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Caso

Schreber Clínica Psicanalítica


Ângela Gabrielly Silva Ferreira / Jhulie Emanoelly Dias da Silva Brandão / Kelly Cristina Lacerda / Maria Eduarda Mota Aguiar /
Marina Maria Ferreira Morais

Resumo

Este artigo representa a análise de um caso de Psicose, em suma, vida e trajetória de


Daniel Paul Schreber, a partir de suas memórias escritas por sí próprio em um livro
entitulado “Memórias de um Doente dos Nervos”, que posteriormento foi estudado por
Freud, 1911. O relato descreve o sujeito que se transverte através de seus delírios de
emasculação, grandeza e paranóia religiosa sofridos durante sua doença.

Palavras Chave: Delírio, Emaculação, Psicose.

Introdução

Daniel Paul Schreber nasceu na Alemanha, em 1842, sendo filho do meio de outros
4 irmãos que cresceram em meio a contexto familiar marcado por educação totalmente
moralista e rígida exercendo um controle excessivamente pedagógico de pais com
filhos, pois buscavam destaque através do trabalho intelectual. Schreber construiu uma
brilhante carreira, operador do Direito, mais precisamente magistrado, tendo exercido a
função de presidente do Tribunal Regional de Chemnitiz e, posteriormente, o mais alto
cargo, o de Presidente da Corte de Apelação em Dresden. Se casou com Ottlin Sabine
Behr em 1878, casamento que não lhe rendeu filhos, a moça teve cerca de 6 abortos.
Apesar de sua posição social e inteligência Daniel Paul Schereber sofria de
“Doença dos Nervos”, como o próprio intitulou, em 1884 foi acometido pela “Primeira
Doença”, período em que esteve no hospício de Sonnestein, atribui esta internação à
tensão emocional derivada da campanha e foi diagnosticado como um caso de
hipocondria severa, por Flechsig. Posteriormente recebeu alta aparentemente curado.
Entre 1885 e 1993 passou por período de grande exito profissional, recebendo a
nomeação para o cargo de juiz-presidente (Senatspräsident) da Corte de Apelação, na
cidade de Dresden para onde se transfere. A posse ocorreu em1893, na mesma época em
que foi acometido pela “Segunda Doença”, após entre o dormir e o acordar, lhe ocorreu
pensar que deveria ser muito bom ser uma mulher submetendo-se ao ato de copular.
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Em sua segunda estadia no Hospital Psiquiátrico de Leipzigonde, apresenta
novamente ideias hipocondríacas, idéias de perseguição, alucinações visuais e auditivas
assim como os distúrbios cenestésicos, que posteriormente evoluem de forma que
acredita ter uma comunicação direta com Deus, ouvir música sagrada, assim como ser
perseguido por seu médico.
Schereber não teve cognição, memória, sinais de confusão ou de inibição psíquica,
nem sua inteligência demasiadamente afetados, o que o possibilitou escrever um livro
sobre apresentara relatos sobre o desenvolvimento de sua patologia como parte de uma
peça jurídica afim de retira-lo do hospício, peça esta que por meados de 1911, Freud
teve acesso.
Ao analisar o livro das memórias de Schreber, Freud foi logo concluindo que seria
um caso de psicose, o delírio vem sendo destacado como ponto principal no período em
que esteve em tratamento. Suas idéias alucinatórias intensificavam na medida em que
sua personalidade se transformava através dos seus fenômenos delirantes
comprometendo a sua saúde psíquica.

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História Clínica

Schreber nunca aceitou que o seu problema fosse psíquico embora existir muitas
evidências, ele acreditava que o que ele tinha era uma doença dos nervos. Seu quadro
veio a manifestar duas vezes deixando ele completamente em estado de necessidade de
acompanhamento onde ficou internado por seis meses pela primeira vez na clínica da
Universidade de Leipzig com crises severas de hipocondria.

