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5 RECONDITOS DO MUNDO FEMININO' Marina Maluf e Maria Licia Moit Sozinha pela rua, com as maos na direcito de seu auto; sozi- nha no passeio e no dancing da moda. E a moga de hoje que Ja ndo precisa da mamie vigilante, nem a senhora de compa- nhia |...] Como os cabelos, como os vestidos, como 0 rosto, a moca de hoje ja fixou o espirito, fé-lo mais livre |...) fé-lo apto ¢ forte |...] Nas reparticées piblicas, no baleao, na fibrica ou nas grandes casas, ela sabe estar sozinha pela vida (...) Soei- nha: para as maos, jé nao faz falta 0 embrulhinho cimplice € dissimulador. Jd sabe 0 que fazer com as maos, que sito igual- mente adestradas para empunhar a direcao de um auto ou para mover-se sobre o teclado de uma maquina de escrever? ao longo das trés primeiras décadas deste século inco- modaram conservadores, deixaram perplexos 0s de- savisados, estimularam debates entre os mais progressistas. Afinal, era muito recente a presenca das mogas das camadas médias ¢ altas, as chamadas “de boa familia’, que se aventura- vam sozinhas pelas ruas da cidade para abastecer a casa ou para tudo o que se fizesse necessario. Dada a énfase com que 05 contemporaneos interpretaram tais mudangas, parecia ter soado um alarme. Se as novas maneiras de se comportar tinham se tornado corriqueiras em menos de duas décadas, a ousadia, no entan- to, cobrava seu prego: que a senhora soubesse conservar um “ar modesto ¢ uma atitude séria, que a todos imponha o devido respeito”. E mais: que a mulher sensata, principal- A 8 mudangas no comportamento feminino ocorridas 'G professor a musica en, \| k mente se fosse casada, evitasse “sair 8 rua com um homem que nao seja © seu pai, 0 seu irmao ou © seu marido”. Caso contrario, iria expor-se a maledicéncia, comprometendo nao s6 a sua honra como a do marido, conforme se lia na Revista Feminina, importante publicacao do periodo- ritmo das mudangas ocorridas, considerado por mui- tos como alarmante, veio acompanhado de certa ansiedade por parte dos segmentos mais conservadores da sociedade, ja tomados pela vertigem das grandes transformagdes que 0 pais vinha vivendo, sobretudo a partir do ultimo quartel do século xn! Nao faltaram vores nesse comeco de século para entoar publicamente um brado feminino de inconformismo, tocado pela imagem depreciativa com que as mulheres cram vistas e se viam e, sobretudo, angustiado com a representagao social que Ihes restringia tanto as atividades econémicas 1, Como foi educada a mae — Como ¢ educada a filha, (1921! conseguides artificialmente com um Jerro de frisar. Duas décadas depois, (os contesindicavam que as mulheres ‘nao mais se contentavam com «a antiga imagem de “frequentadoras da teatro-¢ dos jantares” Estavam ‘esculpinda wma silhueta de walker moderna Em dezemibro de 1924 ‘a Revista Feminina jé indagava s@ 0 cabelo curto nao seria “um sintoraa da emaneipa;aio do belo sexo" Devia ser, 34 que a propria revista identfieava, pela corte dos cabelas, a escultore. a Hiterata, a estudante, a darilografa, a sportswomian, (Cabellos curtos, 1924) ~~ Gabellos wcurtos quanto as politicas, “Entre nés’, escreveu em 1921 a articulis- ta Iracema, “a mulher s6 exerce sobre 0 homem o prestigio do seu sexo. Quando 0 homemnéo esté mais sob 0 sortilégio exercido pelos encantos da mulher, esta deixa de acupar-lhe 6 espirito, de interessa-lo.”* E quais seriam nesses tempos os sinceros desejos da mulher?, indagava a escritora Chrysanthéme (pseudénimo de Cecilia Bandeira de Melo Rebelo de Vasconcelos) a sua personagem, que lhe respondia aborrecida com 0 tom prote- tor e de disfarcado desdém dos homens superiores: “Nés queremos a liberdade [...] ou pelo menos a sua igualdade com 0 homem, o nosso déspota, o nosso tirano”* “Sejamos mulheres’, proclamava de Minas Gerais uma colaboradora da Revista Feminina, em 1920. Reivindicando igualdade de for- macio para ambos 0s sexos, chamava a atengao das leitoras para as mulheres “vitimas do preconceito”, que viviam fecha- das no lar, arrastando “uma existéncia monétona, insipida, despida de ideais”, monetariamente algemadas aos maridos. Era nas cidades, as quais trocavam sua aparéncia paro. quial por uma atmosfera cosmopolita ¢ metropolitana, que se desenrolavam as mudangas mais vistveis. Através de um processo diagnosticado por varios criticos temerosos como imperfeito ¢ desorganizado, a nova paisagem urbana, embora ainda guardasse muito da tradi¢a0, era povoada por uma populacio nova ¢ heterogénea, composta de imigrantes, de egressos da escravidio e de representantes das elites que se mudavam do campo para as cidades. Diante da variedade de questionamentos, experiéncias € linguagens tao novas que as cidades passaram a sintetizar, intelectuais de ambos os sexos clegeram como os legitimos responsdveis pela suposta corrosdo da ordem social a quebra de costumes, as inovagdes nas rotinas das mulheres e, princi- palmente, as modificagGes nas relagdes entre homens € mu- Iheres.’ Conjugaram-se esforcos para disciplinar toda e qual- quer iniciativa que pudesse ser interpretada como ameagadora 3, 4,5, 6. Emm 1918, homens ce mulneres viveriam uma revoiucao nos costumes: a gindstica, Luts Edmundo Costa iembra que 0s brasileiro: que viram nascer a Repiiblica exam “uma geragio de fracos e enfezados, de languides e-ragqutticos, senspre enrolada em grossos cache-ner. de la, a galocha no pe, wn guarda-chuva de cabo de vaita debaixo do brace | Condenava-se sumariamenite a gindstica. Considerava-se perigoso a-sport, por mais brando que fase”. Foran necessirias menos de tres décaitas para que a Revista Feminina alerdeasse ws mudangas: “Nosso fim € 6 beleza. E a beleent 86 pode coexistir com a satide, com a robustez e com a forga”. (A Belleza Feminina ¢ « Cultura Physica, 1978) 7, Pana ver modestos contimetros do pé de wna dama, 08 homens 5 obrigavam a gindeticas que 1s deécavam com “dove: de espinka’? Os dias de chuva praduciam vixdee ais sensuais: para nio mother 4 barra do vest, as mulheres: ‘arrebanhavam as saias, exibinds alguns cetimetros a mais. O prego dda indiscricdo costumasa ser ato: valia a pena toniar ciueva ¢ pegar “oenga do peito” para ver um tnico pé. Mas isso tudo era coisa de antigamente, Em 1917 « imprensa jf dereenciavn que as nnulheres estavam determinadas a “gastar ‘menos seda”: primeira foram 0s decotes que abaixaram. Depois foi a vez de as saias subirem, (Fos, Sempre a poderosa Light! Os maiores estribos dos bondes, 1912) ee ee ee Sonne Cees nportante “suporte Go Estado” ¢ nica instituigao social capaz de represar as intimi- dadoras vagas da “modernidade”. “Hoje em dia, preocupada com mil frivolidades munda- nas, passeios, chés, tangos ¢ visitas, a mulher deserta do lar. £ como sea um templo se evadisse um idol. £ como sea um frasco se evolasse um perfume, A vida exterior, desperdicada em banalidades, € um criminoso esbanjamento de energia. A familia se dissolve e perde a urdidura firme e ancestral dos seus liames. ‘Rumo a cozinha’! eis 0 lema do momento”, conclamava a Revista Ferminina em agosto de 1920. Homens e mulheres se acusavam reciprocamente como 0s principais causadores de uma intolerdvel corrosio dos costumes, Em 1916, colaboradora Bebé de Mendonca Lima declarava 0 homem culpado pela ruina da felicidade conju- gal: sempre com o vinco “cavado entre os supercilios”, dei- xa rastros de mau humor pela casa, embaraca os criados ¢ amedronta as criangas. Ofendido e ligeiro, o escritor René Thiollier contra-atacou no mimero seguinte. Afinal, argu- mentava, ele também fazia parte “dessa cafila doce-amarga, tao detestada e, a0 mesmo tempo, tao querida, que se chama os maridos”* Em outubro do mesmo ano, a romancista Julia Lopes de Almeida escreveria, tornando ainda mais publico um descontentamento tanto tempo represado: “Se nao fosse a prudéncia das mulheres © casamento seria uma fonte abundantissima de escandalos’; pois fosse 0 amor uma ques- tio de natureza, “nao sei o que seria dessa historia de fideli- dade conjugal”? Se as reclamagées das mulheres estavam pontuadas de magoa ¢ revolta, as dos homens pareciam revelar desconfian- ca para com a “nova mulher”. “Caso ou nao caso?”, indagava © conservador poeta modernista Menotti del Picchia, em 1920, “Eis o dilema que arrepia a espinha do celibatario.” E arrematava: “Os mocos, com razdo, andam ariscos |...] Sera justo que um mogo trabalhador ¢ honrado entregue seu nome nas méos de uma cabecinha fuitil e doidivanas [...]?”. Antigameate as mulheres “nao serelepeavam nos asfaltos, Tequietas e sirigaitas; nao saiam sozinhas [...] nem se desarti- culavam nos regamboleios do tango e do maxixe”." A respos- ta nao tardaria. Sob 0 pseudénimo de Rosa Barbara, uma intelectual de Minas Gerais publica na digo de junho da revista aquilo que ela denomina de a “outra face da medalha” & Deum lado a revolugio dos costumes subia a barra da saia. Do outre, a moral rigorosa inventara a moda que iria cobrir com botinhas de cano alto © palago de canda exposta. Quarts mais curtas as sa longes as *pelicanas botiaas” 4a que se referia Barros Ferreira (0 calgado ferninino, 1921) , mais Os “rapazes honestos” a quem os senhores Menotti del Picchia € seus colegas de critica se referem, os chamados “filhos-fa~ milias”, escreveu a articulista, tomam por elegante e de bom- tom passar suas noites “nas casas de divertimentos livres, ao jogo ou nes cafés, embrutecendo o espirito, aviltando a alma e arruinando 0 corpo pelas bebidas, cocaina, mor‘ina ou car- tas de poquer”. £ a esses homens pouco educados que as esposas se entregam. E a autora finalize: ainda teremos 0 “prazer de ouvir e de ver uma moca [...] quedar-se indecisa, mirando e remirando a elegancia do pretendente, interrogar- se com prudéncia.., Caso ou nao caso?" O dever ser das mulheres brasileiras nas trés primeiras décadas do século foi, assim, tracado por um preciso e vigo- 1080 discurso ideolégico, que reunia conservadores ¢ diferen- tes matizes de reformistas e que acabou por desumaniza-las como sujeitos hist6ricos, ao mesmo tempo que cristalizava determinados tipos de comportamento convertendo-os em rigidos papéis sociais. “A mulher que é,em tudo, o contrério do homem’,” foi o bordao que sintetizou o pensemento de uma épocz intrangiiila e por isso dgil na construcio e difusao das representagdes do comportamento feminino ideal, que limitaram seu horizonte ao “tecndito do lar” e reduziram ao méximo suas atividades e aspiragdes, até encaixd-la no papel de “rainha do lar’, sustentada pelo tripe mae-esposa-dona de casa. HISTORICIZANDO © RECONDITO Baseado na crenga de uma natureza feminine, que dota- ria a mulher biologicamente para desempenhar as funcoes da jugar da mulher € 0 lar, e sua fungao consiste em casar, gerar filhos para a patria ¢ plasmar o cardter dos cidadaos de ama- nha. Dentro dessa tica, nao existiria realizacao possivel para as mulheres fora do lar; nem para os homens dentro de casa, jd que a eles pertenceria a rua e o mundo do trabalho. A imagem da mae-esposa-dona de casa como a principal mais importante fungao da mulher correspondia Aquilo que era pregado pela Igreja, ensinado por médicos e juristas, legitimado pelo Estado e divulgado pela imprensa. Mais que isso, tal representagao acabou por recobrir o ser mulher — e a sua relacao com as suas obrigagdes passou a ser medida ¢ avaliada pelas prescrigdes do dever ser." No manual de economia doméstica O Jar feliz, destinado as jovens maes e “a todos quantos amam seu lar’ publicado em 1916, mesmo ano em que foi aprovado 0 Codigo Civil da Republica, o autor divulga para um pablico amplo o papel a ser desempenhado por homens e mulheres na sociedade, sintetiza, utilizando a idéia do “lar feliz”, a estilizagao do es- Paco ideologicamente estabelecido como privado. “Nem a todos ¢ dado 0 escolher sua morada, pois em muitos casais a instalagao depende da profissio do chefe” afirma © compéndio, em consonancia com © Codigo, Entretanto a mulher incumbe sempre fazer do lar — modestissimo que seja ele — um templo em que se cul- tue a Felicidade; & mulher compete encaminhar para casa 0 raio de luz que dissipa o tédio, assim como os taios de sol dio cabo dos maus micrébios |...] Quando hé 0 que prenda a atengao em casa, ninguém vai procu- rar fora divertimentos dispendiosos ou prejudiciai pai, a0 deixar o trabalho de cada dia, s6 tem uma id voltar para casa, a fim de introduzir ali algum melho- ramento ou de cultivar o jardim. Mas se o lar tem por administrador uma mulher, mulher dedicada e com amor a ordem, isso entdo é a satide para todos, 6a uniao dos coracées, a felicidade perfeita no pequeno Estado, cujo ministro da Fazenda ¢ o pai, cabendo & companhei- ra de sua vida a pasta politica, 0s negécios do Interior." A descrigio harmoniosa do “pequeno Estado” discrimina- va as fungies de cada um, atribuindo 20 marido e a mulher papéis complementares, mas, em nenhum momento, igualda- de de direitos. Acentuava-se 0 respeito miituo, que pode ser traduzido como a expressa obediéncia de cada sexo aos limites do dominio do outro. Nas palavras de Afranio Peixoto, “iguais, mas diferentes. Cada um como a natureza 0 fez’! Varios preceitos do Cédigo Civil de 1916 sacramenta- vam a inferioridade da mulher caseda ao marido. Ao homem, chefe da sociedade conjugal, cabia a representagio legal da familia, a administragao dos bens comuns do casal ¢ dos par- ticulares da esposa segundo o regime matrimonial adotado, 0 direito de fixar e mudar 0 local de domicilio da familia." Ou seja, a nova ordem juridica incorporava e legalizava 0 mode- lo que concebia a mulher como dependente e subordinada ao homem, e este como senhor da agio. A esposa foi, ainda, declarada relativamente inabilitada para o exercicio de deter- minados atos civis, limitagdes s6 comparaveis as que eram impostas aos prédigos, aos menores de idade e aos indios.” Vale lembrar que 0 Cédigo Civil de 1916 guardou certa distancia da legislagao de 1890. Nesta, era conferida ao mari: do, sem qualquer dissimulagao, a chefia da sociedade conju- gal, bem como a responsabilidade publica ca familia, além de caber a ele a completa manutengio dos seus, e a administra- (40 e 0 usufruto de todos os bens, inclusive dos que tivessem sido trazidos pela esposa no contrato de casamento."