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José Jobson de Andrade Arruda A Revolugdo Inglesa a5 Nao se trata de uma concentracdo, pois cada um destes micleos esté mais ou menos disperso ¢ inter- igado a uma infinidade de ramificagdes secundarias. ‘As formas de organizagio da producio indus- trial sto igualmente variadas. Ao lado das formas mais avangadas encontramos formas arcaicas de pro- ducao, revelando, portanto, um crescimento des gual. Nas regides de concentracio industrial mais intensa torna-se mais forte a interdependéncia dos fatores de producdo. Resultam trés formas bésicas de organizagao social da produgdo: 0 artesdo, 0 mestre ‘manufatureiro © 0 comerciante manufatureiro. O artesanato é a verdadeira unidade doméstica de produgio que remonta a Idade Média. E consti- tuida, basicamente, pela familia do produtor, distri- buindo-se seus membros, de acordo com sua idade € forea, pelas varias etapas que compdem o trabalho artesanal. Nela, o artesdo possui todos os meios in- dispenséveis & produgdo: a oficina, os instrumentos e a matéria-prima. A rudimentaridade dos instrumen- tos correspondem & organizagao do trabalho, sendo, portanto, baratos e de ficil aquisigto. Semanal- mente, 0 artesio se desioca para os mercados rurai préximos e vende 0 produto do seu trabalho, adqui- indo nova matéria-prima para dar continuidade ao processo de produeio. Uma caracteristica marcante deste produtor é a sua notavel independéncia, pois associa ao mesmo tempo dois distintos modos de pro- ducdo: 0 artesanato e a agricultura. De fato, o arte- sto completa suas atividades produtivas dedicando- se ao trabalho agricola, interrompendo a atividade artesanal nas épocas de maior concentraco da agri- cultura. Sua subsisténcia é garantida pelos produtos de sua prépria produgao. O mestre manufatureiro aparece onde quer que ‘a ampliagio do mercado exige o aceleramento da produglio. Neste caso, o produtor também é proprie- tario dos meios de produgao. Porém, integra mao- de-obra assalariada, transformando-se num pequeno empresério. A distancia social entre patrio e empre- ‘gado é minimizada pela solidariedade do trabalho. Em geral, os trabalhadores eram alojados e alimen- tados pelos seus patrdes, nao sendo muito dificil para cada um destes assalariados chegar & condicao de mestre manufatureiro. Quando, a longo prazo, estes mestres manufatureiros se transformarem em verda- deiros empresérios capitalists na maquinofatura, ter se realizado a verdadeira transigao revolucio- néria, porque resulta da transformag3o do antigo modo de produgao no sistema fabri. O comerciante manufatureiro, como 0 proprio nome indica, é um comerciante conhecedor do mer- cado, de suas tendéncias ¢ preferéncias, que aplica capital mercantil nos dominios da produgdo indus- trial. Primeiramente, contenta-se em combinar as varias etapas da producdo, remunerando 0 trabalho de artesios ou mestres manufatureiros, permane- cendo seu capital essencialmente comercial. Numa etapa seguinte, reine trabalhadores assalariados ‘num mesmo local onde realizam as operagdes de aca- bamento dos tecidos previamente adquiridos, espe- cialmente, o tingimento e penteadura dos tecidos de ‘José Jobson de Andrade Arruda A Revolugdo Inglesa 18, Progressivamente, vai agambarcando novos esté- ‘gios da produgdo: a tecelagem, a fiacdo, a prepa- ragdo da matéria-prima. Dessa forma, o capital mer- cantil domina a produgdo de cima para baixo, isto é, ddas operagdes mais sofisticadas as mais rudimenta- res. A medida que 0 comerciante manufatureiro do- mina a producio, verifica-se um processo de endivi damento dos produtores independentes, que acabam por perder seus instrumentos de producto, transfor- mando-se em simples assalariados que conservam apenas a aparéncia de independéncia, garantida por seu estilo de vida ainda rural, Coexistem, portanto, diferentes