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(© 2005 by Gre Mari Feiandes Butencourt © Dirios de pubs CORTEZ EDITORA Rua Monte Alegre, 1074 — Perdizes 105014000 = Sio Paulo ~ SP ‘Tels (11) 3864-0111 Fans (11) 3864-4290 conezecorezedivora.combr ‘worw.cortezeditora.com.br Diresio José Xavier Cotes Editor Amir Pedade Preparacio Alexandre Soare: Santina Revi Oneide M. M, Expinosa Edigio de Arte Mauricio Rindeika Seolin Papeis da capa Atelier Luiz Fernando Machado Iustragao de capa Antinio Carlos de Pidua ‘Dados Intemacionais de Catalogaso na Publicagao (CIP) (Camara Brasileira o Livo, SP Bras) Biveneour, Circe Maria Ferandes Ensino de hist: frdmeros © mods /Citee Maia emandes Bitenoourt — 2. ed, —Sio Paulo: Cortez, 2008 — (Colegio doce em forma, Série ensino funder noedeno Ante Joaquim Severino, Selma Garo Pimen) ISBN 978-85.249-1069-2 Biblografia 1. tistria — Estado ¢ensinoL Severino, Anti Josguim I, Piment, Seime Gado, Il Tito 1V. See 45240 cop-s07 Indios para calalogo sistematico: |. Histria Estado e sino 907 Impresso no Beasl ~ stembro de 2008 CiRcE Maria FERNANDES BITTENCOURT Ensino de Historia: fundamentos e métodos Conteddos histéricos: como selecionar? Atualmente, uma das maiores dificuldades dos professores de Historia é selecionar os contetidos Iuist6ricos apropriados para as diferentes situacées escolares, A autonomia do trabalho docente inclui, entre outros aspectos, a escolha dos contetidos hist6ricos para as diferentes salas de aula. Trata-se de optar por manter os denominados contetidos \wadicionais ou selecionar contetidos significativos para um publico escolar proveniente de diferentes condigdes sociais e culturais e de adequa-los a situagdes de trabalho com métodos e recursos didéticos diversos. As atuais propostas curriculares, como foram apre- «rwtadas, nao sio idénticas umas as outras: tém certa se melhanga em relagao aos fundamentos pedagégicos, mas so diversas em contetidos € nos critérios para «lctinir os prioritérios. Hé propostas que oferecem uma selegio considerada de “contedido tradicional”, basea- ulos concéntricos, que ordenam os estudos «lo mais préximo ao mais dist « estudo de Histéria do Brasil para posteriormente onganizar os estudos da Histéria Antiga & Contem- porinea. Outras propostas curriculares apresentam contetidos organizados por eixos tematicos ou temas yeradores, conforme o demonstrado anteriormente, € igem que se estabelegam critérios de selegio mais slinos inte € se traduzem como complexos. i de ho endo diet rlemas do luna € ‘condico oil ¢ Lx A selegao de conteiidos escolares é um problema relevante que merece intensa reflexao, pois constitui a base do dominio do saber disciplinar dos professo- res. A escolha de contetidos apresenta-se como tarefa complexa, permeada de contradigées tanto por parte dos claboradores das propostas curriculares quanto pela atuagio dos professores, desejosos de mudancas € a0 mesmo tempo resistentes a esse processo. A opsio da selecéo pelos contetidos significarivos decorre de certo consenso sobre a impossibilidade de ensinar “toda a histéria da humanidade” e a necessidade de atender os interesses das novas geragdes, além de estar atento as condigées de ensino. Estas condicées sao miiltiplas ¢ interferem nos critérios de selesao dos contetidos, sendo preciso considerar desde a precaric- dade da rede publica escolar até 0 excesso de materiais didéticos e de informagées disponiveis por intermédio dos diversos meios de comunicagao, além de organizar 0s contetidos dentro dos limites do “tempo pedagé- gico” destinado & disciplina pela grade curricular. Para além das condigées do sistema escolar, um as- pecto fundamental que preside a selecio dos contetidos €0 dominio da produgio historiogrifica e do