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A Centralidade Da Eucaristia Na Vida Da Igreja
A Centralidade Da Eucaristia Na Vida Da Igreja
No dia 17 de Abril, durante a Missa in Coena Domini, o Santo Padre João Paulo II assinou a
Carta Encíclica Ecclesia de Eucharistia (EE), sobre o sacramento da Eucaristia na sua
relação com a Igreja. Trata-se de um documento de grande relevância eclesial, tanto pela
importância como pela urgente actualidade do seu rico conteúdo doutrinal e pastoral. Ele
deve ser considerado como um novo dom do Papa à Igreja, nos alvores do novo milénio, no
25º aniversário do seu fecundo Pontificado.
Esta nova Encíclica oferece excelentes pontos de reflexão e orientações seguras para quem
quiser aprofundar melhor e viver com intensidade cada vez maior o Mysterium fidei, que nos
foi deixado pelo Senhor como o seu testamento mais precioso.
A Eucaristia é a presença salvífica de Cristo morto e ressuscitado, no meio do seu povo. Ele
quis permanecer connosco, de modo especial, no sacramento eucarístico. Precisamente por
este motivo, a Eucaristia ocupa um lugar central na vida do novo povo messiânico. É esta
centralidade que a Encíclica Ecclesia de Eucharistia realça com vigor. Como sacramento por
excelência do mistério pascal, nela lê-se: "A Eucaristia... está colocada no centro da vida
eclesial" (n. 3); e ainda: "A Eucaristia é o centro e o vértice da vida da Igreja" (n. 31). Isto
significa que "a Eucaristia edifica a Igreja e [que] a Igreja faz a Eucaristia" (n. 26).
A centralidade do sacramento do altar na vida da Igreja explica a primorosa atenção que ela
reservou ao sacramento eucarístico. Recordamos, por exemplo, os Decretos doutrinais
tridentinos a este propósito que, nos séculos seguintes, orientaram a reflexão teológica e a
catequese, e que permanecem ainda hoje como um válido ponto de referência dogmático no
campo da renovação e do crescimento dos fiéis na devoção à Eucaristia (cf. n. 9). Numa era
mais próxima de nós, devem ser mencionadas as três grandes Encíclicas eucarísticas: a
Mirae caritatis, de Leão XIII; a Mediator Dei, de Pio XII; e a Mysterium fidei, de Paulo VI.
Em seguida, o conteúdo das mesmas confluíram nos documentos do Concílio Vaticano II,
sobretudo na Lumen gentium e na Sacrosanctum concilium
É neste contexto que se insere o magistério eucarístico do actual Sumo Pontífice. Já nos
primeiros anos do seu ministério petrino ele tinha tratado, na Carta Apostólica Dominicae
coenae, de 24 de Fevereiro de 1980, alguns aspectos do Mistério eucarístico e da sua
influência na vida dos seus ministros. Na presente Encíclica, ele retoma a orientação daquele
discurso, para esclarecer alguns pontos e dissipar certas dúvidas que, aqui e ali, surgiram a
respeito do Mistério eucarístico.
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Não há dúvida de que, hoje, existem muitos sinais positivos de fé e de amor à Eucaristia.
Com efeito, sente-se uma participação mais consciente e mais activa dos fiéis na celebração
da Eucaristia, fruto da reforma litúrgica promovida pelo Concílio Vaticano II; um espaço
diário cada vez maior, reservado à adoração eucarística; e um crescente número de
participantes na procissão eucarística do Corpus Domini que faz dela, em cada ano, uma
emocionante profissão pública de amor a Jesus eucarístico.
Mas é necessário admitir que, "ao lado destas luzes, não faltam sombras, infelizmente" (n.
10). E entre elas, o Papa realça sobretudo as seguintes: um progressivo abandono, nalguns
lugares, do culto de adoração eucarística; certos abusos, nalguns contextos, que contribuem
para deformar a autêntica doutrina católica sobre a Eucaristia; às vezes, uma compreensão
muito reduzida do Mistério eucarístico, que tende a despojá-lo do seu valor sacrifical
intrínseco, considerando-o mais como um simples convívio fraternal. Acrescente-se,
além disso, um certo obscurecimento sobre a natureza e a necessidade do sacerdócio
ministerial. Por fim, nalguns contextos eclesiais não faltam iniciativas ecuménicas que,
"embora sejam bem intencionadas, levam a práticas na Eucaristia, contrárias à disciplina que
serve à Igreja para exprimir a sua fé" (n. 10).