® No Cédigo de 1916, a manutengao da familia passou a ser res- ponsabilidade dos conjuges. Uma perversao juridica, no en- tanto, perpetuava a submissao da esposa ao marido: o dircito 9. J. Carlos, Um Suicidio. (1978) 10, 11. “Ah, a iart A sagracio da mulher..” ironiaava a escritora Jilia Lopes de Almeida, Mas o lar idealizada pelo discurso deminante, na verdade, nao encontrava ressonancia na vida real do Brasil do coniego do séeulo. as mulheres de elite esse espace tinea efetivamente a aparéncia de reina, centre as camadas mais baixas do povo era dificit im alguém pradesse “rei erm que vivia a maioria da poputagao, (10. Quarto de vestir da residencia do Dr. Joao Dente — Avenida Paulista 55, Sao Pauio, 1924; 11. Raud Pederneiras, Casa de chmodos, 1924) DT ecb i da mulher casada ao trabalho iria depender da autorizagao dele ou, em certos casos, do arbitrio do juiz.” Usos ¢ costumes, porém, revelam que o mbit do poder do marido ia mais longe do que 0 previsto pela lei. A cle cabia deliberar sobre as questées mais importantes que en- yolviam o nticleo familiar: a apropriagao e a distribuicao dos recursos materiais ¢ simbdlicos no interior da familia, 0 uso da violencia considerada “legitima’, cujos limites eram debil- mente contornados por aquilo que se considerava excessivo, € © controle sobre aspectos fundamentais da vida dos familia- res, como as decisdes sobre a escolha do tipo e local da for- magao educacional ¢ profissional dos filhos.”” Isso pode ser atestado, por exemplo, no proceso que se seguiu ao pedido de separacao de Cora de Magalhies, ocorri- do na cidade de Sao Paulo em 1928. Ela propusera agao de desquite alegando, entre outros problemas conjugais, que le- vava uma vida de vexames e humilhacdes. O marido, Manoel Martins Erichsen, contra-atacou solicitando a reconvencao do proceso — recurso que transformava de réu em vitima. Erichsen inverteu os papéis, acusando a esposa de té-lo in- juriado gravemente ao recusar-se a viver em sua companhia onde ele determinasse, de ter Ihe usurpado 0 patrio poder (ao internar em um colégio, sem sua autorizagio, uma das filhas do casal) e de té-lo impedido de se encontrar com os filhos. A agao de Cora foi repelide por unanimidade, enquan- to a reconyengao foi julgeda procedente.”" Processos de divércio de ricas familias paulistas nesse periodo revelam o recurso freqiiente a coergao fisica das mu- Theres. Pesquisas registram que 0 marido, tal como um pai, se sentia no dever de punir com violéncia sua esposa quando desobedecido. Embora nenhum eédigo permitisse ou sequer relevasse tais agress6es, estas se davam sob a protegao de re- gras do costume. A violéncia sé era vista como selvageria e brutalidade quando exercida diante dos considerados pelas classes médias ¢ altas como seus iguais, ou daqueles que pri- vavam com 0 casal, Dessa categoria estavam excluidos, por exemplo, os empregades domésticos, tratados como inferio- res, ndo como iguais. Diante destes, a coergdo fisica ndo era tomada como humilhante.” No seu livro de memérias Didrio de Bitita, a escritora negra Carolina Maria de Jesus, nascida no Sul de Minas Ge- rais em 1917, relembrou uma cena de infincia, vivida entre 0 av, ex-escravo, ¢ sua mulher. Além de corroborar exemplar- mente a violéncia doméstica consentida, 0 episddio relatado pela escritora revela como as classes mais pobres, muitas ve- zes, incorporaram nao apenas os padrdes de comportamento familiar mas também os valores das clites: Quando vové veio almogar, nao tinha farinha. Ele nao comia sem farinha porque na época da escravidio os ne~ gros eram obrigados a comer 0 angue a farinha, A tarde, quando foi jantar, encontrou farinha. Perguntou a sid ‘Maruca: — Onde e quando conseguiste dinheiro para com- prar esta farinha? Os seus olhos voaram pare 0 rosto de sid Maruca, que havia mordido os labios. Por fim ela resolveu responder: — Eu lavei roupas para dona Faustina, ela pagou € eu comprei cinco quilos de farinha, lavei duas diizias por um mil réis. 0 quilo da farinha custou duzentos réis. 12. A imprevisa te revelava implacével com a emancipagie feminoa. Quando exeeutado por ur homens, 0 trabalho doméstico & pintado cemo algo ito ¢ penoso — e 9 personagem que se submere a ele &traxado conna ridicule, (Sent titulo, 1926 © meu av6 retirou a cinta da cintura e espancou-a. Dizi — Ea Giltima vez que a senhora vai fazer compras sem © meu consentimento. Quando quiser sair, peca-me Permissio. Quem manda na senhora sou eu! Sea senho- ta nio sabe obedecer, vai embora.”” Ao comentar 0 Cédigo Civil no ano de 1917, Clovis Beviliqua observou que a razao de se dar ao homem a chefia da familia se devia unicamente a necessidade de haver quem assumisse a directo de modo a “harmonizar as relagdes da vida conjugal”. As razées da hicrarquia ¢ das restricoes im- postas 4 mulher nao deveriam ser atribufdas a inferioridade fisica e mental, uma vez que homens e mulheres sao dotados de capacidade equivalente. O ndicionante, assinalava o ju- rista, era a diversidade das funcoes que os consortes eram chamados a exercer “junto a sociedade e na familia’.** professor Washington de Barros Monteiro, ao comen- tar a legislacao de 1916, reiterava em outras palavras a supre- macia masculina, mesmo tendo transcorrido quase meio sé- culo: “Outrora dizia-se que essa preponderancia do homem era de Direito Natural; posteriormente procuron justificd-la com a fragilidade da mulher’, escreveu o jurista. “Moderna- mente, porém, com muito acerto afirma-se que ao marido compete a chefia da sociedade conjugal pela necessidade de haver quem Ihe assuma a direcéo ¢ também por ser ele quem, pelo sexo e pela profissao, mai apto se acha para receber a investidura.”