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REVISTA TRIMENSAL INSTITUTO HISTORICO Geographico ¢ Ethnographico do Brasil FUNDADO NO BIO DH JANEIRO DEBAIXO DA IMMEDIATA PROTZCGAO DE S. M1. 0 Sr. D. Pedro I TOMO XXX Parte segunda Hoe facit, ut tongos durent tene gest per annos Et possint sera posteritate frui, RIO DE JANEIRO B. L. Garnier — Livretro-editor 69 Rua do Ouvidor 69 1867 REVISTA TRIMENSAL es INSTITUTO HISTORICO GEOGRAPHICO, 2 ETHNOGRAPHICO DO BRASIL, 3° TRIMESTRE DE 1867 BRASIL B OCEANIA Memoria. apreseatula so Institue Hsteien¢ Geographic Brasileiro ida ‘a anges presenga de Sua Magevtade Imperial ron A. GONGALVES DIAS INTRODUCE KO Doserever 0 estado physicn, morale imalleotunt dositn= ddigenas do Brasil, no tompo em que pela primeira yor se ‘em contaclocom os seus deseobridores, © ver que ale ou facilidade offvreciam mtessa epoctia a omproza da catechese ou ila colonisagio, ois a primeira parte do problema que devo desenvolver. Nio serio provisos enearscimentos para fazer compre hender quito dificil 6 @ tarefn, prineipalmente pelo de= curso de mais ds tres sseulos, acompanhados dé uina tal inulliplicidade © variedade dé snecessos, que ou puzeran ‘om esipuecimento aquellas primeiras paginas da nossa his- toria, ou as lornaram mais confusas. Longe de mim a louca presumpgio de deixar por uma yer aclarados © definidos factos relatados de maneira tio diyersa, observagbes téo disparatadas e tao pouco con- gruentes de autoridades iguelmente respeitayeis. $6 com 6 lompo se poderio resolver algumas dessas questées, que, parecendo affoctar exelusivamente sos nossos indigenas, dizem por ventura respeito 4 infancia de todos 0s povos, Pela minha parle, contentei-me de colligir, de confron- tare de combinar no que pude o que a tal respeito achei escripto, tirando conclusées que me parce cram justes ¢ formando conjecturas que se mo antolharam como as mais plausiveis, se nio sio verdadoiras. Mas, ainda assim, nio seré inutil este trabalho ou extracto, se 0 quizerem, de chro- nioas antigas, de livros pouco vulgares, de memorias @ re~ ages pouco lidas, e com difficuldade encontradas, ‘Os que se applicarem a estes estudos agradecer-me-hio talvez 0 empenho de resumir em um s6 corpo as observa- ‘gbes @ assorgées dos primeiros viajantes, eredores por isso de maior conceito, apresentando-as como um sé todo, cuja unidade se descortina ao través da diversidade de ma= terias de que me tenho de oceupar. MEMORIA CAPITULO EMIGRAGKO BOS INDIGENAS DO BRASIL ‘Tondo de me occupar com os homens que habitayam a poredo da America Meridional, que chamomos Brasil, ne Gpocha em que pola primeira vex se acharam em epntacto ‘com 03 europtos, nao seria fra de propasito tratarmos pri= meiro que tado da sua historia anterior, se tal nome pide caber a alguns factos desconnexos, 0 de algumas hypothe- 50s que por mais bom fundadas que parogam mal chegam fquelle limite duvidoso onde 6 verdadeiro eo verosimil sé amalgamam. Poneo se podera dizer de ui povo sem meios nem pos- sibilidade de transmitiir os seus actos 4 posteridade, —e cujes recordacées nfo possum além da memoria de nm ho- mem, ou das tradigdes de uma fawilia ; tradig6es que de ordinario reciprocamente se contradizem e combatem nas rolagdes de tribus, hayia muito, dispersas e separa das; ow limitrophes, se contrapunhom n’umestado de bos tilidade permanente ¢ de odios reciprocos, que, longe de 6 Abrondarem com o tempo, se encrudesciam cada vez mais polo proprio facto da vizinbanes. Acharemos com= tudo com o Sr. Ferdinand Denis, que, na falta de dados positivos o sogaros, e ‘los docamentos que tsamos consul tar quando se trata di historia de um povo policiado ; as consideragoes tiradas do estado em que achamos os habi- tantes desta parle do novo mundo, a semelhonga de linguagem e de crenges, a identidade de indole ¢ de costa— B , 9% lagio americana no Brasil se tivesse effectuado de norte a sul. Entao como agora, deixdémos dle parte o exame de d’onde proyieram esses povos: questio que 6 sem duvida do mais alto interesse, mas que pouco faz ao nosso caso, ac- crescendo que no seu desenvolvimento arriscariamos per- dermos, como alguns outros, no labyrintho inextricavel das epochas primitivas da nossa historia. Dissemos que a emigracdio teria caminhado do norte para o sul; e, como no Oyapock e Amazonas encontrasse- mos tudo quanto era mister 4 vida do selvagem, pareceu- me tambem que aquelles lugares deveriam ter sido o centro @onde partiram continuadas levas de indios, que com 0 crescimento da pepulacao, ¢ instabilidade da sua vida, e curso dos annos, se espalharam por todo 0 nosso litoral. Ao foi opinido formada sobre meras conjecturas para ex- Plicagao de factus conhecidos ; pois ainda agora tenho para mim que se baséa em faclos, e se deduz do raciocinio, Em primeiro lugar 6 para mim fra de duvida que a raga tupy, longe de ser autochthona, era a ultima ou a unica raga conquistadora. Uma proya do que avangamos se en- contra na propria linguagem de que usavam; prova que se vai prender a consideragdes tiradas do seu estado, que fazem muito para 0 ponto em discussio. A renhida luta que em todas as partes os Tupys susten- fayam contra as tribus do interior, poderia provir da sua indole hellicosa ; das suas instituicoes que consideravam o mais guerreiro como o mais digno de louvor e de estima; reservando todos os premios da vida futura para aquelles que sabiam affrontar a morte, as_privagdes e os trabalhos com indomayel coragem. E’ este um ponto de contacto que tem entre si todos os poyos selyagens, ¢ principal- mente os da America Meridional. Achamos a estes homens. Sempre em luta e desavindos, ainda que visivelmente pro- TOMO XXX, P. 11 2 eh ae muitas vezes tratavam pazes entre si, assim como as do li- toral umas com as outras ; emquanto nio ha exemplo, ou bem raros sao, se os ha, de que ao menos temporariamente estas se alliassem a dquellas. Este facto, grandemente sig~ gnificativo pela sua constancia, me faz crér que entre umas e outras d’estas tribus prevalecia uma causa de inimizade rancorosa e indelevel ; a lembranga de odios antigos e de sangninolentas represi'ias, ou antes a conquista ; unico motivo que poderia ter operado uma scisio tio profunda. Factos de tal ordem nio podiam deixar de ter os equi- valentes representados na linguagem commum. £’ isso 0 que observamos ; porque, ao passo que muitas vezes cha- mayam pelos seus nomes proprios as tribus co-irmas, com quem guerreayam, ou as indicayam como suas contrarias tapuyas ; as tribus do interior eram designadas sempre. pela palavra generica « ¢apuya » ; mas coma declaracio de que eram outras differentes das primeiras : « Tapuyas caa-péras », inimigos habitantes do interior (1). (1) Em qualquer dos nossos antigos escriptores se encontra 0 ver- dadeiro sentido da pelavra—tapuya— tio generica que applicavam aos europtos, quando em estado de guerra com elles ; ainda que para estes livessem 0 termo proprio—cobayana —(contrarias), mas que tanto vale como se dissessem homens d'além, da outra parte. Caa-péra se- gundo 0 autor da Poranduba Maranhense, quer dizer « habitantes de malas agrestes e rudes » ; mas a palayra péra indica que o sujeilo participa intimamente da natureza da cousa a que se liga, ou do lugar que habita. Ybake-péra, oque esti no inteiro gozo da bemyenturanga, © que participa da natureza celeste: 6 0 mais expressivo de todos os Yocabulos para exprimir a idéa que fazemos de um « bemayenturado. » Tata-pora, de que fizemos catapora, quer dizer o fogo intimo, 0 fogo — que esta dentro. Tapuya-caapéra designa o inimigo ; mas o inimigo _ tao agreste e selyagem como os seus matos: designa o gentio (Diceta nario Portug. € Brasil. vox gentio) nao no sentido catholico ; ees Ha ainda outro exemplo, tirado tambem da sua lingua- geml, @ que me parece provar concludentemente que os Tupys eram os conquistadores; e nao os primitivos habi- tantes do paiz : 60 uso de certas palavras, de certas phrases, de certas interjeigoes, de que sé as mulheres se seryiam ; emquanto os homens tinham outras da mesma ordem, ex- clusivamente suas, para designar os mesmos objectos ou exprimir 0s mesmos sentimentos. Bastantes exemplos d’estes, e nZJ sémente alguns, como na sua Historia da provincia de Santa Cruz pretende Maga- Thies Gandayo (2) temos na lingua geral ; sendo muito para nolar-se que isto se observa principalmente nos yocabu- los de que se servigm para exprimir os diferentes gréos de parentesco, taes como filho, primo ou prima, sobrinho, neto, nora, genro, sogro, ete. Ora, os indios que tinham 0 costume de devorar os prisioneiros, reservayam, como os Caraibas (3),as mulheres para o captiyeiro, nio por nenhum sentimento de generosidade ou de grandeza ; mas porque Wellas careciam para o servigo do campo na paz, e trans- porte das bagagens ma guerrae em suas marchas. O nu- mero d’estes yocabulos deyeria ter sido considerabilissimo nos primeiros