formas de pro- duedo, dentre as quais tende a preponderar a manu- futura engendrada pelo capital mereantil. A denomi- nacdo indistria doméstica é genérica e recobre a producdo artesanal, passando pelo mestre manufa- tureiro, até o trabalho artesanal submetido pela ma- nufatura, ‘© encaminhamento desta anilise revela uma das origens dos capitais necessdrios ao processo de industrializagio: 0 comércio. Questio controvertida, pois algumas pesquisas tém indicado que os capitais ‘mercantis eram preferencialmente canalizados para ‘acompra de terras por razBes sociais. C. Hill nfo tem diividas a este respeito, quando afirma: “O capital para o desenvolvimento industrial foi fornecido, di- reta ou indiretamente, por mercadores, traficantes de escravos e piratas, cujas fortunas tinham sido acumuladas no ultramar; ¢ pelo setor da pequena nobreza que fizera fortuna com a pilhagem dos mos- teiros e a nova agricultura, além do dinheiro prove- niente das economias dos pequenos proprietérios ru- rais ¢ artesdos” (The English Revolution 1640, p. 23), A tendéncia atual é considerar o reinvestimento de lueros como a principal fonte geradora de capitais, para as atividades industriais. ‘Um dos obstéculos mais sérios ao desenvolvi- ‘mento industrial foi a regulamentagio imposta pelas corporagbes. Desde a Idade Média que as corpora- {g0es, com vistas a adequar a produgio 20 consumo, regulamentava a quantidade, a qualidade, os pregos € 05 salérios pagos aos jornaleiros, estabelecendo rnormas rigidas para o acesso ao artesanato, impondo longos periodos de aprendizagem e a.fealizagto de uma obra-prima, julgada pelos mestres jé estabeleci- dos da corporagio, que dava acesso a0 oficio. Nao restava, pois, aos novos chegados a atividade indus- trial, outra opeao. Tinham de abandonar os centros tradicionais de produgio industrial, estabelecer-se ‘em novas cidades no dominadas pelas corporacoes, transladar-se aos subGrbios ou deslocar-se para_as zonas rurais, onde havia oferta abundante de mao- de-obra barata em meio 4 populagio camponesa ar- ruinada pelas transformag®es decorrentes dos cerca- ‘mentos no meio rural. A monarquia inglesa, 4 me- dida que colaborava para a preservacio da estrutura produtiva vigente, impedia o avango da produgio industrial, tolhendo 0 passo do desenvolvimento do capitalismo na Inglaterra. José Jobson de Andrade Arruda A Revolusdo Inglesa » A base mercantil A expansio das atividades industriais dependia amplamente da expansdo das atividades comerciais. P. Mantoux insiste, com muita razfo, que 0 desen- volvimento comercial precede ou até mesmo deter- ‘mina a transformacdo da indistria, (La Revolucion Industrial en el Siglo XVIII, p. 72). Partindo de uma economia estitica, como a eco- nomia feudal, o mercado interno foi gradativamente se ampliando, na Inglaterra, durante todo o final da Idade Média. A partir do século XIII, a Inglaterra exportava artigos alimenticios, inclusive cereais. Po- rém, com a expansio da colonizagio agricola na Alemanha Oriental ¢ na Poldnia, inverteu-se o fluxo comercial, pois o trigo origindrio do Baltico passou a fluir em direcdo a0 Ocidente, abastecendo os mer- cados flamentos e desalojando os ingleses até mesmo dos metcados escandinavos. Até 0s meados do século XVI as exportacdes inglesas eram basicamente de ‘matérias-primas, cereais, madeira e, em menor ¢s- cala, metais e couros. A expanstio do mercado lon- drino demandava uma oferta concentrada de cereais, © que explica sua importagao para este mercado exclusivo. Esta estrutura mercantil sofre uma trans- formagio radical na segunda metade do século XVI, quando a exportacio de alimentos declinou relativa” mente c 0s tecidos se converteram na principal expor- tacdo inglesa. A exportagio de Id crua estava em recesso desde © século XV, por causa da concorréncia da matéria- As patentes ¢ 0s monépolios