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Copyright © 2022, Joane Silva

Silva, Joane

A HERDEIRA INESPERADA DO VIÚVO

1ª Ed.

Brasília - DF, 2022

Esta obra segue as regras da Nova Ortografia da Língua


Portuguesa. Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer


forma ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de

processos xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de

seu editor.

A violação de direitos autorais é crime previsto na lei nº. 9.610,

de 19 de fevereiro de 1998.

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor, qualquer

semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência. Todos os

direitos desta edição reservados pela autora.


AVISOS

Este livro possui linguagem crua e cenas de teor sexual. Não

recomendado para menores de 18 anos.


SINOPSE
Sem saber, o viúvo frio e solitário engravidou a irmã do seu

melhor amigo.

Após perder a mulher que amava, Daniel Fonseca fecha o

coração para quaisquer sentimentos. Agora sua vida é o trabalho e ele se


sente bem dessa forma, mas algo inesperado acontece e o faz mudar todos

os seus planos.

Em uma noite fora de controle, o empresário dorme com uma

desconhecida e acorda sozinho na manhã seguinte. Cheio de culpa por


acreditar que traiu a memória da falecida esposa, o viúvo acredita que a

melhor coisa que sua amante misteriosa fez foi partir sem se despedir e sem

dizer seu nome, afinal, ele não pretendia voltar a vê-la, considerando que a
noite que tiveram não foi nada além de um erro.

Anos depois, o homem tem uma surpresa ao ser apresentado

para a irmã mais nova do seu melhor amigo. A jovem não é apenas o
fantasma do passado que nunca deixou seus pensamentos, mas também a

mãe de uma linda menina que tem os olhos iguais aos seus. Quando a

suspeita surge, Daniel sente um misto de ternura pela doce menina e raiva

da sua mãe.
Entre fugir e fazê-la confessar seus erros, Daniel sabe que

qualquer escolha que fizer trará consequências, porque a irmã do seu

melhor amigo não é apenas um erro, ela é a sua maior fraqueza.


EPÍGRAFE

Amar os outros é a única salvação individual que conheço:

ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca.

Clarice Lispector
SUMÁRIO

SUMÁRIO
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
EPÍLOGO
LEIA TAMBÉM
SOBRE A AUTORA
PRÓLOGO

DANIEL
Enquanto a alegria, o agito e a vivacidade das pessoas que me
rodeiam zombam da minha cara, pergunto-me o porquê de ter saído do meu

quarto para vir até esta boate, agindo como um garoto de dezoito anos que
ainda pode se dar ao luxo de apenas se divertir sem se preocupar com a

vida.

Eu realmente não deveria estar aqui, não quando tudo o que

sinto vai de encontro ao que as pessoas procuram em um lugar como este.

Ao terminar de entornar o meu terceiro, ou oitavo, copo de cerveja, sinto-


me ainda mais contrariado por ter decidido vir fazer negócios em São

Paulo, na cidade em que tudo acontece rápido demais e onde ninguém se

importa com um cara que perdeu tudo. Pelo menos, tudo o que era

importante na sua vida.

Por que alguém deveria olhar para mim? Não é como se eu

fosse a pessoa mais sociável do mundo, muito menos um homem que se

importa com outras vidas além da sua vazia e miserável.


A pior parte de tudo isso é sentir olhares femininos sedentos por

um toque, ou apenas o carinho que eu não poderia dar nem mesmo se

quisesse. Na verdade, eu até poderia, mas faz um ano que optei por não

fazer nada que possa despertar qualquer misto de prazer e alegria em mim.

Fiz uma escolha por não merecer ser feliz depois de perder uma parte do
meu coração. Ela se foi, e mesmo que a lógica insista em dizer o contrário,

não consigo deixar de sentir culpa.

Lembro-me como se fosse hoje do dia em que a Karen entrou

em minha vida e tudo mudou para melhor. Eu era um homem rico e


mulherengo que não estava nem um pouco disposto a se aquietar com

alguém. Eu simplesmente gostava de sexo e saía pela cidade comendo a

maior quantidade de bocetas possível. Então uma loira doce entrou na


minha vida e ela nunca mais foi a mesma.

Nós nos conhecemos na casa dos meus tios durante um almoço

em família. Ela estava presente porque era a melhor amiga da minha prima

Antônia, uma amiga que ela mencionou diversas vezes, mas que nunca tive

interesse de conhecer, apesar de ter transado com mais amigas dela do que
poderia contar nos dedos.

Foi naquele almoço que nos conhecemos, que iniciamos uma

conversa e um flerte totalmente descontraído. Desde então, nos tornamos


inseparáveis e eu me apaixonei perdidamente pela primeira e única vez. A

parte do namoro, noivado e casamento foi tão natural que cheguei a

acreditar que o destino havia nos unido.

Uma bobagem, eu sei. Mas realmente pensei que ficaríamos

juntos para sempre.

Para todos que nos viam de perto, e até mesmo de longe, éramos
o casal perfeito e não parecia haver nada que pudesse atrapalhar o amor e a

felicidade que construímos ao longo de dois anos de namoro, mas a vida

logo mostrou que perfeição não existe quando descobri que minha amada

esposa escondia um segredo importante de mim.

Ela nasceu com um problema cardíaco e decidiu que não era


importante me contar a respeito, já que estava lidando bem com a doença há

anos. Aparentemente, minha mulher se enganou, considerando que um dia

se sentiu mal e por causa disso acabei descobrindo o seu grande segredo.

A nossa primeira briga foi motivada pela descoberta, mas a

perdoei no mesmo dia, pois estava tão apaixonado que me sentia incapaz de
ficar afastado da minha mulher durante muito tempo.

Namoramos durante dois anos e fomos morar juntos depois de

um ano de relacionamento. Pedi sua mão em casamento no nosso segundo

aniversário de namoro e depois de alguns meses nos casamos.


Foi um ano de felicidade conjugal, dias em que me senti o

homem mais feliz do mundo, porque sabia que a sorte havia sorrido para

mim. Mudei tanto por causa da Karen que passei a não reconhecer o
homem mulherengo e descompromissado que havia sido antes dela.

Se soubesse que a minha felicidade poderia estar com os dias


contados, eu não teria feito as escolhas que fiz. Eu não teria desejado ser

mais feliz do que já era, pois sinto que foi a minha ambição que tirou tudo o

que me importava no mundo.

Mesmo com as pessoas dizendo que era muito cedo e que nós

dois precisávamos curtir um pouco a sós antes dos filhos, minha esposa e eu

estávamos loucos para termos o nosso primeiro herdeiro. Então nós dois

ignoramos a intromissão das pessoas que nos cercavam e fomos ao médico

para sabermos se o problema cardíaco não seria um risco para a sua vida e

do possível bebê.

Mesmo querendo muito ser pai na época, eu sabia que jamais

tentaria algo se suspeitasse que tudo poderia acabar da forma que acabou.

Mas fomos assegurados de que a minha esposa poderia ter uma gravidez

tranquila e sem riscos para ela ou para o bebê se seguíssemos as

recomendações médicas e ela fizesse o tratamento necessário.


O período de gestação foi mágico para nós dois. A confirmação

da gravidez veio três meses depois do início das tentativas e ficamos tão

felizes que passamos a dedicar todo o tempo livre ao nosso filho. Como

pais bobos de primeira viagem, fizemos cursos, fizemos compras e

decoramos o quarto do bebê com as nossas próprias mãos.

Eu fui a cada consulta, senti cada toque e o amei desde o

primeiro instante.

Lembro-me como se fosse hoje do dia em que ela entrou na sala

de cirurgia para fazer o parto e de como seus olhos estavam brilhando. Ela

deu entrada na maternidade sorrindo para mim e aquele foi o último sorriso
que ganhei da mulher que eu amava. Foi a última vez em que a vi viva.

Eles disseram que a parada cardíaca foi uma fatalidade que

poderia ter acontecido com uma mulher sem quaisquer doenças pré-

existentes, mas nunca pude convencer a minha mente e coração disso. Não
posso seguir em frente sem lembrar que perdi a minha esposa e o meu filho

de uma única vez. Como se fosse um castigo por algo imperdoável que fiz,

não consegui nem mesmo ver o meu bebê com vida.

Eles partiram sem mim e tenho pesadelos quase todos os dias

com a imagem da terra sendo jogada sobre os seus caixões. Sempre que

visito suas lápides, sinto uma pontada de dor tão aguda que o fôlego me
falta. Sempre que vejo pessoas felizes, sinto que estou traindo as suas

memórias pelo simples fato de desejar ser capaz de esquecer do homem

vazio e triste que me tornei por pelo menos alguns minutos.

Então eu me tornei um homem que poucos querem ter por perto


e passei a me dedicar totalmente ao meu trabalho. Antes de conhecer a

Karen, a minha vida era o meu restaurante e as baladas nos finais de

semana. Depois que a amei passei a dividir o meu tempo, mas tudo voltou

ao normal quando a perdi. Não faço nada além de trabalhar e sinto que é

disso que preciso para esquecer que ainda estou vivo e que tenho um

coração que sangra no peito.

Por pensar apenas nos meus restaurantes de comidas típicas

locais, tomei a decisão de expandir meus horizontes e abrir filial em uma

das maiores capitais do país. A escolhida da vez é a capital de São Paulo e,

entre um compromisso e outro, acabei reencontrando o Carlos quando

cheguei na semana passada, um velho amigo que conheci durante os meses

em que morei aqui para fazer uma especialização em comidas japonesas um

ano antes de conhecer a minha esposa. Ele é mais do que um conhecido,

Carlos se tornou o meu amigo mais próximo e isso nunca mudou.

Carlos era aquele que combinava perfeitamente com o meu lado

festeiro e foi ao seu lado que conheci todas as baladas daqui. Nós não
perdemos contato um com o outro depois que voltei para o Espírito Santo, e

foi por isso que aceitei o convite para almoçar com os seus pais assim que

cheguei há alguns dias.

O senhor e a senhora Botelho são pessoas muito gentis que me

trataram como alguém da família todas as vezes em que estivemos juntos.

Ainda não tive a oportunidade de conhecer a irmã adotiva, considerando

que ela nunca está em casa, mas meu amigo fala tanto dela que parece que a
conheço intimamente.

Não que algo na sua personalidade me interesse. Apenas rio das


histórias que o Carlos conta, assim como riria de uma irmã adolescente se

eu tivesse uma.

Mas não é sempre que gosto do Carlos. Agora, por exemplo, o


odeio por ter me feito vir até aqui. Ele sabe da minha história, é esperto o

suficiente para perceber meu estado de espírito sem que eu precise abrir a
boca para dizer alguma coisa, mas hoje tomou para si a missão de tentar me

alegrar.

Eu não só não disse que nada seria capaz de aplacar a sensação

de que a minha alma está sendo rasgada a todo instante há doze meses
como aceitei um dos seus muitos convites para sair. Fiz com a intenção de o
fazer perceber que é inútil continuar tentando me tirar do fundo do poço.
Agora estou aqui sozinho e lambendo as minhas próprias feridas
enquanto bebo. Pelo menos, posso respirar aliviado por ele ter pensado

somente com a cabeça do pau e desapareceu atrás de um rabo de saia cinco


minutos depois de termos chegado.

Por outro lado, estou há uma hora sem sair do lugar. Por mais

que beba, não consigo sentir que estou bêbado o suficiente. Também estou
farto de ignorar olhares cobiçosos de mulheres que não me interessam. É

por isso que opto por manter a minha cabeça baixa, como se tivesse algo
muito interessante para olhar no balcão do bar.

Sinto o momento exato em que a atmosfera muda à minha volta.

Primeiro sinto o cheiro quase cítrico com algo doce, um cheiro que faz os
pelos invisíveis da minha nuca se arrepiarem no mesmo instante. A reação

imediata me faz sentir vontade de levantar a cabeça e encarar a mulher que


acabou de sentar-se na cadeira que estava vazia ao meu lado no balcão do

bar, mas me seguro para não fazer parecer que estou a fim de a conhecer.

Quando termina de se ajeitar ao meu lado, ela fica tão quieta


quanto eu e isso chega a ser reconfortante de certa forma. Sei que é uma

mulher, pois esse perfume bom jamais poderia ser confundido com algo
masculino.
Nós dois passamos vários minutos lado a lado sem nos
movermos, tão quietos que outros poderiam acreditar que não estamos

respirando. Mas chega um momento em que a curiosidade me vence, então


levanto a cabeça de forma discreta e viro o rosto em sua direção.

Sentindo o meu movimento, a mulher também se move e olha

diretamente dentro dos meus olhos. Sou pego de surpresa pela beleza de
uma jovem de pele clara, olhos e cabelos castanhos até onde posso ver no

lugar pouco iluminado.

A moça é realmente linda e eu não poderia deixar de notar,

porque mesmo o meu estado miserável não me deixou cego. O que causa
estranheza é pensar que já vi muitas garotas bonitas como ela e nenhuma

causou qualquer reação em mim. O que realmente chama a minha atenção


são os olhos vermelhos, que denunciam o fato de ela ter acabado de chorar,

e a profunda tristeza que identifico no seu rosto.

Convivo com a dor todos os dias e não desejo o mesmo para


ninguém, mas algo em mim se regozija e se sente aliviado por saber que

não sou o único quebrado em um lugar que apenas pessoas felizes deveriam
frequentar.

— Martino, sirva uma taça de cerveja para mim, por favor — a

mulher pede, sem tirar os olhos de cima de mim.


— Cerveja? Você nunca perde nada tão forte — o barman fala e

me deixa saber que ela é uma frequentadora assídua.

— Eu sei, mas hoje quero algo diferente. — Por alguma razão, a


sua frase soa maliciosa para os meus ouvidos.

— Tudo bem, uma cerveja saindo para a moça mais linda deste
lugar — diz o rapaz paquerador. Sinto vontade de chutar a minha própria
bunda e revirar os olhos como uma criança com tanta besteira.

Quando ficamos sozinhos novamente, ou mais sozinhos que


conseguiríamos ficar em um lugar lotado, seguimos trocando olhares e eu

não sei por que estou fazendo isso. Passei vários minutos me lamentando e
sofrendo para fugir das mulheres, mas agora estou aqui: tornando-me alvo
de uma que parece jovem demais até para estar em uma boate.

— Por que você está me olhando? — ela questiona, quebrando


o silêncio entre nós.

— Acredito que posso fazer a mesma pergunta para você, não

é? — devolvo, encontrando um pouco de diversão no seu narizinho


empinado. A garota parece destruída emocionalmente, mas continua linda e

altiva.

— Você é muito bonito e eu não sou cega. Agora é a sua vez de

responder a minha pergunta — fala, sem desviar o olhar do meu quando o


garçom coloca a sua bebida no balcão.

— Você também é muito linda, mas não estou interessado. —

Estou agindo como um babaca ao falar desta forma quando a garota nem ao
menos demonstrou interesse em mim, mas prefiro me precipitar a ter que

lidar com mal-entendidos mais tarde.

— Quem disse estou interessada? Só para você saber, acabei de

flagrar o meu namorado me traindo com uma das minhas amigas e quero
distância dos homens. Inclusive de você.

— Estava chorando pelo babaca?

O que essa garota está fazendo comigo? De repente, o homem


que foge de conversas fiadas com pessoas estranhas está puxando assunto.

Esse não sou eu.

— Pois é, aqueles dois traidores nem merecem as minhas


lágrimas.

— Eles realmente não merecem — comento, ao pedir mais uma


cerveja.

— Você também não parece estar bem. Retribuirá o meu gesto e

me contará por que parece incapaz de sorrir?


— Hoje é aniversário de um ano da morte da minha esposa e do
meu filho — conto. Não falo sobre isso com muitas pessoas, mas estou

fazendo isso com ela.

Prefiro acreditar que não tem nada de especial com o fato e que
a garota é apenas a pessoa certa no lugar certo para um momento de

desabafo. Talvez eu estivesse precisando disso. Além do mais, duvido que


volte a vê-la depois de hoje.

— Eu sinto muito — diz com sinceridade. A expressão no seu

rosto fica ainda mais triste quando coloca a mão em cima da minha para me
consolar, mas a afasto no mesmo instante, como se o seu toque fosse

venenoso.

Preciso dos seus ouvidos, não do seu consolo.

— Também sinto — declaro, e fico totalmente sem reação

quando a jovem mulher se levanta da cadeira e me abraça pelo pescoço.

Sem saber como reagir, estendo os braços e envolvo a cintura


fina em um abraço tão apertado quanto o que está dando em mim. Pela

primeira vez em um ano, sinto algo aquecer meu coração e meu corpo. São
reações tanto físicas quanto emocionais que não deveriam estar aqui.

Sinto uma vontade quase insuportável de empurrá-la para bem


longe de mim, porque está totalmente errado, mas não consigo fazer isso.
Faço o oposto ao enterrar o nariz no espaço entre o seu pescoço e ombro,
deixando que o seu cheiro penetre minha alma pelo tempo que o alívio que

sinto agora tiver que durar.

Não há nada de romântico e especial acontecendo. Somos


apenas duas almas desesperadas que se esbarraram pelo caminho.

Quando tiro a cabeça do seu pescoço e fito os belos olhos, olhos


que jamais deixaria de reconhecer, o meu coração pulsa mais forte pela

forma sincera como me encara. Mas a desconhecida, cujo nome prefiro não
saber, realmente me surpreende quando segura meu rosto com suas mãos

pequenas e simplesmente me beija.

Reajo de imediato ao jogar minha cabeça para trás e afastar o


seu corpo do meu.

— Você está maluca, menina?

— Eu... pensei que poderíamos distrair um ao outro — afirma.


Ela pelo menos se dá ao trabalho de parecer sem jeito.

— Não podemos. Estou sofrendo pela minha falecida esposa e


você não merece ser usada por mim.

— Eu estou sofrendo pelo chifre e também estaria te usando —


declara, novamente chegando perto de mim.
De repente, a jovem mulher consegue a proeza de fazer com que
eu me sinta tentado. Isso nunca aconteceu e preciso acreditar que não é

sobre ela, mas pela ideia de sentir-me vivo pela primeira vez em muito
tempo, mesmo que a maior parte de mim saiba que não mereço nada disso.

— É melhor você ir embora — digo como um covarde que quer

fugir da tentação e das ideias que a linda desconhecida fez surgir na minha
mente.

A garota mostra que é teimosa quando não só não me obedece,

mas também quando insiste em não me deixar sozinho com a minha


solidão. Então começamos a conversar como pessoas que se conhecem há
mais tempo do que alguns minutos e muito rapidamente passo a me sentir
ligado a ela de alguma forma.

Naturalmente, como aconteceria se a nossa situação fosse outra,


ela se aproxima perigosamente de mim e eu não a afasto. O meu corpo não
tenciona de pavor quando toca no meu peito de maneira distraída, e muito

menos afasto a cabeça quando aproxima a sua e rouba mais um beijo. Um


beijo que correspondo desta vez ao segurar os cabelos da parte de trás da
sua nuca e enfiar a língua na boca macia.

Obviamente, nós dois já estamos bêbados demais para


pensarmos com coerência ou para nos arrependermos de alguma coisa
agora, mas ainda assim termino o beijo quente e pergunto:

— Você tem certeza? — Espero que ela realmente esteja


entendendo todas as implicações por trás do meu questionamento quando
balança a cabeça confirmando.

Um pouco tonto pela bebida alcoólica, pelo seu corpo macio,


boca gostosa e cheiro bom, esqueço-me da dor de outrora e até mesmo do
meu nome quando entrelaço as nossas mãos e a levo para um quarto de

hotel.

Quando me livro de suas roupas e meto na sua boceta sem parar


durante toda a noite, faço sem ter certeza se estou vendo o seu rosto ou o

rosto da minha falecida esposa, mas sou capaz de reconhecer e de me sentir


especialmente excitado pelo som dos seus gemidos. Eu transo com a garota
até não conseguir mais mover o meu corpo sobre a cama e com ela não é
diferente. Só paramos quando encho sua boceta com a minha porra pela

última vez já perto do amanhecer.

Quando o meu corpo tomba suado sobre o colchão, olho para o


teto do quarto de hotel e sorrio com satisfação como há muito tempo não

fazia. Neste momento, sou incapaz de sentir culpa ou de lembrar-me o


porquê de esse ter sido o maior erro da minha vida.
Ao puxar o seu corpo e a abraçar de conchinha, sou levado pela

sensação de que tudo voltou aos eixos, mas o meu mundo realmente desaba
pela manhã quando acordo com a cabeça quase explodindo de tanta dor por
causa da ressaca.

Lutando para abrir os olhos, me sento na cama e levo algum


tempo para entender que estou sozinho em um quarto de hotel cinco
estrelas. Ao afastar o lençol de seda da minha cintura, quase surto quando
percebo que estou pelado. E mesmo se não estivesse, o cheiro de sexo seria
o suficiente para denunciar o fato de eu ter transado ontem à noite.

Então flashs rápidos e confusos começam a pipocar na minha


mente com tanta intensidade que me fazem levantar apressado e desabar de

joelhos com a cabeça enfiada na privada para vomitar até as minhas tripas.
Quanto mais lembranças da madrugada surgem, mais vomito.

De forma patética, começo a chorar desesperadamente por ter

traído a memória da Karen no aniversário da sua morte. Ao sentir que não


tenho nada para colocar para fora, levanto-me novamente e paro na frente
do espelho para lavar o meu rosto, mas mal consigo encarar o meu reflexo.

Cometi um erro muito grande ontem à noite ao me permitir


fraquejar e viver momentos de prazer que não merecia. Queria poder
arrancar o seu cheiro e a sensação do seu toque da minha pele, queria poder
esquecer-me de tudo o que fizemos durante a madrugada. Mesmo que os

meus pensamentos sejam confusos e que esteja tendo apenas flashs da


quantidade obscena de sexo que fiz, sei que jamais poderei esquecer-me
desse erro. Sobretudo, jamais esquecerei do seu rosto.

A mulher que foi minha ontem à noite era apenas um rosto


desconhecido que eu prefiro não voltar a ver, mas não tenho a menor dúvida
de que seria capaz de reconhecê-la em qualquer lugar do planeta e sob
quaisquer circunstâncias.

Como poderia esquecer a causadora do maior erro da minha


vida?
CAPÍTULO 1

MARIA
SEIS ANOS DEPOIS

Quase todos os dias lembro a mim mesma de que devo ser grata

pela vida que tenho e realmente sou na maior parte do tempo, mas tem dias
que o exercício de gratidão falha miseravelmente.

Hoje, por exemplo, é um desses dias. Depois de tantos anos


morando nos Estados Unidos com a minha filha, voltei para o Brasil e já

sinto que minha vida está de cabeça para baixo. Desembarcamos há apenas
duas horas e rapidamente entrei no meu modo habitual de cadela

descabelada, que anda de um lado para o outro sem parar para tomar uma

água.

Sempre que o estresse vem, faço mais um dos meus exercícios


de abrir um pequeno sorriso e lembrar-me que também preciso ser grata

pelo meu trabalho como assessora do Calvin Derek, um dos cantores de pop

rock mais famosos da atualidade. Foi a sua fama que me trouxe de volta

para o meu país depois de longos anos o seguindo pelo mundo.


Com toda a minha vida dentro de caixas e malas, tenho um

apartamento para organizar e uma filha para cuidar. No entanto, estou aqui,

agindo como uma babá, em vez de fazer um trabalho mais sério do que

perseguir um homem de vinte e oito anos que se comporta como se tivesse

quinze.

O pior de tudo é que tenho quase certeza de que a culpa é

minha. Se eu não gostasse tanto do Calvin e se ele não tivesse se tornado

mais do que um mero empregador, eu teria mais pulso firme e não o

deixaria brincar de esconde-esconde comigo quando temos coisas


importantes para resolver. Como, por exemplo, responder perguntas para a

repórter que ele quer conquistar e agendar uma entrevista com a emissora

local para falar da turnê que começará na semana que vem.

— Você tem certeza de que ele não está atendendo o celular? —

pergunto para a Mila, minha assistente e amiga que muitas vezes suporta

minhas crises de estresse. Não que eu desconte nela, mas imagino que deve

ser um saco ser os meus ouvidos o tempo todo.

— Eu já liguei mais de dez vezes, querida — ela fala e me olha

de um jeito que não deixa dúvidas de que está sentindo pena de mim.

No seu lugar também sentiria pena de mim, afinal, tenho uma

filha que precisa da minha atenção neste momento, mas não posso ficar
com ela agora. Tudo porque o idiota do Calvin decidiu se esconder como

uma criança fugindo da mãe.

— Aquele idiota! Você quer apostar quanto que ele saiu

correndo atrás de um rabo de saia? — pergunto para Mila, ao jogar-me no

sofá do escritório que alugamos para o período em que ficaremos aqui no

Brasil.

Aqui será o nosso QG, onde algumas decisões a respeito da

carreira do meu astro serão tomadas. O lugar mostrou-se ideal para ele

quando descobri que ao lado do escritório havia um estúdio de gravação

para os ensaios do Calvin com a banda.

Fora a fuga do cara, tudo a respeito da nossa vinda para a turnê


no Brasil foi minimamente planejado para que não houvesse erros. Sei disso

porque eu mesma cuidei de todos os detalhes. Na prática, apesar de ser

apenas a assessora de imprensa, cuido de praticamente tudo o que diz

respeito ao homem, embora ele tenha toda uma equipe por trás dos sorrisos

que aparecem na TV e nas fotos que são tiradas por fãs quase todos os dias.

Apesar de ser cansativo, e até mesmo estressante, a depender do

que ele aprontará no dia, Calvin é mais do que justo e me paga não só o que

mereço por cobrir suas merdas, mas muito mais do que qualquer outra

pessoa no meu lugar receberia. Eu sei que nem tudo na vida é sobre
dinheiro, mas a minha origem e o que eu poderia ter me tornado se não

tivesse sido acolhida por pais amorosos aos cinco anos de idade me fazem

dar valor a tudo o que tenho, sobretudo ao dinheiro. Tenho ciência de que
muitas outras meninas deixadas em orfanatos não tiveram a mesma sorte.

— Eu não tenho a menor dúvida de que ele viu uma garota que
chamou sua atenção e foi atrás dela sem pensar que poderia estar nos

deixando como duas idiotas plantadas aqui. — Assim como eu, Mila já está

acostumada com a falta de responsabilidade do Calvin, mas ela tem pouca

paciência, ao contrário de mim.

Aos trinta e cinco anos, dez mais velha do que eu, minha

assistente gosta de dizer que está em uma fase da vida que não tem mais

saco para bobagens. É por isso que não se poupa de falar tudo o que pensa a

respeito do Calvin na cara dele. Ela o enfrenta sem medo de perder o

emprego não só por ser corajosa, mas também por saber que eu jamais

permitiria que Calvin a mandasse ir embora. Não deixaria por não suportar

injustiças e por não conseguir me imaginar sem a minha melhor amiga.

Não que Mila corra algum risco, considerando que o astro do

rock não poderia viver sem suas doses diárias de provocações que deixam a

ruiva maluca.
— Quando aparecer, direi a ele exatamente o que penso sobre o

fato de nunca ter aprendido a pensar com a cabeça de cima, em vez de se

deixar guiar pela cabeça daquele pau gasto. — Mila solta uma gargalhada

pelas minhas palavras e eu a acompanho.

É sempre assim: nós nos estressamos por causa do nosso chefe

irresponsável, porém, lindo e gostoso, mas acabamos rindo do nosso

próprio estresse no final. Fazemos isso por sabermos que é assim há anos e

que nada mudará.

— Por favor, querida, tente ligar mais uma vez — peço, depois

que paro de sorrir como uma doida. — Ela deve estar agoniada esperando
no carro. Eu disse que voltaria dentro de cinco minutos.

Calvin e eu combinamos de virmos do aeroporto até aqui em

carros separados. Ele viria em um carro com a banda e eu viria com a Mila,

minha filha e sua babá em outro veículo. Para a minha surpresa, o homem
não estava aqui quando cheguei há alguns minutos.

Agora a minha bebê está mofando dentro do carro. Aposto que

está fazendo birra com a pobre Nica por estar estranhando o lugar diferente.

Minha filha passou seus cinco anos de vida viajando de um país para outro

constantemente e já deveria ter se acostumado com a rotina, mas ela não se

acostumou.
Tammy só fica bem em lugares novos depois que eu a abraço

por um tempo e explico que não precisa sentir medo. Passo vários minutos

mostrando fotos dos mais belos pontos turísticos dos países por onde

passamos para a pequena. Antes de seguirmos para o próximo, a levo para

passear nos lugares que mais chamam sua atenção por fotos.

Desta vez não estou com ela quando mais precisa de mim e a

vontade que sinto agora é de matar o maldito Calvin por ser tão

irresponsável. Ele diz que ama a minha filha, mas não é isso que parece

quando me mantém longe dela por causa das suas bobagens.

No fundo, sei que estou sendo levemente mais dramática do que

deveria com a situação e que tudo isso é para mascarar a pontada de medo

que sinto por estar de volta ao meu país. Estive algumas vezes com os meus

pais e meu querido irmão mais velho nos últimos anos, mas foram visitas

rápidas que me trouxeram a sensação de segurança.

Desta vez, sabendo que a turnê pelo país durará três meses e que

viverei semanas e mais semanas com medo de esbarrar no fantasma do meu

passado, tenho a sensação de que não conseguirei viver em paz, que não

poderei andar pelas ruas sem olhar para trás o tempo todo, esperando que

um homem sem rosto e sem nome surja do nada como um vilão de filmes

de terror para tirar de mim o meu bem mais precioso.


Pelas circunstâncias em que ela foi concebida, mas

principalmente por ser a minha doce menina, Tammy é o ar que eu respiro e

não sei o que seria de mim se a perdesse por alguma razão.

— Por que as mulheres mais lindas da minha vida parecem tão

emburradas? — Calvin entra sorrindo e falando. Quase caio do sofá

quando me levanto em um pulo rápido.

Como se não tivesse feito nada de errado, o filho da puta tem


um sorriso rasgado no seu belo rosto, cujos olhos verdes e cabelos loiros

levam mulheres a cometerem loucuras, mas apenas mulheres que não


sabem que ele não vale o que o gato enterra. Apenas as que não sabem que

Calvin Derek não se aquietaria com uma mulher nem se a sua vida
dependesse disso.

Ele tem todas que deseja... Quer dizer, nem todas. Calvin nunca

teve a Mila, a única mulher que seria capaz de o levar a cometer loucuras
por uma noite de prazer. Diferente das outras, ela é vacinada contra o seu

charme barato. Sim, estou falando da minha assistente e melhor amiga, que
é sete anos mais velha do que ele e o trata como uma criança que gosta de

fazer arte.

Se a minha amiga é um livro aberto para mim a respeito de


quase tudo, ela se fecha como uma ostra quando se trata do nosso chefe e
não faço ideia se a ruiva o despreza ou se o deseja em silêncio. Embora a
curiosidade me mate, procuro não me meter no assunto, porque conheço o

Calvin e sei que ele partiria o coração da Mila dois minutos depois de entrar
na sua calcinha. Seguiria em frente sem considerar o fato de ela ser o meu

braço direito e sua amiga, apesar de ambos negarem.

— É sério, meninas. As caras feias de vocês estão me


assustando. — O que mais quero agora é ir até o homem e socar a sua cara

de pau, mas ele tem a minha pequena Tatá em seus braços e ela está toda
animada com um sorriso rasgado no rosto, enquanto brinca com os seus fios

de cabelos loiros e sedosos.

Ela não deveria estar assustada?

Soube que não teria nenhuma chance contra Calvin quando ele
olhou para a minha filha ainda na maternidade e sorriu para ela. Eu nunca

tinha visto os olhos do meu chefe e amigo brilharem, mas eles se


iluminaram para uma bebê recém-nascida e foi naquele dia que parei de

negar sua aproximação e nos tornamos amigos.

Jamais esquecerei de como ele estendeu a mão para mim e me

tirou daqui quando mais precisei. Calvin estava interessado em mim como
mulher quando nos conhecemos, mas o tempo o fez perceber que
funcionamos melhor como amigos. Apesar de ainda flertar comigo o tempo
todo, o astro do rock aprendeu a ser meu amigo acima de qualquer coisa.

Por o amar, pela gratidão e pelo carinho que demonstra ter pela

minha filha, não consigo ficar brava com o Calvin por muito tempo. É por
isso que ele apronta e sempre aparece com o mesmo sorriso e cara de pau

que rapidamente me fazem esquecer que estava com vontade de o esganar


segundos antes.

— Corte a sua merda, porque ela não funciona com a gente —


Mila começa dando uma bronca e minha filha arregala os olhos. Ela está tão

irritada com Calvin que nem se deu conta de que falou uma palavra feia. É
assim que Tatá se refere aos palavrões.

