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pesquisa e planejamento eCOnomico volume 6 * dezembro 1976 + numero 3 Emprego, renda e mobilidade social no Brasil * José Pastore ** 1 — Introdugio A preveupacio com os aspectos sociais do desenvolvimento econd- mico é um fendmeno recente, mesmo nos paises mais avangados. Os primeiros estudos sistematicos visando 2 delinigfo © a construgio de indicadores sociais no mundo desenvolvido tem pouco mais de 10 + © awtor apradece 0 apoio do Programa KNDE-FUNTEC para a elabora. Go deste artigo + Ds Universidade de So Paulo, Peay. Plan, Econ, Rio de Jancio, 6@) Solas der. 1970 4 0 anos. ? Tals estuclos se inspiraram no fato de os indicadores sociais constituitem um importante instrumental auxiliar na formulagio de politicas governamentais. De fato, os indicadores sociais témese reves Jada bastante itcis na elaboragio e implementagio de politicas sécio ccondmieas, pois: (@) permitem avaliar programas espectticos: (b) fa mirio © terciivio. Por isso, a “inchagdo" dos auténomos pode ser melhor interpretada como decorrente de um mercado de trabalho que ainda se mostra bastante diffcil para a estabilizagio do_pro- fissional. “Teoricamente, deverse-iam esperar niveis de renda mais altos entre auténomos do que entre empregaclos, mas estuclos recen- tes indicam grande similaridade de renda.*” 6 — Distribuicéo educacional da PEA Os dados censivirios incicam que, em 1970, doy 29.545.293 brasi- leiros que constitwiam a populagio economicamente ativa (10 anos fe mais) havia ainda cerca de 11 milhGes caracterizados como sem nenhum tipo de escolaridade. Isso 6, sem diivida, um indicador geral da pobreza de nossos recursos humanos: mais de 1/3 da PEA apre= senta qualificagSes educacionais bastante Timitadas para o bom de- sempenho no trabalho ena cidadania, A Tabela 5 indica que a grande concentracio de individuos sem instrugo € ainda predomi- ante no setor primérie, atinginde quase 60%, da PEA do setor. 10. G. Langoni, Distribuirao de Renda & Dewemolimente Evondmico no asit (Rio de Janeivo: Fd. Expresio € Cultura, 178) Emtiego, Renda ¢ Mobilidade Social no Brast sal ‘Taweca 5 Distribuigto educacionat da PEA — 1970 — ake at Winkio —_Seeuaéio Teel, % % Sem tedveto 108K at Tow OTS kN as Laan rimiio Ineanoiee 8.378 250 AUK 9988S Be mt Prati, #900 28 1am a8 tema sR MO ints, Wr 7d Sk twas cate ee ee ee ee atest or 28 ase Total 2050 1000 eT MD $200 809 FONTR: (BGR, cima de 100 Takive intra alo dated, Este quadro fica ainda mais dramatico quando se consideram algumas disparidades regionais, Assim, no Nordeste, cerca de 65% da PEA sio constituidas de individuos sem insteugos no setor prit miitio esse porcentudl elevarse a mais de 80%! Mesmo no setor in. dustrial a qualidade da mo-de-obra disponivel & também bastante precivia: mais de 50%, sio constituidos de ind idtios sem instru G20. Fecha-se assim 0 circule vieioso: as projetos inclus fatizarem tecnotogias intensificadoras de capital " tentam compensar escasser de mio-de-obra qualificada ou semiqualificada; ao mesmo tempo, produzem uma demanda timida que néo chega a pressionar 4s agencias educacionais por mais ¢ melhor educagio. Assini, pode-se esperar muito pouco desse tipo de industrializagio como indutora de avangos cducacionais, Uma politica alternativa seria a de esti- mula ati idacles (inclusive industriais) com maior potencial de absorgio de maodeobra facilmente treinavel. Em outras pelavras, os problemas de mioeobra do Nordeste exigem politicas especifi. eas que Tevem em conta a rentabilidade econdmica e a dade de fatores na regizo, 1D. E. Goodman € outros, of et ae esq. Plan. Econ, o(3) des. 1976 7 — Emprego e estrutura social Alguns tabalhos recentes na area dos indicadores de emprego vem permitindo uma ravoivel aproximagio do estudo da estrutura so- cial brasileira e, conseqiientemente, de seu sistema de escratificagio. Um dos trabalhos mais valiosos € 