Pois bem, a finalidade directa e imediata desta nova Encíclica consiste precisamente em
"contribuir eficazmente para dissipar as sombras de doutrinas e práticas inaceitáveis, a fim de
que a Eucaristia continue a resplandecer em todo o fulgor do seu mistério" (n. 10).
A Eucaristia de que fala a Ecclesia de Eucharistia é, obviamente, considerada nos seus dois
aspectos fundamentais de sacrifício e de convite que, de resto, são absolutamente
inseparáveis, porque pertencem à própria natureza da Eucaristia. Ela é um sacrifício convival
ou, se preferirmos, um convite sacrifical. Por sua natureza, a Eucaristia é Ceia e Cruz, Mesa
e Altar. Altar que é Mesa, Mesa que é Altar. Separar estes dois elementos, para ignorar ou
subestimar um ou outro, seria deformar completamente o Mistério eucarístico. O Catecismo
da Igreja Católica recorda-no-lo, quando diz: "A Missa é, ao mesmo tempo e
inseparavelmente, o memorial sacrifical em que se perpetuam o sacrifício da Cruz e o
banquete sagrado da Comunhão, no Corpo e Sangue do Senhor" (C.I.C., n. 1382). É o que
afirma também o Papa, na Encíclica, quando observa que Jesus "não se limitou a afirmar que
o que lhes dava de comer e de beber era o seu corpo e o seu sangue, mas exprimiu também o
seu valor sacrifical, tornando sacramentalmente presente o seu sacrifício que, algumas
horas depois [da Ceia], realizaria na cruz, pela salvação de todos" (n. 12).
A Eucaristia, sacrifício e convite, é o que de mais precioso a Igreja pode ter no seu caminho
como peregrina no tempo e na história; é a dádiva mais inestimável, "dom por excelência,
porque dom dele mesmo [do Senhor], da sua Pessoa na humanidade sagrada e também da sua
obra de salvação" (n. 11), porque é "fonte e ápice da vida cristã" (Lumen gentium, 11; cf.
Ecclesia de Eucharistia, 1).
Com efeito, a Eucaristia é o manancial de todas as graças concedidas por Deus. É verdade
que todos os sacramentos, como actos de culto santificadores de Cristo e da Igreja, são fontes
inesgotáveis de graça para quantos se aproximam dela com fé. Mas é também verdade que a
Eucaristia é a fonte de toda a graça, uma vez que cada graça, na presente economia da
salvação, tem sempre uma relação explícita ou implícita com a Eucaristia. É o que diz
expressamente São Tomás de Aquino, o maior teólogo e apaixonado cantor de Jesus
eucarístico: (cf. Ecclesia de Eucharistia, 62): "Nec aliquis habet gratiam ante susceptionem
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huius sacramenti nisi ex aliquali voto ipsius" (Summ. Theol., III, q. 79, a. 1., ad 1). Este voto
está contido na recepção dos outros sacramentos, que estão orientados para a Eucaristia como
para a sua finalidade. Portanto, na actual economia da salvação, pode dizer-se que cada graça
é cristã, sacramental e eucarística, enquanto tem uma relação, pelo menos implícita, com
Cristo, com os sacramentos e com a Eucaristia, verdadeiro centro de gravitação do novo
Povo messiânico.
E a Eucaristia é a fonte de toda a graça, porque nela "está contido todo o bem espiritual da
Igreja, isto é, o próprio Cristo, nossa Páscoa e Pão vivo que, por sua carne e sob a acção do
Espírito Santo, dá vida aos homens" (Presbiterorum ordinis, 5; Ecclesia de Eucharistia, 1).
Ou seja, Aquele que é o próprio autor da graça; Aquele que é "cheio de amor e de fidelidade"
(Jo 1, 14); em síntese, Aquele que é a graça fontal.
Exprimindo-se assim, o texto não faz senão retomar e realçar o pensamento do Concílio,
segundo o qual, "o sacramento do pão eucarístico representa e realiza a unidade dos fiéis, que
constituem um só corpo em Cristo" (Lumen gentium, 3; Ecclesia de Eucharistia, 21; cf. 1
Cor 10, 17).