eram convencianalmente con- siderados como formas de exploracdo dos consumidores ‘comuns e wm obsticulo aos demais produtores @ mercax ores. Lilburne, o grande lider dos levellers, usava 0 termo monopélio para ineluir as restricées a liberdade de fala e depublicagdes. José Jobson de Andrade Arruda prima espankola e, principalmente, pela absoreio cada vez mais intensa da la na propria indistria t€xtil do pais. Os impostos sobre a exportagdo de la ctua tiveram um carter protecionista, até sua proi- bigdo total em 1614. Como os impostos que recaiam sobre o comércio inglés eram menos onerosos do que em outros paises, como por exemplo a Flandres ¢ 0 Norte da Itélia, resultava uma capacidade competi- tiva maior. Assim, na segunda metade do século XVI, 0 comércio inglés poderia ser descrito em ter- ‘mos gerais como brilhante, orientando suas export: ‘ebes em cerca de dois tergos para Antuérpia ¢ 0 res. tante para a Franga e Peninsula Ibética. ‘Nesse processo de expansio teve um papel pri- mordial a criagao das companhias privilegiadas, a primeira das quais, os Merchant Adventurers, orga- nizada em 1486, para monopolizar as relagdes co- ‘merciais com Antuérpia, aumentando a eficifncia pela maior racionalizagio da prética mercantil. O Gxito desta primeira experiencia estimulou a forma- ‘sao de novas companhias, surgindo entio, em 1554, 8 Companhia da Moscévia, em 1579 a Companhia do Baltico, em 1581 2 Companhia da Turquia, em 1600 a Companhia das Indias. Na base desta politica mer- cantil estava a atuagto do Estado inglés, uma mo- narquia centralizada e forte que buseava mercados externos, dando inicio a colonizagao inglesa ¢ a um verdadeiro assalto ao mercado mundial e, especial- mente, espanhol, através da concessio das cartas de corso que legitimava a pirataria inglesa em todos os mares. Se a protecdo dispensada pela monarquia A Revolucio Inglesa condicionava a expansio das companhias privilegia- das, reciprocamente, a venda de privilégios trans- formou-se numa fonte de lucros importantes para 0 Estado. Os monop6lios comerviais, ou seja, a restr- gio de uma area de comércio, ou a exclusividade sobre um determinado produto, bem como os mono pélios industriais, beneficiavam uma parcela reduzi- dda da sociedade inglesa, geravam recursos para o Es- tado, mas espoliavam uma larga parcela da popu- lagHo, exclufda destas atividades, que pagava o dnus resultante dos monop6lios, pois os precos de alguns produtos bisicos monopolizados, tais como o sabiio, O.alume, a cerveja, 0 sal, eram elevados no mercado interno em fungi dos exclusivos comerciais e indus- triais. Segundo J. O. Appleby, Economic Thought and Ideology in Seventeenth-Century England, p- 102, "'o fortalecimento dos lagos comerciais ingleses om os mercados mediterinicos encorjou 0s te- celdes 2 implementarem novas fabricas. Isto sign cava que 0 elaborado eédigo industrial dos Tudors tornava-se cada vez mais obsoleto”. E mais, que “a reavaliagdo das companhias comerciistornava dit il a preservagao dos antigos privilégios. O livre aces- sour terend tomanaec tna needa, Aft novo comércio com as coldnias tinha erescido fora das restrigbes das companhias prvilegiada & am A Revolusdo Inglesa 33 A ESTRUTURA SOCIAL Definir o carter da sociedade da época Mo- demna é tarefa bastante complexa. De um lado se posicionam os defensores da socied: definida por critérios de honra e privi a exemplo de Roland Mousnier. Do outro, os que defendem a existéncia efetiva de uma sociedade de classes, hierarquizada a partir de critérios econdmi- ccos, de posicionamento em relagio ao sistema pro- dutivo, como postulavam os seguidores de Ernest La- brousse. Efetivamente, dependendo do posicion: mento do observador, encontrariamos elementos pa- ra justificar plenamente ambas as colocagées, pois se trata de um periodo de transigio em que se imbricam restos da