tempos da conquista ; mas os que chegaram até nds basfam para proyar o entrelagamento de duas ragas diferentes. Estas alliangas em tao vasta escala sé se po- diam effectuar por meio da forga, e trouxeram naturalmente esse resultado ; porque as mulheres tendo pouca commu- nhéo com os homens, e yiyendo afastadas d’elles até nas suas fesias e hanquetes, puderam conservar muitas das (2) Alguns yocabulos ha n’ella de que nio usam senao as femeas ; ollros que nao seryem sendo para os homens. Magalhies Gandayo, cap. 10. (8) A feeminis abstinebant cannibales appellati. Hist. Venet. edicao de 1551, pag. 83. —12— expressbes a que estavam habituadas, e transmittil-as ¢ filhas, suas companheiras assiduas, Os filhos, porém, que - desde a infancia se applicavam aos exercicios guerreiros, vivendo na companhia dos homens, perderiam com faci- — lidade este habito. Nio se notaeste facto entre os Carai- — bas do continente, povo que tinha os mesmos habitos, e, segundo 6 de crér, a mesma origem; mas apparece ja entre os das Antilhas, dos quaes escreve o padre Raymond iF Breton (4); « Os homens tém muitas expressdes que lhes sio proprias, que as mulheres hem comprehendem ; mas de que senio servem nunca. E as mulheres tambem tém as suas palayras e phrases, de que os homens nio usam sob pena de serem escarnecidos. D’onde vem que, escutando uma boa parte, dir-se-hia que as mulheres tém uma lin- guagem differente da dos homens.... pela differenga no modo de fallar de que os homens e as mulheres se seryem _ para exprimir a mesma cousa. » A explicacao deste autor pareceu-me tao satisfactoria, que a adoptei, Assim pois eram os Tupys a ultima ou a unica raga con- quistadora: podemos concluil-o pois que eram elles os mais bem aquinhoados. Digo a ultima ou a unica; porque ao través de tantos seculos barbaros, nada de positivo se pdde aflirmar sem receio de se cahir em erro, Fallam as suas tra= digdes de um grande calaclysma, apds o qual elles se hayeriam estabelecido n'estas paragens. Talvez usassem _ desta linguagem figurada para exprimir uma grande r lugdo ou emigragio, como usam os Mezicanos do mesm modo de dizer para significar uma invasdo de povos bal baros; mas se por este cataclysma elles entendiam _ mente o diluvio, (ainda que isso nao seja muito de , fica ainda a tradicao servindo de prova da 43 = longinqua que elles tinham, nao das circumstancias, mas de um tempo da sua emigracdo. O padre José da Costa diz ser corrente entre elles, que depois do diluvio sahira de um lago um homem porten- toso chamado « Veracacha, » e que das entranhas de uns montes sahiram uns homens nunca yistos feitos pelo sol. Querera isto dizer que o Brasil em tempos remotos soffreu de duas invasées simultaneas, uma procedente dos lagos de Cundimamarca; em direc¢io norte sul: outra dos abo- rigenes do Pert, acogados pelos Incas ¢ por elles despojados de seus territorios ? E’ certo que com alguma yerosimi- Ihanga seria admissivel ter havido contacto senio confli- cto entre elles ; *pois queos Tupys collocam o seu paraiso além dos Andes. Como quer que seja, e sem entrar mais profundamente n’esta materia, coneliio do dizer do padre da José Costa, se o lago a que elle se refere fica ao norte do Brasil, como parece dever ser, concluo, digo que a tradicao dos indigenas do Brasil, de accordo com o que supponho, faz progredir a emigracdo no sentido de norte a sul. Outra tradigio nos foi transmittida pelo padre Vascon- cellos (3). Segundo este autor, dois irmaos yieram ter a uma paragem que os portuguezes entenderam que vinhaa ser Cabo-Frio. Eram ambos casados, e tinham ambos yin- do por mar com as suas familias por motivos de guerras, nas quaes por certo nao levavam o melhor. Estas, segundo areferida tradicdo foram as primeiras familias que po- yoaram a America ; mas a hoa harmonia que até aqui os havia acompanhado nao se sustentou por muito tempo. Tinha a mulher do irmao mais mogo ensinado um papa- gaio a fallar com tal propriedade que paracia creatura hu- (5) Vase. L. 4°n. 78 pag. 79. — 14 — mana, cubicou-o a mulher do mais yelho, e d’aqui_ se ori- ginaram taes desavengas, que, nio podendo os dois irmaos continuar a yiver juntos, foi o primeiro assentar o seu do- micilio para as partes do sul, d’onde tirariam origem as nacdes de Buenos-Ayres, Chile e Pert. FE’ eyidentemenle fabulosa esta narracio, ao menos quanto aos accessorios, sendo pouco de acreditar-se a vinda por mar d’estes dois irmos. Se yieram fugidos por causa de guerras, como nos refere o autor, muitos deveriam ter sido os foragidus ; e n’este caso tal emigragao seria sem exemplo na historia dos povos barbaros, que nfo sabem, nem podem accumular provisdes para uma viagem demo- rada, @ cujas candas nao lhes poderiam sef de grande pres- fimo em navegagdo d’alto mar. Rejeitando porém o que ha nisto de pouc» yerosimil, fica ao menos clara, na tra- digio conservada, a lembranga de que uma outra terra teria sido a sua habitagao primitiva ; emquanto na America se encontraram outras tribus sem nenhuma recordacaio @esta natureza : taes sio os homens da raca pampeana como d’Orbigny a qualifica, e os Tapwias mais proximas Welles. Duas ragas, portanto, duas pelo menos, occupayam o territorio do Brasil: uma com a mesma lingua, physiono- mia, armas e costumes habitavam o litoral. Todas as tribus desta familia eram designadas por yocabulos tira- dos dla mesma lingua, 0 que tende a eslabelecer certa identidade de origem entre ellas; ou, o que é mais notavel, essas designagoes indicam de um modo incontestavel o pa- rentesco que as uniaa todas. Tupy, formado da palavra tupd, era a tribu mai, Tamuya ou Tamoyo, avo ; Tupimi- nos, netos; Tobajdras, cunhatos; e alguns outros mais, — Outra raga, diversissima entre si, fraccionada, sem em luta, occupaya o interior, Esta pela cdr da pelle, 3 tragos physionomicos pertencera 4 raga mongol (6). Aquella tem no seu aspecto alguma cousa dos ramos menos nobres da raga caucasica. Comquanto fossem ao principio descuidosamente ob- servadas ; as dessemelhangas physicas,assim como a diyer- sidade de indole e caracter, que entre estes homens se observa, hayia aconselhado aos missionarios a discrimi- nal-os poralguma forma. Jaboatam os classifica igualmente em indios mansos e bravos. « Mansos, diz elle (7), chama- yam dquelles que com algum modo de republica, ainda que tosca, eram mais trataveis, ese domesticavam melhor. Bravos, pela contrario, eram aquelles que yiviam sem modo algum degepublica, intrataveis, e que com diflicul- dade se deixam instruir e domesticar. » estas duas ragas, a tupy, a raca conquistadora ou inya- sora, era talyez a mais numerosa, ede certo a mais forte, comquanto em alguns lugares ji houvessem cedido ou fossem cedendo o terreno a seus contrarios : era a que se achava de posse das praias, das matas mais abundantes, e das margens dos rios mais piscosos. Como foi a primeira que se offereceu aos olhos dos eu- ropéos; a que em primeiro lugar se achou em contacto com a civilisagio, dar-lhe-hemos tambem a preferencia n’este trabalho. Donde yieram os 7upys, eis a primeira questio, que nos cabe elucidar. Do norte, disse eu, As margens fertilissi- mas do Amazonas e 0s paizes que fieam entre este rio eo Orinoco eram os lugares mais povoados,e os que mais yantagens offereciam a homens quasi sem morada, sem (6) Le Brésil, (Univers Pittoresque) F. D. pag. 7 —les Tapuyas pa- raissent avoir gardé Pempreinte sauvage du type mongol. (7) Jaboatam, Chronica. Preambulo 7." aguas artes, sem agricultura e sem yestidos. Alli encontrayam abundancia de fructos, de caca e pescado; de arvores que Ihes_prestavam abrigo contra as estagdes, de madeiras para as suas armas e candas : alli desfrutavam um clima que era para elles temperado, ¢ onde se multiplicavam 4 ponto deirem fornecendo as continuadas emigracdes de indios, que d’alli vinham para occupar o restante do litoral. A tradigdo, que ja deixei citada, extrahida das obras do padre Vasconcellos, aponta o Cabo-Frio como a fonte co viveiro da popul 0 brasiliense. Segundo esta versao os Tupys, ou os Brasilios-quaranienses de WOrbigny, dever- se-iam ter estendido ao mesmo tempo para o norte e para o sul. D’Orbigny quer, pelo contrario que as suas emigra- Goes fossem do sul para o norte. Segundo elle, os Guaranis estimulados pelo desejo de conquistar noyas terras, cuja posse era por elles considerada como motivo de justa ufa- nia, ou antes coagidos pela nec dade de procurar em florestas menos batidas novos meios de subsistencia; e nao podendo caminhar para o sul, onde os Charruas ferozes e guerreiros se oppunham a que elles se apossassem do Rio da Prata, emigraram seguindo jé o litoral, cujo yasto hori- zonte Ihes mostrava sem cessar noyas terras ; ja 0 curso dos rios, que hes fazia antever paizes desconhecidos ; ja emfim planicies, que podiam percorrer facilmente, mos- trando-lhes ao longe collinas e montanhas. « Assim, continua este autor (8), desceram