— Tia Mi, você acabou de falar uma palavra feia — como não

deixa passar nada, a pequena comenta com os olhos arregalados.

— Perdoe a sua tia, princesa. Ela acordou com dor de barriga

hoje, mas o tio Calvin tem um ótimo remédio para fazê-la se sentir bem.

— Está dodói, titia?

— Eu... — A sempre segura Mila está constrangida por causa


de uma criança e mal consegue falar. Por sua vez, Calvin continua

provocando.
— Ela está dodói, mas não é nada sério, pequena. Eu tenho

certeza de que uma injeção fará com que a ruiva se sinta bem.

— Injeção? Eu não gosto de tomar injeção, não é, mãe? Dói um


pouco e sempre choro. — Balanço a cabeça acenando positivamente, mas o

meu coração erra a batida quando penso na bobagem que Calvin falará. Ele
não tem filtro.

— A injeção que aplicarei na sua tia não doerá — ele fala e

pisca para Mila, que fica com o rosto vermelho. Só não sei se é de raiva ou
de constrangimento.

— Leve a Tatá para tomar uma água, por favor? Eu preciso falar
com o Calvin rapidinho — peço, ela balança a cabeça e se aproxima dele.
Meu chefe não tira os olhos dela e muito menos o sorriso sacana do rosto.

Definitivamente, Calvin não tem jeito.

Apaixonada pelo tio Calvin, como gosta de o chamar, minha

menina beija o seu rosto, antes de se jogar nos braços da Mila.

Quando as duas deixam o escritório e ficamos a sós, elimino a


distância entre nós e o encaro de perto.

— Onde você estava? Nós não tínhamos combinado que


viríamos direto para o escritório? — O homem não se abala e continua com
o maldito sorriso. Queria poder abrir sua cabeça para colocar um pouco de

bom senso.

Maria, você está com os nervos à flor da pele. Desde quando as


gracinhas do Calvin te afetam a esse ponto?

— Tive que fazer um desvio. — Essa é toda a justificativa que


Calvin tem.

— Um desvio? Eu apostaria um braço que você não se deu ao

trabalho nem mesmo de sair do carro. Deve ter pegado a aeromoça com
quem estava flertando e transado no banco de trás, enquanto seu motorista

silencioso dava voltas e mais voltas pela cidade. Vai dizer que estou errada?

— Garota, a forma como você me conhece chega a ser bizarra.

— Deveria ser uma coisa boa? Eu realmente te conheço como a

palma da minha mão, mas não sei se gosto muito de tudo o que sei sobre
você.

Isso é mentira, Calvin tem defeitos, mas as suas qualidades são


infinitamente maiores e eu o amo como amo meu irmão.

— Sabia que você fica infinitamente mais gostosa quando está

brava comigo? — ele fala, corta o curto espaço entre os nossos corpos e me
abraça. Eu coloco minhas mãos no seu peito duro e o empurro para longe de
mim. Não estou com paciência para sua tentativa de me ludibriar desta vez.

— Você não conseguirá me distrair, Calvin. Só decidimos

passar aqui porque você tinha que responder algumas perguntas para aquela
repórter chata de celebridades. Uma entrevista que você insistiu em

conceder por acreditar que assim terá mais chances de conquistar a mulher
sem mover um dedo. Por que não leva seus compromissos a sério?

— Pode me dizer por que está tão estressada? Sei que te fiz

perder dez minutos do seu valioso tempo, mas não precisa agir como se eu
tivesse faltado ao compromisso do ano, porque você sabe que não era.

Remarcarei a bendita entrevista, está bem assim?

— O problema não é esse, Calvin — digo, ao respirar fundo.

— Sei que não é. Você está estranha e quero que me conte o que

te abalou tanto. Nem parece a minha amiga toda controlada de sempre. —


Mais uma vez, ele vem com seus braços de polvo para me abraçar e eu

deixo desta vez.

Talvez eu esteja carente de um abraço amigo, ou um pouco de


conforto de alguém que me conhece tanto quanto me permito ser conhecida.

— Não é nada.
— Tem a ver com o pai da sua filha? Eu sei que você não fala
sobre ele com ninguém, mas imagino que ele mora aqui no Brasil, estou

certo?

Ele faz suposições certeiras por ter me levado para fora do país
quando eu já estava grávida de três meses. Calvin e eu nos conhecemos de

forma inusitada, mas até hoje tenho a sensação de que o encontro foi
preparado pelas mãos do destino. A ajuda providencial que eu estava

precisando naquele momento.

— Como você acabou de dizer, não quero falar sobre ele —

respondo de forma dura, desvencilho-me do seu abraço e caminho em


direção à porta. — Não deixe de ligar para a sua repórter, está bem?

Arrume um pretexto e peça desculpas por ter dado um bolo nela. Irei para
casa arrumar a minha bagunça e mais tarde te ligo para combinarmos os

seus próximos passos.

— Tudo bem, mamãe — ele provoca, ao jogar uma piscadinha

sacana para mim. — Deixe-me saber se estiver precisando de alguma


coisa. Você sabe que sempre estarei aqui.

— Eu sei — afirmo com vontade de chorar, mas engulo o nó na

minha garganta e deixo o escritório.


Após uma viagem curta de dez minutos do escritório para o

prédio, finalmente entro no apartamento com a minha filha. Animada


depois de eu ter passado os dez minutos da viagem falando sobre todas as
belezas que encontraremos no país onde eu nasci, Tatá solta a minha mão e
vai saltitando para explorar todos os cômodos do nosso novo lar.

Aqui será o nosso refúgio pelos próximos três meses. Depois


disso, sairemos do país novamente, então voltarei a me sentir segura para
continuar vivendo a minha vida previsível, mas feliz da forma como eu

havia planejado.

O que quero nas próximas semanas é fazer o meu trabalho e

aproveitar um pouco os meus pais sem me apavorar com a possibilidade de


encontrar-me com o homem sem rosto com quem transei há seis anos. O
desconhecido que saiu da minha vida tão rápido quanto entrou, mas que
deixou sua marca.

Embora ele tenha me dado o meu melhor presente, estou bem


com o fato de não saber nada a respeito da sua identidade. Não espero e não
quero o reencontrar, nunca quis realmente. Com tudo o que há em mim,
prefiro continuar fingindo que não tenho guardada comigo cada lembrança

da forma como me tocou e de como me fez sentir a mulher mais desejada


do mundo. Foi assim... até que ele me chamou pelo nome de outra.

Depois de uma noite intensa de sexo, acordei pela manhã com

uma ressaca terrível e com o corpo cheio de marcas e chupadas causadas


pelo seu toque duro. Mas todas as sensações boas desapareceram quando
me lembrei do exato momento em que começou a implorar pelo nome de
outra mulher enquanto metia na minha boceta.

O que sinto pelo pai desconhecido da minha filha é um misto de


medo de ser encontrada com as lembranças boas que me perseguem quase

todas as noites quando deito minha cabeça no travesseiro. Também sinto


mágoa por ter sido usada. Lembro-me vagamente de ter sugerido isso
quando ainda estávamos no bar, mas não o usei em momento algum.

Eu sabia com quem estava transando, vi o seu rosto e senti o seu


toque, não o toque do meu ex traidor.

Não recebi o mesmo em troca, então decidi sair do quarto sem

me despedir. Não fiz por vingança, mas por vergonha e tenho certeza de que
foi melhor assim, embora saiba que teria agido diferente se passasse pela
minha cabeça que ficaria grávida.
Sinto-me fora do meu juízo sempre que me lembro que estava

tão bêbada que não faço ideia se usamos camisinha uma única vez em
tantas transas. Fui inconsequente e poderia ter saído daquele hotel com
muito mais do que um bebê na barriga.

— Mamãe, aqui é legal. — Meu anjinho volta correndo e abraça


as minhas pernas. Eu estava perdida em devaneio há vários minutos, parada
no meio da sala tomada por caixas e nossas malas, mas ela surgiu e me
puxou de volta. — Meu papai vai gostar de ficar aqui com a gente quando
voltar da longa viagem que está fazendo, não é?

— Sim, meu amor. Ele vai — digo, ao agachar-me e abraçá-la


bem apertado, como se a minha vida dependesse do seu calor. Na verdade,

acho que ela depende.

Quando Tammy cresceu o suficiente para entender que era


diferente das outras crianças que tinham um pai e uma mãe, tive que mentir

para ela e disse que o seu estava fazendo uma longa viagem a trabalho.
Desde então, para o meu completo desespero e sentimento de impotência,
ela tem perguntado pelo pai com mais frequência do que eu gostaria. Está
ficando cada vez mais difícil manter a farsa.

Ela tem cinco anos e o meu coração parte sempre que penso em
partir o seu ao revelar que o seu pai não existe. É nisso que acredito,
considerando que não faço ideia de quem o homem é ou de onde está agora.

Como uma jovem mulher que foi inconsequente o suficiente


para arrastar-se bêbada até um quarto de hotel com um desconhecido
igualmente bêbado, tentei o encontrar assim que descobri que estava

grávida, mas as minhas informações eram tão ridículas que a busca


rapidamente mostrou-se infrutífera.

Recordo-me de ter depositado no barman a minha maior


esperança, mas fiquei frustrada quando ele disse que aquela foi a primeira
vez que o homem apareceu por lá. Quando liguei nos dias seguintes, ouvi
que o meu amante secreto não retornou à casa de shows.

Desde então, vivo com a minha filha como uma mãe solteira,
mas sempre com a impressão de que o fantasma do passado surgirá a
qualquer momento para cobrar por um erro que nós dois cometemos. O meu

lado racional sabe que algo assim não acontecerá, porque o Brasil é grande
demais para que eu esbarre justamente na única pessoa que não desejo
voltar a ver.

Sei que estou sendo egoísta por desejar que ele nunca apareça
na minha frente, mas tudo o que aconteceu e a forma como vivi os últimos
anos me fazem sentir que a Tatá é só minha.
— Por que está chorando, mamãe? — ela pergunta quando se

afasta dos meus braços. Eu não tinha notado as lágrimas.

— Só estou feliz por estar aqui com você — declaro.

— Nunca ficarei longe de você, mamãe. Somos inseparáveis,


lembra do que você me disse?

— Como eu poderia esquecer? — falo, sorrindo entre lágrimas.

É uma mistura de amor com tristeza e impotência por saber que

não poderei dar o pai que ela tanto quer. Mesmo se eu quisesse, não saberia
como.
CAPÍTULO 2

MARIA
Depois de três dias tentando controlar a bagunça no meu novo
lar e lidar com o ânimo exagerado da Tatá, finalmente vi o meu apartamento

habitável e então vim fazer a primeira visita após minha chegada.

Por mais que ame os meus pais tanto quanto amo meu irmão

Carlos, eles moram em casas separadas e eu tive que fazer uma escolha
sobre qual deles visitar primeiro. Os meus pais reclamaram, mas não

consegui deixar de ver primeiro o homem que me fez sentir amada e segura

pela primeira vez quando eu era criança.

Eu tinha apenas cinco anos quando Armando e Sônia foram até

o orfanato onde eu fui deixada por minha mãe biológica, uma mulher que

era viciada em drogas e que me deixou para ser adotada. Quando fiquei
mais velha e senti curiosidade para saber mais acerca do meu passado,

mamãe me contou que a mulher que me colocou no mundo morreu de

overdose quando eu tinha oito anos de idade. A identidade do pai biológico

é um mistério que nunca quis desvendar.


Sônia e Armando, um casal de classe média que já tinha um

filho de quinze anos, decidiu que só um herdeiro não seria o suficiente.

Como não poderiam mais gerar seus próprios filhos por causa de uma

doença que fez Sônia tirar o útero, eles optaram pela adoção. Apesar de

terem ido até o orfanato com a intenção de se candidatarem para adotar um


bebê, eles me contaram que se apaixonaram por mim à primeira vista, assim

como me apaixonei por eles.

Jamais me esquecerei do misto de alegria com apreensão

quando deixei o orfanato segurando as mãos dos meus dois novos pais. Eles
me contaram que tinham outro filho e hoje eu entendo que tive medo de o

meu irmão não gostar de mim, ou que sentisse ciúme por ter que dividir a

atenção dos pais.

O que aconteceu foi o exato oposto. Assim que entrei pela porta

da bela casa dos meus pais pela primeira vez, fui pega nos braços por um

garoto de quinze anos de idade. Ele me abraçou e girou-me no ar com seu

sorriso contagiante. Desde então, Carlos tem sido o meu super-herói.

Embora eu não goste de classificar pessoas e sentimentos, sou

capaz de afirmar sem medo de errar que até o nascimento da minha filha,

Carlos era a minha pessoa favorita no mundo. Hoje, ele ainda continua no

topo dividindo espaço com sua sobrinha.


Enquanto o vejo abraçando a sobrinha na porta do seu

apartamento, da mesma forma que fez comigo quando me viu pela primeira

vez, tenho a sensação de estar revivendo a cena de vinte anos atrás. O meu

peito se enche de amor e eu sei que sempre me sentirei segura enquanto

tiver o meu irmão e melhor amigo na minha vida. Tudo bem que ele pode

ser superprotetor às vezes e que ainda está chateado por eu ter me negado a
dizer quem é o pai da Tatá, mas isso não diminui em nada os meus

sentimentos.

No começo foi difícil esquivar-me das suas perguntas. Como

não queria o decepcionar, optei por não revelar o nome do pai da sua

sobrinha, em vez de o surpreender com a notícia de que na verdade nunca


soube sequer o nome do homem. Meu irmão não me criou para ser essa

pessoa irresponsável e eu prefiro que ele continue acreditando que não sou.

— Eu estava com saudade, titio Carlos — Tatá fala, enquanto

sorri e deixa o rosto do meu irmão todo babado pelos seus beijos molhados.

Apesar de eles não conviverem tanto quanto gostariam, os dois

se adoram e faço questão de fazer chamadas de vídeo para que conversem e

se vejam quase todos os dias. Além do Calvin, meu irmão e meu pai são as

únicas figuras masculinas na vida da minha pequena.


Eu também estava com saudades de você, meu amor — ele

devolve, ao colocá-la novamente no chão. A sapequinha passa pelo Carlos e

corre para a sala, então fica de joelhos e abraça o dócil golden retriever. Ele
mostra o seu cachorro para ela todas as vezes em que fazemos chamadas de

vídeo e a menina é simplesmente apaixonada pelo animal que nunca havia

visto pessoalmente.

Tatá costuma dizer que o animal é seu e meu irmão não ajuda

em nada quando não nega suas palavras.

— Que bom que agora estamos juntos, meu amiguinho. Você é

muito mais bonito do que quando o titio me liga. A gente não vai mais se

separar. — A sua carência escancarada deixa o meu coração um pouco

apertado. Também sinto preocupação e medo de ela se apegar não só ao

cachorro, mas a tudo que há neste país.

Desde o começo o plano é voltar para os Estados Unidos com o

Calvin. A minha vida é lá e não tenho nada para fazer aqui quando os três

meses da turnê terminarem.

Meus pensamentos, que sempre me levam para um estado de

apreensão, fazem o sorriso no meu rosto murchar. Volto a olhar para o meu

irmão que está parado na porta me encarando com curiosidade.

— O que foi? Por que está me olhando desse jeito? — indago.


— Estou me perguntando quando você deixará esse olhar

confuso de lado para abraçar o seu irmão preferido — Carlos brinca, faz

com que um sorriso se abra no meu rosto e me deixa ver que ele continua

sendo o mesmo de sempre.

É simplesmente impossível continuar sendo outra além da

Maria despreocupada e leve quando estou na presença desse homem. É por

isso que deixo tudo o que não seja a minha felicidade por estar na sua frente

de lado e abro um sorriso antes de jogar-me nos seus braços

Assim como fez durante toda a minha vida, o homem me gira

no ar com uma facilidade que faz parecer que peso meio quilo. Sinto-me
levemente tonta quando sou colocada no chão, porém, mais feliz do que me

lembro de ter estado nos últimos anos.

— A gente precisa conversar — Carlos afirma.

— Pela forma como você fala até parece que não nos ligamos

praticamente todos os dias.

— Você sabe que não é a mesma coisa, pequena. Por ligações

você pode mentir para mim quando te pergunto se está tudo bem, mas sei

que não será capaz de fazer o mesmo pessoalmente, pois te conheço como

jamais sonharia em conhecer outra pessoa — declara, ao puxar-me pela

mão como se eu fosse uma menina e levar-me para o sofá.


Seu apartamento é limpo e bonito. Até parece que existe uma

mulher por trás de tudo isso, mas tenho certeza de que não é o caso,

considerando a sua alergia a relacionamentos.

Aos trinta e cinco anos, meu irmão é um solteiro convicto que


sai para pegar mulheres todos os finais de semana e nem pensa em se casar

em algum momento. Apesar de ser um mulherengo, ele é um bom filho e

um bom irmão.

— Por conhecer-me tão bem, você deveria saber que não tem

nada acontecendo e que tudo o que sinto é cansaço da viagem. Além do

mais, sua sobrinha tem mais energia do que cinco crianças juntas —

assevero, deixando de mencionar que o fato de estar no mesmo solo que o

pai da minha filha tem me deixado em um estado constante de tensão.

Não sei os motivos que me levam a sentir-me assim, mas algo

grita na minha cabeça que o homem está mais perto do que imagino.

Alheia a conversa de adultos, Tatá está sentada no chão da sala

brincando com o seu mais novo melhor amigo. Ela é tão carinhosa que sinto

até pena do cachorro que terá que se acostumar com seus beijos e abraços

constantes.

Mas pela forma como abana o rabo e passa a língua na sua

mãozinha, o animal não parece nem um pouco incomodado.


— Se você está dizendo, acreditarei na sua palavra. Agora me

diga se pretende tirar um tempo para aproveitar a companhia da sua família,

ou se precisará passar três meses agindo como babá de um homem adulto.

— Meu irmão, não fale assim. Você sabe que é o meu trabalho

— falo para defender o Calvin, porque só eu posso me irritar com o astro.

— Você é assessora de imprensa, não a mãe dele.

— Ele é uma boa pessoa, Carlos. Tenho certeza de que vocês se

tornarão amigos agora que passarão mais tempo juntos.

— Até parece que o astro do rock seria amigo de um reles

mortal. Não que eu queira isso, já estou bem servido de amigos.

— Você tem amigos? Eu pensei que todas as suas amigas


fossem mulheres — provoco, como a irmã pentelha que sempre fui.

— Tanto tenho que você conhecerá um deles hoje.

— Eu vou? Por quê? — pergunto, levemente alarmada e não


faço ideia do porquê. — Você deveria ter me avisado, porque não vim

arrumada para conhecer ninguém — afirmo, ao passar a mão pelos meus


cabelos. Como se isso fosse transformar-me de gata borralheira a Cinderela

em um piscar de olhos.
Por mais que Carlos e eu sejamos próximos, ele é dez anos mais
velho, então nunca fui amiga dos seus amigos. Não que o seu lado ciumento

fosse permitir de qualquer forma.

— Ele veio do Espírito Santo para São Paulo na semana passada


para passar uns meses e eu aproveitei a ocasião para marcar um almoço

para vocês dois. E você está linda como sempre, minha irmã.

O que está acontecendo aqui? Carlos jamais me apresentaria a


um amigo seu por livre e espontânea vontade.

— Nós dois quem? Seja mais específico. Você tem tantos


amigos.

— Tenho muitos colegas, mas só um melhor amigo que se

chama Daniel Fonseca. Já falei com você a respeito dele várias vezes, não
se lembra?

— Vagamente. Ele não é o chefe de cozinha renomado que

possui restaurantes por todo o Brasil?

— O próprio! Eu iria apresentar vocês dois há seis anos quando

Daniel veio a negócios, mas ele desistiu de abrir o restaurante em São Paulo
e voltou para casa na mesma semana. Em seguida, você foi morar nos

Estados Unidos e a chance de se conhecerem foi perdida.


— Tem certeza de que está bem de saúde? Não estou
entendendo a sua súbita vontade de apresentar-me um dos seus amigos

quando sempre fez ameaças para que ficassem longe de mim.

— Se tivesse tido a chance de conhecer o Daniel, saberia que


ele é diferente — declara, e suas palavras me deixam curiosa.

— Diferente como? Ele sai com duas mulheres por semana?


Realmente é diferente de você, que deve trazer uma por noite para a sua

cama — brinco, ele arqueia a sobrancelha.

— Daniel é um empresário rico e bonito que deve atrair mais


mulheres do que o seu astro do rock idiota, mas também é um viúvo que

nunca superou a perda da esposa. Ele tem todas, mas não quer nenhuma e
eu sinto pena de toda e qualquer mulher que se ilude com a hipótese de

fisgar aquele ali. Isso jamais acontecerá.

De repente, suas palavras me fazem lembrar de outro homem

que estava sofrendo pela perda da mulher que amava.

Eu sempre tive curiosidade a respeito das amizades do meu


irmão, mas é a primeira vez que Carlos diz algo sobre um deles que

realmente chama a minha atenção.

— Como pode ter tanta certeza disso? Não foi você que me
ensinou que o impossível é apenas uma questão de perspectiva?
— O Daniel perdeu a esposa há sete anos, minha irmã. No

entanto, ele permanece tão apaixonado e devoto que parece ter acontecido
na semana passada. Você sabe que esse papo de amor monogâmico não é

para mim, também sabe que não tenho razões para não acreditar nos
sentimentos, porque os vejo de perto através dos nossos pais há trinta e

cinco anos. Mas mesmo se não tivesse os nossos velhos para darem o
exemplo, eu acreditaria que o amor existe por causa do Daniel. Nunca vi
nada igual.

Ainda não conheço o homem, mas a forma como o meu irmão


falou deixou-me tocada e repentinamente ansiosa para saber mais a seu
respeito. Não sou uma pessoa romântica e nem mesmo tive uma grande

paixão aos vinte e cinco anos de idade, mas o amor através de outras
pessoas sempre me comove, embora eu não acredite que algo tão sublime

acontecerá comigo algum dia.

— Tem certeza de que ele virá? — É a primeira coisa que falo

depois de tudo o que meu irmão me contou.

— Tenho. Daniel confirmou, e ele é tão certinho que considera


um crime faltar a um compromisso.

— E quanto ao almoço? Onze horas da manhã e não estou


vendo nenhuma panela no fogo. Não que você seja capaz de descobrir como
ligar um fogão.

— Quando você adquiriu essa boca tão esperta, garota? —

Carlos se aproxima, curva levemente o corpo sobre o meu e então escorrega


seus dedos longos pelas minhas costelas. Os meus olhos crescem e meu

coração dispara, porque não sou capaz de lidar com cócegas.

— Cócegas não!

— Então peça desculpas por esse ataque gratuito aos meus dotes

culinários.

— Por que eu pediria desculpa por falar a verdade? — Não

consigo calar a minha boca quando se trata do Carlos.

— Foi você quem pediu, maninha.

Meu irmão mais velho começa a fazer cócegas em mim e, como

sempre, gargalho e contorço o corpo jogado sobre o sofá. Como não poderia
deixar de ser, a pequena entra na brincadeira e traz companhia. Enquanto

caramelo late e abana o rabo, sou atacada por quatro mãos. Eles só param
quando estou chorando de tanto rir.

Apesar do momento de tortura, sinto-me leve e verdadeiramente

em paz ao lado das duas pessoas mais importantes da minha vida. Quando a
brincadeira termina, Tatá volta a se entreter com seu amigo e eu começa a
contar um pouco a respeito da minha rotina para o meu irmão, apesar de ser
apenas uma repetição, considerando que estamos sempre em contato.

Perto do meio-dia, a moça que ajuda meu irmão nas tarefas de

casa e no preparo das suas refeições chega e se dedica ao almoço. Quando


Carlos sai para comprar algumas bebidas e sobremesas, aproveito para levar

Tammy para tomar banho e se preparar no quarto de hóspedes.

Não é o evento do ano e não me escapou a informação de que


teremos apenas mais um convidado além de nós três, mas, ainda assim,

quero que a minha filha e eu estejamos apresentáveis perante o melhor


amigo do meu irmão. Para receber o título de melhor amigo de Carlos

Botelho, Daniel com certeza deve ser alguém especial.

Visto a minha princesa com um dos seus vestidos floridos


levemente armado e prendo seus cabelos lisos e castanhos em um rabo de

cavalo no alto da cabeça. Ainda animada por causa do cachorro, a criança


escapa de mim para correr atrás dele menos de dois segundos depois de

ouvir que está pronta. Não tenho nem mesmo certeza se ouviu a
recomendação para que se mantenha o mais limpa possível.

Quando chega a minha vez, demoro um tempo maior na ducha


de água morna e tomo cuidado para não molhar os meus cabelos. Aqui no
banheiro não tem um secador e os fios ficariam muito piores do que já estão
se os molhasse e deixasse para secarem naturalmente.

Com uma toalha enrolada no meu corpo, saio do banheiro, pego

a bolsa na cama e tiro a única peça de roupa que trouxe comigo. Como uma
mãe prevenida, sempre saio com peças de roupas reservas para a minha

filha e para mim. Quase nunca é necessário usá-las, mas não dá para saber
quando coisas imprevisíveis acontecerão. Hoje fui surpreendida com um

convidado repentino e especial de alguma forma para o almoço.

Embora eu esteja tentando convencer-me de que não estou

especialmente preocupada com a minha aparência e saiba que o homem


nem mesmo olhará para mim, se sua devoção pela esposa for tão real

quanto Carlos pensa, fico animada por ter colocado um vestido justo, curto
e de um ombro só dentro da minha bolsa.

A peça me deixa especialmente atraente, então aproveito para


completar o visual com cabelos presos em um coque frouxo, maquiagem

leve e brincos de argolas. Para os pés, contento-me com a minha rasteirinha.


Uma que uso com tanta frequência que não faço ideia de como ainda não se
deteriorou.

— Até que você está bem para o melhor amigo do seu irmão —
falo com um sorriso no rosto na frente do espelho.
Como em um filme, o sorriso começa a morrer no meu rosto
quando percebo que esqueci do resto do mundo quando coloquei os meus

pés dentro deste apartamento. Apreensiva, como se fosse descobrir que


minha vida virou de cabeça para baixo, caminho apressada até a cama,
reviro a bolsa e pego meu celular.

Deixo escapar um suspiro de alívio quando vejo que não tem


nenhuma notificação de mensagem ou ligação do Calvin. Aparentemente,
está tudo bem. Não que o seu silêncio me conforte, mas confio na Mila e sei
que ela teria ligado ou enviado um sinal de fumaça se o nosso menino de
ouro estivesse aprontando uma das suas.

Depois que termino de me arrumar, pego o celular e saio do


quarto. Quando chego à sala, sou recebida pelo cheiro maravilhoso de

comida e imediatamente sinto o meu estômago protestando de fome. Sou


acostumada a alimentar-me nos horários mais errados possíveis, mas parece
que o meu corpo sentiu quando cheguei a um lugar mais calmo e com
possibilidade de me fazer mudar um pouco os meus hábitos alimentares

errados.

Entro na cozinha para perguntar se a mulher precisa de alguma


ajuda, mas ela sorri com simpatia e diz que está tudo sob controle. Ao

deixar a cozinha, saio em busca da minha filha e a encontro brincando de


jogar bolinha de papel e esperar que o cachorrinho caramelo a pegue na
varanda.

Apesar do meu aviso, tem uma mancha de terra, provavelmente


da pata do caramelo, no seu vestido florido. Opto por não me importar com
isso, afinal, estamos na casa do seu tio e o nosso convidado é apenas um

homem que não deve ser muito diferente do Calvin. No meu ponto de vista,
os homens são quase todos iguais e só mudam de endereço. Sei como lidar
com cada um deles.

Minha forma de lidar com o sexo oposto é manter-me o mais


distante possível. Apesar de não ter me mantido celibatária depois que
fiquei com o pai da minha filha, tive poucos encontros sexuais nos últimos

anos e nenhum foi memorável o suficiente para demover-me da ideia de não


levar relacionamentos a sério.

Nunca houve uma razão específica para tal escolha. Só sinto

que ainda não conheci um homem capaz de me fazer sentir vontade de


renunciar à minha independência para dividir a vida. Não saí com alguém
que tenha chegado perto de me deixar com vontade de apresentar a minha
filha e tenho a sensação de que essa realidade está longe de mudar. Pelo
menos é o que parece, considerando que todos os homens são iguais para

mim.
Perto de uma da tarde, Carlos entra no apartamento carregando

várias sacolas de mercado nas mãos. Caminho até ele com a intenção de o
ajudar, mas paro como uma estátua de cera quando percebo que ele não está
sozinho.

Um homem de cabelos pretos está parado na porta logo atrás


dele, mas mantém a cabeça baixa e os olhos no celular. Ele ainda não notou
a minha presença, mas eu notei a sua, porque é impossível não sentir o
cheiro bom de perfume masculino. Também é impossível não me sentir
impressionada com a sua altura.

Quando Carlos termina de entrar, o homem moreno o segue.


Ainda de olho no celular e ainda sem notar a presença de qualquer pessoa

ao redor. Meu irmão vai até a cozinha, deposita as sacolas em cima da


bancada americana e volta para perto de mim. Estou parada no mesmo lugar
como se fosse incapaz de me mexer.

As minhas mãos estão levemente suadas e o meu coração


acelerado. Por algum motivo, estou sedenta para que o visitante levante a
cabeça e me deixe olhar em seus olhos. Algo me diz que em poucos
segundos terei uma grande surpresa e não sei mais se o almoço será tão

agradável quanto imaginei que fosse ser.


De uma maneira bizarra, considerando que não vi o seu rosto

ainda, tenho a impressão de que conheço o homem de algum lugar.

— Daniel, sei que é viciado no seu trabalho e que reles mortais


são insignificantes demais para um homem como você, mas a minha irmã

está parada na sua frente e eu gostaria que parasse de olhar para a porra do
celular e prestasse atenção nela. — As palavras do Carlos, que são uma
mistura de sarcasmo com a verdade nua e crua, fazem com que o nosso
visitante finalmente coloque o celular no bolso e erga a cabeça.

Quando Daniel olha diretamente para mim, sinto a força das


minhas pernas me abandonando e agradeço imensamente por ter meu irmão
abraçando-me pelo ombro, pois eu seria capaz de cair dura no meio desta

sala se não fosse por ele.

O sangue gela nas minhas veias e o meu coração dispara tão

rapidamente que não tenho a menor dúvida de que essa é a sensação de


quase morte. Sem piscar ou fugir do seu olhar, percebo que Daniel me olha
da mesma forma e que também não pode esconder a surpresa. O homem
com certeza me reconheceu.

Carlos estava animado com a ideia de nos apresentar, mas isso é


porque ele não sabe que o seu melhor amigo não só me conhece como
também é o pai da minha filha.
É claro que é ele. Eu não poderia esquecer-me desse olhar nem

em um milhão de anos. Dentre todas as pessoas que existem no mundo, o


amigo mais próximo do meu irmão tinha que ser o fantasma do meu
passado?

Agora que ele está na minha frente, percebo que eu não estava
louca e realmente tinha razões para temer pisar em solo brasileiro. Ele me
encontrou rápido demais, embora duvide que estivesse procurando.

— Mamãe, você não vai acreditar no que o caramelo acabou de


fazer...

Sinto o mundo desabar quando Tammy entra correndo na sala e


toma a atenção do Daniel para si. Ele olha para mim e então percebo o
momento exato em que constata a verdade.
CAPÍTULO 3

MARIA
Se a minha atitude não me fizesse parecer uma louca, eu pegaria
minha filha e sairia correndo deste apartamento agora mesmo. Mesmo se eu

não tivesse certeza de que esses olhos são os mesmos que me fitaram com
desejo naquela noite há seis anos, a forma como Daniel está olhando para

minha filha sem piscar não deixa a menor dúvida de que o homem sabe
exatamente quem sou.

Pela forma fria como me encara, apesar de o seu olhar suavizar

sempre que volta a atenção para a pequena, que está parada no meio da sala
o fitando com curiosidade, ele também não está nem um pouco feliz com o

encontro. Eu posso até mesmo sentir as engrenagens do seu cérebro

juntando peças e chegando à conclusões que me colocarão em apuros. De

repente, ainda que ele não tenha nem mesmo aberto a boca, sinto que o meu
maior pesadelo se materializou de maneira repentina bem na minha frente.

— Daniel, meu amigo, como deve estar imaginando, essa garota

é a minha irmã mais nova que você não teve a oportunidade de conhecer,

porque ela escapou antes para os Estados Unidos e levou a minha pequena
espoleta na barriga. — Meu irmão parece muito satisfeito e eu me sinto

mal por deixá-lo aquém do que está acontecendo entre mim e o seu amigo.

