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Josef Bleicher HERMENEUTICA CONTEMPORANEA Aos meus professores nn NOTA DO EDITOR A obra de Bleicher, que agora se apresenta em tradugio ‘tugnesa, inclui quatro textos de outros tants autores representaivos de arias correntes da hermentutica contempordnea. Nao tends nenbum dudes sido, aviginalmente, escrito em inglés, Bleicher apresenta-os am iradugio. Para a digo portuguesa, esas tradues foram confron- adas com 05 vespectives originais e embora quase invarivelmente se seguissem as wersbes da edizao inglesa, elas foram pontualmente car- rrigidas (sobretudo no caso dos textos de Habermas e Ricoeur) para as tornar mais conformes cam 0 texto original. Um caso diferente diz respeito as diversas passagons de Set © Tempo, de Martin Heidegger, incluidas no capitulo 3." ca presente obra, Dadas as dificuldades tntrinwecas do texte, apresemian-se em iota, ao leit, a tradugao inglesa de que Bleicher se serve e que serviu de base & nossa tradupdo), o original alemao, bem cono a correies que, em nos entender, deveriam ser feitas Para ousros casos duvidoses remetenos 0 Ieitor para as motas em final de pdgina sinalizadas com um *. PREFACIO A presente obra visu dar uma panoriimica das principais tendéncias do pensamento hermenéucico contemporanco. Como tal, no se debruca basicamente sobre a relevancia da hhermenéurica em qualquer campo de estudo particular — apesar de alguns destes aspectos serem abordados, sobretudo em relacio A sociologia. Inclui uma série de textos, a fim de dar 20 leitor um conhecimento em primeira mao do contetido da hermenéutica e dos debaces no seu seéo. Espera-se que 0 glossirio ajude a esclarecer a dificil terminologia por vezes utilizada, No caso de este Livro levar 0 leitor a aprofundar 0 estudo dos teéricos referidos e do rema em geral, assim como do debare de algumas das questées suscitadas, entio, teré cum- Prido a sua isso de desbravamento. Pretendo expressar os seus agradecimentos ao professor Z. Bauman, por ter aberto meu espirito orientado a minha atengiio para esta drea, além de ter recebido o seu apoio inicial cconstante encorajamento, enquanto escrevia este Livro; espero no o deixar muito decepcionado. Gostaria igualmente de manifestar 0 meu aprego pela forma como a Dr.* Janee Wolff me ajudou a esclarecer as minhas proprias ideias durante a investigagdo que efectuei na Universidade de Leeds. Mike Featherstone despertou © meu interesse pela Teoria Crit durante os meus anos de frequéncia da Tees manteve-se desde entio um companheiro interessado nos debates. Estou também grato a Pat Wilmott por ter dactilo- grafado o texto de forma to consciente € em circunstancias dificeis. Também o pessoal das bibliotecas de uma série de insticuigdes prestou um contributo importante © extraor- dinério a0 dar resposta as minhas infindaveis solicitagdes de fontes tantas vezes obscuras. © Professor J. Habermas teve a gentileza de me dar a traduzir © deixar incluir © seu ensaio «Der Universali tuitsanspruch der Hermeneutik», publicado em J. Habermas, Kultur wed Kritik, Subrkamp, Frankfurt (1973). J.C. B. Mohr, ‘Tibingen, cedeu-me os direitos de tradugio € inclusio do texto de E. Betti, «Die Hermeneutik als allgemeine Methode der Geisteswissenschaften» (1962). O Professor P. Ricocur ¢ a Northwestern University Press autorizaram-me a incluir a tradugio de «Existence et Herméneutique», (1965) que saiu em The Conflict of Interpretation (1974). A University of Cali- fornia Press deu-me autorizagio para incluir 0 ensaio do Pro- fessor H.-G. Gadamer, «Die Universalitiit des hermeneu- tischen Problems» (1967), traduzido por David E. Linge, que saiuem Phitesophical Hermeneutics (1976). INTRODUGAO A hermenéutica pode ser definida, em termos genéricos, como a teoria ou filosofia da interpretagio do sentido, Surgiu recentemente como tema cencral na filosofia das ciéncias sociais, na filosofia da arte ¢ da linguagem e na critica literiria —apesar de a sua origem moderna remontar aos princfpios do século XIX. ‘A percepgio de que as expresses humanas contém uma ‘componente significativa, que tem de ser reconhecida como tal por um sujeito € transposta para o seu préprio sistema de valores © significados, deu origem ao «problema da hermenéutica»: saber como € possivel este proceso © como tomar objectivas as descrigdes de sentido subjectivamente intencional, tendo em conta o facto de passarem pela subjectividade do proprio ineérprete. A hermentutica contemporaine € caracterizada por opinides contririas em relagio a este problema; & possivel distinguir nicidamente trés tendéncias: + teoria hermenéutica filosofia hermenéutica = hermenéutica eritica A teoria hermentutica debtuga-se sobre a problemitica de uma teoria geral da interpretacio, como metodologia das 13 ciéncias humanas (ou Geisteswisienschaften, que incluem as iéncias sociais). Através da andlise do versieben, como método adequado 4 repetigio do que um autor sentiu ou pensou jalmente, Betti procurou adquirir um conhecimento do proceso de compreensio em geral, i.e., da mancira como somos capazes de transpor para a forma como nos compreen- demos a nés préprios e 0 nosso mundo um conjunto de significados criado por outrem. ‘© uso metodologicamente desenvolvido da nossa capacidade intuitiva serve para a aquisigio do conhecimento atelativamente objectivo». Aborda «formas significacivas» com um conjunto de «cinones» formulados com vista a facilitar a inverprecacio correcta das objectivagdes da actividade ou consciéncia humanas, isto 6, das expresses humanas. O uso dos canones associa « teoria hermenéutica de Becti a do te6logo protestante Schleiermacher, em cuja obra a arte da interpre taco atinge o seu ponto maximo desde a origem do pensa- Hates, grosb Aniene hee UMNO picnic jscussao da linguisticidade como medinm universal da humanidade, que entra no «cfrcule hermenéutico» como aquele todo em relagio ao qual as partes individuais ganham 0 seu proprio significado. A compreensio de fontes do passado € impedida pela bistoricidade do assunto, a ponto de a fungio da hermenéutica poder ser expressa como evitamento da ma compreensio. A teoria hermenéutica, como epistemologia ¢ metodologia da compreensio, foi ainda desenvolvida por Dilthey no inicio deste século. Abordou a primeira no contexto de uma «Critica da Razio Hist6rica», que tentou un tigagdo transcendental das condigoes de possibilidade do conhecimento histérico, seguindo 0 exemplo estabelecido por Kant na sua Critica da Razdo Pura; 0 aspecto mecodolégico viu-se reduzido 3 incerpretagio de documentos instituidos por ia linguistica e que apresentavam um caso espectfico do uso do tersteben como modo de conhecimento adequado aos casos em que a relagio sujeito-objecto € aquela em que «a vida encontra a vida» Dilthey procurow inicialmente resolver © problema de hhermenéutica, que constitu‘a a «consciéncia histérica», fecorrendo A preocupagio romantica com a «experiéncia Yivida». Virando-se mais tarde para a teoria do espitito “Objectivo, de Hegel, e adoptando a distingio enere significado “€ expresso, sugerida nas Inestigagies Iigicas de Husserl, Dilchey aproximou-se da articulagio, recentemente conseguida “Por Betti, entre a comciénia histirita © a procura da verdade “te6rica, __ E precisamente a esperanga de encontrar uma base teérica ie reiasio cientifica do sentido que a filosofia tica rejeita como

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