sociedade estamental tipica do sistema feu- dal e elementos emergentes da nova sociedade capi- talista em formacdo, sendo evidente a formagao de uma sociedade de classes no bojo da Sociedade esta- mental, A complexidade @ qual acima aludimos se re- flete claramente nesse texto de C. S. L. Davies,“Les revoltes populaires en Angleterre (1500-1700)", (pp. 59.60): “Nao € possivel, sem incorrer num equivoco, colocar os inicios da sociedade moderna em termos igorosos de classe, especialmente se se insiste em restringir a nocdo de classe a classificagio tripartida marxista, Num momento dado, os assalariados po- dem atuar contra seus senhores, em seguida a0 qual podem, pelo contrério, atuar junto a seus senhores contra a opressio do capital comercial ou do go- verno; 0s camponeses podem muito bem atirar-se a0 ‘mesmo tempo contra as manobras do Rei para dimi- nuit o poder de seus nobres e contra as tentativas dos nobres de incrementar as obrigagées feudais. Ao ni- vel do pais como um todo, os camponeses jamais conseguiram estabelecer uma solidariedade real e, pelo contrario, freqiientemente descobrimos que seus opressores eram os habitantes das cidades. Cada pes- soa pertencia a virios grupos sociais: sua familia, sua corporagdo, sua cidade ou seu povo, sua comarca, seu pafs no sentido moderno e sua classe econdmica. Na maior parte das vezes tais pessoas se definiam em termos que eram uma combinagio destas diversas origens sociais. Falava-se dos trabalhadores ‘livres de Norfolk’ e nao dos trabathadores téxteis em geral ¢ dos homens de Norfolk em geral. A noglio que os individuos faziam de si mesmos, de suas agregacbes ¢ de sua fidelidade dependia simplesmente das cir- cunstincias do momento. A questo de saber qual era a fidelidade fundamental de um individuo é uma José Jobson de Andrade Arruda ‘A Revoluedo Inglesa ‘questo para a qual nfo ha resposta, nfo somente porque os dados silo dificeis de avaliar, senio porque estas eleigdes raras vezes se faziam em abstrato e no em relagio a circunstancias particulares”. Esta colocagiio tem o mérito de revelar 0 lado profundamente contraditério desta sociedade, que, portanto, ndo pode ser definida por uma simples projeeto do esquema bipolar de relagbes de classes dominante no capitalismo concorrencial. Os choques entre as tres principais ordens sociais, clero, no- breza. terceiro estado, bem como os choques intra- estamentos, eram intensos. A marca desta sociedade 6 aextrema segmentago social, que potencializa 0 con- flito de classes e mascara o perfil da estrutura social. Levando-se em conta o carater profundamente agririo da sociedade, comegamos a anilise pelas ca- madas rurais, definindo-se basicamente trés grande categorias sociais: a aristocracia, os yeomen € a ger: ty. A aristocracia A atistocracia inglesa, constituida pelos nobres de sangue cuia linhagem remonta a Idade Média, permanece na dependéneia de suas propriedades ter- Titoriais, ampliadas pela compra ou usurpacio das terras dos mosteiros e/ou pela expropriagio dos fo- reiros no decurso dos cercamentos. Para L. Stone, no seu livro classico, The Crisis of the Aristocraey (p. 350), a nobreza, que em certos momentos chegara a revelar um certo espirito empreendedor, um certo tino empresarial, agonizava diante de uma erise sem paralelo na historia social aste da aristocracia i total. Varios foram os motivos desta crise: 0 declinio a riqueza da aristocracia_em_relagho A gentry: o afundamento de suas possesses rurais em termos | troca de pai um grande mémero de pessoas nfo gradas; a mudanca de atitude em relagio aos ntigos produtores substituidos por rendeiros capi- talistas; 0 declinio de sua influéncia eleitoral devido a cconvicgSes religiosas e politicas arraigadas; a difustio da cultura e educagdo nas classes ascendentes, ad- quirida nas escolas e universidades e a requisi¢&o por