Como se estivesse se obrigando a esboçar alguma reação, o

homem, que parece mais bonito do que há mais de seis anos, limpa a

garganta com pigarro, dá dois pequenos passos em minha direção e para


muito próximo de mim. Por motivos que prefiro ignorar, sinto meu corpo

tremer pela proximidade e pelo calor que o seu está emanando.

— É um prazer te conhecer, Maria. O seu irmão fala muito de

você e agora finalmente posso te dar um rosto. — Apesar das palavras


parecerem lisonjeiras, e talvez fossem se tivessem saído da boca de outra

pessoa, o homem faz parecer que não poderia estar mais arrependido de ter

ouvido falar sobre mim.

Comigo não foi diferente, já que o Carlos me fez saber da

existência do seu melhor amigo por anos sem nunca ter falado a respeito do

seu luto prolongado por causa da perda da esposa. Até agora há pouco, meu

irmão não havia mencionado algo a respeito do estado civil dele e não

entendo o motivo.

Até meu irmão mencionar a viuvez do amigo minutos atrás, eu

não me recordava porque o meu amante estava triste naquela noite. Agora

que lembrei e que todas as peças estão se encaixando, sinto-me ainda mais
usada, porque ele com certeza estava vendo o rosto da falecida esposa

enquanto transava comigo. Agora lembro-me claramente de quando o

Daniel disse no bar que era aniversário de um ano da morte dela e eu fui a

sua válvula de escape em um momento de completa vulnerabilidade. Eu

também estava na fossa e completamente bêbada, mas não posso fingir para

mim mesma que não estive com ele e apenas com ele durante toda aquela
madrugada.

Todas as vezes em que as lembranças inoportunas daquela

loucura surgem na minha mente, é esse rosto que vejo com total nitidez. Se

Daniel parecia bonito nas minhas lembranças um pouco pálidas pelo tempo

decorrido e pela quantidade de bebida no meu sangue naquela época, agora


ele é simplesmente perfeito. Tão lindo que poderia perfeitamente ser um

modelo de passarela em vez de empresário de sucesso.

Alto, muito alto. Maxilar forte. Cabelos escuros e olhos

castanhos esverdeados. Ele é lindo.

— Minha irmã, pare de encarar o Daniel. Acho que você está

assustando o nosso convidado — Carlos comenta em tom de brincadeira ao

abraçar-me novamente pelo ombro e acabo acordando para a realidade.

Merda! Por que não posso simplesmente sair correndo daqui e

fingir que esse encontro não aconteceu?


— Perdoe-me, ainda estou um pouco cansada por causa da

viagem e do fuso horário — declaro, meu irmão me olha com uma

sobrancelha arqueada, dizendo-me que eu não poderia ter inventado uma


desculpa mais idiota do que essa.

Por me conhecer como a si mesmo, ele sabe que tem alguma


coisa acontecendo e que estou apenas inventando uma desculpa para minha

distração e a forma estranha como estou agindo na presença do seu amigo

que, em tese, eu não conhecia até poucos segundos atrás. — É um prazer te

conhecer também. Como você já sabe, sou a Maria — apresento-me, ao

estender a mão e sentir o seu aperto firme. O homem me segura por mais

tempo do que deveria e encara-me mais intensamente com os seus olhos

frios.

Farejando o clima estranho, Carlos pigarreia. Daniel solta a

minha mão e dá alguns passos para trás, como se não suportasse ficar muito

perto de mim. Então somos dois, porque tudo que eu queria neste momento

era estar com a minha filha a um oceano de distância deste homem.

Sua atenção desvia de mim e vai para a criança novamente.

Sinto um nó se formando na minha garganta e minha vontade é de abraçar

minha pequena e nunca mais a soltar, apenas para garantir que nem ele e

nem ninguém possa a tirar de mim. Mesmo se ele quisesse, algo assim
jamais aconteceria. Prefiro morrer a pensar em uma realidade em que eu

não esteja presente para Tammy.

Existe a chance de o Daniel não ter notado a semelhança dos

seus olhos com os olhos da minha filha e tudo isso seja apenas criação da

minha cabeça, depois de ter passado tantos anos com medo de ele

simplesmente surgir do nada. Parece que estou me perdendo na minha

mente e não posso me entregar assim.

Eu não vou!

— Mamãe — Tammy me chama, acreditando que está

sussurrando para que apenas eu a escute, mas a realidade é que ela está

falando para que todos os presentes na sala ouçam. — Quem é esse moço

que estava segurando a sua mão? Eu o achei bonito. É mais bonito do que o

tio Calvin, mas o tio Calvin não parece mau e esse homem parece. Ele está

bravo com alguma coisa?

Com o rosto pegando fogo de vergonha, ergo a cabeça

novamente e olho para o Daniel, que está constrangido e deixando claro

pela primeira vez nos poucos minutos em que está aqui que é um ser

humano com sentimentos. Antes do comentário constrangedor da minha

filha, ele parecia tão comedido e imóvel que eu estava começando a me

perguntar se não era um robô.


— Querida, não fale assim dele — obrigo-me a defender o

amigo do meu irmão, tudo em nome da diplomacia. Mas a verdade é que eu

mesma estou pensando como uma criança e acreditando que Daniel é um

homem mau.

Por que ele não fala nada?

— Desculpe, mamãe, eu não queria aborrecer a senhora.

— Querida, você sabe que não me aborrece. Eu só quero que

você se lembre daquilo que a mamãe te falou sobre nunca julgar as pessoas

sem conhecê-las. Tenho certeza de que você conhecerá o amigo do seu tio e

gostará dele — digo, ao curvar o meu corpo e dar um beijo na sua bochecha

gorda e rosada. Carinhosa, Tatá segura os dois lados do meu rosto e deixa

um beijo molhado na minha bochecha.

Depois que sai da minha frente, minha menina educada vai até o

Daniel, joga a cabecinha para trás para conseguir o ver melhor e então

começa a encarar o homem com curiosidade aberta. Daniel não se move e

não sei se continua respirando. Se a forma fria como me olhou ficou

escancarada logo de cara, neste momento não faço ideia do que passa pela

sua cabeça.

— Me desculpa por ter falado mal de você — ela fala com

humildade e o meu peito se enche de orgulho pela criança que criei sozinha,
mas com muito amor e devoção.

— Não precisa pedir desculpas, querida — Daniel parece mais

relaxado quando abre um meio sorriso e se ajoelha para ficar com a cabeça

na altura da minha pequena. — Outras pessoas também pensam que sou

mau, mas elas mudam de ideia quando me conhecem. Espero que você

também mude e se torne minha amiga, princesa. Você quer ser minha

amiga?

— Eu quero, você é amigo do meu tio e ele só é amigo de

pessoas boas, não é, mamãe?

— É claro, querida.

— Você também é muito bonito, Daniel. Os seus olhos são

como os meus — a menina fala com o seu jeito inocente, sem fazer ideia de
que suas palavras são recebidas de maneiras completamente diferentes por

três adultos.

Quando olho para o lado, meu irmão está alternando o olhar


entre mim e seu melhor amigo, mas ele logo balança a cabeça, como se

estivesse querendo eliminar qualquer ideia maluca que surgiu na sua mente.
Mal sabe que talvez não esteja tão errado assim e que a semelhança que a

sobrinha notou não é apenas coincidência.


— Espero que você goste dos seus olhos — o homem fala da
maneira mais leve que consegue por saber que está lidando com uma

criança, mas sou capaz de sentir as vibrações do seu corpo e tenho certeza
de que está se segurando para não se levantar, vir até mim e esganar-me

apenas pela possibilidade de ter perdido cinco anos da vida de uma filha
que ele não sabia da existência. Faria isso sem se questionar se sou culpada

ou inocente da sua perda.

Qualquer pessoa que soubesse que ficamos juntos há seis anos


não teria a menor dúvida acerca da paternidade da Tatá, considerando que

os olhos dos dois são praticamente iguais e com colorações incomuns


demais, do tipo que não se encontram em muitas pessoas. O meu irmão, por

exemplo, está se questionando neste exato momento, mas ele se debate com
a possibilidade por acreditar que não chegamos remotamente perto um do
outro antes de hoje.

— Eu gosto dos meus olhos, Daniel. Eles são diferentes dos


olhos da mamãe, mas acho que pareço com meu papai.

— O seu papai? — o empresário pergunta com interesse ao

erguer rapidamente a atenção para mim e depois voltá-la novamente para a


minha filha.
Fico desejando que um buraco se abra debaixo dos meus pés
para que eu me esconda e nunca mais saia, mas sei que não existe a menor

chance de fuga para essa situação. Era por isso que eu sentia tanto medo de
deparar-me com ele quando colocasse os meus pés no país. Eu sabia que

seria como juntar dois mais dois.

— Sim, papai está viajando. Mas sei que me ama e que um dia
se cansará de trabalhar e ficará um tempo ao meu lado.

Por ironia do destino, Daniel brotou em uma fase que Tatá está
adulta o suficiente para começar a questionar por que nunca viu uma foto

sequer do suposto pai. Nem sei como ela ainda não perguntou.

Merda! Cada palavra sua é um golpe baixo, filha.

Você finalmente está na frente do seu pai, mas não faz ideia do

problema no qual me meti.

— Tenho certeza de que ele te ama, porque é impossível que


alguém não ame uma menininha tão educada e linda como você — Daniel

declara, então Tatá se joga em seus braços e o abraça pelo pescoço.

O gesto da menina o surpreende, mas também surpreende a


mim, pois apesar da minha filha ser uma menina muito doce e bastante

sociável, ela não sai distribuindo abraços, sobretudo em pessoas que acabou
de conhecer. Se fez isso, significa que gostou muito do Daniel.
Era óbvio que ela gostaria dele. Ainda que o homem pareça um

bloco de gelo sempre que o olhar desvia rapidamente para mim, ele ainda é
o seu pai biológico e talvez seja verdade a fala de que o sangue sempre fala

mais alto.

— Você é muito legal, Dan. Ainda bem que eu aprendi com


minha mamãe que não devo julgar as pessoas sem conhecer. Achei que

você fosse mau, mas é tão bom quanto o meu tio Calvin.

— Quem é o tio Calvin? — Já sentindo-se à vontade, como se


não tivesse acabado de conhecer a garota, Daniel se levanta e a pega em

seus braços fortes... Muito fortes.

Toda serelepe com seu novo amigo, a traidora mirim tem um


sorriso de orelha a orelha para o belo homem.

— No começo ele era apenas o chefe da mamãe, mas agora o tio


Calvin também é o nosso amigo, não é mamãe?

— Sim, querida — respondo, e sou premiada com mais um

olhar gelado.

Sei que tudo isso não tem nada a ver comigo e que o homem só

está reagindo por causa de um senso de proteção e responsabilidade com a


filha que ele nem sabia que existia até poucos minutos atrás. Na verdade,

Daniel não tem nem mesmo como ter certeza de que ela é sua.
Olhos idênticos não querem dizer nada, não é mesmo?

— Sabia que o tio Calvin é um cantor muito famoso que pede a

mamãe em casamento quase todos os dias quando nos visita?

Sim, ter uma filha é saber que ela me constrangerá nos

momentos mais inesperados possíveis. Por outro lado, por que eu deveria
me sentir constrangida por ela estar falando dos pedidos de casamento que

o Calvin faz? Obviamente, meu chefe faz apenas para me provocar, mas se
fosse sério o Daniel não teria nada a ver com isso.

— Ele pede? — meu irmão pergunta para colocar lenha na

fogueira e deixar-me ainda mais sem jeito.

— Pede, mas mamãe sempre diz que se casará com ele no dia

em que a galinha ciscar para frente — a resposta da sobrinha faz o Carlos


soltar uma gargalhada. No entanto, seu melhor amigo continua agarrado a

minha filha e olhando-me como se quisesse me trucidar aqui e agora.

Qual o problema desse filho da puta? Ele pensa que é quem?

Acha mesmo que tem o direito de ficar me olhando como se eu


fosse a culpada por todas as desmazelas do mundo?

Até parece que chamei pelo nome de outro homem enquanto


estava transando com ele. Até parece que eu escondi a sua filha de
propósito. Se esse homem tivesse alguma noção de quem sou, ele saberia
que eu jamais esconderia minha filha do próprio pai, não depois de ter sido

deixada em um orfanato. Não depois de ter passado os primeiros anos da


minha vida desejando ter pessoas que me amassem.

— Minha irmã, o que está faltando para você se render ao

charme do seu astro do rock? — Eu sei que Carlos só está dizendo isso para
me provocar. Ele prefere me ver solteira para sempre a pensar em mim com

um homem que troca de mulher como quem troca de cueca.

— Talvez eu me renda — declaro com o intuito de provocar o


Carlos, mas a única coisa que consigo é receber dois pares de olhos me

fitando com irritação.

— Não brinque com isso! Será que podemos parar com essa
conversa? Eu estou morrendo de fome — a fala do meu irmão faz com que

eu respire aliviada por saber que pelo menos por enquanto estarei livre das
tentativas da minha filha de deixar-me em maus lençóis e dos olhares

assassinos do seu pai.

Mesmo quando nos sentamos à mesa para servirmos o almoço,

Tammy não consegue desgrudar do Daniel. Ele também não parece


incomodado com o seu grude e isso a deixa ainda mais disposta a ficar por

perto. Enquanto almoçamos a deliciosa refeição preparada pelas mãos de


fada da ajudante de cozinha do meu irmão, é a pequena quem dita o assunto
e o ritmo da conversa.

Vez ou outra, engasgo-me com comida quando ela revela fatos a

meu respeito que o homem que está sentado na minha frente não deveria
saber. Ela não precisava dizer que não tenho namorado e que fujo de todas

as tentativas que a Mila faz de levar-me para sair nos finais de semana.

Não é bem assim. O seu olhar de criança não entende que

prefiro passar mais tempo com ela a deixá-la com uma babá para ir atrás de
sexo fácil nas casas de shows que minha assistente gosta de frequentar.

Tammy poderia agir como qualquer outra criança e fazer birra para passar
mais tempo comigo, mas a sua carência por um pai a faz ter esperança de

que eu possa encontrar alguém que consiga fazer esse papel para ela.

A minha filha já tem cinco anos e acredito que no fundo já


estava começando a perder as esperanças de que o suposto pai fosse voltar
para ficar junto dela. Por ironia do destino, o pai que tanto esperou está

sentado ao seu lado enquanto tagarela.

Enquanto a pequena faz um relatório sobre a minha vida, o


chefe de cozinha dá toda sua atenção para ela e quase faz parecer que o

Carlos e eu não estamos presentes.


Quando todos nós nos sentimos satisfeitos, levantamos da mesa
e caminhamos para os sofás. Como não poderia deixar de ser, porque o seu

novo melhor amigo a fez se esquecer de mim, a pequena segura a mão do


pai e se senta ao seu lado no sofá da sala do meu irmão. De imediato,
caramelo corre para ela e deita a cabeça nas suas pernas.

— Ele está com sono, mas não consegue se afastar da Tatá —


Carlos comenta, então tiro o meu olhar indiscreto do moreno bonito, que
parece ainda mais tentador sentado ao lado de uma criança. — Acho que
está na hora de colocar esse pequeno traidor para descansar — sem sentir
vergonha de deixar-me perceber que está com ciúme da própria sobrinha

com seu animal de estimação, meu irmão fala e se levanta.

Ele caminha em direção a área de serviço e caramelo sai

correndo atrás. Como o cachorro se tornou o único capaz de afastar a garota


do Daniel, ela sorri com doçura para ele e para mim, depois sai correndo
atrás do tio e do golden retriever.

Fico com um sorriso estampado no rosto, mas ele se desfaz


quando percebo que o fantasma do meu passado e eu ficamos a sós na sala.
Com as mãos cruzadas sobre o meu colo, fico com a cabeça abaixada
olhando para as minhas unhas durante alguns segundos, mas o meu lado

rebelde não me deixa ficar quieta durante muito tempo.


Quando ergue a cabeça e olha diretamente para mim, Daniel já
não parece o mesmo homem que até agora há pouco olhava para minha

filha com doçura. Sem dizer uma única palavra, ele faz com que eu me sinta
a pessoa mais errada do mundo, tão pequena que eu poderia simplesmente
pedir desculpa por existir.

Mas ele não sabe quem sou, e definitivamente não sou essa
pessoa que abaixa a cabeça e toma todas as culpas e dores do mundo para
si. Daniel pode até estar disposto a fazer o jogo do mudo comigo, ou até
mesmo condenar-me sem que antes eu possa abrir a boca para conversar

sobre aquela noite, mas não permitirei que me trate assim. No que depender
de mim, não vestirei uma carapuça que não me serve.

— Vai ficar parado me olhando como se estivesse vendo o


diabo na sua frente? Ou dirá o que está passando pela sua cabeça? Você
sabe quem eu sou, não sabe? — faço a última pergunta, porque nunca é
demais assegurar que não estou ficando maluca e colocando expressões que
não existem no seu rosto.

— Claro que sei, você é a irmã mais nova do meu melhor amigo
— o homem fala, perco a paciência e levanto-me do sofá para ir atrás
daqueles dois. Não ficarei aqui perdendo meu tempo com esse idiota.
Assim que dou as costas, Daniel segura meu braço com firmeza

e vira o meu corpo em sua direção, obrigando-me a encará-lo de perto.

A sua presença, o toque e proximidade me fazem sentir tantas


coisas que é até difícil de classificá-las. Mas não posso negar que estou

sendo diretamente atingida pelo cheiro bom e calor do seu corpo. Daniel é
alto e naturalmente forte, tão lindo com seus olhos que são uma peculiar
mistura de castanho com verde que até me faz sentir como se não
convivesse com homens belos e famosos há anos.

Há também a sua contida energia de perigo que deveria fazer-


me recolher minhas garras e esconder-me das suas vistas, mas tudo que
sinto agora é uma imensa vontade de o desafiar para mostrar que também

posso ser um bloco de gelo.

— Você é a irmã do Carlos, mas também é aquela garota com


quem transei quando estava bêbado há mais de seis anos, não é?

— Até que você tem a memória boa para alguém que estava tão
alcoolizado que não sabia nem mesmo com quem estava fazendo sexo —

falo em tom de desafio e o aperto da sua mão no meu braço, que me deixa
colada ao seu corpo, chega a ser doloroso.

— Primeiro eu te encontro aqui e descubro que é irmã do meu

melhor amigo. Em seguida fico sabendo que tem uma filha e que a menina
tem os olhos idênticos aos meus. Vai começar a falar, ou terei que descobrir

que tipo de jogo está fazendo do meu jeito?


CAPÍTULO 4

DANIEL
Não sei se faz apenas alguns minutos ou horas que estou com o
corpo da garota contra o meu, encarando o seu rosto à procura de respostas

para o soco inesperado no estômago que acabei de receber. Audaz como


poucas pessoas se atrevem a ser comigo, Maria Botelho me encara de frente

e não sei ao certo se sua atitude me irrita ou me instiga.

Como aconteceu há seis anos, essa mulher está me levando ao

extremo da incoerência pois mesmo tendo algo muito importante

martelando na minha mente e que precisa ser tratado com ela, ainda tenho
cabeça para pensar nela como alguém que é mais do que uma maldita dor

de cabeça.

Vi a irmã do meu melhor amigo apenas uma vez, mas ela foi a
única pessoa capaz de desviar-me do meu caminho. Agora mesmo, depois

de anos lutando para manter-me são e controlado, apenas levando a vida da

melhor forma possível, ela está tirando a minha paz de espírito e me

deixando completamente perturbado não só pela ideia maluca que está


passando pela minha cabeça, mas pelo fato de prender o meu olhar no seu

rosto o tempo todo.

De repente, com essa mulher colada contra o meu corpo, não

por vontade própria, sinto mais calor do que senti em todos esses anos.

Sinto tudo o que não deveria sentir, tudo o que não senti porque escolhi
viver dessa forma. Tracei planos, e não permitirei que essa garota que nem

ao menos conheço ressurja na minha vida sem mais nem menos e bagunce

tudo o que estava em seu devido lugar. A única coisa que quero dela é uma

resposta e não sumirá da minha vista sem que me faça saber o que preciso
ouvir.

O fato de ela ainda ser cheirosa, de ter o corpo tentador e um

dos rostos mais belos que já vi na minha vida não importa, porque a noite

em que nós dois nos perdemos no corpo um do outro foi um erro que não

pretendo repetir. Um erro tão grande que me tornou um celibatário, ainda

que o meu corpo venha sofrendo com necessidades físicas e naturais que

precisam ser satisfeitas, sobretudo agora.

— Você vai falar agora, ou ficará me olhando até decorar cada

linha do meu rosto? — Decidido a acabar logo com isso, para quem sabe

esquecer a sensação de que o seu corpo está incendiando o meu, uma reação
tão forte como outras mulheres não conseguiram tirar de mim em momento

algum desde que fiquei viúvo, volto a pressioná-la.

Quanto mais rápido Maria der a resposta que quero, mais rápido

sairei daqui para colocar a minha cabeça novamente no lugar.

De repente, o fantasma do passado não só surgiu na minha

frente como trouxe uma possibilidade que parece surreal demais até mesmo
para ser cogitada. Ela tem uma filha, uma menininha linda de cinco anos de

idade, se eu não estiver enganado. A criança tem os cabelos escuros como

os meus. Até aí, não há nada de especial, considerando que cabelos pretos

não são uma exclusividade das pessoas da minha família. O que realmente

me deixou completamente chocado no momento em que a garota surgiu na

sala foi a cor dos seus olhos.

Se cabelos pretos são comuns, a coloração castanha esverdeada

dos nossos olhos não são. Olhos tão parecidos com os meus que me

deixaram assustado com a semelhança. No mesmo instante, sentindo meu

coração disparado e com um filme sobre como perdi a minha esposa e meu

filho passando pela minha cabeça, acreditei que aquela garota fosse minha

filha e ainda não mudei de ideia.

Apesar de ter sido carinhoso logo de cara, algo que não

acontece com frequência, porque prefiro manter distância de crianças para


não pensar na idade que o meu filho teria se eu não tivesse o perdido,

realmente não sei como me sentir quanto a possibilidade de ela ser minha.

No momento só preciso de respostas. Respostas que a garota

parece incapaz de me dar quando não abre a boca e continua me encarando

praticamente sem piscar seus enormes olhos castanhos, esse narizinho


pequeno e arrebitado e a boca rosada de lábios grossos em formato de

coração.

— Eu estou perdendo a paciência com você. Responda a minha

pergunta!

— Pergunta? — a mulher fala, completamente atordoada ao

balançar a cabeça e tentar escapar do meu agarre. Disposto a não ceder, não

só não a deixo ir como a aperto ainda mais contra mim.

Estou em uma missão aqui e não me importo com o fato de o

seu corpo tentador estar junto do meu de uma forma que outras mulheres

não ficam.

— Qual é o seu jogo? — Os seus olhos se tornam ainda maiores

quando acorda do transe e começa a assimilar a pergunta. Sei que existe um

pouco de medo que ela não consegue conter no meio da sua atitude

corajosa.
Se está com medo é por saber que tem motivos. Essa mulher

precisa entender que não sou um homem com quem as pessoas brincam. E

sejam quais forem seus motivos para mentiras e mistérios, irei descobrir um

por um. A deixarei tão exposta para os meus olhos que a garota sentirá

como se estivesse nua.

— Você sabia quem eu era quando nós nos conhecemos naquele

bar?

— Que tipo de pergunta é essa?

— O tipo de pergunta que qualquer homem faria se

reencontrasse uma foda casual e bêbada. Uma foda sem qualquer

importância que tem uma filha. Uma criança cujos olhos não poderiam ser

mais parecidos com os meus. Fale a verdade, garota.

Caralho!

Tenho ciência de que não estou fazendo a abordagem certa, mas


ela tem algo que me tira do sério e isso acontece desde a primeira vez

naquele maldito bar, um lugar onde eu não deveria ter ido para começo de

conversa.

Aquele foi um erro que me atormenta até hoje e não sei como

redimir.
— Falo se eu quiser. E adivinha só? Não quero falar — Maria

me enfrenta sem esconder o tom de irritação quando se aproveita do

momento em que sua filha volta com o tio para sala e se livra do meu

agarre. Ela vai até a menina sem olhar para mim.

Eu fico parado no mesmo lugar, mas o meu olhar acompanha

sua fuga. Ele não consegue se afastar da sua figura esbelta, principalmente

da bunda bonita quando a mulher se curva para pegar a menina em seus

braços e abraçá-la bem apertado, como se estivesse com medo da criança

sumir em um passe de mágica.

— Filha, vamos? Temos que ir para casa agora — ela afirma,

mas a menina balança a cabeça negativamente de um lado para o outro.

— Vamos ficar mais um pouco, mamãe. Eu ainda quero brincar

com o caramelo e com o Dan — a pequena argumenta, parecendo madura

demais para sua pouca idade, e o meu coração bate acelerado por motivos

mais nobres do que todas as emoções que sua mãe suscita em mim.

Faz tempo que me convenci de que filhos não farão mais parte

da minha vida. Mas agora que ter uma herdeira tornou-se uma

possibilidade, começo a pensar que não seria tão ruim ter alguém para
aplacar um pouco da minha solidão. Um pequeno ser que teria o meu
sangue e que de forma alguma eu poderia culpar pela traição que cometi há

seis anos.

— Filha. A mamãe tem que trabalhar, lembra? Além do mais, o

tio Calvin disse que iria conhecer o nosso apartamento e tenho certeza de

que você está com vontade de brincar com ele também, não está?

No momento em que Maria cita o nome do tal Calvin, a garota

para de balançar a cabeça de um lado para o outro e se conforma com a


ideia de que irá embora agora. Apesar de nada a respeito da vida amorosa

dessa mulher ser da minha conta, senti-me incomodado com tudo o que
ouvi a respeito da sua relação com o babaca do rock. O idiota que a pede

em casamento quase todos os dias.

— Tudo bem, também gosto do Calvin e quero brincar com ele


— a pequena fala, então vem correndo para mim e olha para cima.

Para ficar na sua altura, agacho-me na sua frente e mais uma


vez sou surpreendido com um abraço quentinho. Sentindo-me estranho pela

segunda vez, tenho a sensação de que o gelo em volta do meu coração está
começando a derreter lentamente por sua causa. Ainda que exista a remota

possibilidade de ela não ser minha filha, eu não poderia manter-me frio,
porque essa menininha é a coisa mais preciosa do mundo.
Se tenho alergia a crianças, essa parece ser a minha cura. Como
ela, eu gostaria que pudéssemos passar mais tempo juntos, porque algo em

mim clama para que a gente se conheça melhor.

— Você promete que vai me visitar? — sua fala aquece meu


coração, então desvio o olhar dela para sua mãe, que está balançando a

cabeça de um lado para o outro, implorando para que o negue o pedido de


alguma forma.

Tenho certeza de que tudo o que Maria não quer é uma visita

minha.

— Eu prometo — falo, fingindo não perceber que Maria está

me matando com um olhar. Ao seu lado, meu melhor amigo apenas assiste a
cena sem dizer uma palavra sequer. Ele está atento, mas posso jurar que
ainda não entendeu o que está rolando aqui. Aposto que notou a semelhança

entre mim e sua sobrinha, mas nega a possibilidade por ter certeza que eu
jamais ficaria com outra mulher depois da morte da Karen.

Carlos tentou de todas as formas fazer-me superar o luto, mas


chegou um momento em que ele se cansou e entendeu que eu não queria e

não iria esquecer-me da única mulher que amei. O fiz entender que mulher
nenhuma poderia substituir a Karen e que eu não estava interessado em

fazer sexo sem sentido somente para aliviar a natureza do meu corpo.
Aconteceu uma vez, e ele nem imagina que foi com a sua
querida irmãzinha, que pode ou não ter engravidado de mim. Mesmo que

não tenha a conhecido antes, meu amigo nunca escondeu o cuidado e


proteção com ela e não faço ideia de qual será a sua reação quando

descobrir o que aconteceu entre a gente há alguns anos.

— Vamos, mamãe? Não quero deixar o tio Calvin me esperando


por muito tempo. — Depois de dar um beijo no meu rosto, minha pequena

vai até a mãe e segura sua mão.

Quando o Carlos acompanha as duas até a porta, Tammy dá

tchau para mim acenando com a mãozinha. Sua mãe por sua vez não olha
em minha direção antes de sair e eu deixo que um sorriso de canto surja no

meu rosto. Sua atitude não me abala, porque sei que ela pode até fugir, mas
que não conseguirá se esconder de mim.

Quando ela simplesmente sumiu no ar como se aquela noite

tivesse sido somente uma mera alucinação, não pude sentir nada que não
fosse alívio e não fiz a menor questão de ir atrás para descobrir sobre a sua

identidade. Mas desta vez é diferente, há muito mais em jogo e eu seria


capaz de ir até o inferno para buscá-la, caso tentasse escapar.

— O que estou vendo no seu rosto é um sorriso? Se eu não

estivesse vendo com os meus próprios olhos não acreditaria. Você passou os
últimos anos me fazendo acreditar que era incapaz de sorrir, mas bastou ver

aquelas duas que os seus dentes apareceram.

— Quem poderia imaginar que um homem como você poderia


ter uma irmã e uma sobrinha tão belas? — Devolvo a provocação para tirar

meus pensamentos daquela mulher.

— Elas realmente são lindas, o que me surpreende é você ter


percebido isso. Vou até pegar uma bebida para a gente — meu melhor

amigo fala, vai até a geladeira e pega duas garrafas de cerveja. — Vem,
vamos nos sentar. Acho que você não está bem.

Carlos é um corretor de imóveis bem-sucedido que se tornou


meu amigo quando estive em São Paulo a negócios há muitos anos. Embora
ele seja um solteirão convicto que preza pela quantidade em vez da

qualidade nas suas conquistas, também é um homem bom, muito melhor do


que eu jamais sonharia em ser. Ele é devoto à família e faz questão de falar

sobre seus pais e sua irmã quando entra em contato comigo através de
ligações.

Agora que estou parando para pensar, lembro-me de ele ter


mencionado que sua irmã tinha uma filha algumas vezes, mas o fato passou

batido até o momento em que vi Maria e a pequena na minha frente.


Quando ele avisou que nos apresentaria hoje durante o almoço, disse a mim
mesmo que tentaria ser gentil com ela, ou pelo menos o mais gentil que eu

conseguisse.

Quem poderia imaginar que a tão falada irmã do meu melhor


amigo seria justamente o meu maior pecado? Quem poderia supor que o

belo fantasma que nunca deixou meus pensamentos se tornaria mãe da


garota que tenho quase certeza de que é minha filha?

Agora que Carlos e eu estamos a sós, terei a chance perfeita


para fazer algumas perguntas e sanar um pouco das minhas dúvidas, embora

eu saiba que o exame de DNA seria a prova mais contundente e


incontestável da minha paternidade.

— Então aquela moça que tem uma filha linda é a sua tão

famosa irmã adotiva? — comento, tentando parecer despreocupado para


fazê-lo falar. Carlos já gosta de falar normalmente, quando é pressionado

ele abre a boca sem remorsos.

— É, sim. Minha irmã, que é uma das mulheres mais


importantes da minha vida.

— Fale-me um pouco dela.

— Por que você iria querer saber algo a respeito da Maria? Se


eu não te conhecesse bem, diria que está interessado nela.
— Eu não estou. Só parece que ela tem uma vida interessante
demais e fiquei curioso.

— Bom, de certa forma a vida dela realmente é interessante.

Maria sempre foi uma pessoa doce, mas forte quando preciso. Quando tinha
dezenove anos ela descobriu que estava grávida da Tammy, conheceu

Calvin Derek em um bar onde ele estava fazendo um show e duas semanas
depois partiu para trabalhar nos Estados Unidos como assessora de

imprensa dele.

— Então o tal astro do rock é o pai da sua sobrinha?

Merda! Será que eu entendi tudo errado?

— Não, ela nem o conhecia quando descobriu que estava

grávida. Quando partiu para trabalhar nos Estados Unidos, minha irmã
estava com três meses de gestação.

— Quem é o pai da sua sobrinha? Ela disse que ele está

viajando a trabalho.

— Não está. Essa é a história que a minha doce irmã conta para

a filha sempre que ela pergunta a respeito do pai. Apesar de nunca ter tido
um pai, Tammy sente falta e a coisa fica pior a cada dia que passa. Maria

parece preocupada com isso todas as vezes que a gente se fala — Carlos
comenta, ao levar a garrafa de cerveja à boca e ingerir um longo gole.
Percebo que a situação o incomoda muito.

