CDC), que expressamente trata
da questão da durabilidade adequada.
Oliveira Maria

Por fim, há de se destacar que o fornecimento das peças de reposição também deve ser eficiente,
de Oliveira

sendo comum o reconhecimento da ocorrência de danos morais nas hipóteses em que o prazo exigido é
desarrazoado, sendo certo que o descumprimento do dever contido no art. 32 do CDC pode, através da
Gisely de

ausência do fornecimento de peça de reposição, ser equiparado à ocorrência de vício no produto, o que
Gisely

abriria ao consumidor as alternativas do art. 18, §1º, do CDC.

2.4. Venda por telefone e reembolso postal

Segundo o art. 33, em caso de oferta ou venda por telefone ou reembolso postal, deve constar o
nome do fabricante e endereço na embalagem, na publicidade e em todos os impressos utilizados na
transação comercial.
Trata-se de dever que decorre do princípio da transparência, pois permite a adequada identificação
do fornecedor quando do recebimento do produto, nas hipóteses em que a aquisição foi realizada à distância.
No particular, embora não haja menção à internet, em virtude da data de publicação do CDC, o comando do
art. 33 do CDC mostra-se plenamente aplicável às compras realizadas virtualmente, haja vista o fato de se
tratar de regra que deriva da principiologia consumerista (art. 4º, caput, e 6º, III, do CDC).
O parágrafo único diz que é proibida a publicidade de bens e serviços por telefone, quando a
chamada for onerosa ao consumidor que a origina.
O CDC, também em virtude da época em que foi publicado, trata relativamente pouco da questão
relativa à publicidade por telefone, valendo mencionar que a questão dos call centers é regulada pelo Decreto

71
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS COMERCIAIS • 7

nº 6.523/2008, o qual prevê expressamente que a ligação originada ou destinada a esse tipo de atendimento
será gratuita.
Também a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD – Lei nº 13.709/2018) trata da questão,
devendo ser lida em sintonia com o princípio da vulnerabilidade (art. 4º, I, do CDC) na busca da proteção do
sossego e tranquilidade do consumidor quando alvo de práticas publicitárias, sendo recorrente o
reconhecimento de que a realização de ligações exaustivas e em horários não convencionais (após as 22
horas durante a semana e aos finais de semana) são hipóteses geradoras de dano moral, por se tratar de
hipótese de abuso de direito (art. 187 do CC/02), violadora da boa-fé objetiva.

2.5. Solidariedade do fornecedor pelos atos dos prepostos ou representantes


autônomos

De acordo com o art. 34 do CDC, o fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável


pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.
Trata-se de regra de extensão do comando do art. 932, III, do Código Civil, que ganha especial
relevância na relação consumerista, onde a vulnerabilidade do consumidor deve prevalecer diante de
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eventuais acordos ou estruturas formais pactuadas entre fornecedores para a oferta de um determinado
serviço ou produto.
A relação de preposição é marcada pela subordinação. Logo, preposto é “aquele que presta serviço
ou realiza alguma atividade por conta e sob a direção de outrem, podendo essa atividade materializar-se em
uma função duradoura (permanente) ou em um ato isolado (transitório) 43”. Por outro lado, representante
autônomo, como o próprio nome sugere, é a pessoa física ou jurídica que atua sem relação empregatícia,
mas representando, de maneira não eventual, o fornecedor. A relação de agência autônoma é
CPF: 778.558.762-00

regulamentada, entre outros, pelos arts. 710 a 721 do CC/02, que tratam do contrato de agência e
distribuição, além dos comandos da Lei 4.886/65, que também tratam da representação comercial
autônoma.
Maria -- CPF:

Um exemplo da aplicação do dispositivo em comento é o da corretagem imobiliária no caso da


incorporação. Nessas hipóteses, contrariamente ao sustentado pelas incorporadoras, no sentido de que os
Oliveira Maria

corretores imobiliários que trabalhavam em stands de venda eram autônomos, o STJ reconheceu a existência
de direito do consumidor em receber a restituição dos valores de corretagem nas hipóteses em que haja a
de Oliveira

rescisão do contrato por culpa da construtora (ex: atraso – Edcl no AgInt no AREsp 1.220.381 / DF).
Gisely de

O art. 34 do CDC encontra-se aliado à aplicação da chamada teoria da aparência, que estabelece
Gisely

que, à luz de uma leitura permeada pela boa-fé objetiva, em especial no que tange ao princípio da confiança,
todo ato praticado por pessoa que razoavelmente se evidenciar como representante de um determinado
fornecedor diante do consumidor deve vincular tal fornecedor.

43 ANDRADE, Adriano et. Al. Interesses Difusos e Coletivos Vol. 1. 9ª ed. Editora Método, 2019, P.655.

72
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS COMERCIAIS • 7

QUESTÕES DE CONCURSOS
1) (VUNESP -2019 -TJ/RO - Juiz de Direito Substituto – adaptada)Para colocação dos seus produtos e serviços
na economia, o fornecedor deve adotar práticas comerciais condizentes com as regras existentes no sistema
jurídico de proteção ao consumidor, sendo certo que
a) o fornecedor do produto ou serviço é subsidiariamente responsável pelos atos de seus prepostos ou
representantes autônomos.
(...)
c) se equiparam aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas em questão.

2) (FCC -2019 – TJ/AL - Juiz Substituto – adaptada ) Considere os enunciados concernentes às relações de
consumo:
I. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o
consumidor poderá rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, ou pleitear perdas e danos.
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GABARITO COMENTADO
1) Gabarito: C
Comentários:
a) Incorreta. Conforme art. 34 do CDC: “O fornecedor do produto ou serviço é solidariamente responsável
pelos atos de seus prepostos ou representantes autônomos.”
CPF: 778.558.762-00

c) Correta. Nos termos do Art. 29 do CDC: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos
consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

2) Gabarito: I. INCORRETA
Maria -- CPF:

Comentários:
Oliveira Maria

I - Incorreta. Nos termos do art. 35, III do CDC: “Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar
cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre
de Oliveira

escolha: (...) III - rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada,
monetariamente atualizada, e a perdas e danos.” Logo, as perdas e danos são cumulativas com o direito de
Gisely de

rescisão, em observância ao princípio da reparação integral.


Gisely

73
Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
Maria -- CPF:
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8
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO

74
PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO • 8
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO • 8

A publicidade assume dimensão de extrema importância na sociedade contemporânea, motivo pelo


qual foi objeto de preocupação do legislador durante a elaboração do CDC. O Decreto 2.181/97 conceitua
publicidade em seu art. 14, §4º como “a veiculação de mensagem, em meio analógico ou digital, inclusive
por meio de provedor de aplicação, que vise a promover a oferta ou a aquisição de produto ou de serviço
disponibilizado no mercado de consumo.”
Já a doutrina defini publicidade como “toda informação ou comunicação difundida com o fim direto
ou indireto de promover, junto aos consumidores, a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço,
qualquer que seja o local ou meio de comunicação utilizado 44”. Releva destacar que a publicidade se
diferencia da propaganda, sendo esta última marcada por “fim ideológico, religioso, político, econômico ou
social45”.
A publicidade pode ser institucional, quando voltada a promover o fornecedor de produtos ou
serviços em si, ou promocional, quando busca incrementar e expandir a venda de um produto ou serviço
específico.
O ordenamento jurídico brasileiro adota sistema misto de regulamentação e controle da publicidade,
sendo o CDC, ao lado de outros dispositivos (ex: Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) – Lei nº
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13.709/2018), a forma de controle legal das relações publicitárias. À tal forma de controle, se alia o sistema
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privado de regulamentação, especificamente representado pela atuação do Conselho Nacional de


Autorregulamentação Publicitária (CONAR), conforme expressamente estabelecido pelo art. 14-A do Decreto
2.181/97.

1. PRINCÍPIOS DA PUBLICIDADE
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O microssistema consumerista apresenta uma série de princípios que atuam na prática publicitária.

1.1. Princípio da identificação


Maria -- CPF:

Representado pelo comando do art. 36 do CDC, que estabelece que a publicidade deve ser veiculada
de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal, ou seja, a identifique como
Oliveira Maria

publicidade.
de Oliveira

O consumidor tem o direito de saber quando a mensagem é publicitária, vedando-se a publicidade


subliminar, aquela que atinge o inconsciente do consumidor.
Gisely de
Gisely

E o merchandising? Seria lícito ou ilícito?


“Pela técnica do merchandising, hoje comum em novelas de televisão, nos filmes e mesmo nas peças
teatrais, um produto aparece na tela e é utilizado ou consumido pelos atores em meio à ação teatral, de
forma a sugerir ao consumidor uma identificação do produto com aquele personagem, história, classe social
ou determinada conduta social. O aparecimento do produto não é gratuito, nem fortuito; ao contrário, existe
um vínculo contratual entre o fornecedor e o responsável pelo evento cultural, sendo que o fornecedor
oferece uma contraprestação pelo espaço de divulgação para o seu produto. 46”
Apesar da redação do art. 36, o merchandising tem sido admitido.

44 Marques, Cláudia Lima, et al. Comentários ao Código de defesa do consumidor. 6a edição revista, atualizada e ampliada, Thomson
Reuters, Revista dos Tribunais, 2019, RL-1.12 “E-book”.
45 ANDRADE, Adriano et. Al. Interesses Difusos e Coletivos Vol. 1. 9ª ed. Editora Método, 2019, P.658.
46 Marques, Cláudia Lima, et al. Comentários ao Código de defesa do consumidor. 6a edição revista, atualizada e ampliada, Thomson

Reuters, Revista dos Tribunais, 2019, RL-1.12 “E-book”.

75
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO • 8

E o puffing?
O puffing é uma técnica de exagero publicitário. Este tipo de exagero, também denominado como
dolus bonus, é admitido, desde que não seja capaz de induzir o consumidor a erro. Ex.: “compre o melhor
sorvete do mundo!”.
E o teaser?
Outro recurso de técnica de marketing é o teaser, que representa uma espécie de provocação da
curiosidade do consumidor para chamar sua atenção para uma determinada campanha de marketing (Ex:
“não compre o item x essa semana! Semana que vem a loja y fará preços inacreditáveis!”). Embora tal
estratégia não conte com identificação clara de alguns elementos da mensagem publicitária, sua utilização
tem sido reputada válida.

1.2. Princípio da vinculação contratual

Trata-se de postulado ligado à aplicação dos arts. 30 e 35 do CDC, os quais já foram analisados acima.
Basicamente, o princípio da vinculação estabelece que a mensagem publicitária vincula o anunciante.
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1.3. Princípio da veracidade

Cuida-se de diretriz expressamente adotada no art. 37, §1º, do CDC, que determina que toda
informação utilizada em campanha publicitária deve estar integralmente comprometida com a verdade, o
que veda recurso a informações não comprovadas ou falsas. A integridade da informação publicitária foi alvo
de ampla cautela do legislador, em especial no trato da questão relativa à vedação da publicidade enganosa,
que será estudada adiante.
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1.4. Princípio da não abusividade

Em complemento ao princípio da veracidade, não basta que a publicidade traga informações


Maria -- CPF:

verdadeiras, pois tais dados devem também ser livres de componentes abusivos, na exata extensão do art.
37, §2º, do diploma consumerista. A questão será aprofundada adiante.
Oliveira Maria
de Oliveira

1.5. Princípio da transparência da fundamentação


Gisely de

De acordo com o art. 36, parágrafo único, do CDC: “o fornecedor, na publicidade de seus produtos
Gisely

ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos
e científicos que dão sustentação à mensagem.” Portanto, antes de qualquer questionamento, incumbe ao
responsável por veicular a mensagem publicitária a obtenção e guarda de todos os dados técnicos que
corroborem as afirmações realizadas na peça de promoção, as quais podem ser demandadas pelo
consumidor a qualquer tempo e/ou pelo judiciário, nos termos do art. 38 do CDC, tudo sob pena, inclusive,
de responsabilização criminal (art. 69 do CDC).
A importância deste princípio restou reiterada pelo STJ recentemente, quando se deixou claro que
“Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do conteúdo principal da oferta
(informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar ou mitigar a enganosidade
ou abusividade. (...) Viola os princípios da vulnerabilidade, da boa-fé objetiva, da transparência e da confiança
prestar informação por etapas e, assim, compelir o consumidor à tarefa impossível de juntar pedaços
informativos esparramados em mídias, documentos e momentos diferentes” (REsp 1.802.787-SP).
Portanto, a informação publicitária deve tembém ser completa para que seja considerada
transparente, não se admitindo o procedimento de complementação posterior para efeito de aferição de sua
transparência.

76
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO • 8

1.6. Princípio da Lealdade Publicitária

O art. 4º, VI, do CDC estabelece como princípio da Política Nacional das Relações de Consumo a
“coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive a
concorrência desleal e utilização indevida de inventos e criações industriais das marcas e nomes comerciais
e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores”. Parte da doutrina extrai desse comando
a diretriz do princípio da lealdade publicitária, que vincularia eticamente os fornecedores quando da
realização de suas práticas de marketing, visando coibir atitudes desleais entre eles que viessem a prejudicar
o consumidor.
Possui especial relevo na análise deste princípio a questão relativa à publicidade comparativa
(realizada por um anunciante expressamente contemplando e exibindo produtos de concorrentes), a qual,
embora não seja vedada por si, deve atender regras de especial diligência, em especial as previstas no art.
32 do Código Brasileiro de Autorregulação Publicitária, além de ser vestida de objetividade e veracidade,
conforme diretrizes traçadas pelo STJ (REsp 1.668.550 / RJ e REsp 1.377.911 / SP).

2. PUBLICIDADE ABUSIVA E ENGANOSA


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O art. 37, caput, do CDC diz que é proibida toda publicidade enganosa ou abusiva. Ciente do
potencial de dano que pode ser causado pelas práticas publicitárias, o legislador atua de maneira incisiva
contra a má utilização de tais expedientes, estabelecendo regime de vedação peremptória de práticas que
considera desconformes ao microssistema consumerista.
Nesse sentido, o §1º do art. 37 afirma que é publicidade enganosa qualquer modalidade de
informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro
CPF: 778.558.762-00

modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características,
qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.
Portanto, o que se percebe é que a publicidade enganosa por comissão está ligada à falsidade da
informação veiculada, bem como à sua capacidade de induzir o consumidor a cometer erro de julgamento
Maria -- CPF:

quanto ao produto de maneira abrangente (quanto ao uso, durabilidade, qualidade, etc.)


Oliveira Maria

O §3º aduz que, para os efeitos do CDC, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de
informar sobre dado essencial do produto ou serviço. O STJ entende que a obrigação de informação exige
de Oliveira

um comportamento ativo do fornecedor. O STJ rejeita o denominado caveat emptor, que é a chamada
subinformação. Segundo o caveat emptor, quem deve procurar informação é o consumidor, caso queira se
Gisely de

resguardar de eventuais danos. No Brasil, quem deve prestar a informação é o fornecedor, a fim de evitar
Gisely

que o consumidor sofra danos. (AgRg no AgRg no REsp 1.261.824 / SP)


De todo modo, a precisão e a completude da informação publicitária devem ser contemporâneas à
sua veiculação, entendendo o STJ que “Esclarecimentos posteriores ou complementares desconectados do
conteúdo principal da oferta (informação disjuntiva, material ou temporalmente) não servem para exonerar
ou mitigar a enganosidade ou abusividade.” (REsp 1.802.787 / SP)
Embora o preço seja elemento fundamental a ser veiculado na informação publicitária (REsp 1057483
/ SP e REsp 1428801 / RJ), o STJ entendeu, recentemente, que “A ausência de informação relativa ao preço,
por si só, não caracteriza publicidade enganosa. Para a caracterização da ilegalidade omissiva, a ocultação
deve ser de qualidade essencial do produto, do serviço ou de suas reais condições de contratação,
considerando, na análise do caso concreto, o público-alvo do anúncio publicitário. Na publicidade da C&A, o
preço dos celulares não era uma informação essencial. Isso porque o material publicitário tinha como
objetivo apenas divulgar as condições de pagamento especiais ofertadas pela loja (pagamento parcelado,
sem juros).” (REsp 1.705.278 / MA)
Outras formas de enganosidade apuradas pelo STJ são: produto com propriedades curativas sem
eficácia comprovada cientificamente (REsp 1250505 / RS); manipulação de dados em publicidade

77
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO • 8

comparativa (REsp 1552550 / SP); afirmação de composição química inexistente ou falsa (REsp 447.303); e
anúncio de dois modelos diversos de veículo relativos ao mesmo ano (REsp 1.342.899 / RS).
Por outro lado, segundo o §2º do art. 37, é abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de
qualquer natureza (ex: gênero, raça, idade, cor, etc.), a que incite à violência, explore o medo ou a
superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeita valores
ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à
sua saúde ou segurança.
A publicidade abusiva, portanto, encontra-se ligada à integridade física e moral do consumidor,
possuindo conceito aberto, ligado ao rol exemplificativo contido no §2º do art. 37, o que faz a doutrina lhe
atribuir caráter residual, no sentido de que seria abusiva toda publicidade que não fosse enganosa e que
agredisse os valores consagrados no ordenamento jurídico.
A publicidade enganosa e a publicidade abusiva são aferida objetivamente, não interessando se o
sujeito atuou culposamente, ou se tinha intenção de enganar ou praticar conduta abusiva, sendo também
irrelevante a causação efetiva de dano. Ou seja, basta que se prove a capacidade da publicidade de induzir
o consumidor a erro ou causar situação abusiva para que ela seja reputada enganosa ou abusiva,
respectivamente, sendo irrelevante a comprovação de prejuízo em desfavor do consumidor ou de que este
gisely_30@hotmail·com
778.558.762-00 -- gisely_30@hotmail·com

tenha, de fato, adquirido o produto ou serviço anunciado.


Nesse sentido, o STJ entendeu que “É abusiva a publicidade de alimentos direcionada, de forma
explícita ou implícita, a crianças. Isso porque a decisão de comprar gêneros alimentícios cabe aos pais,
especialmente em época de altos e preocupantes índices de obesidade infantil, um grave problema nacional
de saúde pública” (REsp 1.613.561-SP).
A publicidade enganosa vincula a empresa que foi por ela beneficiada. Mesmo que haja erro de
CPF: 778.558.762-00

terceiro, a empresa que promoveu a publicidade enganosa responderá por ela, podendo o consumidor
rescindir o contrato nas hipóteses em que constatada a ocorrência de enganosidade ou abusividade (REsp
1.188.442 / RJ), sem prejuízo da reparação por danos materiais ou morais (REsp 1.458.642 / RJ).
Maria -- CPF:

De outro lado, seja abusiva ou enganosa, o STJ entende que a emissora de televisão não responde
pela publicidade de palco. Ex.: Apresentador faz propaganda de produto, caso haja dano ao consumidor tanto
Oliveira Maria

o apresentador quanto a emissora não responderão em solidariedade com a empresa (REsp 1.157.228 / RS).
Entretanto, no REsp 1.391.084 / RJ, o STJ admitiu a responsabilização da emissora no caso de veiculação de
de Oliveira

publicidade de produto fraudulento.


Gisely de

3. ÔNUS DA PROVA NA COMUNICAÇÃO PUBLICITÁRIA


Gisely

O art. 38 diz que o ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação


publicitária cabe a quem as patrocina.
Trata-se de hipótese de inversão da prova ope legis, que, diversamente do que ocorre no caso do art.
6º, VIII, do CDC, independe da atuação do juiz, pois já se encontra prevista na legislação. Dessa forma,
existindo questionamento acerca de dados ligados à publicidade, deverá o fornecedor responsável por sua
veiculação fornecer todos os dados requeridos, os quais, inclusive, já devem estar em sua posse, nos termos
do art. 36, parágrafo único, do CDC.

4. SANÇÕES

Considerando-se que o CDC veda expressamente a veiculação de publicidade abusiva ou enganosa


(art. 37), resta saber quais as consequências para o descumprimento de tais vedações.
A contrapropaganda, segundo os arts. 56, XII, e 60 do CDC, é a principal consequência a ser apontada
em caso de veiculação de publicidade abusiva ou enganosa. De fato, a contrapropaganda, segundo o art. 60,
“será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos
do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.”

78
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO • 8

Conforme estabelecido pelo §1º do art. 60, “a contrapropaganda será divulgada pelo responsável
da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário,
de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.”
Portanto, por se tratar de sanção administrativa, a veiculação de contrapropaganda pode ser
determinada pela autoridade de defesa do consumidor (ex: Procon), conforme comando do parágrafo único
do art. 56, sendo de se destacar que sua finalidade principal é a de desfazer os malefícios causados pela
informação enganosa ou abusiva.
Dessa forma, o conteúdo da contrapropaganda deve deixar clara a existência do equívoco
(abusividade ou enganosidade), apontando exatamente qual ele é e o porquê de essa informação ser
equivocada, devendo, ainda, dar destaque adequado à informação verdadeira, que deveria ser veiculada a
princípio e/ou ao dado adequado a ser informado em caso de abusividade.
Por fim, para além da contrapropaganda, a publicidade enganosa ou abusiva também é penalizada
criminalmente, nos termos dos arts. 67 a 69 do CDC, que serão objeto de estudo futuro. Tal fator evidencia
a gravidade da conduta do fornecedor que apresenta comportamento desleal e antissocial na veiculação de
seus produtos na visão do legislador.
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QUESTÕES DE CONCURSOS
1) (FCC – 2020 – TJ/MS - Juiz Substituto) De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, a publicidade
que explora a superstição dos consumidores é
a) abusiva e enganosa.
b) abusiva, apenas.
c) enganosa, apenas.
CPF: 778.558.762-00

d) enganosa por omissão.


e) permitida, desde que não seja contrária aos bons costumes.

2) ( CESPE / CEBRASPE -2019 – TJ/PA - Juiz de Direito Substituto)


Maria -- CPF:

No que se refere a publicidade de bens e serviços de consumo, teaser consiste na


a) publicidade socialmente aceita, mesmo que contenha expressões exageradas.
Oliveira Maria

b) técnica publicitária que tem por objetivo inserir produtos e serviços nos meios de comunicação sem que
de Oliveira

haja declaração ostensiva da marca.


c) publicidade que implica a utilização de aspecto discriminatório de qualquer natureza.
Gisely de

d) publicidade que induz o consumidor a erro quanto a informações relevantes sobre produto ou serviço.
Gisely

e) mensagem que visa criar expectativa ou curiosidade no público acerca de determinado produto ou serviço.

GABARITO COMENTADO
1)Gabarito:B
Comentários: Nos termos do art. 37, §2º do CDC: “É abusiva, dentre outras a publicidade discriminatória de
qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de
julgamento e experiência da criança, desrespeita valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o
consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”

2) Gabarito:E
Comentários:
a) Incorreto. O conceito aqui se assemelha ao de “poofing”.
b) Incorreto. Trata-se de conceito similar ao de “merchandising”.
c) Incorreto. A publicidade que apresenta aspecto discriminatório é tida por abusiva, nos termos do art. 37,
§2º do CDC.

79
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PUBLICIDADE NAS RELAÇÕES DE CONSUMO • 8

d) Incorreto. Tal tipo de publicidade é a ligada ao “recall”, em cumprimento ao dever imposto pelo art. 10,
§§1º e 2º do CDC, que tratam da periculosidade superveniente.

e) Correto. Esse é o conceito de “teaser”. O verbo “tease” em inglês tem significado similar ao de provocação
em português. Logo, o fornecedor que se vale da técnica “teaser” deseja provocar o consumidor, inspirando
curiosidade para atrair atenção a seu produto ou serviço.
Gisely de
Gisely Oliveira Maria
de Oliveira CPF: 778.558.762-00
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Oliveira Maria
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9
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

PRÁTICAS ABUSIVAS

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PRÁTICAS ABUSIVAS • 9
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS ABUSIVAS • 9

1. PRÁTICAS ABUSIVAS EM ESPÉCIE

O art. 39 do CDC afirma que “É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
abusivas”. Em seus incisos, o comando traz 13 práticas que considera abusivas. Conforme se extrai da
expressão “dentre outras” contida no caput e da redação do inciso V do art. 39, trata-se de rol
exemplificativo, que enumera algumas das práticas que, ao tempo da publicação do CDC, eram reputadas
pelos legisladores como abusivas.
As práticas abusivas representam, em verdade, padrões de comportamento adotados por
fornecedores que violam a principiologia e o regramento do Código de Defesa do Consumidor, vilipendiando
direitos titularizados pelos consumidores individualmente ou coletivamente.
Como se pode notar da descrição das hipóteses contidas nos incisos do art. 39 e da própria definição
do que se entende por práticas abusivas, há de se destacar que estas podem ocorrer em qualquer momento
da relação de fornecimento. Ou seja, as práticas abusivas podem ser identificadas tanto durante a execução
do contrato quanto pré ou pós contratualmente.
Ademais, a prática abusiva pode decorrer de uma ação ou de uma omissão do fornecedor, não se
fazendo necessária a apuração de culpa e de resultado para que seja reputada sua ocorrência. Ou seja, basta
gisely_30@hotmail·com
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que seja verificada a ocorrência de conduta do fornecedor que possa ser reputada abusiva para que surtam
os efeitos dela decorrentes (anulação de disposições contratuais, reparação do consumidor e/ou punições
administrativas – arts. 6º, V; 39; 55 e seguintes, todos do CDC), sendo irrelevante a apuração de elemento
subjetivo (culpa lato sensu) ou prejuízo efetivo para a capitulação propriamente dita (tais elementos podem
influir na extensão da pena a ser aplicada, mas são irrelevantes para se apurar a ocorrência em si de prática
abusiva47.
CPF: 778.558.762-00

Vistas as linhas gerais sobre as práticas abusivas, há de se analisar o conteúdo dos incisos do art. 39
do CDC.

1.1. Venda casada ou imposição de limites quantitativos pelo fornecedor


Maria -- CPF:

Segundo o art. 39, I, do CDC, é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas
Oliveira Maria

abusivas, condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou


serviço, bem como, sem justa causa, sujeitar o fornecimento de produto ou de serviço a limites
de Oliveira

quantitativos.
Gisely de

A primeira situação, ligada ao condicionamento do fornecimento de um bem ou serviço à aquisição


Gisely

de outro é o que se denomina venda casada. Com essa disposição, o legislador pretende proteger a liberdade
de escolha do consumidor (art. 6º, II, do CDC). Um exemplo de venda casada foi julgado pelo STJ em sede de
recurso repetitivo através do Tema 958, ocasião em que se firmou o entendimento de que não se pode
obrigar o consumidor que contrata mútuo a contratar seguro com o banco mutuante ou com instituição por
ele indicada (REsp 1.639.259 / SP e Súmula 473 do STJ – para o SFH). No mesmo sentido, também é
considerada venda casada a proibição de consumo de produtos adquiridos fora do cinema em seu interior
(REsp 744.602 / RJ), a aquisição de determinado produto além do já adquirido para obtenção de venda a
prazo (REsp 384.284 / RS), o condicionamento da concessão de mútuo à adesão a produto de capitalização
(REsp 1.385.375 /RS).
Para além da venda casada tradicional, expressamente descrita no inciso I do art. 39, a jurisprudência
do STJ também reconhece a ocorrência da venda casada às avessas, indireta ou dissimulada nas hipóteses
em que “a venda de ingressos em meio virtual (internet) (é) vinculada a uma única intermediadora e
mediante o pagamento de taxa de conveniência” (REsp 1.737.428/RS). Nessa situação, o STJ definiu a venda

47A apuração de elemento subjetivo mostra-se relevante para se verificar a ocorrência de crime contra as relações de consumo no
caso em que a prática abusiva também for tipificada no CDC ou em outras leis, sendo de se rememorar a independência entre as
instâncias administrativa e judicial para todos os efeitos (ex: certa publicidade pode ser tida como abusiva por enganosidade para
efeito de aplicação das sanções que decorrem do CDC, mas pode não ser reputada crime do art. 67 do CDC por ausência de
comprovação de dolo (“sabe ou deveria saber”).

82
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS ABUSIVAS • 9

casada às avessas como “se admitir uma conduta de consumo intimamente relacionada a um produto ou
serviço, mas cujo exercício, é restringido à única opção oferecida pelo próprio fornecedor, limitando, assim,
a liberdade de escolha do consumidor.” Entretanto, em julgamento de embargos de declaração opostos no
mesmo recurso, o STJ deixou clara a extensão do julgado, afirmando que “É válida a intermediação, pela
internet, da venda de ingressos para eventos culturais e de entretenimento mediante cobrança de "taxa de
conveniência", desde que o consumidor seja previamente informado do preço total da aquisição do
ingresso, com o destaque do valor da referida taxa.”
Da mesma forma, ainda de acordo com o inciso I do art. 39, não é possível limitar quantitativamente
a aquisição de um produto sem justa causa. A justa causa da limitação quantitativa deve ser apurada
concretamente em alinhamento com o microssistema consumerista. Ex.: o taxista não levar o passageiro
porque a corrida é de curta distância ou para local diverso do que pretende ir viola o dispositivo. Por outro
lado, o estabelecimento comercial que limita o número de itens vendidos em uma promoção para garantir
acesso ao maior número possível de consumidores está impondo limitação razoável. No mesmo sentido, em
algumas circunstâncias, o STJ tem admitido a imposição de limite quantitativo mínimo através da fixação de
tarifa básica, conforme se afere do conteúdo da Súmula 356 do STJ, que trata da tarifa básica na telefonia
fixa.
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1.2. Recusa de contratar pelo fornecedor

É prática abusiva, segundo o art. 39, II, do CDC, a conduta de recusar atendimento às demandas dos
consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os
usos e costumes. Aqui, o legislador busca coibir práticas discriminatórias de qualquer tipo.
Exemplo recente de aplicação do dispositivo é o precedente do STJ no sentido de que “A seguradora
CPF: 778.558.762-00

não pode recusar a contratação de seguro a quem se disponha a pronto pagamento se a justificativa se basear
unicamente na restrição financeira do consumidor junto a órgãos de proteção ao crédito. (REsp 1.594.024 /
SP).
A recusa de venda é tipificada como crime no art. 7º, I e VI, da Lei º 8.137/90.
Maria -- CPF:

Questão relevante diz respeito ao geoblocking e ao geopricing, que consiste na utilização de


tecnologia de geolocalização para definição de preços diferentes conforme a área em que reside o
Oliveira Maria

consumidor, que, ressalvadas hipóteses em que justificados por razões não comerciais, também devem ser
reputados abusivos por força do dispotivo em estudo.
de Oliveira

1.3. Produtos enviados sem solicitação prévia


Gisely de
Gisely

O inciso III do art. 39 do CDC diz que é prática abusiva a conduta de enviar ou entregar ao
consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço. Em complementação,
o parágrafo único do art. 39 afirma que os serviços prestados e os produtos remetidos ou entregues ao
consumidor equiparam-se às amostras grátis, inexistindo obrigação de pagamento
A Súmula 532 do STJ, em reforço a esse comando, aduz que “constitui prática comercial abusiva o
envio de cartão de crédito sem expressa e prévia solicitação do consumidor”. Neste caso, haverá um ato
ilícito, que é indenizável, sem prejuízo de eventual aplicação de multa administrativa.

1.4. Hipervulnerabilidade

Segundo o inciso IV do art. 39 do CDC é prática abusiva a conduta de se prevalecer da fraqueza ou


ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para
impingir-lhe seus produtos ou serviços.
Trata o legislador das hipóteses denominadas pela doutrina de hipervulnerabilidade, em que a
característica da vulnerabilidade inerente a todo consumidor (art. 4º, I, do CDC) é aprofundada diante de
elementos pessoais específicos ali enumerados.

83
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS ABUSIVAS • 9

Adotando-se o espírito de interpretação de textura aberta e principiológica do diploma


consumerista, há de se reputar como exemplificativo o rol de pessoas tidas como “hipervulneráveis”, o que
viabiliza o reconhecimento de outras hipóteses em que o consumidor deve receber tutela especial diante do
fornecedor (ex: gênero).
Exemplos de prática abusiva nesta seara é a relativa a cobrança realizada por hospitais de valores
adicionais em desfavor de pacientes que possuem plano de saúde (REsp 1.324.712 / MG) e a venda de
produtors com propriedades medicinais não cientificamente comprovadas a portadores de enfermidades
graves (REsp 1.329.556 / SP). Por outro lado, o STJ reconheceu inexistir abusividade “(n)O critério de vedação
ao crédito consignado – a soma da idade do cliente com o prazo do contrato não pode ser maior que 80
anos” (REsp 1.783.731-PR), pois o seu estabelecimento atua no sentido de evitar o superendividamento.

1.5. Exigência de vantagens excessivas

O inciso V do art. 39 do CDC estabelece que é prática abusiva exigir do consumidor vantagem
manifestamente excessiva. Trata-se de conceito jurídico indeterminado que atua como cláusula geral de
verificação de práticas abusivas.
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Dada a semelhança entre a expressão “vantagem manifestamente excessiva” e a locução “vantagem


exagerada” prevista no art. 51, IV, do CDC, a doutrina e a jurisprudência têm se valido das definições previstas
nos incisos do §1º do art. 51 como norte interpretativo para aferição da ocorrência de prática abusiva que
represente “vantagem manifestamente excessiva”.
A maior preocupação do legislador em ambos os casos é a manutenção do equilíbrio contratual (art.
6º, V, do CDC), observada a harmonização dos interesses entre fornecedor e consumidor (art. 4º, II, do CDC),
sem se descurar da vulnerabilidade deste (art. 4º, I, do CDC).
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Recentemente, o STJ entendeu que “A situação decorrente da pandemia pela Covid-19 não constitui
fato superveniente apto a viabilizar a revisão judicial de contrato de prestação de serviços educacionais com
a redução proporcional do valor das mensalidades”, pois “não há se falar em falha do dever de informação
Maria -- CPF:

ou desequilíbrio econômico financeiro imoderado para a consumidora.” (REsp 1.998.206 / DF)


Oliveira Maria

1.6. Execução de serviço sem orçamento prévio


de Oliveira

O inciso VI do art. 39 do CDC reconhece como prática abusiva a conduta de executar serviços sem a
prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de
Gisely de

práticas anteriores entre as partes. Destaque-se que o STJ já admitiu a prestação excepcional de serviço sem
Gisely

fornecimento de orçamento prévio no caso de internação de urgência médica (REsp 1.256.703 / SP).
As características do orçamento que deve ser obrigatoriamente fornecido pelo fornecedor e
aprovado expressamente pelo consumidor antes do início do serviço estão no art. 40 do CDC, que estabelece,
em seu caput, como elementos obrigatórios do orçamento: “valor da mão-de-obra, dos materiais e
equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos
serviços.”
Vale destacar que, nos termos do §1º do art. 40, “salvo estipulação em contrário, o valor orçado terá
validade pelo prazo de dez dias, contado de seu recebimento pelo consumidor” e que, nos termos do §2º do
mesmo dispositivo, “uma vez aprovado pelo consumidor, o orçamento obriga os contraentes e somente pode
ser alterado mediante livre negociação das partes.”
Portanto, o orçamento é peça essencial para o regular fornecimento de serviço, dada sua eficácia em
conferir previsibilidade às partes em termos de análise do conteúdo contratual, em especial acerca do objeto
e cláusula financeira. Se o fornecedor realiza o serviço sem elaborá-lo, comete prática abusiva e deve arcar
com os ônus de sua desídia.
O STJ já entendeu que o serviço prestado sem prévia elaboração de orçamento corresponde a
amostra grátis (REsp. 332.869 / RJ).