parte do Estado de uma elite para os escaldes admi- nistrativos; a influéncia erescente do individualismo, da crenga calvinista na hierarquia espiritual dos eli tos e a exaltaedo puritana da consciéncia privada, que afetavam as atitudes em relagio & hierarquia ¢ a obediéncia na sociedade laica; e, finalmente, a bre- cha psicol6gica crescente entre a Corte ¢ o Pais em atitudes, reais ou supostas, em torno da teoria cons- titucional, métodos e escala da tributaclo, formas de adoraga0 religiosa, gostos ascéticos, probidade finan- ceira e moralidade sexual, ‘O quadro da crise da aristocracia tragado por L. Stone ¢ excessivamente rigido. Acusa-os de uma ges- José Jobson de Andrade Arruda ‘A Revolucao Inglesa Zi ‘Go incompetente de suas propriedades, um estilo de vida dispendioso que abria um abismo entre suas despesas e as receitas, que tentavam desordenada- mente ampliar pela cessio de longos arrendamentos em troca de répidas entradas de dinheiro e, no li. mite, uma completa dependéncia em relagao aos fa. vores piblicos do Estado. B necessério lembrar, po- rém, que em determinados momentos o processo hist6rico jogou a favor das rendas da aristocracia, especialmente nas primeiras décadas do culo XVII, Quando a supervalorizacio das terras necessarias ~ ‘mente ampliou os recursos econdmicos da classe pos suidora de terras e rendas agricolas, Neste contexto™ R, Tawney apresenta uma posicao mais equilibrada, ois, para ele, as mudancas econémicas estavam em. Purrando os mais empreendedores — aqueles que controlayam a terra qualquer que fosse a sua desig. hnagiio — em direcdo a novos métodos de gestio das ropriedades e tinham muito a ganhar se adaptas. ‘sem seus cultivos as novas impulsoes advindas da di- namica comercial, mas teriam muito a perder, se fossem excessivamente conservadores para aferrar-se 40s velhos métodos de explora¢ao econdmica. E de extrema importincia esta colocagao, pois permite redimensionar o tema da erise da aristocr cia € seu papel na Revolugdo Inglesa. De fato, se, ‘como afirma L, Stone, foi a crise da aristocracia que retirou a sustentagio bésica da monarquia inglesa, seria de se supor que no decurso do conflito politico ¢ militar todos os nobres, praticamente sem excegio, deveriam ter se posicionado a favor do Rei, pois, 0 encolhimento de suas rendas torné-los-iam depen- dentes dos favores do Estado. O que se verifica, entretanto, segundo palavras do préprio L. Stone, é que alguns nobres tomaram posigio ao lado do Par- lamento, um nimero ainda maior ao lado do Rei e muitos mais permaneceram neutros, o que desvirtua a tese da crise geral da aristocracia. Os yeomen Na base desta sociedade encontramos os yeo- ‘men, uma espécie de “classe média” rural, extrema- ‘mente numerosa, correspondendo a mais ou menos 1/6 da populagao inglesa nos inicios do século XVI. Esta denominacio, remanescente da Idade Média, designava uma grande variedade de situagdes sociais, tais como granjeiros (farmer), proprietirio (free- holder), lavrador (kusbandman), jornaleiros (labo- rer) ¢ até mesmo cavaleiros (gentleman). Segundo Mildred Campbell era “‘uma classe média rural fun- damental, cuja principal preocupagto girava em tor- no da terra e dos interesses agricolas, um grupo que vivia na zona intermedidria entre a grandeza e a necessidade, servindo & Inglaterra como poderia fazé-to uma classe média... cuja condigao se situaya fenire a gentry e os camponeses” (The English yeo- ‘men under Elizabeth and the early Stuart, p. 61). O yeomen & por exceléncia o rendeiro livre (free= holder), que possui a terra sobre a qual vive e tra- batha, Porém, a denominagao se estende também a0 José Jobson de Andrade Arruda rendeiro hereditario (copyholder), cuja familia cul- tiva 0 mesmo solo ha varias geragdes, possuindo mes- ‘mo, em certas regives, um arrendamento vitalicio (leaseholder for life). Sua