— Onde o homem está? — pergunto mais uma vez, a essa altura

já me sinto incapaz de preocupar-me com a possibilidade de o Carlos


desconfiar do meu interesse.

— Ela não sabe. Pelo menos, eu acho que não sabe. Os meus
pais e eu insistimos muito para que Maria nos dissesse o nome do homem

que a engravidou e depois fugiu, mas ela nunca foi capaz de dizer. Passei
muito tempo acreditando que minha irmã estava tentando proteger o idiota,

mas hoje penso que Maria não sabe quem é o pai da minha sobrinha.
Provavelmente, Tammy é fruto de uma noite de bebedeira e sexo

desprotegido com desgraçado qualquer.

Apesar de a parte do desgraçado atingir-me diretamente, sinto-


me satisfeito por tudo o que acabei de ouvir. Eu realmente não estava errado
ao suspeitar da sua irmã e agora estou mais certo de que sou o pai daquela

criança esperta.

Por um momento, enquanto estava com os pensamentos um


pouco confusos por causa da sua presença sufocante, cheguei a pensar que

ela havia escondido a menina de mim de propósito, mas estou começando a


acreditar que Maria é a maior vítima em toda a história. Provavelmente, ela
não sabia quem eu era e não esperou pelas consequências da loucura que
nós dois cometemos quando estávamos bêbados.

A mulher, que na época era um pouco mais do que uma menina,


criou uma criança sozinha e não posso calar o sentimento de admiração que
acaba de despertar em mim. Admiro pessoas corajosas e Maria Botelho

agiu com coragem ao colocar uma menina tão linda e aparentemente bem-
cuidada no mundo.

Se a minha admiração por ela nasceu tão forte quanto uma

rocha, o meu desprezo por mim mesmo triplicou de tamanho. Eu impus a


realidade de ser mãe solteira para uma mulher que naquela época não
passava de uma garota.

— Você está bem, Daniel?

— Por que não estaria? — questiono ao dar de ombros, quando

tenho todos os motivos para não estar bem.

— Você tem que me dizer. De repente ficou com o olhar perdido


e uma expressão séria. Se existe um coração dentro do seu peito que te fez

ficar penalizado com a história da Maria, saiba que não precisa, porque ela
soube se virar muito bem sendo uma mãe maravilhosa e uma profissional
bem-sucedida. Talvez seja melhor para a minha sobrinha que não conheça o
pai e tenho certeza de que ela entenderá quando souber e puder
compreender a verdade.

— E quanto ao chefe dela? Será que ele não tenta fazer esse
papel na vida da sua sobrinha? — Sinto-me incomodado só de fazer a
pergunta. Nem conheço o homem e já não gosto dele.

— Calvin Derek não passa de um cara mimado que tem o


mundo aos seus pés, mas não posso negar que sou grato pelo que fez pela

minha irmã. Calvin faz bem para ela. Está na cara que o idiota gosta das
duas e me sinto melhor sabendo que Maria tem alguém para a proteger
quando estou longe e não posso.

Suas declarações fazem minhas entranhas se revirarem, porque


não quero outro homem fazendo o papel de proteger aquelas duas.

O quê?

No que estou pensando?

Meu foco é a criança. Isso é tudo com o que preciso me


preocupar. Depois que não houver mais nenhuma dúvida pensarei no que
fazer, mas a única certeza que tenho é a de que Maria Botelho não é e nunca
será nada além da suposta mãe da minha filha. Ela não poderia ser mais do

que isso, pois mesmo se eu quisesse mudar a realidade, estou vazio há


muito tempo.
CAPÍTULO 5

MARIA
Depois do almoço na casa do meu irmão, vim fazer a mesma
cortesia para os meus pais. Estou aqui há mais de uma hora e já recebi

diversos olhares estranhos da minha mãe. Não posso julgá-la por isso, pois
sei que ela está percebendo que a filha que está na sua frente agora não é a

mesma que criou e conhece de uma vida inteira.

Os meus pais moram em uma casa grande com um belo jardim

na grande São Paulo. No momento, papai está agindo como um avô babão

com sua neta, enquanto sua esposa permanece ao lado, também tentando se
integrar a dupla inseparável, mas ela não consegue estar cem por cento com

eles, pois metade da sua atenção fica em mim.

Enquanto os outros se divertem na piscina, estou sentada em


uma cadeira confortável debaixo do guarda-sol. Finjo que estou trabalhando

quando na verdade estou tentando esconder minha tensão. Tensa o

suficiente para não conseguir forçar um sorriso sem que os meus pais e

minha pequena percebam que não é sincero.


Estou me sentindo tão desconfortável nos últimos dias que não

consigo nem mesmo me estressar com as saídas repentinas e flagrantes com

mulheres que o Calvin tem proporcionado para perfis de fofocas no

Instagram.

Por mais que a minha vida trabalhando para o Calvin não possa
ser considerada tranquila, não imaginei que fosse ficar desse jeito pelo pai

da minha filha, que deveria ser apenas um fantasma que nunca me

alcançaria. Não de verdade. Então o encontrei há alguns dias, muito mais

perto do que eu poderia imaginar, e não consigo mais pensar em outra coisa.

Tentei manter a compostura pelo tempo que aquele encontro

durou na casa do meu irmão, mas a forma como Daniel me olhou e falou

comigo antes de eu ir embora me deixou confusa, com medo e, por mais

que eu não queira admitir, mexida. Não que ele tenha sido galanteador ou

algo parecido, então isso significa que sou atraída pelo perigo de alguma

forma.

Desde então a minha cabeça está uma bagunça total, uma luta

entre temer seus próximos passos no que diz respeito a minha filha e a

vontade de saber mais sobre ele. O meu corpo, meu coração e minha cabeça

me puxam para lados opostos e a batalha tem sido exaustiva. Todos os dias

tento me consolar ao repetir sem parar que é normal que eu esteja sentindo
qualquer coisa além de preocupação e medo com a chegada desse homem

na vida da minha filha.

Não poderia ser diferente, considerando a forma como a gente

transou loucamente em uma noite em que mal sabíamos dos nossos próprios

nomes. Não posso negar que ainda sinto uma pontada de dor que chega a

ser fisicamente incômoda quando lembro que não era comigo que Daniel

realmente estava, que todos aqueles toques e olhares não eram para mim,

mas nem mesmo essa dor é o suficiente para aplacar a curiosidade e o meu

desejo de ficar mais perto. Desejo que rivaliza com o instinto de

sobrevivência que grita na minha mente para que eu corra.

Além de eu estar confusa, há também a teimosia que não me

permitiria correr nem se a minha sobrevivência dependesse disso. Não

recuo e não me deixo ser ameaçada, não até que eu me veja obrigada a dar

alguns passos para trás em nome da minha filha, que é o meu bem mais

precioso.

— Consegui enxergar a fumaça saindo da sua cabeça de onde eu

estava na piscina — dona Sônia diz quando se senta na cadeira ao meu lado.

Deixo escapar uma longa respiração ao pegar meu copo com suco de

morango e gelo e tomar um grande gole para refrescar não só meu corpo,

mas também os meus pensamentos.


Ao meu lado, minha mãe fica me olhando com curiosidade,

talvez tentando adivinhar o que passa pela minha cabeça. Ela sempre fez

isso e sabe quando tem algo me incomodando por ser uma mãe amorosa e
atenta com a filha que trata como se tivesse saído do seu próprio ventre. Os

meus pais são tão bons que é muito difícil lembrar-me que não sou filha

biológica dos dois.

— Deve ser porque está fazendo muito calor hoje — brinco

para tentar disfarçar, mesmo sabendo que não conseguirei enganar a mulher

esperta.

— Algo está te incomodando, minha filha? Tenho sentido você

estranha desde a hora em que chegou.

— Estou bem, mamãe. É apenas o período de readaptação

depois de anos sem voltar aqui — declaro, dando a mesma desculpa que

contei para o Carlos. Mas a verdade é que não tive qualquer problema para

adaptar-me ao meu país.

Por causa da minha rotina agitada com Calvin e a criação da

Tatá, contei com a compreensão e apoio dos meus pais, que me visitaram

várias vezes para matarem a saudade de mim e da neta. Então quase não

tive que voltar durante seis anos e me senti bem com isso.
— Eu te conheço, Maria Botelho. Sei que não é só isso, mas

esperarei até que esteja pronta para me contar sobre o que tem preocupado

essa sua cabecinha linda e te deixado com pensamentos tão distantes. Você

sabe que pode contar comigo, com seu pai e seu irmão para tudo, não sabe?

— Claro que sei, mamãe. Vocês são o meu ponto de equilíbrio,

sempre foram e sempre serão. Não sei o que teria sido de mim se a senhora

e o papai não tivessem me pegado naquele orfanato quando eu tinha cinco

anos de idade.

— Algo me diz que você teria sido essa garota independente e

brilhante de qualquer forma. Você nasceu para ser o que é hoje, meu amor.

— A senhora diz isso porque é minha mãe — falo, ela sorri ao

negar minhas palavras com a cabeça.

Quando dona Sônia se distrai para prestar atenção no esposo e

na neta que estão dando braçadas na piscina, fico a olhando e imaginando

como seria se eu pudesse dividir o meu fardo com ela. Neste momento,

pergunto-me como teria sido a minha vida se eu não tivesse guardado o

segredo sobre a concepção da minha filha durante todos esses anos.

Os três saberiam o que fiz e entenderiam um pouco o porquê de

eu não ter feito nenhum esforço para voltar mais vezes ao Brasil. O

problema é que os três também saberiam que fui irresponsável a tal ponto
que poderia ter me colocado em sérios problemas se não tivesse encontrado

um homem como Daniel no meu caminho naquela noite. Não quero que as

pessoas que eu mais amo se decepcionem comigo.

Sei que em algum momento, e algo me diz que ele está mais
perto do que imagino, terei que falar sobre aquela noite e a respeito da

certeza de que o melhor amigo do Carlos é o pai da Tammy, mas essa

conversa não acontecerá hoje, porque não me sinto nem de longe preparada.

Depois do almoço em família, Calvin me liga e se convida para

vir fazer uma visita para os meus pais, que o adoram e tratam quase como
se fosse um filho. Como não tenho motivos para negar, aceito que venha e o

homem chega vinte minutos depois. Sua presença efusiva faz parecer que

ele trouxe mais dez pessoas para dentro da casa dos meus pais além de si

mesmo.

Apesar de ter dito que viria depois do almoço, Carlos ainda não

está aqui. Vejo no encontro a oportunidade para o aproximar mais do meu


chefe. Eles mantêm uma implicância saudável e mútua que começou no

instante em que se conheceram. Tudo porque meu irmão ficou enciumado

quando decidi aceitar a proposta do Calvin e me mudei para os Estados

Unidos.

Rapidamente meu chefe se junta ao papai e a Tatá perto da

piscina. Como um bom amigo, ele desiste de beber cerveja perto da minha

filha. Como não poderia deixar de ser, e é isso que tem feito durante todos
esses anos a partir do dia em que o conheci, o bom humor e vivacidade do

meu astro do rock me contagia e me faz soltar gargalhadas das suas


besteiras. Alguns minutos depois, Mila também chega a casa dos meus pais

e a festa se torna quase completa.

Quando eles começam com as provocações mútuas, aproveito

para entrar no meu antigo quarto e colocar um biquíni preto. Depois desço
para entrar na bagunça com minha amiga e nosso chefe bonito e

galanteador. Por sua vez, Tatá fica completamente nas nuvens quando os
dois começam a disputar sua atenção. Aproveitando um dos poucos

momentos em que estou livre da agenda de compromissos do Calvin nas


mãos, mergulho na piscina e começo a dar algumas braçadas para colocar
as aulas de natação de quando eu era criança em dia.
Meu irmão finalmente chega quando estou perto da
churrasqueira conversando com o papai e quase desfaleço pela surpresa de

ver que ele trouxe companhia. Ao seu lado está o moreno bonito e sério que
tem me feito perder o sono nos últimos dias, quer dizer... nos últimos anos.

O meu coração acelera, mas algo muito particular nas minhas

entranhas é atingido quando percebo o quanto ele fica sexy e mais jovial
com seus óculos escuros estilo aviador. E mesmo que seus olhos estejam

cobertos, tenho a impressão de que está olhando diretamente para mim e


subitamente fico tímida e com vontade de cobrir o meu corpo.

Bom, talvez eu devesse ter escolhido um biquíni menos ousado.

Quase como se tivesse lido a minha mente, Daniel ergue a mão


e tira os seus óculos do rosto assim que o pensamento me ocorre. Depois de
prender os óculos na gola da sua camisa de botão, o homem volta sua

atenção para mim e mede o meu corpo da cabeça aos pés bem lentamente.
O que realmente me deixa louca e confusa é que ele não faz isso como

qualquer outro homem faria.

Daniel me encara com uma expressão bem séria. Não, é pior do

que isso, ele faz como se quisesse me partir em duas e não é no bom
sentido, com algo envolvendo nossos corpos nus, suados e ofegantes sobre

uma cama. Embora pareça um homem contido, seus olhares tão intensos me
deixam completamente sem prumo, então peço licença para o meu pai, vou
à mesa com guarda-sol, pego a minha canga e amarro na cintura para sentir-

me menos despida. Em seguida, e sem olhar para trás, apresso o passo e


entro na casa.

Um pouco ofegante, chegou à cozinha, aproximo-me da pia e

ligo a torneira. Depois de molhar minhas mãos, levo-as até minha nuca e a
toco na tentativa de me refrescar. Menos de um minuto depois, sem que

tenha dado tempo de acalmar os meus ânimos depois daquela encarada no


jardim, sinto uma presença poderosa atrás de mim. Nem preciso olhar para

trás para ter certeza de que se trata da última pessoa com quem eu gostaria
de ter uma batalha travada agora.

Ele se aproxima por trás, tão perto que seria impossível não
sentir o calor do seu corpo ou seu cheiro viciante que não mudou desde a

noite em que ficamos juntos. Quer dizer: a noite em que ele sonhou que
estava com a falecida esposa. Será que Daniel ao menos se lembra do que

fez?

— O que você está fazendo aqui? Começou a carreira de


perseguidor? — indago, sem olhar para trás.

— E você? Pensei que não fosse uma pessoa covarde.


— Talvez eu seja. Mas não tem como você saber, já que não me

conhece em nada.

— Posso não conhecer, mas não precisei disso para colocar um


bebê na sua barriga — a menção a minha gravidez é o suficiente para me

fazer reagir quando me viro de frente para o encarar. Arrependo-me quando


percebo que ele está mais perto de mim do que parecia.

Agora os olhos castanhos esverdeados frios estão alternando

passeios entre a minha boca e meus olhos. E embora eu me sinta doente


com a sua presença pelas complicações que ela trará para minha vida, tudo

sobre Daniel, e o fato de estar perto assim, faz nascer uma pressão
inesperada entre as minhas pernas. Algo que não acontece há muito tempo.

Talvez desde a nossa única noite de sexo.

Mesmo bêbada, o álcool não foi capaz de esmorecer a imagem


de nós dois juntos que minha mente guardou. Foram as lembranças do

melhor sexo que já tive que tornaram todos os outros pálidos e sem graça,
insossos o suficiente para terem me feito passar longe de um compromisso

sério em todo esse tempo.

— Bebê na minha barriga? Não sei do que você está falando.

Enlouqueceu?
— Garota, se eu fosse você não brincaria comigo — o homem

fala em tom de ameaça e sem paciência, Daniel está ficando mais tenso.
Irritar as pessoas até levá-las ao limite é um dom que eu tenho. — Você não

gostaria das consequências disso.

— Está me ameaçando? Tenho certeza de que o meu irmão não


gostaria de saber disso — declaro, ciente de que estou sendo infantil na

minha resposta, mas não sei como rebater de outra maneira.

— Diga a ele. Mas não se esqueça de contar que você

engravidou de mim, depois de ter se entregado de tantas maneiras que o


fato de eu ter te engravidado nem deveria ser uma surpresa — Daniel fala

daquele episódio com tanta tranquilidade. Até parece que para ele o que
fizemos não foi nada.

Age assim porque realmente não foi. Daniel não estaria nem

mesmo olhando em minha direção se eu não tivesse algo que o interessa. A


parte madura e sensata está gritando na minha cabeça para que eu acabe

com isso de uma vez e diga a verdade, mas o outro lado teimoso, que age
como diabinho no meu ombro, me para. Se eu der o que esse homem quer,

trilharei um caminho sem volta e me colocando inteiramente em suas mãos


para fazer o que quiser com a minha vida. Sim, a minha vida, porque Daniel
está interessado na minha filha e ela é o meu mundo.
— Não me ameace usando meu irmão — digo com irritação,
dando-me conta da minha incoerência logo em seguida. Algo que Daniel

não deixaria passar.

— Foi você quem começou trazendo-o para a conversa. É


melhor que o mantenha fora disso, porque no momento o assunto só diz

respeito a nós dois.

— Não temos um assunto — afirmo, tento puxar o braço e ele


aperta com mais firmeza, quase a ponto de me sentir dor.

— É apenas a segunda vez que te encontro depois daquela noite


e já estou totalmente sem paciência com a sua infantilidade, garota. Pare de
agir com uma adolescente e converse comigo. Você tem ideia do que está

fazendo?

— Não, eu não faço — falo com ironia, depois respiro fundo.

— Sei o que é ter uma filha que pergunta pelo pai praticamente todos os
dias, então não seja arrogante ao exigir respostas.

— Por que você está falando como se a culpa fosse minha? Está

querendo dizer que eu realmente sou o pai da sua filha?

Pois é, a minha cabeça quente me fez praticamente confirmar a

resposta que eu estava tentando negar a ele.


— Eu não disse isso.

— Sim, você disse. Sobre você ter criado a menina sozinha até
hoje...

— Ela é minha — interrompo, Daniel finge que não ouviu.

— Não pode me culpar por isso quando eu não fazia ideia de


que havia te deixado grávida. Não pense nem mesmo por um segundo que

eu teria ficado longe dela por vontade própria se soubesse da sua existência
— declara.

Acredito em suas palavras, pois mesmo que tenha se tornado


incapaz de amar alguém, Daniel parece um homem sério que leva a sério

suas responsabilidades. Ele não deixaria uma filha sem pai de propósito.

— É melhor a gente parar com essa conversa, porque aqui não é

o lugar e nem a hora. — Tento novamente desvencilhar-me do seu toque e


desta vez Daniel me liberta.

— Precisamos nos encontrar a sós — ele fala.

— Tudo bem, verei minha agenda e te ligarei assim que puder


— falo, empurro seu peito de leve e dou alguns passos na tentativa de

escapar, mas o homem segura meu braço novamente e puxa meu corpo para
o seu ao abraçar-me com um braço forte pela cintura.
Levemente sem fôlego e mexida por causa da pegada forte, ergo
a cabeça para encarar o rosto belo bem de perto. Daniel faz o mesmo, mais

uma vez alternando o olhar dos meus olhos para a minha boca.

— Quem te disse que tudo tem que ser nos seus termos?

— É melhor a gente acabar com isso, porque alguém pode


chegar e entender tudo errado.

— Entender errado? — Ouço a voz do meu irmão atrás de mim


e quase desfaleço.

— Não é nada. — É tudo que tenho para dizer antes de

aproveitar a distração do Daniel para soltar-me e finalmente fugir da sua


presença.

Eu sei que não tem como fugir dele e da verdade que está mais

do que escancarada, mas preciso de um pouco de paz para pensar. É claro


que darei um jeito de entrar em contato com o pai da minha filha para
realmente conversar como uma pessoa adulta, mas antes preciso preparar
meu espírito e pensar em todas as possibilidades para neutralizar qualquer

tentativa sua de me enfrentar.

Depois do encontro intenso e da conversa nada tranquila, tento

voltar a agir com naturalidade e sorrir para as pessoas que estão à minha
volta, mas tudo que consigo é parecer forçada. Por outro lado, Daniel nem
mesmo finge que está prestando atenção em qualquer pessoa que não seja
em mim.

Noto sua presença e os seus olhares o tempo todo e não tenho


certeza se o que sinto é incômodo ou uma dose de expectativa que não tem
nada a ver com o assunto pendente e que diz respeito a filha entre nós.

No fim da tarde, Tammy escorrega na grama e chama a atenção


de todos para si quando começa a chorar desesperadamente. No mesmo

instante, todos os presentes na casa dos meus pais correm para a minha
filha, mas Daniel e Calvin são mais rápidos e chegam até ela antes. Os dois
se curvam ao mesmo tempo para pegarem a menina nos braços e suas mãos
acabam se chocando antes mesmo de tocarem a criança chorosa.

Como em uma cena de filme, ambos levantam as cabeças e se


encaram. No primeiro instante, nota-se que não é uma troca de olhares
amigável e fica claro para que qualquer um possa ver a rivalidade acaba de

surgir.

Era apenas isso que estava faltando. Se não bastasse todos os


problemas que terei que enfrentar, Calvin ainda está se envolvendo na

história como mais um.

Com os olhos banhados pelas lágrimas, Tatá olha de um para o


outro e surpreende a todos quando estende os bracinhos para o Daniel.
Isso não pode ser real!

Tudo bem que ela tenha gostado dele logo de cara, mas só se
viram uma vez e a garota conhece o Calvin e o adora há anos. Pela sua
expressão, nota-se que nem Daniel esperava por isso.

Eu não poderia negar essa paternidade nem mesmo se quisesse,


porque ela está escancarada até mesmo nos mínimos detalhes.
CAPÍTULO 6

DANIEL
No primeiro ano da morte da minha esposa fiz um esforço além
das minhas forças para continuar respirando. Era o máximo que eu

conseguia fazer para não me entregar a depressão e aos desejos de juntar-


me às pessoas que perdi. Segui em frente da forma que deu e fiz pelos meus

pais, não por mim. Naqueles meses eu mal tinha forças para levantar-me da
cama.

Então vim a São Paulo para dar início ao projeto de abertura de

mais um restaurante e acabei transando com a irmã muito jovem do meu


melhor amigo. É óbvio que eu não sabia disso na época, mas sua identidade

chega a ser algo pequeno perto da realidade em que traí a memória da

minha esposa no dia do seu aniversário de morte. Maria foi uma espécie de

escape, embora eu lembre até hoje de ter estado confuso entre o que estava
vendo e sentindo durante todas as horas em que me permiti sentir o prazer

que acreditava não merecer.

Voltei para casa quase imediatamente depois do ocorrido, por

que permanecer mais tempo aqui tornou-se inviável, mas levei comigo mais
dor e culpa do que poderia suportar. Então seguir em frente com esses

sentimentos enraizados dentro da minha mente e coração, sempre sentindo

que seria impossível algum dia esquecer-me daquela noite.

Sempre que eu dormia, as lembranças de nós dois vinham até

mim em sonhos e eu não enxergava ninguém além da garota, eu não sentia


nada além da maciez do seu corpo e do cheiro do seu perfume. Por um

momento tive esperança de que o fato de ter bebido mais do que deveria me

faria esquecer de quase tudo relacionado ao que vinha considerando um dos

maiores erros da minha vida.

Mas a realidade mostrou-se o contrário da expectativa e eu tive

que seguir em frente lidando com sentimentos confusos e contraditórios. A

minha vida é o meu trabalho há anos, não consegui nem mesmo fazer sexo

depois daquela noite, mas agora sinto que minha vida deu um giro de

noventa graus e tenho muito mais coisa com as quais lidar do que me sinto

preparado.

Depois que me surpreendi com a presença da minha amante

desconhecida na casa do meu melhor amigo, não consigo mais pensar em

nada que não seja nela e na sua criança. A ideia de que sou o pai ficou

enraizada na minha mente e é uma surpresa que eu tenha conseguido

segurar-me sem ir até ela para a pressionar por respostas até hoje.
Mas até a minha calma e paciência tem limites, então decidi agir

quando entrei em contato com meu melhor amigo e dei um jeito de me

aproximar da sua irmã novamente. Quando ele disse que seus pais estavam

oferecendo um almoço de boas-vindas para garota, consegui ser convidado

e cheguei a casa dos seus pais sem fazer ideia de como agir com ela ou sua

filha.

Se uma parte minha quer ser dura e fazer as coisas de uma

forma que resolva meus problemas muito mais rápido, outra pede cautela

por saber que posso perder algo importante se der um passo errado. Mas a

verdade é que é muito difícil manter a calma e não fazer as coisas do meu

jeito quando Maria consegue ser tão completamente irritante e infantil.

Quando noto sua tendência para desafiar-me sem pensar na

resposta que terá de mim, também percebo o quanto ela é jovem e bem mais

nova do que eu. Então sou obrigado a respirar fundo para não esperar mais

maturidade do que uma mulher da sua idade poderia ter.

A abordagem que fiz na cozinha também foi um erro de cálculo.

Mesmo que eu estivesse ansioso para falar a respeito da minha suposta

filha, não deveria ter a segurado quando não vestia nada além de um biquíni

preto muito pequeno. Peças ínfimas que deixaram pouco para a imaginação,
embora mulheres praticamente despidas não tenham feito nada por mim nos

últimos anos.

Então Maria chegou com a sua atitude irritante e causou muito

mais do que irritação em um homem como eu, que há muito tempo acredita

que não tem mais uma gama sequer de desejo sexual. Nós dois discutimos
como adolescentes, algo imperdoável para um homem de trinta e seis anos,

mas estava ciente do calor do seu corpo o tempo todo. É pior do que isso,

gostei de sentir o cheiro do seu perfume misturado ao aroma do sol em dia

de verão.

Por um momento, tudo sobre Maria Botelho me tentou e eu quis

mais. Quis estar mais próximo da mulher para desvendar a sua alma, quis

que seu calor me queimasse e afastasse o frio que não me deixa em

momento algum. Também desejei poder chamar a sua filha de minha filha.

Quis tudo quando não mereço nada.

Perdi o direito de desejar ou de lutar por algum tipo de

felicidade quando minha esposa e meu filho partiram. Ainda assim, estou

aqui no hospital no início de uma noite de domingo esperando por notícias

da minha filha. Uma filha que não esperava, mas que desejo com todas as

minhas forças que realmente seja minha, pois mesmo que eu saiba que não

tenho esse direito, o seu sorriso e gesto de confiança ao erguer os bracinhos


e pedir colo quando se sentiu ferida fizeram renascer a força que pensei que

houvesse morrido para sempre.

Com ela em meus braços, não pensei antes de caminhar

apressado em direção ao meu carro com a intenção de levá-la até a

emergência para cuidar dos joelhinhos ralados. Usando somente uma saída

de praia por cima do biquíni indecente, Maria correu atrás de mim e tirou a

filha dos meus braços, mas entrou no banco do carona e permitiu que eu as

trouxesse até aqui.

Agora Tatá está sendo cuidada por um profissional enquanto

espero pelas duas na recepção. Comigo está o Carlos, juntamente com seus
pais e uma ruiva que não faço ideia de quem seja. O idiota tatuado que

tentou socorrer a pequena no meu lugar também veio. Ele teria agido como

um super-herói se ela não tivesse escolhido a mim. Sei que tudo isso é uma

bobagem e que ajudar a menina era mais importante do que uma disputa de

mijos, mas não posso fingir que não senti antipatia pelo cara no instante em

que o vi.

Sempre que olho para ele, que também me encara com um

sorriso irônico e olhar de curiosidade, lembro-me da criança dizendo que

ele pede sua mãe em casamento praticamente todos os dias. Por alguma

razão, isso me deixa estressado, mas não tanto quanto a ciência de que
esteve com a mulher e minha filha durante todos esses anos, enquanto eu

não fazia ideia de onde Maria estava, ou de que a nossa noite havia tido

consequência.

Sempre com um sorriso no rosto, o roqueiro do qual já tinha


ouvido falar por alto, mas que nunca dei importância porque sua música não

faz o meu estilo, monopoliza atenção dos senhores Botelho e até mesmo do

meu melhor amigo, que definitivamente não gosta muito do chefe da sua

irmã.

Quando Maria sai da sala sozinha, todos param de conversar e

olham para ela, inclusive eu, que estava há quinze minutos parado em um

canto apenas observando o movimento ao meu redor e sem me enturmar

com meu amigo e sua família.

— A médica está terminando de fazer o curativo — a garota

fala e todos nós ficamos calmos. Tudo bem que foi apenas uma queda, algo

que é comum para todas as crianças saudáveis, mas quem disse que o

coração entende a razão?

Maria se aproxima dos seus pais depois de dar o aviso e mal

olha em minha direção. Ela diz alguma coisa e depois vai para o outro
corredor. Imagino que esteja indo buscar um copo com água no filtro e

aproveito que todos estão distraídos em suas próprias conversas e vou atrás
dela. De repente, sinto que é impossível estar no mesmo lugar que essa

mulher e não ficar automaticamente muito próximo a ela, seja para brigar

ou apenas para olhar em seus belos olhos.

— Por que você me seguiu? — ela indaga de costas para mim e

não faço ideia de como sabe que sou eu.

— Queria saber se você está bem depois do susto com a

pequena.

— Não foi a primeira e não será a última vez que ela cai e rala
os joelhos. Qualquer pessoa que convive com crianças sabe disso.

— Você está certa — falo de forma mansa, tentando quebrar sua


resistência a mim. Tudo o que não quero fazer agora é discutir com essa

mulher. Mas acho que estou me iludindo, porque nós só não discutiremos se
não estivermos no mesmo lugar ou próximos o suficiente para pularmos na

jugular um do outro. — Posso levar vocês duas para casa?

— Não precisa se preocupar em desviar seu caminho. O Calvin


se ofereceu para dar uma carona para nós três. Se não fosse com ele, eu iria

com os meus pais ou com o Carlos.

Tudo bem, entendo que os acontecimentos possam ter deixado a


garota com os nervos à flor da pele, embora tenha acabado de dizer que está

acostumada com coisas do tipo acontecendo, mas não quero e não vou ficar
parado enquanto ela me coloca para fora da sua vida e da vida da minha
filha. Maria não me manterá no escuro para sempre, mesmo que seja

necessário que eu faça as coisas do jeito mais difícil.

— Não me afaste, Maria — peço, ao dar dois pequenos passos


para frente e parar com o corpo a um centímetro de distância do seu. Como

tem feito desde o almoço na casa do Carlos, a mulher enlouquecedora ergue


a cabeça e me encara com seus olhos castanhos e o narizinho arrebitado

apontado para cima. — Você não conseguirá fazer nada além de tapar o sol
com uma peneira. Posso perfeitamente dar o tempo que você precisa,

porque sei que não deve ser fácil estar nessa situação, mas só farei isso se
sentir que está disposta a falar comigo em algum momento. O problema é

que você não está.

— Eles me odiarão se descobrirem o que fiz naquela noite.

— Você não fez nada de errado. Apenas agiu como uma jovem
mulher que estava descontando a frustração de uma decepção amorosa na

bebida.

— Você não entende... —

— Posso entender se você tentar me explicar — afirmo. Como

se tivesse vontade própria quando se trata dessa mulher, minha mão envolve
sua cintura em um abraço que deixa os nossos corpos colados pela segunda
vez no mesmo dia.

Estamos em um hospital, um lugar público o suficiente para

corrermos o risco de sermos vistos por algum conhecido que poderia


entender tudo errado, mas no momento não consigo me ater a esse risco. O

que importa é falar com Maria e senti-la próxima de mim assim.

— Minha família se decepcionaria comigo. Carlos ficaria

chateado e talvez até terminasse a amizade de anos que vocês têm. Sei que
não posso fugir disso para sempre, mas a minha cabeça está confusa e não

sei como me preparar para contar que você é o pai — ao terminar de falar,
Maria arregala os olhos igual fez quando conversamos na cozinha da casa

dos seus pais. Ela sabe que mais uma vez disse o que não queria, mas tudo
o que eu gostaria de ouvir.

— Você acabou de dizer com todas as letras que sou mesmo o

pai da Tammy? Por favor, seja sincera comigo desta vez. Chega de fazer
rodeios e diga a verdade pelo menos para mim.

— A Tammy é nossa filha e eu nunca tive qualquer dúvida

disso. Eu não estava grávida antes daquela noite e não fiquei com outro
depois de você, ou antes de descobrir que estava grávida. Se a minha

palavra não for suficiente, e entendo se não for, você poderá resolver a
questão facilmente quando pedir um exame de DNA. Realmente espero que

você seja um homem decente e não tente fazer nada para tirar a minha filha
de mim, porque isso eu não permitiria e iria até o inferno por ela.

— Apesar de esse ser o pior lugar para termos uma conversa,

quero que saiba que não pretendo te causar dor e que tenho ciência de que
você é a vítima da história, não a vilã. Você não sabia quem eu era e eu não

sabia que você era irmã do meu melhor amigo. O que importa é o que
faremos a partir de agora.