84
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS ABUSIVAS • 9

1.7. Repasse de informações depreciativas relacionadas a consumidor

Segundo o inciso VII do art. 39 do CDC, é prática abusiva repassar informação depreciativa, referente
a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos. Trata-se de dispositivo que tutela a intimidade
do consumidor e inviabiliza sua punição em decorrência do exercício regular de direitos.
O repasse de informações mencionado nesse inciso pode ocorrer de qualquer meio, inclusive o digital
(ex: redes sociais, provedores de busca etc.), vedando-se ao fornecedor a realização de qualquer tipo de
represália pública em decorrência da formulação de reclamações por parte do consumidor.

1.8. Inserção no mercado de produto em desacordo com as normas técnicas

O inciso VIII do art. 39 afirma que é abusiva a conduta de colocar, no mercado de consumo, qualquer
produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes.
Como já mencionado em outras passagens, o legislador entende como parâmetro razoável para se
analisar o atendimento de parâmetros de qualidade mínima as normas editadas pelos órgãos normativos
competentes, dentre os quais se destaca a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) e o Conselho
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Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Conmetro), conforme inciso IX do art. 12 do


Decreto 2.181/97.
A inobservância das disposições estabelecidas por tais órgãos é, por si, prática abusiva, e pode gerar
sancionamento administrativo e civil, independente da ocorrência de vício ou defeito do produto, hipóteses
que, acaso ocorridas, também acarretarão as sanções previstas nos arts. 12 a 20 do CDC.

1.9. Recusa de venda direta de bens e serviços


CPF: 778.558.762-00

Nos termos do inciso IX do art. 39, é prática abusiva a conduta de recusar a venda de bens ou a
prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento,
ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais.
Maria -- CPF:

Visa o legislador coibir a imposição de intermediários que, sem motivo razoável, encareçam o custo
Oliveira Maria

do produto ou serviço ao consumidor. Com base neste dispositivo o STJ entendeu que “A seguradora não
pode recusar a contratação de seguro a quem se disponha a pronto pagamento se a justificativa se basear
de Oliveira

unicamente na restrição financeira do consumidor junto a órgãos de proteção ao crédito.” (REsp 1.594.024
/ SP)
Gisely de
Gisely

Note-se que a recusa ao fornecimento direto só é abusiva quando o pagamento se der à vista, o que
evidencia que o fornecedor não pode ser obrigado a aceitar outras formas de pagamento (ex: cheque – Resp
229.586 / SE).
Quanto à forma de pagamento, é relevante notar que a Lei nº 13.455/17 estabelece a legalidade da
diferenciação de preços de acordo com ao prazo e forma de pagamento (ex: valores mais altos para
pagamento mediante uso de cartão).

1.10. Elevação de preço sem justa causa

Nos termos do inciso X do art. 39 do CDC, configura prática abusiva elevar sem justa causa o preço
de produtos ou serviços. O legislador visa coibir a prática de variação abusiva dos preços, que é aquela que
deriva de fator que não se relaciona ao menos razoavelmente com o custo final do produto ou serviço
oferecido.
A verificação de abusividade de preços dialoga com a microeconomia, que também é conhecida
como “teoria dos preços”, de modo que a precificação de produtos e de serviços em um mercado livre como
o brasileiro está submetida a inúmeras variáveis, o que demanda redobrada cautela do intérprete quando
do reconhecimento de abusividade de majoração de preços.

85
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS ABUSIVAS • 9

A aplicação do inciso X do art. 39 do CDC ocorre em situações de aumento de volatilidade decorrente


de situações extraordinárias como as que influenciam o abastecimento (ex: greves) e em mercados onde há
possibilidade de prática de condutas ilícitas ligadas à formação de preço (ex: combustível). Por essa razão, o
inciso X foi incluído no CDC pela Lei nº 8.884/1994, que cuidou do sistema antitruste nacional até a edição
da Lei nº 12.529/2011.

1.11. Ausência de prazo para cumprimento de obrigação pelo fornecedor

Segundo o inciso XII do art. 39, constitui prática abusiva deixar de estipular prazo para o
cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério. Trata-se de
prática que viola o equilíbrio das prestações avençadas entre as partes, colocando o fornecedor em vantagem
exagerada, já que o tempo também tem valor econômico, o que implica em dizer que a possibilidade de
adiamento do prazo para cumprimento pelo fornecedor acabaria por encarecer o serviço ou produto vendido
sem a necessária anuência do consumidor.
Sobre o tema, recentemente se pronunciou o STJ no sentido de que “Na aquisição de unidades
autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo
certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a
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nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância”. (REsp 1.729.593-SP, Rel. Min.
Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, por unanimidade, julgado em 25/09/2019, DJe 27/09/2019 – Tema
996).

1.12. Aplicação de fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou


contratualmente estabelecido
CPF: 778.558.762-00

O inciso XIII do art. 39 afirma que configura prática abusiva aplicar fórmula ou índice de reajuste
diverso do legal ou contratualmente estabelecido. A hipótese diz respeito aos percentuais de reajuste para
recomposição do valor monetário (ex: IPCA, INPC, INCC etc.) A escolha do índice de reajuste pode implicar
na majoração ou redução do valor nominal pago pelo consumidor, o que implica em dizer que deve haver
Maria -- CPF:

estrita observância ao contratado ou ao que dispõe a lei.


Oliveira Maria

1.13. Superlotação de Estabelecimento


de Oliveira

O inciso XIV do art. 39 foi incluído pela Lei nº 13.425 de 2017, e afirma a abusividade da prática de
“permitir o ingresso em estabelecimentos comerciais ou de serviços de um número maior de consumidores
Gisely de
Gisely

que o fixado pela autoridade administrativa como máximo”.


Em geral, o percentual máximo de lotação de estabelecimentos que recebem público é estabelecido
no momento de obtenção de autorização administrativa para funcionamento (alvará). A desobediência a tal
limitação é prática abusiva, além de poder configurar crime previsto no art. 65, §2º do CDC.

2. PRODUTOS OU SERVIÇOS SUJEITOS AO REGIME DE CONTROLE DE PREÇOS

O art. 41 afirma que, no caso de fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de


controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob pena de
não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada,
podendo o consumidor exigir à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções
cabíveis.

3. COBRANÇA DE DÍVIDAS

De acordo com o caput do art. 42 do CDC: “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não
será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.”

86
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS ABUSIVAS • 9

Se é certo que a cobrança de valores efetivamente devidos é exercício regular de um direito pelo
fornecedor, não é menos certo que a sua exacerbação, através da utilização de expedientes que exponham
o consumidor ao ridículo ou lhe causem constrangimento ou ameaça é nítida forma de abuso de direito, que
deve ser reprimida e que gera direito a reparação.
A cobrança abusiva poderá, também, conforme o caso, gerar consequências penais, nos termos do
art. 71 do CDC, que afirma que é crime punido com detenção de três meses a um ano e multa: “Utilizar, na
cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas incorretas ou
enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou
interfira com seu trabalho, descanso ou lazer”.
Logo, os arts. 42 e 71 se complementam no sentido de delinear, exemplificativamente, formas
abusivas de cobrança que merecem repressão, sendo certo que as condutas previstas no tipo penal e não
repetidas no art. 42, caput, (uso de coação, afirmações falsas incorretas ou enganosas e procedimentos que
interfiram com o trabalho, descanso ou lazer do consumidor) são, também, formas de cobrança abusivas,
pois são tipos de constrangimento incompatíveis com o exercício regular do direito de cobrança, nos exatos
termos do art. 42, caput, do CDC.
A cobrança abusiva pode ser alvo de repressão administrativa (arts. 56 e ss do CDC), civil
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(indenização) e criminal (art. 71 do CDC).


Um exemplo de forma abusiva de cobrança é a suspensão de serviços públicos visando reprimir
dívidas antigas (ex: no caso da energia elétrica, as faturas que justificam o corte em caso de inadimplência
são aquelas referentes aos últimos 90 dias, conforme Resolução 414/10 da Agência Nacional de Energia
Elétrica – AgInt no REsp 1789030 / RS).
De outro lado, perceba-se que o art. 42, caput, não veda a cobrança do consumidor em seu local de
CPF: 778.558.762-00

trabalho. Entretanto, a realização de tal procedimento de maneira que exponha o consumidor a situação
constrangedora é sim foco de repressão civil (Ex: ligações incessantes ou aviso a colegas de trabalho que o
consumidor está em débito).
Maria -- CPF:

Em todas as hipóteses, nos termos do art. 42-A do CDC: “Em todos os documentos de cobrança de
débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no
Oliveira Maria

Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do
produto ou serviço correspondente.”
de Oliveira
Gisely de

4. REPETIÇÃO DE INDÉBITO NO CDC


Gisely

O parágrafo único do art. 42 do CDC estabelece que “o consumidor cobrado em quantia indevida
tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção
monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”
Cuida-se de dispositivo cuja aplicação encontra-se circunscrita às demandas consumeristas e às
hipóteses de cobrança extrajudicial, remanescendo a matéria atinente à cobrança judicial, mesmo que de
dívidas fundadas em contrato sujeito à legislação consumerista, circunscrita à aplicação do art. 940 do
Código Civil Brasileiro. (REsp 1.645.589 / MS)
Visando desestimular a cobrança indevida e fomentar o exercício de rígido controle por parte dos
fornecedores quanto às cobranças por eles realizada, o legislador estabeleceu o direito do consumidor de
receber em dobro os valores que tenha eventualmente pago indevidamente.
Percebe-se que o parágrafo único do art. 42 do CDC estabelece três requisitos para que o consumidor
faça jus à devolução em dobro: 1) Cobrança: O consumidor tem que ter sido efetivamente cobrado do valor
indevido (não pode ter realizado voluntariamente o pagamento mediante impressão de boleto, por
exemplo); 2) Pagamento: A quantia indevidamente cobrada tem que ter sido efetivamente quitada pelo
consumidor; 3) Engano não justificável: A cobrança tem que derivar de engano não justificável cometido

87
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS ABUSIVAS • 9

pelo fornecedor. A jurisprudência do STJ, segundo o julgamento do EAREsp nº 664.888 / RS, unificou48 o
entendimento sobre o tema para definir que a cobrança em dobro é cabível independentemente do
elemento volitivo, conforme seguinte excerto: “a repetição em dobro, prevista no parágrafo único do art. 42
do cdc, é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja,
deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo.”49
O STJ já decidiu ser cabível a devolução em dobro na hipótese de cobrança indevida por prestação
de serviço de água e de esgoto que não existiu. Ora, uma coisa é cobrar a mais pelo serviço prestado. Mas se
não foi sequer prestado o serviço, não haverá erro justificável.
O pagamento fundado em cláusula contratual posteriormente declarada nula não enseja devolução
em dobro, pois o engano do fornecedor deve ser reputado como justificável (EREsp nº 328.338 / MG).
Há de se destacar, ademais, que a jurisprudência (REsp nº 1645589 / MS) tem afirmado que a
aplicação do art. 42, parágrafo único do CDC se restringe às hipóteses de cobrança extrajudicial de dívida
consumerista, restando a cobrança judicial de dívida consumerista regida pela aplicação do art. 940 do
CC/02, a qual também se encontra vinculada à comprovação de má-fé.
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QUESTÕES DE CONCURSOS
1) (FCC 2020 – TJ/MS - Juiz Substituto) Renato, cliente de determinada operadora de telefonia, recebeu
fatura cobrando valor muito superior ao contratado. Percebendo o equívoco, Renato deixou de pagar a fatura
e contatou a operadora, requerendo o envio de outra, com o valor correto. No entanto, apesar de reconhecer
a falha, a operadora enviou nova fatura cobrando o mesmo valor em excesso, razão pela qual Renato
novamente se recusou a pagar. Nesse caso, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor, Renato
CPF: 778.558.762-00

a) tem direito de receber o dobro do valor cobrado em excesso na primeira fatura, apenas.
b) tem direito de receber o dobro do valor cobrado em excesso em cada uma das duas faturas.
c) tem direito de receber o dobro do valor total da primeira fatura, apenas.
Maria -- CPF:

d) tem direito de receber o dobro do valor total de cada uma das duas faturas.
e) não tem direito de receber o dobro do valor cobrado em excesso ou do total de nenhuma das faturas.
Oliveira Maria
de Oliveira

2) (VUNESP – 2019 – TJ/AC - Juiz de Direito Substituto) Nos termos do Código de Defesa do Consumidor, é
vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
Gisely de

a) estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a exclusivo
Gisely

critério do consumidor.
b) elevar o preço de produtos e serviços, ainda que com apresentação de justo motivo.
c) inserir cláusulas contratuais que transfiram responsabilidades a terceiros.
d) inserir cláusulas contratuais que determinem a utilização facultativa da arbitragem.

GABARITO COMENTADO
1)Gabarito: E
Comentários: O direito à repetição em dobro prevista no art. 42, parágrafo único do CDC depende da
ocorrência de pagamento prévio. Como Renato não pagou, ele não faz jus à repetição em dobro.

48 Anteriormente, havia divergência sobre o tema. A 1ª seção tem entendido que basta a ocorrência de culpa do
fornecedor/concessionário para a devolução em dobro (ex: REsp 1.079.064 / SP), enquanto a 2ª seção entende, em geral, que a
expressão “engano justificável” se identifica com a má-fé (ex: AgInt no REsp 1502471 / RS).
49 STJ, EAREsp 664.888 / RS, Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, publicado no DJE: 30/3/2021. Anteriormente, a título de

ilustração, havia divergência entre as seções. Enquanto a primeira seção entendia no sentido que veio a prevalecer, a segunda seção
identificava o conceito de engano justificável com o de má-fé.

88
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PRÁTICAS ABUSIVAS • 9

2) Gabarito: C
Comentários:
a) Incorreta. O art. 39, XII, do CDC afirma que é prática abusiva do fornecedor (e não o consumidor) deixar
de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu
exclusivo critério.
b) Incorreta. É prática abusiva, segundo o inciso X do art. 39 do CDC, elevar sem justa causa o preço de
produtos ou serviços.
c) Correta. Assertiva em conformidade com o art. 51, III, do CDC.
d) Incorreta. Apenas a imposição compulsória da arbitragem é cláusula abusiva, nos termos art. 51, VII, do
CDC.
Gisely de
Gisely Oliveira Maria
de Oliveira CPF: 778.558.762-00
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Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
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10
BANCO DE
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

CONSUMIDORES
E DADOS
CADASTRO
DE

90
BANCO DE DADOS E CADASTRO DE CONSUMIDORES • 10
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA BANCO DE DADOS E CADASTRO DE CONSUMIDORES • 10

O art. 43 do CDC afirma que: “o consumidor […] terá acesso às informações existentes em cadastros,
fichas, registros e dados pessoais e dados de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as respectivas
fontes dessas informações.”
É importante notar a diferença entre bancos de dados e cadastro de consumidores. Ambos são
espécies de arquivo de consumo, sendo os bancos de dados repositórios de informação que são fornecidas
pelos próprios fornecedores (ex: ranking de crédito e cadastros negativos - art. 2º, I, da Lei nº 12.414/11;
"cadastro de passagem" ou "cadastro de consultas anteriores" - REsp 1.726.270 / BA). Já os cadastros de
consumidores contêm dados e informações fornecidas pelos próprios consumidores (ex: informações
pessoais fornecidas por consumidor para abertura de cadastro).
Em geral, a grande parte das discussões sobre o tema gira em torno dos bancos de dados de proteção
ao crédito, que são responsáveis por controlar a inadimplência dos consumidores e fornecer os dados
negativos acerca dos créditos não honrados.
Considera-se que o consumidor possui três direitos básicos com relação aos cadastros:

1. DIREITO A SER COMUNICADO PREVIAMENTE


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778.558.762-00 -- gisely_30@hotmail·com

Trata-se de direito consagrado no §2º do art. 43, que afirma que “a abertura de cadastro, ficha,
registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não
solicitada por ele.” Nos termos da Súmula 359 do STJ, a obrigação da realização da notificação prévia do
consumidor é atribuída à entidade mantenedora do cadastro de proteção ao crédito, sendo que tal
comunicação escrita, conforme teor da Súmula 404 do STJ, dispensa o envio de AR.
De todo modo, quando a informação já existe em cadastros públicos (ex: cartórios de protesto e de
CPF: 778.558.762-00

distribuição judicial) o consumidor não precisa ser comunicado do mero transporte de tais informações para
os bancos de dados. (REsp 1.444.469 / DF e REsp 1.344.352 / SP)

2. DIREITO DE ACESSAR A INFORMAÇÃO


Maria -- CPF:

O CDC não veda que os fornecedores mantenham e tratem informações relativas aos consumidores,
Oliveira Maria

sejam elas positivas ou negativas, para efeito de traçar estratégias comerciais. Entretanto, o legislador deixa
claro o direito do consumidor de acesso amplo, integral e gratuito às informações que lhe digam respeito,
de Oliveira

bem como o dever de transparência e veracidade imposto ao fornecedor, no sentido de que as informações
armazenadas devem ser fidedignas e demonstráveis.
Gisely de
Gisely

Por essa razão, o §6º do art. 43 do CDC afirma que “todas as informações (…) devem ser
disponibilizadas em formatos acessíveis, inclusive para a pessoa com deficiência, mediante solicitação do
consumidor.” Ademais, ainda sobre a qualidade da informação, o §1º do art. 43 do CDC dispõe que “os
cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos (sem juízos de valor ou pessoais), claros (inteligíveis
e facilmente verificáveis), verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão”.

3. DIREITO À CORREÇÃO DAS INFORMAÇÕES

O descumprimento dos requisitos acima importa em ato ilícito, sendo o consumidor titular do direito
de correção e obtenção de explicações detalhadas sobre seus dados, nos termos do §3º do art. 43, que afirma
que “o consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata
correção, devendo o arquivista, no prazo de 5 dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários
das informações incorretas.” A correção deve ser realizada imediatamente após ser constatado o equívoco,
embora o procedimento para constatação seja de sete dias, conforme art. 5º, III, da Lei nº 12.414/2011.
Acaso o consumidor seja surpreendido com inscrição (“negativação”) falsa, como a referente a
dívida por ele não contraída, ou que não obedeça aos procedimentos de notificação prévia, fara jus a
reparação por danos morais in re ipsa, nos termos da jurisprudência pacífica do STJ (Ag nº 1379761 / SP).

91
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA BANCO DE DADOS E CADASTRO DE CONSUMIDORES • 10

Entretanto, o STJ tem entendido que se o nome do consumidor já estava inscrito por dívida anterior,
posteriores inclusões, ainda que equivocadas não gerarão dever de indenizar por danos morais (Súmula 385
do STJ). Tal entendimento é fortemente criticado pela doutrina e o STJ tem demonstrado tendência em
rediscuti-lo, havendo precedente recente flexibilizando o entendimento da súmula 385 para deferir danos
morais quando também as inscrições anteriores estejam sendo questionadas e haja verossimilhança em tais
questionamentos (REsp 1.647.795 e REsp 1.704.002).
Quanto à responsabilidade, o STJ tem entendido que a reparação deve ser suportada exclusivamente
pelo fornecedor que solicitou a inclusão do nome do consumidor no banco de dados, não havendo
solidariedade da entidade mantenedora do cadastro (REsp 748.561 / RS).
De acordo com o §4º do art. 43 do CDC, os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os
serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público. Tal tipificação
legal independe da estruturação da pessoa jurídica responsável por gerir os cadastros, haja vista que grande
parte das instituições que gerem tais bancos e cadastros são pessoas jurídicas privadas. A relevância da
categorização dessas entidades como públicas é a viabilidade de se ajuizar habeas data para obtenção e
correção de informações.
O §1º do art. 43 do CDC dispõe que as informações negativas referentes ao consumidor não podem
gisely_30@hotmail·com
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permanecer inscritas por período superior a cinco anos, contados a partir do dia subsequente ao
vencimento da dívida (REsp 1.316.117 / SC). A baixa da inscrição deve ocorrer após o transcurso dos cinco
anos ou em caso de prescrição, se essa ocorrer antes, conforme §5º do art. 43 do CDC. Conforme disposto
no próprio dispositivo, a prescrição ali referida é a do ajuizamento da ação de cobrança e não da ação de
execução, motivo pelo qual o STJ publicou a súmula de nº 323, que dispõe que “A inscrição do nome do
devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos,
independentemente da prescrição da execução.”
CPF: 778.558.762-00

Nos termos da Súmula 548 do STJ: “Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome
do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo
pagamento do débito.” Dessa forma, cabe ao fornecedor que determinou a inclusão do nome do consumidor
no cadastro de inadimplentes o dever de promover a baixa da inscrição, no prazo de cinco dias úteis.
Maria -- CPF:

Entretanto, caso haja protesto de título, o STJ entende que a legislação aplicável é a especial, ficando a cargo
do consumidor a promoção e custeio da baixa (REsp 959.114 / MS).
Oliveira Maria

A dívida discutida em juízo pode ser inscrita, pois, no entendimento do STJ, o mero ajuizamento da
de Oliveira

ação pelo devedor não o torna imune à possibilidade de ser cadastrado nos órgãos de proteção ao crédito
(Resp 1.148.179 / MG). O consumidor poderá pedir tutela de urgência, pedindo a suspensão da negativação
Gisely de

do nome. Para isso, é necessário preencher alguns pressupostos: A) Contestação da dívida integralmente ou
Gisely

parcialmente; B) Demonstração de que a contestação da cobrança indevida se funda na aparência do bom


direito (fumus boni iuris); C) Sendo a contestação de parte do débito, deverá depositar a parte incontroversa,
ou prestação de caução idônea.
Por fim, é importante destacar que o sistema de credit scoring ou ranking de crédito é tido como
válido pela jurisprudência (Súmula 550 do STJ) e legislação brasileiras (Lei nº 12.414/11). O credit scoring
consiste na prática de análise de dados de consumidores para atribuição de nota com base no passado de
pagamento de operações de crédito por eles contratadas. Nas palavras do STJ: “O sistema de crédito
“scoring” é um método de desenvolvimento para avaliação dos riscos na concessão de créditos, a partir de
dados estatísticos, considerando diversas variáveis com atribuição de uma pontuação do consumidor
avaliado”. (REsp 1.419.697)
Inicialmente, a súmula 550 do STJ havia estabelecido a desnecessidade de consentimento do
consumidor para sua inclusão no credit scoring (sistema de opt out), em especial diante dos efeitos positivos
que dele advêm no que tange a concessão de crédito. Entretanto, com a publicação da Lei nº 12.414/11, o
regulamento do cadastro positivo passou a prever a expressa necessidade de assentimento expresso do
consumidor para sua inclusão no ranking (sistema opt in).

92
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA BANCO DE DADOS E CADASTRO DE CONSUMIDORES • 10

Entretanto, tal situação se alterou com a nova redação do art. 4º da Lei nº 12.414/11, que foi dada
pela Lei Complementar nº 166, de 2019, a qual expressamente dispensa o consentimento do consumidor
para sua inclusão no ranking, bastando a comunicação ao consumidor de sua inclusão, no prazo de 30 (trinta)
dias após a abertura (art. 4º, §4º, da Lei nº 12.414/11). Por outro lado, já na esteira do que o STJ decidiu,
poderá o consumidor requerer da mantenedora do cadastro a retirada de seu nome ou a retificação e
explicação de informações ali contidas (art. 5º da Lei nº 12.414/11).
De todo modo, a viabilidade de se abrir cadastros com dados pessoais sem anuência prévia do
consumidor não autoriza que os fornecedores compartilhem dados pessoais ou cataloguem esses dados de
maneira pública sem a comunicação aos consumidores. Nesse sentido, o STJ se pronunciou recentemente,
afirmando que: “Configura dano moral in re ipsa a ausência de comunicação acerca da
disponibilização/comercialização de informações pessoais em bancos de dados do consumidor. Nessa toada,
a gestão do banco de dados impõe a estrita observância das respectivas normas de regência – CDC e Lei n.
12.414/2011. Dentre as exigências da lei, destaca-se o dever de informação, que tem como uma de suas
vertentes o dever de comunicar por escrito ao consumidor a abertura de cadastro, ficha, registro e dados
pessoais e de consumo, quando não solicitada por ele, consoante determina o §2º do art. 43 do CDC. Embora
o novo texto da Lei n. 12.414/2011 se mostre menos rigoroso no que diz respeito ao cumprimento do dever
de informar ao consumidor sobre o seu cadastro – já que a redação originária exigia autorização prévia
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mediante consentimento informado por meio de assinatura em instrumento específico ou em cláusula


apartada –, o legislador não desincumbiu o gestor de proceder à efetiva comunicação. (…) O fato, por si só,
de se tratarem de dados usualmente fornecidos pelos próprios consumidores quando da realização de
qualquer compra no comércio, não afasta a responsabilidade do gestor do banco de dados, na medida em
que, quando o consumidor o faz não está, implícita e automaticamente, autorizando o comerciante a divulgá-
los no mercado; está apenas cumprindo as condições necessárias à concretização do respectivo negócio
jurídico entabulado apenas entre as duas partes, confiando ao fornecedor a proteção de suas informações
CPF: 778.558.762-00

pessoais. (REsp 1.758.799 / MG)”


Por fim, há também o cadastro de fornecedores nos termos do art. 44 do CDC: “os órgãos públicos
de defesa do consumidor manterão cadastros atualizados de reclamações fundamentadas contra
fornecedores de produtos e serviços, devendo divulgar essas informações de maneira pública anualmente.
Maria -- CPF:

Essa divulgação deverá indicar se a reclamação foi atendida ou não pelo fornecedor. O §1º do art. 44 diz
que “é facultado o acesso às informações constantes do cadastro para orientação e consulta por qualquer
Oliveira Maria

interessado”.
de Oliveira

QUESTÕES DE CONCURSOS
Gisely de

1)( CESPE / CEBRASPE – 2019 – TJ/PA - Juiz de Direito Substituto) Acerca de bancos de dados e cadastros de
Gisely

consumidores, assinale a opção correta, de acordo com a jurisprudência do STJ.


a) O registro do nome do consumidor em bancos de dados deve ser precedido de comunicação escrita, na
qual deve ser atestado o recebimento da notificação.
b) A notificação que antecede a inscrição do nome do consumidor nos bancos de dados deve ser promovida
pelo fornecedor que solicita o registro no órgão mantenedor do cadastro de proteção ao crédito.
c) A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo
estabelecido em lei, ainda que anteriormente ocorra a prescrição da execução.
d) O Banco do Brasil, na condição de gestor do cadastro de emitentes de cheques sem fundos (CCF), é
responsável por notificar previamente o devedor acerca da sua inscrição nesse cadastro.
e) Efetuado o pagamento do débito pelo devedor, cabe ao órgão mantenedor do cadastro de proteção ao
crédito a exclusão do registro da dívida no cadastro de inadimplentes.

93
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA BANCO DE DADOS E CADASTRO DE CONSUMIDORES • 10

2) (MPE-GO - 2019 - Promotor de Justiça Substituto) Com o fim de limitar a atuação dos bancos de dados à
sua função social - reduzir a assimetria de informação entre o credor/vendedor para a concessão e obtenção
de crédito a preço justo o Código de Defesa do Consumidor (CDC) estabeleceu expressamente, em seu art.
43, §1°, que os dados cadastrados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem
de fácil compreensão. À doutrina perfilha essa orientação ao afirmar que “a informação falsa ou inexata
simplesmente não serve para avaliar corretamente a solvência da pessoa interessada na obtenção do
crédito”. (BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de
Direito do Consumidor. 3ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 299). Acerca da temática e
do atual posicionamento sumulado do Superior Tribunal de Justiça (STJ), assinale a alternativa correta:

a) A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo
de cinco anos, independentemente da prescrição da execução.
b) A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito
ao consumidor, quando não solicitado por ele. Logo, cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de Proteção ao
Crédito a notificação do devedor após proceder à inscrição.
c) É indispensável o Aviso de Recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação
de seu nome em bancos de dados e cadastros.
d) Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, cabe indenização por dano moral, ainda quando
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preexistente legítima inscrição.

GABARITO COMENTADO
1)Gabarito: C
Comentários:
a) Incorreta. Em desconformidade com a Súmula 404 do STJ: “É dispensável o aviso de recebimento (AR) na
CPF: 778.558.762-00

carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros.”
b) Incorreta. Em desconformidade com a Súmula 359 do STJ: “Cabe ao órgão mantenedor do Cadastro de
Proteção ao Crédito a notificação do devedor antes de proceder à inscrição.”
c) Correta. Inspirada na redação da Súmula 323 do STJ: “A inscrição do nome do devedor pode ser mantida
Maria -- CPF:

nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da
execução.”
Oliveira Maria

d) Incorreta. Em desconformidade com a Súmula 572 do STJ: “O Banco do Brasil, na condição de gestor do
de Oliveira

Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), não tem a responsabilidade de notificar previamente
o devedor acerca da sua inscrição no aludido cadastro, tampouco legitimidade passiva para as ações de
Gisely de

reparação de danos fundadas na ausência de prévia comunicação.”


Gisely

e) Incorreta. Em desconformidade com a Súmula 548 do STJ: “Incumbe ao credor a exclusão do registro da
dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e
efetivo pagamento do débito.”

2) Gabarito: A
Comentários:
a) Correta. Em linha com a Súmula 323, STJ: A inscrição do nome do devedor pode ser mantida nos serviços
de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da prescrição da execução.
b) Incorreta. Em desconformidade com a Súmula 323, STJ: “A inscrição do nome do devedor pode ser
mantida nos serviços de proteção ao crédito até o prazo máximo de cinco anos, independentemente da
prescrição da execução.”
c) Incorreta. Contraria o entendimento da Súmula 404, STJ: “É dispensável o Aviso de Recebimento (AR) na
carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros.”
d) Incorreta. Em desconformidade com a Súmula 385, STJ: “Da anotação irregular em cadastro de proteção
ao crédito, não cabe indenização por dano moral quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito
ao cancelamento

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Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

PROTEÇÃO CONTRATUAL

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PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11
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1. DISPOSIÇÕES GERAIS

Dentro da seção destinada à análise das práticas comerciais, o CPC trata expressamente da proteção
ao consumidor na seara contratual, buscando estabelecer normas especiais que ofereçam tratamento
especial à parte vulnerável da relação de consumo, o consumidor.
Como já analisado no estudo dos princípios que regem o CDC, a autonomia privada e a força
obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda) existente nas relações consumeristas é atenuada pela
heteronomia exercida pelo caráter de ordem pública e interesse social que emana das disposições do
microssistema de direito de consumidor.
Isso implica dizer que os contratos regidos pelo CDC têm sua validade condicionada à observância
dos princípios e regras contidos no microssistema consumerista, os quais são, em sua maioria, irrenunciáveis
e submetidos a uma leitura constitucionalizada da autonomia da vontade, que também exige o
cumprimento de sua função social e a observância da boa-fé objetiva.

1.1. Princípio da Transparência e Vinculação Contratual


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O art. 46 do CDC estabelece que os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os
consumidores, se:

• Não for dada a eles a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo do contrato;
ou
• Os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido
e alcance.
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Trata-se de implicação direta do princípio da transparência, que determina que a informação no


contrato deve ser clara, fácil, útil, completa e gratuita, não se podendo aceitar a utilização de expedientes
que deem margem a prejuízos à parte vulnerável da relação.
Entretanto, é importante notar que as limitações contratuais que restringem direitos do consumidor
Maria -- CPF:

são possíveis, desde que, para além de seguir as diretrizes da transparência e da boa-fé objetiva, sejam
razoáveis e não abusivas.
Oliveira Maria
de Oliveira

1.2. Princípio da interpretação mais favorável


Gisely de

De acordo com o art. 47 do CDC: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais
Gisely

favorável ao consumidor.” Dessa forma, se o contrato submetido à disciplina do CDC possuir cláusula dúbia
ou mal redigida ou se houver conflito entre cláusulas ou dificuldade de se apurar seu âmbito de aplicação a
interpretação deverá ser dirigida favoravelmente ao consumidor.
Trata-se de disposição similar a prevista pelo art. 423 do CC/02 para o tratamento de contratos de
adesão, dado o fato de que a grande maioria dos contratos previstos pelo CDC possui tal natureza, conforme
se verá adiante, quando do estudo do art. 54 do CDC. Vale mencionar, contudo, que a regra do CDC é mais
ampla e determina interpretação mais favorável também às cláusulas previstas em contratos que não sejam
tidos como de adesão.

1.3. Princípio da vinculação do fornecedor

O art. 48 do CDC estabelece que “as declarações de vontade constantes de escritos particulares,
recibos e pré-contratos relativos às relações de consumo vinculam o fornecedor, ensejando inclusive
execução específica.”
Trata-se de disposição que, em reforço aos comandos dos arts. 30 e 35 do CDC e prestigia a boa-fé
objetiva, reconhecendo que o princípio da confiança influencia diretamente no ânimo da contratação, não
compactuando com a frustração da expectativa razoavelmente gerada no consumidor.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

A interpretação do art. 48 do CDC deve ser ampla, de modo a incluir como vinculantes todas as
manifestações razoavelmente comprovadas, mesmo que implícitas, sendo de se notar que, por força do art.
34 do CDC e da já mencionada aplicação da teoria da aparência, a fonte de tais manifestações é ampla, sendo
vinculantes aquelas que advêm de prepostos e representantes autônomos do fornecedor.

2. DIREITO DE REFLEXÃO OU DE ARREPENDIMENTO

O art. 49 do CDC estabelece que: “O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a
contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de
fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por
telefone ou a domicílio.”
Trata-se de direito potestativo conferido ao consumido e que possibilita prazo de reflexão, visando
desestimular a adoção de práticas comerciais que estimulem a aquisição de produtos de maneira desmedida
ou irracional, em contextos que favoreçam tal comportamento, como os que ocorrem nas transações
realizadas fora do estabelecimento contratual.
Por se tratar de direito potestativo vinculado à proteção da parte vulnerável, o exercício da
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desistência é incondicionado e não depende da existência de vício ou de defeito do produto ou do serviço,


podendo ela ser imotivada. Portanto, basta o preenchimento dos dois requisitos básicos: aquisição fora de
estabelecimento comercial e prazo de sete dias desde o recebimento, para que o consumidor faça jus a esse
direito.
Note-se que a menção ao “telefone ou a domicílio” é meramente exemplificativa e ligada ao contexto
social do momento de publicação do CDC, o que implica em dizer que o direito de arrependimento se estende
a todas as compras não presenciais, inclusive as realizadas pela internet.
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Caso o consumidor exercite o direito de arrependimento, os valores eventualmente pagos, a


qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos de imediato com atualização monetaria. Os
gastos com a remessa de retorno do produto devem correr às expensas do fornecedor, não se podendo
Maria -- CPF:

cogitar da sua transferência ao consumidor (REsp 1.340.604 / RJ).