o Paraguay e Parand, e se estabeleceram sob 0 nome de Gualachos nas proximidades do rio Corondd, e em outras partes sob o nome de Caracards, Tembués, Mbéguds, chegando pelo Uruguay até perto de Buenos-Ayres. Caminharam mais de duzentas leguas pelo interior, até ds faldas dos Andes, onde (8) D’Orbigny. L’Homme Américain. — 7 — foram depois encontrados com o nome de Chiriguanos. E, como até 0 Amazonas se acham rastos evidentes d’esta nagao, deyer-se~ha suppdr, segundo o mesmo autor, que ella foi seguindo 0 fitoral,e que 2epois em diversas épochas, ou anteriores ou contemporaneas 4 conquista, subiu em candas o grande rio e seus affluentes até 0 Yapurd e o Madeira. « Foram, diz elle, foram as tribus Guaranis que, cedendo ao impulso da emigragdo do sul para o norte se estenderam pela costa, e debaixo dos nomes de Galibis e Caraibas, nao podendo parar no curso das suas con- quistas, passaram as Goyanas estabeleceram-se no Ori- noco, e d'alli se transferiram ds Antilhas, onde foram encontrados pelos primeiros européos. » Nao contestamos as relacdes de semelhanca que se pode- rao obseryar, e de facto se obseryam entre os Tupys e Ca- raibas : ha entre elles muitas aaalogias de linguagem, muita semelhanca de costumes, muitas instituicdes identicas; e alé recordagdes ou resquicios de contacto, que nao deveria ter sido muito afastado do tempo da descoberta, As pala- yras de uso mais vulgar sfo as mesmas entre os Tupys,Gali- bis de Cayenna, e Caraibas das Antilhas ; e quando nao sejam rigorosamente as mesmas, a pequena diflerenca que n’ellas se nota podera com razao attribuir-se 4 diversidade das orthographias seguidas pelos que colleccionaram os seus respectivos yocabularios. A identidade da origem d’estas tres familias se acha comprovada pelas suas tradigdes. Os Caraibas se diziam descendentes dos Galibis de Cayenna (9), eos Tupys dando o nome de Caiaibas aos mais yenerados (9) Rochefort (Histoire Naturel des Antilles) a dit que les Caraibes S'accordent dans leurs pretentions a descendre des Galibisdes Guyannes. DoOrbigny, T. 2. p. 276, ob. cil. TOMO XXX, P. 11. 3 ee dos seus sacerdotes, prezavam-se, segundo refere Theyet, de serem seus descendentes (10). Nao ha, porém, razao alguma para que os supponhamos vindos do sul. Respeito muito a autoridade de d’Orbigny, e nao 6 de leve que arejeito. Observando de perto os Guaranis, to- mou-0s por typo de todaa raga; e do ponto em que se achava collocado pareceu-lhe que as emigragdes haviam seguido a direegao dos seus olhos, persuadindo-se de que partiram Wonde elle estava, e nao que jd houvessem chegado até alli, Faltou-lhe consultar a historia do Brasil; se o hou- vesse feito, dois factos sé talvez bastassem para o convencer de que aquelle movimento real, sem duvida, teve comtudo principio e direceao contraria 4 que elle Ihe quer suppér. F’ o primeiro,a pressio que quasi constantemente se observa nas tribus do norte sobre as do sul. Desenvolveremos este ponto quando tratarmos das ramificacdes d’esta grande raca, que se espalhavam por todo o litoral do Brasil ; entao ye- remos como aquellas,emquanto vencidas por um lado, iam ganhando terreno pelo outro, sem que entre a ultima ea primeira se podesse determinar qual era a mais guerreira ou qual a mais numerosa. 0 segundo facto é 0 da emigra- cao depois da conquista. Vencidos pela superiodade das armas européas, os indios se retiraram, nao para o sertio, mas até por meio d’elle procurando o Amazonas e as flores- tas do norte. Que conhecimentos topographicos podiam ter Westas localidades, sem nenhum meio, nem possibilidade de communicado entre si, se nao fosse a experiencia ou a tradicio ? 3 Vieram pois do norte (11): e,além de outras proyas, temos (10) Moke. pag. 85, ‘ (14) Les migrations des peuples américains se sont aussi opéréesdu BE oh se 49> aconformidade dos seus costumes com os dos Hurons e Iro- quezes do que facilmente nos conyenceremos se confron- tarmos as narragoes de Ulrich Schmidel e de Hans Stadt (12): eram as suas casas e as suas tabas semelhantes 4s habitagdes Waquelles; os mesmos os meios de defesa que empregavam, eo uso do tabaco como distraceao, e servindo nas suas so- Jemnidades com o mesmo effeito que o incenso entre nds. Quanto ao costume de conservarem dia e noite o fogo ac- ceso junto ds suas redes (13),podia ser isso uma recordacgao da vida do norte, se nao tiyessemos uma explicagao natu- ral na fumaga que afuge nla os mosquitos,na luz que afugenta as cobras, e sobretudo no cuidado que deveriam ter na conseryagao d’esig elemento, que sé podiam obter pelo at- tricto e por meio de um processo extremamente moroso e cansado, Emfim é n’elles tio completa a semelhanga, que Moke, o escriptor jd citado, depois de descrever os cos- tumes dos Caraibas e Brasileiros, se julga dispensado de reproduzir os mesmos tragos para pintar os indios da Ame- rica do Norte (14), As emigragdes dos povos selyagens, com meios escassos de subsistancia néo poderiam constar de immensidade de familias : deveriam, portanto, marchar em grupos, e estabe- lecer-se em localidade, nao tanto aprazivel, como abun~ nord au sud, depuis le sixiéme jusqu’ au douziéme sidcle, Virey. L’ Homme, T. 3, p. 244. (42)Ulrich Schmidel. Cap. 24 e 42 — Stadt. Cap. 15 e 44. (13) Os Hurons e Iroquezes (diz Lafitau) conservam sempre o fogo acceso como outros tantos deuses lares, e enterram os seus mortos da mesma maneira que os Caratbas e Brasileiros. Meurs des sauvages américains. T. 4. (14) Nous nous abstenons de retracer les details de la vie domestique des tribus du nord, pour eviter des repétions sans inlerét, ces mosurs offrant peu de trails que nous n’ayons deja indiquées, en parlant des Caraibes et des Brésiliens. Moke — 1847 pag. 213 90) = dante e saudavel. Os que viessem depois, achando ja oceu- pado 0 lugar por outros da mesma raga, passariam adiante; e assim se iriam succedendo por largo espaco de tempo. Sabemos que por qualquer motivo que fosse a reproducgio americana era pouco abundante ; e portanto bom numero de seculos seria preciso antes que uma quantidade dimi- nuta de familias se reproduzissem a ponto de encher 0 yas- tissimo espaco que a raga tupy occupaya. Esta passagem de tropas por meio d'um territorio ja possuido nao era pacilica em todos os casos. Nem sempre Os emigrantes se continham a ponto de respeitar 0 que Thes nao pertencia ; nem os que os hospedavam estariam sempre dispostos a soffrer resignadamente os effeitos de suas depredagdes. D’aqui provinham rixas e lutas entre homens da mesma origem; e os vencidos, como ja nio podessem desalojar os ferozes Tapuyas, teriam, para se subtrahirem a uma ruina certa, ou de se fundirem com os yencedores, ou de collocarem-se no sertio entre elles e os Tapuyas, sendo de posse mais facil o terreno que uns nado quereriam por menos abundante, e outros desampa- rayam pela proximidade dos inyasores. O que d’estas consideragdes resulta é que as familias chegadas em ultimo lugar, seriam aquellas que se estabe- leceram mais longe e mais ao sul. Quando obrigados a retrogradar procuravam o ponto d'onde primitivamente haviam partido, como se achassem debaixo do influxo das mesmas causas, a mesma cousa deyeria necessariamente ter acontecido, isto é, aquellas que se achassem mais ao norte, sitios menos comba- tidos ao principio, encontrando a algumas legnas do dis-_ fancia lugares defensaveis, montanhas asperas, rios de curso arrebatado, alli se entrincheirariam ; emquanto | que yiessem apés ellas, passando além, procurarial — a — terras que Ihes offerecessem as mesmas condigoes de seguranga. Na volta como na ida o transito de homens para os quaes a guerra era um elemento, e 0 desejo de possuir novas terras de que careciam e que eubigavam, originaram novas lutas. Os yencidos nio podendo retro- gradar, e sendo diflicil a passagem por meio de populagées intactas, ou se fundiram tambem com os vencedores, ou se retiraram para o interior, Por isso vemos mesclados ramos de familias distinctas, ou habitando 0 sertao algumas do litoral. Aconteceria igualmente que as que yiessem mais do sul, comtanto que seguissem 0 litoral, deveriam proyavelmente ter caminhado jfara o norte muito além das primeiras, E’ isto exactamente o que nos revela a historia; porque comquanto nao determine de um modo preciso o lugar Wonde partiram os Tupys, nem a ordem por que as diffe- rentes familias d’esta raca se foram succedendo nas suas emigragdes, achamos que, na yolta, aquellas cujas pégadas podemos seguir, e que se nao aniquilaram completamente, se entranharam tanto mais para © norte, quanto mais ao sul haviam habitado. Encontramos os Tabajaras de Pernambuco nas serras do Thiapaba, os Tupinambds da Bahia no Maranhao e Amazonas 3, como se o grande rio nao bastasse para este accroscimo espantoso de populacao, achamos profundos yestigios do Tamoyo entre os Oyampis de Cayenna, e Galibis da Goyana. A proposito dos Tamoyos. A denominagao das tribus € para mim de grande importancia, como indicando a sua origem, ou reyelando alguma circumstancia da sua historia, A palavra tamoyo ou tamuya (15), com que segundo a ja- clancia ordinaria dos barbaros se davam pelos mais antigos (15) Tamuyas hostes. Diz Anchieta no seu poema. egg sat de todos os incolas da America Meridional, como a fonte ou tronco de que todos os outros provinham ; ja na Goyana encontramos com um significado religioso, como se aquella tribu reconhecesse a necessidade, na invasdo, de se aco- bertar com o respeito devido 4 religiio e antiguidade da sua origem, e de se proteger na volta com o prestigio do seu nome. Queremos concluir @aqui que as familias que habi- tassem as extremidades norte e sul do territorio inyadido, © ponto da partida e o da chegada, longe de ser as que mais differissem em costumes, devem ser pelo contrario aquellas em que melhor se manifestasse a identidade @origem ; umas por serem bergo, e outras por serem as ultimas que se hayiam deslocado do grupo a que per- tenciam todas. E? este 0 motivo por que d’Orbigny as con- funde. Esta éa razdo por que entre os Tupys eram mais que os outros respeitados, como os que guardayvam mais puras as tradigdes da sua raga, os sacerdotes Carijés Caraibas, 0 mesmo que acontecia nas Antilhas com res- peito aos feiticeiros do continente (46). Outra prova que nao é para ser desprezada do curso que deyeram ter tido as emigragdes dos indigenas do Brasil se collige do proprio d’Orbigny, comquanto insista na sua idéa de que ellas deveriam ter marchado do sul para © norte. Como d’Orbigny 6 um escriptor escrupuloso, viajante que obseryou attentamente as differentes ragas (16) Rochefort (ob. cit. Roterdam, 1658), tendo dito que os feiticei- ros do continente gozavam n’estas ilhas da reputagiio de grandes sabios, accrescenta (p. 2° c. 7° pag, 354): « D'ot vient qu’ils different beaucoup a leurs avis et les prient de présider A toutes leurs festes el rejouissances, lesquelles ils ne célebrent guéres qu'il n'y ait quelqu’un de ces Caraibes qui pour cet effet vont rodant ga et 1a par les villages, ott ils sont régus de tous ayec joie, festins et caresses. = 95 da America Meridional, deduzindo d’este estudo e de suas observagoes os corollarios que estabelece, nio podemos, nem é justo, rejeitarmos as suas observagdes ; mas ser- nos-ha permittido tirar d’ellas novos corollarios, que, se nao 0 sao, parecem verdadeiros. Estudemos 0 quadro que elle nos apresenta das ragas da America Meridional, as quaes, segundo elle affirma, guardam entre si as mesmas relacées topographicas que tinham no tempo da conquista, se nao é que o seu numero diminuiu consideravelmente. Tres grandes ragas se nos offerecem aos olhos, a ando-peruana, a pampeana, ea brasilio-guaraniense, que chamamos tupy. « Ora, diz Moke (17), langanelo os olhos sobre o Mappa em que se traga a sua siluagio, vé-se que todas tres se prolongam sem interrupgao de norte a sul, como massas, a que 0 mesmo impulso tivesse dado uma direcgio uniforme. Assim o local que ellas occupam, atiesta tambem o sentido em que marcharam, sahindo todas do isthmo mexicano e caminhando para o meio-dia. » Nagées que nas suas generalidades parecem remontar a um typo commum, apenas differentes em alguns carac- teres distinctivos, tendo os seus diversos grupos sempre em luta, jé recuando, j& ganhando terreno, occupavam maior ou menor extensio, mas sem que nunca se bara- Thassem ; ainda que algumas vezes influenciadas pela vizi- nhanga, e pela conyivencia com os prisioneiros, adoptassem costumes @ vyocabulos que Ihes eram estranhos. Rm pri- meiro lugar os Ando-peruanos, estreitados d’um lado pelos Andese do outro lado pelo Pacifico, coagidos pela necessi- dade e pelas cireumstancias peculiares da sua posicio, comprehenderam as yantagens da sociabilidade, e for- (17) Moke. Histoire de Am. pag. 70. Eg, maram-se em um corpo politico dominado pelo principio religioso. A necessidade de espalharem o seu dogma, 0 systema de proselytismo que tinham, os obrigaram a descer 0 outro lado dos Andes, e prégar a poyos muito mais bar- baros que elles os beneficios d’uma civilisagéo, que estava longe de ser perfeita, mas que era salutar e benefica. Emquanto a religido produzia estes resultados entre os Peruanos, o amor da conquista, e uma indole inquieta e bellicosa, conseguia com differentes effeitos a posse do litoral do Atlantico. Os Pampas, porém, se pertencessem igualmente 4 tribu invasora, parece que deveriam ter procurado as»praias do mar, onde a pesca lhes offereceria um meio facil e quasi diario de subsistencia: se 0 nao fizeram, sendo aliés uma raca numerosa e indomavel, e mais feroz do que nenhuma outra das que habitayam esta porgao da America, sou leyado a erér que, nao a conquista, mas antes a necessidade os coagiu a residir nas yastas pla- nuras, d’onde lhes yem o nome. Os Guaranis, portanto, deyeriam obrar sobre elles, nao por excesso de coragem ; mas como um instrumento phy- sico, e sémente pela superioridade do numero. De facto, yemos os Pampas comprimidos do norte e léste, como se a pressio se houvesse feito sentir de ambos estes pontos, arredando-os d’aquelles que a ambicao dos selyagens com preferencia a todos cubigava, as praias do mar. E’ d’este modo que podemos explicar a existencia dos Guaranis além do Rio da Prata, emquanto os Pampas ainda occu- pavam parte da outra margem. Era o efleito da inyasao, que pouco e pouco ia ganhando espago, cercando a tribu anterior, se ndo era a primitiya, sobrepujando-a pelo seu numero até que a obrigasse com 0 seu crescimento a pro- curar asylo na extremidade do sul. A historia yem em apoio d’esta opiniao. Comquanto 88 Ss perfeitos, os annaes mexicanos merecem ser consultados, como os que unicamente podem derramar alguma luz sobre a importante questio de racas e emigragdes dos indigenas da America. Estes annaes, ainda que nao conseryem lem- branga da passagem de poyos barbaros ao través do seu yelho imperio, fazem mengio comtudo de uma peste que durante cem annos, eem um tempo que parece correspon- der ao 11° seculo da nossa éra, tinha conyertido o paiz em um yasto deserto; e que a populacgao se hayia renovado por um enxame de guerreiros, que vinham do norte. E’, portanto, 0 11° seculo a épocha menos remota em que parece ter havido a possibilidade da passagem de uma populagao nova para esta parte da America; e deyemos concluir que nao s6 0 movimento da emigracéo foi de norte a sul, como que se effectuou, nio de um jacto, mas por tur- mas successivas; 0 que parecem indicar aquelles cem an- nos de peste destruidora, de que tratam os annaes mexi- canos de uma maneira tao mysteriosa. Depois desta synthese, que, apezar de succinta, procurei tornar tao completa quanto me era possivel, passaremos a ver quaes as differentes tribus que habitavam o litoral do Brasil na época do seu descobrimento. Sera este 0 objecto do capitulo seguinte. CAPITULO I TRIBUS QUE HABITAYAM O LITORAL DO BRASIL Um dos primeiros escriptores*que trataram dos indige- nas do Brasil foi Magalhdes Gandayo: a sua Historia da Provincia de Santa-Cruz, traduzida para o francez, comegou TOMO XXX, P. II & — 2% — a a ter voga entre os curiosos; as suas assercées foram acei- tas sem discussio; ¢ ainda hoje é citado pelos autores es- trangeiros como autoridade segura na materia, sem que " soubessem, ou que lhes importasse 0 que a observagio mais attenta de outros viajantes, ou a critica auxiliada pela experiencia, lhes podesse ter suggerido, « Os indios da costa (diz este autor) (18), ainda que es- tejam deyisos, e haja entre elles diversos nomes, todavia na semelhanga, condicdo, costumese ritos gentilicos sao to- dos uns. E se n’alguma maneira differem n’esta parte, 6 tao pouco que se nao péde fazer caso disso. » E mais abaixo, como para prova da sea assercdo, aceres- centa : « A lingua que fallam todos pela costa é uma,ainda que em certos yocabulos differem n’algumas partes; mas nao de maneira que se deixem uns aos outros de entender. » Veremos no decurso d’este tralsalho que excepcdes se de- vem fazer a esta regra tio latamente estabelecida; que es- Ses costumes sao 4s vezes earacteristicos, e que a linguagem yariaya um pouco mais do que parecia ao escriptor portu- guez, satisfeito com o primeiro lancar d’olhos, sendo 4s ve- zes inteiramente diferente da lingua goral ¢ inintelligivel para os que a fallayam. Ao passo que pretendi demonstrar como as tribus fupys eram conquistadoras, procurei explicar ao mesmo tempo 0 motivo por que, pertencendo todas 4 mesma familia, por diam estar e estayam algumas vezes accidentalmente em (18) M. Gandavo. Cap. 10,—Laet. c. 3: « As nagdes que habitam Olitoral do Brasil sio pela maior parte differentes de linguagem todavia tem uma commum entre si, da qual se servem ordi dez nagdes d’aquellas que moram proximo 4 praia do mar, @ no interior do paiz. Quasi todos os portuguezes a comprehendem, que 6 facil, copiosa e