condigao varia, portanto, em fungio do tipo de relagto que mantém com a terra e com seus senhores imediatos. Sua condigto econémica depende, principalmente, do tamanho de suas posses. Em geral, os yeomen com maiores pos- ses estavam num processo de ascensio pela valori- zagio das terras ¢ de suas produgtes, © que carac- teriza uma yeomanry ascendente, cobigosa de terra € de lucros, muito particularmente interessada na transformagto de suas posses hereditérias em pro- priedades efetivas. Inversamente, aqueles yeomen ue guardavam uma relagdo preciria com a terra e exploravam pequenas unidades agricolas, sofriam mais intensamente a pressio dos grandes proprie- trios que procuravam transformar seus direitos se- culares, seus aforamentos, em arrendamentos, quan- do nao eram simplesmente excluidos de suas posses € de seus direitos sobre as terras coletivas pelo proceso dos cercamentos. Esta era a yeomanry declinante, classe decisiva no contexto da Revolugao Inglesa, ‘mas que tenderia a desaparecer como resultado da propria Revolugdo que ajudou a impulsionar. Para 05 yeomen ascendentes, a Revolugao se apresentava como uma oportunidade para ampliarem suas pro- priedades ¢ consolidarem seus direitos sobre as pos- ses vitalicias e hereditirias. Para a yeomanry decli- nante, a Revolugdo significava a possibilidade de garantir seus direitos de exploracdo feudal da terra, j A Revolugdo Inglesa 39 evitar 0 avango das desapropriagdes, idealizando 0 ‘universo das relagGes sociais em termos do equilibrio prevalescente nos séculos medievais, um ideal con- servador e, portanto, reacionario. Na esteira da pe- quena yeomanry aglutinavam-se os camponeses sem posses ou direitos, deserdados da fortuna, mio-de- obra marginal, representada pelos cortagers e squat- ters. Agentry Entre a aristocracia no topo ¢ a yeomanry na base, instalava-se a gentry, categoria social extrema- ‘mente difusa e cuja definigio tem provocado as mais sérias polémicas em torno da historia social inglesa dos séculos XVI e XVII. Para tentarmos caracterizéi- Ia € necessario distinguir a gentry do século XVI, tendencialmente aristocratizada, e a gentry do século XVII, uma nova gentry. Sua composigao variada incluia estratos de diferentes classes sociais, pois in- tegrava os filhos mais novos da aristocracia, dos ca- valheiros, dos squires e dos gentlemen, portanto, elementos integrados numa sociedade estratificada a partir da posigao, deveres, honras e privilégios, a0 mesmo tempo que incluia as franjas superiores da ‘yeomanry, que avangayam no sentido de libertar-se das restantes obrigagdes feudais, constituindo um grupo de pequenos agricultores capitalistas ambicio- 508, conscientes de que no tinham reservas suficien- tes para correr grandes riscos, mas decididos a apro- José Jobson de Andrade Arruda A Revolugdo Inglesa a veitar todas as oportunidades para aumentar seus lucros e propriedades. A denominagiio gentry tem de ser vista, por- tanto, ndo apenas em relacdo ao conceito estético que representa, mas, principalmente, numa perspec- tiva do processo histérico que leve em consideragdo 0 momento dado. A gentry nflo era apenas uma classe de proprietérios agricolas capitalistas em formato: era uma ideologia em expansio. A impulsio econé: mica do século XVI e XVII foi o elemento unificador desta_camada social, Etam_proprietirios livres de suas terras, sequiosos pel rinham a mesma relapdo com os meios de producdo na medida em que se definiam como produtores para o mercado capitalista. Classe possui- dora de elevado tino empresarial e que pelo seu pro- prio estilo de vida, definido pela moral puritana, estava melhor adaptada para a sobrevivéncia numa época inflacionaria do que a nobreza dissipadora. Z. S. Pach coloca de forma precisa a questo da geniry: “Pensamos que a nova nobreza, a gentry inglesa, recebia essencialmente sob a forma