Por fim, vale mencionar que o direito de arrependimento possui abrangência ampla e se aplica a
Oliveira Maria

contratos que envolvam todos os produtos e serviços fornecidos no mercado de consumo. Entretanto, na
de Oliveira

aquisição de passagens aéreas, a Resolução 400/2016 da ANAC, em seu art. 11 estabelece que o prazo para
desistência de passagem aérea adquirida pelo consumidor seria de 24 (Vinte Quatro) horas, o que, em tese,
contraria o previsto no art. 49 do CDC.
Gisely de
Gisely

Embora o STJ ainda não tenha se pronunciado sobre a matéria, o entendimento corrente na doutrina
é o de que o ato infralegal citado não pode se sobrepor à lei, em especial quando se tem em mente o caráter
de ordem pública e interesse social do CDC, o que implica dizer que a aquisição de passagem aérea online
contaria com a garantia de sete dias prevista no art. 49 do CDC, reservando a aplicação do art. 11 da
Resolução 400/2016 da ANAC aos casos em que as passagens são adquiridas presencialmente.

3. GARANTIA CONTRATUAL

Como já analisado, o art. 24 do CDC estabelece a garantia legal de adequação do produto ou serviço,
a qual independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do fornecedor. Ademais, como
também já ressaltado, a garantia legal corresponde aos regramentos dos arts. 12 a 20 do CDC, os quais
podem ser acionados nos prazos extintivos previstos nos arts. 26 e 27 do mesmo diploma.
Entretanto, além da obrigação legal, o fornecedor poderá oferecer uma garantia contratual, que,
conforme o caso, pode ser gratuita ou remunerada. Segundo o art. 50 do CDC: a garantia contratual é
complementar à legal e será conferida mediante termo escrito.
Portanto, é a partir do término da garantia contratual que se inicia a contagem para a garantia
legal.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

O parágrafo único do art. 50 afirma que o “termo de garantia ou equivalente deve ser padronizado
e esclarecer, de maneira adequada em que consiste a mesma garantia, bem como a forma, o prazo e o lugar
em que pode ser exercitada e os ônus a cargo do consumidor, devendo ser-lhe entregue, devidamente
preenchido pelo fornecedor, no ato do fornecimento, acompanhado de manual de instrução, de instalação
e uso do produto em linguagem didática, com ilustrações.”
Além disso, o art. 66 do CDC afirma ser crime “Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir
informação relevante sobre a natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho,
durabilidade, preço ou garantia de produtos ou serviços”.

4. CLÁUSULAS ABUSIVAS – ART. 51 DO CDC

Transportando o conteúdo das garantias do microssistema consumerista à seara contratual, o


legislador estabelece rol exemplificativo de cláusulas que reputa abusivas e, portanto, nulas. São
consideradas abusivas as cláusulas que desrespeitam os direitos e garantias estabelecidos pelo
microssistema consumerista.
Assim como ocorre com as práticas abusivas, o rol dos incisos do art. 51 do CDC é exemplificativo,
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como se pode aferir da expressão “entre outras” prevista no caput do dispositivo, bem como da redação dos
incisos IV e XV, que estabelecem cláusulas gerais de controle da higidez das disposições contratuais. Nesse
sentido, os arts. 12, 13 e 22 do Decreto nº 2.181/97 estabelecem extenso rol de práticas e cláusulas abusivas
que servem como importante elemento de interpretação e integração das cláusulas abertas, valendo
destacar que o art. 56 do Decreto nº 2.181/97 determina que “com o objetivo de orientar o Sistema Nacional
de Defesa do Consumidor, a Secretaria Nacional do Consumidor divulgará, anualmente, elenco
complementar de cláusulas contratuais consideradas abusivas”.
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No mesmo sentido da apuração das práticas abusivas, também a apuração da abusividade das
cláusulas independe da verificação de elemento subjetivo, ou seja, também se submete à dogmática da
responsabilidade objetiva, de modo que a simples existência de nexo de causalidade entre a atuação
comercial do fornecedor e a disposição contratual reputada abusiva se mostra suficiente à apuração de
Maria -- CPF:

nulidade.
Oliveira Maria

Uma vez reconhecida a abusividade, a cláusula será reputada nula. Entretanto, nos termos do art.
51, §2º, do CDC: “A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de
de Oliveira

sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes”. Portanto,
aplica-se no microssistema consumerista o princípio da conservação dos contratos, devendo o contrato ser
Gisely de

mantido na maior extensão possível após eventual declaração de nulidade de uma de suas cláusulas, salvo
Gisely

“ônus excessivo a qualquer das partes”.


Ademais, considerado o conteúdo do art. 1º, caput do CDC, é dever-poder do juiz o reconhecimento
de ofício da nulidade das cláusulas que violam o microssistema consumerista, ressalvado o já mencionado
caso enunciado na súmula 381 do STJ: “Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício,
da abusividade das cláusulas.”
O art. 51 diz que são nulas de pleno direito, entre outras:

4.1. Inciso I – Cláusulas Que Diminuam A Responsabilidade Do Fornecedor Do


Vício Ou Impliquem Renúncia Ou Disposição Dos Direitos.

As cláusulas contratuais que impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do


fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia (antecipada) ou
disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a
indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis.
Este dispositivo traz vedação à cláusula de não indenizar, bem como a impossibilidade de atenuação
da responsabilidade do fornecedor, em reforço ao que já estabelecido no art. 24 do CDC (“A garantia legal

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

de adequação do produto ou serviço independe de termo expresso, vedada a exoneração contratual do


fornecedor”). No mesmo sentido, também as cláusulas que trazem renúncia antecipada de direitos são nulas
de pleno direito quando submetidas ao microssistema consumerista.
A única exceção se dá em relação ao consumidor pessoa jurídica, caso em que a limitação será
possível, desde que seja razoável esta limitação. Note-se que no caso de consumidor pessoa jurídica o que
se permite é a limitação e não a completa exoneração, desde que haja situação justificável.
São exemplos de aplicação do art. 51, I, do CDC as Súmulas 130 (“A empresa responde, perante o
cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento”) e 638 (“É abusiva a
cláusula contratual que restringe a responsabilidade de instituição financeira pelos danos decorrentes de
roubo, furto ou extravio de bem entregue em garantia no âmbito de contrato de penhor civil”) do STJ.

4.2. Inciso II – Cláusulas de Decaimento

Veda-se a cláusula de “decaimento”, garantindo ao consumidor o reembolso “nos casos previstos


neste código”. No particular, o CDC aponta como hipóteses de reembolso: arts. 18, §1º, II; 35, III; 42; 49.
Além dessas cláusulas, o CDC traz, em seu art. 53 afirma que: “Nos contratos de compra e venda de móveis
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ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia,
consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em
benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do
produto alienado.”
As cláusulas de decaimento serão analisadas melhor quando do estudo do art. 53.

4.3. Inciso III – Cláusulas que transfiram responsabilidades a terceiros


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As cláusulas contratuais que transfiram responsabilidades a terceiros;


Nos termos dos arts. 7º, parágrafo único, e 25, §2º, do CDC, vige no microssistema consumerista o
Maria -- CPF:

princípio da solidariedade na reparação dos danos, de modo que, tendo mais de um autor a ofensa,
responderão solidariamente todos eles.
Oliveira Maria

Tal principiologia inviabiliza a transferência de responsabilidades, o que, em última instância,


de Oliveira

implicaria em exoneração da responsabilidade do fornecedor. De todo modo, a leitura desse inciso não
inviabiliza a inclusão solidária de outros responsáveis, como o que ocorre com o chamamento da seguradora
Gisely de

(art. 101, II do CDC).


Gisely

4.4. Inciso IV – Cláusulas Que Estabeleçam Obrigações Consideradas Iníquas,


Abusivas, Que Coloquem O Consumidor Em Desvantagem Exagerada, Ou Que
Sejam Incompatíveis Com A Boa-Fé Ou A Equidade;

As cláusulas contratuais que estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem
o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
Trata-se de cláusula geral de verificação de abusividade, dado o caráter aberto das disposições
contidas em sua redação. Os incisos do §1º do art. 51 do CDC trazem padrões interpretativos relevantes para
a aplicação desta disposição:
O §1º diz que se presume exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

• Ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

• Restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a


ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

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• Se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo


do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
Portanto, verifica-se que a margem interpretativa conferida ao intérprete é ampla para efeito de
verificar a abusividade de cláusulas contratuais, permitindo o acompanhamento da evolução das práticas
comerciais, sempre em busca da tutela ideal da parte vulnerável, sem se descurar do equilíbrio contratual.
A plasticidade da cláusula geral em estudo tem ocasionado pronunciamentos de alta relevância pelo
STJ, dentre os quais se destaca:
1) Súmula nº 302 do STJ: “É abusiva a cláusula contratual de plano de saúde que limita no tempo a
internação hospitalar do segurado”;
2) Súmula nº 597 do STJ: “A cláusula contratual de plano de saúde que prevê carência para utilização
dos serviços de assistência médica nas situações de emergência ou de urgência é considerada abusiva se
ultrapassado o prazo máximo de 24 horas contado da data da contratação”;
3) Súmula nº 609 do STJ: “A recusa de cobertura securitária sob alegação de doença pré-existente é
ilícita se não houve a exigência de exames prévios à contratação ou a demonstração de má-fé do segurado”;
4) Abusividade do cancelamento da passagem de retorno no caso de “No show” na ida (REsp
1.595.731 / RO);
5) Não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente contratada e informada ao consumidor
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para a hipótese de internação superior a 30 (trinta) dias decorrentes de transtornos psiquiátricos. (EAREsp
793.323 / RJ) Tal orientação foi reafirmada pelo STJ, com a inclusão do percentual máximo em julgado mais
recente, “verbis”: Nos contratos de plano de saúde não é abusiva a cláusula de coparticipação expressamente
ajustada e informada ao consumidor, à razão máxima de 50% (cinquenta por cento) do valor das despesas,
nos casos de internação superior a 30 (trinta) dias por ano, decorrente de transtornos psiquiátricos,
preservada a manutenção do equilíbrio financeiro. (REsp 1.809.486 / SP);
6) O teor do enunciado n. 302 da Súmula do STJ, que dispõe ser abusiva a cláusula contratual de
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plano de saúde que limita no tempo a internação hospitalar do segurado, refere-se, expressamente, à
segmentação hospitalar, e não à ambulatorial. (REsp 1.764.859 / RS);
7) As operadoras de planos de saúde não estão obrigadas a fornecer medicamento não registrado
pela ANVISA.50 (REsp 1.712.163 / SP). Entretanto, há de se distinguir a hipótese do caso de o medicamento,
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apesar de não registrado pela ANVISA, ter a sua importação excepcionalmente autorizada pela referida
Agência Nacional, ocasião em que sua cobertura passará a ser obrigatória (REsp 1.943.628 / DF).;
Oliveira Maria

8) Julgamento pelo STJ do tema repetitivo nº 958 sobre tarifas bancárias: Abusivas: 1) compelido a
contratar seguro com a instituição financeira ou com seguradora por ela indicada; 2) ressarcimento pelo
de Oliveira

consumidor da despesa com o registro do pré-gravame; 3) ressarcimento de serviços prestados por terceiros,
sem a especificação do serviço a ser efetivamente prestado; 4) ressarcimento pelo consumidor da comissão
Gisely de

do correspondente bancário. Válidas: tarifa de avaliação do bem dado em garantia, bem como da cláusula
Gisely

que prevê o ressarcimento de despesa com o registro do contrato;


9) É vedada à operadora de plano de saúde a resilição unilateral imotivada dos contratos de planos
coletivos empresariais com menos de trinta beneficiários. (REsp 1.776.047 / SP);
10) O critério de vedação ao crédito consignado – a soma da idade do cliente com o prazo do contrato
não pode ser maior que 80 anos – não representa discriminação negativa que coloque em desvantagem
exagerada a população idosa. (REsp 1.783.731 / PR);
11) Ainda que a iniciativa pelo descredenciamento tenha partido de clínica médica, subsiste a
obrigação de a operadora de plano de saúde promover a comunicação desse evento aos consumidores e à
ANS com 30 (trinta) dias de antecedência bem como de substituir a entidade conveniada por outra
equivalente, de forma a manter a qualidade dos serviços contratados inicialmente. (REsp 1.561.445-SP);
12) O rol de procedimentos de planos de saúde, fixado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar
(ANS), constitui uma cobertura mínima obrigatória taxativa, e não exemplificativa, dos procedimentos. (REsp
1.733.013 / PR) Trata-se de precedente firmado pela Quarta Turma do STJ. Entretanto, a Quinta Turma do
STJ ainda tem mantido o entendimento de que “O rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde
Suplementar – ANS é meramente exemplificativo.”;

50Note-se que o precedente foi firmado pela Segunda Seção do STJ, a indicar pacificação de entendimento no âmbito do STJ. Há de
se destacar, ainda, que o RE-RG 657718, julgado pelo STF, que trata do mesmo tema (medicamento “off label”), trata apenas no
poder público.

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13) “O reembolso das despesas médico-hospitalaes efetuadas pelo beneficiário com


tratamento/atendimento de saúde fora da rede credenciada pode ser admitido somente em hipóteses
excepcionais, tais como a inexistência ou insuficiência de estabelecimento ou profissional credenciado no
local e urgência ou emergência do procedimento. Dessa forma, a estipulação contratual que vincula a
cobertura contratada aos médicos e hospitais de sua rede ou conveniados é inerente a esta espécie
contratual e, como tal, não encerra, em si, nenhuma abusividade. (EAREsp 1.459.849-ES);
14) O STJ tem se orientado no sentido de reconhecer a abusividade de previsões contratuais que
estabeleçam cláusulas penais apenas em favor do fornecedor, admitindo, inclusive, a inversão de tais
cláusulas no caso de mora do fornecedor. Nesse sentido: “No contrato de adesão firmado entre o comprador
e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do
adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As
obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento
judicial.” (REsp 1.498.484 / DF e REsp 1.631.485 / DF – Tema 971);
15) Compete à operadora do plano de saúde o custeio das despesas de acompanhante do paciente
idoso no caso de internação hospitalar. (REsp 1.793.840 / RJ);
16) Salvo disposição contratual expressa, os planos de saúde não são obrigados a custear o
tratamento médico de fertilização in vitro. (REsp 1.851.062 / SP - Tema 1067);
17) O contrato de seguro saúde internacional firmado no Brasil não deve observar as normas pátrias
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alusivas aos reajustes de mensalidades de planos de saúde individuais fixados anualmente pela ANS. (REsp
1.850.781 / SP);
18) A operadora que resiliu unilateralmente plano de saúde coletivo empresarial não possui a
obrigação de fornecer ao usuário idoso, em substituição, plano na modalidade individual, nas mesmas
condições de valor do plano extinto. (REsp 1.924.526 / PE);
19) A operadora não pode ser obrigada a oferecer plano individual a usuário de plano coletivo extinto
se ela não disponibiliza no mercado tal modalidade contratual. (REsp 1.846.502 / DF);
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20) É abusiva cláusula contratual de plano de saúde que impõe à dependente a obrigação de assumir
eventual dívida do falecido titular, sob pena de exclusão do plano. (REsp 1.899.674 / SP);
21) É lícita a exclusão, na Saúde Suplementar, do fornecimento de medicamentos para tratamento
domiciliar, salvo os antineoplásicos orais (e correlacionados), a medicação assistida (home care) e os incluídos
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no rol da Agência Nacional de Saúde para esse fim. (REsp 1.692.938 / SP);
22) É devida a cobertura, pela operadora de plano de saúde, do procedimento de criopreservação de
Oliveira Maria

óvulos de paciente fértil, até a alta do tratamento quimioterápico, como medida preventiva à infertilidade.
(REsp 1.815.796 / RJ);
de Oliveira

23) Na rescisão de contrato de compra e venda de imóvel residencial não edificado, o adquirente não
pode ser condenado ao pagamento de taxa de ocupação. (REsp 1.936.470 / SP);
Gisely de

24) Optando o adquirente pela resolução antecipada de contrato de compra e venda por atraso na
Gisely

obra, eventual valorização do imóvel não enseja indenização por perdas e danos. (REsp 1.750.585 / RJ);
25) No caso de resolução de contrato por atraso na entrega de imóvel além do prazo de tolerância,
por culpa da incorporadora, o termo ad quem dos lucros cessantes é a data do trânsito em julgado. (REsp
1.807.48 / DF);
26) Não é ilegal ou abusiva a cláusula que prevê a cobertura adicional de invalidez funcional
permanente total por doença (IFPD) em contrato de seguro de vida em grupo, condicionando o pagamento
da indenização securitária à perda da existência independente do segurado, comprovada por declaração
médica. (REsp 1.867.199 / SP - Tema 1068);
27) Não é abusiva a cláusula do contrato de cartão de crédito que autoriza a operadora/financeira,
em caso de inadimplemento, debitar na conta corrente do titular o pagamento do valor mínimo da fatura,
ainda que contestadas as despesas lançadas. (REsp 1.626.997 / RJ);
28) É válida a contratação de empréstimo consignado por analfabeto mediante a assinatura a rogo,
a qual, por sua vez, não se confunde, tampouco poderá ser substituída pela mera aposição de digital ao
contrato escrito. (REsp 1.868.099 / CE);
29) Não se revela abusiva a cláusula meramente limitativa do uso do cofre locado, ou seja, aquela
que apenas delimita quais são os objetos passíveis de serem depositados em seu interior pelo locatário e
que, consequentemente, estariam resguardados pelas obrigações (indiretas) de guarda e proteção atribuídas
ao banco locador. (AgInt nos EDcl no AREsp 1206017/SP);

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

30) A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo,
deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno
tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde
que o titular arque integralmente com a contraprestação devida. (REsp 1.846.123 / SP);
31) A empresa aérea que disponibilizar a opção de resgate de passagens aéreas com "pontos" pela
internet é obrigada a assegurar que o cancelamento ou reembolso dessas seja solicitado pelo mesmo meio.
(REsp 1.966.032 / DF);
32) É abusiva a rescisão do contrato de plano de saúde pela operadora com fundamento na
inadimplência, se quando da notificação exigida pela Lei n. 9.656/1998 o consumidor não mais se encontra
inadimplente, tendo adimplido todas as parcelas devidas com correção monetária e juros de mora. (REsp
2.001.686-MS);
33) É devida a limitação do reembolso, pelo preço de tabela, ao usuário que utilizar para o tratamento
de terapia coberta, os profissionais e estabelecimentos não credenciados, estejam eles dentro ou fora da
área de abrangência do município/área geográfica e de estar ou não o paciente em situação de emergência
ou urgência. (AgInt no REsp 1.933.552 / ES);
34) É ilegal a cobrança, pelo plano de saúde, de coparticipação em forma de percentual no caso de
internação domiciliar não alusiva à tratamento psiquiátrico. (REsp 1.947.036 / DF);
35) Não é abusiva a cláusula constante de programa de fidelidade que impede a transferência de
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pontos/bônus de milhagem aérea aos sucessores do cliente titular no caso de seu falecimento. (REsp
1.878.651 / SP)

4.5. Inciso VI – Cláusulas Que Estabeleçam Inversão Do Ônus Da Prova Em


Prejuízo Do Consumidor
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As cláusulas contratuais que estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;


Entre os direitos básicos do consumidor está a facilitação dos seus direitos, permitindo a inversão do
ônus da prova em seu benefício (arts. 6º, VIII; 12, §3º; 14, §3º; e 39, todos do CDC). O inciso VI veda ao
fornecedor o esvaziamento do conteúdo do direito básico previsto em benefício do consumidor,
corroborando a irrenunciabilidade do direito de inversão de ônus probatório.
Maria -- CPF:

4.6. Inciso VII – Cláusulas Que Determinem A Utilização Compulsória de


Oliveira Maria

Arbitragem
de Oliveira

As cláusulas contratuais que determinem a utilização compulsória de arbitragem;


Gisely de

De acordo com o inciso VII, poderá haver arbitragem nas relações de consumo, mas não se pode
Gisely

obrigar o consumidor a se submeter ao juízo arbitral, restando possível a submissão da contenda a este
juízo se for de vontade do consumidor.

4.7. Inciso VIII – Cláusulas Que Imponham Representante Para Concluir Ou


Realizar Outro Negócio Jurídico Pelo Consumidor

As cláusulas contratuais que imponham representante para concluir ou realizar outro negócio
jurídico pelo consumidor;
Proíbe-se a cláusula-mandato, que viabiliza ao fornecedor agir como se fosse representante dos
interesses do consumidor, contraindo obrigações e deveres em seu nome. Veda-se, por exemplo, que haja
cláusula de mandato em contrato de abertura de conta corrente, a fim de possibilitar o banco a retirar valores
da conta para quitar contratos inadimplidos com o banco, assim como emitir títulos de crédito tendo o
devedor como sacado ou aceitante.

102
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

4.8. Inciso IX – Cláusulas Que Deixem Ao Fornecedor A Opção De Concluir Ou Não


O Contrato, Embora Obrigando O Consumidor

As cláusulas contratuais que deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora
obrigando o consumidor;
A cláusula de desistência só pode constar no contrato submetido ao CDC se for mútua, ou seja,
beneficie ambas as partes.

4.9. Inciso X – Cláusulas Que Permitam O Fornecedor Variação Do Preço De


Maneira Unilateral

As cláusulas contratuais que permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço


de maneira unilateral;
No contrato submetido ao CDC, a cláusula que represente os valores pagos (cláusula financeira), deve
ser definida ampla e de maneira exauriente no momento da assinatura do contrato, vedando-se alterações
em sua definição no curso da avença, mesmo que indiretas.
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Assim, não pode haver variação de quantidades no curso da relação contratual, nem de taxas de
juros ou correção monetária, nem a inclusão de rubricas a título de reequilíbrio econômico-financeiro do
pacto (ex: definição a posteriori da alíquota de comissão de permanência de acordo com uma “cesta” de
índices – Súmula 472 do STJ na parte em que estabelece que a comissão de permanência deve ser cobrada
“à taxa média de juros do mercado, limitada ao percentual previsto no contrato, e desde que não cumulada
com outros encargos moratórios”).
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4.10. Inciso XI – Cláusulas Que Autorizem O Fornecedor A Cancelar O Contrato


Unilateralmente, Sem Que Igual Direito Seja Conferido Ao Consumidor

As cláusulas contratuais que autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem


Maria -- CPF:

que igual direito seja conferido ao consumidor;


A resilição unilateral, assim como a desistência, só pode ser conferida de maneira mútua. Entretanto,
Oliveira Maria

a disposição do inciso X do CDC não é a única que estabelece controle sobre a cláusula que admite
cancelamento unilateral. Ao contrário, as disposições do microssistema consumerista não admitirão tal tipo
de Oliveira

de cláusula quando “coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou que sejam incompatíveis com
a boa-fé ou a equidade”, nos termos do já estudado inciso IV do art. 51.
Gisely de
Gisely

Dessa forma, especialmente quando se tratar de contrato relacional ou de duração prolongada, deve-
se analisar com cautela a validade da cláusula de cancelamento unilateral (ex: “É firme a orientação do
Superior Tribunal de Justiça no sentido de que a resilição unilateral do acordo, em se tratando de contrato
coletivo de plano de saúde, não é manto protetor às práticas abusivas e ilegais como o cancelamento
pleiteado no momento em que o segurado está em pleno tratamento.” – AgInt no AREsp 1.406.027 / SP)

4.11. Inciso XII – Cláusulas Que Obriguem O Consumidor A Ressarcir Os Custos De


Cobrança De Sua Obrigação, Sem Que Igual Direito Lhe Seja Conferido Contra o
Fornecedor

As cláusulas contratuais que obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua


obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;
Também a cláusula de ressarcimento de despesas de cobrança encontra-se submetida à reserva de
mutualidade. Ademais, a simples previsão de concessão de mesmo direito não reputa válida a cláusula de
ressarcimento, devendo-se apurar, no caso concreto, se a cláusula “colo(ca) o consumidor em desvantagem
exagerada, ou (é) incompatível(l) com a boa-fé ou a equidade”, nos termos do já estudado inciso IV do art.
51.

103
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

Sobre o tema, o STJ já considerou válida cláusula que permitia a cobrança de ressarcimento de
honorários advocatícios em contrato bancário: “(…) 3. À luz do princípio restitutio in integrum, consagrado
no art. 395 do Código Civil de 2002, imputa-se ao devedor a responsabilidade por todas as despesas a que
ele der causa em razão da sua mora ou inadimplemento, estando o consumidor, por conseguinte, obrigado
a ressarcir os custos decorrentes da cobrança de obrigação inadimplida. 4. Havendo expressa previsão
contratual, não se pode afirmar que a exigibilidade das despesas de cobrança em caso de mora ou
inadimplemento, ainda que em contrato de adesão, seja indevida, cabendo à instituição financeira apurar e
comprovar os danos e os respectivos valores despendidos de forma absolutamente necessária e razoável,
para efeito de ressarcimento. (…)” (REsp 1.361.699 / MG)

4.12. Inciso XIII – Cláusulas Que Autorizem O Fornecedor A Modificar


Unilateralmente O Conteúdo Ou A Qualidade Do Contrato, Após Celebração

As cláusulas contratuais que autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a


qualidade do contrato, após sua celebração;
Valem aqui as mesmas orientações que nas clausulas anteriores. Só é possível a cláusula de
modificação contratual que contemple ambas as partes. Além disso, a simples observância do inciso XIII do
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art. 51 não é suficiente para a validação de eventual alteração promovida durante a execução contratual.
Ao contrário, a situação deve ser analisada tendo em vista a vulnerabilidade do consumidor e tendo
em vista que o art. 6º, V, do CDC estabelece a prerrogativa de alteração contratual em benefício do
consumidor. Portanto, admitir que o fornecedor altere unilateralmente as disposições contratuais fundando-
se na mera possibilidade de o consumidor fazer o mesmo implicaria indevida alteração do sistema
consumerista, em flagrante proteção insuficiente à parte vulnerável da relação consumerista.
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4.13. Inciso XIV – Cláusulas Que Infrinjam Ou Possibilitem A Violação De Normas


Ambientais
Maria -- CPF:

As cláusulas contratuais que infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;


Trat-se de norma que alinha o sistema consumerista ao sistema de proteção ambiental constitucional
Oliveira Maria

(art. 225 da CF/88), reconhecendo a alta relevância da proteção do meio ambiente como direito
de Oliveira

constitucional difuso e, também, individual.


O microssistema consumerista contém normas de conteúdo individual e coletivo, determinando a
Gisely de

proteção ampla dos direitos do consumidor mediante necessária interveniência do estado para consecução
Gisely

das políticas públicas e direitos fundamentais (art. 4º, II, do CDC).


Dessa forma qualquer prática comercial ou disposição contratual que esteja em desalinho com o
sistema de proteção ambiental deve ser rechaçada, mesmo que sob uma perspectiva imediatista possa
aparentar benefício ao consumidor, haja vista que, em última instância, a violação ao meio ambiente termina
por prejudicar toda a sociedade, inclusive as gerações vindouras.

4.14. Inciso XV – Cláusulas Que Estejam Em Desacordo Com O Sistema De


Proteção Ao Consumidor

As cláusulas contratuais que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;


Como destacado no princípio da análise do dispositivo, o inciso XIV, ao lado do inciso IV e do §1º,
representa o caráter enumerativo do rol de cláusulas abusivas, na medida em que funciona como cláusula
geral de controle de validade das cláusulas em contratos consumeristas. Tais alternativas permitem que o
direito acompanhe a evolução da sociedade, sem necessidade de alteração legislativa e respeitando o caráter
principiológico das normas consumeristas.

104
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

4.15. Inciso XVI – Cláusulas Que Possibilitem a Renúncia Do Direito De


Indenização Por Benfeitorias Necessárias

As cláusulas contratuais que possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias


necessárias.
O conceito de benfeitorias necessárias encontra-se insculpido no art. 96, §3º, do CC/02. A cláusula
de renúncia antecipada de benfeitorias necessárias é fator que evidencia desequilíbrio na relação contratual.
Embora comum nos contratos de locação urbana, o entendimento jurisprudencial de que não se aplica o CDC
ao contrato de locação implica na validação de tais cláusulas quando inseridas neste tipo de avença (REsp
575.020 / RS).

4.16. Inciso XVII – Cláusulas Que Condicionem ou Limitem de Qualquer Forma o


Acesso aos Órgãos do Poder Judiciário

Trata-se de cláusula abusiva inserida pela Lei nº 14.181 de 2021, cujo conteúdo já vinha sendo
reputado ilícito com base nas cláusulas gerais de controle, em especial diante da sua incompatibilidade com
o art. 5º, XXXV da CRFB/88, que estabelece o princípio do amplo acesso à justiça como direito fundamental
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e impede que dispositivos legais ou contratuais estabeleçam barreiras não previstas pela própria CRFB/88 ao
acesso ao Poder Judiciário.
De fato, há muito é uníssona a jurisprudência do STF no sentido de que “(...) em obediência ao inc.
XXXV do art. 5º da Constituição da República, a desnecessidade de prévio cumprimento de requisitos
desproporcionais ou inviabilizadores da submissão de pleito ao Poder Judiciário.” (ADI 2.139 e ADI 2.160, rel.
min. Cármen Lúcia, j. 1º-8-2018, P, DJE de 19-2-2019.)
Tal previsão dialoga com o inciso VII deste mesmo art. 51 do CDC, que veda a previsão de utilização
CPF: 778.558.762-00

compulsória de arbitragem, tendo ambos por pano de fundo a vedação de que contratos de consumo
possuam disposições que embarguem o direito do consumidor de acessar o judiciário em busca da efetivação
de seus direitos.
Entretanto, na esteira da já mencionada jurisprudência do STJ, a exigência de que o consumidor
Maria -- CPF:

oportunize ao fornecedor a reparação do vício do produto no prazo de trinta dias previsto no §1º do art. 18
do CDC não viola a cláusula de amplo acesso à justiça (REsp 1.520.500 / SP).
Oliveira Maria

Portanto, somente se mostram compatíveis com o ordenamento constitucional as cláusulas que


de Oliveira

restrinjam o acesso à justiça e possuam fundamento direto no texto da carta magna (ex: art. 217, §1º da
CRFB/88) ou as que se fundamentam em texto de lei considerado compatível com o conjunto de garantias e
direitos previsto na CRFB/88.
Gisely de
Gisely

4.17. Inciso XVIII – Cláusulas Que Estabeleçam Prazos de Carência em Caso de


Impontualidade (...) ou impeçam o Restabelecimento Integral dos Direitos do
Consumidor e de Seus Meios de Pagamento a partir da Purgação da Mora ou do
Acordo com os Credores

Cuida-se de disposição legal também inserida pela Lei nº 14.181 de 2021 em sintonia com o espírito
da reforma que objetiva a tutela do superendividamente, garantindo que cláusulas contratuais não
prejudiquem a eficácia dos procedimentos extrajudiciais e judiciais trazidos pelos arts. 104-A e 104-B do CDC,
estudados adiante.
Busca-se impedir que determinados fornecedores se utilizem de cláusulas contratuais para
“aprisionar” o consumidor na situação de inadimplência, exercendo posição abusiva que impeça o
estabelecimento de plano que permita o superamento da situação de superendividamento, uma vez que tal
circunstância promove a “exclusão social do consumidor”, conforme reconhecido no inciso X do art. 4º do
CDC.

105
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

As cláusulas de carência estabelecem espécie de punição ao consumidor inadimplente que se


estende para além do período de inadimplência, suspendendo os direitos conferidos pelo contrato como
forma de:

5. CONTROLE DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

O art. 51, §4º, do CDC estabelece que é facultado a qualquer consumidor ou entidade que o
represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de
cláusula contratual que contrarie o disposto no CDC ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio
entre direitos e obrigações das partes.
Trata-se de disposição que estabelece importante canal para que o Ministério Público atue para que
seja declarada nulidade de cláusula contratual que contrarie os preceitos do CDC, ou mesmo o equilíbrio
entre direitos e obrigações das partes. A atuação do MP, nestas hipóteses, é tida como espécie de controle
administrativo, o qual pode se dar de maneira abstrata (denúncia realizada por consumidor que não aderiu
ao contrato) ou concreta (quando o consumidor já aderiu ao contrato que contém as cláusulas abusivas).
Nota-se que o exercício do controle das cláusulas contratuais se dá incidentalmente e por provocação
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do consumidor, de modo que não há de se falar em controle de ofício prévio e abstrato de cláusulas pelo MP
na sistemática do CDC, tendo em vista, ainda, o veto ao disposto nos arts. 51, §3º e 54, §4º.
A atuação do MP depende da conformidade entre a situação jurídica e a sistemática coletiva presente
nos arts. 81 e seguintes do CDC, aliada à demonstração de indisponibilidade do direito ou de interesse público
ou relevância social do interesse, na esteira do que prevê o art. 127 da CF/88 (RE 500.879 - AgR, rel. Min.
Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 26-05-2011; RE 472.489-AgR, rel. Min. Celso De Mello, Segunda Turma,
CPF: 778.558.762-00

DJe de 29-08-2008 e REsp 1681690 / SP).