* O Cédigo Civil de 1916 interpretou o modo como cada um dos cénjuges deveria ser apresentado socialmente. Um conjunto de normas, deveres e obrigacées, com seu correlato inibidor e corretivo, foi formalmente estabelecido para regrar 9 vinculo conjugal, 2 fim de asegurar a ordem familiar. A cada representante da sociedade matrimonial conferiu-se um atributo essencial. Assim, se ao marido cabia prover a manu- ten¢ao da familia, a mulher resiava a identidade social como esposa e mie. A ele,a identidace priblica; a ela, a doméstica. A figura masculina atribuiram-se papéis, poderes e prerroga- tivas vistos como superiores acs destinados 4 mulher. Del neaya-se com maior nitidez a oposicéo entre esferas puiblica e privada, base necessiria para que a mulher se torne mulher e o homem se torne homem, ao mesmo tempo que fornece os 13, 14,15. Coma a extremto oposto: a figura fem exerce as tarefas domésticas com wn permanente sorriso no rosto —e nunca s2 ve no tre¢o io desenhista uma sé ponte de irovsa, (Sem titulo, 1915) 16, “Pode-se, acaso, conceber 0 anjo do lar sransformsido nun desses ‘energiimenos de paride? Pode-se conceber esse ser delicado ¢ seustvel 4 controwérsia, &infiria, & calinia?? indogava a Revista Feminina. A diviniaagdo dec eulher entrava em chogue com a eaompinha que agitou o pats nos anos 20: a aspiragio da mulher é cidadiania — votar ¢ ser votada. Mae niio falvavarn publicagses, como © Malho, a tratar com ironia 03 lois diveites retvindicados: 0 de vetar © 0 deser votada e eleta (Quando as mulheres forem cleitas, 1927) oasanee ARNO XXEE nba bai “6 SOx. ate Lise Tatu dA thal 2 elementos de identificagao do lugar do homem e da mulher em todos os espectos da vida humana. As desigualdades entre as funcdes desempenhadas por homens ¢ mulheres, que os identificaram ou com a rua ou com a casa, ado vieram desacompanhadas de uma valoriza- 0 cultural. Isto é, as atividades masculinas foram mais re comhecidas que as exercidas pelas mulheres, razao pela qual foram dotadas de poder e de valor. O trabalho era o que de fato conferia poder ao marido, assim como lhe outorgava pleno direito no ambito familiar, a0 mesmo tempo que 0 tornava responsivel, ainda que de modo formal, pela manu- tencao, assisténcia ¢ protecao dos seus, Ao ser assim conside- rado, o marido desempeahava fungao de valor positivo e do- minante na sociedade conjugal. Essa crenca foi de tal modo interiorizada pela familie ¢ pela sociedade que o descumpri- mento dessa atribuigao por parte do marido era tomado pela mulher como falha, da mesma forma que fazer comentérios sobre os insucessos do marido fora dos muros estritamente conjugais poderia ser razo suficiente para explosées de vio- lencia, uma vez que quetrar o siléncio sobre 0 assunto colo- cava sob forte ameaca 2 representacao masculina dentro e fora de casa.” A repercussao nos sentimentos masculines diante da impossibilidade de ser 0 nico provedor da familia, de acor- do com 0s padrées tradicionais, foi observada também por Rosa Maria Barbosa de Aratijo, na sua pesquisa sobre 0 Rio de Janeiro das primeiras décadas do século, Alguns maridos chegavam ao desespero ¢ cometiam suicidio, “justificando o ato pela derrota moral de nao cumprir seu dever”* Isso leva~ yaa se considerar desoniosa a alternancia ou complementa- ridade do trabalho remunerado dos cGnjuges para enfrentar 0s custos da sobrevivéncia familiar, pois acreditava-se que feria tanto a identidade social desejavel da mulher quanto a do homem. No editorial de outubro de 1918 da Revista Feminina, Ana Rita Malheiros, como vimos, pseudonimo de Claudio de Souza, chegou a responsebilizar 0 homem moderno pelo avango do feminismo. Transformado num “quase invalidado” porque incapaz de produzir “o suficiente para o sustento de seu lar’, 0 marido compelu a mulher 2o trabalho, quando, na verdade, ela preferiria, segundo o articulista, “continuar tran- qaila no seu canto de sombra’ ocupada com os “encargos da diregio do lar’. Nao se pode esquecer ainda que a contrapartida do ma- rido provedor era a mulher responsavel pela honra familiar. Qu seja, em troca do sustento garantido, a mulher casada deveria se distinguir socialmente, respeitando os ditames da moral e dos bons costumes, evitando assim incorrer em inja- feminino a prom ‘Como se 0 exsamento por amen, a realizagia da mais sagrada mnissao da maternidade ¢ 9 cumprimento regrado dos deveres da boa dona de casa fesse 0 passeporte para 0 sonhadto “iar dove lar? Com lucidez, a romarcista Jia Lopes de Almeida aponteu: “Uma s6 alma € a metdfora que foi liabo em hora de inom em dois corp criada ps Afinal, ndo é a mulher, quer wzer, Eo maride faz ou deixa de quent “dal gostes, impse vontades" Na verdad a “casa € 0 muride que esth a sews pés, cbedicrte ao seu _gesto” Até mesmo as portas abrem-se “a quem ele quer, fe the convém’ (Femi solde, 1929) ia italiana no. ria grave, definida como o procedimento que “consiste em ofensa a honra, respeitabilidade ou dignidade do cénjuge”* Isso significa dizer que o julgamento do comportamento do marido pela sociedade dependia em grande parte do com- portamento da mulher. © mesmo discurso que tornou correlatos trabalho ¢ identidade masculina concebeu a mulher circunscrita ao es paco interior da cas. A arquitetura do lar feliz aprisionou homens ¢ mulheres dentro de uma moldura estritamente normativa. Homens ¢ mulheres, maridos e esposas passaram a se defrontar n&o sb com uma nogdo mais delimitada dos papéis sociais atribuldos a cada sexo mas, sobretudo, com uma rigidez provavelmente desconhecida até entio em suas experiéncias cotidianas. Se uma coisa erao rigor da lei, outra coisa podia aconte- cer na intimidade de alguns lares. Foi uma dessas situagdes que o escritor paulisia Alcantara Machado construiu em seu romance inacabado Mana Maria, cujos originais foram loca- lizados apés sua morte, em 1935. O autor cria um persona- gem — Purezinha, dona de casa, mae de uma filha — que, navegando contra a corrente das normas de entao, assume o governo da casa, aluga iméveis, aplica dinheiro. Converte-se, enfim, no cabeca do czsal. Quando Purezinha morte, a filha Maria emerge “de palvra medida e dura, gesto brusco ¢ deci- dido, olhar firme, direto, autoritério”. Por ocasiao da partilha dos bens da mae, a moca fez questio de estar presente, e CONFECCAO DE ENXOVAES PARANOIVAS eee 9 Late tae reeds co ea sen 6 12 Len ee een ste can 6 Patin 6 Ton Koei ere ‘soon pn ee sce 1 hi oo wn : pie meet 88 | Gait reat a pc com wars dee Wagner Schiidlich & Co. RUA DIREITA N. 18 discutiu com tal firmeza seus direitos de filha legtima que até o pai se surpreendeu. F ainda mais se espantaria ao ouvir a explicagao da filha: “|...] conhego as leisdo meu pais”. Ma- ria vai ao quarto e de la retorna trazendo consigo um exem- plar encadernado do Cédigo Civil, 0 que levaria 0 pai, Joa- quim Percira, a “estourar” de admiragdo: “Vocé é sua mae escarradinha’. Fora Purezinha, sua esposa,quem comprara 0 Cédigo agora descoberto, lido e relido pela filha. “Incrivel. Definitivamente sumiu diante da filha’, que, a partir de en- 18, Possivel garanta de axcensto secial, urn Yor casarveite também pedia gerar bons negbcios. Nao {filtava quen quiesetirar proveita ddsso: como “livrae-se do perio” ae fazer face 20s cuss dos encoviais? ‘Muito simples: tomes dinheiro emprestado.com sam dos muitos “apitalista” da épcee. (Contec 30 dde Enxovals para Noivas, 1917) tio, “conversou com o advogado, estabeleceu os quinhdes L...] ¢ conclufdo o inventdrio, passou a tomar conta de todos os negocios, do pai inclusive” A PEDAGOGIA DO CASAMENTO Cenas de um casamento. Antes de perguntar ao noivo e noiva se eles de fato querem unir-se pelos sagrados lagos do matriménio, 0 oficiante faz uma prudente adverténcia ao homem: “Se senhor quer se casar com a senhora, devo preveni-lo de que ela, como todas as demais mulheres, tem um dia ou mais de nerves por més. Ao unir seus destinos a dona de seus mais caros sonhos, o senhor devera comprome- ter-se.a suporté-la com paciéncia nesses dias”. Antes mesmo da anuéncia do noivo, ele acautela a mu- ther: “Se a senhora esta decididamente resolvida a casar-se, advirto-a, para sua seguranca futura, de que o senhor, como todos os homens, podera ter acessos de loucura transitoria. Ou, digamos, de pronunciado mau humor. Tal estado costu- ma durar pouco. Quase nunca excede a um dia, e € muito raroque se repita por mais de trés a quatro vezes por semana. Bica a noiva avisada de que, para contrabalancar seu dia de nervos, tera que suportar 0 dobro em peso e medida, por parte de seu marido, que é 0 rei da criagdo e 0 chefe da familia”. Acena imaginaria, que no final do século xx pode soar como uma caricatura anedotica das relages entre marido ¢ mubher, esta expressamente sugerida em um artigo da Revista Feminina, na edigao de abril de 1916. Ainda que com a suti- leza permitida pelos valores de entéo, a autora da situacao acima inquieta-se pela injustiga. Se € dificil agtientar os pré- prios nervos, escreve ela, “é mais cruel ter que suportar os dos cutros, principalmente quando o contrato € indissoliivel, com todos os agravos ¢ todas as restrigoes para nés mulheres —e todas as vantagens ¢ toda a liberdade para nossos mari- dos, que em tudo nos levam cento por cento” Longe de indicar 0 colapso do casamento, as reclama- goes e acusagbes muituas de maridos e esposas apontavam a necessidade de remodelar 0 casamento para reforc4-lo como instituigao social. Argumentos foram elaborados para apazi- guar e tornar legitimas diferengas injustas, pois urgia conver ter a relagao entre homens ¢ mulheres em um vinculo disci- plinado, ou mesmo harmonioso, de modo a tornar segura a reproducao da ordem e afastar os riscos que ameacavam de- sarranjar os planos da organizagao doméstica. O menor sinal de flexibilizagao na divisao sexual das funges no interior da familia era repercutido pelos conservadores ¢ reformistas como uma ameagadora vaga modernizante. Contra os “sur- tos grandiosos do progresso” que faziam “oscilar 0 mundo’, alertayam eles, “sejamos como a arvore poderosa arraigada ao solo, imutavel, idéntica a ela mesma’, procuremos no ‘lar © ser estavel que nenhum acontecimento pode abalar”™ Rosa Maria Barbosa de Aratijo acredita que no caso do Rio de Janeiro prevalecia uma dupla moral, responsdvel pelas ruptu- ras do equilibrio pelas explosées de conflitos dentro do lar, muito presentes no periado. Alguns fatores precisam ser con- siderados, sublinha a autora: primeiro, a discrepdncia eatre a expectativa de uma divisdo rigorosa das esferas de atuacao entre os conjuges ¢ a pratica cotidiana; segundo, um sistema rigido de valores que exigia coeréncia de comportamentos, tanto na esfera doméstica quanto fora dela, algo bastante di- ficil num periodo de urbanizacao e industrializacao crescen- tes, a8 quais convocavam os individuos ¢ a familia para novas formas de associasio € lazer, ao mesmo tempo que ofereciam outras oportunidades, ainda que desiguais, de trabalho." ‘As inovagGes trazidas pela tal “vida moderna” povoavam as paginas dos mais diferentes tipos de literatura, 0 que por si 86 indicava um forte movimento em prol da defesa de deter- minadas instituigdes basilares da sociedade, mesmo que para isso fosse necessdrio acatar mudangas e introduzir outras. Nada, entretanto, que pudesse ferir a legitimidade das regras. do sistema familiar e social. Carregava-se no tom para justifi- car a reacdo “contra certas teorias dissolventes” que dia a dia alimentam “a onda de imoralidade € da perversio dos costu- mes que tenta levar de vencida tudo 0 que a humanidade possui de melhor”. Nao € sem desconfianga que lemes sobre a intensidade e velocidade das mudangas na vida das mulheres brasileiras. Algumas décadas nao foram suficientes para influenciar tio fortemente a mulher, transformé-la em “pobre maripesa” e arrastd-la para “viver com 0 mundo e para ele’, como queria uma leitora da segdo “Jardim fechado”.” Ao contrério, tais 19. O significado do verbete Mae, segundo 0 Grand Dictionnaire Larousse do final do século XiX, Erevelador do entendimento gue a sociedade tinha da maternidade “Ela recebew da natureza a triple e sublime missao de conceber, de por 10 mundo e criar 0 género huramo, Convémm pois esquecer as lacunas lo seu carder as perfidias das suas sedurdes, as imperfeicbes da sea natureza, ¢ nao lembrar sendo esse fato que & como que a razito do seu ser’ (Sem tttulo, 1920) palavras mais revigoravam uma velha moral ¢ menos revela~ vam “a dissolugao dos costumes”, como denunciava o dr. Vi- veiros de Castro, presidente da Comissao Executiva da Liga de Defesa Nacional.* Qual é a missio da mulher? E qual é a do homem?” Essas eram indagacées com as quais homens ¢ mulheres, maridos e esposas se debatiam na tentativa de delinear para si mesmos e para a sociedade em mudanga seus respectivos papéis sociais ¢ familiares. Sem poder dizer com exatidao quais seriam os futuros encargos de ambos, intelectuais das mais variadas correntes de pensamento empenharam-se em estabelecer “com precisao” os limites entre os caracteres dos dois sexos. Diferentes biologicamente, diversas psicologicamente, desiguais socialmente, as psiques do homem e da mulher exam vistas como “meros reflexos de suas posigées fisicas no amor: um procura, domina, penetra, possui; a outra atrai, abre-se, capitula, receSe. © trabalho, pura sublimacao dos impulsos naturais, sempre ser alocado pelo’sexo, em harmo- nia com estas disposigdes”.