agradayel. » : — Oe guerra ; porém sempre e implacavelmente com as tribus do interior. O costume de immolarem os prisioneiros, que era entre elles motivo de ufania e de orgulho, tornaya irre - conciliayeis tribus irmas, que uma yez se desaviessem, e cada vez mais pronunciada a inimizade entre as duas racas, que nunca se puderam baralhar nem confundir, Era, porém, impossivel que os Tupys pudessem aniquilar de um jacto e completamente as tribus que tiveram de com- hater. Estas, pois, ou se conservayam pouco afastadas dos seus limites, resistindo 4 invasao, ou, 0 que é mais de sup- por, recolhidas e reconcentradas nas florestas, alli puderam multiplicar-se e tomar novas forcas, emquanto a scisio se ia operando nos diyersos grupos dos selyagens do litoral, e enfraquecendo-os de modo que nao poderiam resistir 4 tor- rente dos vencidos, quando sobre elles voltassem, cheios de forgas novas e€ de odios antigos. Assim, nao obstante dominarem os Tupys no litoral, em ui e outro ponto achamos tribus differentes, que os ata- cavam e¢ levavam de vencida, assenhoreando-se do territo- tio, d’onde, segundo antigos escriptores, deveriam ter sido expulsos anteriormente (19). Tratamos de tribus que ja desappareceram, ou que atra- vés de tao grayes vicissitudes como aquellas por que os nossos indigenas passaram se alteraram completamente ; ou que, distantes de nds, estabelecidas em sitios nao praticados pela civilisagao, nem pelo commercio humano, exigiriam para serem estudadas e observadas recursos maiores que os do indiyiduo. Sobram-nos comtudo autoridades, e feliz- mente sd0 os autores unanimes, ou pouco discrepam, (19) Tratando dos Tapuyas, diz a Noticia do Brasil. « Sto muitos ® eslao divididos em bandos, costumes e linguagem; inimigos das mais hagdes, que os expulsaram das praias. » = 98 /— quando tratam da disposigio topographica das differentes tribus maritimas. Seguindo 0 seu exemplo, e mais ainda o curso que nos parece ter seguido a invasio, comecaremos de norte a sul, desde o Amazonas até além de Santa Catha- rina, que os Tupys ja haviam ultrapassado no tempo das primeiras exploragdes maritimas dos portuguezes pela costa do Brasil. Tem sido até aqui geralmente seguido o systema de se classificarem os indigenas, nao segundo os lugares de que se achavam de posse, mas segundo a divisio territorial por eapitanias ; systema viciosissimo, porque presuppoe nos indigenas um conhecimento que elles nao podiam ter, com a docilidade extrema de se accommodarem nos limites que teriam de ser demarcados aos donatarios do Brasil. As dif- ferentes tribus tinham territorio seu, com raias determina- das, que a guerra por certo no respeitava, mas de que sé a conquista os podia desalojar. O conhecimento deste ter- rilorio serve optimamente para indicar a extensdo ea im- portancia da tribu que o avassalara. Os Tupys, dissemos nds, na sua emigracio ou invasio, nao poderiam ter caminhado como uma torrente, nem rea- lizadoa sua expedicio de uma sé vez, e por meio de im- mensa multidao ; porquea nao saberiam por em movimento sem meios de procurara sua subsistencia em um paiz abun- dante, mas sem agricultura. Deveram, portanto, ter proce- dido por grupos de familia ; c estes grupos, nao tao dimi- nutos que podessem soffrer estorvo com qualquer obstaculo material com que deparassem, nem tio numerosos que lhes fosse impossiyel ou muito difficil grangear alimentos ; em qualquer dos dois casos, ficaria ou interrompida a sua marcha, ou compromettida a existencia de todos. Estes grupos, ao passo em que ido deparando com loca- Trea ee a9" lidades apropriadas ao seu modo de vida; com ou sem oppo- sigdo, alli se estabeleceram. Como vivessem da caga e pesca, careciam para terem garantida a sua subsistencia de terraS que chamassem suas; e estas s6 podiam alcanear pela forga, s6 podiam conseryar auxiliados pelas difficuldades do ter- reno. Os rios, as florestas, as montanhas, eram seus marco$ diyisorios ; mas quando uma das margens do rio era occu~ pada por tribu de lingua differente da que fallayam os da margem opposta, ou quando uma floresta se interpunha en_ tre ambas, nem sempre taes raias seriam respeitadas: entio disputadas promiscuam ente por ambas deveriam ser mo- livo de desavengas, e de ordinario 0 seu campo de batalha. 0 Amazonas, nao oceupado durante muitos annos pelos europeos, aind& muito depois do descobrimento do Bra- sil, era a yivenda em que de preferencia se accumula- vam os indigenas, ou que alli se hayiam estabelecido origi_ nariamente,ou que para alli concorriam acossados e expelli- dos das outras partes do Brasil. Desde o Amazonas até o Rio Grande do Norte, chamado dos Tapwyas pela im mensidade de gentio que o occupava, a populagio era im— mensa ; mas n&o poderemos hoje dizer quaes foram nem. como se denominayam as tribus que em 1500 ou antes @isso occupavam o espaco que medeia entre estes rios Quando os portuguezes e francezes principiaram a co- lonisar essas terras, encontraram os fragmentos das ragas destruidas mais ao sul ; mas esses fragmentos, ainda res- peitaveis para os proprios, européos, nao se teriam alli enraizado sendo por um de dois meios, ou sendo amigayel- mente recebidos, e havendo-se mesclado com tribus que descendiam da mesma raga, ou expellindo-as para lhes to- marem o lugar. Quer n’um, quer n’outro caso, constituiam © maior numero ; por isso que subsistia a denominagao por que eram anteriormente e em outras partes conhecidas. 905 Nao faga duvida dizerem os historiadores (20), que desde o Para até0 rio Jaguaribe era todo o espago occupado por immensidade de Tapuyas, Isto, que vai de encontro ao que procurei estabelecer no capitulo antecedente, isto 6, que os Tupys retirando-se do sulse teriam estabelecido no litoral na parte do norte, acha-se tambem desmentido pelas suas pro- prias expressdes. Fallam esses historiadores do tempo da co- lonisagdo aquellas partes, primeira occasido que tiveram de observar os seus habitantes ; e n’essa quadra sabemoS que sobre os taes chamados Tapuyas predominayam o$ Potiguares,os Tobajaras, os Tupinambds, e mesmo os Ta- moyos (24); tribus que elles confessam pertencer 4 classe dos que fallayam a lingua geral,em contraposi¢aio aos outros, que eram os indios do sertaéo, os inimigos da§ tribus da beira mar. A Nolicia do Brasil diz d’esses T'apwyas que era gente mais domestica que os Caetés. Ora, jA os Caetés eram um ramo tupy (22), assimchamado por viyerem nas florestas ; mas, dado que fossem Tapuyas, se nos lembrarmos da dis- tinegao que entre elles estabeleceram os jesuitas(23),conclui- (20) Noticia do Brasil—e 0 padre Vasconcellos (21) Laet diz dos Tupinambis: «Parece que elles se espalbaram em todos os sentidos por toda esta regiao; e tao longe que os mesmos ha- Ditantes do Maranhao se dizem seus descendentes, bem como os do Pard. » Pag. 536. (22) Esta designagdo de caeté applicada a um ramo ¢upy nio pode ter outro sentido. Do mesmo modo quando Laet diz que os Tamoyos do Maranhio se dayam por homens de Cueté, isso quer dizer que in- torrogaios sobre d’onde tinham vindo, esses homens s6 respondiam com essa palavra, apontando para o lado d’onde essas floresias lhes ficavam, (23) Indios mansos e bravos: aquelles que se domesticam facilmente; estes de condicio intratavel. Not. do Brasil cap. 16: « Este gentio lem a mesma vida e costumes dos Pitagoares,e a mesma lingua,que é tudo como a dos Tupinambds» = ote Temos que estes de que se trata so yerdadeiros Tupys : a0 menos elles se dayam por taes. Os selvagens que habitam presentemente estes sitios (escreveu Laet) dizem que ha quasi sob 0 tropico de Capricornio uma muito bella pro- vincia, chamada Caeté, como quem dissesse grande floresta, coherta por todos os lados de um bosque espesso e de ar_ vores muita altas, e povoada de homens que se chamayam Tupinambds, por sua yalentia, em que excediam os seus vizinhos. Dizem, que, nao podendo resistir aos portugue- zes, retiraram-se 4s florestas ; nio se dando por seguros, atravessaram grande espaco de terras, e aqui chegaram. Dividiram-se ey: muitas parentellas, e tomam nome dos lugares que habitam ; — Parand-enguares, os habitantes das praias ; Ybiapab-enguares, — os da montanhas, ete, Occupado o espaco entre o Amazonas eo dagoaribe, outros guerreiros supervenientes, os Peliguares tiveram de passar além deste rio, tomando-o comtudo por limite (24) estabelecendo-se entre este e o da Parahyba. Achayam se portanto entre dois rios occupando o espago que yai de 2 3/4 a6 3/4 grdos do sul ; mas emquanto algumas yezes estavam de paz com os habitantes da margem esquerda do Rio-Grande (28) acossavam os Tyguares (26) que habilayam (24) Junto da barra deste rio (Jagoaribe) se mete outro n’elle que se chama 0 Rio Grande, que é 0 exlremo entre os Tapuyas e os Pe- tigoares. Roteiro do Brasil, cap. 7° Leéa-se Pctiguares habitantes de Poti (Gamarzo). © nome do chefe designa sem a menor duvida uma tribu do litoral. (25) Noticia