— Estamos mesmo tendo a nossa primeira conversa decente?

— ela fala com um sorriso tão bonito no rosto que me deixa mexido.

Sempre que reajo à Maria sinto vontade de libertar-me dela e


sair correndo, porque simplesmente não sou essa pessoa que sente algo. Nos

encontramos duas vezes e ela já provou que é a única capaz de tirar-me da


minha zona de conforto sem fazer nenhum esforço. Apenas a sua existência,

atrelada ao que sempre considerei um erro na minha vida, é capaz de


deixar-me mais vivo do que eu gostaria de estar.

— Prometa que não contará para ninguém? — Abaixo a cabeça


para falar no seu ouvido e sua gargalhada vibra contra o meu corpo.

— Interrompo alguma coisa? — A voz do Carlos assusta Maria

e mais uma vez ela se afasta de mim por sua causa no mesmo dia. Ainda
olhando para ela, noto o momento em que seu rosto fica vermelho como um

tomate maduro.

— Não está interrompendo nada — a garota declara e seu irmão


cruza os braços na frente do peito, um sinal claro de que não está

acreditando na sua palavra. Na verdade, ele está desconfiado por não ser a
primeira vez em um dia que nos pega sozinhos e mais próximos do que

duas pessoas que acabaram de se conhecer deveriam estar.

Meu melhor amigo sabe de muitas coisas a meu respeito, mas a

forma como fiquei próximo da Maria está começando a fazer com que se
questione se realmente me conhece. Posso entender, porque nem eu estou

sabendo como reagir às mudanças que a volta da garota para minha vida
tem causado na minha forma de pensar, sentir e agir.

— Será que não estou? Hoje é apenas a segunda vez que vocês

dois se encontram e é a segunda vez que os pego muito próximos um do


outro. Qual dos dois me dirá que porra está acontecendo aqui?

— Eu... Acho que a minha filha já deve ter sido liberada — a

garota fala, olha para mim pedindo desculpa e sai apressada em direção a
sala onde a pequena está sendo atendida.

Talvez seja verdade que a menina está pronta para ir para casa,
mas é óbvio que a espertinha usou o fato como desculpa para fugir do
embate com o irmão, das perguntas para as quais ela não teria respostas,
não respostas sinceras.

Agora Carlos está me olhando como se eu fosse o seu maior

adversário e acredito que tenha chegado a hora de contar algumas coisas a


respeito do passado. Não preciso e não quero que meu amigo fique com a

impressão de que menti de alguma forma a respeito do meu luto.

— Estou esperando que você me diga alguma coisa, Daniel. Até


onde sei, a morte da sua esposa e do seu filho te deixou doente de uma

forma irreversível e você nunca foi capaz de se curar. Colocou-se em um


buraco do qual não consegue sair, mesmo que já tenha passado sete anos.

De repente, a minha irmã retorna dos Estados Unidos e te vejo no cangote


dela todas as vezes que olho em sua direção. O que realmente está

acontecendo entre vocês dois?

— É melhor termos essa conversa fora longe de um hospital —


declaro e, mesmo desconfiado, Carlos acena positivamente com a cabeça.

— Se é assim que quer, tudo bem. Nós sairemos daqui agora e


você me dará as respostas que procuro, pois mesmo que seja meu melhor

amigo, não permitirei que machuque minha irmãzinha de forma alguma.

— Não é isso que eu quero — declaro.


— Que bom — o homem fala de forma dura e depois vira as
costas para mim. Ele sabe como se controlar nos momentos necessários.

Fico sozinho durante alguns minutos para assimilar o que

acabou de acontecer e em seguida volto para a recepção. Minha filha está


sendo o centro das atenções, mas Tammy parece sentir a minha presença e

olha exatamente para o lugar onde estou quando paro e sorrio para ela.
Carinhosa, a menina beija o rosto do maldito roqueiro e vem até mim.

Não preciso de um exame de DNA para confirmar que essa


garotinha linda é minha filha. A ligação imediata que foi criada quando nos

vimos é prova suficiente.

— Você está bem, princesa? — pergunto com carinho ao


agachar-me e pegá-la em meus braços.

— Estou bem. Você viu como o meu curativo das princesas é


bonito? — Tatá indaga ao erguer a perninha e me mostrar o joelho coberto

com gaze e esparadrapo personalizado.

— Tão bonito quanto você — declaro e dou um beijo na sua

bochecha.

— Você vai me levar para casa? — o questionamento me faz


trocar um olhar com sua mãe, que está ao meu lado observando a nossa

interação sem interferir. Eu gosto da sua coragem, pois mesmo que esteja
com medo das mudanças que a minha presença possa trazer para a sua vida,
ela ainda pensa na menina em primeiro lugar quando não tenta impedir

nossa aproximação.

— Agora você irá com a mamãe, mas prometo que te visitarei


na sua casa.

— Promete de verdade, Dan?

— Eu prometo — declaro, minha pequena dá mais um beijo


doce no meu rosto e vai para os braços da mãe.

Eu poderia aproveitar-me do pedido da menina para levá-la em

casa com a Maria, mas a forma como Carlos está me olhando deixa claro
que ele não permitirá que eu fuja da nossa conversa. Eu também não quero
fugir, essa é a verdade.

No fim das contas, o roqueiro tatuado vai embora com a ruiva,


que descobri ser assistente e amiga da Maria, e ela pega uma carona com
seus pais. Sozinho, dirijo até a casa que aluguei para uma temporada de seis
meses e sou seguido pelo meu melhor amigo com seu carro.
— E então? Está na hora de você começar a falar — Carlos diz
quando o mal termino de fechar a porta de casa. De repente, começo a me
sentir um pouco tenso, porque sei de antemão que a conversa que teremos

não será fácil. Na pior das hipóteses, perderei o meu melhor amigo hoje.

— Deixe-me te servir uma bebida primeiro.

— Eu não quero beber, Daniel Fonseca. Preciso que me diga


por que estava abraçando a minha irmã no hospital e antes estava a
cercando na cozinha dos meus pais.

Em pé no meio da sala, respiro fundo. Sabendo que ele não me


deixará em paz até convencer-se de que falei tudo e fui completamente
sincero, começo a contar sobre a história que ninguém além de mim sabia

até hoje.

— Lembra-se de quando estive aqui em São Paulo há mais de


seis anos e você insistiu que eu saísse para me divertir em uma casa de

shows?

— Como poderia esquecer? Você estava agindo como


verdadeiro pau no cu, com todo respeito ao seu luto.
— Naquela noite em que você me deixou sozinho com as

minhas próprias feridas e foi atrás de mulheres, me sentei no balcão do bar


e uma garota se aproximou. Nós dois começamos a conversar e no fim da
noite, mais bêbados do que deveríamos, fomos para um hotel e fizemos
sexo desenfreado e irresponsável — declaro, Carlos parece confuso sobre a
razão de eu estar contando a história, mas sua ficha logo cai e o homem fica

pálido repentinamente.

— Você não está contando tudo isso para dizer que...

— A sua irmã flagrou o namorado a traindo naquela noite e foi


até a casa de shows para afogar as mágoas. Nós dois nos encontramos e
ficamos juntos. Ela não disse o seu nome e eu não disse o meu. Quando

acordou pela manhã, Maria foi embora sem se despedir e eu não senti nada
além de alívio por não ter que encarar o que considerei um erro.

— Não chame a minha irmã de erro, porra! — Ele exige com

os punhos cerrados, segurando-se para não me socar.

— Ela não é um erro, mas sofri pelo que fizemos durante todos

esses anos.

— Que se foda a culpa que te faz perder o sono, eu quero saber


da minha irmã. O que vai acontecer agora? Vocês simplesmente se
reencontraram e decidiram relembrar o passado? Você vai me desculpar,

meu amigo, mas não desejo um homem como você para a Maria.

— Não a quero como mulher — declaro sem pensar duas vezes,


mesmo sentindo que não é verdade, não completamente.

— Não foi o que pareceu quando estavam tão próximos no


hospital.

— Por alguma razão, ela sente muito medo de decepcionar você


e os pais. Maria está com medo de falar sobre a gente e as consequências da
noite que tivemos.

— Consequências?

— Eu sou o pai da sua sobrinha. Soube disso quando coloquei


os olhos em cima daquela criança — falo de uma vez, sem premeditar o
soco no nariz.

— Você vai consertar essa merda e ser a maldita a melhor


versão de si mesmo para aquelas duas, ou esquecerei da porra dessa
amizade e acabarei com a sua maldita vida.

Bom, poderia ter sido pior, não poderia?


CAPÍTULO 7

MARIA
Parada atrás de uma árvore, meus olhos procuram algo no
parque e não sei exatamente do que se trata até que eu realmente encontre.

A alguns metros de distância, vejo o Daniel e a minha filha correndo como


se um deles não fosse um adulto com mais de trinta anos.

A cena faz com que um sorriso surja no meu rosto, mas é só até
que eu perceba que os dois não estão sozinhos. Uma bela morena na casa

dos trinta anos se aproxima, então Daniel a abraça pela cintura e dá um

beijo na sua boca. Ele sorri de uma forma que nunca sorriu para mim.
Minha filha corre com os braços abertos até a mulher do mesmo jeito que

faz comigo.

Quando o coração dispara e minha boca fica seca de um jeito


ruim, tento sair de trás da árvore para ir até eles, porque tanto Daniel quanto

a Tatá são meus, mas meus pés parecem chumbados na grama. Quanto mais

me esforço, mais me mantenho firme no mesmo lugar, então o desespero

bate e começo a chorar desesperadamente.


Sinto que estou perdendo os dois e não posso fazer nada para

evitar. Há outra em meu lugar, uma mulher que não sou eu está ocupando

espaço na vida da minha menina e do meu homem e minhas mãos estão

atadas. O sentimento de desespero me faz perder o controle, então começo a

gritar para ser ouvida. Chamo seus nomes incansavelmente até a minha voz
começar a falhar, mas nenhum deles é capaz de me ouvir.

Eles estão felizes sem mim e perceber isso causa uma dor que

equivale a ser apunhalada pelas costas, literalmente falando. A dor que sinto

me sufoca, a minha covardia e o meu cansaço imploram para que eu desista,


mas digo a mim mesma que sou forte e que não desistirei nunca, então

continuo a gritar por eles.

— Não, filha. Não me deixa... — sussurro com a voz rouca e a

garganta dolorida de tanto gritar. — Daniel, você não pode fazer isso

comigo...

— Mamãe, você precisa abrir os olhos. — Mesmo que esteja se

divertindo com seu pai e outra mulher, consigo ouvir a voz da minha filha

falando comigo, ela parece tão distante que a dor que me consome fala

muito mais alto e praticamente não consigo a ouvir.

Então tenho uma sensação estranha de estar sendo sacudida de

maneira leve, mas firme o suficiente para me sentar assustada na cama e


despertar repentinamente.

Ao cobrir os meus olhos com as duas mãos, sinto o rosto

molhado por causa das lágrimas e percebo que estava tendo um pesadelo

dos mais terríveis, daqueles que parecem reais demais.

— Filha, o que está fazendo aqui? Quais são as horas? —

questiono, ao segurar o seu pequeno corpo vestido com um pijama fofo e


abraçá-la bem apertado. Eu preciso desse abraço depois de ter me sentido

tão desesperada durante o pesadelo em que havia a perdido.

— O dia amanheceu, mamãe. Vim te acordar porque estou com

fome e fiquei com medo. A senhora estava chorando e balançando a cabeça

de um lado para o outro como se estivesse sentindo dor. — Em sua


inocência, ela não faz ideia do medo que eu realmente estava sentindo.

— Está tudo bem, meu amor. A mamãe só estava tendo um

sonho ruim. Já escovou os dentinhos? — questiono, ao secar as lágrimas e

jogar as más lembranças daquele sonho ruim para o fundo da minha mente.

— Escovei — fala como uma boa menina que me enche de

orgulho todos os dias.

— Então fique aqui na cama que a mamãe escovará os dentes e

tomará um banho rápido. Mais cinco minutinhos e te levarei para tomar

café.
— Tudo bem — Tatá fala e volta a se entreter com o tablet que

quase não deixa de lado.

Enquanto tomo banho, volto a lembrar-me do pesadelo,

sobretudo da parte em que me senti desesperada por ver o pai da minha

filha beijando outra mulher. Embora nunca tenha a visto, no pesadelo a


mulher que tinha os dois representava a falecida esposa do Daniel.

No pesadelo eu enxergava a mulher como uma rival, algo que

seria ridículo se acontecesse na vida real. Além de ela não estar mais aqui,

não sou ninguém para sentir ciúme do Daniel. Eu não sou nada para ele e

ele não é nada para mim. Tudo o que temos em comum é uma garotinha de

cinco anos de idade.

Depois que tomei coragem e abri a boca para dizer o que Daniel

queria ouvir, ele deu um jeito de conseguir o meu contato com o meu irmão

e passou a falar comigo através de mensagens de texto. Não sei se posso

considerar como mensagens as frases curtas e secas que tem me enviado há

uma semana, mais precisamente desde o dia em que tivemos a conversa no

hospital.

Na primeira mensagem, ele avisou que havia pegado o meu

número com meu irmão e pediu desculpas por ter contado a respeito da
noite que tivemos e do fruto da nossa irresponsabilidade. Sim, o homem

conseguiu dizer tudo isso em duas linhas.

Eu disse a ele, em um texto muito mais longo, que não tinha por

que se desculpar. Realmente não tinha, afinal, era uma história que

pertencia a nós dois e eu sabia que nem tão cedo teria coragem para encarar

o meu irmão e falar a verdade. Carlos estava desconfiado e precisava saber

que seu amigo e eu já nos conhecíamos.

Depois que o Daniel me contou sobre ter dito a verdade para o

Carlos, comecei a sentir um frio de nervosismo na barriga, muito medo e

vergonha só de pensar na possibilidade de encarar o olhar de decepção do


meu irmão. Mas ele veio no dia seguinte, abraçou-me e sorriu para mim da

mesma forma de sempre.

Carlos não parecia decepcionado, mas também não desistiu de

fazer um sermão pela minha irresponsabilidade.

Depois do sermão, ele me olhou com uma expressão

preocupada e pediu-me para tomar cuidado com o seu melhor amigo.

Carlos falou que mesmo que goste muito do Daniel, sabe do quanto ele

sofreu e de como não superou a perda da família. Meu irmão deixou claro

que não pretende se meter na nossa relação necessária por causa da menina,

mas me aconselhou mais de uma vez a não, em hipótese alguma, nutrir


qualquer tipo de sentimento amoroso pelo viúvo. Segundo Carlos, e

acredito nele o suficiente para manter-me alerta, Daniel me fará sofrer de

forma irremediável se em algum momento esquecer-me das suas palavras.

Apesar do pesadelo ter me deixado um pouco confusa, já havia


colocado na minha cabeça que não cairei nas armadilhas criadas pelo meu

corpo ou meu coração, que são burros além da compreensão humana. Já

determinei que não irei, nem por um segundo, esquecer qual é o meu lugar

na vida do Daniel.

Depois da primeira mensagem, as próximas que vieram foram

todas relacionadas a Tatá, o que prova ainda mais que ela é o único elo que

temos. O homem parece já estar acostumado com a ideia de que é pai e nem

mesmo chegou a fazer menção ao exame de DNA para confirmar. Embora

eu não tenha dúvidas, mencionarei o assunto, pois não quero que seja algo

para ser jogado contra mim futuramente.

Renuncio a qualquer ciúme ou egoísmo bobo, mesmo ainda

tentando adequar-me à nova realidade de que de repente a minha pequena

tem um pai, e falo tudo o que ele pede para saber a respeito dela. A nossa

relação ainda é um pouco tensa, distante e incerta, por isso ainda não

falamos de como nossas vidas serão daqui para frente.


Pisando em ovos, não chegamos nem mesmo a falar a respeito

de como contaremos para a principal interessada. Não que o assunto seja

algo para ser tratado por mensagens. Como a bola está do seu lado do

campo, estou esperando o seu próximo passo, enquanto tenho pesadelos

onde perco minha filha para ele e seu amor eterno.

— Quem disse que seria fácil agir com maturidade? — falo para

o espelho, enquanto encaro meu reflexo embaçado pela fumaça da água


quente da ducha.

Quando saio do banheiro para vestir minha calça jeans, botas de


cano baixo e a regatinha preta, mal tenho tempo de prender os cabelos no

alto da cabeça e fazer uma maquiagem leve antes de sair apressada do


quarto. Mesmo que minha pequena seja um doce de menina, ela também é

capaz de colocar o apartamento de cabeça para baixo se ficar mais do que


cinco minutos sozinha.

Ao chegar à sala, a vejo sentada no tapete brincando com suas

bonecas como um anjinho. Respiro aliviada no mesmo instante e caminho


até a cozinha para preparar o nosso café da manhã.

O meu trabalho tira de mim a chance de fazer pequenas coisas


como tomar café da manhã com meu amor todos os dias, é por isso que
aproveito sempre que tenho a oportunidade e permito que a babá americana
durma até mais tarde. Ela merece todas as regalias por ser tão boa
profissional, mas ao mesmo tempo amorosa e próxima da Tammy.

A mulher bondosa está ao nosso lado desde os primeiros meses

de vida da Tatá e ela a considera como alguém da família. Se saio


tranquilamente para trabalhar todos os dias é somente por saber que

deixarei meu bem mais precioso seguro.

— Vamos tomar café, pequena? — Aproximo-me, seguro sua


mão e a levo para a mesa da cozinha. O nosso apartamento é pequeno, mas

grande o suficiente para as nossas necessidades e conforto.

Depois de deixá-la na cadeira própria para crianças, sento-me na

sua frente e fico a observando com atenção enquanto devora o bolo de


chocolate e o café com leite que Nica e eu compramos no mercado ontem.

Tatá parece normal e sorridente como sempre, mas a conheço

tão bem quanto a mim mesma e sinto que tem algo a incomodando. A prova
são suas perninhas que não param quietas.

— Aconteceu alguma coisa, princesa?

— Ontem eu também tive um sonho.

— Um sonho? — indago, já imaginando o que virá a seguir.


Não é a primeira vez que vivemos a mesma cena.
— No meu sonho, o papai tinha chegado de viagem e levado
nós duas para morar com ele em uma casa muito bonita com jardim. —

Muito mais do que das outras vezes, hoje eu me sinto particularmente


afetada por suas palavras, provavelmente por saber que agora o seu pai está

mais perto do que ela imagina.

Agora sei que tudo o que eu disser não será nada além da
verdade. Eu falarei as palavras para a minha filha sem o peso na

consciência que as mentiras traziam.

— E se eu disser que o seu papai está bem perto de você? —

começo, sentindo um misto de ansiedade com frio na barriga.

— Ele está?

— Está muito perto e você o conhecerá, meu bebê — declaro,

ela fica tão feliz que sai do lugar e se joga nos meus braços.

— Você é a melhor mamãe do mundo!

— Você que é a melhor filha do mundo, meu bebê — falo e

meus olhos ficam marejados de emoção.

Por ela eu seria capaz de qualquer coisa. Por ela não sinto medo
de nada. É por isso que estou mais calma e confiante do que deveria na

situação com o Daniel. Minha filha me faz mais forte sempre.


— Posso contar para a Nica? Ela vai ficar feliz porque

conhecerá o meu papai — Tatá fala, eu aceno positivamente.

— Primeiro veja se ela não está dormindo.

— Está bem. — A garota sai saltitando da cozinha e me deixa

com um sorriso no rosto.

Pelo visto, serei eu a fazer o primeiro movimento para o Daniel.


Preciso falar com ele sobre a conversa de agora para planejarmos o seu

encontro com a Tammy. Sei que minha menina ficará confusa, mas também
muito feliz quando souber que Daniel é o seu tão amado pai. Ela o amou

quando o viu pela primeira vez e fala do homem todos os dias.

Mesmo se eu tentasse não pensar no Daniel de hora em hora,


Tatá frustraria minhas tentativas.

Com um copo de café puro e sem açúcar nas mãos, apresso-me


pela parte de trás da arena onde será o show de abertura da turnê do Calvin.
O dia de hoje está sendo uma correria louca, mas não é nada com a qual eu

não esteja mais do que acostumada.

— Aqui está o seu café — digo para o meu chefe quando entro
no camarim onde está sendo maquiado.

Com o seu jeito irreverente de sempre, o homem não sabe se


flerta com a maquiadora casada, se a aliança enorme no seu dedo for uma

dica, ou se faz o mesmo com a Mila, que não responde e apenas rola os
olhos para cima.

Apesar do tom de brincadeira, a tensão sexual da parte do

Calvin chega a ser palpável.

— Obrigado pelo café e por sua presença que enfeita qualquer

ambiente, minha linda. — Agora é a minha vez de receber atenção do idiota


aqui.

Antes que eu tenha a chance de prever o seu movimento, algo

que aprendi a fazer há anos, o doido me agarra pela cintura e me puxa para
cima das suas pernas.

O susto faz com que eu solte um gritinho e meu cotovelo bate

sem querer na sua mão. Ele acaba derramando o café morno em toda sua
camisa social branca. Em vez de xingar como qualquer ser humano normal

faria, o homem solta uma gargalhada estridente e que chama a atenção de


todos os presentes no camarim, inclusive do homem que está de costas
depositando uma bandeja com os alimentos preferidos do Calvin na mesa

encostada na parede esquerda.

Quando o estranho se assusta com o meu grito e olha em nossa


direção, deparo-me com Daniel me encarando com cara de poucos amigos

no colo do Calvin. Imediatamente, levanto-me e ajeito a minha roupa como


se tivesse sido pega no flagra enquanto traía o meu marido. As brincadeiras

do Calvin já fizeram pessoas nos entenderem errado e me colocaram em


apuros parecidos com esse muitas vezes, mas suas ações passam a ter pesos
diferentes quando são feitas na presença do pai da minha filha.

Não que ele saiba dessa informação, e aposto que também não
imaginou que Daniel estaria aqui. Os dois sentiram antipatia mútua quando

se viram e Calvin deixou claro em alguns momentos na última semana que


pretende levar essa bobagem adiante.

Calvin é aberto e totalmente expansivo. O sorriso mora no seu

rosto quase o tempo todo. Daniel é fechado, introvertido e triste. Tão frio
que poderia congelar o verão. Talvez o fato de serem opostos explique a

animosidade.

— Daniel?
— Desculpem-me por interromper o momento de intimidade do
casal. Só estou fazendo o meu trabalho.

Que idiotice é essa que ele está falando?

Será que não percebeu que na sala tem mais de cinco pessoas
além dele e que o astro está apenas brincando comigo?

Aliás, qual o motivo do tom passivo-agressivo por trás da frase

seca e aparentemente impessoal?

O problema é que seu jeito de me olhar não é nada impessoal.

Parece querer me sacudir e me abraçar ao mesmo tempo. Contando com a


primeira vez em que estivemos juntos, Daniel nunca demostrou tantas

emoções com um único olhar como agora.

— Daniel...

— Depois a gente se fala — ele diz e deixa a sala sufocante.


Calvin me olha se perguntando o que tenho com o Daniel. Eu também
respondo com o olhar dizendo que não é assunto seu.

Além do Carlos, ninguém sabe sobre o viúvo ser o famoso pai


fantasma da Tatá. É melhor que continue assim até tomarmos algumas

decisões.
— Nenhuma palavra — digo com o dedo em riste para o Calvin
e a Mila, embora ela não tenha tentado interferir.

Esperta do jeito que é, aposto que está suspeitando que o melhor


amigo do meu irmão e eu temos um passado e que não é verdade que
acabamos de nos conhecer.

Ao sair, só agora me questionando o porquê de ele estar logo


aqui, olho para os dois lados e vejo Daniel entrando em uma sala. Disposta
a falar com ele, o sigo e descubro que entrou em uma cozinha. Apesar de ter

levado café para o meu chefe, peguei das mãos da copeira e ainda não sabia
a respeito desse lugar.

Quando entro e fecho a porta, vejo Daniel de costas mexendo

em alguns pratos com doces. Como se estivessem acostumados a serem


invisíveis, as duas mulheres, imagino que sejam suas funcionárias, saem da
cozinha e nos deixam a sós.

— O fato de você estar aqui é uma coincidência? — pergunto, o


homem se vira de supetão e me olha com surpresa, como se não esperasse
que eu viesse atrás dele.

— E por que não seria? Não sei se você foi informada, mas sou
chef de cozinha e dono de uma rede de restaurantes com unidades em quase
todo o Brasil. Haverá um show aqui e fui contratado para fazer o buffet do
camarim do seu querido chefe e de toda banda e equipe.

Lembro-me de ter deixado essa parte do planejamento com a


Mila e ela não deve ter percebido que era o meu Daniel.

Meu?

Foda-se!

— Por que está dando uma explicação longa e detalhada como


se não me conhecesse?

— Porque eu não te conheço — declara.

— Conheceu o suficiente no passado. Tanto que me engravidou

— Será que sempre usaremos aquela como um trunfo nas


nossas discussões? — pergunta com ironia e eu percebo que será impossível

conversar com ele.

— Não se preocupe, não haverá mais discussões — digo, viro-


me e abro a porta.

Antes que eu saia, Daniel bate a mão na porta com tanta firmeza
que ela se fecha novamente com um estrondo. Ele está atrás de mim e posso
quase sentir o calor do seu peito nas minhas costas, embora não faça ideia

de como chegou até mim tão rápido.


— Olhe para mim, Maria — pede, eu balanço a cabeça

negando.

— Não pensei que fosse covarde — declara, viro de frente e o


encaro com a cabeça erguida.

O meio sorriso de satisfação deixa claro que ele fez de propósito


por aparentemente ter aprendido como me fazer reagir.

— Perdoe-me por ter sido grosso. Eu não sou assim.

— Não me diga que é um doce com outras pessoas.

— Não sou. Apenas mantenho distância.

— Mas não mantém de mim.

— Não como deveria — afirma, não sei o que pensar ou o que


sentir, apesar de não ter deixado passar o fato de ele ter usado a palavra

dever, em vez de querer.

— Ela sonhou com você ontem à noite — digo. Sinto que a Tatá

será um terreno seguro para mim sempre que começar a esquecer-me de ser
prudente com Daniel.

— O que você fez?

— Eu disse que em breve te conhecerá e ela ficou radiante.


— Você e ela estão prontas para isso? — Daniel pergunta,

parecendo que realmente se importa.

— Você está? — devolvo.

— Não sei ao certo como me sentir, mas acredito que está na


hora de tirarmos essa pedra do nosso caminho. Será mais fácil depois disso
— ele explica.

— Tudo bem, vamos continuar mantendo contato pelos


próximos dias enquanto eu a preparo. Saberei quando for o momento certo
— falar justamente com ele sobre isso é estranho. — Se me der licença...

— O que vi naquela sala? — o homem pergunta, antes que eu


possa fugir.

— Não sei do que você está falando. — É claro que sei.

— É amante daquele idiota?

— Você pode ser o pai da minha filha, mas não tem nada a ver
com a minha vida amorosa.

— Talvez eu possa mudar essa realidade mais rápido do que


você imagina. — Suas palavras e olhar são tão intensos que me fazem
recuar e sair da sala sem uma resposta na ponta da língua.
Quando me vejo do lado de fora, tento puxar uma respiração

calma e colocar meus pensamentos em ordem. Não permitirei que Daniel


entre na minha cabeça e bagunce meus pensamentos e sentimentos, porque
estou perfeitamente ciente de que ele é um homem que não tem a menor
intenção de seguir em frente sem deixar o rastro de dor em qualquer uma

que ouse se enganar a seu respeito.

Não permitirei que faça isso comigo. Se Daniel é perigoso,


posso ser três vezes mais para fazê-lo recuar e nunca descobrir o quanto

aquela noite me mudou, e não me refiro apenas ao fato de ter me tornado


mãe.
CAPÍTULO 8

MARIA
ALGUNS DIAS DEPOIS

Faz pouco tempo que voltei para o Brasil, mas aconteceram

tantas mudanças na minha vida que é quase como se tivesse passado um


ano inteiro. Passei os últimos dias fazendo de tudo para não me lembrar da

cena estranha com o pai da minha filha antes do primeiro show do Calvin,
mas falhei miseravelmente todas as vezes em que deitei para dormir e

demorei a pegar no sono por causa dos pensamentos sobre ele povoando a

minha mente.

Não faço ideia do que estou sentindo, mas não gosto nada do

fato de estar vulnerável perante um homem que não quer nada comigo e

nem com mulher alguma. No fim das contas, digo a mim mesma com muita
convicção de que toda a dificuldade para tirar seu olhar da minha cabeça é

tão somente pela carência que estou sentindo.

Embora o sexo não seja uma prioridade na minha vida e que

todos tenham sido apenas satisfatórios depois dele, o meu corpo sente
necessidades como o de qualquer mulher. Como faz tempo que não saio

com ninguém para me divertir, meus hormônios estão me enganando e

tornando aquele homem mais importante do que ele realmente é.

No que se refere a nossa filha, continuamos nos comunicando

através de mensagens e ligações agora. Temos encontrado formas de fazer


com que sempre se encontrem. São encontros que precisam parecer naturais

para que não confundam a sua cabecinha, mas ela se sente feliz todas as

vezes que fica junto com o Daniel. Não importa quem esteja com sua

atenção no momento, Daniel sempre a rouba para si quando surge diante


dos seus olhos e quase chego a sentir ciúme.

Carreguei a pequena traidora durante nove meses, a criei

sozinha por cinco anos e ela simplesmente se apegou a um pai que ainda

nem sabe que é mais do que o seu amigo Dan.

Como meu irmão é a única pessoa que sabe a verdade, os dois

encontros que aconteceram na última semana foram na sua casa. Apesar de

ele nos olhar com atenção o tempo todo e de não conseguir esconder que

não gosta nem um pouco do fato de ter o seu melhor amigo perto de mim,

Carlos aceitou bem a ideia de o Daniel ser o pai da sua sobrinha.

Sei que no fundo ele acredita que eu não poderia ter dado um

pai melhor para ela, mesmo sabendo de todos os problemas do amigo com o
luto. Está bem claro para o meu irmão e eu que o chef de cozinha se torna

uma pessoa completamente diferente quando se trata da Tammy.

Hoje ainda é sexta-feira e em plena dez horas da manhã já estou

me sentindo exausta com a demanda de compromissos que surgiram com a

turnê badalada. Hoje vim trabalhar no escritório e estou há duas horas

organizando a agenda do meu chefe e amigo no computador. Embora eu

esteja sozinha, gostaria de estar com a Mila, ou sendo perturbada pela

minha estrela do rock. Só assim me esqueceria do Daniel e das nossas

pendências.

Qualquer coisa seria uma desculpa para o tirar da minha cabeça,

inclusive meu celular que está tocando agora. Ao desbloquear a tela,

estranho o fato de ser uma ligação de casa, considerando que Nica sabe

como lidar com a Tatá e só liga quando realmente precisa de mim.

Apreensiva, atendo no segundo toque.

— Oi, Nica. Pode falar.

— Você checou a Tatá hoje de manhã?

— Entrei no quarto antes de sair para dar um beijo nela. Por que

está perguntando? Aconteceu alguma coisa?

— Ela está com um pouco de febre.


— Estou indo para casa agora — declaro, ao estender a mão e

puxar minha bolsa para perto de mim.

— Maria, não precisa ficar apavorada. Ainda é uma febre leve e

só liguei para te manter informada. Fique aí. Tentarei lidar com a febre e te

ligarei caso ela piore, está bem?

— Tem certeza de que pode fazer isso? Eu não gosto da ideia de

continuar trabalhando quando a minha filha não está bem — declaro. Ela é

minha prioridade, mesmo quando estou cheia de trabalho como hoje.

— Tenho certeza. Você sabe que posso cuidar da nossa

garotinha, não sabe?

— É claro que você sabe, querida. Eu que não sei o que seria de

mim sem você na minha vida.

— Seria a mesma mulher brilhante de sempre. Você é capaz de

tudo quando se propõe a fazer algo.

— Esse elogio merece um aumento de salário — brinco.

— Eu não iria reclamar — ela devolve a provocação e esboço

um sorriso. — Deixe-me ir agora, porque preciso tratar daquela manhosa.

Qualquer novidade te ligo.


Depois que a babá da minha filha desliga, tento retomar minha

concentração no trabalho, mas é simplesmente impossível continuar cem

por cento focada. Mais de duas horas depois, meu celular volta a tocar.

Pego o aparelho com uma mão e começo a guardar os meus pertences

pessoais na bolsa antes de atender.

— Querida, está na hora de você vir para casa. A febre dela

aumentou muito e nada que dei conseguiu baixar a temperatura.