** Os mais variados discursos sobre 2 familia e 0 casal —literarios, religiosos, médicos e juridicos — decretavam, a partir de meados do século passado, que era no lar, no seio da familia, que se estabeleciam as relacoes sexuais desejadas ¢ legitimas, classificadas como decentes ¢ higiénicas. Ao sentenciar que “o amor ao proximo, a familia, 4 pa- tria, 4 humanidade sio metamorfoses ou sublimagdes do amor inicialmente sexual”, isto 6, a domesticagao das paixoes e dos desejos pecaminosos,”’ os “higienistas da alma’, a exem- plo do psiquiatra progressista AntOnio Austregésilo Lima, reafirmaram 0 juizo ja de larga tradicao crista: “Fora do casal nao existe salvagao possivel’.* Paralelamente a tais incursdes, sentiram-se & yontade para esquadrinhar, fiscalizar € con- frontar padroes de comportamento. E, em nome da salva- guarda da familia, condenar os desvies da norma. Se o casamento representava uma etapa superior das re- lagdes amorosas, se foi proclamado “garantidor da satide da humanidade”, 0 melhor remédio para 0 corpo ¢ para a alma, e se constituia uma das maiores fontes de “estabilidade so- cial’, era preciso, entao, divulgé-lo ¢ transformé-lo numa ne- cessidade para todos.” Os celibatérios, vistos como ameaga ao edificio social € i pureza co casamento, eram motivo de discursos que nao poupavam os homens tampouco as mu- Iheres. *E um erro fanesto crer que a virgindade conserve o brilho da tez € 0s attativos da juventude. A maior parte das mulheres que ficam virgens depois de ter aingido 0 desen- volyimento complety sao assaltadas por uma multidao de indisposiges morizis’, inimigas da beleza e da satide. Na medida em que “tardam a cumprir os deveres de amante e de mde”, sua pele tende a tornar-se “terrosa e baca”. Com mais frequéncia que os “individuos normais”, 05 castos “esto su- jeitos a tornar-se eseravos de paixdes sexuais tiranicas, A na- tureza nunca perde os seus direitos e asua desforra é as vezes penosa”.” Foram, porém, 1s camadas mais buixas da populagao — operarios, imigrantes, mulheres pobres, mulheres ss, negros ¢ mulatos — que tiveram 0 comportamento mais fiscaliza- do ¢ submetido amedides prescritivas.As miltiplas e impro- visadas formas de uniao amorosa neses segmentos recebe- ram especial atengao das camedas médias ¢ altas, bem como. dos intelectuais corservadores e dos clérigos. Decididas a institucionalizar 0 amor com vistas sustentar uma determi- nada ordem social, as elites transformaram em ameaga os relacionamentos ajustados por padroes mais flexiveis € simé- tricos, classificando de imorais as un‘es cajo epilogo nio coincidia com o casamento."' ‘Tragadas as linkas da “condute decente’, os promotores da moral e da order classificaram como ilicita toda ¢ qual- quer relacdo entre homens e mulheres que se firmasse fora do contrato matrimonial. Em nome de uma ligagao de amor que fundisse existéncias, ¢ ndo somente sexos, 0 amor na mancebia foi transformado em objeto de intervencao. Amor degenerado, espectro de amor, imitagao de amor: esses eram 0s termos do discurso que pretenda regular as unides consensuais. Na obra anénima O probkma sexual, escritaem 1913 (assinada apenss por “Leitura Reservada’, e prefaciada por Ruy Barbosa e yelo escritor Coelho Neto), o leitor en- contraré certezas como a que afirma que “no concubinato dissipam-se sensagdes de que temos necessidide para 0 casa- mento, para as grandes acoes da nossa existéncia, pare reacender a chama di vida’, em razdo do que todas as “forgas das nossas faculdade: amatorizis” devem ser reservadas para 20, No Brasil do conugo de sudo, condenava-se quaiquer aliments ite materuo — tats pelos nutrientes como porgue por ‘meio do aleitamente a mite transmitia sua heranga mora € 0 anor materuo, Cendenavanse (as amas-de- kite: vistes como agentes de contaminagia, elas poderism nia 6 trazer docuga para dentro de casa como causar danos morais¢fsicos 440 bebe. Como saramia fos siado sum servign do inspegao da bea sstide das emas. Muttes foram receadas pelos médicos pois exam portsderas de deengas come corrimento vaginal, infeciao uriniria, tuberculese ma qualitade do live, anemia, infecgao na pee, sls, entre outras. (R. Lindemann, Ama — Babia, 1905) 21, Bin quase tovdos 0s nitmeres dda Revista Feminina podiase ler 0 eterno refrio: toda mulher deve tornar-se mae. Havia quem, entretanto, remesie contra esst mark: em 1893 0 médico Abel Parewe enfrertaria forte opesicao por ter desenvoivido wm método destinado westerilicar mths Argumentana-se que 9 Brasil ora um pais nave ¢ despovaado v aue seu desenvolvimento dependia do aumento populacional. Fugenisias, no entante, saéram em defesa do medico, mas reconrizanchy urn processo sek de esterilizagio, que ficaria resrita sa0s casais pobres, as mulhere que corressem risco de vide em decorréncia da gravidez e aes casas com doengus ques acreditava-se, provocavam a dege; a tuberculase e a sifilis. (Ser titulo, 1917) eseticia da cage, come “aquele amor’, pois € muito longa a vida “para ser suportavel com um amor valetudinario”.” Nao ha felicidade senao no casamento, profetizava o médico eugenista Renato Kehl. F nesse “estatuto que a mu- Iher se transforma em Esposa eo homem em Esposo, e que a Esposa ¢ 0 Esposo se transfiguram em Mae ¢ Pai”? Seme- Ihantes ligoes e argumentos foram propagadns por todo o pais com o intuito de “civilizar 0 amor’ Alguns propésitos profilaticos deveriam ser disseminados com a finalidade de instruir mogas e rapazes a protestar contra a paixdo infecun- da, indicativa de desordem, em favor do sereno ¢ saudavel amor conjugal. A ordem era combater com animo a invasio impetuosa dos desejos para se atingir a serenidade da exis- téncia, pois a savide da alma dependia de uma atengao vigi- lante pelo amor intenso. Ao mesmo tempo que atacavam a exaltagdo da paixao romanesca, tais conselhos reforgayam a instituicgo matrimonial. Mais do que estabelecer uma rela- ¢ao conjugal, o casamento visava, ainda, instituir uma uniado cuja finalidade era nao apenas generativa mas a producao de uma prole legitima.* Na obra Matrimonio perfeito, que, por se tratar de um trabalho de “ciéncia sexual’, era recomendada por seu prefaciador para “figurar na ‘corbeille’ de todas as noivas’, T. H. Van de Velde assinalou que a instituigao matrimonial ¢ Para os crentes um sacramento, é para o Estado e para a socie- dade um consércio indispenstvel, mas é para a progenitura que se constitui, de fato, em uma instituicdo de absoluta neces- sidade. Tal certeza levou o autor a indagar: se 0s filhos “sao 0 lago de uniao espiritual mais poderoso no matriménio nor- mal’, o que mais poderé unir um casal que os cuidados com sua progénie? Recorrendo a uma argumentacio que invocava os supos- tos rigores metodolégicos ¢ explicativos do saber cientifico, 0 amor ideal tornow-se uma questao de ciéncia e foi transforma- do em objeto de técnica, de “argucia, anilise ¢ agao paciente”, como sublinhou um autor na revista Para Todos, no ano de 1918. O “amor de sofrimentos” passou de tal forma a fazer parte do repertorio das patologias que amor, satide e felicidade Ppassaram a coincidir nos discursos sobre a familia.” Certa- mente foi essa conviccao que conduziu o mesmo “epicurista” a escrever em seu artigo que “o trabalho do homme a femme de hoje € 0 mesmo do bacteriologista, isto é, descobrir ¢ isoler 0 micrébio, O resto esta escrito, é aplicar as regras”.