do Brasil. Jab. pr. 7°. (26) Laet diz que os Tyguares habitavam uma legua ao norte da bahia da Traicdo; e que os Petiguares thes faziam guerra. Se a palavra Tobajaras quer dizer — habitantes do rosto da terra :— Tyguares exprtimiria os habitanies do nariz da terra, para indicar supremacia Sobre aquelles, assim como o nariz a parle mais saliente do rosto. — 32 — aaldéa do Tabussurd,na bahia de Ajacutibiré ou da Traigéo ; © passando nas suas correrias o Parahyba (27) ido combater os Caetés (28), que lhes ficayam ao sul, como se obedecessem ao impulso da invasdo, ou que apertados pelo norte, pro- curassem aberta pelo lado opposto. Nem sé aniquilavam ao que parece os Tyguares, guerreayam os Caetés, batiam os Tobajaras, @ levavam a devastacao e o susto até a capitania de Itamaraci, onde, segundo os chronistas, fizeram consi- deravel damno aos portuguezes (29), «'Tém (diz o autor da Noticia) os mesmos costumes e gentilidades que os Tu- pinambds; cantam, bailam, comem e bebem pela mesma ordem; sao bellicosos, guerreiros e atreyidos como elles; grandes layradores dos seus mantimentos, bons cacadores e excellentes frecheiros.» Duas tribus da mesma origem, vindas uma apés outra, Occupavam o espago que vai da Parahyba ao Rio deS. Francisco cerca de cem leguas da costa. A mais recente ou antes a do litoral, e por esse mesmo facto a mais guerreira, orgulhosa com a sua conquista, appellidou-se arrogante- mente os Tabajaras —os senhores das aldéas—, os domi- nadores da beira-mar, ou descendentes da famosa tribu dos (27) Jéhaviam chegado alli com a@ sua conquista. Jaboatam, pr. 7.° (28) Senhoreayam do Rio-Grande 4 Parahyba, onde confinayam com 0s Caetés que siio seus contrarios,e se faziam cruelissima guerra uns aos outros (Not. do Brasil). Jaboatam lug, citado, falla na sua briga com 08 Tobajaras « até os fazeram deixar muilas d’aquellas costas». Jaboatam narra que os Potiguares haviam langado os Caelés e To- bajares de Goyana, Itamaraci, e parte de Olinda e Pernambuco. « B wisto (diz elle) mostrava ser guerreiro atreyido € ambicioso. » (29) Briga de Pero Lopes de Sousa com os Poliguares, de quem foi cercado e offendido, até que os fez afastar da ilha e vizinhangasd’ella. A Nolicia do Brasil, cap, 14 diz de Pero Lopes « de quem foi per vezes cercado e offendido ». O autor refere-se a Parahyba. “* sa 8B. Tobas (30) ; emquanto os yencidos néo menos enfatuados com a sua pujanga, denominaram-se os Caetés,c omo que se quizessem arrogar o dominio das florestas. Todavia nao eram os Caetés uma tribu sertaneja, posto que vivessem nas florestas : mostrayam-se em muitas partes do litoral, e em muitas dellas com tanta frequencia,que alguns autores sem fazer men¢io dos Tobajaras, que alids encontramos até mais ao sul, 0s dao como possessores exclusivos das terras que jazem entre o Parahyba e o Rio de S. Francisco, E’ certo porém que elles entestavam com os Tupinambds, que dominavam na outra banda do Rio de S. Francisco, a quem guerreavam, @ em cujas terras entravam a sallear «Usavyam de embarcagdes de uma palha comprida (periperi) que fazem em molhos atados com timbd, em que cabiam dez a doze indios; o muitas vezes vinham ao longo da costa fazer guerra aos Tupinambde (31). Ainda o mesmo facto se observa aqui,a acgéo constante da populagao do norte sobre ado sul (32). Os Tobajaras e Caetés pertenciam 4 mesma origem e allavam a mesma lingua: os primeiros foram conhecidos pela docilidade e fé que souberam guardaraos portuguezes; emquanto o naufragio e assassinato do bispo Sardinha, @ 0s decretos com que foram depois fulminados sem (30) Diz o Sr. Varnhagen nas suas notas ao Roteiro que Tabajaras era nome que se dava aos indios aldéados. Nola 13 ao Roteiro do Brasil. Nio sabemos quaes sio os fundamentos d’esta opinido ; mas parece-nos que teria um sentido muilo lato n’esle caso, para ser empregado como denominacao de uma tribu. Tabajaras, quererd dizer, como tambem a mim me quiz parecer—senhores das aldéas. Tobajaras, como quer o padre Vasconsellos—senhores do rosto da terra—Toba-qud —guerreiros da nacio dos Tobas ou Ebpesarce—sutitee 3 dos Tupys, (84) Noticia do Brasil. (82) Fallando dos Tupinambds, diz Jaboatam « tide guerra com 0s Caetés, mas s6 quando procurados por estes ». TOMO XXX, P IL 5 — 34 — tirar aos ultimos a reputagio de yalentes bellicosos que tinham, os tornaram conhecidos como gente atraigoada, sem fé nem verdade alguma. Contra este decreto nada tiveram os colonos que allegar; porque o proyeito que tiravam da escravatura indigena, fez com que todos os indios que puderam apanhar 4s mios, fossem consi= derados Caelés. Os jesuitas por esta vez tiverara interesse em sustentar aquelle acto, que influia nas tribus indigenas um receio que lhesservia de salvaguarda. Longe pois deo combate- rem, assoalharam e prégaram ao principio, que o céo se havia manifestado contra o assassinio, térnando desertos e medonhos os lugares onde elle se praticdra, bem que fossem d’antes risonhos e apraziveis algm de todo o encarecimento. Um facto convem registrar aqui a proposito d’estes indi- genas: é a propensiao que tinham as tribus da lingua geral para a musica e para a dansa; circumstancia tio notavel que nunca se esquecem os historiadores portuguezes de a mencionar. Os Caetés e Tobajaras eram igualmente mu- “sicos ¢ bailadores: grandes musicos os chamam as chro- ‘nicas. Do Rio de S. Francisco 4 Bahia e inclusivamente as ilhas da sua enseada, encontramos os Tupinambds; uma das _nagdes mais dilatadas da costa, que tinha tomado aquellas “terras, de outras nagées da sua lingua, alli anteriormente ‘ estabelecidas. Querem alguns que esses fossem os Toba- jaras;mas no interior deparamos n’aquelle tempo com outra tribu da lingua geral, vivendo entre os T'apuyas, guerreada por estes e pelos da beira mar; em uma posigao tao violenta que se nao péde explicar senao pela necessidade da forga. ar " = 365 oe Gq Sao os Tupiaes (33), e os seus alliados os Maracas. Estes e nao os Tobajaras parecem ter sido os primeiros poyoadores da Bahia (34). 0s Tupiaes, tribu menos numerosa, menos aguerrida mesmo que os Caetés, que tambem viviam no. . interior, nio poderam romper a linha dos Tupinambds para 6 lado do mar, como aquelles hayiam feito com os Toba~ jaras; nem dominar nas matas poyoadas de immensidade de Tapuias, sobre os quaes predominavam os Ybirajaras (35) conhecidos tambem pela denominagio de Bilreiros, @ aos quaes Knivet chama « Lopos » (36). Se com os Tupinambds nio observamos tio pronunciado © movimento para o sul, depende isso talvez de que, con finando elles com jos Tupin-ikins (Tupy lateral ), estariam mais estreitamente ligados entre sido que nenhuma outra tribu do litoral. No entretanto o autor da Noticia dd-os por eontrarios uns dos outros, ¢ diz-nos que os J'upin-ihins fugiam diante d’aquelles. Sirva-nos porém a autoridade, em falta de dados mais seguros. Laet diz que os Tupin- ikins, estabelecidos havia muitos annos entre os Ilhéos ¢ Espirito-Santo, tinham sido expulsos de Pernambuco. Da Bahia (37) e outros dizem,desde o rio Camamut até o (68) Serio os Tupiguds de Leat? pag. 40, Drelles, diz Laet, que - Possuiam o interior do paiz desde S. Vicente até Pernambuco. (84) Oaulor da chronica Jacaré-ouassu, trabalho de fraco mereeimen- , diz que a Bahia foi povoada primeiro pelos Tupuyas, depois pelos : nimuras,depois pelos Tupides, © por fim pelos Tupinambds, ___ (85) Pelo serlio da Bahia, além do Rio de S. Francisco... ‘ivem 0 Sie iscrll hres dos pilos ; 0s quaes se nio entendem com outra, nagioalguma do gentio. Noticias curiosas etc. ova Noticia Co Brasil? — Confundindo o som do u com ode y, este autor escreve Ubirajaray de Imyrd-jaras—senhores das arvores, » . das. cousas do Brasil ‘¢ tio Cricaré, habitavam os Tupin-ikins, estentendo-se pelas antigas capitanias de Ihéos, Porto-Seguro e Espirito-Santo. Em guerra com os Papanazes (38), tinham pelo sertio allianga com aquelles Tupiguds, que encontramos nas ter- Tas da Bahia. Dos Tupin-tkins diz a Noticia do Brasil, que eram da mesma cor baga e estatura que o outro gentio; que a linguagem, vida, costumes e gentilidades eram as mesmas que as dos Tupinambds (39). « Cantam e bailam, como aquelles, diz 0 mesmo autor, e nas cousas de guerra sio mui industriosos e homens para muito, de quem se faz muita conta a seu modo entre o gentio. » Os Tupin-ikins, bem que yalentes, acossados por um lado pelos Tupinambds, iao ganhando terreno para 0 sul ; e aChronica de Jaboatam (Preambulo 7) os faz progredir n’esta direegdo até virem a confinar com os Goiatakazes. Do Cricaré ou antes de Rerygtiba (rio que corre a 15 le- guas do Espirito-Santo) até ao cabo de §. Thomé, ou, como quer Jaboatam, até 4 Parahyba do Sul, era todo 0 espacgo senhoreado por tres nagées de gentio selyagem, conhecidas sob o nome de Goiatakazes,e subdivididos em mopi- guagi, ejacorito. « Andavam, dizem os historiadores, em continuas guerras, @ se comiam