6. CONTRATOS QUE ENVOLVAM OUTORGA DE CRÉDITO OU FINANCIAMENTO


Maria -- CPF:

O art. 52 do CDC estabelece que: “no fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de
crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá informar, prévia e
Oliveira Maria

adequadamente, o consumidor sobre:


de Oliveira

Preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;


• Montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

Gisely de

Acréscimos legalmente previstos;


Gisely

• Número e periodicidade das prestações;


• Soma total a pagar, com e sem financiamento.”
Trata-se de disposição que impõe padrão mínimo de transparência nos contratos que envolvam
outorga de crédito. Busca-se conferir ao consumidor acesso a informação adequada, que lhe permita sopesar
satisfatoriamente o custo do crédito que irá adquirir, visando coibir a prática de oferta abusiva que conduza
ao superendividamento, fenômeno que será objeto de estudo detido adiante.
Ainda sobre o tema dos contratos financeiros, o §1º do art. 52 estabelece que “as multas de mora
decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do
valor da prestação.” Cuida-se de patamar máximo aplicável às cláusulas penais moratórias em contratos
consumeristas.
De acordo com a própria lógica do art. 411 do CC/02, o dispositivo do §1º do art. 52 destaca
expressamente que o percentual moratório deve incidir apenas sobre o “valor da prestação”, vedando-se a
incidência sobre o valor total do contrato.
Embora prevista no CDC apenas para contratos de concessão de crédito, o STJ entende que a
limitação da multa de mora a dois por cento da prestação se aplica a todos os contratos consumeristas
(REsp 436.224 / DF). Entretanto, o STJ tem admitido a pactuação de “desconto de pontualidade” que

106
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

corresponda a percentual maior do que o de dois por cento e que é cumulável com a multa de mora, por se
tratar de sanção premial, de natureza diversa das penalidades por inadimplemento. (REsp 1.424.814 / SP)
De outro lado, de acordo com o art. 52, §2º, é assegurado ao consumidor a liquidação antecipada do
débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos. Ou seja, se o
consumidor pagar antecipadamente a instituição financeira deverá reduzir os juros e demais acréscimos que
incidiriam nas parcelas ainda não vencidas, proporcionalmente ao tempo de antecipação.
Por fim, o §3º diz que os contratos em prestações serão expressos em moeda corrente nacional.
Entretanto, o STJ entende que “É válido o contrato celebrado em moeda estrangeira desde que no momento
do pagamento se realize a conversão em moeda nacional.” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 48,
afirmação 5).
Rememore-se, no particular, que o STJ entende que o CDC é aplicável às instituições financeiras,
conforme Súmula 297. Sobre o tema, destacam-se os seguintes precedentes:

6.1. Capitalização dos juros

A Súmula 539 do STJ dispõe que “é permitida a capitalização de juros com periodicidade inferior à
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anual em contratos celebrados com instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional a partir de
31/3/2000, desde que expressamente pactuada”. Quanto à previsão contratual, destaque-se que a Súmula
541 do STJ afirma que “a previsão no contrato bancário de taxa de juros anual superior ao duodécuplo da
mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual contratada.”
Entretanto, recentemente o STJ definiu que “Na hipótese em que pactuada a capitalização diária de
juros remuneratórios, é dever da instituição financeira informar ao consumidor acerca da taxa diária
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aplicada” (REsp 1.826.463 / SC). Portanto, nos casos da pactuação de capitalização diária, não basta a simples
divergência entre a taxa efetiva mensal superior a 30 vezes a taxa diária, devendo-se informar expressamente
a taxa diária.

6.2. Comissão de permanência


Maria -- CPF:
Oliveira Maria

A comissão de permanência é um percentual cobrado pelas instituições financeiras no caso de


inadimplemento contratual enquanto o devedor não quitar sua obrigação. Em outras palavras, trata-se de
de Oliveira

encargo cobrado por dia de atraso no pagamento de débitos junto a instituições financeiras. A comissão de
permanência foi instituída por meio da Resolução 15/1966, do Conselho Monetário Nacional – CMN.
Gisely de

Atualmente, a Resolução 1.129/1986 do CMN rege o tema.


Gisely

Com o fim de disciplinar a comissão de permanência, o STJ editou a Súmula 472 que afirma que: “a
cobrança de comissão de permanência – cujo valor não pode ultrapassar a soma dos encargos
remuneratórios e moratórios previstos no contrato – exclui a exigibilidade dos juros remuneratórios,
moratórios e da multa contratual.” Dessa forma, ou se cobra a comissão de permanência, ou se cobra os
demais encargos previstos no contrato. Portanto, a comissão de permanência não pode ser acumulada com
os seguintes encargos: Juros remuneratórios; Correção monetária; Juros moratórios; ou multa moratória.
Outras súmulas que tratam sobre o tema:

• Súmula 30 do STJ: “A comissão de permanência e a correção monetária são inacumuláveis”.

• Súmula 294 do STJ: “Não é potestativa a cláusula contratual que prevê a comissão de
permanência, calculada pela taxa média de mercado apurada pelo Banco Central do Brasil,
limitada à taxa do contrato”.

• Súmula 296 do STJ: “Os juros remuneratórios, não cumuláveis com a comissão de permanência,
são devidos no período de inadimplência, à taxa média de mercado estipulada pelo Banco Central
do Brasil, limitada ao percentual contratado”.

107
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

6.3. Juros

Nos termos da súmula 382 do STJ: "A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano,
por si só, não indica abusividade", pois “As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros
remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto n. 22.626/33)” (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do
CPC/73 – TEMA 24).
Ademais, o STJ entende que “O simples fato de os juros remuneratórios contratados serem
superiores à taxa média de mercado, por si só, não configura abusividade.” (Jurisprudência em Teses do
STJ, edição nº 48, afirmação 8). Portanto, a abusividade das taxas de juros só pode ser reconhecida diante de
flagrante discrepância entre a estipulação e a taxa média, nos termos do seguinte precedente: “É admitida a
revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de
consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1 º,
do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto. (Tese julgada
sob o rito do art. 543-C/1973 – Tema 27)”. De todo modo, mesmo que reconhecida a abusividade, o STJ
entende que “É inviável a utilização da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia –
SELIC como parâmetro de limitação de juros remuneratórios dos contratos bancários.” (Jurisprudência em
Teses do STJ, edição nº 48, afirmação 1)
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Ademais, quando ausente estipulação de taxa de juros, o STJ entende que: “nos contratos bancários,
na impossibilidade de comprovar a taxa de juros efetivamente contratada - por ausência de pactuação ou
pela falta de juntada do instrumento aos autos -, aplica-se a taxa média de mercado, divulgada pelo Bacen,
praticada nas operações da mesma espécie, salvo se a taxa cobrada for mais vantajosa para o devedor.
(Súmula n. 530/STJ) (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 - TEMA 233)”. Sobre o tema da
ausência de estipulação de taxas, ainda afirma o STJ que “São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos
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contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02. (Tese julgada sob rito do art.
543-C do CPC/1973 - Tema 26)”
Entretanto, especificamente quanto às cédulas de crédito rural, comercial e industrial, o STJ entende
que “As cédulas de crédito rural, comercial e industrial submetem-se a regramento próprio (Lei n. 6.840/1980
Maria -- CPF:

e Decreto-Lei n. 413/1969), que confere ao Conselho Monetário Nacional - CMN o dever de fixar os juros a
serem praticados; no entanto, havendo omissão desse órgão, adota-se a limitação de 12% ao ano prevista
Oliveira Maria

no Decreto n. 22.626/1933 (Lei de Usura).” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 83, afirmação 14).
Entretanto, a jurisprudência do STJ ressalta que “A legislação sobre cédulas de crédito rural admite o pacto
de Oliveira

de capitalização de juros em periodicidade inferior à semestral. (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do
CPC/73 – TEMA 654)”
Gisely de
Gisely

Vale relembrar, ademais, que a estipulação de juros superiores a 12% ao ano só é admitida para
instituições financeiras, destacando o STJ que “Instituição não financeira – dedicada ao comércio varejista
em geral – não pode estipular, em suas vendas a crédito, pagas em prestações, juros remuneratórios
superiores a 1% ao mês, ou a 12% ao ano.” (REsp 1.720.65 / MG)

6.4. Cobrança indevida pela emissão de boletos bancários

A cobrança pelos bancos de tarifa em razão de emissão de boleto bancário constitui enriquecimento
indevido, pois os bancos já são remunerados pela tarifa interbancária (REsp 1.568.940 / RJ). Entretanto, no
caso em que foi concedido ao consumidor a opção pela realização de pagamento pelo dinheiro, cartão ou
boleto bancário, não é abusiva a cobrança do consumidor para a emissão do boleto, quando o valor que o
fornecedor cobra para fornecer o boleto corresponder exatamente ao valor que o fornecedor pagou à
instituição financeira pela emissão do boleto.

6.5. Repasse de encargos tributários

Em geral, a jurisprudência do STJ tem chancelado a realização de tais repasses: A) É legítima a


incidência de ISS sobre os serviços bancários congêneres da lista anexa ao DL n. 406/1968 e à LC n. 56/1987.

108
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

(Súmula n. 424 do STJ) (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do CPC/73 TEMA 132); B) Podem as partes
convencionar o pagamento do Imposto sobre Operações Financeiras e de Crédito (IOF) por meio de
financiamento acessório ao mútuo principal, sujeitando-o aos mesmos encargos contratuais. (Tese julgada
sob o rito do art. 543-C do CPC/1973 - Tema 621)

6.6. Retenção salarial

O art. 1º, §1º, da Lei nº 10.820/03, na redação dada pela Lei nº 13.172/15, estabelece que “o limite
máximo de amortização de operações de crédito nos proventos e/ou benefícios dos servidores públicos
federal, dos trabalhadores regidos pela CLT e dos aposentados do INSS, é de 35%, dos quais 5%
exclusivamente para despesas e saques com cartão de crédito”. Nota-se que o STJ entende que tal limite não
é aplicável aos descontos que o consumidor voluntariamente adere em sua conta corrente, conforme
entendimento firmado no REsp nº 1.555.722 / SP, ocasião em que foi cancelada a súmula 603 do STJ.

6.7. Exclusão de mora e questionamento judicial

Entende o STJ que “O reconhecimento da abusividade nos encargos exigidos no período da


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normalidade contratual” (juros remuneratórios e capitalização) descaracteriza a mora. (Tese julgada sob o
rito do art. 543-C do CPC/73 - TEMA 28). Entretanto, “A simples propositura da ação de revisão de contrato
não inibe a caracterização da mora do autor.” (Súmula n. 380/STJ) (Tese julgada sob o rito do art. 543-C do
CPC/73 - TEMA 29). De todo modo, “É possível a revisão de contratos bancários extintos, novados ou
quitados, ainda que em sede de embargos à execução, de maneira a viabilizar, assim, o afastamento de
eventuais ilegalidades, as quais não se convalescem.” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 83,
afirmação 10)
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6.8. Instituições equiparadas

De acordo com entendimento do STJ, são equiparadas às instituições financeiras para efeito de
Maria -- CPF:

tratamento jurídico: A) “As empresas administradoras de cartão de crédito são instituições financeiras e, por
isso, os juros remuneratórios por elas cobrados não sofrem as limitações da Lei de Usura.” (Súmula n.
Oliveira Maria

283/STJ); B) As cooperativas de crédito e as sociedades abertas de previdência privada são equiparadas a


instituições financeiras, inexistindo submissão dos juros remuneratórios cobrados por elas às limitações da
de Oliveira

Lei de Usura. (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 48, afirmação 16)


Gisely de

7. CLÁUSULAS DE DECAIMENTO E CONTRATOS DE COMPRA E VENDA DE


Gisely

IMÓVEIS

Afirma o art. 53 que: “nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento
em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as
cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do
inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”
Tais cláusulas são doutrinariamente denominadas de “cláusulas de decaimento”, quando instituídas
no sentido de conceder ao fornecedor o direito de retenção integral de pagamentos em caso de resilição
contratual promovida pelo consumidor, seja através de cláusula penal ou da combinação dela com a previsão
de outras hipóteses, como a retenção de arras.
Em geral, a jurisprudência pátria não compactua com cláusulas penais que estabelecem a perda
integral de valores como cláusula penal em caso de resilição contratual efetivada pelo consumidor, tendendo
a autorizar a retenção de apenas uma parcela dos valores pagos a título de punição (ex: Jurisprudência em
Teses do STJ, edição nº 110, afirmação 6: “No caso de rescisão de contratos envolvendo compra e venda de
imóveis por culpa do comprador, é razoável ao vendedor que a retenção seja arbitrada entre 10% e 25%
dos valores pagos, conforme as circunstâncias de cada caso, avaliando-se os prejuízos suportados.”)

109
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

Quanto a compra e venda de imóveis, a Súmula 543 do STJ afirma que “Na hipótese de resolução de
contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve
ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de
culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem
deu causa ao desfazimento.”
Portanto, mostra-se legítima a pretensão de resilição contratual do consumidor quanto ao
compromisso de compra e venda de unidade imobiliária, encontrando-se vedada a retenção integral de
valores pela construtora. Entretanto, deve-se observar, em relação à compra e venda de imóvel, que a Lei nº
13.786/18, denominada “Lei do Distrato”, alterou substancialmente o quadro delineado pelos precedentes
supracitados, em especial quanto ao percentual de retenção, ao prazo para devolução e às cláusulas penais,
encontrando sua aplicação circunscrita aos contratos que foram firmados após a sua publicação, nos termos
da jurisprudência do STJ.
Sobre as inovações da nova lei, destaque-se:
A) Regulamentação específica do “quadro-resumo” (Art. 35-A, Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de
1964);
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B) Legalização da Cláusula de Tolerância e Estabelecimento de Cláusula Penal Moratória em benefício


do consumidor, a qual não é cumulável com lucros cessantes (Art. 43-A, Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de
1964). A cláusula de tolerância já tinha sua legalidade chancelada pelo STJ (REsp 1.582.318 / RJ), enquanto a
cláusula penal moratória em favor do consumidor vinha sendo obtida através da inversão (REsp 1.498.484 /
DF e REsp 1.631.485 / DF – Tema 971);
C) Consequências do “Distrato” (Art. 67-A, Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964) – Consumidor
perde: 1) integralidade da comissão de corretagem; 2) a pena convencional, que não poderá exceder a 25%
CPF: 778.558.762-00

(vinte e cinco por cento) da quantia paga (50% em caso de patrimônio de afetação); 3) 0,5% (cinco décimos
por cento) sobre o valor atualizado do contrato, pro rata die em caso de imissão (O percentual da perda em
caso de imóveis com patrimônio de afetação constituído sobeja o limite de 25% que o STJ admitia);
Maria -- CPF:

D) Prazos para restituição: 30 (trinta) dias após o habite-se se tiver patrimônio de afetação e 180
(cento e oitenta) dias, contado da data do desfazimento do contrato se não tiver. Entretanto, 30 (trinta) dias
Oliveira Maria

da revenda se esta ocorre (Cancela o entendimento de restituição imediata contido na Súmula 543 do STJ);
de Oliveira

E) Regulamentação da taxa de ocupação de “0,5% (cinco décimos por cento) sobre o valor atualizado
do contrato, pro rata die”, que deve ser paga pelo consumidor que promove a resilição do contrato após
ocupar o bem (Art. 67-A, Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964). Tal reparação já vinha sendo deferida
Gisely de
Gisely

pelo STJ (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 107, afirmação 7);


F) Concessão de Direito de Arrependimento nos mesmos moldes do art. 49 do CDC, embora
condicionado a envio de “carta registrada, com aviso de recebimento” (Art. 67-A, §§10º e 11º, da Lei nº
4.591/64).
De outro lado, quando há atraso da construtora, o consumidor pode pleitear a rescisão contratual
com a devolução integral de valores, inclusive os pagos a título de correção monetária, ou manter o
cumprimento contratual, valendo dizer que, se exigido o cumprimento contratual com reparação de perdas
e danos, não é possível a compensação cumulada através de cláusula penal e lucros cessantes, conforme
entendimento do STJ: “A cláusula penal moratória tem a finalidade de indenizar pelo adimplemento tardio
da obrigação, e, em regra, estabelecida em valor equivalente ao locativo, afasta-se sua cumulação com lucros
cessantes. Ademais, a doutrina amplamente majoritária anota a natureza eminentemente indenizatória da
cláusula penal moratória quando fixada de maneira adequada.” (REsp 1.498.484-DF e REsp 1.631.485-DF -
Tema 971).
Em optando o consumidor pela reparação de lucros cessantes, destaque-se que o STJ entende que
“Há presunção de prejuízo do promitente comprador a viabilizar a condenação por lucros cessantes pelo
descumprimento do prazo para entrega de imóvel objeto de contrato de compromisso de compra e venda
ou de compra e venda.” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 107, afirmação 4) sendo que “A

110
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

indenização deferida a título de lucros cessantes em decorrência do atraso na entrega de imóvel objeto de
contrato de compra e venda será o montante equivalente ao aluguel que o comprador deixaria de pagar
ou que auferiria caso recebesse a obra no prazo.” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 110, afirmação
3).
Ademais, nos termos da jurisprudência do STJ: “Em caso de rescisão de contrato de compra e venda
de imóvel, a correção monetária do valor correspondente às parcelas pagas, para efeitos de restituição, I
ncide a partir de cada desembolso.” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 107, afirmação 5). Ainda,
“Na hipótese de rescisão do contrato de promessa de compra e venda de imóvel por iniciativa do comprador,
os juros de mora devem incidir a partir do trânsito em julgado, visto que inexiste mora anterior do
promitente vendedor.” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 110, afirmação 5).
Visando assegurar a observância dos comandos da nova lei, o STJ firmou entendimento no sentido
de que “Nos contratos firmados na vigência da Lei n. 13.786/2018, é indevida a intervenção judicial para
vedar o abatimento das despesas de corretagem, desde que esteja especificada no contrato, inclusive no
quadro-resumo. (REsp 1.947.698 / MS)
Quanto ao financiamento dos contratos de compromisso de compra e venda imobiliária, releva notar
que o STJ admite a incidência de “juros no pé”, conforme entendimento: “Não é abusiva a cláusula de
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cobrança de juros compensatórios incidente em período anterior à entrega das chaves no contrato de
promessa de compra e venda ou de compra e venda de imóveis em construção sob o regime de incorporação
imobiliária.” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 107, afirmação 6). Entretanto, “a hipoteca firmada
entre a construtora e o agente financeiro, anterior ou posterior à celebração da promessa de compra e venda,
não tem eficácia perante os adquirentes do imóvel” (Súmula nº 308 do STJ).
Quanto aos encargos cobrados, o STJ entende que “É abusiva a cobrança pelo promitente-vendedor
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do serviço de assessoria técnico-imobiliária ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa


de compra e venda de imóvel” (Tese julgada sob o rito do art. 1.036 do CPC/2015 – TEMA 938 – parte final).
Entretanto, “É válida cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a
comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime
de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade
Maria -- CPF:

autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.” (Tese julgada sob o rito do art. 1.036 do
CPC/2015 – TEMA 938 – segunda parte)
Oliveira Maria

Destaca-se, por fim, que “A pretensão ao recebimento de valores pagos, que não foram restituídos
de Oliveira

diante de rescisão de contrato de compra e venda de imóvel, submete-se ao prazo prescricional decenal
previsto no art. 205 do Código Civil/2002.” (Jurisprudência em Teses do STJ, edição nº 110, afirmação 3).
Gisely de

Ainda, sobre prazos prescricionais: “Incide a prescrição trienal sobre a pretensão de restituição dos valores
Gisely

pagos a título de comissão de corretagem ou de serviço de assistência técnico-imobiliária (SATI), ou


atividade congênere (artigo 206, §3º, IV, CC).” (Tese julgada sob o rito do art. 1036 do CPC/2015 – TEMA 938
– primeira parte).

8. CONTRATOS DE CONSÓRCIO

O art. 53, §2º, dispõe que: “nos contratos do sistema de consórcio de produtos duráveis, a
compensação ou a restituição das parcelas quitadas terá descontada, além da vantagem econômica auferida
com a fruição, os prejuízos que o desistente ou inadimplente causar ao grupo.”
A norma consumerista atenta para as peculiaridades do sistema de aquisição por consórcio, regido
pela Lei nº 11.795/08, em especial o prejuízo gerado por um dos integrantes do grupo no momento da
desistência.
Sobre o tema, o STJ entende que: 1) É lícito condicionar a devolução das parcelas pagas pelo
desistente ao prazo de até 30 dias do encerramento do grupo/plano (REsp 1.256.998 / GO); 2) “Incide
correção monetária sobre as prestações pagas, quando de sua restituição, em virtude da retirada ou exclusão
do participante de plano de consórcio” (Súmula 35 do STJ); e 3) “As administradoras de consórcio têm

111
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

liberdade para estabelecer a respectiva taxa de administração, ainda que fixada em percentual superior a
dez por cento.” (Súmula 538 do STJ)

9. CONTRATOS DE ADESÃO

O art. 54 do CDC estabelece regime protetivo relativo aos contratos de adesão que se submetam à
disciplina protetiva do microssistema consumerista. Em seu caput, o dispositivo define tal contrato como
“aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas
unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou
modificar substancialmente seu conteúdo.”
Portanto, a formação do contrato de adesão dispensa a fase pré-contratual, sendo tal tipo de
contrato marcado por três principais características: A) predeterminação: seu conteúdo já é dado pelo
fornecedor de antemão ao consumidor; B) uniformidade: as cláusulas e disposições do contrato de adesão
são as mesmas para todos os consumidores; C) rigidez: não há margem para que o consumidor discuta o
conteúdo contratual, visando colher melhores condições em seu benefício.
Nota-se que, nos termos do §1º do art. 54: “A inserção de cláusula no formulário não desfigura a
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natureza de adesão do contrato.” Ademais, o §2º do art. 54 estabelece a legalidade das cláusulas resolutórias
no contrato de adesão “desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor”. Lembre-se que o art.
51, XI, estabelece a ilegalidade da cláusula resolutória aposta apenas em benefício do fornecedor.
Dado o potencial violador de direitos e a ausência de poder de barganha do consumidor, o §3º do
art. 54 determina que “os contratos de adesão escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres
ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua
compreensão pelo consumidor.” Nota-se que se trata de imposição que deriva dos princípios da
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transparência, da informação e da boa-fé objetiva, a qual, em linha com o art. 46 do CDC, impede que
disposições obscuras e de cabeçalho restrinjam direitos do consumidor sem que ele seja informado
adequadamente.
Maria -- CPF:

E importante ressaltar que o STJ já decidiu que a disposição relativa ao tamanho da fonte (corpo
doze) não se aplica às peças publicitárias veiculadas pelos fornecedores (REsp 1.602.678 / RJ).
Oliveira Maria

Por fim, há de se destacar que o simples fato de o contrato ser reputado como de adesão não implica
de Oliveira

na vedação de existência de disposições que restrinjam direitos do consumidor durante a execução


contratual, sob pena de se inviabilizar a oferta de serviços e produtos no mercado. Nesse sentido, o §4º do
art. 54 afirma que: “as cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas
Gisely de
Gisely

com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”


Logo, as cláusulas restritivas devem possuir destaque em relação às demais cláusulas contratuais,
indicando com clareza quais os direitos alvo de limitação e a forma exata com que tal restrição acontece,
tudo de maneira que permita imediata e fácil compreensão por parte do consumidor. Sobre o tema, o STJ já
decidiu que não atende o disposto no §4º do art. 54 a cláusula que é escrita em negrito quando outras
cláusulas ordinárias do contrato também tomarem tal forma (REsp 774.035 / MG).
São nulas as cláusulas que não atendam aos comandos do art. 54, §§2º a 4º, tendo em vista sua
notória desconformidade com o sistema de proteção ao consumidor, nos termos do art. 51, XV do CDC (REsp
814060 / RJ).

10. SUPERENDIVIDAMENTO

10.1. Conceito

O superendividamento pode ser conceituado como um estado patrimonial da pessoa física que
contrai crédito de boa-fé mas que, no momento do adimplemento, não consegue saldar todas as suas

112
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

dívidas, tendo em vista que a sua renda e o seu patrimônio são insuficientes para adimpli-las no termo
estabelecido.
A doutrina classifica o superendividamento em: 1) ativo: quando o consumidor se endivida
voluntariamente, utilizando-se do crédito pelo fato do impulso e do apelo comercial das empresas
fornecedoras do crédito. Subdivide-se em superendividado ativo consciente e inconsciente: O consciente
(1.1) ocorre quando o consumidor age de má-fé no momento que contrai as dívidas, ou seja, ele sabe que
não conseguirá honrar com as suas contas, a sua intenção é não as pagar. Já o superendividado ativo
inconsciente (1.2), embora haja de maneira impulsiva e irresponsável, não o faz propositalmente, de forma
maliciosa, endividando-se por pura inconseqüência ou ignorância, mas não com a intenção de não honrar
com os compromissos assumidos. 2) Superendividamento passivo: ocorre quando o consumidor se endivida
devido a fatores alheios a sua vontade, os quais são imprevistos. Estes fatores não aconteceram pela má
gestão, nem tampouco pela má-fé do consumidor, mas sim devido às fatalidades que o acometeram durante
a sua trajetória, como exemplo: o desemprego, as doenças, caso de morte na família, redução brusca de
salário, divórcio ou outro fator que torne a sua situação desfavorável.
Antes de seu tratamento legal, o superendividamento já vinha sendo enfrentado pela jurisprudência
em diversos casos concretos, valendo mencionar a questão relativa aos descontos bancários consignados
e/ou na conta-salário e a teoria do mínimo existencial (REsp 1584501 / SP e REsp 1.834.231 / MG, este último
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declarando a impenhorabilidade do auxílio-emergencial) e na revogação da Súmula 603/STJ no REsp 1555722


/ SP e na construção da Teoria do Patrimônio Mínimo.
Quanto a estes temas, o STJ se pronunciou em sede de Recurso Repetitivo (Tema 1085) no sentido
de que, inobstante a previsão do tratamento do superendividamento, “São lícitos os descontos de parcelas
de empréstimos bancários comuns em conta-corrente, ainda que utilizada para recebimento de salários,
desde que previamente autorizados pelo mutuário e enquanto esta autorização perdurar, não sendo
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aplicável, por analogia, a limitação prevista no §1º do art. 1º da Lei n. 10.820/2003, que disciplina os
empréstimos consignados em folha de pagamento. (REsp 1.863.973-SP)
Portanto, atualmente, não há mais de se falar em aplicação analógica da limitação dos descontos
diretos em conta-corrente em 40% (quarenta por cento), utilizando-se por analogia o comando do art. 1º,
Maria -- CPF:

§1º da Lei n. 10.820/2003 ou em 45% (quarenta e cinco por cento) utilizando-se por analogia o comando do
art. 2º, p.u. da Lei nº 14.509/22.
Oliveira Maria

Com o advento do tratamento legal, com a publicação da Lei nº 14.181, de 2021, o Código de Defesa
de Oliveira

do Consumidor passou fornecer diretrizes legais para o tratamento da questão, tendo o legislador cuidado
do tema de maneira global, enfrentando o superendividamento em sede pré-contratual (oferta do crédito),
Gisely de

contratual e pós contratual (cobrança extrajudicial e judicial).


Gisely

O contexto fático que tornou o superendividamento matéria sensível e de discussão doutrinária e


jurisprudencial contínua está diretamente ligado ao fato de que a maioria das famílias brasileiras encontra-
se endividada, fenômeno agravado após a crise econômica vivida no período pós-201551.
Em geral, aponta-se como origem do crescimento substancial do nível de endividamento das famílias
e, por consequência, do número de consumidores superendividados, a facilitação do acesso ao crédito não
responsável, a promoção publicitária indiscriminada, a massificação do consumo e a realidade brasileira
de baixa poupança.
O quadro de superendividamento gera severas consequências de ordem pessoal ao consumidor, que
se vê psicologicamente premido ao pagamento dos encargos das dívidas e, ao mesmo tempo, asfixiado em
sua capacidade de custeio de despesas básicas para provimento de sua sobrevivência. Além disso, também
resulta em problemas socioeconômicos ligados ao aumento do “spread” bancário para compensação de

51
Em Novembro de 2021 pesquisa conduzida pela Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo apontou que 74,6%
dos grupos familiares no país possuíam dívidas a vencer nos próximos meses
(https://agenciabrasil.ebc.com.br/economia/noticia/2021-11/cnc-endividamento-das-familias-atinge-maior-patamar-em-quase-12-
anos).

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

perdas ligadas à inadimplência, à majoração dos preços em setores expostos ao crédito para efeitos
compensatórios e, consequentemente, à redução do consumo e do crescimento econômico.
A regulamentação legal, com o advendo da Lei nº 14.181, de 2021, que alterou o CDC para
tratamento da questão, estabeleceu que “Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta
de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e
vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação.” (Art. 54-A, §1º do
CDC)
De acordo com Cláudia Lima Marques: “Os elementos dessa definição são subjetivos, materiais e
finalísticos.
Subjetivos ou ratione personae: trata-se de noção que beneficia somente consumidores
superendividados, pessoas naturais, sejam profissionais ou não, isto é, devem ser consumidores stricto sensu
destinatários finais (Art. 2º do CDC) ou equiparados (Parágrafo único do Art. 2, Art. 17 e Art. 29 do CDC). (...)
Ratione materiae os novos capítulos somente se aplicam: às dívidas de consumo, exigíveis ou vincendas.
(...) Realmente há assim um elemento finalístico na definição de superendividamento que é o objetivo de
preservar o mínimo existencial.52”
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No que tange o elemento subjetivo, não há dúvidas de que somente o consumidor pessoa física
pode ser considerada superendividada, uma vez que à pessoa jurídica foi destinado o tratamento da falência
e da recuperação judicial, nos termos da Lei nº 11.101/05. Contudo, o legislador consignou de forma expressa
a ressalva de que o consumidor intermediário, assim entendido como a pessoa física que não se configura
como destinatária final econômica dos produtos ou serviços, pode ser considerada superendividada.
Destarte, é possível que determinado fornecedor pessoa física seja considerado superendividado,
como ocorre, por exemplo, no caso da caminhoneira que adquire um caminhão para exercer sua atividade
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profissional e torna-se superendividada, entre outros, em decorrência do financiamento de seu veículo ou


de sua atividade comercial.
Ademais, também o elemento subjetivo também encontra-se ligado ao elemento volitivo do
Maria -- CPF:

consumidor ao contrair o débito, determinando que somente a operação creditícia contratada de boa-fé
deve ser considerada para efeito de aplicação das regras do superendividamento. Exclui-se, portanto, o
Oliveira Maria

débito na modalidade ativa consciente, em contrariedade à boa-fé objetiva.


de Oliveira

Quanto ao aspecto material, há de se notar que somente os “compromissos financeiros assumidos


decorrentes de relação de consumo” podem fazer parte da totalização de débitos para efeito de apuração
de quadro de superendividamento.
Gisely de
Gisely

O conceito foi especificado pelo art. 2º, parágrafo único do Decreto nº 11.150/22, que estabeleceu
que “consideram-se dívidas de consumo os compromissos financeiros assumidos pelo consumidor pessoa
natural para a aquisição ou a utilização de produto ou serviço como destinatário final”, o que demanda, de
pronto, a exclusão de dívidas que o consumidor possa ter vinculadas à atividade comercial que exerça,
ressalvadas, como visto, as hipóteses de consumo intermediário vista acima.
O legislador houve por bem excluir expressamente do regramento “(as) dívidas (que) tenham sido
contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito
de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de
alto valor” (Art. 54-A, §3º do CDC).
Note-se que dívidas contraídas de má-fé ou fraude ou “dolosamente com o propósito de não realizar
o pagamento” já estariam normalmente excluídas do conceito em razão do elemento subjetivo atelado à
boa-fé objetiva.

52
Comentários à Lei 14.181/2021 [livro eletrônico] : a atualização do CDC em matéria de superendividamento / Antônio Herman
Benjamin...[et al.]. -- 1. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

Estão também excluídas as dívidas “provenientes de contratos de crédito com garantia real, de
financiamentos imobiliários e de crédito rural.” (art. 104-A, §1º do CDC) Cuida-se de opção política do
legislador, voltada a linhas de crédito que, em geral, submetem-se a considerações de política pública
encerradas em legislações especiais, responsáveis por estabelecer políticas de crédito e de garantia
diferenciadas, valendo notar que, em geral, a dívida ligada ao crédito rural não se caracterizaria como de
consumo, como vem entendendo o STJ (AgInt no REsp 1657303 / SP).
Além das disposições legais, o Decreto nº 11.150/22 também excluiu da apuração do quadro de
superendividamento “as parcelas das dívidas: a) relativas ao (...) refinanciamento imobiliário; (...) c)
decorrentes de contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval; (...) e) contratadas para o
financiamento da atividade empreendedora ou produtiva, inclusive aquelas subsidiadas pelo Banco
Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES; f) anteriormente renegociadas na forma do
disposto no Capítulo V do Título III da Lei nº 8.078, de 1990; g) de tributos e despesas condominiais
vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor; h) decorrentes de operação de crédito
consignado regido por lei específica; e i) decorrentes de operações de crédito com antecipação, desconto e
cessão, inclusive fiduciária, de saldos financeiros, de créditos e de direitos constituídos ou a constituir,
inclusive por meio de endosso ou empenho de títulos ou outros instrumentos representativos”.
Note-se, aqui, a existência de ampliação das cláusulas limitativas à aplicação do regime de
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superendividamento sem correspondência no texto legal, o que atrai questionamento acerca da legalidade
das previsões, na medida em que a finalidade do decreto é o de regulamentação legal, sendo-lhe vedada a
inovação no ordenamento jurídico.
Quanto ao elemento finalístico, observe-se que a definição de mínimo existencial é central para o
correto entendimento e enfrentamento da questão do superenvidamento, decorrendo “do princípio da
dignidade da pessoa humana e apresenta-se vinculado aos direitos fundamentais sociais como uma garantia
CPF: 778.558.762-00

a recursos materiais para uma existência digna. Em matéria de crédito e consumo, o mínimo existencial está
associado à quantia capaz de assegurar a manutenção das despesas de sobrevivência, tais como água, luz,
alimentação, saúde, higiene, educação, transporte, entre outras.53”
Note-se que o legislador remeteu o conceito de “mínimo existencial” à regulamentação infralegal,
Maria -- CPF:

que foi editada com a publicação do Decreto nº 11.150, de 26 de Julho de 2022, que estabelece que “No
âmbito da prevenção, do tratamento e da conciliação administrativa ou judicial das situações de
Oliveira Maria

superendividamento, considera-se mínimo existencial a renda mensal do consumidor pessoa natural


de Oliveira

equivalente a vinte e cinco por cento do salário mínimo vigente na data de publicação deste Decreto.” (Art.
3º)
Gisely de

Optou-se, portanto, pelo estabelecimento de um padrão objetivo único para aferição do “status” de
Gisely

garantia do mínimo existencial, equivalente a R$ 303,00 (Trezentos e Três Reais), válido para qualquer
hipótese e independente da renda auferida pelo consumidor superenvididado. Note-se que o salário mínimo
foi utilizado apenas como parâmetro objetivo, uma vez que o reajuste do mínimo constitucional não implica
no reajuste automático do patamar do mínimo existencial, haja vista que “Compete ao Conselho Monetário
Nacional a atualização do valor” (art. 3º, §§2º e 3º).
Embora não contenha justificativa técnica expressa, aparentemente o normativo adotou como
parâmetro para aferição do mínimo existencial o patamar estabelecido pelo IBGE, em linha com o Banco
Mundial, para aferição de casos de extrema pobreza: US$1,90 per capita por dia54, que somava R$ 304,95 na
taxa de câmbio vigente na data da publicação do decreto.
Se foi esta a opção do legislador infralegal, há de se rememorar a advertência de que “Ingo Sarlet
ensina que o mínimo existencial não pode ser confundido com o mínimo vital ou mínimo de sobrevivência,

53 Id. Ib.
54https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/29431-sintese-de-

indicadores-sociais-em-2019-proporcao-de-pobres-cai-para-24-7-e-extrema-pobreza-se-mantem-em-6-5-da-populacao

115
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

uma vez que ‘este último diz com a garantia da vida humana, sem necessariamente abranger as condições
para uma sobrevivência física em condições dignas, portanto, de uma vida com certa qualidade’”55.
Tal opção atraiu crítica de entidades de defesa do consumidor, como a BRASILCON, que apontou a
inconstitucionalidade do preceito por violação dos princípios da proporcionalidade, da dignidade da pessoa
humana e da vedação ao retrocesso social, na medida em que o percentual de 25% do salário mínimo não
seria garantia adequado ao enfrentamento das despesas mensai básicas das famílias, além de representar
proteção deficiente à norma constitucional que determina a proteção do consumidor (arts. 5º, XXXII e 170,
III da CRFB/88) e aos direitos sociais (art. 6º da CRFB/88).
De fato, o norte interpretativo adequado ao que se concebe como mínimo existencial não pode
descurar do consagrado no art. 6º da carta magna, que estabelece que “São direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”. Nesse sentido, se o estabelecimento
do patamar do salário mínimo, em si, já visa garantir o acesso mínimo a esses direitos, conforme art. 7º, IV
da CRFB/88, o atrelamento da garantia de tal condição a apenas um quarto do valor da garantia salarial básica
se mostra em descompasso com o princípio da unidade da constituição.
O quadro se agrava quando se tem em mente ponderação levada a efeito pela ANADEP na ADPF
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1.006: “Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), o


preço médio da cesta básica no Brasil é de R$ 663,29, o que representa cerca de 55% do salário-mínimo de
R$ 1.212”, reforçada pelo fato de que o valor do “Salário mínimo nominal e necessário” calculado pelo DIEESE
era de R$ 6.388,55 em julho de 2022, data da publicação do Decreto nº 11.150.
Portanto, o que se percebe é que a opção adotada pela regulamentação acabou por não observar a
advertência realizada por Cláudia Lima Marques de que “a regulamentação não deve engessar a porta de
CPF: 778.558.762-00

entrada, mas abri-la ou estará reduzindo o superendividamento a um fenômeno dos mais pobres.56”
As questões acima suscitadas estão postas à análise do Eg. STF nas ADPFs 1005 e 1006, sob a relatoria
do Ministo André Mendonça.
Maria -- CPF:

10.2. Princípios
Oliveira Maria

De saída, incluiu-se como princípio do direito do consumidor o “fomento de ações direcionadas à


de Oliveira

educação financeira e ambiental” (art. 4º, IX do CDC). No particular, o prestígio à educação financeira vem
em boa hora, permitindo que o poder público e os entes que compõem o Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor atuem e demandem ações que privilegiem a formação intelectual dos consumidores em busca
Gisely de
Gisely

do entendimento de noções ligadas à capacidade de gasto e endividamento, promovendo o consumo


sustentável em parceira com a conscientização ambiental.
De fato, a partir do correto entendimento acerca da concepção de endividamento saudável, cujo
custeio não prejudica a capacidade do devedor de arcar com seus custos de vida, se poderá promover o
princípio subsequente, consagrado no art. 4º, X do CDC, que promove a “prevenção e tratamento do
superendividamento”.
Nesse sentido, a correta conscientização do consumidor serve de elemento fundamental para evitar
a contratação de crédito incompatível com a capacidade de pagamento, fator diretamente aliado à promoção
do consumo ambientalmente responsável, que repudia a massificação das relações consumeristas em
prejuízo dos recursos naturais e em favor da exploração predatória.
Entretanto, não só o aspecto subjetivo do consumidor é ressaltado nos princípios dos incisos IX e X
do art.º 4 do CDC. Também se mostra fundamental a demanda direta atuação dos fornecedores a oferta

55 Comentários à Lei 14.181/2021 [livro eletrônico] : a atualização do CDC em matéria de superendividamento / Antônio Herman
Benjamin...[et al.]. -- 1. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.
56 Id. Ib.