processo de reelaboracio e apropriagio dese conhecimento em uma situacéo escolar que, invariavelmente, tem de estar relacionada aos objetivos pedagdgicos ¢ as espe- cificidades das condigées de aprendizagem. A produsio historiogréfica tem aumentado conside- ravelmente nos tiltimos anos, ampliando e renovando temas, Existem também novas interpretacées de anti- gos temas, além da introducéo de novos objetos de estudo sobre a histéria da mulher, da crianga, das reli- gides ¢ religiosidades, das relagées homem—natureza, entre outros. A historia do cotidiano, a histéria regio- nal ou histérias locais tém sido apresentadas em varias Contin tus Con SI ant imublicagées, e pode-se verificar a presenca dessa produ- 40 tanto nas propostas curriculares quanto em obras slidhiticas. Istabelecer relagdes entre produgio historiogrifica © cnsino de Histéria é fundamental, mas exige um «ompanhamento, mesmo que parcial, dessa produsio, «lecorrendo dessa necessidade a formagio continua «los professores, a qual, entre outras modalidades, de- vw manter cursos de atualizagio a fim de atender a esses bjetivos. A crescente e diversificada produgio historiografi- «i de materiais paradidéticos e manuais escolares, no cntanto, nao impede a permanéncia de questées que surge no momento de planejar as aulas de Hist6ria. (Quais contetidos devem ser mantidos ¢ quais devem ser ntroduzidos ou abolidos? De que modo introduzir ou ensinar a histéria contemporinea recente, conflitos envolvendo os Estados Unidos no Oriente Medio ou os conflitos entre palestinos e judeus? 1. Contetidos escolares e tendéncias historiograficas Ponto basico para o estabelecimento de um critério para a sclegio de conteiidos é a concepgio de historia. Dela depende a produgio dos historiadores, ¢ o conhe- cimento histérico é produzido de maneira que torne vs acontecimentos intcligiveis de acordo com deter- minados principios e conceitos. Situar os referenciais te6ricos no processo de selegio dos contetidos esco- lares no tem como objetivo a participacio em debates scadémicos, mas é uma necessidade para o trabalho docente que permanentemente se realiza na escola. we. ho BMriabe contEubOS COLA LMA HELAGAO NECN Conhecer ¢ acompanhar as principais tendéncias da produgao historiogrifica nao & apenas uma questio, de carter teérico, mas trata-se também de uma neces- sidade pritica, porque é com base em uma concepcio de histéria que podemos assegurar um critério para uma aprendizagem efetiva e coerente. ‘Assim, a parte inicial deste capiculo, sem ter como objetivo apresentar ampla reflexio teérica, refere-se a algumas das tendéncias historiogrificas ¢ suas relagdes com a produgio escolar. 1.1, HISTORIA COMO NARRATIVA pode ser concebida como uma narrativa de fatos passados. Conhecer o passado dos homens é, por principio, uma definicéo de histéria, e aos historia- dores cabe recolher, por intermédio de uma variedade de documentos, os fatos mais importantes, orden: los cronologicamente ¢ narré-los. Essa tendéncia historiogréfica constituiu-se no sécu- lo XIX ¢ est relacionada ao historiador prussiano Leopold von Ranke (1795-1886), que exerceu um pa- pel importante na configuracao dos aportes tedricos que possibilitaram fornecer um carter cienti historia. Os fundamentos de Ranke baseavam-se no pressuposto da singularidade dos acontecimentos hi t6ricos. Cada fato hist6rico € tinico e sem possibilidade de repetigio, devendo a reconstrucio de um passado ter como base a objetividade, para ser “histéria verdadei- ra”, Os historiadores, impedidos de emitir qualquer juizo de valor, mantendo-se sempre em uma atitude “imparcial” e neutra diante dos fatos, tém como objeti- ‘vo “mostrar 0 que realmente aconteceu” ¢ como méto- do a busca ¢ a verificagao de documentos