Apesar de não ficar claro na obra freudiana qual a idade de Schreber na época de
sua doença, sabe-se que ele era casado já há alguns anos e os cargos que ocupava
também dava a idéia de um homem não tão jovem. Em outras fontes, foi encontrada a
seguinte informação: Schreber tinha 42 anos na primeira doença, em 1884 e 51 anos na
segunda doença, em 1893.

Na primeira internação, com duração de seis meses, o diagnóstico de uma grave


crise de hipocondria foi levantado na clínica do Dr. Flechsig. Freud relata que os
relatórios dessa primeira doença são insuficientes para detalhá-la melhor.

Schreber apesar de se dizer feliz em seu casamento, em anos de grande


felicidade e grandes honrarias, conta em seu livro que se lamentavam da frustração de
não serem abençoados com filhos e que em tentativas anteriores, haviam sofrido vários
abortos.

Após indicação em novo cargo, passou a ter sonhos de que sua doença retornara
e um dia pela manhã entre o sono e vigília, ocorreu-lhe a idéia de que “afinal de contas,
deve ser realmente muito bom ser mulher e submeter-se ao ato da cópula.” Poucos
meses depois, internou-se novamente devido a acessos de insônia, depois foram notadas
idéias de perseguição, ilusões sensórias, auditivas e visuais.

Nessa segunda internação, a condição de Schreber piorou rapidamente. Foi


descrito em relatório que além das idéias hipocondríacas já recorrentes, o paciente,
acreditava estar morto e em decomposição, perdendo os órgãos, sofria de peste,
permanecendo rígido e imóvel por horas (estupor alucinatório), fazia tentativas de
afogar- se durante o banho e dizia que seu corpo estava sendo manejado pelos piores em
nome de um intuito sagrado. Suas idéias delirantes assumiram caráter místico, e ele se
achava em comunicação direta com Deus.

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Em relatório feito pelo Dr. Weber, diretor do asilo em 1899, é feitas observações
sobre a condição do, ressaltando que apesar de seus sintomas psicomotores óbvios, o
Dr. Schreber não apresentava sinais de confusão e nem sua inteligência se achava
prejudicada. Schreber discutia com clareza e tinha um estoque considerável de
conhecimento sobre várias áreas e ocupava-se desses assuntos. No mesmo relatório, é
relatado que, entretanto, o paciente apresentava-se repleto de idéias patológicas,
constituídas de um sistema completo, sendo mais ou menos fixa e pouco acessível à
correção de juízo.

Após várias solicitações aos tribunais, e apesar de ser reconhecido paranóico em


1902 Schreber teve seus direitos civis restabelecidos. A decisão judicial descreveu o
sistema delirante do paciente como alguém que “acreditava que tinha a missão de
redimir o mundo e restituir-lhe o estado perdido de beatitude. Isso, entretanto, só
poderia realizar se primeiro se transformasse de homem em mulher.”

Esse propósito delirante de Schreber estabelece para uma relação direta com a
vontade de Deus, que o levavam a acreditar que milagres divinos estariam o mantendo
vivo e o tornando ‘feminino’ (nervos femininos). Porém, antes de assumir esse papel
religioso, a emasculação era vista por Schreber como grave injúria e perseguição. Antes
partindo da imagem do Dr. Flechsig e depois assumida pelo próprio Deus.

Schreber relata em seu livro que toda tentativa de ‘assassinar a sua alma’ e de
‘emascular-se’ seria para fins ‘contrários a ordem das coisas e reclamava das vozes, os
‘Raios de Deus’ que zombavam dele o chamando de ‘Miss Schreber’. Depois disso,
aceitando a ‘missão atribuída a ele por Deus’, declara que a conseqüência da sua
emasculação seria a sua fecundação por raios divinos, a fim de criar uma nova raça de
homens, já que segundo ele, os homens ao seu redor seriam ‘homens apressadamente
improvisados’

Schreber compara à natureza de Deus a ‘nervos’, ‘somente nervos’, com


capacidade de se transformar em qualquer objeto no mundo e relaciona Deus ao céu
estrelado e ao Sol. Questiona a capacidade de Deus de se comunicar com a natureza
humana e homens vivos e coloca sua enfermidade como uma luta entre o homem, Deus
e ele.