116
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

responsável do crédito, permeada pela transparência e pela diligênca na mitigação da perda de terceiros
(“duty to mitigate the loss”).
Não por outro motivo, atento ao papel dos fornecedores no processo de endividamento, o legislador
inseriu no art. 6º do CDC dois direitos básicos do consumidor: “garantia de práticas de crédito responsável,
de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento” (inciso XI) e
“preservação do mínimo existencial” (inciso XII).
Garantir ao consumidor o acesso ao crédito responsável significa demandar dos fornecedores a
observância de critérios que observem a aferição da real capacidade do consumidor quando da oferta de
crédito, assim como exigir dos mesmos a realização de publicidade transparente e não enganosa acerca dos
termos do crédito oferecido, explicitando os custos totais, taxas de juros aplicáveis, encargos de
inadimplência, conteúdo das cláusulas penais incidentes em caso de resilição, entre outros.
No mesmo sentido, a preservação do mínimo existencial já vinha sendo observada pela
jurisprudência, conforme julgados acima mencionados (REsp 1584501 / SP e REsp 1.834.231 / MG). Destarte,
por se tratar de garantia já extraída dos direitos fundamentais, sua aplicabilidade continua sendo imediata,
sem prejuízo da regulamentação que passou a ser prevista no art. 54-A, §1º do CDC, a qual deverá ser
realizada em estrita aderência aos comandos constitucionais aplicáveis.
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Quanto ao tema, em se tratando de crédito com desconto automático em contracheque


(“consignado”) o art. 5º da Lei nº 14.509/22 estabelece que “É vedada a incidência de novas consignações
quando a soma dos descontos e das consignações alcançar ou exceder o limite de 70% (setenta por cento)
da base de incidência do consignado.”
Como forma de orientar o desenvolvimento da política pública consumerista, a Lei nº 14.181 de 2021
passou a prever como instrumentos de atuação administrativa para a execução da Política Nacional das
CPF: 778.558.762-00

Relações de Consumo “mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do


superendividamento” e “núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento”
(incisos VI e VII do art. 5º do CDC).
Maria -- CPF:

A atuação judicial e extrajudicial voltada ao tratamento e prevenção do superendividamento restou


robustecida com a inclusão dos arts. 104-A e 104-B no CDC, que encerram mecanismos processuais e
Oliveira Maria

extraprocessuais que objetivam o tratamento e a superação do estado de insolvência do consumidor e serão


estudados adiante.
de Oliveira

Já os núcleos de mediação e conciliação já vinham sendo criados pelos tribunais pátrios para a busca
da solução consensual da situação de superendividamento57, tendo, contudo, recebido poderosa ferramenta
Gisely de
Gisely

com a inclusão do art. 104-A ao CDC, que passou a prever a instauração de “processo de repactuação de
dívidas” de comparecimento obrigatório aos credores, conforme se verá adiante.

10.3. Prevenção e Tratamento Legal do Superendividamento

Após trazer elementos conceituais acerca do superendividamento, o Capítulo VI-A do CDC, inserido
pela Lei nº 14.181 de 2021 passa a tratar de expedientes e garantias destinados à prevenção do
superendividamento.
Nesse sentido, o art. 54-B do CDC estabelece obrigações destinadas ao fornecimento de crédito e
venda a prazo, determinando ao fornecedor que, além das obrigações previstas no art. 52 do CDC, também
observe a necessidade de:
1) informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre o custo efetivo
total e a descrição dos elementos que o compõem, evitando que a mera indicação separada dos encargos

57 Cite-se, apenas a título ilustrativo, o CEJUSC Endividados do TJPR (https://www.tjpr.jus.br/cejuscendividados), do TJDFT


(https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/destaques/superendividados) e o “Proendividados” do TJPE
(https://www.tjpe.jus.br/web/resolucao-de-conflitos/proendividados)

117
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

incidentes sobre a operação seja fator que impeça o consumidor de avaliar adequadamente o real valor a ser
por ele desembolsado nas prestações que envolvem o pagamento do mútuo ou da operação a crédito.
Quanto ao conceito de custo efetivo total, o §2º do art. 54-B apresenta a seguinte definição:
“consistirá em taxa percentual anual e compreenderá todos os valores cobrados do consumidor”. Trata-se,
em geral, de taxa que já vinha sendo apresentada pelas instituições financeiras sob a rubrica “C.E.T.”, cuja
previsão é extremamente relevante diante da vulnerabilidade dos consumidores, geralmente não
familiarizados com a realização cálculos matemáticos que envolvem a soma de percentuais em regime de
capitalização;
2) informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre a taxa efetiva
mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos previstos para o atraso no
pagamento. Cuida-se de positivação de regra que se alinha aos entendimentos jurisprudenciais firmados
pelo STJ nas Súmulas 472.
Entretanto, a necessidade de previsão expressa da “taxa efetiva mensal de juros” parece estar em
desacordo com o comando da Súmula 541 do STJ, que valida que “a previsão no contrato bancário de taxa
de juros anual superior ao duodécuplo da mensal é suficiente para permitir a cobrança da taxa efetiva anual
contratada.”
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De fato, a obrigação da indicação expressa da taxa efetiva mensal encontra-se em dissonância com
a possibilidade de se validar a incidência de encargos que divirjam da previsão contratual, sendo a questão
relativa à divergência entre o patamar mensal e o anual insuficiente à observância da previsão de previsão
da taxa efetiva. Há, portanto, de se aguardar a posição do STJ acerca do tema.
3) informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre o montante das
prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser, no mínimo, de 2 (dois) dias, sendo de suma
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relevância ao adequado entendimento por parte do consumidor acerca do custo da operação o valor exato
de cada parcela, situação que não pode depender da realização de cálculos, mas deve estar prevista de
maneira transparente no contrato.
Maria -- CPF:

4) informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre o nome e o


endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor, possibilitando que o consumidor possa contactá-lo para o
Oliveira Maria

esclarecimento de divergências ou, se o caso, inclusive, para a desistir do contrato no prazo que lhe é deferido
pelo art. 49 do CDC.
de Oliveira

5) informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, sobre o direito do


consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito, nos termos do §2º do art. 52 do CDC, evitando
Gisely de
Gisely

que, por desconhecimento, o consumidor seja obrigado a pagar juros e encargos mesmo quando disponha
da possibilidade de evita-los mediante pagamento antecipado.
Por tratar de informações relevantes e garantidoras da equalização da relação contratual
consumerista, o §1º do art. 54-B estabelece que “As informações referidas no art. 52 deste Código e no caput
deste artigo devem constar de forma clara e resumida do próprio contrato, da fatura ou de instrumento
apartado, de fácil acesso ao consumidor.”
Ademais, não só o contrato deve observar os requisitos mínimos relativos às novas obrigações ligadas
ao tratamento do fenômeno do superendividamento, mas também a oferta deve respeitar o §3º do art. 54-
B, que determina que “Sem prejuízo do disposto no art. 37 deste Código, a oferta de crédito ao consumidor
e a oferta de venda a prazo, ou a fatura mensal, conforme o caso, devem indicar, no mínimo, o custo efetivo
total, o agente financiador e a soma total a pagar, com e sem financiamento”.
Portanto, percebe-se que o legislador estabeleceu nova obrigação ligada o fornecedor quando
estiver na posição de anunciante, determinando que a oferta de crédito passe a contar com os requisitos
fundamentais ligados à verificação do custo do contrato.
Além disso, o art. 54-C do CDC trouxe, também, uma série de obrigações a serem observadas ao
fornecedor anunciante quando propagandeia operações de crédito, vedando as seguintes condutas:

118
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

• indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao
crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor, objetivando evitar que
consumidores já em situação creditícia delicada aumentem seu grau de endividamento,
geralmente em condições econômicas mais onerosas, ligadas ao risco da operação, que possuem
grande risco de se tornarem fator direto de ocasionamento de situação de superendividamento.

• ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da


venda a prazo, seguindo a diretriz fornecida pelo princípio da transparência e da vedação da
publicidade enganosa por omissão.

• assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou


crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de
vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio. Cuida-se se regra que objetiva a
tutela dos hipervulneráveis, em sintonia com o comando do art. 39, IV do CDC, vedando a procura
ativa mediante oferta abusiva de crédito, em especial a que desatende o comando do art. 6º, XI
do CDC, que estabelece como direito básico do consumidor o acesso ao fornecimento de crédito
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responsável.

• condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou


à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos
judiciais, em desacordo ao comando constitucional do art. 5º, XXXV da CRFB/88, que estabelece
o princípio do livre acesso à jurisdição. Cuida-se de dispositivo que busca coibir a pressão
extrajudicial sobre o consumidor para que abra mão de direito que lhe é constitucionalmente
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garantido sem a interveniência de assistência jurídica adequada ou do controle de legalidade


realizado pelo judiciário quando eventual acordo é homologado em sede judicial.

O art. 54-C previa, ainda, em seu inciso I, a vedação à “referência a crédito ‘sem juros’, ‘gratuito’,
Maria -- CPF:

‘sem acréscimo’ ou com ‘taxa zero’ ou a expressão de sentido ou entendimento semelhante” em razão de
sua inerente enganosidade, uma vez que os encargos envolvidos na concessão do crédito a prazo findam por
Oliveira Maria

passar a compor o preço do produto e onerar de maneira indistinta os consumidores que arcam com os
custos à vista e, não raro, ampliando o fenômeno inflacionário através do repasse dos custos da taxa básica
de Oliveira

de juros em ciclos de aperto monetário sem que, necessariamente, o componente de custos tenha se
alterado.
Gisely de
Gisely

Contudo, tal dispositivo foi alvo de veto, assim como o comando do parágrafo único do art. 54-C do
CDC, que excluía do rol de incidência do inciso I as operações de pagamento por meio de cartão de crédito
em razão de sua dependência lógica.
Ainda, sobre a oferta de crédito, o legislador impôs, através do art. 54-D do CDC as seguintes
obrigações ao fornecedor ofertante:

• informar e esclarecer adequadamente o consumidor, considerada sua idade, sobre a natureza e


a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes, o que resulta na
transposição dos deveres dos arts. 54-B e 52 para a fase pré-contratual, determinando que a
oferta de serviços creditícios seja com eles compatível.

• avaliar, de forma responsável, as condições de crédito do consumidor, mediante análise das


informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito, impondo ao ofertante
também o princípio do crédito responsável e reforçando a proibição contida no art. 54-C, II do
CDC ao trazer a determinação de que a oferta do crédito deve ter cautela redobrada quando o
nome do consumidor já constar de cadastro de inadimplentes.

119
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

• informar a identidade do agente financiador e entregar ao consumidor, ao garante e a outros


coobrigados cópia do contrato de crédito, ampliando a proteção ao consumidor e a transparência
nos termos contratuais envolvendo a oferta de crédito.

A nova lei traz, ainda, a previsão de três novas práticas abusivas em seu art. 54-G:
1. “realizar ou proceder à cobrança ou ao débito em conta de qualquer quantia que houver sido
contestada pelo consumidor em compra realizada com cartão de crédito ou similar, enquanto não
for adequadamente solucionada a controvérsia, desde que o consumidor haja notificado a
administradora do cartão com antecedência de pelo menos 10 (dez) dias contados da data de
vencimento da fatura” (inciso I).
Anda bem neste ponto o legislador ao determinar celeridade na resolução de questões relativas
a compras de cartão de crédito contestadas, tornando incompatíveis com as regras consumeristas
disposições que concedam às instituições financeiros prazos superiores aos dez dias para a análise
da controvérsia por parte da operadora.
2. “recusar ou não entregar ao consumidor, ao garante e aos outros coobrigados cópia da minuta
do contrato principal de consumo ou do contrato de crédito” (inciso II), reiterando o teor do art.
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54-D, III e 54-B do CDC.


3. “impedir ou dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o
consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento,
ou ainda a restituição dos valores indevidamente recebidos” (inciso III), corroborando o
entendimento do STJ de que são nulas as cláusulas contratuais que impõem exclusivamente ao
consumidor a responsabilidade por compras realizadas com cartão de crédito furtado ou roubado,
CPF: 778.558.762-00

até o momento da comunicação do furto à administradora. (Art. 51, I e III do CDC e REsp 1.058.221
/ PR) e estabelecendo o que a doutrina passou a chamar de “introdução do direito à ‘charge
back’57.
Maria -- CPF:

Por fim, como forma de reforçar a função protetiva dos comandos dos arts. 52 e 54-C, o parágrafo
único do art. 54-D estabelece de maneira expressa as consequências decorrentes da inobservância dos
Oliveira Maria

deveres exigíveis dos fornecedores anunciantes de operações de crédito: “redução dos juros, dos encargos
de Oliveira

ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original,


conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo
Gisely de

de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.”


Gisely

Embora não haja menção expressa, mostra-se viável a extensão do comando jurídico também a
eventual descumprimento do próprio art. 54-D do CDC, dada a própria posição topológica do parágrafo único,
que integra o próprio dispositivo, bem como para a inobservância dos deveres estabelecidos pelos arts. 54-
B e 54-G, uma vez que os arts. 83 e 84 do CDC proporcionam amplo poder de efetivação ao juiz quando do
provimento definitivo em demandas consumeristas, sendo certo que a questão da abusividade das cláusulas
e práticas comerciais também se afere diante do teor das já mencionadas cláusulas gerais previstas nos arts.
39, V e 51, V e XV do CDC.
Derradeiramente, o art. 54-F traz regra inovadora acerca dos contratos conexos, coligados ou
interdependentes, regulamentando a interrelação inerentemente existente entre os contratos de oferta de
crédito e os bens adquiridos por intermédio do acesso aos recursos mutuados. De fato, mostra-se
consentâneo com o reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor e da ampla tutela de seus direitos a
análise jurídica que permita que eventual nulidade contida no contrato de crédito ou no contrato de
aquisição do bem ou serviço seja analisada de maneira global, como já vinha sendo reconhecido pela
jurisprudência pátria.

57Comentários à Lei 14.181/2021 [livro eletrônico] : a atualização do CDC em matéria de superendividamento / Antônio Herma n
Benjamin...[et al.]. -- 1. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.

120
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

Nesse sentido, o STJ já havia tratado dos contratos coligados, definindo-os como queles que, apesar
de sua autonomia, se reúnem por nexo econômico funcional, em que as vicissitudes de um podem influir no
outro, dentro da malha contratual na qual estão inseridos (...)” (REsp 1.141.985 / PR), reconhecendo, por
exemplo, a coligação entre o contrato de locação comercial e eventuais pactos adjacentes ao aluguel do
imóvel (que envolviam a compra e venda exclusiva de produtos da marca da distribuidora), conforme
acórdão proferido no REsp 1.475.477 / MG.
Com base nesse entendimento o STJ vinha admitindo, por exemplo, que ““Os agentes financeiros
("bancos de varejo") que financiam a compra e venda de automóvel não respondem pelos vícios do produto,
subsistindo o contrato de financiamento mesmo após a resolução do contrato de compra e venda, exceto no
caso dos bancos integrantes do grupo econômico da montadora ("bancos da montadora").” (REsp 1.946.388
/ SP)
A doutrina, a seu turno, define os contratos conexos como “aqueles cuja finalidade é justamente
facilitar ou realizar o consumo58” e os contratos coligados como “uma pluralidade de contratos e de relações
jurídicas contratuais estruturalmente distintos, porém vinculados, ligados, que compõem uma única e
mesma operação econômica, com potenciais consequências no plano da validade (mediante a eventual
contagiação de invalidades) e no plano da eficácia (em temas como o inadimplemento, o poder de resolução,
a oposição da exceção do contrato não cumprido, a abrangência da cláusula compromissória, entre
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outros).59”
A título de enriquecimento doutrinário, impende destacar classificação realizada por Rodrigo Xavier
Leonardo acerca dos contratos coligados60:

CONTRATOS
CPF: 778.558.762-00

COLIGADOS

CONTRATOS
Maria -- CPF:

CONTRATOS COLIGADOS
COLIOGADOS POR CONTRATOS
CLÁUSULA CONEXOS
EM SENTIDO ESTRITO
Oliveira Maria

EXPRESSAMENTE
PREVISTA PELOS
de Oliveira

CONTATANTES
Gisely de

REDES CONTRATUAIS
Gisely

CONTATOS CONEXOS
EM SENTIDO ESTRITO

De acordo com o autor: “Há coligação em sentido estrito quando a ligação entre dois ou mais
contratos se dá por aplicação da Lei que, ao tratar de determinado tipo contratual, prevê a coligação e uma
operação econômica supracontratual.” Ademais, ainda segundo sua doutrina: “Nos contratos coligados por

58 Comentários à Lei 14.181/2021 [livro eletrônico] : a atualização do CDC em matéria de superendividamento / Antônio Herman
Benjamin...[et al.]. -- 1. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.
59 LEONARDO, Rodrigo Xavier. Os contratos coligados, os contratos conexos e as redes contratuais. In: CARVALHOSA, Modesto.

Tratado de Direito Empresarial. t.IV. São Paulo : Thomson-Reuters/Revista dos Tribunais, 2016, p.459.
60 Id. Ib.

121
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

cláusula expressa, por sua vez, os contratantes acordam que haverá uma operação econômica
supracontratual, mediante o vínculo entre diferentes contratos, com a possibilidade de mensurar a extensão
deste vínculo quanto a uma eficácia paracontratual. 61”

De outro lado, a conexão decorreria de hipóteses onde não há cláusula que estipula expressamente
a ligação entre os contratos, ressaltando-se, nesses casos, “a operação econômica supracontratual, movida
por um propósito comum igualmente supracontratual, que justifica o reconhecimento de um especial nexo,
com a atribuição de específicas consequências jurídicas.” Quando há a ocorrência de conexão, o autor
subdivide a questão em redes contratuais e contratos conexos em sentido estrito.

Segundo ele “As redes contratuais pressupõem dois ou mais contratos interligados por um articulado
e estável nexo econômico, funcional e sistemático que se destina à oferta de produtos e serviços ao mercado
para consumo” enquanto nos contratos conexos em sentido estrito “o que se estabelece é um articulado e
estável nexo econômico e funcional, verificado na operação econômica supracontratual, movida por um
propósito comum.62”

O art. 54-F aduz, a seu turno, que “São conexos, coligados ou interdependentes, entre outros, o
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contrato principal de fornecimento de produto ou serviço e os contratos acessórios de crédito que lhe
garantam o financiamento quando o fornecedor de crédito”. Portanto, o legislador houve por bem equiparar
os conceitos de conexão, coligação e interdependência, reunindo-os nas hipóteses de acessoriedade de seus
incisos:

Inciso I) recorrer aos serviços do fornecedor de produto ou serviço para a preparação ou a conclusão
CPF: 778.558.762-00

do contrato de crédito, em hipótese típica de financiamento imobiliário ou de veículo.

Inciso II) oferecer o crédito no local da atividade empresarial do fornecedor de produto ou serviço
financiado ou onde o contrato principal for celebrado, hipótese em que se mostra aplicável a teoria da
aparência, demandando o reconhecimento de que o consumidor, de boa-fé, interpreta que os fornecedores
Maria -- CPF:

de crédito e do bem ou serviço atuam de maneira conjunta.


Oliveira Maria

A relevância da apuração de conexão, coligação e interdependência reside nas consequências que


de Oliveira

decorrerão de eventual reconhecimento de nulidade ou causa que afete a eficácia de um, de alguns ou de
todos os negócios jurídicos interligados, estabelecendo o CDC que “O exercício do direito de arrependimento
Gisely de

nas hipóteses previstas neste Código, no contrato principal ou no contrato de crédito, implica a resolução de
Gisely

pleno direito do contrato que lhe seja conexo” (art. 54-F, §1º) e que “(...) se houver inexecução de qualquer
das obrigações e deveres do fornecedor de produto ou serviço, o consumidor poderá requerer a rescisão do
contrato não cumprido contra o fornecedor do crédito. (art. 54-F, §2º)”.

Destaque-se que, nesses casos, a recomposição do “status quo ante” deve ser realizada em
observância ao §4º do art. 54-F, que, visando refutar o enriquecimento sem causa, estabelece que “A
invalidade ou a ineficácia do contrato principal implicará, de pleno direito, a do contrato de crédito que lhe
seja conexo, nos termos do caput deste artigo, ressalvado ao fornecedor do crédito o direito de obter do
fornecedor do produto ou serviço a devolução dos valores entregues, inclusive relativamente a tributos.”

Dessa forma, o regramento legal passa a destituir de validade as alegações dos fornecedores que
indicam ausência de nexo de causalidade entre sua atividade (fornecimento de crédito) e eventual defeito
ou vício que apresente o produto ou serviço adquirido mediante crédito, alegação cujo reconhecimento
implica em aumento do gravame sofrido pelo consumidor, que além de ser lesado em seu direito de obter

61 https://www.conjur.com.br/2018-set-17/contratos-terceiros-sao-contratos-coligados.
62 Idem Ib.

122
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

produto ou serviço de qualidade, ainda se vê obrigado a arcar com os ônus decorrentes da manutenção do
financiamento e de seus encargos, em especial os ligados aos juros.

10.4. Conciliação no Superendividamento

Atenta ao caráter de microssistema do CDC e ao interesse público envolvido na aplicação de suas


normas, a Lei nº 14.181 de 2021 não se limitou à inclusão de conceitos de ordem material e de direito privado
em busca da equalização da questão do superendividamento, na medida em que passou também a prever a
possibilidade de instauração de “processo de repactuação de dívidas” e “processo por
superendividamento”, nos termos dos arts. 104-A e 104-B do CDC, respectivamente.
Note-se que, embora o art. 104-A do CDC estabeleça que “o juiz poderá instaurar processo de
repactuação de dívidas”, o art. 104-C do diploma consumerista é claro ao determinar que “Compete
concorrente e facultativamente aos órgãos públicos integrantes do Sistema Nacional de Defesa do
Consumidor a fase conciliatória e preventiva do processo de repactuação de dívidas”, o que permite que a
fase prévia de caráter conciliatório seja instaurada perante qualquer um dos “órgãos federais, estaduais, do
Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor” mencionados no art. 105 do
CDC.
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De forma acertada e atenta à relevância conferida à conciliação após o advento do novo CPC (arts.
3º, §3º, 139, V, 165 a 175, 334, entre outros), o art. 104-A do CDC passou a prever a possiilidade de
instauração de processo de repactuação de dívidas, que objetivará a realização de audiência conciliatória
contando com “a presença de todos os credores de dívidas previstas no art. 54-A” do CDC, ocasião em que o
consumidor apresentará “proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos,
preservados o mínimo existência”.
CPF: 778.558.762-00

A iniciativa se mostra inovadora ao prever a instauração de uma espécie de concurso universal de


credores, cujo comparecimento é obrigatório, objetivando a negociação de espécie de plano de recuperação
extrajudicial, que conduzirá à reabilitação creditícia do consumidor em conciliação com a observância do
mínimo existencial.
Maria -- CPF:

Nesse sentido, inclusive, o §2º do art. 104-A do CDC prevê que “O não comparecimento injustificado
Oliveira Maria

de qualquer credor, ou de seu procurador com poderes especiais e plenos para transigir, à audiência de
conciliação de que trata o caput deste artigo acarretará a suspensão da exigibilidade do débito e a
de Oliveira

interrupção dos encargos da mora, bem como a sujeição compulsória ao plano de pagamento da dívida”.
Gisely de

Cuida-se de medida de apoio relevantíssima, que traz consequências drásticas ao credor que não se
Gisely

apresentar para a negociação do plano de pagamento, que deverá conter os requisitos do §4º do art. 104-A
do CDC, “verbis”:

• Inciso I) “medidas de dilação dos prazos de pagamento e de redução dos encargos da dívida ou
da remuneração do fornecedor, entre outras destinadas a facilitar o pagamento da dívida”,
permitindo tanto a ocorrência de espécie de moratória que amplie o prazo de pagamento, quanto
a redução dos encargos, em especial dos juros remuneratórios, que costumam superar em muito
o patamar de três dígitos e impedir completamente a quitação. Ademais, note-se que a abertura
da locução “entre outras” permite vislumbrar a abertura do procedimento para adequação do
acordo às demandas específicas de cada caso, sempre tendo por objetivo a superação da situação
de superendividamento;

• Inciso II) “referência à suspensão ou à extinção das ações judiciais em curso”, como medida
adequada à tranquilização do consumidor, que poderá ter previsibilidade em seu fluxo de caixa e
não ser surpreendido com eventual bloqueio de recursos ou outras medidas constritivas que
possam privilegiar credores em detrimento de outros e até aumentar o endividamento.

123
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

• Inciso III) “data a partir da qual será providenciada a exclusão do consumidor de bancos de dados
e de cadastros de inadimplentes”, permitindo o estabelecimento de sanção premial que estimule
o consumidor a quitação das parcelas do acordo, antecipando a baixa de inscrições negativas.

• Inciso IV) “condicionamento de seus efeitos à abstenção, pelo consumidor, de condutas que
importem no agravamento de sua situação de superendividamento”, estimulando o
comprometimento do consumidor e a demonstração de quem também atuará e boa-fé objetiva,
restringindo suas despesas em prol do acertamento de sua situação.

O Decreto n. 11.150/22 passou a prever, em seu art. 6º, que “No âmbito da conciliação administrativa
ou judicial das situações de superendividamento em dívidas de consumo, a repactuação preservará as
garantias e as formas de pagamento originariamente pactuadas”. Note-se que tal previsão não encontra
respaldo no texto legal, que apresenta apenas a restrição temporal de pagamento em 5 (cinco) anos quanto
ao plano extrajudicial, adicionado da garantia do “valor do principal devido, corrigido monetariamente por
índices oficiais de preço” no caso de aprovação de plano judicial compulsório.
Logo, também a compulsoriedade da manutenção da garantia e forma de pagamento deve ser
questionada sob o aspecto da legalidade, na medida em que desborda o limite da simples regulamentação
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do texto legal, impondo óbice não contido no ordenamento jurídico ao processamento da solução ao
superenvididamento.
A homologação judicial do plano alça à condição de “título executivo e força de coisa julgada”, nos
termos do §3º do art. 104-A do CDC, não implicando em declaração de insolvência civil e se submetendo ao
prazo decadencial de dois anos para nova propositura de medida similar, conforme §5º do mesmo diploma.
Entretanto, no que pese o caráter inovador de tal providência, certo é que seu caráter coercitivo é
CPF: 778.558.762-00

limitado ao comparecimento dos credores, dependendo sua efetividade da disposição das partes em obter
a solução consensual da questão. Acaso não seja obtido tal resultado, a Lei nº 14.181 de 2021 prevê também
a possibilidade de continuidade do procedimento (se a fase conciliatória já estiver se desenvolvendo perante
o judiciário, por exemplo, nos CEJUSC) ou a propositura de “processo por superendividamento”, nos termos
Maria -- CPF:

do art. 104-B do CDC.


Oliveira Maria

De fato, a literalidade de tal comando parece deixar evidente a necessidade de que a situação se
submeta, inicialmente, à fase conciliatória prevista pelo art. 104-A do CDC, sendo o “processo por
de Oliveira

superendividamento” instaurado apenas no caso de frustração da primeira etapa, objetivando a “revisão e


integração dos contratos e repactuação das dívidas remanescentes mediante plano judicial compulsório”,
Gisely de

mediante citação de todos os credores.


Gisely

Acaso ocorra avanço ao procedimento judicial, o §2º do art. 104-B do CDC estabelece prazo de 15
dias para oferta de espécie de contestação por parte dos credores, peça que se limitará, contudo, à
apresentação de documentos e das razões da negativa de aderir ao plano voluntário ou de renegociar com
o consumidor. Observe-se que, no caso, considerada a possibilidade de se conferir compulsoriedade ao plano
de recuperação, a resposta a ser apresentada pelo credor somente pode ser acolhida se restar evidenciado
que seu crédito se insere em alguma das exceções previstas na legislação (art. 104-A, §1º - “contratos
celebrados dolosamente sem o propósito de realizar pagamento” ou “contratos de crédito com garantia real”
ou “de financiamentos imobiliários e de crédito rural”), bem como na eventual inviabilidade do plano
apresentado pelo consumidor para o saldamento adequado da dívida (seja porque se mostra inexequível de
acordo com a capacidade de pagamento do consumidor, seja porque implica em severo prejuízo ao credor,
hipóteses que devem ser aferidas tendo por base os parâmetros traçados pelo §4º do art. 104-B do CDC,
abaixo analisado).
Portanto, a própria limitação do procedimento e seus contornos próprios de contenciosidade
limitada, também ligados à inclusão de mais de um credor no polo passivo, indicam a inviabilidade de que
questões judiciais complexas ou demandas revisionais sejam discutidas em seu bojo, ressalvada a
possibilidade de eventual adequação aos termos do contrato à jurisprudência pacífica dos tribunais

124
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

superiores ou às disposições legais, sempre observada, contudo, a limitação apresentada pela Súmula 381
do STJ (“Nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício, da abusividade das cláusulas”).
Dispõe o §3º do art. 104-B que o juiz poderá, em apoio à obtenção de plano adequado, “nomear
administrador, desde que isso não onere as partes, o qual, no prazo de até 30 (trinta) dias, após cumpridas
as diligências eventualmente necessárias, apresentará plano de pagamento que contemple medidas de
temporização ou de atenuação dos encargos.” Observe-se que, embora louvável, a providência parece
esbarrar no próprio estado de insolvência do consumidor, tornando-se difícil se imaginar situação em que o
pagamento de honorários ao administrador não onerará o consumidor já superendividado, a indicar que tal
providência dependerá de política pública vinculada aos tribunais (ex: banco de administradores
remunerados por verbas públicas) ou a eventual saída que permita a obtenção de comissão a partir da
recuperação de créditos que já tenham sido provisionados pelas instituições financeiras em razão de sua
difícil ou improvável recuperação.
Quanto ao conteúdo do plano judicial compulsório, dada a evidente continuidade existente entre a
fase conciliatória e a judicial de caráter contencioso limitado, mostra-se adequada a reapresentação ao
conhecimento do juízo do plano de pagamento previsto no art. 104-A do CDC, o qual já encontrar-se-á em
consonância com o §4º daquele dispositivo, acima estudado, e deverá, ainda, observar o conteúdo do §4º
do art. 104-B do CDC, que estabelece que “O plano judicial compulsório assegurará aos credores, no mínimo,
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o valor do principal devido, corrigido monetariamente por índices oficiais de preço, e preverá a liquidação
total da dívida, após a quitação do plano de pagamento consensual previsto no art. 104-A deste Código, em,
no máximo, 5 (cinco) anos, sendo que a primeira parcela será devida no prazo máximo de 180 (cento e
oitenta) dias, contado de sua homologação judicial, e o restante do saldo será devido em parcelas mensais
iguais e sucessivas.”
Trata-se de cláusula econômica de alta relevância que servirá de base para aferição da exequibilidade
CPF: 778.558.762-00

dos planos apresentados, assim como de sua justeza no que tange à recuperação do crédito por parte do
credor.