® © campo semintico do amor conjugal passou a agitar-se ‘em torno da idéia da “alegria serena” para fazer face a “escravi- dao das paixoes cegas”, cujo corolério eram as “torturas decor rentes do cifime”.® Nio por acaso a imprensa do periodo carregou nas tintas ao criar o espeticulo daquilo que a juris- prudéncia denominava de “crimes da paixao”, Titulos escanda- losos (“Liquidacio de mulheres’, “Mulheres assassinadas”, “Dé 12 em 12 horas assassina-se uma mulher no Brasil’, “O jai, esperanga dos assassinos..”, “A apoteose a0 assassinato”) reve- Javam menos uma preocupecao com a banalizagao do crime passional que a reiteracao de que aqueles eram tempos muito maus, “hora das liberdades de toda espécie, da faléncia de to- das as virtades’:® Criava-se uma atmosfera que ja vinha sendo, pouco a pouco, construida de maus pressagios. Diante de tan- to perigo e das incertezas geradas pelo ambiente urbano, 0 amanho do har e da familia foi convertido em ancoradouro da moral sagrada. A construgao de uma referéncia normativa de afeti- vidade conjugal era 0 que sealinhavava, de fato, no avesso do 22. "A esposa, a boa dona dé sabe perfeitamente quai do marido, seus pratos preferides a maneira pelo qual os quer arranjadas. Ela sabe tudo: 0 t rido gosta mais de estar, ‘05 gosias quean cad por of pes [x] Quando o marido te nda o interrompe, rem deixa perturbd-lo sem motive, Mas se the fala do que a leitura s 0 descanso para ira escolhida gers, 4 espesa mostra-se interessada — ou procura interesarse pelo — porque era tule quer ser agradivel co marida,e iso agrada- lhe sen diivida, Tao i pequeninos radas. Pois exes pequeninos riadas é que tém maior importancia na vida.” (O menu do meu marido, 1920) foram o ascetismo e a disciplina. E mais: ao mesmo tempo que procurava instituir um espa¢o e um Aimbito exclusive do casal, separava para os sexos as esferas tanto de atuacao quanto simbélicas.* A esposa virtuosa foi aclamada e cercada por comandos morais. Prescreveu-se para cla complacéncia ¢ bondkde, para prever e satisiazer os desejos do marido sequer expressos; dedicagao, para compartilhar abnegadamente com © cénjuge os deveres que 0 casamento encerra; paciéncia, para aceitar as fraquezas de carter do conjuge. E, enlacando tamanhas disposicdes, a virtude maior da amizade indulgen- te.” O perfil tracado para a esposa conyeniente contava ainda com indefiniveis qualidades, tais como simplicidade, justica, modéstia ¢ humor, Seu antipoda ameagador era a moca dos tempos modernos, “esbagachada”, cheia de liberdades, “de saia curta e colante, de bragos e aos beijos com os homens, com os decotes @ baixarem de nivel ¢ as saias a subirem de audcia’" exposta a andlise dos sentidos masculinos, “perfu- madas com exagero, pintadas como palhetas, estucadas a ges- ‘so € postas na vida como a figura disparate de uma paisagem cubist. No bojo da urbanizagéo que punha em convivio tradi- ‘Ges € costumes tao dispares e mesclados, a imprensa, princi- palmente a feminina, realgava a importancia e o sentido da educagio: “Sem instrugio ¢ com essa espécie de educagio, que pode ser da menina moderna?” Acolhiam-se, assim, os propésitos positivistas e impunha-se uma missdo, a de mol- dar o pensamento, o comportamento e, em iiltima anilise, 0 carater das gentes. Em tom freqientemente professoral, invectivava-se a formago dada as mogas daquele tempo. Do que a brasileira mais precisava para fazer valer 0 seu “direito de ente pessoal e civilizado’, escreveu a articulista Chrysan- theme, “nao é de elegancias nem de dances, mas sim de ins- trugdoe de educacao”* Admoestados com conselhos, formu- las e regras, homens e mulheres aprendiam a conservar o matriménio, “fatalidade social necessaria’.” Muito embora as estratégias matrimoniais no interior das elites tenham iniciado, no transcorrer do século xix, um. movimento de superagao das relacdes mais verticalizadas, ou endogimicas, os interesses familiares continuaram represen- tando um papel fundamental nos arranjos conjugais. As con- it veniéncias econdémicas ¢ os interesses de classe moveram a linha da parentela para relacionamentos mais horizontais, uma vez que a “riqueza tornou-se um critério de status mui- to mais importante”. Os vinculos matrimoniais eram garantia de controle sobre 0 poder, da mesma forma que funciona- vam como prote¢ao contra as freqiientes ameagas de desas- tres econdémicos. Assim, longe de ter esgotado sua capacidade de interferéncia, os pais nao negligenciavam a vigilancia so- bre os filhos solteiros, agora rodeados pelos desvelos pedag6- gicos das “maes educadoras’. Instrumento das estratégias miliares e cercados por toda sorte de “estimulos’, os jovens deveriam se comprometer com pessoas do mesmo circulo social. © amor nao atuava sozinho, sublinhou Jeffrey D. Needell,” © que em certa medida relativizava 2 questo da livre escolha dos cOnjuges. Se alguns eram estimulados, ou- tros eram coagidos pelos pais, como atestam inimeros pedi- dos de anulagao de casamento, cuja principal alegacao é * cio da coacan”® Novas estratégias de educagdo amorosa eram elaboradas com 0 objetivo de preservar o tradicional modelo matrimo- nial. Se o propésito era expandir e legitimar a instituicao conjugal, a causa final consistia em normalizar a sociedade e regrar os comportamentos sexuais. A imposigao era obstina- da e vinha sempre secundada por consideragoes de carater cientifico: “[...] nao desprezais os yossos érgios de amor, mas regrai-os!”" O proceso civilizador das relagdes interpes- soais, moldado conforme o padrao das elites, deveria “conta- minar” todos ¢ de todas as classes. No amago do sistema Sent Nar ae eee Oe ds mutheres. Para evita 04 05 4 Revista Feminina recomendase, no artige “Deveres de wna sonkora”: “Quando receber um cavalhcire as suas relagBes, se no preferi “apresentar qualquer pretexto para nda receber, fa-lo-~& muito naturalmente, mas empregando sem ‘afetacio todos 9s meies para no se comprometer, como deixando aberta @ porta da sala e indicanto para ele sentar-se em: unt lugar em frente dela, afastado e nunca ao sex lado’ (( Protocolo beija-miaosl, 1920) 24, 25, 26, 27..A