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Freud detalha e pede atenção para a relação de Schreber com Deus e como ele o
define e o conflito entre masculino e feminino relembra o pensamento do paciente ao
imaginar como seria ser uma mulher no ato de cópula relaciona toda a sua construção
no intuito de realizar esse sonho inicial.

Tentativas de Interpretação

Então o que veio acontecer com Schreber, foi que ele teria evocado, por certas
peculiaridades do seu corpo, e sua forma de pensar a volúpia de Deus, ele acreditava
que Deus é um personagem que tem dificuldades para aprender, é um personagem meio
burro quase cativou pelo corpo e começou então a enviar uma conexão, que ele chama
de raios divinos e esse raio se instalava em cada pedaço do corpo de Schreber. Então
essa comunicação, explica uma serie de fenômenos, que ele começa a experimentar,
como por exemplo, o fenômeno de interrupção da frase, fenômeno como os pássaros
falantes, onde ele escuta pássaros piando e pensa que os pássaros estão dizendo algo
para ele, fenômeno de dificuldade de ir ao banheiro, que ele diz que Deus controla a sua
evacuação, outro fenômeno é onde ele começa a observar o seu próprio corpo e ele
percebe que estão nascendo seios e que ele está se transformando em mulher.

Assim ele cria uma palavra para designar esse processo que é a emasculação, e
com essa emasculação, ele começa a perguntar por que está acontecendo comigo? Ele
conclui então, em um determinado dia, que Deus tem essa volúpia pelo corpo dele,
porque Deus está querendo o transformar em uma mulher, e em seguida copular com ele
e dá origem a uma raça. Schreber luta com isso, ele não aceita isso e seu delírio se
desenvolve em torno dessa história. Até o momento que ele decide aceitar, que ele tem
mesmo que se transformar em uma mulher e na verdade isso é uma espécie de operação
de salvação da humanidade.

Então Freud entende que a experiência com a primeira internação vivida pelo
Schreber, foi uma experiência que convocou nele fantasias homossexuais de desejo,
foram experiências que estavam ligadas a importância que o psiquiatra Flechsig teria
exercido sobre ele, e como defesa para essa fantasia homossexual de desejo, ele
estabeleceu uma negação muito forte, uma negação muito intensa e que explicaria não
só do termo paranóico, mas todas as suas variações. Isso foi umas das contribuições
mais importantes de Freud no estudo do caso Schreber.

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Então Freud vem mostrar, que o processo de negação de defesa dessas fantasias,
explicaria uma série de detalhes do caso Schreber. Por exemplo, a informação delirante
ligadas a Deus como um sucedâneo do pai que também mostraria como Schreber estaria
em uma espécie de fantasia de sedução para com o seu pai e em defesa contra isso, ele
vai produzindo uma solução para sua fantasia, que é a sua emasculação se
transformando em mulher.

Sobre o Mecanismo da Paranóia

A doença de Schreber se fixou em torno do complexo paterno sendo um elemento


principal do seu quadro e ainda mais curioso o fato dele ter convertido uma fantasia
homossexual em um delírio de perseguição considerado como caracteristicamente
paranóico.

Segundo Freud (1913/1916) o caráter distintivo da paranóia deve ser procurar


alhures, a saber, na forma específica assumida pelos sintomas; e esperamos descobrir
que esta é determinada, não pela natureza dos próprios complexos, mas pelo mecanismo
mediante o qual os sintomas são formados ou a repressão é ocasionada. Tenderíamos a
dizer que caracteristicamente paranóico na doença foi o fato de o paciente, para repelir
uma fantasia de desejo homossexual, ter reagido precisamente com delírios de
perseguição desta espécie.