QUESTÕES DE CONCURSOS
Maria -- CPF:

1) (FCC - 2020 – TJ/MS - Juiz Substituto - adaptada) Acerca das cláusulas abusivas, considere:
I. São nulas de pleno direito as cláusulas que autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente,
Oliveira Maria

ainda que igual direito seja conferido ao consumidor.


de Oliveira

II. As multas de mora decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo poderão ser de, no
máximo, quatro por cento do valor da prestação.
Gisely de

III. Desde que expressamente previsto no contrato, é assegurada ao consumidor a liquidação antecipada do
Gisely

débito, total ou parcialmente, mediante redução proporcional dos juros e demais acréscimos.
IV. Qualquer consumidor pode, individualmente, requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente
ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que não assegure o justo equilíbrio entre direitos
e obrigações das partes.
V. São válidas as cláusulas que obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação se
igual direito lhe for conferido contra o fornecedor.

2) (FCC - 2020 – TJ/MS - Juiz Substituto) De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, o contrato de
adesão:
A) não permite a supressão do direito do consumidor de discutir ou modificar substancialmente o conteúdo
de cada uma das suas cláusulas.
B) perde essa natureza mediante a inserção, no formulário, de cláusula nova, resultante de discussão com o
consumidor.
C) admite cláusula resolutória.
D) deve ser redigido em termos claros e com caracteres de qualquer tamanho de fonte, desde que ostensivos
e legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA PROTEÇÃO CONTRATUAL • 11

E) não admite cláusulas que impliquem limitação de direito do consumidor.

GABARITO COMENTADO
1)Gabarito: I. INCORRETA; II. INCORRETA; III. INCORRETA; IV. CORRETA; V. CORRETA.
Comentários:
I. Incorreta. Em contrariedade com o Art. 51, inciso XI, do CDC, que reputa abusivas as cláusulas que
“autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao
consumidor”.
II. Incorreta. Em contrariedade com o art. 52, §1º do CDC, que estabelece que “As multas de mora
decorrentes do inadimplemento de obrigações no seu termo não poderão ser superiores a dois por cento do
valor da prestação”.
III. Incorreta. A faculdade de liquidação antecipada é assegurada pelo Art. 52, §2º do CDC, independendo de
previsão contratual.
IV. Correta. Alinha-se à redação do Art. 51, §4º do CDC, que dispõe que “É facultado a qualquer consumidor
ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser
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declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não
assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.”
V. Correta. O Art. 51, inciso XII do CDC reputa nulas as cláusulas que: “obriguem o consumidor a ressarcir os
custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor”.

2) Gabarito: C
CPF: 778.558.762-00

Comentários:
A) Incorreta. É da própria natureza do contrato de adesão a ausência de discussão pelo aderente quanto ao
conteúdo das cláusulas. É nesse sentido a definição do art. 54 do CDC: “Contrato de adesão é aquele cujas
cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo
Maria -- CPF:

fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente
seu conteúdo.”
Oliveira Maria

B) Incorreta. Contraria o disposto no art. 54, §1º do CDC: “A inserção de cláusula no formulário não desfigura
de Oliveira

a natureza de adesão do contrato.”


C) Correta. De fato, o art. 54, §1º do CDC estabelece que: “Nos contratos de adesão admite-se cláusula
Gisely de

resolutória, desde que a alternativa, cabendo a escolha ao consumidor, ressalvando-se o disposto no §2° do
Gisely

artigo anterior.”
D) Incorreta. Em desconformidade com o art. 54, §3º do CDC, que afirma que: “Os contratos de adesão
escritos serão redigidos em termos claros e com caracteres ostensivos e legíveis, cujo tamanho da fonte não
será inferior ao corpo doze, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor.”
E) Incorreta. Em desconformidade com o art. 54, §4º do CDC, que afirma que: “As cláusulas que implicarem
limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil
compreensão.”

126
Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

SANÇÕES ADMINISTRATIVAS
SANÇÕES ADMINISTRATIVAS • 12

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA SANÇÕES ADMINISTRATIVAS • 12

1. SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR

O Capítulo VII do CDC trata das Sanções Administrativas e estabelece as consequências


administrativas para o descumprimento das normas presentes no microssistema consumerista.
O controle e a aplicação das normas que tutelam o sistema desenvolvido para a defesa do
consumidor, parte vulnerável da relação, são realizados, entre outros, pelos componentes do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor (SNDC), que estão listados no art. 105 do CDC: “órgãos federais,
estaduais, do Distrito Federal e municipais e as entidades privadas de defesa do consumidor.”
Nos termos do art. 2º do Decreto nº 2.181/97, que regulamenta a aplicação das sanções
administrativas: “Integram o SNDC a Secretaria Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e os
demais órgãos federais, estaduais, do Distrito Federal, municipais e as entidades civis de defesa do
consumidor.”
O sistema de tutela desenvolvido pelo CDC é de textura aberta, permitindo a integração ampla da
rede de proteção por órgãos públicos de qualquer esfera federativa e por entidades privadas (que dispõe
dos poderes concedidos pelo art. 8º do Decreto nº 2.181/97), desde que voltados direta (ex: Procons; ONGs;
Associações de Defesa de Consumidores; etc.) ou indiretamente (ex: Agências Reguladoras; CADE; etc.) à
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defesa do consumidor.
Percebe-se, portanto, que o legislador busca a criação de uma rede integrada e inclusiva de proteção
e reafirmação do microssistema consumerista. Tal rede, nos termos do art. 106 do CDC, será coordenada
pelo Departamento Nacional de Defesa do Consumidor (DNDC) ou por órgão federal que venha substituí-lo,
vinculado à Secretaria Nacional de Direito Econômico (Ministério da Justiça). O Decreto nº 2.181/97
regulamenta o SNDC, definindo, entre outras coisas, a quem cabe desempenhar as funções elencadas nos
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incisos do art. 106 do CDC.


A função de orgão de coordenação vem sendo desempenhada pela Secretaria Nacional do
Consumidor (SNC) do Ministério da Justiça desde 2012, quando houve a alteração do art. 3º do Decreto nº
2.181/97.
Maria -- CPF:

Em geral, a figura constantemente lembrada quando da análise da aplicação do CDC são os Procons.
Oliveira Maria

Tais instituições geralmente são criadas sob a forma de autarquias ou de fundações públicas e tem,
basicamente, as seguintes finalidades: orientação (esclarecimentos ao consumidor); mediação (análise
de Oliveira

administrativa de conflitos entre consumidor e fornecedor que envolvam a aplicação do CDC, destacando-se
o poder do art. 55, §4º, do CDC); encaminhamentos à fiscalização (reportar a outros órgãos a violação de
Gisely de

determinada regra consumerista); fiscalização (efetuar propriamente a fiscalização em caso de denúncias,


Gisely

dispondo de competência para processar e julgar administrativamente as infrações apuradas); realização de


estudos e pesquisas (ex: elaboração de cadastro de reclamações fundamentadas contra fornecedores de
produtos e serviços, de que trata o art. 44 da Lei no 8.078, de 1990) 63.
Nesse sentido, o art. 4º do Decreto nº 2.181/97 estabelece rol exemplificativo de funções exercidas
pela autoridade administrativa local ou regional, valendo destacar que entre elas se encontra a de “funcionar,
no processo administrativo, como instância de instrução e julgamento, no âmbito de sua competência,
dentro das regras fixadas pela Lei nº 8.078, de 1990, pela legislação complementar e por este Decreto” (inciso
IV).

63 ANDRADE, Adriano et. Al. Interesses Difusos e Coletivos Vol. 1. 9ª ed. Editora Método, 2019, P.757.

128
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA SANÇÕES ADMINISTRATIVAS • 12

2. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA E MATERIAL EM MATÉRIA CONSUMERISTA

O art. 55 do CDC, na esteira do art. 24, V, da CF/88, trata da “competência legislativa concorrente
da União, os Estados e o Distrito Federal, nas suas respectivas áreas de atuação administrativa, para baixar
normas relativas à produção, industrialização, distribuição e consumo de produtos e serviços.” Nota-se que
a competência legislativa não inclui os Municípios.
De outro lado, a competência material, também de natureza concorrete, para fiscalização e
controle está prevista no §1º do art. 55 do CDC, que afirma que caberá à “União, aos Estados, ao Distrito
Federal e aos Municípios fiscalizar e controlar a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de
produtos e serviços e o mercado de consumo.” Nota-se que a competência material inclui os Municípios.
Embora seja claro o caráter concorrente da fiscalização administrativa, destaque-se que o parágrafo
único do art. 5º do Decreto nº 2.181/97 afirma que “Se instaurado mais de um processo administrativo por
pessoas jurídicas de direito público distintas, para apuração de infração decorrente de um mesmo fato
imputado ao mesmo fornecedor, eventual conflito de competência será dirimido pela Secretaria Nacional
do Consumidor, que poderá ouvir a Comissão Nacional Permanente de Defesa do Consumidor – CNPDC,
levando sempre em consideração a competência federativa para legislar sobre a respectiva atividade
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econômica.”
Entretanto, sem revogar o dispositivo acima, o Decreto nº 10.887, de 2021 alterou o art. 15 do
Decreto nº 2.181/97, que passou a prever que “ O processo referente ao fornecedor de produtos ou de
serviços que tenha sido acionado em mais de um Estado pelo mesmo fato gerador de prática infrativa poderá
ser remetido ao órgão coordenador do SNDC pela autoridade máxima do sistema estadual”, tendo sido
incluído §1º que dispõe que “O órgão coordenador do SNDC apurará o fato e aplicará as sanções cabíveis,
ouvido o Conselho Nacional de Defesa do Consumidor”.
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Portanto, a partir da nova previsão regulamentar o órgão coordenador do SNDC passará a julgar
definitivamente a questão, não se limitando a decidir eventual conflito de competência.
Ou seja, a apuração e a aplicação de sanções não podem culminar com o sancionamento duplo pela
Maria -- CPF:

mesma conduta (mesmos fatos e vítimas), também conhecido como bis in idem, de modo que, constatada
a existência de apurações relativas aos mesmos fatos, há de se definir a autoridade administrativa
Oliveira Maria

competente através de provocação da Secretaria Nacional do Consumidor. No particular, afirma o art. 15 do


de Oliveira

Decreto nº 2.181/97 que “Estando a mesma empresa sendo acionada em mais de um Estado federado pelo
mesmo fato gerador de prática infrativa, a autoridade máxima do sistema estadual poderá remeter o
processo ao órgão coordenador do SNDC, que apurará o fato e aplicará as sanções respectivas.”
Gisely de
Gisely

A fiscalização deve-se fazer “no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da


informação e do bem-estar do consumidor, os entes políticos poderão baixar as normas que se fizerem
necessárias”, podendo os órgãos administrativos de tutela dos direitos consumeristas lançar mão de
“compromissos de ajustamento de conduta às exigências legais, nos termos do §6º do art. 5º da Lei nº 7.347,
de 1985”, conforme expressamente facultado pelo art. 6º do Decreto nº 2.181/97.
Quanto ao tema, o Decreto nº 10.887, de 2021 passou a prever as consequências para o
descumprimento do termo de ajustamento (art. 6º, §5º do Decreto nº 2.181/97 - perda dos benefícios e ena
pecuniária diária), bem como a destinação de eventuais valores que tenham sido ajustados para pagamento
por parte do fornecedor infrator (art. 6º, §6º do Decreto nº 2.181/97 - nos termos do disposto no art. 13 da
Lei nº 7.347, de 1985, o seja, em benefício do Fundo de Defesa de Direitos Difusos) e o conteúdo dos termos
(art. 6º-A do Decreto nº 2.181/97 - obrigações de fazer ou compensatórias estimadas, preferencialmente,
em valor monetário).
Visando reforçar e garantir o sistema de proteção, o §3º do art. 55 do CDC afirma que “Os órgãos
federais, estaduais, do Distrito Federal e municipais, com atribuições para fiscalizar e controlar o mercado de
consumo, manterão comissões permanentes para elaboração, revisão e atualização das normas referidas no
§1°, sendo obrigatória a participação dos consumidores e fornecedores.”

129
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA SANÇÕES ADMINISTRATIVAS • 12

Como ferramenta importante no exercício da tutela administrativa do direito do consumidor, o §4º


do art. 55 do CDC afirma que “os fornecedores poderão ser notificados pelos órgãos oficiais para que, sob
pena de desobediência, prestem informações sobre questões de interesse do consumidor, resguardado o
segredo industrial.”. A possibilidade de requisição de informações é um instrumento poderoso posto à
disposição dos órgãos que integram o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor (ex: Procon) para que
exerçam sua função fiscalizatória.

3. SANÇÕES ADMINISTRATIVAS EM ESPÉCIE

Diz o art. 56 que “as infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso,
às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas
específicas:”

• Multa;
• Apreensão do produto;
• Inutilização do produto;
• Cassação do registro do produto junto ao órgão competente;

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Proibição de fabricação do produto;


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• Suspensão de fornecimento de produtos ou serviço;


• Suspensão temporária de atividade;
• Revogação de concessão ou permissão de uso;
• Cassação de licença do estabelecimento ou de atividade;
• Interdição, total ou parcial, de estabelecimento, de obra ou de atividade;
• Intervenção administrativa;
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• Imposição de contrapropaganda.

A doutrina costuma dividir essas sanções em três modalidades: A) Pecuniárias: multas; B) Objetivas:
que incidem diretamente sobre os produtos ou serviços fornecidos pelo infrator - apreensão; inutilização;
cassação do registro; proibição de fabricação; e suspensão de fornecimento. C) Subjetivas: que recaem sobre
Maria -- CPF:

a atividade do fornecedor - suspensão temporária de atividade; cassação de licença/alvará; interdição de


Oliveira Maria

estabelecimento; intervenção administrativa; e contrapropaganda 64.


de Oliveira

Ademais, o art. 17 do Decreto nº 2.181/97 afirma que “As práticas infrativas classificam-se em: I -
leves: aquelas em que forem verificadas somente circunstâncias atenuantes; II - graves: aquelas em que
forem verificadas circunstâncias agravantes.”
Gisely de
Gisely

Conforme afirma o parágrafo único do art. 56, essas sanções serão aplicadas “pela autoridade
administrativa, no âmbito de sua atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida
cautelar, antecedente ou incidente de procedimento administrativo.”
Portanto, na esteira do §1º do art. 55 do CDC, a competência administrativa dos órgãos do Sistema
Nacional de Defesa do Consumidor é ampla e concorrente, devendo cada órgão se ater à respectiva área de
atuação e competência. Assim, se a infração for local ou estadual, por exemplo, é possível que o Procon
aplique multa à empresa pública federal, conforme reconhecido pelo STJ (REsp 1.103.826 / RN), valendo
lembrar, contudo, que se mostra vedaddo o bis in idem, como destacado no item 2.
Entretanto, como destacado pelos §§2º e 3º do art. 18 do Decreto nº 2.181/97, as penas
administrativas, quando impostas a fornecedor de serviço ou produto cuja atividade seja normatizada por
agência reguladora, as penas de incisos IV a XI do art. 56 do CDC dependerão de “posterior confirmação pelo
órgão normativo ou regulador”.
Ademais, é importante destacar que o a aplicação de sanção administrativa deve ser precedida de
observância ao devido processo legal (Art. 5º, LIV, da CF/88), com especial observância à ampla defesa e ao

64 Idem Ibidem.

130
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA SANÇÕES ADMINISTRATIVAS • 12

contraditório (Art. 5º, LV, da CF/88), o que não impede, como visto, a aplicação cumulativa de sanções,
inclusive cautelarmente.
Em geral, o procedimento administrativo de análise de infração e imposição de sanção segue o
previsto no Decreto nº 2.181/97 (arts. 33 a 54) e na Lei n.º 9.784/99, salvo existência de disposição legislativa
diversa editada pelo ente competente (Estado ou Município).
Ainda, nos termos do art. 18, §1º, do Decreto nº 2.181/97 e, bem observada a sistemática
principiológica consumerista, a responsabilidade pelas infrações administrativas é objetiva e independe de
benefício ou prejuízo concreto, podendo as sanções administrativas ser aplicadas ao poder público
normalmente, em caso de violação aos direitos dos consumidores relativos aos serviços públicos (art. 20 do
Decreto nº 2.181/97).
Seguindo a lógica do sancionamento administrativo, não há de se falar de tipicidade cerrada ou de
tipificação e imputação de penas. Assim, a individualização das penas deverá ser realizada pela autoridade
administrativa competente, de acordo com o caso concreto, podendo seguir, por exemplo, o previsto nos
arts. 19 a 28 do Decreto nº 2.181/97, desde que adotada a regulamentação federal pelo ente estadual ou
municipal.
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Nesses casos, a escolha da pena a ser aplicada deve observar especialmente o que prevê o art. 24 do
Decreto nº 2.181/97: “Para a imposição da pena e sua gradação, serão considerados: I - as circunstâncias
atenuantes e agravantes; II - os antecedentes do infrator, nos termos do art. 28 deste Decreto.”
As atenuantes são listadas pelo art. 25 do Decreto nº 2.181/97, recentemente alterado para incluir
como circunstâncias atenuantes a confissão do infrator, sua participação regular do infrator em projetos e
ações de capacitação e treinamento oferecidos pelos órgãos integrantes do SNDC e sua aderência à aderido
à plataforma “Consumidor.gov.br”. As agravantes, a seu turno, encontram-se listadas no art. 26 do mesmo
CPF: 778.558.762-00

decreto, tendo o art. 26-A do Decreto nº 2.181/97 passado a prever que “As circunstâncias agravantes e
atenuantes, de que tratam os art. 25 e art. 26, têm natureza taxativa e não comportam ampliação por meio
de ato dos órgãos de proteção e defesa do consumidor. “
Maria -- CPF:

Sobre a reincidência, destaque-se que seu conceito se encontra no art. 27 do Decreto nº 2.181/97:
“Considera-se reincidência a repetição de prática infrativa, de qualquer natureza, às normas de defesa do
Oliveira Maria

consumidor, punida por decisão administrativa irrecorrível.” Ainda, o §3º do art. 59 do CDC afirma que “Em
caso de pendente ação judicial, na qual se discuta a imposição de penalidade administrativa, não haverá
de Oliveira

reincidência até o trânsito em julgado da sentença.” Aqui, insta salientar que, embora se trate de instituição
inspirada no direito penal, o conceito de reincidência para aplicação na seara administrativa não precisa,
Gisely de

necessariamente, observar as diretrizes adotadas pelo arts. 63 e 64 do Código Penal Brasileiro.


Gisely

3.1. Pena de multa

O art. 57 do CDC estabelece que a pena de multa será graduada de acordo com: 1) Gravidade da
infração; 2) Vantagem auferida; e 3) Condição econômica do fornecedor. O art. 28 do Decreto nº 2.181/97
inclui, ainda, como baliza para o valor da multa, “a extensão do dano causado aos consumidores” e “a
proporcionalidade entre a gravidade da falta e a intensidade da sanção”. Destaque-se que o Decreto nº
10.887 de 2021 incluiu os arts. 28-A e 28-B no Decreto nº 2.181/97, passando a prever a inviabilidade de
dupla valoração de elementos (os que “forem utilizados para a fixação da pena-base não poderão ser
valorados novamente como circunstâncias agravantes ou atenuantes”) e a regulamentação geral pelo
Secretário Nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública para “valoração das
circunstâncias” e “fixação da pena-base”.
Os valores decorrentes de multas aplicadas , nos termos do art. 30 do Decreto nº 2.181/97, “serão
destinadas para a reconstituição dos bens lesados, nos termos do disposto no caput do art. 13 da Lei nº 7.347,
de 1985, após aprovação pelo respectivo Conselho Gestor, em cada unidade federativa.” Nos termos do art.
31 do Decreto nº 2.181/97: “Na ausência de Fundos municipais, os recursos serão depositados no Fundo do
respectivo Estado e, faltando este, no Fundo federal.”

131
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA SANÇÕES ADMINISTRATIVAS • 12

Quanto aos valores, o parágrafo único do art. 57 do CDC: “A multa será em montante não inferior a
200 e não superior a 3 milhões de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente
que venha a substituí-lo.” Entretanto, o STJ já admitiu a fixação de montante em reais, desde que observados
os limites estabelecidos pelo parágrafo único do art. 57 do CDC (AgRg no REsp 1.466.104 / PE). Vale
mencionar que o art. 32 do Decreto nº 2.181/97 afirma que, quando houve infração à norma consumerista
de repercussão nacional ou em mais de um Estado, hipótese em que a apuração será realizada pelo órgão
coordenador do SNDC, a multa eventualmente aplicada terá 80% de seu percentual destinado aos fundos
dos Estados.
Para além da análise concreta do caso e averiguação da pena administrativa adequada, realizada pela
autoridade administrativa competente, o art. 22 do Decreto nº 2.181/97 estabelece a aplicação de multa
como sanção adequada à apuração de inserção de cláusulas abusivas.

3.2. Penas de apreensão, de inutilização de produtos, de proibição de fabricação


de produtos, de suspensão do fornecimento de produto ou serviço, de cassação
do registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso

Diz o art. 58 que “as penas de apreensão, de inutilização de produtos, de proibição de fabricação de
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produtos, de suspensão do fornecimento de produto ou serviço, de cassação do registro do produto e


revogação da concessão ou permissão de uso serão aplicadas pela administração, mediante procedimento
administrativo, assegurada ampla defesa, quando forem constatados vícios de quantidade ou de qualidade
por inadequação ou insegurança do produto ou serviço.”
O art. 21 do Decreto nº 2.181/97 destaca que a sanção de apreensão de produtos deve ocorrer
“quando os produtos forem comercializados em desacordo com as especificações técnicas estabelecidas em
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legislação própria”, e determina, em seu §1º, que “Os bens apreendidos, a critério da autoridade, poderão
ficar sob a guarda do proprietário, responsável, preposto ou empregado que responda pelo gerenciamento
do negócio, nomeado fiel depositário, mediante termo próprio, proibida a venda, utilização, substituição,
subtração ou remoção, total ou parcial, dos referidos bens.”
Maria -- CPF:

3.3. Penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão


Oliveira Maria

temporária da atividade, bem como a de intervenção administrativa


de Oliveira

O art. 59 diz que “as penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão
temporária da atividade, bem como a de intervenção administrativa, serão aplicadas mediante
Gisely de

procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando o fornecedor for reincidente na prática das
Gisely

infrações de maior gravidade previstas neste código e na legislação de consumo”.


Conforme §1º do art. 59: “A pena de cassação da concessão será aplicada à concessionária de
serviço público, quando violar obrigação legal ou contratual.” Ainda, o §2º do art. 59 estabelece que “A pena
de intervenção administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato desaconselharem a
cassação de licença, a interdição ou suspensão da atividade.” Portanto, a pena de intervenção
administrativa possui caráter subsidiário.
Segundo os §§2º e 3º do art. 18 do Decreto nº 2.181/97, as penas administrativas, quando impostas
a fornecedor de serviço ou produto cuja atividade seja normatizada por agência reguladora, as penas de
incisos IV a XI do art. 56 do CDC dependerão de “posterior confirmação pelo órgão normativo ou regulador”.
Ainda, a cassação da concessão de serviço público também deve observar o que previsto no art. 38,
§1º, da Lei nº 8.987/90, que trata dos serviços públicos e dispõe sobre a caducidade da concessão

3.4. Imposição de contrapropaganda

O art. 60 afirma que “a imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer
na prática de publicidade enganosa ou abusiva, sempre às expensas do infrator”. Trata-se de sanção já

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA SANÇÕES ADMINISTRATIVAS • 12

analisada quando dos comentários acerca da publicidade, valendo mencionar que, nos termos do art. 19 do
Decreto nº 2.181/97, a prática de publicidade enganos ou abusiva também implica no pagamento de multa.
A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e,
preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da
publicidade enganosa ou abusiva.

QUESTÕES DE CONCURSOS

1) (VUNESP – 2019 – TJ/RO - Juiz de Direito Substituto) A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o
mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-
-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias, assim como aplicando sanções
administrativas aos fornecedores, em caso de desobediência por parte deles, ressaltando-se que
A) a suspensão temporária de atividade, a inutilização do produto e a intervenção judicial são espécies de
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sanções administrativas.
B) as várias espécies de sanções administrativas serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito
de sua atribuição, vedando-se a cumulatividade.
C) a imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade
enganosa ou abusiva, devendo ser custeada, como regra, às expensas do infrator ou do poder público.
D) a multa, quando aplicada, será em montante não inferior a 200 (duzentas) e não superior a 2 (dois) milhões
CPF: 778.558.762-00

de vezes o valor da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente que venha a substituí-lo.
E) os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos fornecedores para que, sob pena de desobediência,
prestem informações sobre questões de interesse do consumidor, resguardado o segredo industrial.
Maria -- CPF:

2) (FCC - 2019 – TJ/AL - Juiz Substituto – adaptada) Quanto às sanções administrativas previstas no CDC,
considere os enunciados abaixo:
Oliveira Maria

I. As penas de apreensão, de inutilização de produtos, de proibição de fabricação de produtos, de suspensão


de Oliveira

do fornecimento de produto ou serviço, de cassação do registro do produto e revogação da concessão ou


permissão de uso serão aplicadas pela administração, mediante procedimento administrativo, assegurada
Gisely de

ampla defesa, quando forem constatados vícios de quantidade ou de qualidade por inadequação ou
Gisely

insegurança do produto ou serviço.


II. As penas de cassação de alvará de licença, de interdição e de suspensão temporária da atividade, bem
como a de intervenção administrativa, serão aplicadas mediante procedimento administrativo, assegurada
ampla defesa, quando o fornecedor reincidir na prática das infrações de maior gravidade previstas no CDC e
na legislação de consumo.
III. A pena de cassação da concessão será aplicada à concessionária de serviço público exclusivamente
quando violar obrigação legal.
IV. A pena de intervenção administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato aconselharem a
cassação de licença, a interdição ou a suspensão da atividade.
V. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade
enganosa ou abusiva sempre às expensas do infrator; a contrapropaganda será divulgada pelo responsável
da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de
forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva.

GABARITO COMENTADO

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA SANÇÕES ADMINISTRATIVAS • 12

1)Gabarito:E
Comentários:
A) Incorreta. A intervenção judicial não se encontra no rol do art. 56 do CDC.
B) Incorreta. Em desconformidade com o conteúdo do parágrafo único do art. 56 do CDC, que estabelece
que “As sanções previstas neste artigo serão aplicadas pela autoridade administrativa, no âmbito de sua
atribuição, podendo ser aplicadas cumulativamente, inclusive por medida cautelar, antecedente ou incidente
de procedimento administrativo.”
C) Incorreta. Em desconformidade com o conteúdo do art. 60 do CDC, que dispõe que “A imposição de
contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou
abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.”
D) Incorreta. Em desconformidade com o conteúdo do parágrafo único do art. 57 do CDC, que estabelece
que “A multa será em montante não inferior a duzentas e não superior a três milhões de vezes o valor da
Unidade Fiscal de Referência (Ufir), ou índice equivalente que venha a substituí-lo”.
E) Correta. É o que prevê o §4º do art. 55 do CDC: “Os órgãos oficiais poderão expedir notificações aos
fornecedores para que, sob pena de desobediência, prestem informações sobre questões de interesse do
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consumidor, resguardado o segredo industrial.”


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2) Gabarito: I. CORRETA; II. CORRETA; III. INCORRETA; IV.INCORRETA; V.CORRETA.


Comentários:
I. Correta. Alinha-se ao conteúdo do art. 58 do CDC, que dispõe que “As penas de apreensão, de inutilização
de produtos, de proibição de fabricação de produtos, de suspensão do fornecimento de produto ou serviço,
de cassação do registro do produto e revogação da concessão ou permissão de uso serão aplicadas pela
CPF: 778.558.762-00

administração, mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando forem


constatados vícios de quantidade ou de qualidade por inadequação ou insegurança do produto ou serviço.”.
II. Correta. Alinha-se ao conteúdo do art. 59 do CDC, que dispõe que “As penas de cassação de alvará de
licença, de interdição e de suspensão temporária da atividade, bem como a de intervenção administrativa,
Maria -- CPF:

serão aplicadas mediante procedimento administrativo, assegurada ampla defesa, quando o fornecedor
reincidir na prática das infrações de maior gravidade previstas neste código e na legislação de consumo.”
Oliveira Maria

III. Incorreta. Desconforme do conteúdo do art. 59, §1º do CDC, que afirma que: “A pena de cassação da
de Oliveira

concessão será aplicada à concessionária de serviço público, quando violar obrigação legal ou contratual.”
IV. Incorreta. Desconforme do conteúdo do art. 59, §2º do CDC, que afirma que: “A pena de intervenção
Gisely de

administrativa será aplicada sempre que as circunstâncias de fato desaconselharem a cassação de licença, a
Gisely

interdição ou suspensão da atividade.”


V. Correta. Alinha-se ao conteúdo do art. 60 do CDC, que dispõe que “A imposição de contrapropaganda será
cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art.
36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.”

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Gisely
Gisely de
de Oliveira
Oliveira Maria
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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

INFRAÇÕES PENAIS
INFRAÇÕES PENAIS • 13

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA INFRAÇÕES PENAIS • 13

Corroborando seu caráter de microssistema, o CDC estabelece disposições tipificando condutas


violadoras dos direitos dos consumidores. Isso evidencia que o caráter de direito fundamental dos direitos
consumeristas (art. 5º, XXXII, da CF/88) merece tutela ampliada, através da aplicação da última “ratio”
representada pelo Direito Penal.
A tipificação dos delitos contra as relações de consumo representa ramo do que a doutrina denomina
“Direito Penal Econômico” em sentido amplo, na medida em que tutelam o bem jurídica “ordem econômica”
e, especificamente, os direitos consagrados no microssistema consumerista. 65
Conforme destacado pelo art. 61 do CDC, as disposições previstas no título II não são as únicas que
tipificam condutas que violam bens juridicamente vinculados ao consumidor, havendo também disposições
de tal natureza no Código Penal (ex: arts. 272 e 273), na Lei nº 8.137/90 (Art. 7º), na Lei nº 1.521/51, na Lei
nº 7.492/86, na Lei nº 6766/79 (art. 50, III), no Estatuto do Torcedor etc.
Os tipos previstos no CDC (arts. 63 a 74) possuem características em comum:

• São todos de menor potencial ofensivo (pena máxima não superior a dois anos, cumulada ou não
com multa – art. 61 da Lei 9.099/95) e afiançáveis por autoridade policial (pena máxima não
superior a quatro anos – art. 322 do CPP);
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• São todos dolosos, ressalvados os previstos nos arts. 63 e 66 do CDC;


• São todos punidos com detenção;
• São, em sua maioria, de perigo abstrato; e
• O CDC não estabelece responsabilização da Pessoa Jurídica.

A disposição dos tipos permite, ainda, identificar a existência de três subgrupos ligados à tutela penal
CPF: 778.558.762-00

de diposições consumeristas específicas, quais sejam: princípio da segurança (arts. 66 a 69 do CDC); princípios
da publicidade (arts. 66 a 69 do CDC); princípio da informação (arts. 72 e 73 do CDC).
Em geral, a análise dos crimes do CDC se resume ao conteúdo legal (letra de lei). São relevantes as
seguintes peculiaridades:
Maria -- CPF:

1) Art. 63 do CDC: “Omitir dizeres ou sinais ostensivos sobre a nocividade ou periculosidade de


Oliveira Maria

produtos, nas embalagens, nos invólucros, recipientes ou publicidade” – Possui modalidade culposa (§2º) e
é crime omissivo próprio (só pode ser praticado pelo fornecedor que tem o dever de informar, a ser
de Oliveira

identificado na forma dos arts. 3º, 8º e 9º do CDC, incidindo especificamente sobre o integrante da cadeia
de fornecimento responsável pela rotulagem, no caso do “caput”, ou pelo fornecedor responsável pela
Gisely de

publicidade no tipo do §1º), não admitindo tentativa e nem exigindo resultado concreto.
Gisely

Seu bem jurídico imediato é o direito conferido ao consumidor pelos arts. 4º, IV e 6º, III do CDC,
enquanto o objeto material são os produtos (art. 3º I do CDC) nocivos ou perigosos (arts. 8º e 9º do CDC), no
caso do “caput”, e os serviços perigosos, no caso do §1º, valendo mencionar que a incidência no tipo do art.
63 não impede a cumulação com eventual incidência típica decorrente do evento lesivo gerado pelo produto
nocivo ou perigoso;
2) Art. 64 do CDC: “Deixar de comunicar à autoridade competente e aos consumidores a nocividade
ou periculosidade de produtos cujo conhecimento seja posterior à sua colocação no mercado” – Hipótese
que tutela e pune o descumprimento dos deveres do art. 10, §§1º e 2º (periculosidade superveniente).
Também é crime omissivo próprio, não admite tentativa e nem exige resultado concreto.
Seu bem jurídico imediato é o direito conferido ao consumidor pelos arts. 4º, IV e 6º, III do CDC,
bastando a “colocação no mercado” para que o tipo se aperfeiçoe, sendo irrelevante o acesso ou não do
consumidor a ele. Diversamente do art. 63 do CDC, não só o fabricante pode ser sujeito ativo do tipo,
podendo nele incidir o comerciante ou qualquer outro integrante da cadeia de fornecimento que tenha
conhecimento do defeito ou vício e não se desincumba do ônus do art. 10, §§1º e 2º do CDC.