— Estou a caminho. — Desligo e saio da sala. Dirigindo

cegamente e em alta velocidade, ligo para o Calvin e para Mila. Aviso que

saí mais cedo e o porquê de eu ter feito isso. Eles ficam preocupados e me
fazem prometer que ligarei para dizer em que hospital ela está.

— Ei, fiquei sabendo que tem uma princesinha dodói aqui? —

falo, ao entrar em seu quarto e a encontrar deitada e desanimada na cama.

Tatá só fica assim quando adoece.

— Mamãe, estou sentindo muito frio.


— Eu sei, meu amor. A mamãe te levará até o hospital para que

o médico passe um remédio, está bem?

— Tenho medo de médicos, a senhora sabe. Eles são maus e

sempre me fazem chorar quando aplicam aquelas injeções e remédio com


gosto ruim.

— Querida, nós duas já conversamos sobre médicos, lembra?

Eles são como super-heróis e tudo o que fazem é para que você melhore

depois, mesmo que sinta alguma dor ou gosto ruim na boca pelos remédios.

— Eu não gosto! — ela volta a repetir ao cruzar os bracinhos

sobre o peito, fazendo birra como uma garota manhosa. Geralmente Tatá é

mais tranquila e não age dessa forma. Mas isso é só até que fique doente.

— E se eu ligar para o titio Carlos e pedir para que fique na sala

na hora que o médico estiver te consultando? Ele é mais forte do que você e

do que a mamãe. Com certeza te protegerá, porque é um super-herói mais

forte do médico. — Tento outra abordagem para a fazer cooperar logo.

Acabei de checar sua temperatura e ela está com muita febre.

Não posso perder tempo sem levá-la de uma vez para que um profissional

me diga por que está se sentindo tão mal.

— Eu amo o tio Carlos, mas meu amigo Dan é muito mais forte

do que ele. Os seus poderes são melhores do que os do médico.


É sério que isso está acontecendo?

Minha garotinha está mesmo escolhendo o pai que conheceu

ontem? Em vez do tio, uma das pessoas que mais adora na vida?

Mas não é o momento de me questionar a respeito disso, é?

— Tudo bem, princesa. Agora você tem que ajudar a mamãe e a

Nica. Te deixaremos pronta e depois te levaremos para o carro, está bem?


— questiono, ela balança a cabeça positivamente. — Prometo que ligarei

para o seu amigo Dan no carro.

— Eba!

— Você está com saudade dele?

— Muita. Ontem sonhei com o papai de novo. No meu sonho o


papai era o Dan.

— Filha...

— E então? Essa princesinha já está pronta? — Nica entra no


quarto antes que eu cometa o erro de contar a verdade para minha filha da

pior forma possível. Depois dos dois últimos encontros, acredito que todos
nós estamos prontos para esse grande passo, mas com certeza não será aqui
e muito menos assim.
— Ainda não. Você sabe como ela fica quando está dodói, não
sabe? — digo, a babá sorri para minha filha que fica um pouco sem jeito.

Em cinco minutos deixamos a Tatá pronta e arrumamos uma

bolsa com alguns dos seus pertences e peças de roupas que levaremos para
o hospital. Quero pensar que não será nada sério, mas sempre estou

prevenida quando se trata dela.

Enquanto dirijo, vez e outra olhando rapidamente para a


interação entre a Tatá e a Nica no banco de trás, tento criar coragem para

ligar para o Daniel e pedir que vá até o hospital. Sei que ele vai querer estar
presente, que isso se tornou tanto um direito quanto um dever a partir do

momento em que soube a respeito da paternidade, mas sinto que estou


despejando uma responsabilidade grande repentina em cima dos seus

ombros. É irracional, principalmente depois de eu ter feito tudo sozinha


durante todos esses anos, mas não posso controlar os meus sentimentos.

Sabendo que não posso mais protelar e que é importante que ele

esteja presente quando a filha for atendida pelo médico pediatra que minha
mãe indicou após a rápida a ligação que fiz, desisto de fazer a chamada e

envio um áudio pelo WhatsApp. Aviso por alto que a Tatá não está bem e
preciso que me encontre no hospital. Em seguida mando a localização e

jogo o celular no banco vazio do carona.


Quando chegamos, pego meu amor em meus braços e a levo
apressada até o doutor Peres. Como é conhecido dos meus pais há muitos

anos, e só quando o vejo de perto recordo-me de que foi o meu pediatra


quando eu era criança, ele não teve problema para encaixar a consulta da

Tammy. Levo menos de cinco minutos para preencher alguns papéis com
dados da minha menina e em seguida ela é encaminhada para o

atendimento.

Não deixo de perceber os seus olhinhos procurando pelo pai de


um lado para o outro antes de ser levada. Estou indo logo atrás, mas paro

por um segundo para tentar conter o nó na garganta e a vontade de chorar.


Não sei como explicar o que aconteceu entre os dois, mas minha menina

simplesmente criou uma conexão emocional inquebrável com o homem que


a colocou no meu ventre. Acima de qualquer coisa, sinto-me culpada por

não ter notado o quanto ela realmente sentia falta de uma figura paterna até
que ficasse escancarado.

Meu irmão e o Calvin sempre estiveram presentes de alguma


forma, mas eles nunca preencheram esse lugar em seu coração. Embora ela
não entenda, sou sua mãe e noto claramente que é diferente com o Daniel.

Tanto é que já colocou o seu rosto nos sonhos frequentes que tem com o
pai.
— Maria. — Ouço a voz dele antes de ter a chance de entrar

atrás da minha filha e do doutor Peres. Olho para trás e por um momento
perco o equilíbrio e o fôlego pelo impacto que sua beleza e presença física

causam em mim. Por mais que eu tente resistir à atração de todas as formas,
é irresistível e mais forte do que eu.

Mesmo sabendo que dificilmente faria algo a respeito das

reações que o meu corpo tem a este homem, estou me convencendo neste
instante que não tem problema algum em sentir, desde que eu apenas sinta a

uma distância segura.

— O que está acontecendo?

— Saberemos agora. Ela entrou no consultório com o pediatra


— falo, entro na sala e o homem me segue.

Tatá está sentada em uma maca enquanto o doutor Peres a


examina. No momento em que ela o percebe, sua expressão corporal muda.

Seu rosto se anima e até os seus olhos ficam mais brilhantes. É uma
devoção desmedida e que não teria qualquer explicação se eu não soubesse

que isso se chama sangue falando mais alto.

— Dan, você veio!

— Claro que vim, princesa. Eu não te deixaria sozinha de forma

alguma — ele afirma com o modo pai amoroso ativado. É uma versão que
só a minha filha tem e não faço ideia se Daniel percebe essa faceta da sua

personalidade.

— Agora que você está aqui não sinto mais medo. Tenho um
super-herói e ele é você. — Surpresa pela declaração aberta e inocente,

encaro o moreno bonito e vejo o momento em que ele engole em seco. É


claro que Daniel ainda não sabe como lidar com todo o amor que a

garotinha de cinco anos sente por ele, mas posso dizer que está se saindo
muito bem em demonstrar os seus sentimentos para ela.

— Se sou seu herói, então prometo que te protegerei de todo


mal — ele faz a declaração e meu útero chega a coçar, metaforicamente

falando.

Se eu não soubesse que Daniel tem problemas com


relacionamentos, diria que ele nasceu para ser pai e talvez até mesmo um

marido exemplar. Provavelmente o homem foi o melhor esposo que sua


falecida poderia ter encontrado. Ela deve ter morrido sabendo que amou e

foi amada completamente.

— Vocês três moram juntos? — Depois de alguns minutos


trabalhando em silêncio e fazendo-me acreditar que estava alheio a

conversa dos dois, Peres faz a pergunta.


— Não, somos apenas a minha filha e eu. — O homem mais
velho ajeita a postura e recolhe o seu estetoscópio.

— Medi a temperatura corporal dela antes de vocês entrarem e

realmente está um pouco elevada, mas esse primeiro exame clínico não
apontou a causa da febre. Receitarei alguns comprimidos e pedirei mais

uma bateria de exames, mas tenho quase certeza de que a febre é


emocional.

— Emocional? — indago sem entender nada.

— Talvez essa garotinha linda só esteja sentindo saudade do pai


— o homem fala olhando diretamente para o Daniel.

Sim, a interação entre os dois fez o médico adivinhar a relação

de pai e filha.

— Ele não é... — Deixo a frase morrer na metade para não dizer
uma inverdade.

Ele não é o quê? O pai da minha filha?

Porque Daniel é o seu pai e eu não consigo acreditar que Tatá


realmente sente sua ausência. Ela não está sentindo saudade de um pai

inexistente cujo rosto nunca viu, sente falta do Daniel, a quem considera um
amigo, o homem que viu somente algumas poucas vezes.
Tentando me convencer de que o doutor está errado, olho para
minha pequena e ela parece culpada. Não que uma criança saiba como

sentir culpa. Na verdade, ela não olha para ninguém além do Daniel.
Sabendo que a garota precisa dele agora, o homem se aproxima e a pega em

seus braços.

— Talvez seja isso — digo a contragosto. — De qualquer


forma, esperarei o resultado dos outros exames — declaro, o pediatra

balança a cabeça positivamente.

Ainda estou com os meus pensamentos no que aconteceu

durante a consulta quando saímos do consultório. Ao voltar minha atenção


para a pequena, a vejo com a cabeça deitada no ombro do pai. Está

aconchegada de uma forma que faz parecer que fez isso a vida inteira.

— Posso levá-las para casa?

Minha vontade inicial é de dizer não, mas me recordo do que foi

dito pelo médico e minha resposta muda.

— Não quero te incomodar.

— Eu estava supervisionando o novo restaurante e acabei vindo


com um carro de aplicativo. Posso perfeitamente te levar em casa no seu
carro.
Meu irmão me contou que ele retornou a São Paulo basicamente
para retomar o projeto que havia abandonado há seis anos. Provavelmente,

tomou tal atitude depois de passar a noite comigo. Ele quis fugir de tudo o
que dizia respeito a mim.

— Tudo bem. — Aceito, porque não é o momento de agir com

teimosia. Na verdade, não tenho motivos para fazer algo do tipo.

Em silêncio ao lado da Nica, nós três nos encaminhamos para o


conversível que na verdade é um dos carros do meu irmão. Ele me

emprestou pelo tempo em que ficarei aqui no Brasil.

A viagem até o meu apartamento dura vinte e cinco minutos. Se


o clima no banco de trás é leve e pautado por uma conversa animada entre a

Nica e a Tatá, o clima na frente é o extremo oposto. Daniel e eu não


conversamos e agimos como se não nos conhecêssemos, tão tensos que a
tensão poderia ser cortada com uma faca.

Assim que chegamos, destravo o cinto de segurança com a


intenção de pegar minha filha com a babá e sair correndo da presença do
Daniel, antes de conversarmos sobre o que foi dito pelo médico. É

irracional, mas sei que falar sobre o assunto nos levará a tomarmos
decisões. Decisões que podem causar mudanças na vida de nós três e não
gosto nem um pouco disso. Antes que eu fuja, Daniel segura o meu pulso e
fala:

— Fica mais um pouco, preciso falar com você. — Contrariada,


balanço a cabeça. Eu não tenho qualquer chance contra esse homem, tenho?

— Nica, você pode subir com a Tatá? Terei uma conversa breve
com o Daniel e subirei dentro de cinco minutos. — A essa altura, Tatá já
está cochilando nos braços da babá. Ela não gosta de dormir durante o dia,

mas o fato de estar doente a deixou baqueada.

Quando as duas entram no prédio, respiro fundo e olho para o


Daniel. Ele me encara de um jeito estranho e confuso, como se estivesse

organizando seus pensamentos e elaborando exatamente o que dirá a seguir.

— Você acha que o pediatra tem razão?

— Sobre ela sentir a sua falta?

— Sim. Também sinto vontade de passar mais tempo com a

nossa filha, mas sou adulto e posso lidar melhor com a saudade. No caso
dela talvez não seja tão simples.

— É bem provável que o doutor Peres esteja certo. Eu carreguei

aquela garotinha no ventre durante nove meses e cuido dela sozinha desde
então. Te garanto que nunca a vi tão emocionalmente apegada a uma pessoa
como está com você. Vocês se viram poucas vezes, mas é algo tão intenso

que chega a ser surreal.

— Provavelmente ela sente que sou seu pai. Assim como soube
que Tammy era minha filha quando a vi pela primeira vez.

— Por que estamos falando desse assunto aqui e agora? —


questiono, aturdida.

— Talvez devêssemos deixar o medo de lado e falar com a


menina de uma vez.

— Não pretende fazer exame de DNA? Eu não tenho a menor


dúvida, mas talvez você não tenha e queira ter cem por cento de certeza.

— Nunca estive tão certo sobre algo e não preciso de um exame

de DNA para provar.

Daniel me deixa sem palavras, algo que não é fácil de alguém

conseguir.

— Tudo bem, podemos fazer um jantar aqui no seu apartamento


por ser um ambiente familiar. Sentaremos e contaremos a verdade. O único

problema é que Tammy passou a vida ouvindo que eu estava viajando a


trabalho — declara, e odeio-me quando sinto minhas bochechas
esquentando de constrangimento. E daí se menti? Fiz isso por um bem

maior no final das contas.

— Sinto muito — falo, sem saber exatamente o porquê.

— Você fez o que achou certo — ele afirma e deixa meu


coração leve. — Pode deixar que pensarei em uma boa história para
justificar a mentira que você precisou contar.

— Acredita que saber que você é o pai ajudará a Tatá com a


saudade que sente? Depois de tantos anos ela precisa de muito mais do que
alguns encontros esporádicos e rápidos na casa do meu irmão.

— Eu sei, é por isso que farei um convite.

— Convite? — Realmente não faço ideia do que está passando


pela sua cabeça.

— Eu sei que as nossas vidas estão um pouco bagunçadas no

momento, que você mora nos Estados Unidos e eu estou apenas de


passagem por São Paulo, mas nós estamos aqui agora e temos uma filha em
comum. Até chegar a hora de tomarmos alguma decisão a respeito do futuro
e da distância que existirá entre nós, quero conhecer e conviver o máximo

de tempo possível com ela.

— Você não está...


Não, Daniel não pode estar a ponto de fazer uma proposta como

essa.

Ele quer a Tatá... Ou quer nós duas. Nenhuma das opções é

possível.

— Eu gostaria que você viesse morar no meu apartamento com


a nossa filha pelos próximos três meses.

— Não podemos fazer isso, Daniel.

Não posso, não é? Mesmo que uma parte insensata esteja ávida
por mais tempo com ele.

— Por que não podemos?

— Eu poderia citar uma série de motivos, mas o principal deles


é que nós não nos conhecemos e não nos entendemos. Você não pode

simplesmente me convidar para morar na sua casa.

O homem pensa que é fácil e não está considerando o que as


outras pessoas pensariam dessa loucura, inclusive os meus pais, que ainda

não sabem a verdade.

— Sim, eu posso — ele fala. — Não estou te convidando para

ter um caso comigo, Maria. Só preciso da minha filha e ela precisa de você
e de mim neste momento. Seria o arranjo perfeito. Por favor, tente pensar na
criança.

— Tudo o que faço na vida é pensando na minha filha, e você

não tem o direito de tentar usar isso como chantagem.

— As palavras significam que pensará na minha proposta? —

insiste, nem um pouco abalado com minha dureza.

Porra! Não há mesmo como escapar.

— Significa que pensarei. Mas antes de tudo diremos a verdade.


Dependendo da reação dela, talvez eu me mude.

Falei sério, realmente sou capaz de fazer qualquer coisa pela


minha menina, inclusive colocar-me à mercê desse homem.

— Independentemente da resposta, preciso te pedir uma coisa.

— Pode pedir, só não garanto que poderei fazer.

— Por favor, não se apaixone. Não sinta nada por mim, porque
eu te daria apenas dores e frustrações.

— Acredite, não existe a menor possibilidade de algo assim

acontecer — falo.
Mas algo me diz que qualquer coisa que possa acontecer estará
completamente fora do meu controle e não tenho a menor dúvida de que
Daniel realmente cumpriria suas palavras de me ferir, mesmo sem intenção.
CAPÍTULO 9

DANIEL
Faz apenas dois dias que a minha filha nos deu um susto e foi
parar no hospital com febre, mas já é a terceira visita que faço ao

apartamento onde mora com a mãe. Na mesma noite em que a trouxe do


hospital para casa, a pequena me acordou no início da madrugada com uma

ligação. Ela não conseguia dormir e eu não pensei antes de correr até aqui.

Naquela noite fiquei no quarto da Tatá e conversei com ela até

que dormisse, mas saí praticamente correndo depois disso. Tudo para não

ficar mais tempo que o necessário perto da sua mãe. As nossas interações
ainda são estranhas porque não sei como agir com ela e acredito que Maria

também não saiba como se sentir em relação a mim. Eu entendo que não é

fácil acordar um dia e ter que lidar com a chegada do pai da filha na sua

vida, mas tanto ela quanto eu teremos que nos acostumar com a nova
realidade.

No fundo, por mais que eu não queira admitir, Maria desperta

algo em mim. Não sei se é exasperação ou uma atração indesejada,

sentimentos com os quais não estava mais habituado e por isso não tenho
conseguido dormir bem a noite. Na verdade, faz muito tempo que não tem

uma noite tranquila de sono, mas reencontrar Maria tornou tudo ainda pior.

Para minha total surpresa e sentimento de culpa que chega a ser

doloroso, os pesadelos com minha falecida esposa transformaram-se em

sonhos sobre a irmã do meu melhor amigo. Se antes de dormir eu passava


horas pensando em tudo que perdi, na saudade que sinto da mulher que

amei e do filho que nem cheguei a conhecer, hoje sou atormentado pelas

lembranças nubladas da noite em que estive com a Maria. Também penso

no quanto a mulher é linda, no quanto seu corpo é tentador de uma forma


que torna impossível para um homem não olhar em sua direção. Até mesmo

um homem como eu, que acreditava ter perdido a capacidade de sentir

desejo e reparar seriamente no sexo feminino.

Mas eu reparo na garota, muito mais do que gostaria e do que

minha consciência precisa. Tudo isso tem me deixado mais perturbado do

que o normal. Eu poderia simplesmente abandonar o meu projeto para o

restaurante mais uma vez e voltar para o Espírito Santo, o meu lugar seguro,

mas minha filha está entre nós dois e não pretendo desistir de estar com ela.

O fato de a Maria ser tão compreensível, mesmo que eu esteja

vendo seu esforço para não se apavorar a cada encontro que temos, tem me

ajudado a criar coragem e abrir o meu coração para amar o fruto do nosso
envolvimento. Além de toda bagunça que a garota causa na minha mente,

ainda há espaço para a admiração. Mesmo com sua teimosia e as tentativas

de me irritar todas as vezes em que nos encontramos, não posso negar que

Maria é forte, bem-sucedida e independente. Não lembro se algum dia

conheci uma mulher como ela, pelo menos, não uma tão madura e bem

resolvida para a pouca idade de vinte e cinco anos.

Já faz mais de meia hora que estou com o carro estacionado na

frente do seu prédio perdido em pensamentos e buscando coragem para

subir. Mesmo que eu tenha estado com elas outras vezes, hoje é diferente

por ser a noite em que Maria e eu contaremos para a Tatá que sou seu pai.

Estou muito nervoso, e acredito que Maria esteja se sentindo da mesma


forma. Apesar de tudo, é algo que precisamos e quero muito fazer. Amo a

menina como não imaginei que fosse capaz de voltar a amar alguém além

das pessoas que me colocaram no mundo.

Além do amor, ela tem feito nascer um forte instinto protetor e

começo a pensar que a proteger será o maior objetivo da minha vida. Com
muito custo, admito que também tenho desejo de proteger sua mãe quando

penso no assunto. Mesmo que Maria e eu ainda não saibamos nos

relacionar, gosto dela mais do que gosto da maioria das pessoas.


— Você tem que fazer isso, Daniel — digo em voz baixa para

mim mesmo, ao tirar a chave do carro e sair do veículo. Entro facilmente

pela portaria, tudo por quê a garota avisou que minha entrada deve ser
permitida em qualquer situação. A subida do elevador parece durar meia

hora em vez de poucos segundos. Antes que eu toque a campainha, a porta

é aberta e eu simplesmente perco o fôlego quando os meus olhos batem na

irmã do meu melhor amigo.

Pecaminosamente linda e gostosa demais para que qualquer

homem com sangue nas veias possa suportar, ela parece diferente das outras

vezes. Agora que não tem a aparência de alguém que passou o dia inteiro

andando de um lado para o outro sem parar, os cabelos castanhos escuros e

ondulados estão soltos e a maquiagem simples torna o seu rosto angelical e

a faz parecer bem mais jovem do que os seus vinte e cinco anos. A parte da

tentação fica por conta da vestimenta.

Como se tivesse esquecido de que temos algo importante para

fazer hoje, a garota usa uma camisa branca folgada que mal alcança o topo

das suas coxas. Elas parecem visualmente macias ao toque. Ao subir

rapidamente o olhar para os seus seios, tenho dificuldade para desviar

novamente quando percebo que não se deu ao trabalho de colocar um sutiã

por baixo.
Quando o meu pau ameaça ganhar vida, surge o questionamento

indecente se ela está vestindo algo por baixo da porra da camisa. Se essa

não fosse a Maria e a nossa situação fosse completamente diferente, tomaria

a forma como está me recebendo como uma tentativa de sedução, que

claramente daria certo, mas não é o caso e só posso concluir que essa seja a

moda do momento. Também prefiro acreditar que há no mínimo um short

muito curto por baixo da camisa branca. Não tenho a menor dúvida quanto

a ausência de um sutiã, pois além de eu ter olhado o suficiente, os seus

mamilos estão deliciosamente duros agora.

Desde quando voltei a ter esse tipo de pensamento?

Quando foi que voltei a ter que tentar distrair os meus

pensamentos com outras coisas para não ficar duro na frente de uma

mulher?

— Vai ficar parado na porta ou entrará de uma vez? — ela


começa me atacando quando percebe a forma como estou a encarando. Se

fosse mais covarde, aposto que correria até o quarto agora mesmo e trocaria

de roupa.

Maria não quer ser alvo de olhares de desejos meus, assim como

o que menos desejo no momento é passar a enxergá-la como uma mulher

desejável com a personalidade, corpo e rosto que me atrairiam facilmente


em outra época. Como dizem os mais jovens: essa garota é totalmente o

meu tipo.

Aposto que também é o tipo daquele idiota a quem chama de

chefe. Não suporto a forma como Calvin Derek parece um pavão com
aquele sorriso e mãos bobas que sempre estão dispostas a abraçar alguém.

Mesmo que tenha o visto no máximo três vezes, foi o suficiente para

enraizar esse sentimento e não ajuda o fato de ele parecer sempre preparado

para dar em cima da mãe da minha filha.

A relação deles não deveria ser uma questão para mim, porque

não é da minha conta, mas o fato de me sentir incomodado conta outra

história.

— Eu estava esperando seu convite gentil para entrar —

provoco-a com uma gentileza irônica.

É assim que falamos um com o outro na maior parte do tempo,

mas apenas quando a nossa filha não está por perto. Na frente dela fingimos

que somos melhores amigos há anos.

Sem dizer uma única palavra, a mulher escancara ainda mais a

porta do apartamento e dá espaço para que eu entre. Em vez de esperar para

fechar a porta novamente, Maria vira as costas e se afasta de mim. O

problema é que a sua atitude arrogante me leva a encarar a bunda mal


coberta pela camisa e meu pau contraria todas as minhas ordens ao

endurecer de forma instantânea.

Por ser algo que não vem acontecendo com frequência, o fato de

eu estar excitado chega a ser doloroso e constrangedor. Se ter me tornado

celibatário nunca pareceu difícil, agora que estou tendo uma ereção me

pergunto quão rápido eu gozaria se voltasse a entrar na boceta de uma

mulher. Aposto que seria na primeira metida.

Pare de pensar bobagens, idiota!

— Preciso usar o banheiro — declaro e, sem esperar pela sua

resposta, deixo a sala.

Ao entrar, apoio as duas mãos na bancada da pia e olho para o

espelho. O rosto que vejo refletido parece diferente do que estou


acostumado, o de agora é claramente de um homem com tesão. O tipo de

tesão que um adolescente teria com a sua primeira paixão. Não sei como me
sentir enquanto encaro os meus olhos: se apavorado ou maravilhado.

Mesmo que eu tenha passado tempo demais impondo a mim

mesmo um tipo de penitência para aliviar a culpa, houve um momento no


meio do caminho em que percebi que já não era algo que eu estava me

obrigando a fazer, porque simplesmente havia perdido a capacidade


experimentar todas as sensações ligadas ao prazer físico e até mesmo ao
sentimento de estar feliz.

De repente, duas mulheres entraram na minha vida quase como

se fosse um milagre e tudo começou a mudar muito rapidamente. Agora sei


que sou capaz de amar minha filha e até mesmo acreditar que posso ser um

bom pai. De repente, sinto-me atraído pela única mulher que poderia me
fazer cometer um erro, tanto poderia que cometi no passado.

Talvez tenha passado tempo demais e eu falhe em todas as

minhas tentativas de continuar me martirizando e sofrendo com a culpa


inexplicável pela perda da mulher que eu amava. Não resisti a Maria há seis

anos, mesmo tomado pela dor, e talvez esteja condicionado a não resistir
agora e nem nunca.

Merda!

Não posso pensar assim. Não posso, porra!

Pelo menos o embrulho no estômago pelos desejos que estão se


tornando mais evidentes e urgentes fez a minha ereção diminuir. Tudo sobre

esse encontro diz respeito a Tatá e eu não deveria nem mesmo estar
pensando na sua maldita mãe, que possivelmente é muito mais do que

assessora de imprensa daquele cantor.


Quando retorno para a sala, me deparo com mãe e filha sentadas
no sofá de dois lugares. A minha pequena, cujos olhos tão parecidos com os

meus ainda me surpreendem, parece uma princesa com seus cabelos presos
com um laço no topo da cabeça e o vestido branco com bolinhas pretas.

Provando que o pediatra estava certo, o exame adicional não apontou uma
causa específica para a febre. Ela ter melhorado mais rapidamente com a

minha presença foi a prova contundente de que minha filha só estava


sentindo a minha falta.

Tammy ainda não sabe que sou seu pai, mas me ama como se

tivesse passado a vida inteira sendo cuidada por mim. O fato por si só me
faz completamente feliz, mas saber que sou capaz de despertar esse

sentimento em uma garotinha torna minha respiração mais fácil.

Talvez, e apenas talvez, eu não seja esse monstro indigno que

acredito ser há anos.

— Você veio me visitar, Daniel! — Ela pula do sofá e corre até


mim. Eu me ajoelho para ficar na sua altura quando abro os braços e a

aperto contra o meu peito. Com os olhos na sua mãe, jogo uma piscadinha.
Ela abre um sorriso de canto e relaxa a postura no mesmo instante. Dará

tudo certo. Não tem por que ser diferente.


— Eu vim. Você está feliz? — questiono quando me levanto

com a criança em meus braços. No sofá ao lado da Maria, ajeito a garotinha


nas minhas pernas. Sentindo-se segura, ela envolve o bracinho na parte de

trás do meu pescoço e sorri para a mãe, que devolve com o sorriso mais
bonito que já vi.

Não! Com certeza o seu sorriso não é o mais bonito que já vi.

Como posso pensar assim se o sorriso da minha esposa sempre

foi uma das características que mais chamava minha atenção nela?

— Muito feliz — ela declara. Apesar de eu ter feito uma visita

ontem, Tammy estava com saudades.

Olho para a Maria e pergunto em silêncio se é a hora de


começarmos a conversa. Como se estivesse lendo a minha mente, ela acena

discretamente com a cabeça.

— Pequena, a mamãe e o Dan precisam conversar com você —


a mulher começa.

— Mas nós já estamos conversando — o comentário inocente


me diverte e Maria me fuzila com o olhar.

— Uma conversa séria.

— Igual as conversas de adultos que não posso ficar para ouvir?


— Isso mesmo — sua mãe responde e ela até ajeita a postura

em cima das minhas pernas para parecer que é adulta. Tatá é uma garotinha
muito inteligente para sua idade e todo mérito é da mulher que está ao meu

lado. Ela quase não tinha idade e maturidade suficientes na época em que
nossa filha nasceu, mas foi perfeita na sua criação até aqui.

— Finalmente vou poder ficar na sala para uma conversa de

adultos — fala, nós dois não aguentamos e sorrimos juntos.

— Lembra quando contei que o seu pai estava viajando a

trabalho, mas que um dia voltaria para cuidar de você?

— Eu lembro, mamãe. Espero todos os dias que volte e me


abrace. Sinto tanta saudade. Mas a senhora disse que ele estava voltando,

não disse?

— Disse. Mas a mamãe estava enganada e o seu pai não sabia

que havia te colocado na minha barriga. Ele não voltou antes porque não
sabia onde nós duas estávamos, meu amor.

Quando Maria e eu conversamos a respeito do assunto, sugeri

que contássemos tudo o que fosse o mais próximo possível da verdade. É o


que ela está fazendo agora.

— Agora que sabe da gente, ele virá nos buscar? E se o papai

não gostar de mim?


— Ele já sabe que tem uma filha linda. Além do mais, é
impossível que alguém não goste de você, princesa.

— Que dia que o meu pai virá? — Tatá pergunta, Maria faz um

gesto discreto com a cabeça, deixando-me saber que é a minha vez de falar.

— Tatá...

— Dan, você ouviu o que a Maria falou? O meu papai vem me

ver — ela comenta e não lembro de ter a visto tão feliz como agora.

De repente, Tatá me olha de uma forma diferente e o sorriso


morre no seu rosto. Troco um olhar com a sua mãe e ela parece também não

entender sua reação.

— O que aconteceu, princesa? Você está bem?

— Estou feliz, mas sonhei que você era o meu pai. Eu queria

muito que o meu papai fosse você — as suas palavras me emocionam de tal
maneira que os meus olhos se enchem de lágrimas, mas as engulo em seco.

Há quantos anos não me permito chorar? Agora estou aqui,

tendo que me segurar por uma garotinha que me tem na palma da sua mão.
Por alguma razão, mesmo que eu não mereça essa graça, a vida me

presenteou com algo de valor inestimável.


— Princesa, olhe para mim — peço, e ela faz. — E se eu disser
que sou o seu pai?

— Você é? — questiona com os olhinhos esperançosos.

— Sim, sou o seu pai, Tammy. — Seus olhos castanhos


esverdeados aumentam de tamanho, então a garota olha para a mãe em

busca de uma confirmação.

— É verdade, mamãe?

— É verdade. O seu Dan é o papai que você tanto sonhou em

conhecer. Ele soube que você existia e veio correndo te encontrar porque te
ama muito.

— Você me ama, Dan?

— Mais do que tudo no mundo, princesa. Você é o meu presente


inesperado — declaro, então ela sorri e me abraça pelo pescoço durante
alguns segundos. Quando ergo a cabeça para encarar a mãe da minha filha,
a vejo com os olhos marejados e um sorriso que é tanto de alívio quanto de

alegria no rosto.

Tudo está acontecendo graças a ela, que é corajosa. Sua

coragem tanto mexe com meu coração quanto me excita.

— Dan é o papai que eu queria. Posso te chamar de pai agora?


— Você deve. Nada me deixaria mais orgulhoso.

— Agora vai morar comigo e com a mamãe?

— É isso que você quer? — pergunto, olhando diretamente para


a Maria. Ela não me deu a resposta definitiva porque estava esperando pela

reação da filha. Agora está claro que é exatamente isso que a menina deseja.

— Sim. Quero ficar junto com o senhor e com a minha mãe.

Quero que vocês dois se casem e que me deem um irmãozinho. Eu sempre


quis um irmãozinho, mas mamãe disse que só poderia me dar um quando se
casasse e ela não quer aceitar o pedido de casamento do tio Calvin.

Maria começa uma crise de tosse e tenho certeza de que é por


causa da palavra casamento e nós dois juntos na mesma frase.

— Se a sua mãe quiser, podemos ficar juntos até que vocês

voltem para os Estados Unidos — falo, preferindo não comentar a respeito


de casar-me com Maria ou sobre ter um filho com ela. Espero que Tatá não
insista no assunto.

As nossas vidas diferentes e o fato de morarem em outro país


são problemas nos quais não quero pensar agora. Ainda temos alguns meses
até que Maria precise retornar, e sei que até lá nós dois daremos um jeito de

nos entendermos quanto a isso.


No momento, não consigo nem pensar em ficar longe da filha
que acabei de descobrir.