0 que classifica as ocupacdes cen sitdvias em 28 grupos hierarguizados segundo o sew nivel de renda fe grau de instrugio." Esses 28 grupos podem ser ainda mais agre: gados de modo a representar um sistema de classes mais conciso € mais comparvel com outras sociedades, Assim, neste artigo, agrupax remos as cateyorias ocupacionais nos cinco estratos sociais indlicadlos hha Tabela 6. Esse agrupamento procura representa estratos razoa- velmente distintos nas varidveis ocupagio, renda € educacio ¢, con- seqtientemente, nivel de emprego e estilo de vida, Como se porte verificar, x base da pirimide social brasileira continua exageradamente ampla: cerca dle 70%, clos integrantes dla PEA formam 0 estrato mais baixo da esteutura social ou, em uma terminologi frouxa, a classe baixa inferior. Ess “classe” con. igrega a grande maioria de ocupagies pouco qualificadas em. term0s ecucacionais como “trabaihadores de enxada”, garimpeivos, serin- gusiros, balconistas, entregadores, engraxates, empregatos domés- ticos, lixciros, oleizes, rendeiros, padeiros, sapateivas, teeelécs, ascen- soristas, ete. Dentro desse estrato localizamese ainda os grandes bol sdes de pobresa rural € urbana que congregam trabalhadores cujos rendimentos jamais ultrapassam um saldrio minimo. © estrato imediaramente superior concentra 18% dos individuos economicamente ativos. Este esirato inclui ocupagées um pouco mais qualificadas como marceneiros, carpinteiros, encanadores, pedreiros, vidraceiros, motoristas, maquinistas, marinheiros civis, eletricistas, tadiotenicos, impressores, torneiros, serrallieiros, funileiros, mec- hhicos ¢ assemelhados. A qualificagio referida nio provém necessi- riamente da escolaridade formal. Ao contratio, parece que tais po- sigdes ocupacionais sio preenchidas yeralmente por individuos trei- nnados em servico, ou seja, “priticos", As ocupagdes destas categorias percebem rendimenios equivalentes a 1-2 sal:irios minimos. 32 N,V. Silva, Posirto Social das Ocupardes (Rio de Jano: Fundasio IBGE, 1973). bmorego, Renda € Mobildade Social no Brasil 08 ‘Tapers 6 Estratos sociais no Brasil — 1970 a Eatratos Categorias Ocupadionaix » Industri, Protiwionais de Nivel ‘Superior, Administradores do Batco, Propretarios Rurals IL — Métio Superior Administradones. do Servigo. abl oy Agentos Fiacals, Profewores Seeundétios, Téeniets das Seton es Secindirio «Teresi, On {tos Adminisirad nes 558 613 UI — Métio inferior Prufisionais de Nivel Medio, Prox fewores, Prindrios, Téenions do Setor Primitio. Nigaion Proprie. MGrios Rurais, Mextres de Obras, Auxilares de’ Bseriseia IV — Baixo Superior Trabathadoros Qualifieades » Semi- fquelifcados do Selor Industrial ‘Trabulhuores de Trasporte © Cominieagdes, Trubalhadores a: Indsisig’ do Construgdo, Max deira e Moves 3387 436 1 ~ Baixo Inferior Ocypagies Quaificadas e Semigus- radas Nao-lndustais, Trba- Ihadores das. Tndisteiae Testels, de Couro, Veslusrio, Alimenta: ‘lo, Artetanato, Trabalhadores Trecais, Servideves Denadstieos, Outre Servigon, Ammbulantay Bal ‘onistas @ Hntteandores, Serve tes, ‘Trabatbadores do Setor Pr mavio* 418 89 052 69 FONTE: N,V. Silva op, at © Nio inclu © item 28° “Outro” De qualquer forma, convém notar que os dois estratos inferiores da estrutura social que formam a “classe baixa”, congregam ainda mais de 80% dos brasileiros. Estamos longe, portanto, de uma estru- tura de classe aberta que permits ficil mobilidade de um estrato set Pesg. Plon, Reon. 63) des. 1976 pare outro, A maior dificuldude de movimento surge entre os es. tratos baixos € os médios, pois nestes as exigéncias cducacionais sobem acentuadamente Os a nentos intermedidries que formariam, a grosso modo, congregam apenas 16%, da PEA, sendo que a grande maioria (18%) se localiza no estrato inferior. Neste estrato estio incluidos os téemicos do setor primivio, comerciantes, desenhistas, Iaboratoristas, miisicos, locutores, fotdgrafos, compradores, seromo- (G85, professores