65 CUNHA, Rogério Sanches, et. al (Org). Leis Penais Especiais Comentadas. 4ªEd. Salvador: Jus Podivm, 2021.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA INFRAÇÕES PENAIS • 13

O dever de comunicação é cumulativo, devendo o agente “comunicar à autoridade competente e


aos consumidores”, constituindo a omissão com relação a um deles suficiente à tipificação do evento. O
prazo para comunicação não é estabelecido pelo tipo ou pelo art. 10, §§1º e 2º, de modo que se entende
que a locução “imediatamente” deve compreender tempo razoável destinado à preparação dos anúncios
publicitários.
Contrariamente ao antecessor, o art. 64 não se refere aos serviços, valendo mencionar que a
incidência no tipo do art. 64 também não impede a cumulação com eventual incidência típica decorrente do
evento lesivo gerado pelo produto nocivo ou perigoso.
Se a conduta omissiva é seguida da exposição à venda ou da venda do produto nocivo ou perigoso,
o fornecedor passará a incorrer no crime do art. 7º, IX da Lei nº 8.137/90 ou, a depender do objeto, nos tipos
dos arts. 272 ou 273 do CPB.
O parágrafo único do tipo prevê uma “forma especializada de desobediência 66” que ocorre nas
hipóteses de omissão na realização de “recall”, não se fazendo necessário que a ordem descumprida seja
específica ao fornecedor, na medida em que a determinação genérica também satisfaz a exigência do tipo.
3) Art. 65 do CDC: “Executar serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de
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autoridade competente”. – Hipótese que tutela e pune o descumprimento dos deveres do art. 10, “caput”
do CDC (periculosidade exagerada). É crime próprio, podendo ocorrer na modalidade ativa ou omissiva,
admite tentativa e não exige resultado concreto.
Note-se que a conduta típica diz respeito somente aos “serviços” (art. 3º, §2º do CDC), sendo
criticada a expressão “alto grau de periculosidade” diante do princípio da taxatividade penal, demandando,
portanto, norma definitória extrapenal ou, ao menos, que se trate de situação onde a “determinação de
autoridade competente” seja descumprida.
CPF: 778.558.762-00

O §2º equipara “A prática do disposto no inciso XIV do art. 39 desta Lei” ao “crime previsto no caput
deste artigo”, disposição criticada pela doutrina, que a reputa hipótese de “administrativização do direito
penal67”, aduzindo a necessidade de interpretação restritiva de seu conteúdo para que a superlotação
Maria -- CPF:

represente hipótese típica apenas quando seja “capaz de expor a perigo abstrato a vida, a saúde ou a
segurança do público”.
Oliveira Maria

O §1º do dispositivo deixa clara a possibilidade de ocorrência de concurso entre as penas do tipo do
de Oliveira

“caput” e as decorrentes da lesão efetiva, sendo a modalidade de concurso (formal ou material) a ser apurada
de acordo com o caso concreto. Ademais, se as vítimas expostas a perigo forem determinadas
intencionalmente pelo agente, a tipificação passará a ser a do art. 132 do CPB.
Gisely de
Gisely

4) Art. 66 do CDC: “Fazer afirmação falsa ou enganosa, ou omitir informação relevante sobre a
natureza, característica, qualidade, quantidade, segurança, desempenho, durabilidade, preço ou garantia de
produtos ou serviços”. É crime próprio (em geral, cometido pelo comerciante, podendo, contudo, ser
cometido pelo fabricante, p. ex., no caso do art. 37, p.u. do CDC), podendo ocorrer na modalidade ativa
(primeira parte do “caput”) ou omissiva (segunda parte do “caput”), admite tentativa (na 1ª parte do tipo
apenas) e não exige resultado concreto.
Cuida-se de tipo que tutela a observância ao princípio da informação, nos termos do art. 4º, “caput”,
6º, III e 31 do CDC, ligando-se ao “marketing” não publicitário, realizado, em geral, pelo vendedor no
momento da venda (já que “marketing” publicitário compõe o tipo dos arts. 67 a 69 do CDC). Quanto a este
último, oferta norte interpretativo adequado a elementar normativa “informação relevante” contida no tipo.
O §2º tipifica a forma culposa do delito.
5) Art. 67 do CDC: “Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser enganosa ou
abusiva”. É crime próprio (em geral, cometido pelo fornecedor que promove o “marketing” publicitário), que

66 Id. Ibidem.
67 Id.

137
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA INFRAÇÕES PENAIS • 13

ocorre na modalidade comissiva (o tipo é múltiplo alternativo), não exige resultado concreto (se há
resultado concreto a conduta passa a ser tipificada pelo art. 7º, VII da Lei nº 8.137/90) e admite tentativa.
Cuida-se de tipo que tutela a observância ao princípio da transparência, nos termos do art. 4º,
“caput”, 6º, IV e 31 do CDC, ligando-se ao “marketing” publicitário. A definição de enganosidade e
abusividade encontra-se nos §§1º a 3º do art. 37 do CDC.
O elemento volitivo exigido é o dolo que, contudo, se aperfeiçoa quando o agente “sabe ou deveria
saber”
6) Art. 68 do CDC: “Fazer ou promover publicidade que sabe ou deveria saber ser capaz de induzir o
consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa a sua saúde ou segurança”. É crime próprio
(em geral, cometido pelo fornecedor que promove o “marketing” publicitário), instantâneo (que, contudo,
admite tentativa) e de perigo abstrato68 (consuma-se independentemente de resultado lesivo). O tipo tutela
a saúde e a segurança dos consumidores, direitos básicos previstos nos arts. 4º, “caput” e 6º, IV do CDC,
ligando-se à vedação da promoção de publicidade abusiva inscrita no art. 37, §2º do CDC.
O art. 7.º, VII, da Lei n.º 8.137/90 traz delito semelhante, embora tenha por diferença o fato de o tipo
prever a necessidade de efetiva indução a erro. Além disso, o dispositivo da Lei n.º 8.137/90 trata do
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consumidor individualmente considerado, não tutelando o direito coletivo à publicidade não abusiva e não
enganosa.
7) Art. 69 do CDC: “Deixar de organizar dados fáticos, técnicos e científicos que dão base à
publicidade”. É crime omissivo próprio (em geral, cometido pelo fornecedor que promove o “marketing”
publicitário), de perigo abstrato (não exige resultado concreto) e não admite tentativa.
Cuida-se de tipo que tutela a observância ao princípio da transparência, nos termos do art. 4º,
CPF: 778.558.762-00

“caput”, 6º, III e IV e 36, p.u. do CDC, ligando-se ao “marketing” publicitário. A conduta tipificada encontra
crítica na doutrina diante do princípio da fragmentariedade e do caráter de última “ratio” do direito penal,
em razão da existência de “distanciamento demasiado da lesividade por efetivo menoscabo do bem
jurídico69”.
Maria -- CPF:

8) Art. 70 do CDC: “Empregar na reparação de produtos, peça ou componentes de reposição usados,


sem autorização do consumidor”. É delito especial de autor (em geral, cometido pelo fornecedor que realiza
Oliveira Maria

o serviço), de perigo abstrato (não exige resultado concreto), formal e admite tentativa.
de Oliveira

Cuida-se de tipo que tutela o patrimônio, a saúde e a segurança do consumidor70, nos termos dos
arts. 4º, “caput”, 6º, IV e 21 do CDC, ligando-se, também, à observância da boa-fé objetiva no bojo das
Gisely de

relações consumeristas.
Gisely

Se houver prejuízo patrimonial efetivo, o tipo será absorvido pelo crime de estelionato (art. 171 do
CPB), assim como o será na hipótese de lesão ou morte do consumidor em razão do emprego das partes
usadas. O tipo é passível de concurso com o delito do art. 7º, VII da Lei nº 8.137/90 quando houver afirmação
específica de que o componente é novo e não houver prejuízo efetivo ao consumidor.
9) Art. 71 do CDC: “Utilizar, na cobrança de dívidas, de ameaça, coação, constrangimento físico ou
moral, afirmações falsas incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o
consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer”. É delito especial
de autor (em geral, cometido pelo fornecedor que realiza a cobrança em nome próprio ou mediante
delegação), de perigo abstrato (não exige resultado concreto), formal e admite tentativa.

68 Há parcela da doutrina que repute se tratar de crime de perigo concreto (CUNHA, Rogério Sanches, et. al (Org). Leis Penais Especiais

Comentadas. 4ªEd. Salvador: Jus Podivm, 2021).


69 CUNHA, Rogério Sanches, et. al (Org). Leis Penais Especiais Comentadas. 4ªEd. Salvador: Jus Podivm, 2021.
70 “consumidor singularmente considerado”, dada a elementar do tipo consistente na necessidade de ausência de autorização,

embora os autores afirmem que a doutrina majoritária aponta a coletividade de consumidores como sujeito passivo (CUNHA, Rogério
Sanches, et. al (Org). Leis Penais Especiais Comentadas. 4ªEd. Salvador: Jus Podivm, 2021).

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA INFRAÇÕES PENAIS • 13

Cuida-se de tipo que tutela a dignidade do consumidor coletiva e individualmente considerado, nos
termos dos arts. 4º, “caput”, 6º, IV e 42 do CDC, ligando-se, também, à observância da boa-fé objetiva no
bojo das relações consumeristas. A consumação se dá de forma vinculada, apenas quando se emprega
“ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas”.
A ameaça aqui, por não exigir a elementar grave e injusta, não é igual a do art. 147 do CPB, podendo
haver concurso entre elas, assim como no caso em que o constrangimento físico gerar lesão efetiva, hipótese
em que poderá haver concurso com o tipo do art. 129 do CPB ou com o tipo do art. 148 do CPB quando
houver restrição à liberdade.
10) Art. 72 do CDC: “Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele
constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros”. É crime próprio de mera conduta, pois só pode
ser praticado pela entidade mantenedora do banco de dados ou cadastro. Além disso, é de perigo abstrato
(não exige resultado concreto, salvo no caso do impedimento, que deve ser seguido do efetivo resultado de
bloqueio ao acesso), formal e não admite tentativa.
Cuida-se de tipo que tutela a autoderminação informativa do consumidor coletiva e individualmente
considerado, nos termos do art. 5º, X da CRFB/88 c/c art. 43, “caput” e §1º do CDC.
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11) Art. 73 do CDC: “Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de
cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata”. É crime omissivo
próprio, pois só pode ser praticado pela entidade mantenedora do banco de dados ou cadastro. Além disso,
é de perigo abstrato (não exige resultado concreto), de mera conduta, formal e não admite tentativa.
Cuida-se de tipo que tutela a observância ao princípio da transparência, nos termos do art. 4º,
“caput” e 6º, III e IV do CDC, e a autoderminação informativa do consumidor coletiva e individualmente
considerado, nos termos do art. 5º, X da CRFB/88 c/c art. 43, “caput” e §1º do CDC.
CPF: 778.558.762-00

O momento de consumação do tipo se da “imediatamente”, conforme elementar nele contida.


Contudo, parcela da doutrina defende a aplicação do prazo do art. 43, §3º (5 dias úteis). Ademais, quanto
aos dados tratados pela Lei do Cadastro Positivo (Lei nº 12.414/11), há de se observar o prazo de 02 dias.
Maria -- CPF:

12) Art. 74 do CDC: “Deixar de entregar ao consumidor o termo de garantia adequadamente


preenchido e com especificação clara de seu conteúdo”. Dispositivo que tutela o comando do art. 50 do CDC.
Oliveira Maria

É crime omissivo próprio, de mera conduta e de perigo abstrato e sua aplicação é questionada diante do
de Oliveira

princípio da intervenção mínima.


Cuida-se de tipo que tutela o patrimônio e o direito à informação do consumidor individualmente ou
Gisely de

coletivamente considerado.
Gisely

13) Art. 75 do CDC: “Quem, de qualquer forma, concorrer para os crimes referidos neste código,
incide as penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade, bem como o diretor, administrador ou
gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer modo aprovar o fornecimento, oferta,
exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a oferta e prestação de serviços nas
condições por ele proibidas.”
Embora de redação confusa, o dispositivo não estabelece hipótese de responsabilização da Pessoa
Jurídica. Trata-se de regra que se soma à regra de autoria prevista no art. 18 do CP, especificando a
possibilidade de imputação a agentes com poder de direção de pessoas jurídicas.
14) Art. 76 do CDC: “São circunstâncias agravantes dos crimes tipificados neste código: grave crise
econômica (em geral identificada com a recessão econômica) ou por ocasião de calamidade (em geral
decretada pelo poder executivo); grave dano individual ou coletivo; dissimular-se a natureza ilícita; por
servidor público, ou por pessoa cuja condição econômico-social seja manifestamente superior à da vítima;
em detrimento de operário ou rurícola; de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas
portadoras de deficiência mental interditadas ou não; envolvam alimentos, medicamentos ou quaisquer
outros produtos ou serviços essenciais.”
O CDC estabelece agravantes que se somam às agravantes previstas nos arts. 61 e 62 do CP.

139
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA INFRAÇÕES PENAIS • 13

15) Art. 77 do CDC: “A pena pecuniária prevista nesta Seção será fixada em dias-multa,
correspondente ao mínimo e ao máximo de dias de duração da pena privativa da liberdade cominada ao
crime. Na individualização desta multa, o juiz observará o disposto no art. 60, §1°, do Código Penal.”
O CDC traz regra especial de cálculo da multa penal, adotando como parâmetro mínimo e máximo
dos dias-multa a duração da pena privativa de liberdade, diversamente dos marcos fixo (10 a 360 dias)
previstos no art. 49 do CPB, matendo-se, contudo, o parâmetro de valor contido no art. 60 do CPB (1/30 a 5
salários mínimos, aumentada até o triplo, se o caso).
16) Art. 78 do CDC: “Além das penas privativas de liberdade e de multa, podem ser impostas,
cumulativa ou alternadamente, observado odisposto nos arts. 44 a 47, do Código Penal: I – a interdição
temporária de direitos; II – a publicação em órgãos de comunicação de grande circulação ou audiência, às
expensas do condenado, de notícia sobre os fatos e a condenação; III – a prestação de serviços à
comunidade.”
Diversamente do que ocorre no art. 44 do CP, que estabelece penas restritivas de direitos que são
autônomas e substituem as privativas de liberdade, o art. 78 do CDC estatui penas restritivas de direito que
são alternativas ou cumulativas às penas privativas de liberdade. Na hipótese de aplicação do inciso II, pode
haver a adoção complementar dos critérios do art. 60 do CDC, que trata da contrapropaganda, assim como
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a aplicação do inciso III encontra seus parâmetros executivos no art. 46 do CPB.


17) “O valor da fiança, nas infrações de que trata este código, será fixado pelo juiz, ou pela autoridade
que presidir o inquérito, entre cem e duzentas mil vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN), ou
índice equivalente que venha a substituí-lo.”
Cuida-se de regra especial relativa à fiança que perdeu utilidade diante da revogação dos parâmetros
de arbitramento do Bônus do Tesouro Nacional (BTN) pela Lei nº 8.177/91, de modo que a regra a ser
CPF: 778.558.762-00

adotada para a fixação da fiança aos delitos consumeristas deve seguir o comando do art. 325 do CPP.
Ademais, em sendo os tipos do CDC de menor potencial ofensivo, submetem-se, em sua maioria, ao
comando do art. 69 da Lei nº 9.099/95, que rechaça a viabilidade da prisão em flagrante.
Maria -- CPF:

18) Art. 80 do CDC: “No processo penal atinente aos crimes previstos neste código, bem como a
outros crimes e contravenções que envolvam relações de consumo, poderão intervir, como assistentes do
Oliveira Maria

Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82, inciso III e IV, aos quais também é facultado propor
de Oliveira

ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo legal.”


Trata-se de ampliação das regras de assistência dos arts. 268 a 273 do CPP e da propositura de ação
Gisely de

penal subsidiária (art. 5º, LIX da CRFB/88). A locução “bem como a outros crimes e contravenções que
Gisely

envolvam relações de consumo” deixa claro que os assistentes elencados pelo dispositivo podem se habilitar
não só nas ações penais que tratam de crimes tipificados no CDC, mas em todos os delitos que versem a
tutela das relações de consumo, como os previstos no art. 7º da Lei nº 8.137/90.
Destaca a doutrina que a inserção das “entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou
indireta” no rol de legitimados à propositura de ação penal subsidiária viola o comando dos arts. 5º, LIX e
129, I da CRFB/88, que estabelecem o caráter privado de tal tipo de ação supletiva e a privatividade do
Ministério Público como órgão público titular da ação penal 71.

QUESTÕES DE CONCURSOS
1) (CESPE / CEBRASPE – 2019 - MPE-PI - Promotor de Justiça Substituto -adaptada)
A respeito das normas de direito penal e processo penal previstas no CDC, julgue os itens a seguir.
I. Omitir sinais ostensivos sobre a nocividade de produtos em embalagens constitui conduta delitiva punida
quando praticada com dolo ou culpa.
II. O diretor de pessoa jurídica que promover o fornecimento de produtos em condições proibidas incide nas
penas cominadas aos crimes previstos no CDC, na medida de sua culpabilidade.

71 CUNHA, Rogério Sanches, et. al (Org). Leis Penais Especiais Comentadas. 4ªEd. Salvador: Jus Podivm, 2021.

140
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA INFRAÇÕES PENAIS • 13

III. É circunstância agravante dos crimes tipificados no CDC o cometimento em detrimento de menor de
dezoito anos de idade, de maior de sessenta anos de idade ou de pessoas com deficiência mental,
interditadas ou não.
IV. Além das penas privativas de liberdade e de multa, pode ser imposta, cumulativa ou alternativamente, a
pena de liquidação compulsória da pessoa jurídica.

2) (FCC – 2018 - DPE-MA - Defensor Público) Em relação aos dispositivos penais previstos no Código de
Defesa do Consumidor, é correto afirmar:
A) Os legitimados para a propositura da ação civil pública, desde que pessoas jurídicas de direito público,
podem ingressar como assistentes do Ministério Público nas denúncias oferecidas por seus membros.
B) São circunstâncias que agravam a pena o fato de o crime ser cometido em período de grave crise
econômica ou por ocasião de calamidade.
C) Não há previsão de pena alternativa à privativa de liberdade, com exceção da prestação de serviços à
comunidade.
D) A fiança deve observar os limites previstos no Código de Defesa do Consumidor, não podendo ser
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aumentada ou diminuída em atenção a capacidade financeira do sujeito ativo.


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E) A pena de multa será fixada entre cem e duzentas mil vezes o valor do Bônus do Tesouro Nacional (BTN),
ou índice equivalente que venha a substituí-lo.

GABARITO COMENTADO
1)Gabarito: I. CORRETA; II. CORRETA; III.CORRETA; IV. INCORRETA.
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Comentários:
I – Correta. Alinha-se ao conteúdo do art. 63 caput e §2º do CDC.
II – Correta. Alinha-se ao conteúdo do art. 75 do CDC, que dispõe que “Quem, de qualquer forma, concorrer
Maria -- CPF:

para os crimes referidos neste código, incide as penas a esses cominadas na medida de sua culpabilidade,
bem como o diretor, administrador ou gerente da pessoa jurídica que promover, permitir ou por qualquer
Oliveira Maria

modo aprovar o fornecimento, oferta, exposição à venda ou manutenção em depósito de produtos ou a


de Oliveira

oferta e prestação de serviços nas condições por ele proibidas.”


III – Correta. Alinha-se ao conteúdo do art. 76, IV, “b“, do CDC, que dispõe que “São circunstâncias agravantes
Gisely de

dos crimes tipificados neste código: (...) IV - quando cometidos: (...) b) em detrimento de operário ou rurícola;
Gisely

de menor de dezoito ou maior de sessenta anos ou de pessoas portadoras de deficiência mental interditadas
ou não;”
IV – Incorreta. A pena de liquidação compulsória da pessoa jurídica não consta do rol de penas alternativas
prevista no art. 78 do CDC.

2) Gabarito: B
Comentários:

A) Incorreta. Em desconformidade com o art. 80 do CDC, que aduz que “No processo penal atinente aos
crimes previstos neste código, bem como a outros crimes e contravenções que envolvam relações de
consumo, poderão intervir, como assistentes do Ministério Público, os legitimados indicados no art. 82, inciso
III e IV, aos quais também é facultado propor ação penal subsidiária, se a denúncia não for oferecida no prazo
legal.”
B) Correta. Alinha-se ao conteúdo do art. 76, I do CDC, que dispõe que “São circunstâncias agravantes dos
crimes tipificados neste código: (...) I - serem cometidos em época de grave crise econômica ou por ocasião
de calamidade”.

141
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA INFRAÇÕES PENAIS • 13

C) Incorreta. Em desconformidade com o art. 78, I e II do CDC.


D) Incorreta. Em desconformidade com o art. 79, parágrafo único do CDC que estabelece que “Se assim
recomendar a situação econômica do indiciado ou réu, a fiança poderá ser: a) reduzida até a metade do seu
valor mínimo; b) aumentada pelo juiz até vinte vezes.”
E) Incorreta. Os critérios citados pela assertiva são usados para a fixação de fiança e não de multa, conforme
conteúdo do art. 79 do CDC.
Gisely de
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de Oliveira CPF: 778.558.762-00
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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA

DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO

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DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

1. INTRODUÇÃO

O título III do CDC trata da “Defesa do Consumidor em Juízo” e, embora consagre disposições que
influenciam no tradicional processo civil (à época de sua publicação regido pelo CPC/73), possui papel de
relevo no ordenamento jurídico brasileiro por tratar de maneira destacada e pioneira de vários aspectos do
processo coletivo.
A massificação das relações de consumo e a amplitude das práticas consumeristas indicam que o
tratamento adequado dos direitos consagrados no microssistema consumerista do CDC é fundamentalmente
coletivo, pois a constatação de práticas abusivas e violações à teoria da qualidade, em geral, se espraia a
diversas relações travadas entre o fornecedor e o mercado.
Nesse sentido, o direito consumerista, com seu inegável caráter social, se enquadra no que se
denominou de direitos de terceira geração ou dimensão dos direitos humanos e, por tal razão, não se
mostra adequadamente tutelado pela tradicional lógica individualista de reconhecimento e processualização
de direitos.
O potencial multiplicador das demandas consumeristas aliado à vulnerabilidade dos consumidores
ressalta a relevância de se observar as lides submetidas ao CDC sob a perspectiva macro, conjugando casos
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ao invés de molecularizá-los, sempre em busca de uma tutela efetiva dos direitos consagrados no
microssistema consumerista.
Dessa forma, a busca pela implementação do processo coletivo mostra-se diretamente vinculada à
adequada tutela do direito do consumidor e, por tal motivo, o legislador consumerista dedicou importante
título à definição de institutições relativas ao processo coletivo, fazendo com que o CDC seja parte relevante
do Microssistema de Direito Coletivo (Arts. 21 da Lei n.º 7.347/85 c/c 90 do CDC).
CPF: 778.558.762-00

Entende-se por microssistema de direito coletivo integração existente entre o CDC, a Lei de
Improbidade Administrativa, a Lei de Ação Civil Pública e a Lei do Mandado de Segurança, sem a exclusão de
aspectos trazidos por outros diplomas que tratam da temática coletiva (Lei do Idoso, ECA, etc.) para efeito
de tratamento das demandas coletivas “lato sensu”. O CDC apresenta especial relevância nesse contexto em
Maria -- CPF:

razão da aplicação de seu Título III como o diploma processual mais completo para a regência das contendas
coletivas.
Oliveira Maria

Em razão da existência de tal microssistema, o tratamento dos direitos coletivos passa a se submeter
de Oliveira

a uma espécie de roteiro que não se limita a um diploma legal, assim sintetizado por Didier e Zaneti: “a)
buscar a solução no diploma específico (...) b) buscar a solução no microssistema, soma da Lei de Ação Civil
Gisely de

Pública com o Tít. III do CDC (...) c) buscar nos demais diplomas que tratam sobre processos coletivos 72”.
Gisely

O STJ reconheceu expressamente a exitência de tal microssistema no REsp 510.150/MA, ocasião em


que o relator Min Luiz Fux ressaltou a “intercambialidade” e a “subsidiariedade” entre as leis que compõem
o microssistema, características que se assemelham ao diálogo entre fontes nas três modalidades estudadas
no Capítulo 1 deste livro.
Por fim, insta salientar, ainda, que, usualmente, afirmava-se que a aplicação do Código de Processo
Civil se dava de forma subsidiária (apenas se frustrado o caminho de três passos supracitado). Entretanto,
com o advento do novo CPC em 2015, o legislador processualista passou a estabelecer uma relação de “mão
dupla”73 com o microssistema de processo coletivo, o que autoriza a realização de um verdadeiro diálogo de
fontes entre o novo CPC e o microssistema coletivo.

2. DIREITOS COLETIVOS LATO SENSU

72 DIDIER JUNIOR, Fredie et. al. Curso de direito Processual Civil . Vol. 4, 14ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 80.
73 Idem ibidem.

144
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

De acordo com o art. 81 do CDC: “a defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas
poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.”
O parágrafo único de tal dispositivo, quando lido em conjunto com o art. 21 da LACP, estabelece
conceitos acerca do que se entende por Direitos Coletivos Lato Sensu, afirmando que a defesa coletiva será
exercida quando se tratar de:
A) “Interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais,
de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.”
Perceba que os direitos difusos são indivisíveis, possuem titulares indeterminados e são ligados por
circunstâncias fáticas.
Um exemplo é que quando é veiculado uma propaganda em canal de televisão, atinge-se um número
indeterminado de pessoas, que poderão ser atingidas ou não, mas estão ligadas entre si por uma
circunstância fática, visto que inexiste qualquer contrato. Essa propaganda é um direito indivisível, eis que
ela será exibida ou não. Não há como ser exibida para algumas partes e para outras não.
Outro exemplo se refere ao dano ambiental. Ele também é tipo clássico de dano a direito difuso, pois
atinge bem indivisível (meio ambiente equilibrado), com titulares indeterminados (toda a sociedade) ligados
entre si por uma circunstância fática (serem moradores de um determinado local).
B) “Interesses ou direitos coletivos strictu sensu, assim entendidos, para efeitos deste código, os
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transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas
entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base.”
Portanto, os direitos coletivos strictu sensu são indivisíveis, possuem titulares indeterminados e
seus titulares são ligados com a parte contrária por uma relação jurídica base. Logo, no direito difuso, há
uma relação fática, enquanto no coletivo, há uma relação jurídica.
Ex.: o direito dos alunos de determinada faculdade à razoável qualidade de ensino é um direito
CPF: 778.558.762-00

transindividual indivisível para um grupo de pessoa determinada e que tenham uma relação jurídica com a
parte contrária.
Como salientado por Didier e Zanetti, a relação jurídica base “pode dar-se entre os membros do
grupo “affectio societatis” ou pela sua ligação com a parte contrária” e “necessita ser anterior à lesão (caráter
Maria -- CPF:

de anterioridade) 74”.
C) “Interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem
Oliveira Maria

comum.
de Oliveira

Os interesses ou direitos individuais homogêneos são divisíveis; possuem titulares determinados e


origem comum pós-fato lesivo. Note-se que “não é necessário, contudo, que o fato se dê em um só lugar ou
Gisely de

momento histórico, mas que dele decorra a homogeneidade entre os direitos dos diversos titulares de
Gisely

pretensões individuais”75.
Na verdade, ontologicamente, a categoria não envolve, propriamente, um direito coletivo “lato
sensu”, mas sim um direito individual tratado de forma coletiva que, por opção legislativa, mediante expressa
inclusão no art. 81 do CDC, teve seu tratamento coletivo viabilizado em razão de imperativos de coerência
interna do direito (evitar decisões conflitivas), de economia processual e de maximização do acesso à justiça.
Exemplo: cobrança indevida de valores referentes a fretes de veículos novos, adquiridos de empresas
concessionárias de veículos por inúmeros consumidores. Quem pagou, sofreu a lesão. Ou seja, várias pessoas
sofreram a lesão em razão daquela cobrança.
É possível falar em simultaneidade de lesões a direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos?
Sim. Nada impede que, diante de uma mesma situação, existam direitos difusos, coletivos ou individual
homogêneo.
Exemplo: um banco traz, em seus contratos, uma cláusula abusiva. Essa cláusula implica cobrança de
multa exagerada e indevida. Supondo que 100 pessoas foram cobradas e já pagaram essa multa indevida.

74 Ibidem.
75 Id.

145
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

Cada uma delas foi lesada, tendo todas o direito a uma prestação divisível, que é o ressarcimento ao que
pagaram (direito individual homogêneo).
Além das 100 pessoas que pagaram essa multa, existem milhares de outras pessoas que celebraram
o contrato com o banco, mas que ainda não incorreram em mora e não pagaram a multa. No entanto, estão
sujeitas a esse pagamento. Então, é importante que essa cláusula seja declarada nula para que essas pessoas
não venham a incorrer em risco. Trata-se de um direito coletivo, pois ou se anula a cláusula para todos ou
não será anulada para ninguém.
Um exemplo recente de tutela a direito coletivo diz respeito ao reconhecimento do dano moral
coletivo, espécie autônoma de dano que envolve a violação à “integridade psico-física da coletividade, bem
de natureza estritamente transindividual e que, portanto, não se identifica com aqueles tradicionais atributos
da pessoa humana (dor, sofrimento ou abalo psíquico), amparados pelos danos morais individuais” (REsp
1.737.412 / SE).
De fato, entende o STJ que “O dano moral coletivo se dá in re ipsa, contudo, sua configuração
somente ocorrerá quando a conduta antijurídica afetar, intoleravelmente, os valores e interesses coletivos
fundamentais, mediante conduta maculada de grave lesão, para que o instituto não seja tratado de forma
trivial, notadamente em decorrência da sua repercussão social.” (REsp 1.840.463 / SP)
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São exemplos de seu reconhecimento a já mencionada Teoria do Desvio Produtivo (REsp 1.737.412
/ SE); caso em que emissora de televisão que exibe quadro que, potencialmente, poderia criar situações
discriminatórias, vexatórias, humilhantes às crianças e aos adolescentes (REsp 1.517.973 / PE); e a exploração
de jogo de azar ilegal (REsp 1.567.123 / RS); “A alienação de terrenos a consumidores de baixa renda em
loteamento irregular, tendo sido veiculada publicidade enganosa sobre a existência de autorização do órgão
público e de registro no cartório de imóveis, configura lesão ao direito da coletividade e dá ensejo à
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indenização por dano moral coletivo.” (REsp 1.539.056 / MG); e Tráfego de veículos com excesso de peso
(REsp 1.574.350 / SC).

3. LEGITIMADOS
Maria -- CPF:

O art. 5º da Lei nº 7.347/85 e o art. 82 do CDC estabelecem os legitimados para a propositura da


Oliveira Maria

demanda coletiva. Trata-se de sistema misto/pluralista (entes públicos e privados), sendo relevante se
mencionar que, diferentemente do que ocorre no sistema de class actions americano, o direito pátrio
de Oliveira

presume a legitimação dos elencados no rol legal (sistema ope legis), admitindo apenas excepcionalmente
e para alguns legitimados o chamado controle de legitimação adequada exercido pelo juiz (ope judicis), como
Gisely de

por exemplo o que ocorre com as associações, que devem demonstrar pertinência temática entre o objeto
Gisely

social e a demanda proposta (REsp 1.213.614 / RJ e AgInt no REsp 1.619.154 / SC).


A legitimação para a propositura de demandas coletivas é concorrente, disjuntiva e extraordinária
(STF – RE 193.503 / SP – e STJ – REsp 876.936 / RJ), ressalvado o caso das associações, que, por força do art.
5º, XXI, da CF/88 atuam por representação dos que a autorizam, mesmo minoritários.
Observe os legitimados elencados pela lei e a possibilidade de controle de legitimidade com relação
a eles:
A) Ministério Público: O MP, se não propõe a demanda, sempre intervém (Arts. 5º, §1º, da Lei da
Ação Civil Pública – LACP – e 92 do CDC).
Considerando suas funções institucionais (art. 129 da CF/88), o MP sempre será legitimado para
propor demandas coletivas que versem direitos difusos e coletivos “strictu sensu” (STF, RE 163231/SP e
STJ, REsp 910.192/MG).
Com relação ao direito individual homogêneo, a jurisprudência vai dizer que a legitimidade para
propor ação civil pública pelo Ministério Público se fará presente quando estivermos diante de caso em que
se tutela: Direito Indisponível ou Direito Disponível de relevante interesse social ou repercussão no

146
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

interesse público. (RE 500.879-AgR, rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 26-05-2011; RE 472.489-
AgR, rel. Min. Celso De Mello, Segunda Turma, DJe de 29-08-2008 e REsp 1.585.794 / MG).
São exemplos de hipóteses em que o MP foi reconhecido como legitimado: direito do consumidor
(REsp 856.378); Súmula 643 do STF: O MP tem legitimidade para promover ACP cujo fundamento seja a
ilegalidade de reajuste de mensalidades escolares; Tratamento médico ou entrega de medicamentos com
beneficiários individualizados (REsp 1.682.836 / SP); Serviços Públicos (Súmula 601 do STJ); contratos de
compra e venda de imóveis com cláusulas pretensamente abusivas; Revogação da Súmula 470 do STJ –
DPVAT; Anular ato administrativo de aposentadoria que importe em lesão ao patrimônio público(RE
409.356); Objetivando a liberação do saldo de contas PIS/PASEP de incapazes (REsp 1.480.250 / RS); O
Ministério Público Federal é parte ilegítima para ajuizar ação civil pública que visa à anulação da tramitação
de Projeto de Lei do Plano Diretor de município, sendo a parte legitima o MPE (REsp 1.687.821 / SC); morte
de menor indígena (AgInt no AREsp 1.688.809 / SP); cobrança de encargos bancários supostamente abusivos
(REsp 1.573.723 / RS).
Atenção para o art. 1º, Parágrafo Único, da LACP, que afirma que não é possível ajuizar ação coletiva,
inclusive para o MP, sobre “Tributos, Contribuições Previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de
Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional”. Entretanto, o STF, no RE 576.155 / DF, admitiu o
ajuizamento de ação civil pública pelo MP visando combater isenção tributária e, além disso, estabeleceu
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que “O Ministério Público tem legitimidade para a propositura da ação civil pública em defesa de direitos
sociais relacionados ao FGTS”. (RE 643978)
O art. 5º, §3º, da LACP estabelece o princípio da disponibilidade motivada no âmbito da ação
coletiva, afirmando que “Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada,
o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa.” Note-se que o MP e os demais
legitimados não são obrigados a assumir o polo passivo, devendo, contudo, justificar sua postura. O STJ já
CPF: 778.558.762-00

entendeu que o dispositivo não vale para outra associação assumir o polo ativo (REsp 1.405.697-MG).
Entretanto, quando da execução de eventual sentença coletiva, vige o princípio da obrigatoriedade
da execução pelo MP (Art. 15 da LACP).
Maria -- CPF:

Derradeiramente, destaque-se que o STJ já entendeu ser possível a inversão do ônus da prova em
favor do MP em demanda coletiva que versava direito consumerista (EREsp 1.134.957 / SP).
Oliveira Maria

B) Defensoria Pública (art. 5º, II, da LACP): A defensoria Pública é legitimada ativa para propositura
de Oliveira

da demanda coletiva que busque a tutela dos “necessitados” (art. 134 da CF/88), mesmo que beneficie
outras pessoas (RE 733.433). A interpretação do termo “necessitados” deve se dar de forma ampliativa,
Gisely de

incluindo, para além dos necessitados socioeconômicos, as minorias (Exemplo: STF, RCL 22614, que tratou
Gisely

de Quilombolas) e outros setores sociais desfavorecidos socialmente. Há, também, hipóteses de legitimação
legal por matéria atinentes à Defensoria Pública, como o Estatuto da Pessoa com Deficiência, o ECA, o
Estatuto do Idoso etc. (EREsp 1.192.577 / RS).
C) Administração Direta e Indireta: No caso dos órgãos da Administração Direta, tem-se exigido
vinculação institucional com o direito discutido, enquanto no caso da Administração Indireta deve-se apurar
a pertinência temática. As Fundações Privadas encontram-se englobadas no conceito de administração
indireta (AR 497/BA).
D) Conselho Federal da OAB e Órgaos Seccionais da OAB (Art. 54, XIV, EOAB): O STJ já decidiu que
o CFOAB e as seccionais da OAB não precisam de demonstrar pertinência temática (REsp 1351760/PE).
E) Associações de Direito Privado (art. 5º, V, da LACP e 82, IV, do CDC): As associações de direito
privado devem demonstrar Pertinência Temática/Objetiva/Finalística entre o direito discutido e sua
finalidade estatutária. Entretanto, o STJ tem entendido que não se faz necessária previsão expressa do direito
defendido no Estatuto, admitindo-se interpretação extensiva dos termos previstos (REsp 876.931/RJ).
Devem ademais, estar pré-constituídas ha pelo menos um ano da data do ajuizamento. O requisito
de pré-constituição da associação poderá ser dispensado, conforme se verifica no art. 82, §1º. Segundo o
dispositivo, o requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse

147
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser
protegido.
Quanto à atuação das Associações de Direito Privado, é fundamental discernir duas formas:
• Atuação ordinária: em litisconsórcio ou substituição com seus associados, na forma do art. 5º,
XXI da CRFB/88 (ex: associação que ajuíza demanda cobrando parcelas salariais indevidamente
suprimidas do contracheque de seus afiliados);
• Atuação extraordinária coletiva: hipótese de atuação coletiva facultada pelos arts. 5º, V, da LACP
e 82, IV, do CDC, onde a associação age como legitimada extraordinária para defesa de direitos
coletivos “lato sensu” de seus associados (ex: associação de servidores que ajuíza demanda
postulando o reconhecimento do direito de pagamento de adicional de insalubridade a toda
categoria por equiparação a categoria paradigma).
No primeiro caso, de atuação ordinária, o STF entende que o ajuizamento de ação coletiva por
associação depende de autorização assemblear específica e de apresentação de lista de beneficiários no
momento de ajuizamento da demanda, conforme previsão dos arts. 5º, XXI, da CF/88 e 2º da Lei nº 9.494/97
(RE-RG 612.043), de modo que o direito eventualmente concedido na sentença só beneficiará quem era
filiado no momento do ajuizamento da demanda (REsp 1.468.734 / SP).
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Entretanto, o próprio STF ressalva que a exigência de autorização assemblear específica e a


apresentação do rol de filiados no momento do ajuizamento da ação somente se aplica às demandas
coletivas ajuizadas através de ação ordinária, não se estendendo ao caso em que as associações propõem
mandado de segurança coletivo ou demanda coletiva propriamente, hipóteses em que ocorre a atuação por
legitimação extraordinária prevista nos artigos 5º, inciso LXX, alínea “b”, da CF/88, 5º, V, da LACP e 82, IV, do
CDC.
CPF: 778.558.762-00

Sobre o tema: “É desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes,
bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título judicial
decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil” (ARE
1.293.130). No mesmo sentido o STJ: “Em ação civil pública proposta por associação, na condição de
Maria -- CPF:

substituta processual, possuem legitimidade para a liquidação e execução da sentença todos os beneficiados
pela procedência do pedido, independentemente de serem filiados à associação promovente.” (REsp
Oliveira Maria

1.438.263 / SP) Em reforço: “É desnecessária a apresentação nominal do rol de filiados para o ajuizamento
de Oliveira

de Ação Civil Pública por associação. (REsp 1.325.857 / RS)


O STJ entendeu que Associação de Municípios não é legitimada a propor demanda coletiva em
Gisely de

benefício de seus associados (REsp 1.503.007 / CE) e que associação com fins específicos de proteção ao
Gisely

consumidor não possui legitimidade para o ajuizamento de ação civil pública com a finalidade de tutelar
interesses coletivos de beneficiários do seguro DPVAT (REsp 1.091.756 / MG).
F) Sindicatos (Art. 8º, III, da CF/88): Os sindicatos não precisam de registro no MTE para propor
demandas coletivas (RE 370834/MS) e a demanda proposta não precisa de autorização prévia dos
sindicalizados, pois se trata de hipótese de substituição processual constitucionalmente autorizada (RE
193.503/SP), de modo que o benefício pode ser para a categoria toda, mesmo os não sindicalizados.
G) Cooperativas (art. 21, XI e 88-A da Lei nº 5.764/71): As cooperativas podem propor demanda
coletiva em benefício de seus cooperados, desde que haja previsão estatutária e autorização assemblear.
Nos termos do art. 5º, §§2º e 5º, da LACP, pode haver litisconsórcio entre legitimados, inclusive
entre MPs de diferentes âmbitos institucionais (STJ, REsp 1444484/RN e STF, ACO 1020/SP).