Por conseguinte, a Eucaristia é o sacramento da koinonia cristã, o "sacramentum unitatis",
como é definida pelo Doutor Angélico (Supplementum, q. 71, a. 9).
A última Ceia, de que a Eucaristia não é senão a sua ritualização no tempo, realizou-se
certamente num clima de unidade, de uma íntima comunhão de amor. Isto emerge de maneira
clarividente das circunstâncias em que ela aconteceu, mas também das palavras e dos gestos
de Jesus naquela solene circunstância: o grande desejo de comer com os seus discípulos o
cordeiro pascal antes da paixão, o exemplo de humildade e de caridade, dado com o lava-pés,
a oração da unidade pelos seus discípulos e por quantos haviam de acreditar nele... Tudo isto
exprime a vontade de Cristo, que essa sua última Ceia fosse animada e vivificada por um
amor sincero, por uma íntima união dos corações. A gravidade do pecado de Judas consistiu
precisamente no facto de que, atraiçoando Jesus, se afastou não apenas do Messias, mas
inclusivamente da comunhão de todo o povo messiânico e exactamente no momento em
que ela estava para se tornar definitiva.
O clima da última Ceia deve ser também a atmosfera própria de cada celebração eucarística.
Com efeito, a última Ceia foi a primeira Eucaristia cristã. Na realidade, a Igreja somente
repetiu, de geração em geração, fiel ao mandato recebido: "Fazei isto em memória de mim",
através do ministério sacerdotal, aquilo que aconteceu no Cenáculo (cf.Ecclesia de
Eucharistia, 5). E, repetindo-o, torna-o presente, de maneira misteriosa mas real, a fim de
que todos possam participar.
De modo mais específico, a Eucaristia é fonte da unidade dos cristãos, porque nela tal
unidade é não apenas representada, mas produzida (cf. n. 21). Ela é o seu princípio e a sua
raiz. A Igreja é uma só, porque uma só é a Eucaristia. São Paulo é mais explícito do que
nunca a este propósito. Escrevendo aos fiéis de Corinto, ele diz: "O pão que partimos, não é
comunhão com o corpo de Cristo? E como há um único pão, nós, embora sendo muitos,
somos um só corpo, pois todos participamos deste único pão" (1 Cor 10, 16-17).
Antes de deixar este mundo, Jesus Cristo rezou ao Pai pela unidade de todos os seus
discípulos (cf. Jo 17, 21). Isto realiza-se plenamente na Eucaristia. As primeiras
comunidades cristãs tinham "um só coração e uma só alma", porque participavam no
"banquete do Senhor" (1 Cor 10, 21) e na "fracção do pão" (Act 2, 42; Ecclesia de
Eucharistia, 3).
4. Um banquete de agradecimento
Pois bem, a páscoa do êxodo era um mistério que empenhava todos os filhos de Israel, que se
reuniam para recordar a sua libertação da escravidão do Egipto e agradecer ao Senhor o dom
da liberdade. Na Haggadhah ("narração", cerimónia hebraica para a celebração da noite de
Páscoa), introduzindo o cântico do Hallel, diz-se: "Em todas as gerações, cada um tem o
dever de se considerar como se ele mesmo tivesse saído do Egipto... porque o Santo bendito
seja Ele! não libertou apenas os nossos pais, mas libertou-nos também a nós, juntamente com
eles. Por conseguinte, temos o dever de dar graças, louvar, celebrar, glorificar, exaltar,
engrandecer... aquele que, por nós e pelos nossos pais, realizou todos estes prodígios, que nos
tirou da escravidão para a liberdade, do jugo para a redenção, do sofrimento para a alegria,
do luto para a festa, das trevas para a maravilhosa luz. Portanto, digamos diante dele:
Aleluia!" (Haggadhah, 34, 40).
Portanto, a alegria, o louvor e a acção de graças pelo dom da libertação eram as notas
características da páscoa hebraica. Elas são também, num contexto totalmente novo, os
sentimentos próprios da páscoa cristã, a começar pela páscoa celebrada por Jesus, em
companhia dos seus discípulos reunidos no Cenáculo.