fidedignos em arquivos, cujas analises devem eliminar uma apre- ciagdo subjetiva. ico a Connie anton Com Essa tendéncia passou a ser denominada de histo- ricismo, caja metodologia foi conhecida como positivis- 11, pot basear-se nos principios da objetividade e da ncutralidade no trabalho do historiador. Os seguidores dessa corrente te6rica dedicaram-se ao estudo da indi- vidualidade irreproduzivel e tinica dos azos humanos, dlestacando figuras das elites e suas biografias, sejam personalidades, sejam Estados — reis, militares, Atenas, Franca, Portugal, Brasil, imperadores, governadores, presidentes, O Estado ou os chefes politicos e mili- tates, cabe lembrar, eram o motor das transformagies © do progresso da histéria, considerando que o século XIX foi o momento da criagio ¢ consolidasio dos Estados nacionais ¢ da elaboragio das “histérias nacio- nais”, de cariter politico e militar. O passado pode, nesta perspectiva, ser recons- tituido e de alguma forma revivido eal qual ocorreu. Os personagens sio apresentados, ¢ as cenas em que. se movimentam sio descritas com detalhes que possi- bilitam desenvolver o imagindrio da forma mais fide- dligna possivel A reconstitui¢éo do passado da nacio por inter- médio de grandes personagens serviu como fundamen- to para a Histéria escolar, privilegiando-se estudos das ages politicas, milicares e das guerras, ea forma natural de apresentar a hisréria da napdo eta por intermédio, de uma narrativa Muitas dividas e criticas coexistiram na produgao dessa historiografia, desde o século XIX e no decorrer do XX. Suas premissas teéricas foram sempre questio- nadas, notadamente no que concerne & objetividade total do historiador ¢& sua neutralidade, embora se tenha tomado a corrente predominante na Historia escolar. ‘A narrativa, apesar de duramente criticada, sobre: tudo na perspectiva do historicismo, nao deixou de ui Mineo 1 CONHLNIOS ISCOLARIS: UMA RILACKO MCISSAMA ser problema constantemente debatido pelos historia- dores, ¢ na atualidade hd defensores da importancia ¢ da necessidade do “retorno & narrativa”. Walter Benja- min (1892-1940), em seus escritos sobre os narradores ca historia, nao descarta a importincia da narrativa, da apresentagio dos acontecimentos, para que, com base no relato, se possa refletir sobre seu significado € interpreté-lo. E famoso o exemplo desse autor relative 20 episddio narrado pelo historiador grego Herddoto: Quando o rei egipcio Psammenit foi derrotado e reduzido ao cativeiro pelo rei persa Cambises, este resolvew hurmi- har seu cativo, Deu ordens para que Psamumenit fosse pos- to na rua em que passaria o cortejo triunfal dos persas. Organizou este cortejo de modo que o prsioneiro pudesse ver sua filha degradada é condigao de criado, indo ao poco com um jarro, para buscar égua. Enquanto todos os egip- ios se lamentavam com esse espetdculo, Psammenit ficou silencioso e imvel, com os olhas no chao; e, quando logo em seguida vi seu filho, caminkando no cortejo para ser executado, continuou imével. Mas quando viu urn dos seus servicais, um velho miserdvel, na fila dos cativos golpeou 4 cabeca com os punhos e mostrow os sinais do mais pro undo desespero (Benjamin, 1986, p. 203-204), Houve muitas interpretagées para a atitude do im- perador. A narrativa oferece tais possibilidades porque no traz a interpretacdo, mas apresenta o episédio com detalhes e particulatidades dos personagens e de suas agées, de modo que, com base nesses elementos, se possa refletir sobre 0 ocorrido ¢ sentir emocdes diante do relato, Walter Benjamin insistiu na forca da narrativa e criticava a forma pela qual, na época con- temporanea, as noticias sobre 0 mundo chegam até nés por informagées sucintas que nao dio margem para a interpretacao