primirios, datilégrafos, auxiliares de escrit6rio € assemelhados. Tratase de um estrato cujas ocupagdes geralmente requerem escolaridade de nivel médio (ou de 29 grau) e cujos salirios se localizam em torno de dois a quatro salirios miniaos. O strato médio superior, que congrega apenas 8% da PEA, inclui grande néimero de profissdes de nivel universitirio de prestigio so. ial relativamente mais baixo, como assistentes sociais, professores secunditios, enfermeiros diplomados, taduores, redatores e adini- nistradores, O rendimento destes profissionais tende a se concentrar entre cineg ¢ 10 sal inimos, com grande varidncia interna, © estrato considerado a “elite social” é formado basicamente pelos industriais, grandes proprictirios rurais e pelas profissdes de nivel universitiio, especialmente as de ” dentistas, engenheiros, alvogaclos, nais prestigio” como médicos, wagistrados, economistas, agro omos, yeterinirios, socidlogos ¢ jornalistas. Os seus rendimentos, com enorme variancia, localizam-se na maioria dos casos acima de 10 salavios minimos. Em suma, o Brasil apresenta ainda uma estrutura social bastante “apertada”. Esté longe de ser uma sociedade de classe permedivel. A questio seguinte & suber como essa estrutura vem se comportande através do tempo. Os dados sobre 0 comportamento temporal da estrutura social sI0 ainda muito excassos no Brasil, Comparagdes exatas, usandose 0 mesmo critério classificutério, Sao impossiveis, Havighurst, entretan- to, realizou um estuclo da estrutura social brasileira em 1950, izando eritérios razoavelmente compariveis com os de Silva, an. 1 RJ. Havighurst, “Educasio, Mobilidate Social © Mulanga Soci em Quatro Seciedades”, in Educugdo ¢ Ciencias Socais, wl. 2, 0: 6 (1957) Embreg2, Rena ¢ Mobitidade Social no Bresit 65 teriormente indicado. Naquele estudo € possivel identificarse uma estrutura bastante semelhante i atwal, pelo menos no que tange 05 grandes estratos sociais, A Tabela 7 apresemta uma grande estar bilidade de todos os estratos, especialmente da elite © da classe média superior, Tis estratos, com base ness comparacio, vem se mostrando relativamente impermeiveis, denotando a inexisténcia de mobitidude social vertical, pelo menos em cermos. percentuais, B verdade que os efeitos da marcante ampliagio das oportunidacies esducacionsis da década de 60 56 se fario sentir na estrutura social @ partir de 1972/75, De qualquer forma, a comparagio realizada indica que os bencticios do desenvolvimento slo internalizados de modo lento e dificil, quando se considera o comportamento temporal da escrutura social brasileira Essa espantosa semelhanga entre as estruturas sociais los dois Hodos sugere que 0 crescimento econdmico favoreceu mais maciga- mente a geragio de empreyos incraclasses em lugar da criagio de emptegos ou ocupagdes de staiw mais alto, Por outro lado, vale a pena ressaltar que, embora as proporgdes se tenham mantido pra ticamente constantes, ocoreu no periodo, evidentemente, wn ats mento de todas as classes em termos absolutos, como decorréncia «lo aumento populacional ¢ da PEA em si Em outras palavras, a elite hoje congrega mais gente do que em 1950; igualmente, em termos absolutes, ha mais individuos de classe baixa hoje do que em 1950. Tameta 7 Estrutura social brasileiva — 1950/70 1950) 1010 ite 2 2 Classe Média. Superior 3 3 (Classe Média Iferioe 2 8 Chase Baise Superior 3 2 (Cleese Buixa Interior FONTES: 1050: RJ., Havighnst, op. «it; 1970: N, V, Silva, op. ct 366 esq. Plan. bon, (3) des. 1976 Como vimos, os grupos de estratos biixos nao sé constituem a maioria mal remunerads, mas sobretudo englobam ocupacdes mais atingidas pelo fenémeno de alta rotatividade. Isto implica um estilo de vida peculiar e um padrio de consumo limitado: tais grupos enfrentam, severas restrighes no seu nivel geral de vida e grandes imitagdes para entrar em endividamento prolongado (compra de casa, mobilitio, etc) , assim como para cobrir gastos eventuais liga- doy a sutide, mutrigao € transporte. Ligado a isso surge a tendéncia de se localizarem em habitagies precirias (Favelas ¢ cortigos) que, apesar de nJo oferecerem conforto, tem a grande vantagem de se situarem prOximas do local de trabalho, compensando, assim, 8 despesas de transporte. Qualquer tentativa de expulsio desses con- Lingentes populacionais implica a necessidade de pesados investi- ‘mentos em transporte, Uma anilise recente da situagio social desses contingentes. pop lacionais elaborada pelo IPEA caracteriza bem a questio hal cional como estreitamente dependente da questio de emprego © renda. Tal estudo recomenda que uma politica de habitagao realista leve em conta as restrigdes de mercado de trabalho as camadas 1 pobres da populagio. Em outras palavras, a politica habitacional deve estar estreitamente harmonivada com a politica nacional de emprego. Seguindo esse raciocinio, aquele documento chege a reco- mendar certa fusio dos programas do Ministério do Interior ¢ do Ministéria do Trabalho e, em algum grau, de Ministério da Previ- dencia ¢ Assisténcia Social (especialmente o INPS). 8 — Edueagio e mobilidade ocupacional Os dados apresentados na seco anterior sugerem uma fraca mol lidade social vertical no Brasil entre 1950 e 1970. Quais os fatores que inibem a mobilidade ocupacional no Brasil © que dificultam a passagem de grandes massas de individuos de um estrato baixo para outro mais alto? agnéstice Social de Brat (Brass: Centco Nacional de Recursos Erpoego, Rendle ¢ Mobile Social o Brasil 57 Os estudos de estratificagio social realicados em varias partes do anundo indicam que os grandes determinantes da mobilidade intra. geragio nas sociedades modernas sfo: (a) 0 primeito emprego do individwo; (b) as experiéncias adquitidas: (@) 0 sew treinamento geral, Por seu tuo, essas varidveis sfo parciatmente determinad: POF fatores ligados a geragio anterior, come € o caso da edueagio © da ocupagie do pai do individuo, Isso significa que, para una grande maioria de individuos, opera © chamado ciscuto vieioso da pobrera: mascer ser criado nos estratos baixos da estrutura social constitu dupla desvantagem, pois, além das resuigdes peculiares 20 strato, os fatores associados ao baixo status veforgam-se mutuamente ¢ tendem a reduzir as oportunidades ocupacionais do individuo, Esse {ito & especialmente relevante quando 0 acesso a educagio & Tim tado, © exemplo do Brasil & bem catacteristico. O ripida desen volvimento econdmieo dos iiltimos 10 anos gerou novos empregos, ‘que passiram a demandar profissionais ainda escassos no mereado dle wabalho devido as redusidas oportunidades educacionais das ge- rag6es passadas. O efeito final desss forgis foi a limitagio da ide ocupacional para a maioria e, como conseqiiéncia, a ele vagio substancial de silirios da minoria habilitada, constituida de profissionais que, aos poucos, foram assumindo uma posigio quase monopolista no mercado de trabalho. E importance ressaltar ainda que a grande expansio do setor terci#rio implicou na getagio de imimeras novas oportunidades em ‘cupagies “velhas” © de status relativamente baixo: atendentes, 16 cepcionistas, datilbgratos, enuegadores, balconistas, serventes, etc Muitas dessas ocupagdes se anultiplicaram eambém no setor secun- divio, E relevante distinguir 0 efeito-emprego do cfeito-mobilidatle, A mobilidade social ocorre mais freqientemente quando se verifica 4 aberura de novas oportuniddades ocupacionais de status mais alto do que as ocupadas pelo grupo considerado, Assim, & possivel admic tir a eriagdo de novas oportumidades de emprego desacompanhadas do fendmeno da mobilidade: neste caso, ocorre apenas a multipli cagZo dus ocupagées existentes ou criagio de novis, mas de baixo status, 68 Psp. Plan. Reon. 63) des, 1976

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