com mais yontade que as feras da caga. Habitavam umas campinas chamadas de seu nome, e que poderam chamar os Elysios. » Jaboatam ac- erescenta que tinham a cor mais clara, linguagem differente da geral, e que dormiam no chao, com a singularidade de nao saberem pelejar em mato mas em campo descoberto. Lis portanto uma tribu do litoral, diferente dos Tupys (88) «Dormem no chio sobre folhas; niio tém grandes lavouras; man- tém-se de eaca e peixe; sio grandes frecheiros etc. » Os Goiatakazes, Goyanazes e Papanazes pertencem a mesma tribu. we (39) « Sio do mesmo tronco, ainda que muitas vezes tiyessem diffe~ rengas € guerras. » Noticia do Brasil. me 95 — 97 — na linguagem, dessemelhantes em dois pontos cardedes ; em dormirem no chio,e em nao saberem combater senio em campo. Partiam estes de um lado com os Tamoyos da antiga bahia Formosa, hoje Cabo-Frio, ¢ do outro como os Tupin-ikins © Tobajaras. Logo depois desta nagao vinham os Tamoyos, que se es- tendiam desde a Parahyba, ou desde 0 Rio do Cabo de S. Thomé até Angra dos Reis, por espago de quarenta leguas de costa no primeiro caso. Ufanavam-se os Tamoyos de serem os primeiros povoa- dores d’esta parte da America. Ricos de tradicdes e de co- ragem, bons alliados, irreconciliaveis nas suas inimizades ; teimosos ¢ relugtantes na adversidade ; vencidos, porém nunea subjugados; eram os Tamoyos o typo do selvagem, com todos os defeitos e vicios; mas tambem com todas as qualidades e virtudes de um povo primittivo (40). « Era este gentio grande de corpo, homens robustos, mui valentes guerreiros, e contrario de todo o mais gentio excepto dos Tupinambds, de quem se faziara parentes, e se pareciam na falla muito uns com os outros. Sao as suas casas mais fortes que as dos Tupinambds, e tam as suas aldéas muito fortificadas com grandes cercas do madeira, Sao havidos por grandes mimicos e bailadores entre todo 0 gentio, os quaes séo grandes compositores de cantigas de improviso, pelo que sio muito estimados do gentio por onde quer que vao. » Outta tribu achamos de novo encravada entre as da raga twpy, desde Angra dos Reis até Cananéa: sio estes os Goyanazes. Se é certoo que diza Noticia do Brasil, u este gentio possuia e senhoreava aquella costa, até os os aconquistarem; ¢ se elles, os Papanazes e Goia- — 35 — takazes eram todos uns, vem por este modo a achar-se cor- roborada a nossa proposigio, de que os primeiros habitan- tes do paiz, ao principio impellidos para o centro, jé ti- nham cobrado novas forgas, a ponto de virem disputar aos invasores a posse do litoral. Confrontando de um lado com os Tamoyos e do outro com os Carijés, os Goyanazes faziam-lhes a cruelissima guerra, que por todo o litoral grassava ; porém mais mal sangrada quando alguma dessemelhanca de physionomia, de costumes ou de linguagem yinha corroborar as suas sanguinolentas disputas. « Nao sdo maliciosos nem refal- sados (escreyeram os viajantes d’aquelles tempos),antes sio simples, bem acondicionados e facilimosde crér em qual- quer cousa. E’ gente de pouco trabalho, muito molle, nao usam layouras, vivem de caga, pesca e fructos silvestres : sao grandes frecheiros, inimigos da carne humana : nao matam aos que captivam ; mas aceitam-os por seus es- cravos. Nao fazem guerra aos sous contrarios fora dos seus limites, nem os yao buscar nas suas vivendas; porque nao sabem pelejar entre o mato, sendo no campo. Nao vi- yem em aldéas como os Jamoyos mas em covas por baixo do chao, onde tém fogo acceso noite e dia: tém linguagem differente da dos seus vizinhos ; mas na cor e proporgao do corpo os mesmos que os Tamoyos. » Todos estes caracteristicos, a carencia de layoura, 0 capti- yeiro e nao’o sacrificio dos prisioneiros, o nfo yiverem em aldéas, o dormirem em coyas e nio em cabanas, 0 com- baterem mulheres entre os guerreiros ; estes costumes, digo, provam que nio pertenciam estes indigenas aos da lingua geral ; ¢ justificam a Laet quando, assemelhando-os aos Goiatakazes,que escreve (Waitaquazes) e aos Goyanazes (Wainazes), acha-os semelhantes aos Puris do interior, bem ; — 3): — a que estes se defendessem da chuya com ramos de arvores entrelagados e cobertos de palma. De Cananéa 4 Lagoa dos Patos ficayam os Carijés (41). « E? gente facil, industriosa, trabalhadora entre todas as nagoes d’aquella parte; amiga da paz se nao ¢ irritada, menos affeicoada 4 carne humana, e amiga dos comeres dos porluguezes..... accommodada para receber a doutrina do sagrado eyangelho ; porque nao adoram certos deoses, nem reconhecem certas divindades, mais do que em geral € em confuso uma excellencia superior (Tupan), que dizem ser um estrondo espantoso que assombra os homens..... Tém e reverenciam feiticeiros, os mais em numero e os mais famosos qu8 ha entre todas as nagdes do Brasil. Serd preciso ainda indicar os Caraibas, ou depois de os ter indicado, careceremos demonstrar que os Carijés per- tencem 4 grande familia Tupy (42) ? Seem alguns escriptores achamos que a sua linguagem differia da dos Tupinambds, yem isto, segundo me parece, de se dizer que elles se nao entendiam com os seus vizi- nhos, sendo que estes eram por um lado os Goyanazes e pelo outro os Charriias. Quanto ao costume de pouparem os prisioneiros, alguns © exageraram a ponto de os fazerem inteiramente ayessos 4 anthropophagia. Isto que estabeleceria uma differenga ca- racteristica entre elles e os Tupys, supponho que nasceu de um equivoco. « Nido matam homens brancos que com elles yao resgatar », escreveu o autor da Noticia, e Vaqui Vida do padre Joio de Almeida, pag. 121. mM OS mesmos costumes, gentilidades e mais como 03 » Noticia do Brasil. Carijés plus rapprochés des tribus agricoles desGuaranis con- aussi une analogie riche de langage et d’habitudes avec la nation. » F, Denis, Le Brésil, pag. 33. Tes se concluiu sem muita reflexdo que absolutamente nao co- miam carne humana, ou sédmente que a nio comiam com tanto excesso. Em resumo, uma grande familia, cuja configuragdo e tracos physionomicos assellam como descendentes do typo mongol, estayam ha tempos remotos estabelecidos no lito- ral; eram os Pampas ou homens da mesma raga. Os ramos d’essa grande familia, que estavam como dispersos nas paragens que avizinhavam do litoral, ou 4 pequena distancia d’elle, receberam dos inyasores, que os desalo- jaram, a denuminagio de Tapuyas. Vencedores e yencidos, uns por orgulho da conquista, outros por vinganga e re- sentimento, e ambos pela dessemelhanca de linguagem e costumes que entre elles havia, nunca se poderam unit nem colligar. Guerreayam-se mutuamente: estas guerras excitayam noyos odios, e a vinganca ia rapidamente dizi- mando populagdes que com grande difliculdade se mul- tiplicam. Restos d’uma ciyilisagao desconhecida, e d'um povo mais desconhecido ainda, os Tupys, quando os européos 0s encontraram, avassallavam grande parte da costa. Nao 6 possivel seguil-os no principio da sua invasio; mas 6 muito para suppor que os primeiros guerreiros, ainda que vencedores dos Tapuyas, nao se poderam conseryar no territorio conquistado. A estes encontramos nés como tribus sertanejas : sdo os Caetés em Pernambuco, os Tupi- guds e Ybirajaras dos sertoes da Bahia, e outros quasi ignorados, como os Maracas e Amérpyras. Um numeroso coneurso de guerreiros sobrevindo quando estas tribus se avizinhayam do mar, occuparam largo” espaco do litoral com a denominacao de Tobajaras, que em outras partes tomavam o nome de Tupinambds. Dayam-se os Tobajaras como os conquistadores e primeiros senhores es Anis da terra, e poderiam yangloriar-se como os Tobas, a que se assemelhavam nos costumes, e pelas radicaes do seu nome, ede que talyez fossem o tronco, de serem mais bravos que todos os outros povos do mundo, senhores da terra e@ dos yeados, e dos outros animaes do campo, dos rios e dos peixes (43). O seu nome marcando, como quer o padre Vasconcellos, o lugar da sua habitagao, 4 beira- mar, parecia revelar ao mesmos tempo a idéa de supre- macia nas armas e no denodo. Senhores das aldéas se chamariam igualmente, porque de facto as suas aldéas se estendiam como um cordao nunca interrompido desde além do Maranhao até aquem da Bahia. Outras tribus d& mesma margem, obrigadas pelas mes~ mas causas, e seguindo 0 mesmo rumo, yieram disputar com as primeiras o lugar para sua residencia: tomaram os nomes, quer do chefe que as dirigiam, quer dos lugares que conguistavam, quer de outra qualquer circumstancia for- tuita ; mas jd entdo nao era tio difficil o entrelagamento, tendo de effectuar-se entre homens que tinham a mesma origem, e ainda conservavam os seus costumes. Por isso algumas das tribus antigas se refundiam nas novas, em- quanto outras procuraram o sertio, Alli porém encontra- ram os Tapuyas entrincheirados nas florestas, e pouco dispostos a lhes cederem o terreno : aquellas tribus, pois, que nao tinham forgas para os combater, ou se nao po- deram accommodar com a vida das florestas, retrocederam dando noyo alimento 4 reyolugao terrivel que desde éras Temolas abalaya esta grande porgdo do novo hemispherio, Os homens das florestas, os Caedés, restos das tribus tupys _ Tefugiadas no interior, yieram postar-se no campo de ba- ~talha, © combatendo os da sua origem, poderam romper em Histoire de Amérique, pag, 74. XX, P. 1. 