da historia. “O episddio narrado’, diz-nos Benjamin, ‘atinge wma amplitude que nao exis- te na informagéo.” € certo que as narrativas criam identidades, por- «jue os personagens sio apreendidos de forma mais humana”, com sofrimentos, alegrias ¢ dividas «ais como ocorrem com todos os seres humanos. As expe- rigncias passadas podem set compartilhadas com quem vive no presente, despertam maior empatia com os fitos e criam afinidades. Contar ou falar sobre o pas- sudo é uma forma de criar dentidades, afirma o filésofo francés Paul Ricoeur. Este autor nos indica as dife- rengas e as semelhangas entre a narrativa como ficcio ca narrativa histérica, A narrativa histérica possui inteligibilidade por se caracterizar por uma operacio jue corresponde a uma totalidade orginica, empo- ral, com um titulo no inicio, um meio, um fim, um conjunto com tempo bem determinado dentro de uma ordenagio linear. Os debates entre historiadores para evitar confu- soes entre a historia de carater cientifico ea ficcional tam sido uma das tnicas sobre 0 papel da narrativa na escrita da histéria. A hist6ria narra acontecimentos que necessitam ser explicados e situados em determi- nadas probleméticas que levam a uma compreensio temporal. Os cracos da narrativa hist6rica distinguem-se pela intengio de aprofundar a realidade, pela busca documental e cuidado metodolégico, pela extensio dle seu projero e de suas problematicas (provenientes da histéria-problema), que evidenciam personagens representativos de grupos sociais, ¢ pelas temporali- dades mais complexas. Existe uma responsabilidade dla narrativa historica que é diversa daquela de caraver ficcional e no pode ser abolida. E tal responsabilida- de existe também no easino. A utilizagio de uma histéria narrativa no ensino decorre de determinada concepgio histérica ¢ nio rant as ‘venom can SOARES HLA LAS pode se limitar a despertar interesse pelo pasado nos alunos. A narrativa histérica é ponto inicial, ea partir dela existe a possibilidade da compreensio dos acon- tecimentos por meio das ages dos sujeitos. Algumas colegdes didsticas produzem uma hist6ria ficcional criada para despertar em jovens alunos o interesse pelo passado, construindo enredos com personagens prin- cipais e coadjuvantes, de maneira semelhante ao que é realizado nas tramas de novelas de televisio. As crit cas a essa forma de narrativa recaem sobre um enten- dimento de histéria ou sobre a permanéncia de um historiciomo que pretensamente reconstitui o passado, ‘mas nao confere formas de reflexio sobre os aconteci- mentos nem fornece condigées de interpretagio deles. Os acontecimentos séo apresentados de forma mais amena ¢ emotiva, com personagens divididos entre bons e maus, herbis, vitimas e carrascos, que se movi- mentam em uma hist6ria maniqueista, com linguagem criada para facilitara memorizacéo do contetido, mas nio para se tornar objeto de interpretagio, de ques- tionamentos e indagacées sobre os sujeitos € suas agdes. 1.2, DE UMA HISTORIA ECONOMICA A UMA HISTORIA SOCIAL No decorrer do século XX, a produgio historiogri- fica passou a disputar espago com as novas ciéncias sociais que se constituiam na busca da compreensio da sociedade, especialmente a Sociologia, a Antropo- logia ea Economia, Como conseqtiéncia dessa disputa, houve uma renovacio na produgio historiogréfica com paradigmas que visawvam ultrapassar o historicismo. O historiador Ciro Flamarion, ao sintetizar as tendéncias desse percurso historiogrifico, identifica duas filia- ‘goes basicas entre os anos de 1950 ¢ 1968: & Escola dos Annales e 20 marxismo. cove A Excola dos Annales, inaugurada por Mare Bloch Lucien Febvre, centrou-se na produio da histéria- jwroblema para fornecer respostas as demandas surgidas to tempo