de renda o que antes lhe era devido sob a forma de direitos feudais. Dedicavam-se & venda de la, do trigo e de outros bens, eexpropriando os pequenos camponeses e ren- deiros, iniciaram a exploracao direta de sua proprie- dade" ("The development of feudal rent in Hungary in the fifteenth century”, p. 1230). Deixando a parte o problema da extrago social e da relagao da gentry com a estrutura produtiva, considerando-se apenas o padrio dos seus rendi- mentos, poderiamos decompor a gentry em duas grandes camadas: a rising gentry (gentry ascendente) de Tawney e a declinning gentry Gentry declinante) de Trevor-Roper, também denominada mere gentry. Enquanto Trevor-Roper insiste que foi a pequena ageniry ameacada pela crise econémica, e que via diminuirem gradativamente seus rendimentos, que realizou a Revolugdo contra a corte renascentista que 2 achacava com seus impostos, Tawney deu maior Enfase ao papel da gentry enriquecida a busca de melhores oportunidades, numa estrutura politica mais adequada aos seus interesses. No fundo, estas duas posigdes sio convergentes, pois a gentry & a principal classe social no contexto das lutas politicas do século XVII; aquela que se apropriaria das van- tagens econdmicas e socials delas decorrentes. Se a ‘gentry € a nova classe capitalista, a partir de dife- rentes estratos sociais, torna-se mais importante vé-la ‘como forga social do que como forga econémica, para valorizarmos as tendéncias do processo de mudancas, que, deresto, €0 queimporta captar. A crise tende, pois, a radicalizar a clivagem social. Como diz L. Stone, temos, em “primeiro (Iu- ‘gar), uma polarizagio da sociedade em ricos po- bres; as classes altas se fizeram relativamente mais ‘numerosas ¢ seus rendimentos reais aumentaram; 05, pobres se tornaram relativamente mais numerosos e seus rendimentos reais diminuiram. Em segundo (lugar), havia uma maior igualdade entre as classes altas:... a riqueza e 0 poder da alta gentry cresceu em relagio ao da aristocracia; ... os membros dos José Jobson de Andrade Arruda A Revolugdo Inglesa “ oficios ¢ profissdes aumentaram em riqueza, em ni- mero ¢ em status social em relago as classes dos Proprietarios rurais" (“Social...", pp. 28-29). ‘Apesar da pequena concentrago urbana no vorecer do século XVII, neste ambiente surgiram e se desenvolveram novas categorias sociais, todas elas ‘com um papel ativo no contexto da Revolugio. Em primeiro lugar, é necessério destacar a alta burguesia, mercantil, estreitamente ligada & monarquia, pois dela dependia para receber seus contratos de exclu- sividade comercial ¢ industrial. Eram os grandes contratadores dos monopélios cedidos ou vendidos pela Coroa, que acumulavam capitais inserindo-se nos poros da estrutura de comercializagao, Eram também os membros das grandes companhias de ‘comércio privilegiadas; aqueles que arrendavam a0 Estado a arrecadacZo dos tributos piblicos. A sua posigo no contexto da guerra civil seria mais do que evidente: favordveis 4 monarquia da qual se nutriam, ‘Abaizo situavam-se os membros da média burguesia, elementos das guildas mercantis que detinham o con- trole do comércio local. Num mesmo pé de igualdade colocavam-se os mestres manufatureiros e os comer- ciantes manufatureiros, irmanados contra as restri- bes corporativas e desejosos de eliminar os obsté- culos livre expansio das atividades industriais. Obviamente, os componentes das corporagées, me tres, oficiais, aprendizes, especialmente os primei- 10s, defendiam a situagao vigente que thes garantia 0 controle do mercado urbano, Na base desta escala social encontrava-se, principalmente nos. grandes | mercados como Londres, um proletariado represen- tado pelos jornaleiros — trabalhadores diaristas —, limitados na sua possibilidade de ascensio social pelas rigidas regras do regime corporativo © que, freqentemente, em fungao das