— Mamãe, Dan pode vir morar com a gente?

— Se ele quiser, por mim tudo bem. — Percebo que está


falando com contrariedade, mas é incapaz de negar algo que parece ser o
melhor para a filha.

— Você quer ficar comigo e com a mamãe, não é?

— Claro que quero. O que acha de vocês virem para minha

casa? Na propriedade tem um jardim enorme com piscina para você se


divertir, pequena.

— Quero ir para sua casa. Nós vamos, mamãe?

— Sim, querida — ela confirma.

— A Nica também vai morar com a gente — a garotinha não


está pedindo, apenas avisando. — Ela cuida de mim desde que eu era um
bebê.

— Teremos um quarto para sua babá na casa nova, não se


preocupe.

Depois de anos morando sozinho e evitando até mesmo visitas,

terei mais três pessoas junto comigo e não faço ideia de como será a
experiência. Pela minha filha, sei que será maravilhosa. O que me preocupa

são as outras duas, sobretudo a que está ao meu lado e que foi o meu ponto
fraco há algum tempo.

— Eba! A Nica está no quarto arrumando os meus brinquedos.

Vou até ela para avisar que precisamos fazer as malas. — Pela forma que
age, minha filha está acostumada a viajar e aparentemente não é uma vida
que a incomoda.

Quando Maria e eu ficamos a sós, elimino o espaço que havia


entre os nossos corpos e me aproximo dela no sofá pequeno. Ela foge do
meu olhar, mas ergo sua cabeça pelo queixo e a obrigo a me encarar.

— Já está feito e você não tem motivo para sentir medo agora.

— Quem disse que estou com medo?

— O medo está estampado na sua cara.

— Se você diz — a mulher fala. — Eu não tenho medo de nada,


Daniel Fonseca, muito menos de você.

— Que bom, isso significa que teremos uma boa convivência e

seremos bons amigos.

Por alguma razão, não consigo me imaginar sendo amigo dessa

garota, e não é somente por eu ter enfiado o pau na sua boceta há séculos.
— Não sei se posso ser sua amiga — declara quando suas

bochechas ficam rosadas.

— Posso saber por quê?

— Sei que não significou nada para você e que nem queria estar
comigo naquela noite, mas nada muda o fato de termos ficado juntos.
Mesmo que me irrite o tempo todo com esse seu jeito de foda-se para o

mundo, recordo-me do que fizemos sempre que te olho.

— As lembranças te excitam? — Não faço ideia do que estou


fazendo.

— Talvez, mas apenas porque existe uma parte de mim que está
doente. De outra forma, eu não sentiria nada além de rancor pelo homem
que chamou pelo nome de outra mulher todas as vezes em que transou

comigo naquela maldita noite. — A revelação me deixa em choque e sem


palavras quando nossa filha volta correndo para a sala.

Ela monopoliza a nossa atenção, mas eu não só não consigo me


concentrar nas interações com a minha filha como não sou capaz de
esquecer-me do que Maria acabou de revelar. Tento buscar o seu olhar, mas
ela foge de mim o tempo todo. Fico sem chão e sem acreditar que fui capaz
de fazer uma babaquice tão grande e imperdoável.
Agora que sei o que aconteceu, sinto ainda mais admiração pela

mulher, porque ela teria todo o direito de me tratar como um lixo, depois do
que fiz há alguns anos. Maria está sendo boa para mim, então tomo a
decisão de tentar remediar o meu erro, ainda que pareça imperdoável.

Antes que o nosso arranjo termine, farei com que Maria acredite
que mesmo que eu tenha ficado confuso, culpado e bêbado demais para
saber o que estava fazendo, vi o seu rosto e senti o seu cheiro o tempo todo
nos últimos anos. De alguma forma, não fui capaz de a esquecer em

nenhum momento, seja pela culpa, ou por razões que tentei sufocar até
agora.

Não tenho nada que uma garota como ela poderia querer, mas
darei tudo de mim para não a machucar, mesmo que pareça inevitável para
um homem quebrado como eu.
CAPÍTULO 10

MARIA
Os meus pais estranharam a minha atitude quando pedi para que
eles marcassem um almoço em família e que convidassem Daniel que, até

onde sabem, é apenas o melhor amigo do meu irmão. Mesmo assim,


nenhum dos dois fez perguntas e apenas concordaram com o meu pedido.

Agora, três dias depois de termos contado para a nossa filha toda a verdade,
estamos diante dos meus pais e eles esperam que digamos algo.

Meus pais são espertos demais para se enganarem. Ainda que

não fossem, só o fato de o Daniel e eu estarmos sentados lado a lado, e de


vez em quando trocando olhares tensos, já seria o bastante para colocar uma

pulga atrás da orelha de qualquer pessoa.

Ainda tem a minha filha. Ela se jogou nos braços do Daniel


assim que o homem chegou e o chamou de pai algumas vezes na frente dos

avós. Eles não disseram nada, mas não puderam esconder suas expressões

surpresas com a cena que presenciaram. Depois de tantos anos desejando

ter um pai e esperando com ansiedade pela volta da suposta viagem, eu não
tinha a menor dúvida de que a minha pequena ficaria extremamente

radiante se um dia a mentira se tornasse verdade.

Só que ela está mais do que radiante, pois não ganhou um pai

qualquer, mas sim o Daniel, que a enfeitiçou de alguma forma no instante

em que seus olhares se encontraram. Ela não consegue pensar ou falar em


outra coisa que não seja no seu pai. Quando estou em casa, Tatá me pede

para ligar para o homem e sei que faz o mesmo com a Nica durante o dia

inteiro.

Tão feliz quanto ela, Daniel tem sido paciente e passa até mais
de uma hora no telefone com a menina. Ele fez visitas rápidas duas vezes

depois que conversamos com a Tatá e não perdeu a chance de me pressionar

para que eu me mudasse de vez para sua casa. Eu disse que estava me

preparando e realmente estava. Também deixei que soubesse que não me

mudaria até conversar com os meus pais, porque seria muito estranho se eu

simplesmente fosse morar com o melhor amigo do meu irmão, um homem

que, em tese, não conhecia até semanas atrás.

Quando falei que marcaria esse almoço, Daniel se dispôs a vir

junto comigo, já que o assunto também lhe diz respeito, e aceitei

prontamente. É sempre bom ter alguém para dividir os problemas. Agora

que almoçamos e devoramos a sobremesa, estamos sendo observados com


atenção e o Carlos não ajuda quando não consegue esconder sua risadinha

satisfeita. Ele adora o fato de nós dois estarmos nos sentindo acuados.

Aposto que está vendo isso como vingança por termos transado um com o

outro.

— Eu imagino que haja uma razão especial para estarmos

reunidos hoje — seu Armando comenta.

Nervosa, ainda sentindo aquele antigo medo de decepcionar a

minha família, começo a falar sobre como Daniel e eu nos encontramos em

uma casa de shows há alguns anos, sobre termos bebido além da conta e ido

para um hotel. Fico constrangida quando preciso contar a respeito do que

fomos fazer lá, embora pareça óbvio, então o pai da minha filha abre a boca

e me ajuda a não morrer de constrangimento. Menos contido do que eu, o

homem bonito fala com todas as letras que fizemos sexo várias vezes em

uma só noite e que provavelmente nos descuidamos com a camisinha em

uma dessas vezes.

Minha mãe entende rapidamente o rumo que a conversa tomará,

mas meu pai fica olhando para o Daniel com a sobrancelha arqueada e uma

expressão séria. Eu imagino que ele não tem interesse na nossa vida sexual

separados ou juntos. Mas sei que mudará de opinião quando ouvir o resto

da história.
Então conto como me senti mal quando deixei o quarto naquela

manhã e não deixo passar a parte em que não sabia nem mesmo o nome do

homem com quem havia ido para a cama. Também abro o meu coração a
respeito de como me senti desesperada e sozinha quando descobri que

estava grávida de um desconhecido por causa de uma noite de

irresponsabilidade.

— Filha, nunca entendi a sua recusa em dizer o nome do pai da

sua filha. Passei todos esses anos acreditando que você sabia, mas que

estava protegendo a identidade da pessoa por alguma razão. Agora está me

dizendo que não sabia o nome ou onde o encontrar?

— Sinto muito, mãe. Sei que não há justificativas para o que

fiz, mas não contei porque eu sentia muito medo de decepcionar a senhora e

o papai. Vocês não me amaram e me criaram tão bem para que eu

engravidasse da forma como aconteceu — enquanto falo, tenho a atenção

de todos que estão na mesa em mim.

Daniel não tira os olhos de mim um segundo sequer, pergunto-

me se ele tem alguma noção do quanto foi difícil carregar o fardo de sempre

estar com medo de dizer algo e decepcionar as pessoas que me amam

incondicionalmente. Eu sei que são os meus pais tanto quanto seriam se


tivéssemos o mesmo sangue, mas um lado meu sempre se sentirá compelida

a fazer de tudo para não os deixar sofrer, sobretudo, por minha causa.

Por eles suportei um peso que eu precisava dividir com alguém,

mas não me arrependo das decisões e escolhas difíceis que precisei fazer.

— Sou a sua mãe e o Armando seu pai, Maria Botelho. Você

não precisava ter nos poupado de nada e não nos decepcionaria de forma

alguma. Você é humana e está suscetível a cometer erros como qualquer

pessoa, então nem pense em esconder coisas de nós dois no futuro —

mamãe fala com um tom de voz choroso.

— Não esconderei — declaro de maneira sincera. Ela sempre

foi como uma amiga confidente para mim e até aquela noite eu realmente

não tinha o hábito de esconder coisas.

— Então quer dizer que você é o pai da minha neta? — seu

Armando questiona, mas o seu tom não é manso como o da esposa. Daniel

engole em seco e acena positivamente com a cabeça.

— Curioso, porque ouvi dizer que você era um viúvo muito

apaixonado pela falecida esposa. Também ouvi dizer que havia se tornado

celibatário. Aparentemente, a regra não se aplica à minha filha.

— Papai! — constrangido, Carlos chama a atenção do nosso

pai. Mas ele merece esse tipo de constrangimento por ser um fofoqueiro.
Por mais que os meus pais tenham certa convivência com o pai da minha

filha, não sei se eles deveriam saber sobre como o homem se sente a

respeito da perda da sua família.

— Só estou querendo entender, filho — papai declara e dá de


ombro, agindo de um jeito que o faz parecer inocente.

Sortuda é a minha filha que está brincando no jardim com a

Nica e se livrou da conversa estranha, porém necessária. Depois dos meus

pais, o Calvin e a Mila serão as únicas pessoas que ainda não sabem quem é

o pai da Tatá. Mas em breve eles saberão.

— A sua filha e eu estávamos solitários naquela noite e

buscamos o conforto e a companhia um do outro. Abrimos mão das

apresentações e por isso ficamos anos no escuro a respeito da paternidade

da sua neta. Mas a vida nos colocou frente a frente novamente e agora farei

o possível para compensar o tempo perdido.

— Pelas suas palavras, deu para entender que está disposto a ter

uma convivência próxima com a Tatá, mas e quanto a Maria? Foi apenas

um caso de uma noite? Ou vocês pretendem ser um casal? O que fará

quando a Maria tiver que retomar a vida nos Estados Unidos, Daniel?

— Papai, não acha que está fazendo muitas perguntas?

— Não acho. Sou seu pai e tenho que zelar pelo seu bem-estar.
— A Maria e eu estamos começando a nos organizar agora e

optamos por não ficarmos pensando demasiadamente no futuro. Quanto a

nós dois, não somos um casal, mas espero que sejamos amigos pelo bem da

nossa filha.

Claro! É tudo pelo bem da Tammy.

Repito as palavras em pensamento, uma frase que tenho

treinado nos últimos três dias para fingir que não estou animada para ficar
perto dele para o entender e conhecer melhor. Eu só não sei se quero

entender e conhecer melhor os sentimentos que esse homem desperta em


mim.

Se for para ser sincera comigo mesma, tenho que admitir que

me senti atraída pelo Daniel quando eu vi naquele bar. Eu estava com o


coração partido por ter pegado meu namorado transando com uma amiga

nossa, mas sempre apreciei a beleza masculina e a sua causou um impacto


muito grande em mim. Tão grande que esqueci do meu coração partido

muito rapidamente.

Na frente dele, fui ousada como nunca havia sido e impus a

minha presença ao seu lado. Lembro-me até hoje de como sugeri que a
gente fizesse sexo e fui rejeitada. Não posso nem mesmo usar a desculpa de
que estava bêbada, porque ainda não tinha bebido suficiente. No fim das
contas venci, mas a vitória teve um gosto amargo no final. Depois de uma
filha e de seis anos sem nos vermos, aquela atração ainda continua aqui.

Não é só sobre a beleza física. Com seu jeito introvertido e o

olhar que quase sempre está triste ou vazio, o viúvo desperta uma
curiosidade quase irresistível, o desejo de entrar na sua mente ou tocar seu

coração com minhas próprias mãos. Algo me diz que morarmos juntos fará
com que eu esteja constantemente em perigo de me magoar, mas a coragem

e a teimosia sempre foram características fortes em mim e elas não me


deixariam recuar.

— A neta de vocês e eu mudaremos para a casa do Daniel e

ficaremos com ele nos próximos meses.

— O que?!

Ouvimos um coro que nem se tivessem ensaiado teria saído tão

perfeito. Daniel e eu deixamos claro que não existe nada entre nós e agora
estamos contando que estamos indo morar juntos. Não é como se não

houvesse uma razão muito forte por trás da decisão e é isso que começamos
a explicar para todos com suas expressões de surpresa.
Depois de uma tarde inteira tendo que falar sobre o passado e o
futuro, além de responder perguntas que me deixaram constrangida,

finalmente estou novamente na frente do meu prédio. Ainda bem que o


Calvin tem estado mais calmo nos últimos dias e facilitado a minha vida

com isso. Se além de todos os meus problemas eu ainda tivesse que lidar
com ele, já teria enlouquecido.

Depois de passar o dia inteiro correndo pelo gramado e

brincando na piscina, Tatá se cansou e acabou dormindo contra o ombro da


babá durante a viagem até aqui. Assim que paramos, Nica a pegou nos

braços e entrou na frente. Agora Daniel e eu estamos sozinhos no espaço


reduzido do veículo, que parece ainda menor para nós dois e nossas tensões.

— Não foi ruim — ele comenta.

— Realmente, poderia ter sido muito pior — Daniel dá uma

risadinha. Aposto que está se lembrando de alguns momentos estranhos que


viveu durante a tarde com os meus pais e irmão.
Não deixo de perceber que Daniel tem começado a dar sorrisos

genuínos. Antes ele até tentava, mas parecia quase uma obrigação e nenhum
dos sorrisos alcançavam seus olhos. Com certeza é por causa da filha e

espero que ela seja uma espécie de antídoto para as suas dores.

— Quando virá para minha casa? Você falou que se mudaria


depois que conversássemos com seus pais e fizemos isso hoje — pressiona.

Não que eu precise disso, porque tomei uma decisão e estive trabalhando
nela nos últimos dias.

— Se estiver tudo bem para você, podemos ir amanhã. Todas as

minhas coisas já estão organizadas e prontas para o caminhão de mudança


— falo, mais uma vez o homem lindo mostra o belo sorriso para mim. Meu

coração dispara como se o sorriso estivesse tocando diretamente o meu


corpo e me incendiando.

Será que a minha carência é tão grande que até um sorriso me

deixa com calor?

— Eu não sei como te agradecer por ser tão legal comigo

quando não mereço nada de você — a declaração me surpreende e fico sem


palavras por um segundo.

Só consigo pensar que sei exatamente como poderia demonstrar

sua gratidão.
Porra! Foco, Maria.

— Quero um beijo — como se eu fosse incapaz de preservar

minha sanidade mental, solto a provocação e espero pela reação,


considerando que não posso engolir as palavras.

— Perdão? — O homem parece chocado e está um pouco


pálido.

Acredite, meu caro, nem eu sei o que estou fazendo. Por isso eu

tinha medo de ficar tão perto.

Aí está a razão de eu ter certeza de que sairei machucada dessa

história. Quando se trata do Daniel, esqueço-me de agir com normalidade.


Foi assim no passado e aparentemente não mudou no presente.

— Um beijo como forma de agradecimento — digo, porque não

posso agir como uma covarde e fingir que não disse nada antes. Para não
ficar muito estranho, acrescento uma risada ruidosa no final. Talvez o

homem pense que foi apenas uma provocação.

Enquanto gargalho como uma louca, sou observada por um


Daniel que não me deixa saber o que passa pela sua cabeça. Ele me encara

com intensidade até que o meu sorriso morra, então o viúvo me surpreende
quando se livra do seu cinto de segurança e se curva perigosamente perto do

meu corpo para destravar o meu. Agora tenho as minhas costas


pressionadas contra o encosto da cadeira do carona e o seu peito a um
centímetro de distância, enquanto seu rosto fica ainda mais próximo.

Sinto o cheiro do perfume masculino, o calor do seu corpo e o

da respiração contra as minhas bochechas quando passa lentamente a mão


pela minha cintura até alcançar a parte onde o cinto se encaixa. Prendendo a

respiração, mal ouço o clique quando Daniel me liberta da maldita coisa. O


homem me surpreende mais ainda quando bem lentamente passa a acariciar

minha bochecha com a ponta do seu nariz bem-feito. Ele faz isso uma vez e
outra, sinto-me tão completamente atingida que deixo escapar um pequeno
som de gemido.

Não tem nada a ver com desejo e prazer sexual, não ainda. É
apenas a surpresa pelo gesto de carinho para o qual não estava preparada.

— Por que você está fazendo isso? — com muito custo, consigo

fazer a pergunta.

— Por que está me provocando? Não deveria ter percebido que

não sou um homem com quem você gostaria de brincar? — Apesar das
palavras frias, o tom da fala é aveludado. Eu não poderia pensar numa

versão do Daniel capaz de falar assim, como se quisesse me seduzir e me


fazer gozar apenas com sua voz.
— Quem disse que foi uma provocação? Você falou que não
sabia como agradecer e eu te dei uma opção — assevero, ainda incapaz de

me apegar ao bom senso e recuar.

Daniel aprenderá muitas coisas a meu respeito, uma delas é que


nunca recuo. Pelo menos, nunca sou a primeira.

— Então quer que eu te agradeça?

— Quero.

— Com um beijo? — Tenho certeza de que as suas perguntas

são apenas tentativas de me fazerem fugir como uma garotinha assustada.

Daniel também deveria saber que não é bom brincar comigo.

— Com um beijo — reafirmo minhas palavras.

Quando percebe que não me vencerá, Daniel respira fundo e


quase acredito que ele será o primeiro a recuar para continuar mantendo sua

máscara de frieza e o afastamento social até mesmo da mãe da sua filha.


Mas em vez de ser sensato por nós dois, ele simplesmente leva a mão até
minha nuca e encosta a boca na minha.

Por um instante, permanecemos com os nossos olhos abertos


nos encarando e nos respirando mutuamente com os lábios unidos, mas sem
se moverem. Então a intensidade e atração entre os nossos corpos leva a
melhor sobre todo o resto e nos atracamos como se nossas vidas
dependessem disso. Fecho os olhos e começo a sentir tudo o que não tive

nos últimos anos. Para um homem que se privou tanto, Daniel beija bem
pra caralho.

A língua envolve a minha com segurança e maestria e eu me

deixo levar pelo domínio através de um simples beijo. O toque das nossas
bocas não se restringe a elas, então um calor insuportável corre pelo meu
sangue e alcança o meio das minhas pernas, levando-me a sentir uma
vontade louca de subir em cima do seu colo e me esfregar até chegar ao
orgasmo. Com a entrega que só ele poderia me dar, imagino o quanto seria

gostoso se a gente transasse agora que estamos sóbrios.

Que delícia...

Que beijo gostoso...

Como eu preciso de mais, muito mais...

Há um redemoinho de pensamentos confusos e ansiosos


enquanto as nossas línguas se buscam. Mesmo sabendo que o beijo

complicará tudo entre a gente, não quero que termine. Eu poderia


perfeitamente passar horas e horas sendo consumida por essa boca e nunca
me sentir satisfeita. Eu poderia me derreter nos seus braços e ainda assim
sentir que não foi o suficiente. Eu poderia repetir a noite em que transamos
sem parar aqui e agora.

Mas as coisas não são como quero e muito menos tão simples.
Quando subo a mão pelo seu peito e tento o puxar para cima de mim,
Daniel termina o beijo bruscamente e me encara como se estivesse vendo o

seu pior pesadelo encarnado.

Não estou surpresa com a sua reação e já esperava por ela, mas

não deixo de sentir-me magoada.

— Isso não pode acontecer novamente — o homem fala, ao


limpar a umidade da boca com as costas da mão como se não suportasse a

ideia de continuar com o meu gosto e umidade do nosso beijo nos seus
lábios.

Ele está enojado comigo, porque o fiz fraquejar mais uma vez

na sua maldita missão de viver o luto eterno.

— Não se preocupe, já entendi que você não pode simplesmente

pegar o que quer sem depois agir como se tivesse matado alguém.

— Você não entende...

— E não quero entender! Vamos esquecer o que aconteceu e


sermos bons amigos para o bem da nossa filha.
— Você está certa — diz. Odeio o fato de estar concordando

comigo.

— Claro que estou. Não se preocupe, você não terá que lidar
comigo pedindo beijos.

— Não estou preocupado.

— Ligarei amanhã para avisar a hora exata em que chegaremos


— Daniel tinha algo a mais para dizer, mas saio do seu carro antes e
caminho apressada para a entrada do meu prédio.

Ainda com o corpo pegando fogo e a boca formigando pelo


beijo intenso e gostoso, sinto que minhas pernas estão um pouco bambas,
mas tento ignorar a tensão entre as coxas e o coração disparado no peito. Na
verdade, só preciso de uma boa noite de sono e um banho gelado para

colocar a minha mente no lugar.

Mais do que nunca, tenho que fazer alguma coisa para matar
esse desejo e atração insana que me ameaçam depois de tantos anos. Talvez

esteja na hora de eu sair em busca de uma conquista fácil e sem graça, se


comparada a tudo que seria se fosse com o homem que realmente incendeia
meu corpo.

Tem que ser assim. É isso, ou correr o risco de ter o meu


coração esmagado.
DANIEL
TARDE DO DIA SEGUINTE

— Você finalmente veio, princesa — digo ao abrir os braços


para que a Tammy se jogue. Estou acostumando-me tão rapidamente com a
nova realidade de ter uma filha que às vezes parece que ela sempre esteve

aqui.

— Eu vim, papai. Estava ansiosa e a minha Maria disse que


demorei para dormir ontem à noite — ela comenta nos meus braços.

Estamos parados no portão da casa que aluguei há algumas semanas.

Elas acabaram de chegar com o caminhão de mudança e no

momento estou tomado por um misto de emoções.

Apenas observando a minha interação com a filha, a garota de


olhos castanhos e baixa estatura não diz nada. Sua expressão parece uma

página de papel em branco e não faço ideia do que pensar a respeito disso.

Sei que passei a noite inteira tendo pesadelos por causa do beijo
que nós dois trocamos ontem. Não pensei quando me aproximei dela,

segurei sua nuca e comecei a devorar sua boca como se estivesse faminto.
Na verdade, realmente estava faminto e fingia não perceber. Queria poder
acreditar que teria acontecido com qualquer mulher depois de ter chegado

ao limite, mas sei que ela foi a razão da minha entrega e sempre será.

Quando cheguei fui direto tomar um banho gelado, porque

estava dolorosamente excitado. A partir de então, não consegui fazer nada


além de pensar na boca macia e deliciosa da garota. De repente, enquanto
tentava trabalhar no meu notebook para distrair minha mente, comecei a
criar fantasias e a lembrar de nós dois há seis anos naquele quarto de hotel.

Desisti e deixei meus pensamentos correrem. Acabei dormindo


no sofá mesmo, mas fui acordado no meio da madrugada depois de um
pesadelo horrível com a minha esposa e o bebê que tive que enterrar. No

sonho, Karen estava chorando com um bebê morto nos braços e culpando-
me por presenciar minha felicidade ao lado de outra filha e de uma mulher
que não era ela.

No mesmo instante, levantei-me do sofá, fui até o painel da


televisão e peguei uma das fotos que tiramos na nossa lua de mel em
Fernando de Noronha. Passei vários minutos em pé olhando fixamente para
nós dois juntos e ainda assim os meus pensamentos continuaram me

levando para outra mulher. Fiquei tão confuso que cheguei a acreditar que
enlouqueceria de vez naquele momento em que me vi dividido entre a dor
da perda e o desejo de começar a seguir em frente para tentar ser feliz.
Sempre que o desejo surge, a culpa vem mais forte e joga na minha cara que
não mereço nenhum tipo de felicidade. Não com a minha filha, não com
outra mulher.

Jogado no sofá e olhando fixamente para as lembranças de um


passado em que fui feliz, vi o dia amanhecer e mal consegui lidar com os
meus funcionários no novo restaurante no centro da cidade. Quando Maria
ligou avisando que estava vindo no carro do seu irmão, sendo seguida pelo

caminhão de mudança, deixei tudo e vim para recebê-las.

Agora que estou com minha filha nos braços e olhando


fixamente para sua mãe, não sou atingido pela culpa e tudo que consigo

sentir é esperança. A esperança que acreditei ter enterrado junto com a


minha família.

O problema de reprimir sentimentos durante tantos anos é que


eles rompem as barreiras em algum momento e causam um caos sufocante.

— Seja bem-vinda, princesa — digo as palavras olhando

diretamente para Maria. Preciso que entenda que as palavras se estendem a


ela. São principalmente para ela, que está fazendo por mim muito mais do
que mereço.

Por falar em merecimento, só agora percebi que no primeiro dia


quebrei a promessa de não a machucar. Tenho certeza de que Maria não
ficou feliz com a forma como foi repelida ontem. Ela ficará fechada como
uma ostra perto de mim e eu não gosto nada de pensar nisso.

Sem dizer uma única palavra para mim, a garota começa a


direcionar os homens que trouxeram seus pertences, indicando onde devem
os deixar no jardim da residência. Maria age como uma verdadeira líder, e
essa é mais uma qualidade para colocar na sua lista. Mantendo distância por
não saber como agir depois de ontem, ajudo-a em tudo até que se instale

com a nossa pequena em um quarto e faça o mesmo pela Nica, uma mulher
na casa dos quarenta cujo olhar bondoso transmite confiança.

Enquanto trabalhamos, a criança e sua babá se divertem no


jardim. Sorrio internamente por ter acertado quando imaginei que minha
filha fosse gostar da casa.

Nem em um milhão de anos eu poderia acreditar que voltaria a


viver em família. Não pensei que fosse ser presenteado com uma filha,
muito menos com uma garota como a Maria, que é o meu tormento, mas
também é a pessoa que está me fazendo sentir todos os tipos de emoções

quando já não sentia mais nada.

Não será fácil mudar os velhos hábitos para seguir em frente,


mas chegou a hora de tentar pela minha filha e por essa mulher que está
longe de ser um erro. Talvez ela tenha sido o meu único acerto depois que
deixei de viver.
CAPÍTULO 11

DANIEL
Estou tendo uma boa noite, então o meu sono começa a ser
perturbado pela sensação de que estou sendo atentamente observado por

alguém em pé ao lado da minha cama, alguém me encarando com olhos


cheios de ódio.

No início tento me mexer, mas parece que a missão é


impossível, por mais que eu me esforce. Depois de vários minutos

debatendo-me, suando e com a respiração acelerada, finalmente consigo

abrir os olhos e sentar-me com as costas contra a cabeceira da cama de


casal. Quando ergo o olhar, deparo-me com a Karen mais uma vez

chorando em silêncio e me encarando com o bebê recém-nascido e morto

nos braços. Ele está todo enrolado em um pano branco, não consigo ver o

seu rosto, mas algo me faz ter certeza de que não está vivo.

— Por que nos abandonou? Você prometeu, Daniel.

— Não... Não abandonei você, meu amor — digo com um nó na

garganta, mas minhas palavras parecem mentirosas até para os meus


ouvidos.

— Por que você não nos ama mais?

— Eu amo. Jamais abandonarei vocês.

— Você está mentindo! — a mulher que sempre foi doce fala


vários tons acima do normal e sua voz parece distorcida, como se ela fosse

o monstro dos pesadelos de uma criança.

— Por favor, pare com isso — imploro, sentindo quando

lágrimas grossas rolam pelo meu rosto, enquanto meu coração dói de

maneira insuportável.

— É melhor você parar com isso, antes que machuque aquela

mulher e a menina que você colocou no lugar do nosso filho, um filho que

morreu por sua causa.

— Não! — grito a mesma palavra várias vezes até que

realmente desperto e me sento ofegante na cama.

Então meu quarto é invadido pela Maria. Ela está assustada e

com os olhos arregalados. Faz uma semana que se mudou para esta casa,

mas é a primeira vez que chega perto do cômodo a ponto de estar dentro

dele.
— O que aconteceu? Por que você estava gritando, Daniel? — a

garota realmente parece preocupada enquanto balanço a cabeça

rigorosamente de um lado para o outro.

Ela se aproxima e se senta bem perto de mim na cama. Analisa

o meu rosto com cuidado em busca de respostas, e mesmo que eu precise

ficar sozinho, não consigo usar as palavras para pedir que saia.

— Foi apenas um pesadelo. Perdoe-me por ter te acordado —

peço, então meu olhar cai no seu corpo e sou atingido com muita pele sendo

mostrada por causa da camisola vermelha de cetim, que é mais curta do que

deveria para uma mulher que dormirá sozinha.

A visão leva embora metade das palavras que ouvi no sonho e


da imagem assustadora que foi projetada a alguns metros na frente da cama.

É sempre assim: quando ela está por perto todo o resto torna-se

desimportante e fica em segundo plano. Até mesmo os pesadelos que fazem

com que eu me sinta impotente.

— Você não me acordou — declara — Eu estava trabalhando e


conversando com o Calvin a respeito de alguns detalhes para o próximo

show no Rio de Janeiro. Ouvi seu grito da sala e vim checar o que estava

acontecendo. Se quiser conversar, estou aqui para te ouvir.


— Não. Está tudo bem agora — afirmo, porque não tenho

qualquer intenção de contar algo a respeito da perturbação que a sua

presença tem causado na minha cabeça. Não que seja sua culpa. De forma
alguma a culpa é sua. Sou eu que não consigo mais entender minha própria

mente.

Além do mais, Maria acabou de me dar algo para pensar. Um

verdadeiro incômodo do qual não posso me esquivar ou fingir que não

existe.

— Você é muito próxima do seu chefe, estou certo?

— Que pergunta é essa?

— Não fique na defensiva, só estou perguntando para te

conhecer melhor — falo.

Aparentemente, os meus olhos estão ansiosos para conhecerem

melhor o seu corpo, já que não conseguem desviar das suas curvas na

camisola ínfima.

— Conheci o Calvin em um bar assim que descobri que estava

grávida de você. Conversamos um pouco e nos demos bem logo de cara.

Ele foi a pessoa que me estendeu a mão quando mais precisei e me levou

para os Estados Unidos para trabalhar ao seu lado. Acima de tudo, Calvin é

meu amigo.
— Apenas amigo? Pareciam mais do que amigos quando os vi

no camarim.

— Então é disso que se trata? Você é como todos os outros que

acreditam que tenho um caso com meu chefe?

— Não disse isso! E não me olhe assim, porque não conheço

vocês dois e não faço ideia do que esperar.

— Você não tem que esperar nada, porque a minha relação com

o Calvin ou qualquer outro homem não é da sua conta. Já esqueceu que me

desprezou depois do beijo no seu carro.

Tenho a sensação de que ainda lembrará disso daqui cinquenta


anos.

— Você fala demais — declaro, começando a me irritar. Maria

mexe comigo de todas as formas, inclusive na sua capacidade de me tirar do

sério em um piscar de olhos.

Sei que não agi certo ao perguntar algo que não me diz respeito,

mas não poderia continuar sem saber do que se trata a sua relação com

aquele cara idiota.

— E você fala de menos. Parece querer muito quando não

pretende dar nada em troca, mas não cairei no seu jogo.


— Tanta irritação só porque perguntei sobre você e aquele

cantor? Talvez goste dele e esteja louca para... — antes que eu termine a

frase de maneira ofensiva, a garota ergue a mão para me agredir no rosto,

mas a seguro no ar.

— Eu não gosto de você! — a mãe da minha filha declara,

levanta-se da cama e me encara com seus olhos que parecem queimar o

meu corpo e não é de uma maneira boa.