presente. Esse grupo de historiadores in- u-se contra a histéria politica, centrada em agées puedes € no poder bélico como motor da histé- ia. As producées dessa corrente giravam, sobretudo, cam torno de uma histéria das mentalidades coletivas, samo o pensamento da burguesia relacionado & Refor- na Protestante, na perspectiva de entender as ages individuais em contextos mais amplos. ‘Também surgi- Lum as tematicas econdmicas sobre aspectos mais gerais sla sociedade, destacando as formas de ocupagio social em grandes espacos, em torno de mares e oceanos. Fernand Braudel ocupou-se do Mar Mediterrineo, Vierre Chaunu ¢ Frédéric Mauro do Ocearo Atkintico. I istoriadores franceses, na trilha de uma macro-histé- via, passaram a trabalhar com grandes estatisticas, re- sistrando a producio econémica de regides ou de jperiodos histéricos em cifras e tabelas, comparando e \lestacando as diferengas e semelhangas tanto das con- sligbes de infra-estrurura quanto da prépria populagio. O paradigma marxista desenvolvido paralelamen: te ao do grupo dos Annales tem como principio 0 caréter cientifico do conhecimento histérico, € 0 enfoque de sua andlise € a estrutura e a dinamica das sociedades humanas. A anzlise marxista parte das estru- \uras presentes com a finalidade de orientar a préxis social, € ais estruturas conduzem a percepgio de fatores formados no passado cujo conhecimento é itil para a :wacio na realidade hodierna. Existe assim uma vincu- lugio epistemol6gica dialética entee presente passado, Para 0 estudo das sociedades humanas, 0 marxismo utiliza como conceitos fundamentais modo de produ io, formagio econdmico-social € classes sociais. As em none os cone anna 45 prob Panis Mi LanON CONDOS ECOHARIS: UMA ELACAC NECESARIA cerca dee Saeece sk a, em Saber we de ale Lae de Cisse M rad ob € mudangas sociais ocorrem nao por individuos iso- Jadamente, mas pelas lutas sociais. As liberdades e op- {goes das pessoas sao limitadas pela forcas produtivas, existindo uma delimitacao estrutural herdada da histé- ria anterior. As andlises preponderantes dos historiado- res marxistas dos anos 70 recairam sobre as tematicas econdmicas e a sociedade por elas determinadas. Apesar das diferengas entre os marxistas e os adeptos dos Annales, Ciro Flamarion identifica as aproxima- Ges entre os dois grupos. Dentre os pontos basicos apontados destacam-se 0 abandono da histéria cen- trada em fatos isolados ¢ a tendéncia para a andlise de fatos coletivos e sociais, a ambicéo em formular uma sintese histérica global do social, a historia entendida como “ciéncia do pasado” e “ciéncia do presente” simultaneamente, a consciéncia da pluralidade da tem- poralidade — tempo do acontecimento, da conjun- tura e da longa duracao ou da estrutura. O impacto do marxismo entre os historiadores foi bastante intenso, variando entre tendéncias mais voltadas para a historia econémica e as ligadas a uma histéria social — neste caso, sobretudo dos historia- dores ingleses como Eric Hobsbawm, Perry Anderson ¢ Cristhopher Hill, No ensino de Histéria, a tendéncia marxista foi marcante a partir do fim da década de 70 e ainda per- manece como base da organizacio de contetidos de varias propostas curriculares e de obras didaticas. Os periodos histéricos delimitados pelos modos de pro- dugio tém servido como referéncia, e, notadamente, estuda-se 0 tempo do capitalism O denominado “materialismo histérico” serviu de base para a claboragao de muitas obras didaticas, condigio que consolidou a organizagio de contetidos da historia das sociedades do mundo ocidental pelos Contiunes usroncor: Come sic nonant modos de produgao ¢ pela luta de classes. Os conteti- «los escolares foram organizados pela formagio econd- rnica das sociedades, situando