rrulher recebe do século XIX wma dteridosa eranga: a ciniura de vespa, Para cter tal predicaco, x0 entarte, a rmulher teve que submeter-se a0 espartitho. Mal dissinnalado instrumento de tortura — rigido, feito de pano forte, martido ereto or saretas feitas de barbatana de baleia —, ele atrofieva as silt costelas ¢ sacrficava também 0 bare 0 figado ¢ 0s rins. A part de 1918 varetis flextveis de aco vieram diminuir um pouco tel sajrimento AS gordas com pretensces a elegancia, ro entanto, continuavam padecendar 4 transpiragao produzida por seus corpas provacava ferrugem desiruia nao 56 0s espartthos, mas toda a roupa que os cobrisse. ({Espartilhos © concepeao}, 1982) 28. A medicina viria em socorrs da muither. qualificando o espartilhe como “uma jraude, ura log {..] uma escraviddo e uma crucidade” En seu tivo — Cuidados: higitnicos da mulher gravida, © ritdico Antonia dos Santos Coragem traia do problema sem rodeios: "O wrabalho as vezes extenuanie de aperi-te, 0 supitcio daquele aperia, os vincos que deixa nna carne mati, alivio que sentem quando se despem {..) Ela acaricia conn as maes erspadas as carnes machueadas peles bartatanas, pelos arilhes, peta tela rude. Depeis, ‘mira-se no espelke e verifica com tristeza que agucla carcaga deixou sabre 0 eorpe delicado pisaduras violdceas” (Le Corset “Hann”, 19/4) FoSHAdO de acordo Com aqueias regras, a familia — consti- tuida por um unico “principio de regulagao e reproducao: 0 casamento”;® nas franjas dessa ordem, as camadas mais bai- xas da populacio, gente a ser educada, pois era vista como cin- turao de desordem e terror. Engrenagem fundamental dessa I6gica, as mulheres, en- tre outras obrigagées, arcaram com a tarefa de apaziguar a sensualidade do casal. Aceito e desejavel, o culto a beleza, sublinhou Marcia Padilha Lotito, deveria estar identificado com 0s principios médicos e higiénicos, nunca a sedugao. Com isso, “o discurso higienista procurava assegurar os limi- tes entre a vaidade das mulheres ‘honradas’ e a libertinagem de mulheres de ‘conduta duvidosa’ que desfilavam pelos tea- ‘tros e cafés da cidade” Conter os excessos masculinos e “equilibrar a contabili- dade de afetos para a preservacao do lar’, faziam parte do conjunto dos deveres da mulher. Assim, @ propria galanteria conjugal passou a ser entendida como a arte moral de encan- tar, de agradar, tanto no campo social quanto na intimidade, sem s¢ comprometer.® Mais préxima do ideal de amizade amorosa, pretendia-se purgar os exageros e os percalcos das relagdes conjugais de modo a tornd-las mais fortalecidas afastar cada vez mais a ameaga do divorcio. Na busca da “uniao para toda a vida”, o casamento encontra sua razio de ser na “mtitua estima e amizade dos esposos”, ¢ “seja qual for a maneira por que se manifeste”, é sempre na forma de sim- patia, “independente dos arroubos sentimentais”, que se des- vanecem com o tempo, “Nao se enganem as jovens espo- sas!” O que se vé, de fato, é a construgio de uma relagao conjugal mais marcada pelo respeito que pelo principio do prazer. Apesar da énfase na amizade entre 05 conjuges era pa- tente, sobretudo entre os médicos, a progressiva conscienti- zagao sobre a necessidade de educacao sexual dos jovens. Convertidos em guias cientfficos da familia, os doutores mos- travam-se cada vez mais preocupados com a inocéncia,a_igno- rancia ¢, principalmente, a brutalidade que cercavam as pra- ticas sexuais, desastrosas para a estabilidade do casamento. “A nossa educagao estd errada. Todo o dominio sexual anda en- volvido em um mistério que nao é natural, entre véus de excessive pudor”” O que se vé nas primeiras décadas do século xx € um debate cauteloso sobre a conveniéncia ou nao de os educadores iniciarem a mocidade nos assuntos da vida sexual. “Os adeptos da velha escola do siléncio pretendem que isso ndo se possa fazer sem ofensa ao pudor [...] Os ino- vadores sustentam, pelo contrario, que os perigos morais da vida moderna sao tao freqiientes, tao reaise terriveis em suas conseqiiéncias que [...] é preciso nao fazer caso disso.”* “A sorte de um matriménio depende da noite de nuip- cias’, escreveu Van de Velde. O primeiro contato tanto pode conduzir © casamento para um “estado amével” quanto transformar-se numa “violacao legal”. Nao serio poucos os médicos, assim como seri abundante a literatura médico- sexual, que estigmatizarao a conduta por veres brutal dos maridos no primeiro contato sexual. Ao mesmo tempo pro- pordo para as jovens uma iniciacdo sexual de cunho livresco, pois a inocéncia, ou, melhor dizendo, “a ignorancia em maté- ria sexual, esse estado beatifico em que muita gente aspirou conservar as préprias filhas’” significa, de fato, aparelhd-las mal para o desempenho conjugal desejado. O conflito da noite de ntipcias tem sido para “essas desgracadas ingénuas a beira do abismo [...} a fobia sexual, a desinteligéncia do lar, 0 inferno dentro do céu daméstico””' De nada valem as pala- vras répidas da véspera, proferidas pelas maes. Antes abrem, de chafre, um mundo inteiramente estranho, e perigoso, ad- verte Porto-Carrero, Nao raro a noite nupcial se transforma Para a moga, entre ingénua e ignorante, numa noite de sacri- ficio, em que ela se submete a sagacidade do noivo, “avido Para mostrar a energia potencial’”? Clotilde do Carmo Dias lembra que na sua noite de nuipcias ficou durante bom tempo no quarto, sem coragem de se deitar, enquanto seu marido a esperava ansioso. Aquela era a primeira noite que des estavam a sos: “|...] agora tinha até medo do meu préprio marido. Onde nao existe amor nao ha confianca, ¢ eu nao estava enganada. Meu marido nesta noite deu largas a seus instintos bestiais, cheios de luxtirias indecentes e insacidveis, que em vez de gerar em mim o amor, faziam-me sentir repugnancia por ele. Eu desejava um carinho todo especial, delicado, respeitoso ¢ moderado. Eu lutava em prol de um amor sublime e eterno”? ‘Os maridos recém-casados foram persuadidos a “prati- car 0 defloramento, com especial cuidado’, a se comportar ELASTICN MALO CASA BAUD ON 29. As mulheres experimentariam vitérias pontuais ne final da Primeira Guerra: para as dotadas das chamadas “exaberdncias adiposas’, a boa noticia foi o advento da cinia eléstica. Mas nto foi sé isso: rio lugar do caro das botinas, id se podia ver wm palo de perma — embora as saias insistissem em continuar préximas do tornezelo, Segundo Barros Ferreira, até mesmo essas fimbrias de liverdade iriam encontrar @ resisiéncia de um “core composto por muivas pessoas, que reclamava: — O mundo esta perdido! Para onde caminhamos com tao generelizada falea de pudor?” (Cinta “de bom elastico Malhou, 1924)

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