Freud também afirma que a paranóia constitui exatamente um distúrbio no qual a


etiologia sexual de maneira alguma é óbvia; longe disso, as características notavelmente
relevantes na origem da paranóia, particularmente entre indivíduos do sexo masculino,
são as humilhações e desconsiderações sociais. Mas, se nos aprofundarmos apenas um
pouco mais no assunto, poderemos perceber que o fator realmente eficaz nessas afrontas
sociais reside na parte que nelas desempenham os componentes homossexuais da vida
emocional. (FREUD, 1913/2020)

Um exemplo que podemos citar onde constitui fato notável que as principais
formas de paranóia conhecidas podem ser todas representadas como contradições da
proposição única ‘eu (um homem) o amo (um homem)’, e que, na verdade, exaurem
todas as maneiras possíveis em que tais contradições poderiam ser formuladas.
(FREUD, 1913/2020)

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“A proposição ‘eu (um homem) o amo’ é contraditada por: (a) Delírios de
perseguição, pois eles ruidosamente asseveram (...) ‘Eu não o amo - Eu o odeio.
’ Esta contradição, que deve ter sido enunciada assim no inconsciente, não pode,
contudo, tornar-se consciente para um paranóico sob essa forma. O mecanismo
de formação de sintomas na paranóia exige que as percepções internas -
sentimentos
- sejam substituídas por percepções externas. Conseqüentemente, a proposição
‘eu o odeio’ transforma-se, por projeção, em outra: ‘Ele me odeia (persegue), o
que me desculpará por odiá-lo. ’ E, assim, o sentimento inconsciente compulsivo
surge como se fosse a conseqüência de uma percepção externa: ‘Eu não o amo -
eu o odeio, porque ELE ME PERSEGUE. ’ A observação não deixa lugar para
dúvidas de que o perseguidor é alguém que foi outrora amado.” (
FREUD,1913/2002,p.71)

Considerações Finais

O caso Schreber, também conhecido como o "caso do Juiz Schreber", é um estudo


de caso icônico na história da psiquiatria e da psicanálise. Analisado por renomados
estudiosos, como Sigmund Freud, o caso oferece uma oportunidade única para explorar
os transtornos psicóticos e a complexidade da mente humana.

Ao revisar o caso Schreber, fica evidente a gravidade do transtorno psicótico que


ele experimentou. Suas crenças delirantes e alucinações revelam um mundo interno
turbulento e uma desconexão com a realidade. O relato detalhado de Schreber em suas
memórias oferece uma visão valiosa sobre sua experiência subjetiva e as forças que
moldaram seus sintomas.

A interpretação de Freud sobre o caso Schreber enfatiza os conflitos psicossexuais


reprimidos e os desejos inconscientes como as forças motrizes por trás da psicose. A
teoria de Freud oferece uma perspectiva psicodinâmica que explora a influência de
eventos passados e relações interpessoais na formação dos sintomas psicóticos.

É importante ressaltar que o caso Schreber não deve ser considerado como uma
representação universal dos transtornos psicóticos. Cada indivíduo enfrenta uma
combinação única de fatores biológicos, psicológicos e sociais que contribuem para a
manifestação e a gravidade de sua condição.

No entanto, o estudo do caso Schreber continua sendo relevante e influente na


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compreensão dos transtornos mentais. Ele destaca a necessidade de uma abordagem
multidimensional que leve em consideração fatores biológicos, psicológicos e sociais na
compreensão e no tratamento dos transtornos psicóticos.

Em conclusão, o caso Schreber desempenhou um papel significativo no avanço da


psiquiatria e da psicanálise. Ele oferece insights valiosos sobre a psicopatologia e a
natureza complexa da mente humana. Ao revisar o caso, é fundamental reconhecer sua
singularidade e considerar uma abordagem integrada na compreensão dos transtornos
mentais em geral.

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Referências

FREUD, S. O caso Schreber, artigos sobre técnica e outros trabalhos. Vol. XII - Rio
de Janeiro: Standard Brasileiro das Obras Completas de Sigmund Freud, 1911-1913.

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