4. ESTÍMULO À EFETIVIDADE

O art. 83 do CDC destaca que, para a defesa dos direitos e interesses protegidos pelo CDC, são
admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. Trata-se do

148
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

princípio da amplitude do processo ou da absoluta instrumentalidade, que é reforçado pelos arts. 12 e 21


da LACP, arts. 83 e 90 do CDC e art. 5º XXXV, da CF/88.
Por outro lado, o art. 84 do CDC afirma que: “na ação que tenha por objeto o cumprimento da
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará
providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.”
Portanto, o objetivo da ação coletiva e do processo que tutela os direitos do consumidor é dar
preferência à tutela específica, o que dá ensejo ao reconhecimento do princípio da maior coincidência entre
o direito e a realização, de modo que fica claro que as perdas e danos são subsidiárias.
Inclusive, o §1º do art. 84 assenta que a conversão da obrigação em perdas e danos somente será
admissível se: o autor da ação optar por essa medida; a tutela específica se tornar impossível; ou o resultado
prático correspondente ao adimplemento se tornar impossível.
Ainda, o §2º estabelece que a indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa. Isso
significa dizer que será possível aplicar as astreintes, ainda que haja indenização por perdas e danos e por
inadimplemento. Não há qualquer relação entre a multa diária e a indenização pelo inadimplemento.
O §3º afirma, a seu turno, que, “sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado
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receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação
prévia, citado o réu.” Ou seja, se houver periculum in mora e fumus boni iuris, o juiz poderá conceder a tutela
liminarmente. O direito básico do consumidor é a prevenção e a reparação dos danos.
Visando reforçar o comando anterior, o §4º afirma que “o juiz poderá, na hipótese de concessão da
tutela liminar ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for
suficiente ou compatível com a obrigação, o juiz fixará multa diária e fixará um prazo razoável para o
CPF: 778.558.762-00

cumprimento do preceito, sob pena de incidência daquela.”


Ainda, o §5º afirma que, para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente,
poderá o juiz determinar as medidas necessárias, tais como: busca e apreensão; remoção de coisas e pessoas;
desfazimento de obra; impedimento de atividade nociva; e requisição de força policial.
Maria -- CPF:

Por fim, há de se destacar que, como forma de busca pela efetividade, vige no processo coletivo o
Oliveira Maria

princípio da primazia do conhecimento do mérito (arts. 4º; 139; 282,§2º, IX; 317, caput e §2º; 319, §2º; 321;
352; 485, §§1º e 7º; 485; e 488, todos do NCPC), que demanda do julgador o emprego do maior esforço
de Oliveira

possível para avaliar o mérito da demanda, evitando a sua extinção sem resolução do mérito.
Gisely de

5. CUSTAS, EMOLUMENTOS, DESPESAS E HONORÁRIOS


Gisely

O art. 87 do CDC estabelece que “nas ações coletivas do CDC, não haverá adiantamento de custas,
emolumentos, honorários periciais e quaisquer outras despesas, nem condenação da associação autora,
salvo comprovada má-fé, em honorários de advogados, custas e despesas processuais.” A previsão é
reforçada pelos arts. 17 e 18 da LACP.
A ideia é facilitar o acesso ao poder judiciário para os legitimados, buscando a obtenção de ampla e
efetiva tutela dos direitos do consumidor. O dispositivo é claro acerca da inexigibilidade de exigência de
adiantamento de honorários periciais. Esse tema vem sendo debatido na jurisprudência, pois o STJ entende
que o MP não pode ser obrigado a antecipar tais honorários (REsp 1.253.844 / SC), enquanto o STF entendeu,
com base no art. 91, §§1º e 2º, do CPC/15, que o MP deve realizar tal adiantamento a custa de sua dotação
orçamentária (ACO 1.560).
De todo modo, não há isenção de custas no caso de execução individual de sentença coletiva,
inclusive na liquidação (REsp 1.637.366 / SP), valendo mencionar que, por aplicação do princípio da
reciprocidade, o STJ vem entendendo que não há ônus sucumbenciais na hipótese de procedência da ação
coletiva (EREsp nº 1.531.504 / CE).

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

6. AÇÃO DE REGRESSO DO COMERCIANTE

O art. 88 do CDC dispõe que “na hipótese do art. 13, parágrafo único do CDC, a ação de regresso
poderá ser ajuizada em processo autônomo, facultada a possibilidade de prosseguir-se nos mesmos autos,
vedada a denunciação da lide.”
Esse dispositivo veda a denunciação à lide nas demandas consumeristas, como já destacado no
capítulo relativo à teoria da qualidade. Por se tratar de dispositivo que assegura proteção ao consumidor,
eventual denunciação à lide realizada e deferida não pode ser contestada pelo denunciado com base na
vedação do art. 88 do CDC, pois o consumidor pode entender que a integração do terceiro lhe beneficia em
termos de ampliação de garantias.
O prazo prescricional para a realização da denunciação da lide, por ausência de disposição legal
específica, é o decenal previsto no art. 205 do CC/02.

7. APLICAÇÃO DAS REGRAS DO CPC E DA LEI DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA

Segundo o art. 90 do CPC: “aplicam-se às ações previstas neste título as normas do Código de
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Processo Civil e da Lei n° 7.347, de 24 de julho de 1985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo
que não contrariar suas disposições.”
De fato, considerando as especificidades dos direitos coletivos, o sistema estabelecido pelo Código
de Processo Civil somente pode ser aplicado ao processo coletivo quando com ele compatível, em especial
quando se tem em mente que o CPC traz regras que foram pensadas para a tutela individual.

8. COMPETÊNCIA
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O art. 93 do CDC, em conjunto com o art. 2º da LACP, preceitua que: “ressalvada a competência da
Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer
o dano, quando de âmbito local; II - no foro da Capital do Estado ou no do Distrito Federal, para os danos
Maria -- CPF:

de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência
concorrente.”
Oliveira Maria

Cuida-se de hipótese excepcional de competência territorial funcional/absoluta definida de acordo


de Oliveira

com a extensão do dano, devendo as regras de prevenção do CPC/15 ser aplicadas na hipótese em que
houver mais de um juízo competente.
Gisely de
Gisely

9. PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E RIGHT TO OPT IN

O art. 94 do CPC afirma que: “proposta a ação, será publicado edital no órgão oficial, a fim de que
os interessados possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos
meios de comunicação social por parte dos órgãos de defesa do consumidor.”
O dispositivo é responsável por traçar as diretrizes do princípio da ampla divulgação da demanda,
que se conecta diretamente ao princípio do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF/88) e ao príncípio da
universalidade da jurisdição (amplo acesso).
O legislador busca garantir, na maior extensão possível, que seja oportunizado aos consumidores o
exercício do right to opt in, ou seja, o direito de se integrar à demanda para acompanhar a análise de direito
que podem ser titulares. Entretanto, o STJ entende que a não publicação do edital previsto no art. 94 do CDC
não gera nulidade (REsp 205.481 / MG).
Entretanto, o CDC, em seu artigo 104, afirma que “as ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do
parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa
julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os

150
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da
ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”
Portanto, de acordo com a lógica inicialmente pensada pelo legislador, o ingresso do consumidor na
demanda coletiva que versa direito que julga ser titular seria opcional, podendo o indivíduo ajuizar ação
autônoma se assim o quiser, tendo em vista a ausência de litispendência.
O STJ, porém, passou a entender ser possível a suspensão de todas as ações individuais pelo juiz nas
hipóteses em que ajuizada demanda coletiva versando a mesma causa de pedir (REsp nº 1.243.887 / PR e
REsp nº 1.525.327 / PR), o que acaba por destituir de eficácia o comando do art. 104 do CDC.

10. SENTENÇA NO PROCESSO COLETIVO

O art. 95 estabelece que: “Em caso de procedência do pedido, a condenação será genérica, fixando
a responsabilidade do réu pelos danos causados.”
É decorrência direta do processo coletivo a inviabilidade de se fixar minuciosamente toda a extensão
da condenação. Assim, a adequação da sentença ao caráter coletivo do direito discutido se dá através da
permissão de que ela seja proferida de maneira genérica, mediante apenas o reconhecimento da
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responsabilidade do réu, sem que seja necessário identificar os beneficiados e o tipo exato de direito a ser
deferido, relegando-se tal apuração para momento posterior.
Tal momento é denominado liquidação imprópria. De acordo com o art. 97 do CDC: “a liquidação e
a execução de sentença poderão ser promovidas pela vítima e seus sucessores, assim como pelos legitimados
de que trata o art. 82.” É o que se chama de transporte in utilibus da coisa julgada, o qual é expressamente
previsto no art. 103, §3º, do CDC para os direitos individuais homogêneos, embora também seja pacífica a
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possibilidade de sua realização no caso de direitos difusos e direitos coletivos strictu sensu.
A liquidação na demanda coletiva é denominada imprópria porque é necessário que o liquidante
comprove a sua condição de titular daquele direito, dispondo de procedimento similar ao ordinário no
processo coletivo, onde poderá postular provas de qualquer natureza, de acordo com o direito discutido, de
Maria -- CPF:

forma similar ao procedimento previsto no art. 509, II, do CPC/15 (antigo procedimento de liquidação por
artigos).
Oliveira Maria

Portanto, o titular de direito individual certificado em sentença coletiva deve propor demanda
de Oliveira

autônoma de liquidação imprópria, ocasião em que deverá demonstrar a existência e extensão de seu direito
(ex: após o reconhecimento de fraude financeira por parte de empresa de marketing digital pela justiça de
Gisely de

um Estado, os consumidores que também tiveram prejuízos em decorrência da fraude devem juntar
Gisely

documentação comprovando abertura de conta e pagamentos em benefício da empresa).


De outro lado, somando-se à faculdade de suspensão de demandas similares, o STJ também entende
que “Nas ações coletivas é possível a limitação do número de substituídos em cada cumprimento de
sentença, por aplicação extensiva do art. 113, §1º, do Código de Processo Civil.” (REsp 1.947.661 / RS)
Além disso, o próprio art. 97 do CDC destaca a possibilidade de liquidação e execução pelos
legitimados coletivos, sendo reforçado pelo art. 98 que assenta que “a execução poderá ser coletiva, sendo
promovida pelos legitimados de que trata o art. 82, abrangendo as vítimas cujas indenizações já tiveram
sido fixadas em sentença de liquidação, sem prejuízo do ajuizamento de outras execuções.” Nos termos do
§1º do art. 98: “a execução coletiva far-se-á com base em certidão das sentenças de liquidação, da qual
deverá constar a ocorrência ou não do trânsito em julgado.”
Portanto, o que se percebe é que a execução coletiva pode ser realizada pelos legitimados tanto em
benefício de pessoas que tenham sido expressamente contempladas na sentença coletiva, quanto com
relação a danos coletivos ali reconhecidos (ex: sentença coletiva que reconhece danos ambientais em um
rio, a ocorrência de dano moral coletivo e afirma o direito de pensionamento de piscicultores pode ser
executada pelo legitimado que a propôs para recebimento do valor dos danos morais coletivos e para o
recebimento do pensionamento para posterior divisão entre os piscicultores).

151
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

Contudo, o STJ entendeu que “O Ministério Público não possui legitimidade para promover a
execução coletiva do art. 98 do Código de Defesa do Consumidor por ausência de interesse público ou social
a justificar sua atuação.” (REsp 1.801.518 / RJ) Destarte, nas hipóteses de Direitos Individuais Homogêneos,
a corte entendeu que a presença de direitos disponíveis sem interesse social inviabiliza a propositura da
execução coletiva pelo MP.
Ainda sobre a execução coletiva, destaque-se que o STF admitiu em repercussão geral o
fracionamento de precatórios para que a execução dos créditos individuais de beneficiários da demanda
coletiva seja feita através de RPVs (RE 568.645-RG, Rel. Min. Cármen Lúcia, DJe de 13/11/2014).
Quem será o juízo competente para execução?
Nos termoso do art. Art. 98, §2º, do CDC, o juízo competente para a execução será:

• O Juízo da liquidação da sentença ou da ação condenatória: nos casos de execução individual;


• O Juízo da ação condenatória: nos casos de execução coletiva.

Entretanto, o STJ entende que à liquidação individual de sentença coletiva consumerista também se
aplica o comando do art. 101, I, do CDC, que faculta a propositura da demanda no domicílio do consumidor
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(REsp 1243887 / PR), o que acaba por restringir o comando do art. 16 da Lei da Ação Civil Pública, tendo o
STF acolhido ao menos implicitamente o entendimento do STJ no segundo acordo realizado na ADPF 165.
Portanto, a execução da sentença coletiva, caso seja feita individualmente, poderá ser proposta:

• Juízo da ação condenatória;


• Juízo de domicílio da vítima (que é onde foi feita a liquidação);
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• Juízo de domicílio do réu.

Esse entendimento acaba por inviabilizar as disposição sobre limites territoriais da coisa julgada
estabelecidas pelo art. 16 da LACP (“A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da
Maria -- CPF:

competência territorial do órgão prolator (...)”) e pelo art. 2º-A, caput, da Lei nº 9.494/95 (“A sentença civil
prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos
Oliveira Maria

dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio
no âmbito da competência territorial do órgão prolator”).
de Oliveira

Tais dispositivos já eram reputados pela doutrina como inconstitucionais, em razão de ferirem os
princípios da Igualdade e do devido processo legal substantivo, e ineficazes, pois confundiam conceitos de
Gisely de
Gisely

jurisdição e competência, além de contrariarem o art. 103, III, do CDC, tendo o STF corroborado a tese em
sede de repercussão geral: “I - É inconstitucional o art. 16 da Lei 7.347/1985, alterada pela Lei 9.494 /1997.
II – Em se tratando de ação civil pública de efeitos nacionais ou regionais, a competência deve observar o art.
93, II, da Lei 8.078/1990. III – Ajuizadas múltiplas ações civis públicas de âmbito nacional ou regional, firma-
se a prevenção do juízo que primeiro conheceu de uma delas, para o julgamento de todas as demandas
conexas”. (RE 1101937)
Por outro lado, o art. 99 do CDC vai estabelecer que: “em caso de concurso de créditos decorrentes
de condenação prevista na Lei 7.347/85 (LACP) e de indenizações pelos prejuízos individuais resultantes do
mesmo evento danoso, estas terão preferência no pagamento.”
Em outras palavras, havendo indenizações fixadas a título coletivo e indenizações fixadas a títulos
individuais, resultantes do mesmo evento danoso, as execuções a título individual terão preferência de
pagamento.
O parágrafo único deste artigo diz ainda que “a destinação da importância recolhida ao fundo criado
pela Lei n°7.347 de 24 de julho de 1985, ficará sustada enquanto pendentes de decisão de segundo grau as
ações de indenização pelos danos individuais, salvo na hipótese de o patrimônio do devedor ser
manifestamente suficiente para responder pela integralidade das dívidas”.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

Ainda tratando da execução da sentença coletiva, o art. 100 do CDC estabelece que: “decorrido o
prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano,
poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.”
O dispositivo trata da fluid recovery, que visa assegurar a integralidade da reparação do dano e evitar
a criação de situação em que o descumprimento da lei seja lucrativo ao violador. Nesse caso, o produto da
indenização devida reverterá para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos e a execução se submete ao
princípio da obrigatoriedade, ou seja, os legitimados, em especial o MP, são obrigados a promover a fluid
recovery.

11. COISA JULGADA

Visto que a sentença coletiva deve ser genérica e que a sua execução depende de ajuizamento de
liquidação imprópria, na qual o beneficiário deve comprovar a existência e a extensão de seu direito, cumpre
analisar o regime especial da coisa julgada aplicável ao processo coletivo, visando, em especial, definir os
beneficiários e o regime de sua formação.
Nesse sentido, o art. 103 do CDC estabelece que: “nas ações coletivas de que trata este código, a
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sentença fará coisa julgada”:

• erga omnes, caso se trate de direitos difusos, exceto se o pedido for julgado improcedente por
insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação, com
idêntico fundamento valendo-se de nova prova:
Trata-se de coisa julgada secundum eventum probationis, ou seja, se o pedido for julgado
improcedente por falta de provas, será possível a propositura de nova ação pelo mesmo legitimado ou por
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qualquer pessoa, desde que fundada em novos elementos de prova.


Veja, se o direito é difuso e o pedido foi julgado procedente, então a sentença vai fazer coisa julgada
erga omnes. Da mesma forma, se o pedido for julgado improcedente, também fará coisa julgada erga omnes,
atingindo a todos legitimados e pessoas, desde que a improcedência não se funde em carência de provas.
• ultra partes, no caso de direitos coletivos, mas limitadamente ao grupo, categoria ou classe,
Maria -- CPF:

salvo se julgado improcedente o pleito por insuficiência de provas:


Oliveira Maria

No caso de direito coletivo em que o pedido for julgado procedente, a coisa julgada será ultra partes.
Se foi julgado improcedente o pedido, também fará coisa julgada ultra partes.
de Oliveira

No entanto, não fará coisa julgada no caso em que o pedido seja improcedente por insuficiência de
provas. Neste caso, poderá ser proposta nova ação, desde que fundada em novo elemento de prova, pois a
Gisely de

coisa julgada nos direitos coletivos strictu sensu também se forma secundum eventum probationis.
Gisely

• erga omnes, no caso de direitos individuais homogêneos, apenas no caso de procedência do


pedido para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores:
Julgado procedente o pedido, a sentença fará coisa julgada erga omnes. Por outro lado, se for julgado
improcedente o pedido, não haverá coisa julgada erga omnes, ficando apenas os legitimados impedidos de
propor nova demanda.
A coisa julgada, nos direitos individuais homogêneos, é secundum eventum litis. Isto é, só se forma
em caso de procedência.
O §1º do art. 103 estabelece que os efeitos da coisa julgada para os direitos difusos e para os direitos
coletivos não prejudicarão os direitos individuais dos integrantes da coletividade, do grupo, categoria ou
classe. O legislador parte da diferenciação entre direitos individuais e coletivos lato sensu.
O §2º, a seu turno, aduz que na hipótese de direitos individuais homogêneos, caso haja a
improcedência do pedido, os interessados que não tiverem participado do processo como litisconsortes
poderão propor ação de indenização a título individual, partindo do pressuposto de que a coisa julgada
coletiva somente atingirá o particular que exercer o right to opt in previsto no art. 94 do CDC.

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

No mesmo sentido, de acordo com o art. 104, as ações coletivas que discutem os direitos difusos e
direitos coletivos, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga
omnes ou ultra partes dos direitos coletivos e dos direitos individuais homogêneos não beneficiarão os
autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de 30 dias, a contar da ciência
nos autos do ajuizamento da ação coletiva.
Entretanto, como visto anteriormente, o entendimento do STJ de que o juiz pode suspender
forçadamente o curso das demandas eventuais para aguardar julgamento de demanda coletiva que versa a
mesma causa de pedir (REsp nº 1.243.887 / PR e REsp nº 1.525.327 / PR) acaba por destituir de eficácia os
comandos dos arts. 103, §§1º e 2º, e 104 do CDC.

12. PRESCRIÇÃO

O STJ tem entendido que o prazo prescricional para o ajuizamento de demandas coletivas é de cinco
anos, mediante aplicação integrativa do art. 21 da Lei de Ação Popular - Lei nº 4.717/65 (AgRg nos EAREsp
119.895/PR, Rel. Ministro FELIX FISCHER, CORTE ESPECIAL, julgado em 29/08/2012, DJe de 13/09/2012).
A citação válida em ação coletiva configura causa interruptiva do prazo de prescrição para o
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ajuizamento da ação individual, independentemente de “opt in”. (AgRg nos EDcl no REsp 1426620 / RS).
Portanto, o ajuizamento da demanda coletiva por qualquer legitimado interrompe o prazo prescricional
relativo à causa de pedir ali discutida, inclusive com relação às eventuais demandas coletivas.
Entretanto, no caso de ação individual proposta posteriormente à propositura da demanda coletiva,
o STJ entende que “a interrupção da prescrição quinquenal, para recebimento das parcelas vencidas, é a data
de ajuizamento da lide individual, salvo se requerida a sua suspensão, na forma do art. 104 da Lei n.
8.078/1990.” (REsp 1.761.874 / SC- Tema 1005)
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No mesmo sentido, entende o STJ que “A liquidação da sentença coletiva, promovida pelo Ministério
Público, não tem o condão de interromper o prazo prescricional para o exercício da pretensão individual de
liquidação e execução pelas vítimas e seus sucessores.” (REsp 1.758.708 / MS) De fato, seja no caso da “Fluid
Maria -- CPF:

Recovery” do art. 100 do CDC, seja na hipótese de ajuizamento de execução de algum capítulo da sentença
coletiva pelo MP, em nenhuma das hipóteses o “parquet” atua em benefício de direitos individuais.
Oliveira Maria

Interrompido, o prazo prescricional se reinicia com o trânsito em julgado da sentença coletiva, sendo
de Oliveira

desnecessária a providência de que trata o art. 94 da Lei n. 8.078/90 para tanto (REsp nº 1.388.000 / PR).

ATENÇÃO!
Gisely de
Gisely

A Terceira Turma do STJ tem aparentado se alinhar ao entendimento de que o silêncio do legislador
ao não fixar prazo específico para a presecrição da demanda coletiva foi eloquente, o que daria caráter
imprescritível para a demanda. Nesse sentido o seguinte precedente: “O prazo de 5 (cinco) anos para o
ajuizamento da ação popular não se aplica às ações coletivas de consumo.” (REsp 1.736.091 / PE).

13.DISPOSIÇÕES PROCESSUAIS ESPECÍFICAS DO MICROSSISTEMA


CONSUMERISTA

O art. 101 do CDC traz as seguintes normas processuais específicas da demanda consumerista:

• A ação pode ser proposta no domicílio do autor;


Cuida-se de direito assegurado em benefício do acesso do consumidor à justiça, nos termos do art.
6º, VII, do CDC. Trata-se de opção do consumidor, que também pode ajuizar a ação no domicílio do
fornecedor, se assim lhe convier. Portanto, a regra do art. 101 do CDC encerra hipótese de competência
relativa (AgInt no AREsp 814.539 / PR).
O STJ entende que a cláusula de eleição de foro contida no contrato firmado entre o consumidor e
o fornecedor nem sempre será tida como abusiva, devendo o magistrado avaliar, no caso concreto, se a sua

154
JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

observância implicará em violação do direito do consumidor de acessar livremente a justiça e de promover


sua defesa ou se há hipossuficiência, caso em que ela deve ser anulada (REsp 1.675.012 / SP).
Portanto, apenas nas hipóteses em que houver hipossuficiência ou barreira ao acesso à justiça é que
o magistrado estará legitimado a, mesmo de ofício, declarar a nulidade da cláusula de eleição de foro, nos
termos dos arts. 6º, VIII e 51, XV, do CDC c/c art. 63, §3º, do CPC/15.

• O réu que houver contratado seguro de responsabilidade poderá chamar ao processo o


segurador, vedada a integração do contraditório pelo Instituto de Resseguros do Brasil.
Quando se promove uma ação contra o fornecedor, é possível que ele tenha celebrado um seguro
de responsabilidade.
Ex.: cirurgião plástico faz um seguro de responsabilidade. Se um dia esse médico é acionado por um
consumidor, poderá “chamar ao processo” a seguradora. Nessa hipótese, os dois irão integrar a lide e a
sentença condenará ambos. A hipótese, em geral, seria de denunciação da lide (art. 125, II, do CPC/15).
Entretanto, dada a vedação a tal incidente pelo art. 88 do CDC, o legislador optou por criar a exceção através
de regime especial de intervenção de terceiro que denominou “chamamento”.
Além disso, a segunda parte do inciso II do art. 101 do CDC aduz que “se o réu houver sido declarado
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falido, o síndico será intimado a informar a existência de seguro de responsabilidade, facultando-se, em caso
afirmativo, o ajuizamento de ação de indenização diretamente contra o segurador, vedada a denunciação da
lide ao Instituto de Resseguros do Brasil e dispensado o litisconsórcio obrigatório com este.”
Por fim, o art. 102 do CDC estabelece que “os legitimados a agir na forma deste código poderão
propor ação visando compelir o Poder Público competente a proibir, em todo o território nacional, a
produção, divulgação, distribuição ou venda, ou a determinar a alteração na composição, estrutura, fórmula
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ou acondicionamento de produto, cujo uso ou consumo regular se revele nocivo ou perigoso à saúde pública
e à incolumidade pessoal.”

QUESTÕES DE CONCURSOS
1)(VUNESP – 2019 – TJ/RJ– Juiz Substituto) Em conformidade com o que disciplina o Código de Defesa do
Maria -- CPF:

Consumidor sobre os interesses ou direitos individuais homogêneos, assinale a alternativa correta.


Oliveira Maria

A) O Ministério Público não é parte legítima para atuar em defesa dos interesses individuais homogêneos
dos consumidores.
de Oliveira

B) A respectiva coisa julgada terá efeitos ultra partes, com a reparabilidade indireta do bem cuja titularidade
é composta pelo grupo ou classe.
Gisely de
Gisely

C) A marca de seu objeto é a indivisibilidade e a indisponibilidade, ou seja, não comportam fracionamento e


não podem ser disponibilizados por qualquer dos cotitulares.
D) São interesses na sua essência coletivos, não podendo ser exercidos em juízo individualmente.
E) A origem comum exigida para a configuração dos interesses individuais homogêneos pode ser tanto de
fato como de direito.

2) (FUNDEP -2019 – MPE/MG - Promotor de Justiça Substituto)


Assinale a alternativa incorreta, de acordo com a jurisprudência do STJ:
A) A liquidação e a execução individual de sentença prolatada em ação civil pública relativa a direitos
individuais homogêneos pode ser ajuizada no foro do domicílio do beneficiário, porquanto os efeitos e a
eficácia da sentença não estão circunscritos a lindes geográficos, mas aos limites objetivos e subjetivos do
que foi decidido, levando-se em conta, para tanto, sempre a extensão do dano e a qualidade dos interesses
metaindividuais postos em juízo.
B) O Ministério Público tem legitimidade subsidiária para promover a execução de sentença proferida em
ação coletiva que envolva interesses individuais homogêneos, na hipótese de os interessados lesados se

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

desinteressarem do seu cumprimento individual, sendo os valores apurados revertidos ao Fundo de


Interesses Difusos.
C) O termo inicial para a contagem dos juros de mora, decorrentes de sentença proferida em ação coletiva
sujeita à liquidação, tem início a partir da citação do devedor na fase de conhecimento, quando a ação se
fundar em responsabilidade contratual, cujo inadimplemento já produza a mora, salvo a configuração da
mora em momento anterior.
D) A divulgação ampla, pelos meios de comunicação social impressos, da sentença de procedência proferida
em ação coletiva de consumo relacionada a interesses individuais homogêneos é a forma mais adequada e
efetiva para garantir aos eventuais beneficiados pela decisão o acesso à jurisdição.

GABARITO COMENTADO
1) Gabarito: E
Comentários:
A) Incorreta. Com relação ao direito individual homogêneo, a jurisprudência vai dizer que a legitimidade para
propor ação civil pública pelo Ministério Público se fará presente quando estivermos diante de caso em que
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se tutela: Direito Indisponível ou Direito Disponível de relevante interesse social ou repercussão no interesse
público. (RE 500.879-AgR, rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe de 26-05-2011; RE 472.489-AgR, rel.
Min. Celso De Mello, Segunda Turma, DJe de 29-08-2008).
B) Incorreta. Nos termos do art. 103, III do CDC, a coisa julgada nas demandas que versam direitos individuais
homogêneos tem efeitos “erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as
vítimas e seus sucessores”.
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C) Incorreta. Os direitos individuais homogêneos são divisíveis e tem titulares identificáveis. Além disso, há
direitos coletivos dessa natureza que são disponíveis.
D) Incorreta. Os direitos individuais homogêneos são também conhecidos como acidentalmente coletivos.
Maria -- CPF:

Seu tratamento coletivo se dá em benefício da otimização da atividade jurisdicional, bem como de sua
racionalidade, evitando-se provimentos contraditórios. Não por outra razão, o art. 104 do CDC dispõe que
Oliveira Maria

“As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência
de Oliveira

para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos
II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão
Gisely de

no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”
Gisely

E) Correta. Esse entendimento é perfilhado por Kazuo Watanabe.

2) Gabarito: D
Comentários:
A) Correta. Cuida-se do entendimento delineado no REsp 1243887/PR, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado
em 19/10/2011.
B) Correta. Trata-se da aplicação do fluid recovery, previsto no art. 100 do CDC.
C) Correta. Cuida-se do entendimento delineado no REsp 1370899-SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em
21/5/2014
D) Incorreta. Discrepa do entendimento delineado no REsp 1.821.688, onde a Exma. Ministra Relatora
afirmou que "Sob a égide do CPC/2015, o meio mais adequado, eficaz e proporcional de divulgação da
sentença da ação coletiva é a publicação na rede mundial de computadores, nos sites de órgãos oficiais e no
do próprio condenado". Para a relatora, a publicidade por meio dos tradicionais jornais impressos de ampla
circulação, "além de não alcançar o desiderato devido, acaba por impor ao condenado desnecessários e
vultosos ônus econômicos".

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JOÃO GABRIEL RIBEIRO PEREIRA SILVA DEFESA DO CONSUMIDOR EM JUÍZO • 14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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impressa] Revista dos Tribunais, 2017.
BRAGA NETO, Felipe P. Manual de Direito do Consumidor. 12. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm,
2017
CASTRO, Marcus Faro de. Formas jurídicas e mudança social: interações entre o direito, a filosofia, a política
e a economia. São Paulo: Saraiva, 2012.
Cláudia Lima Marques, por exemplo, trabalha os tipos relacionados à vulnerabilidade (Benjamin, Antônio
Herman V., et al. Manual de direito do consumidor. 4ª. ed. [E-book baseado na 8ª ed. impressa] Revista dos
Tribunais, 2017).
Comentários à Lei 14.181/2021 [livro eletrônico] : a atualização do CDC em matéria de superendividamento
/ Antônio Herman Benjamin...[et al.]. -- 1. ed. -- São Paulo : Thomson Reuters Brasil, 2021.
gisely_30@hotmail·com
778.558.762-00 -- gisely_30@hotmail·com

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DIDIER JUNIOR, Fredie et. al. Curso de direito Processual Civil . Vol. 4, 14ª Ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p.
80.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Contratos, Teoria Geral e Contratos
em Espécie. v. 4. 9. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2019.
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GRINOVER, Ada Pellegrini; Brazil (orgs.). Código brasileiro de defesa do consumidor. 12a. ed. rev., atualizada
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CARVALHOSA, Modesto. Tratado de Direito Empresarial. t.IV. São Paulo : Thomson-Reuters/Revista dos
Tribunais, 2016, p.459.
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de Oliveira

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NERY, Rosa Maria Andrade et. al. Instituições de Direito Civil, Vol I, Tomo I, Teoria Geral do Direito Privado.
Gisely

São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014


STJ, EAREsp 664.888 / RS, Ministro Herman Benjamin, Corte Especial, publicado no DJE: 30/3/2021.

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