flutuagdes do mer cado, engrossavam a massa de desempregados ur- bbanos, 0 lumpenproletariat. Era muito cedo ainda para a grande oposicdo entre 0 capital ¢ o trabalho. Neste momento, 0 conflito mais intenso era aquele ue se dava entre a oligarquia de mereadores privi- Tegiados, como os membros da City de Londres, ¢ os produtores, geralmente, por causa da qualidade e dos precos das mercadorias. Ressentiam-se as camadas menos privlegiadas dos elevados pregos dos produtos, de primeira necessidade, em virtude dos monop6lios dos grandes mercadores, o que os levou, no contexto da luta politica, a engrossarem a oposicio aos privi- legiados e A propria monarquia que os sustentava. AAlém do mais, para as eamadas instavelmente inse- ridas no processo produtivo, qualquer mudanea poli- tica poderia significar uma nova possibilidade, quem sabe, uma reintegragdo, Deste equacionamento social e de seus antago ismos resultam, segundo a nitida composigio de C. Hill, “trés classes em conflito. Contra os proprie- tirios de terra feudais e parasitas ¢ os financistas especuladores, contra o governo, cuja politica con- sistia em limitar e controlar a expansto industrial, os imeresses da nova classe social de comerciantes ¢ agricultores capitalistas identificavam-se tempora- riamente com os dos pequenos camponeses ¢ dos ar- José Jobson de Andrade Arruda tesdos ¢ artifices” (The English Revolution, p. 27). A visualizacio mais ampla da questao impe, entretanto, 0 equacionamento regional da estrutara social. Nas regides norte-oeste, onde preponderare ainda a estrutura feudal da produgao, a aristocracia € © alto clero anglicano foram capazes de mobilizar seus subordinados, pertencentes as camadas. mais inferiores, 0s yeomen, para a defesa de seus interes. ses e da monarquia, sendo amplamente apoiados ela burguesia financeira. Nas regides sul-leste, a eniry progressista mobilizon a yeomanry, os cotta. ers, 0S squatters, apoiados pela burguesia mercan. til, artesios, artifices © proletariado urbano, con. tando, inclusive, com 0 apoio da aristocracia inte. srada nas atividades de mercado. Nestes termos, a guerra civil nfo apresenta uma nitida clivagem so- ial, com as classes integralmente alinhadas de ume de outro lado. Havia burgueses de ambos os lados; havia aristocratas de ambos os lados; havia yeomen todos 0s tados. Mas é a gentry que dao tonus da Revolusao e seu posicionamento é claro: pelo Parla: ‘mento, contra a Monarquia. Foi esta classe que con. Guziu © proceso revoluciondrio e, apesar de nio parecer diretamente nas rédeas do poder, foi ela Quem dele se apropriou, como demonstram as ulte- totes transformagdes decorrentes do processo revo Revela-se assim, na crise social e politica do sé- culo XVIL, a estrutura mais intima da sociedade da Poca moderna: sua extrema segmentagdo que po- tencializa o conflito social, AESTRUTURA POLITICA ‘A Revolugto Inglese representa, no plano polf- tico, a crise do Estado Absolutista na Inglaterra. Se partirmos de uma definig4o de Estado que leva em ‘considerato o seu cardter quase absoluto, rfletindo forcas sociais particulares e representando grupos speciticos de classes socinis, como proper Barry Supple (“The State and the Industrial Revolution”, . 306), teriamos que o Estado absolutista poderia ser identificado com a burguesia, com a aristocracia, com 0 equilibrio existente entre estas duas classes, com o interesse geral piiblico. Porém, se o entender. ‘mos como uma condensagaio material de foreas entre_ classes fragdes de classes, na qual o Estado tem seu pr6prio espago inscrito nas relacdes de classe, mais adequadamente_passatiamos_a entender o Estado Absolutista como a expressio do conflito social extre-_ mamiente potencializado pela profunda segmentacio social da época Moderna. E, portanto, esta natureza &

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