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A FINEP, o Seguro Garantia e a busca de financiamento para o

Desenvolvimento Tecnológico
(em coautoria com Gabriel Rapoport Furtado)

Nota Bene – Janeiro de 2016

Todos os Estados de países relevantes na competição intra-sistêmica no


capitalismo contemporâneo devem cumprir pelo menos duas funções para as
empresas às quais servem de base de apoio: a oferta e estabilização de crédito
(função Keynesiana) e a construção de um sistema nacional de inovação
tecnológica (função Schumpeteriana). A variedade de formas que os diversos
Estados alcançam é notável, com alguns países apresentando (em cada uma das
funções) maior ou menor espaço para a atuação do Estado como produtor direto
de tais bens (atuação do Estado NA economia, por participação ou direção) ou
como normatizador dos objetivos e instrumentos econômicos utilizados (atuação
do Estado SOBRE a economia, por direção ou indução). China, Estados Unidos,
França, Coreia do Sul, Suécia, Israel, Alemanha ou Japão, todos, em verdade,
apresentam formas jurídicas híbridas, misturadas, resultado de suas trajetórias
passadas e de seu notável pragmatismo, capaz de praticar
Keynes-schumpeterianismo dentro de casa, ao mesmo tempo em que o
criminalizam do lado de fora, como maneira de impedir o surgimento de novas
plataformas de conhecimento, produção e distribuição que possam vir a tornar-se
concorrentes em escala global e, assim, diminuir a apropriação da renda mundial
hoje capturada pelo núcleo orgânico do sistema.

Nessa perspectiva, nada tem de diferente a experiência brasileira, que organizou


constitucionalmente um aparato jurídico para dar cabo dessas duas funções,
acrescendo a elas outras tantas tarefas, diretamente vinculadas à luta pela
superação do subdesenvolvimento brasileiro, o qual remete à necessidade de
distribuição de renda e asseguramento de direitos básicos, além de uma
necessária política cultural que desconstrua séculos de colonialismo mental
gerador de, simultaneamente, sentimentos de inferioridade, baixa produtividade
em alta tecnologia e consequentemente o reforço da situação de consumidor
global de produtos de intensa agregação cognitiva.

É nesse contexto que deveria ser lida a iniciativa da Financiadora de Estudos e


Projetos – FINEP em introduzir, em seu estoque de garantias aceitáveis para
financiamentos por ela concedidos, do seguro garantia, visando a consolidar uma
alternativa às fianças bancárias. Quando se trata do negócio jurídico da fiança, o
financiador do projeto de desenvolvimento tecnológico deve analisar
concentradamente a capacidade econômico-financeira da empresa contratante,
sua possibilidade de realizar o pagamento em caso de inadimplemento da
obrigação principal. Em razão de determinação advinda dos Acordos de Basiléia
(vertidos a estabelecer exigências mínimas para a mitigação dos riscos
relacionados à atividade bancária), operações que envolvam a contratação de
cartas de fiança são computadas dentro tanto do limite operacional dos bancos
quanto do limite de crédito da empresa, e, portanto, restringem a realização de
outras operações pela instituição. Dessa maneira, maior ainda deve ser o cuidado
com operações cuja garantia seja a uma fiança, dado que passa a tratar-se,
verdadeiramente, de “bens rivais”: escolher uma operação mal garantida é não
escolher outra, que poderia ser bem garantida, pois o cobertor está mais curto.

O seguro garantia, regulado pela Superintendência de Seguros Privados –


SUSEP é definido como “o seguro que objetiva garantir o fiel cumprimento das
obrigações assumidas pelo tomador perante o segurado no contrato principal”,
pelo que não tomaria limite de crédito junto ao financiador ou afetaria sua
disponibilidade de concessão de capital de giro. A concessão do seguro garantia,
em teoria, envolve a análise de elementos mais amplos do que a mera
capacidade econômico-financeira, agregando a solidez e concretude do seu
Plano de Negócios, a viabilidade da operação segurada, o histórico da empresa
com outros financiamentos; trata-se, em suma, de modalidade de garantia mais
aberta ao risco e à capacidade do empreendedor financiado. Outra fonte de
distinção diz com os preços praticados, que podem, no caso da utilização do
seguro garantia, serem diminuídos em até 40%, se continuarem a ser praticados
os preços históricos no Brasil.

A consequência esperada pelos mentores da medida é a diminuição do custo dos


financiamentos concedidos pela entidade, a ampliação do público apto a receber
os aporte, o estímulo do potencial inovador e empreendedor de pequenas e
médias empresas nacionais e, como passo último, o adensamento da capacidade
de produção de inovação tecnológica, melhorando a posição das empresas
brasileiras na captura da renda nacional e mundial.

Os idealizadores da medida estão imbuídos das palavras que hoje orientam a


FINEP: “transformar o Brasil por meio da inovação”. Resta saber, já tendo
aproximadamente um ano a vigência da proposta, qual seu impacto concreto, sua
eficácia social: quantos novos financiamentos utilizaram o seguro garantia? Qual
a percepção dos diversos atores sobre o instrumento? Quais os resultados
concretos que se espera de cada projeto financiado e como o instrumento
garantidor impactou na execução concreta do projeto?
Tais perguntas devem orientar a política pública no momento seguinte à sua
concepção, organização e execução, isto é, na fase de sua avaliação, que
precede nova concepção. A resposta a tais perguntas pode ser positiva, e os
mentores da política ficarão satisfeitos; a resposta pode ser negativa, e sua
alegria diminuirá. Só não pode deixar de haver resposta, porque, nesse caso,
insistimos em um rota errada, de cujo erro sequer sabemos.

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