Com efeito, como realçaram as narrações da instituição da Eucaristia, Jesus "tomou o cálice,
deu graças e entregou-lho" (Mc 14, 23).
O motivo pelo qual Jesus, nessa hora solene (cf. Jo 7, 30), rende graças ao Pai, é claro: a
redenção daqueles que lhe tinham sido confiados por Ele, o dom da salvação messiânica,
predita pelos profetas, finalmente e de maneira definitiva, e concedida à humanidade.
Portanto, ele dá graças porque já aconteceu aquilo que se esperava, porque se realizou aquilo
que tinha sido prometido, porque se consumou aquilo que foi prefigurado no Antigo
Testamento. Os últimos tempos, de plenitude, de graça e de intimidade divina, já começaram.
A história humana foi renovada radicalmente. Começou um novo mundo, assinalado de
maneira profunda pela presença nele do Verbo de Deus encarnado. Por tudo isto, Jesus dá
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graças na última Ceia, que foi a primeira celebração eucarística (cf. Ecclesia de Eucharistia,
2).
E ainda hoje esta é a Eucaristia celebrada, ao longo dos séculos, nas Igrejas das comunidades
cristãs. Como ritualização da última Ceia, ela é essencialmente um banquete de alegria e de
acção de graças ao Senhor, pelo dom da libertação da escravidão do pecado. É a própria
liturgia que realça com vigor este aspecto fundamental da Eucaristia. O celebrante convida os
fiéis para "dar graças ao Senhor, nosso Deus"; "É verdeiramente bom e justo, nosso dever e
fonte de salvação, dar-vos graças sempre e em toda a parte a Vós, ó Senhor, Pai Santo, Deus
omnipotente e eterno..." (Missal Romano).
É todo o novo povo de Deus que, no amor, se reúne para dar graças, com alegria íntima e
irrefreável, pelo esperado acontecimento da redenção messiânica. E fazendo assim, ele
prolonga no tempo e na história a acção de graças de Cristo na última Ceia, com os
seus discípulos "priusquam pateretur".
Aquilo que dissemos até agora realça a relação íntima, profunda e inseparável entre a
Eucaristia e a Igreja. A primeira é verdadeiramente o centro vital e dinâmico da segunda. É o
seu próprio "coração". Sim, a Igreja tem um coração, que é essencialmente eucarístico.
Como memorial da Páscoa de Cristo, a Eucaristia faz parte da sua vida e pertence à sua
própria identidade. Verdadeiramente, "a Eucaristia edifica a Igreja, e a Igreja faz a
Eucaristia" (Ecclesia de Eucharistia, 26).
Eis o Mysterium fidei, que a Comunidade eclesial é chamada a viver com renovado impulso,
no alvorecer do novo milénio, de modo cada vez mais consciente de que ele é o maior
tesouro da Igreja, porque nele possui tudo: o sacrifício redentor de Cristo, a sua ressurreição,
o dom do Espírito; porque nele, sob a forma das humildes espécies eucarísticas, é o próprio
Cristo que caminha com a sua Esposa, ainda peregrina sobre a terra, iluminando-a e
tornando-a testemunha de esperança inabalável para os seus filhos e para o mundo inteiro;
porque ele é o penhor da meta a que todo o homem aspira, mesmo de maneira inconsciente
(cf. Ecclesia de Eucharistia, 59 e 62): com efeito, a Eucaristia tem uma dimensão
essencialmente escatológica, realçada com vigor pela Encíclica.
Para viver o mistério da Eucaristia com profundidade e intensidade cada vez maiores, o
Sumo Pontífice convida-nos a pormo-nos na "escola dos Santos, grandes intérpretes da
verdadeira piedade eucarística. Neles, a Teologia da Eucaristia adquire todo o esplendor da
vida, "contagiando-nos" e, por assim dizer, "aquecendo-nos"". Mas o Papa convida-nos
sobretudo a pormo-nos "à escuta de Maria Santíssima, em quem o mistério eucarístico
aparece, mais do que em qualquer outra pessoa, como mistério de luz. Olhando para Ela,
conhecemos a força transformadora da Eucaristia" (Ibid., n. 62), que não é senão a força
transformadora e renovadora daquele que veio "para renovar todas as coisas".
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