6 — 42— alguns pontosa linha do litoral, e encravar-se entre os To- bajaras e Tupinambds. Estes ultimos, impellidos pela corrente da invasio, apo- deraram-se da Bahia e do reconcavo, batendo-se com os Caetés e Tobajaras, e disputandy com estes a anterioridade da conquista, emquanto outras de suas tribus assentam as suas tabas com o nome de T'upin-ikins no Espirito-Santo, de Tumoyos no Rio de Janeiro, e de Cariyés na lagda dos Patos. Novos ramos da mesma familia sahindo tambem das flo- restas, onde, como do seu pequeno numero se conjectura, teriam residido por mais tempo, vieram,com mais ou me- nos fortuna disputar a posse do litoral aos recem-chegados, fazendo alliangas ou gucrreando-se entre si. Sao os Tupi- guds,os Maracas, os Arobajaras, Ybirajaras e outros, cujos nomes apenas se conservam na tradigio d’estas lutas. Temos entio que as tribus da lingua geral eram primei- ramente os Tobajaras, que em tempos remotos deveram ter sido precedidos pelos primeiros Tupys. Vinham depois Welles os Potiguares,eas suas filiaes Reryguares e Tiguares; depois os Caedes, os Tupinambds, os Tupin~ moyos e os Carizés. Apezar d’este movimento do oceaso para léste, isto 6, do sertio para 0 mar, as matas nao se tinham esgotado. Exis- tia nas cabeceiras dos rios,nas summidades das montanhas, na vastiddo das florestas, a tribu primitiva, alimentando os seus odios ¢ creando forgas, nio tanto para a conquista como para a vinganca. A primeira manifestagio dos pro~ jectos a que foram levados pelo augmento da sua popula- cdo, assim como pela recrudescencia da sua ferocidade, fol © apparecimento no litoral das tribus tupys que oecupayam © que na falta de termo mais apropriado chamarei terreno neutro,o qual ficava entre os senhores da terra e 0s conquis- ins, os Ta- .-— 8B dores. Enfraquecidos pelas guerras que sustentaram para conquistar 0 paiz, © estreitados depois j4 pelos do litoral _ tornados seus contrarios, j4 pelos do interior seus inimigos carnigados, os Tupys do sertio nao se abalancariam a jir-se de novo com Os-seus vencedores, se uma forga Maiora sou pezar os nao arrojasse das florestas. 9s Tapuyas acorogoados pelos tiumphos que ido alean- ‘ gando pelo terreno que ganhavam, pela guerra a que obri- gaat 0s seus contrarios, langaram-se como uma torrente sobre as tribus do litoral: sio os ferozes Aymorés, 0 Goia- takazes menos guerreiros, e por ultimo os Goyanazes, além de muitas outras tribus mencionadas pelos historiadores e viajantes, mas §4ja filiagdo se ignora. Assim que, nem todas as (ribus do litoral eram Tupys ; nem todas as do interior Tapuyas. Nem todas Por tanto eram no mesmo grio domesticayeis ; e os meios que se empregassem para a civilisagdo e catechese de uns, nao talvez igualmente applicaveis a todos. Para os Ta- , era preciso achiar algum modo de se unirem,de vi- im Jugares aldéados sob tal ou qual forma de socie- de disciplina, ao que repugnavam : para as do li- era preciso fazer-lhes perder o amor ds lutas carni- sua gloria. rém que tribus se achavam espalhadas pelo CAPITULO ILL | QUE HABITAVAM 0 SERTAO formar-se um quadro nao digo perfeito, } quaes e quantas eram as tribus dos = eh ee antigos Tapuyas, e que lugares habitayam (44), Os primei- ros descobridores, nao tendo conyivido com elles, conten- tayam-se com a descripgdo das tribus do litoral, tocando nas outras muito de leve como eousa que de bem pouca attengao era digna. Nio as conheciam por observacio propria, mas sé pelo que ouviam aos seus alliados, ou do contrario quando deparavam com ellas como os Goya- nazes e Goiatakazes, encrayados entre os Tupys,ou quando como os Aymorés desciam para as praias, derramando a desolagio e o susto sobre os aldéamentos dos indios noyamente convertidos, © as moradas apenas rematadas e mal defensayeis dos primeiros colonos: d’este modo néo os podiam obseryar muito 4 vontade, quer tolhidos pelo susto que aquelles barbaros inspiravam, quer prevenidos pelas crueldades que os viam praticar. Assim nao encon- tramos nos seus escriptos sendo brevyes noticias, em que se exagera a infinidade do seu numero, a: diversidade de suas linguas (45) com um ou outro de seus costumes ; mas tudo isto destacada e truncadamente, de tal forma que nao nos guiam, nem nos servem para os distinguirmos d’uma maneira caracteristica, comquanto nenhum outro meio nos reste para 0 fazer. Foram os T'apuyas os primeiros povoadores do paiz (46) ; (44) « Sio muitos e esto divididos em bandos, costumes ¢ lingua~ gem: inimigos das mais nagdes, que os expulsaram das praias. » Noticia do Brasil, (45) O padre Vasconcellos reduz a quatro todas as nagdes indigenas do Brasil ; Tupinambds, Tobajaras, Potiquares e Tapuyas. Porém esla ultima, accrescenta elle, que se divide em outras nagdes quasi innume-- rayeis. « As tres primeiras fallam a mesma lingua, com pouca aife- =p. _ renga entre si; porém as dos Tapuyas sio diversissimas. » Vide do padre Joo de Almeida, cap, 5° n. 4. (46) « Tapuyas, que 6 0 gentio mais antigo que vive mesti ras @, bem que nos nao seja possivel hoje remontar até a sua origem, a sua indole, assim como alguns de seus usos ® costumes e 0 seu modo de vida, parecem prendél-os 4 extensa raga dos Pumpas, sendo uns e outros indomes- tivaveis, nada agricolas, nlomades sempre e cagadores por excellencia. E’ certo que os Tapuyus offereceram nos primeiros tempos incomparavelmente mais obstaculos que os Tupys 4 empreza da civilisagao, além do que entre elles mesmos observaram-se contrastes e dessemelhancas de cos- tumes, que poderdo ser comparados com os dos Tupys, quando tratirmos das tribus d’esta raga, que foram melhor estudadas ; os Tupinambds e os Tamoyos, Era a primeira differenga a linguagem de que usavam, se nao eram differentes dialectos, e tao variados entre si que chegaram a ser numerados pela sua diversidade. Os Lapuyas so muitos, diz o autor da Noticias dividem-se em nagées quasi innumeraveis, Ié-se na Vidado padre Joao de Almeida ; mas quando querem precisar dealguma forma a sua quantidade caleulam uns as differentes nagdes em sessenta e noye (47), e outros em setenta e seis (48). Contam mais de cem linguas, escreyeuo autor das Noticias Curiosas ; @ todavia referindo-se a informagdes dos indigenas eleva este numero a cento e cincoenta (49). E tanto discrepam da qual ella foi em todo senhoreada da boca do Rio da Prata até ao rio dis Amazonas... e toda a mais costa senlorearam nos tempos __atraz, d’onde por espagos de tempo foram langados de seus con- tratios. » Noticia do Brasil, pag. 183. (47) F. Donis, L'Univers, Brésif, pag... ‘Laet conta setenta e seis poyos selvagens, indomitos em guerra com os da costa. . erencia do rio e seus bragos, no podiam contal-as, 08 das miios e dos pés, por onde costumam contar,mas REG ae neste ponto que sé no Amazonas reputou o padre Manoel Rodrigues haver esse numero de cento e cincoenta nagoes (80); e mais de um seculo depois o padre Vieira suppunha existirem ainda n’esse rio setecentas nagdes (51). E para que nenhuma duyida nos restasse da sua nimia facilidade em tudo aceitarem das relacdes dos selvagens, intercalaram n’esta estatistica fabulas apenas criveis em um seculo des- lumbrado coma marayilha do descobrimento de um mundo por tanto tempoignorado. Taes eram os Goyazes ou andes, os indios da nagio Cuana, habitantes do rio Jurud, que segundo elles ndo passam de cinco palmos de altura (52), os Curiqueans ou gigantes, os da nagéio Ugina, com rabo de 3a 4 palmos, do que dayam testemunhp no tempo do ou- yidor Sampaio os indios de Jurué, e resta a certidéo jurada do padre carmelita frei José de Santa Theresa Ribeiro (53), que 0 mesmo Sampaio diz ter conhecido. Tio pouco se duyidava d’esta noticia que se julgou ter descoberto 4 ori- gem d’esta singularidade no ajuntamento das mulheres com 5 macagos coatis, dizendo-se como prova que eram taes nem ainda com os seixos da praia: e indo nomeando algumas passam de cento e cincoenta, <6 as de linguas diferentes: e fora maior a mal- tidaio da gente, a nado ser a guerra conlinua e insaciayel que trazem entre si. » (50) Nuevo descobrimento del gran rio de las Amazonas : 0. 36. «Esta habitado de barbaros, en distintas provincias y naciones de las quales puedo dar fee, nombrandolas con sus nombres y senalandolas | sus silios, unas de vista, y otras por informaciones de los indios* que en elles avian estado: passan de ciento e cinquenta, todas de Jenguas diferentes. » — Vieira, Sermées tomo 3.° page 409. (51) Vieira. (Vide) (52) Roteiro de Sampaio, 149. (58; Certidao de 15 de Outubro de 1768.

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