os individuos de acordo vom 0 lugar ocupado por eles no proceso produtivo. Kurguesia, proletariado, aristocracia s40 0s sujeitos so- siaiy que fornecem visibilidade as ages da sociedade, «os confrontos entre os diversos grupos sociais expli- «am as mudangas e permanéncias histéricas, As criticas a certas produgGes marxistas, especial- mente as da linha estruturalista, néo tardaram, O ugestivo titulo Miséria da teoria ou um planetdrio de vrs — uma critica ao pensamento de Althusser, do historiador inglés E. P, Thompson, marcou uma série «le eriticas veementes a uma vertente estruturalista que joduziu conceitos estiticos por intermédio de mode- lus explicativos pretensamente vilidos para qualquer soviedade em diferentes tempos ¢ espagos. A partir de Thompson comesou a aparecer uma produgie his- \oriografica marxista com énfase em contetidos sociais, uticulando o conceito de classe social a0 de cultura. Uhompson estava ‘convencido de que nao podemos en- sender classe social a menos que a vejamos como uma Jormaséo social ¢ cultural, surgindo de processos que sé podem ser estudados quando eles mesmos so constitut- ‘los durante um considenivel periodo historico”, concluin- clo assim que “elas é uma formagéo tanto cultural como cvonémica” ¢ € “definida pelos homens enquarto vivem sua propria histéria” (1987, p. 12-13). Em decorréncia dos debates suscitados, houve, entre os marxistas, renovagéo importante sobre a concep- io de poder. Este era entendido sempre em suas relagdes com 0 Estado, ¢ os novos estudos passaram a preocupar-se com outras esferas de lutas e de domi- nagio. A produgao da histéria social incorporou as lutas € os movimentos sociais provenientes de dife- rentes setores da sociedade. 147 Lax [Mion »caNttune SCOLAMES UA MACAO NCHA Os movimentos socias, tais como os ferninistas, os ambientalistas, os étnicos ¢ 0s religiosos, seus confron- tos € lutas com as discriminagées e preconceitos, além da continuidade das lutas por direitos trabalhistas, situaram a histéria social no centro das probleméticas das pesquisas histéricas. No Brasil, particularmente, 0s temas sociais propiciaram a incorporacio de novos sujeitos, provenientes dos setores populares, sendo esta produgio conhecida como “histéria dos vencidos”. Parte dessa historiografia foi introduzida pelas pro- postas curriculares e pela producio didética, mas tem sido questionada por possibilitar interpretagées de cariter maniqueista — os bons e os maus —, sendo 108 vencidos geralmente apresentados como grupos do- minados totalmente e transformados em nio-sujeitos histéricos, como é 0 caso das populacées indigenas da América. Na Franca, seguidores dos Annales multiplicaram seus objetos de investigasio, surgindo uma variedade de temas préximos da Sociologia. Essa produgio, de- nominada de nova histéria, acabou, por sua ver, sendo alvo de uma série de criticas pelo cariter fragmentério de seus objetos de estudo, nio havendo preocupacio com uma hist6ria de carter mais global, ¢ pela ausén- cia de fundamentagao teérica ou solider. nas catego- rias de andlise (atores sociais, cultura popular, etc.). Foi atribuida a essa produgio o titulo de “histéria em migalhas’, em rarao do predominio da micro-hist6ria ¢ da auséncia de preocupasées politicas ou de articu- lagio mais estrutural da sociedade. 1,3, ENTRA EM CENA A HISTORIA CULTURAL Paralelamente a essas duas correntes, a marxista € a nova histéria, no decorrer dos anos 80 do século Contre somos cone SIUC ONARE XX, muitos historiadores aproximaram-se dos sujei- tos e objetos de investigagao da Antropologia. O en- contro da Historia com a Antropologia foi significa- Livo para a compreensio da propria nogao de histéria,

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