— Tudo bem, você não precisa gostar de mim, baixinha —

reagindo como se não fosse eu mesmo, invento o apelido apenas por

acreditar que posso a irritar.

— Não me chame assim!

E o alvo foi atingido com sucesso!

No fundo, sei que estou fazendo tudo isso e gostando da

situação porque é a forma que encontrei para aproximar-me e falar com ela

depois do que aconteceu no meu carro há alguns dias. Apesar de ter se

instalado na minha casa e de ter se acostumado com o funcionamento da

propriedade muito rapidamente, Maria tem me ignorado praticamente o

tempo todo e só fala comigo quando o assunto é referente a nossa filha.

Por sua vez, Tatá está tão radiante de alegria que até parece que

está na Disney. A sua mãe a matriculou em uma escolinha perto de casa, ela
sai durante a semana para estudar e fica comigo o tempo todo quando volta

e me encontra em casa. Se antes o trabalho era a única coisa que me

mantinha em pé, ele tem começado a parecer uma pedra no meu sapato

sempre que rouba o meu tempo para momentos em que poderia estar com a

minha pequena. Com ela e com sua mãe, porque não consigo desassociar

uma da outra.

— Baixinha...

— Tomara que o bicho papão dos livros da sua filha te pegue

durante a noite e você não consiga mais dormir até o dia amanhecer —
fala. Agora é ela que está agindo como uma criança.

— Se isso acontecer invadirei o seu quarto e me deitarei na sua

cama.

— Pode deixar que te receberei da forma que merece — Maria

fala, ao jogar uma piscadinha. Pelo pouco que a conheço, ela pode estar
pensando tanto em pedir mais um beijo quanto em jogar um sapato na

minha cabeça.

— Aceito o desafio, baixinha. — De maneira vulgar, a garota


mostra o dedo do meio para mim e me faz soltar uma gargalhada ruidosa.

É isso, sua presença me distrai. É como um antídoto para as

minhas dores. Seja bêbado ou sóbrio, Maria sempre me fará esquecer de


tudo, menos dela.

A mãe da minha filha vira as costas para deixar o quarto, mas


antes de sair volta-se para mim e pergunta:

— Você pode ficar com a nossa filha a partir das onze da noite
amanhã?

— É claro, amanhã estarei livre. — Antes eu ficava trabalhando

até não aguentar mais manter os meus olhos abertos, mas estou mudando os
hábitos e faço questão de sempre ter um tempo livre para passar com a

minha menina. Isso não quer dizer que não estou curioso e me coçando para
perguntar para onde a mulher irá às onze horas da noite.

— Obrigada — ela agradece e deixa o quarto.

Depois que Maria me deixa sozinho, fico perdido em


pensamentos sobre ela e não demoro muito para voltar a dormir. Desta vez,
e provavelmente a nossa conversa infantil e sua presença no meu quarto

sejam a razão, tenho um sono tranquilo e sem pesadelos.


Acordo pela manhã e passo o dia no restaurante com os
pensamentos na mãe da minha filha. Dou comandos para os meus

assistentes de cozinha, mas sem ter ideia se estou fazendo a coisa certa.
Talvez eu esteja colocando açúcar no lugar do sal e consiga falir o novo

restaurante dias depois da inauguração. Tudo porque estou preocupado com


a saída da garota hoje à noite.

O fato de me importar tanto me irrita além do que eu poderia

entender, mas não consigo matar esse sentimento de que tem algo
escorrendo por entre os meus dedos, figurativamente falando.

— Chefe, a paleta ao molho madeira já está no ponto.

— Obrigado por avisar. — Sim, eu sei qual o ponto ideal para


as minhas carnes, mas de repente comecei a precisar de avisos para não

fazer merda.

Sempre que abro um novo restaurante, fico mais ou menos um

mês trabalhando na cozinha com os funcionários contratados pela minha


equipe, que é especialista em qualidade culinária. Depois retorno para
minha cidade e toco o restaurante sede, o primeiro que inaugurei com a

ajuda dos meus pais quando me formei.

Organizo tudo e em seguida volto para casa com a certeza de

que deixei tudo em seu devido lugar. Foi assim que tripliquei a minha
fortuna e me tornei um empresário reconhecido em todo o Brasil. Desta vez

não sinto pressa de voltar para casa e não carrego comigo a sensação de que
os dias estão passando lentamente. Faz uns dias que não sinto pressa de

seguir em frente e buscar uma nova cidade para abrir outra unidade do meu
empreendimento.

Pela primeira vez estou começando a me sentir em casa em um

lugar que não é a cidade onde nasci, cresci e formei minha família há alguns
anos. Sei que é assim porque a minha filha está aqui em São Paulo, mas

acredito que me sentiria de forma semelhante se estivesse nos Estados


Unidos, desde que ao lado da garota e da sua mãe.

Ainda não sei definir o que acontece comigo quando penso ou

quando estou perto da Maria, mas sinto que está tomando proporções tão
grandes que nem o medo será capaz de me parar quando eu começar a agir.

Talvez eu esteja confundindo tudo e o que parece atração seja apenas o


começo de uma amizade. Ou talvez eu realmente a desejo da mesma forma

que desejei podre de bêbado anos atrás. Minha única certeza é de que
descobrirei em breve, mas saber que ela sairá para algum lugar hoje à noite

traz a sensação de que posso estar perdendo algo que sequer foi meu algum
dia.
Talvez esteja perdendo alguém que eu nem sei ao certo se

quero, ou como quero.

— A carne daquela panela acabou de queimar — ouço a voz do


meu assistente chamando minha atenção mais uma vez.

— Porra!

Ao chegar em casa às cinco e meia da tarde, passo no quarto da

minha filha, dou um beijo nela e fico ao seu lado durante meia hora no
quarto. O momento em que contamos sobre como foram os nossos dias é o

mais gratificante para mim. É impressionante como assumir que sou seu pai
e me enxergar como tal se tornou a parte mais fácil da minha história com a
Maria.

Quando a deixo para tomar banho, faço tudo me perguntando


onde sua mãe está. Sei que a Tatá passa o dia com a babá e que Maria vive

uma correria louca por causa do trabalho como assessora e babá do Calvin
Derek, mas tenho a impressão de que está chegando em casa cada dia mais
tarde.

Pode ser que não seja verdade e que eu só esteja mais ansioso

do que deveria para a ver. Não sei se definiria como ansiedade, é mais um
frio na barriga igual ao que sentia quando era um adolescente vivendo a

primeira paixão. Será que é isso que acontece com um homem quando ele
passa tantos anos sem tocar, ou sequer olhar para mulheres com desejo?

Certamente, uma pequena parte da minha obsessão repentina

pela garota tem a ver com o fato de ela ser linda e gostosa além de qualquer
compreensão e a última mulher com quem transei. É claro que isso mexe

com a cabeça de um homem, embora eu tenha acreditado até agora que era
imune.

Depois que tomo banho, visto a calça moletom, uma camiseta

surrada e volto para a sala. Ligo a TV em um filme qualquer e pego o


notebook para analisar alguns cardápios novos, mas os meus olhos vigiam a

porta como se ela fosse materializar a Maria a qualquer momento.

Depois de quinze minutos, ela entra em casa com sua bolsa no

ombro, calça jeans e uma camiseta preta cuja estampa é de uma boca
vermelha mostrando a língua.

— Boa noite — Maria cumprimenta.


— Boa noite, baixinha — devolvo, e o apelido a faz rolar os
olhos para cima.

Sem dar-me a chance de continuar olhando, ou de passar pelo

constrangimento de perguntar para onde irá hoje, a mulher passa pela sala e
caminha em direção ao quarto. Eu sigo sentado no sofá e finjo que estou

trabalhando até que volte. Vez ou outra, meu olhar cai no porta-retrato que
guarda uma foto minha com a mulher que amei, mas, diferente de antes, ele

não é mais o bastante para colocar os meus pensamentos em ordem e me


fazer lembrar o porquê de eu ter optado por viver desta forma.

A culpa e o sentimento de perda ainda estão aqui, mas os


sentimentos estão manchados pela presença de duas outras pessoas,

presenças fortes que não me deixam mais ser totalmente aquele homem que
passou sete anos se martirizando e vivendo a solidão autoimposta como

forma de castigo.

Às dez e meia, a mãe da minha filha volta para sala não usando

mais do que um vestidinho preto tomara que caia muito justo e que mal
alcança o meio das suas lindas coxas. Nos pés calça sandálias de saltos
finos altíssimos e no rosto uma maquiagem que destaca sua boca com o
batom vermelho. Seus cabelos estão presos no alto da cabeça e nas orelhas
Maria colocou brincos de argolas.
Quando meus olhos passeiam pelos atributos físicos e seu belo
rosto, sinto uma fisgada de desejo no pau, que começa a endurecer de

emoção. Então minha boca saliva pela vontade de chupar seu pescoço, que
provavelmente cheira como o pecado.

— Promete que me ligará se acontecer algo diferente com a

nossa filha?

— Você está indo se divertir? — pergunto, depois de balançar a


cabeça acenando positivamente.

— Não acha que eu mereço?

— Você merece, querida — digo com contrariedade, mas


realmente acredito nas minhas palavras.

Ainda que um lado insano e até então desconhecido queira

prendê-la a mim, sei que não tenho direito algum de fazer perguntas ou de
tentar atrapalhar seus planos. Eu mesmo a afastei e a olhei de forma indigna
quando nos beijamos no carro. Se isso for uma tentativa de esquecer o que
aconteceu, Maria está na sua razão.

Merda! Por que tudo tem que ser tão complicado?

— Obrigada — Maria fala com um sorriso genuíno, então se


aproxima e beija o meu rosto. Seu cheiro bom me deixa trêmulo, mas tento
ignorar.

Aprendi mais uma coisa sobre essa mulher: ela não guarda
mágoa por muito tempo. Não a mereço, mas ela ainda está aqui.

Hipnotizado e duro, fico parado na sala e encarando sua bunda


quando deixa a sala. De antemão, constato que hoje a noite será longa.
Desta vez os pesadelos serão diferentes. Eles já começaram, pois não
consigo parar de pensar no quanto a mãe da minha filha despertará interesse

em outros homens.

Ela está tão gostosa com o vestido justo que deixará cada
maldito babaca que estiver por perto com tesão. Quando começo a pensar

em uma forma de trazê-la de volta para mim, respiro fundo e lembro-me


que esse não sou eu.

O meu amor sempre foi comedido. Sem ciúme e sem surtos de

possessividade.

Por que estou começando a sentir que sempre fui uma fraude?
CAPÍTULO 12

DANIEL
Embora eu esteja encostado no umbral da porta do quarto da
minha filha assistindo uma cena que não poderia ser mais doméstica entre

ela e a Nica, meus pensamentos estão distantes, mais precisamente onde sua
mãe está.

Realmente estou surpreso por estar me sentindo tão estranho,


porque não esperava que a primeira saída por diversão da garota fosse me

afetar tanto. Como e com quem Maria está é tudo em que consigo pensar

desde o momento em que ela passou pela porta de saída e eu poderia


perfeitamente me candidatar ao cargo de namorado ciumento, ou talvez

apenas cuidadoso. Só que não sou seu namorado e de qualquer forma não

acredito que desejo ser algo além de um colega de casa e pai da sua filha.

Tenho que pensar assim!

O lado sensato que sempre me guiou sabe que Maria é jovem

demais e que tem todo o direito de ter alguém, mas a possessividade recém

adquirida grita na minha mente que ela deveria estar aqui comigo e sua
filha, ou então que eu estivesse com ela, independentemente de onde esteja

agora.

— Por que não entra para brincar comigo e minhas bonecas,

papai? Nica disse que não consegue fazer a voz do namorado da Barbie,

talvez o senhor possa fazer.

— Pode ser outro dia? O papai está um pouco cansado por

causa do trabalho hoje.

— Tudo bem — compreensiva, ela fala. — A mamãe saiu para

se divertir, o senhor também não vai se divertir?

— Hoje não, princesa — digo, e minha filha mostra o seu

sorriso para mim. Se ela se parece comigo, posso dizer que o seu sorriso é

exatamente igual ao da mãe e ficar perto dela torna a missão de esquecer a

garota ainda mais difícil.

— Maria pode sair com o senhor na próxima vez.

— É uma ótima ideia, pequena — declaro, mas duvido muito

que ela queira fazer algo parecido. Na verdade, não tenho certeza se eu
mesmo iria querer estar em um lugar parecido com aquele do dia em que

geramos essa princesa.


Nunca gostei de lugares cheios, nem mesmo antes de me tornar

essa pessoa.

Enquanto observo minha filha brincando, ouço o toque do meu

celular vindo da sala e vou até lá para descobrir quem está me chamando

tão tarde da noite. É estranho, porque não costumo receber ligações a essa

hora. No mesmo instante, antes mesmo de desbloquear a tela do celular,

suspeito de quem seja e o meu coração fica apertado no peito.

Orgulhosa do jeito que é, além de estar irritada comigo, Maria

não me ligaria se não estivesse acontecendo algo com ela, algo tão urgente

que sua única saída seria entrar em contato comigo, a última pessoa a quem

pediria ajuda na sua lista de prioridades.

Ao pegar o celular e desbloquear a tela, leio o seu nome e

atendo no mesmo instante. — Maria, está tudo bem com você?

— Se está tudo bem comigo? Não estou realmente bem desde

que você voltou para minha vida como um maldito fantasma lindo e

gostoso, um pedaço de mau caminho que tem um pau impossível de


esquecer. Por que você tinha que ter o pau tão bonito? Por que você tinha

que foder tão bem?

— O quê?!
Ela está do outro lado da linha, mas não preciso de mais do que

palavras para saber que não está no seu melhor estado. Maria sóbria jamais

diria todas essas coisas para mim, mas uma parte perversa gosta de saber
que sua bunda bêbada tem a língua descontrolada e que está falando tudo o

que não poderia dizer em outros momentos.

Já o meu lado sensato fica extremamente preocupado, então

decido fazer a coisa certa. — Diga onde você está imediatamente, Maria!

— Você é muito arrogante e mandão, sabia? Isso é irritante pra

caralho, mas também é excitante e gosto de imaginar você mandando em

mim na cama. Estávamos tão bêbados naquela noite que você não teria sido

capaz de fazer algo parecido. Teria?

— Responda a minha pergunta, garota! Onde diabos você está?

Depois de cinco minutos me fazendo ouvir suas merdas, que

seriam excitantes se não estivesse preocupado com o seu bem-estar, consigo

finalmente convencer Maria a falar. Assim que termino a ligação, vou até o

quarto da minha filha, dou um beijo de boa noite e digo por alto que estou

indo me divertir com a sua mãe como ela queria. Converso com a babá e ela

garante que ficará tudo bem e que colocará a menina para dormir em breve.

Tranquilo por confiar na mulher, pego as chaves do carro e saio de casa.


Enquanto dirijo, vários cenários passam pela minha cabeça e em

todos eles Maria está se colocando em perigo. Já tive provas mais do que

suficientes de que ela é fraca para bebidas e sua ligação deixou claro que

bebeu o bastante por hoje. Sentindo-me impaciente para suas idiotices,

depois de ter passado o dia inteiro na merda por sua causa, faço planos de

entrar na casa de shows, que é a mesma da noite em que transamos, a pegar

e levar direto para a nossa casa.

Entro no lugar absurdamente cheio e barulhento e não demoro

para avistar a baixinha na pista de dança. Ela está rebolando a bunda

gostosa ao lado de pessoas que provavelmente não conhece. No primeiro

minuto fica claro para mim que não será tão fácil a levar para casa como

imaginei que seria.

Por um breve instante, sucumbo a fraqueza de a observar sem

que esteja me vendo. Como não poderia deixar de ser, a garota chama

atenção pelo seu corpo perfeito e a dança extremamente sensual que atrai

tanto homens quanto mulheres para si. É claro que há outras garotas como

ela na pista, mas tenho a sensação de que apenas a mãe da minha filha é

enxergada.

Ao mesmo tempo em que me torno um dos seus admiradores,

também sou aquele que deseja a tirar daqui e esconder de todos os olhos
que não são os meus. Essa cena toda me faz finalmente desistir de fingir

que a garota não me atrai de forma tão intensa que me transforma em outra

pessoa. Alguém que talvez seja uma versão bem melhor do homem que

tenho sido nos últimos anos.

Quando a música acaba e ela estende a mão para pegar um copo

com bebida de um cara, que imagino que não conhece, entro em ação e a

abraço por trás para deixar claro para qualquer filho da puta que essa

mulher não está sozinha. A abordagem deixa seu corpo tenso, então a giro

dentro dos meus braços para que veja que sou eu. Surpresa, Maria abre a

boca e fecha algumas vezes, antes de conseguir falar palavras coerentes.

— O que você está fazendo aqui, Daniel? — Mesmo bêbada,

ela não perdeu a capacidade de falar, ainda bem. Precisarei dos seus olhos,

da sua boca e dos ouvidos agora.

— Que pergunta é essa? Você estava esperando que eu viesse te

buscar. Foi o que supus quando ligou e começou a falar um monte de coisas

que não gostaria que eu repetisse. Não me diga que não se lembra.

— Bem que eu gostaria. Em minha defesa, você precisa saber

que não sei o que me levou a fazer aquilo — Maria parece mortificada
quando abaixa a cabeça e encosta a testa contra o meu peito. A fim de tocá-
la, envolvo meus braços na sua cintura fina em um abraço possessivo e

protetor.

— Talvez tenha sido por causa do álcool no seu sangue?

— É, talvez eu tenha bebido — Maria diz, sorrindo sem motivo

aparente. Apesar da languidez causada pela bebida, ela nunca pareceu tão

linda. — Venha comigo, você está muito tenso e precisa de uma bebida para

relaxar um pouco — a garota declara, desfaz o nosso abraço, segura minha


mão e me puxa em direção ao bar.

Não devo e não quero beber, mas permito que me puxe com a

esperança de convencê-la a se sentar um pouco para se acalmar e depois me


deixar a levar para casa. Quando nos sentamos nas banquetas postadas na

frente do balcão do bar, que parece exatamente igual há seis anos, Maria
olha para mim e volta a sorrir, só que agora de uma forma lenta e

dolorosamente sensual.

— Quer saber o que estou pensando?

— Não! — Provavelmente, se trata de algo que nos colocará em

uma situação delicada e que nos levará a cometer loucuras, como parece ser
nosso modo de agir quando estamos juntos.

— Não era nada de mais. Só que estamos exatamente no mesmo

lugar de anos atrás. É quase como um raio caindo duas vezes no mesmo
lugar. Se o final da noite será igual? Veremos — Maria termina seu
devaneio com uma gargalhada.

— O que acha de você ir para casa agora?

— Nem nos seus melhores sonhos, Daniel Fonseca. Eu disse


que viria me divertir e a noite está apenas começando.

— A sua ideia de diversão é ficar bêbada na primeira hora?

— O plano não era esse. Na verdade, vim em busca de sexo


fácil, mas confesso que esses caras não fazem meu tipo. Não que eu esteja
na seca, é só uma forma de me esquecer do homem que desejo. Esse

homem é você, mas acho que já sabe disso.

— Maria... — o seu nome é a única palavra que consigo falar,

porque não tenho resposta adequada para o que ela acabou de dizer. Depois
de engolir em seco, faço o gesto com a cabeça e o barman se aproxima de
nós dois. Peço uma cerveja, Maria tenta fazer o mesmo, mas não permito.

Em vez disso, peço que o rapaz traga uma água com gelo.

— Você é tão certinho que chega a ser irritante.

— Só estou tentando cuidar de você, se ainda não deu para

perceber.
— Se realmente quisesse cuidar de mim, cuidaria das
necessidades do meu corpo. Desde que nos reencontramos a minha boceta

está piscando e o que eu mais quero é gozar pelas suas mãos e seu pau e
boca... Nunca tive orgasmos tão enlouquecedores como na noite em que

fodemos os nossos miolos. Agora, mesmo que seja complicado demais, só


consigo pensar em você e no quanto desejo repetir a experiência.

— Maria, por mais adoráveis que suas declarações sejam, tenho

certeza de que você se arrependerá dessas palavras amanhã de manhã —


digo, quando na verdade o meu corpo está reagindo às declarações

indecentemente sacanas.

As palavras, misturadas ao seu cheiro e o calor do seu corpo

gostoso muito próximo do meu, deixaram o meu pau semiereto, apesar de


esse ser o seu estado constante nos últimos dias. Quando a cerveja é

colocada na minha frente, tomo um grande gole para acalmar o meu corpo e
o meu desejo de cometer uma loucura com essa mulher complicada, tão

errada, mas ao mesmo tempo tão certa para mim.

— Você deveria saber que não sou do tipo que se arrepende de


algo que fiz, o contrário é mais fácil de acontecer.

— Maria... — desta vez, seu nome escapa da minha boca como

um aviso.
Foi exatamente assim que aconteceu há alguns anos. Ela se

insinuou e eu neguei, então continuamos conversando e a cada segundo na


presença um do outro a atração entre os nossos corpos foi se tornando maior

até explodir em transas quentes e insanas.

— Daniel... — ela imita meu tom de voz e sorri. Peço que beba
sua água e Maria obedece. Acredito que se hidratará e logo estará um pouco

mais sóbria.

Por outro lado, me distraio com as nossas trocas de olhares que


são intensas e quentes como fogo do inferno, então começo a pedir uma

cerveja após a outra e a beber sem nem mesmo sentir o gosto. Na verdade, o
único gosto que desejo sentir no momento é o da boceta dessa garota

maluca, mas que também é linda e digna de ser admirada.

— Você está bem? — indago em algum momento, sem


conseguir tirar os meus olhos da sua boca, cujo batom vermelho já está

levemente desbotado.

— Na verdade, não estou. Sinto muita vontade de te beijar

agora — ela declara sem rodeio ao levantar-se da banqueta onde estava


sentada, se aproximar de mim e se ajeitar entre as minhas pernas. De

maneira automática e natural, envolvo sua cintura fina com um dos meus
braços e a deixo ainda mais perto e colada no meu corpo.
Maria e eu sabemos que ela não pode colocar a culpa cem por

cento na bebida, já que bebeu água o suficiente para ficar mais sóbria do
que estava quando cheguei há quase uma hora. Suas palavras são única e

exclusivamente a verdade que se passa no seu corpo, mente e coração. A


mesma verdade que fez morada em mim há algumas semanas, embora eu

tenha tentado negar de todas as formas até aqui.

— Isso é uma loucura, baixinha.

— Você me deseja?

— Muito mais do que você poderia imaginar, mas faz tempo

que deixei de correr em busca do que quero.

— Talvez esteja na hora de você mudar a realidade, Daniel.

Você precisa ser feliz, mesmo que seja momentaneamente ou como uma
válvula de escape.

— Não será apenas um beijo — aviso, tão entorpecido pelo seu

calor e cheiro que não consigo mais resistir.

Foi tão intenso que provavelmente eu teria repetido se não


tivéssemos nos perdido na manhã seguinte a nossa única noite juntos.

— Não quero que seja apenas um beijo — ela fala de um jeito


safado quando encosta a boca na minha e me olha nos olhos.
O seu gesto é o suficiente para nocautear-me e levar-me além de
qualquer chance de salvação. Se essa mulher é o meu maior pecado, irei

para as profundezas do inferno sorrindo, desde que a tenha para mim. Sem
dizer mais nada, seguro com firmeza os cabelos da sua nuca e a beijo como
um homem sedento há muito tempo, porque é o que sou. Eu preciso dela,

do seu calor e da sua respiração. Preciso da sua vivacidade e da sua


coragem, preciso do seu corpo, da sua boceta e do seu coração batendo

contra o meu. Eu apenas preciso de Maria Botelho aqui e agora.

Lambendo, chupando e mordiscando sua língua macia, o beijo


me transporta a um estágio de prazer indescritível que exige uma entrega e

satisfação completa. Enquanto a como com a boca, o meu corpo esquenta, o


meu pau fica tão duro que é doloroso permanecer fora do calor do seu sexo

pulsante.

— Eu preciso te ter... — Declaro, ao tirar a boca da sua e descer

o beijo para o pescoço que tem o cheiro bom do seu perfume. — A dor de
não de ter para mim está me matando, querida — continuo falando,

enquanto minha baixinha aperta os braços em volta do meu pescoço e


praticamente monta em cima das minhas pernas em pleno balcão de um bar

que está cheio de gente.


Como dois adolescentes, estamos dando um show aqui. Não nos
importamos com mais nada além do beijo e o desejo de termos mais do que

isso.

— Então me leve daqui agora, Daniel. Quero ir para o mesmo


quarto da primeira vez. — Apesar de não entender sua necessidade de ir

justamente para lá, aceno com a cabeça positivamente, entrelaço os meus


dedos nos seus e deixo a casa de shows depois de pagar as bebidas.

Embora eu tenha ingerido uma quantidade razoável de álcool, e


ele certamente está me dando uma pequena dose de coragem, não posso

fingir que estou bêbado o suficiente para não saber exatamente o que estou
fazendo desta vez. Hoje sei que estou levando Maria Botelho para um

quarto e que será com ela que passarei a noite.

Ignorando meu próprio carro como medida de segurança,


chamo um veículo de aplicativo e nos beijamos como se nunca fosse ser o
suficiente no curto percurso que o motorista faz até o hotel. Quando

chegamos ao quarto, entramos arrancando as roupas um do outros cheios de


urgência. Com apenas as partes de baixo das nossas vestimentas, dou um
passo para trás e ela me olha com apreensão, como se tivesse certeza do que
farei a seguir. Mas Maria está muito enganada, porque nada me faria voltar
atrás agora.
Quero essa mulher como nunca quis nada e a terei tantas vezes
antes de o dia amanhecer, e talvez depois dele, que o meu nome ficará

tatuado de forma permanente no seu corpo. Não faço ideia do futuro que
nos espera, muito menos de como reagiremos a tudo isso depois que
terminarmos e a consciência falar mais alto do que os desejos do corpo, mas
aqui agora, Maria Botelho me pertence e eu darei a ela tudo que tenho sem
reservas. Quando acabar, ela saberá que a amei. Apenas a ela.
CAPÍTULO 13

MARIA
Não acredito que Daniel e eu voltamos para a cena do crime seis
anos depois. Parece até um sonho que estejamos usando apenas as roupas

de baixo e nos encarando cheios de fome, embora ele tenha se afastado e o


medo de ser rejeitada esteja tomando conta de mim.

Eu tentei, juro que tentei fazer o que era certo para acabar com
atração incômoda ao sair sozinha única exclusivamente para encontrar um

parceiro de foda casual, mas, muito rapidamente, percebi que nenhum dos

caras que estavam naquela casa de shows chegariam perto do interesse que
sinto por esse homem. Soube muito rapidamente que estaria me impondo

um castigo se tentasse trepar com um cara sem a menor vontade, tudo para

fugir de algo que não pode ser parado.

Então fiz a loucura de beber e ligar para ele, apesar de eu não

poder colocar toda a culpa na bebida, porque não duvido que teria ligado da

mesma forma, ainda que não tivesse colocado uma única gota de álcool no

meu organismo. Chamei e ele veio. Provoquei e Daniel respondeu. Algo me

diz que desta vez será completamente diferente da outra.


Desta vez, nós sabemos quem somos e as consequências que

estamos dispostos a enfrentar se seguirmos em frente com isso. Já tomamos

a decisão e eu não voltaria atrás de forma alguma, principalmente agora que

estou encarando o seu corpo muito gostoso, que não veste nada além de

uma cueca boxer que marca a frente do seu corpo com perfeição. As
lembranças de como ele era grande e grosso estão pálidas na minha

memória, mas elas ainda estão aqui e é muito bom perceber que minha

mente não me traiu e que Daniel ainda é tão gostoso quanto me lembrava.

Babo o seu corpo e minha boca enche-se d'água pela ideia de o


chupar até fazer com que goze para mim, mas quem realmente sente o

efeito da visão é minha boceta, que está coçando de vontade de ser

preenchida depois do beijo que trocamos no balcão daquele bar. Agimos


como anos atrás, mas foi muito mais gostoso agora.

— Por que você se afastou? — Jogo o momento de admiração

aberta de lado quando me lembro da preocupação anterior. Enquanto estou

me deliciando com a visão do paraíso, talvez Daniel esteja pensando em

uma forma de sair correndo desse quarto para se esconder da tentação.

Tentei fugir quando me rejeitou após o beijo no seu carro, mas

manter-me distante dele o máximo possível dentro daquela casa não foi o

suficiente para amenizar o desejo. Se alguma coisa, ele ficou ainda maior.
— Você é muito mais deliciosa do que nas minhas lembranças e

estou louco para enfiar meu pau na sua boceta e não sair mais de dentro

dela, mas preciso saber se você tem certeza disso.

— Pareço com alguém que está com dúvida? — brinco, antes de

me aproximar até que os nossos corpos estejam a meio centímetro de

distância um do outro e escorregar a mão pelo seu abdômen até meus dedos

ficarem em cima do membro duro, que se contrai com o toque.

— Na verdade, você parece uma mulher muito gostosa e linda

que está pronta para ser fodida por um homem de verdade. Esse homem sou

eu e não pararei até esgotar esse seu corpinho minúsculo e perfeito.

Se o pai da minha filha parece perfeito normalmente, ele se


torna melhor ainda quando envolve minha cintura com seus braços fortes,

abaixa a cabeça e sussurra sacanagens no meu ouvido, para em seguida

morder minha orelha. De qualquer forma, não imaginei que o Daniel, que é

sempre distante, certinho e contido, fosse capaz de agir com tamanha

desinibição quando está com tesão e apenas meio sóbrio.

— Até agora só ouvi promessas — provoco, então seu olhar

escurece, ele me pega em seus braços e me joga sem qualquer cuidado de

costas sobre a cama. Em seguida, Daniel se livra da boxer como se não


pudesse esperar para fazer isso e eu ofego quando vejo o tamanho do seu

pau mais de perto.

Ele é grande pra caralho, mas não me assusta. Muito pelo

contrário, a visão faz a minha boceta se contrair e sou obrigada a esfregar

uma perna na outra para aliviar a tensão. A minha calcinha está molhada
desde o bar e parece que fica mais úmida a cada segundo que passo debaixo

desse olhar que diz que me devorará por inteiro.

— Eu te mostrarei agora como gosto de cumprir com as minhas

promessas, querida. — Com o corpo pairando sobre o meu, Daniel não

pensa antes de rasgar a lateral da minha calcinha e exigir que eu abra o

sutiã. Disposta a obedecê-lo desta vez, faça o que pede e jogo a peça no seu

rosto. Ele a pega no ar e leva ao nariz, inalando o cheiro do meu perfume.

— Tem cheiro de mulher e de pecado.

Ansiosa, ergo o tronco e tento o puxar para cima de mim, mas o

moreno tem outros planos e me joga de volta na cama ao dar um

empurrãozinho com a palma da mão grande aberta sobre o meu abdômen.

— Quero te foder, mas antes vou comer sua boceta até gravar o

gosto na minha boca — ele fala, arrasta-se sobre a cama, coloca minhas

pernas em cima dos seus ombros e então começa a me fazer ver estrelas, a

gemer e contorcer-me a cada mordida, lambida e chupada no meu sexo.


Com experiência, Daniel enfia a língua como se estivesse

fazendo com o pau, penetra-me e me faz apertar as coxas na sua cabeça

para o obrigar a ir além. Quando o prazer se torna insuportável, puxo os fios

dos seus cabelos e forço a cabeça contra a minha boceta, enquanto ergo os

quadris da cama e rebolo até deixar o seu rosto belo melado com os fluidos

do meu desejo. Quanto mais eu ajo, mais alto o som dos meus gemidos se

torna. Quanto mais fico insana, mais voraz Daniel se torna.

Enquanto me come com a boca, uma das suas mãos aperta o

meu mamilo excitado, o rola entre os dedos sem parar e me faz sentir um

misto de dor e prazer que pousa direto no lugar onde mais o desejo.

Quando penso em começar a implorar, o homem arrasta o seu

corpo sobre o meu, deixando beijos e lambidas pela barriga até alcançar a

minha boca. Apesar da sua maldade por não ter me deixado gozar, ainda

arreganho as pernas e recebo seus quadris entre elas. Ainda abro a boca e

aceito a sua língua, que busca a minha com fome e me faz sentir o meu

próprio gosto. Seu beijo que sempre exige muito me deixa mais necessitada

do que já estava, então começo a rebolar contra o membro duro e a forçar a

entrada de uma vez.

No controle do sexo, do meu corpo e de qualquer vontade

minha neste momento, Daniel firma os meus quadris na cama, segura o seu
pau e coloca a cabeça gorda e robusta contra a minha entrada melada e

sedenta. Quando penso que irá meter de uma vez para me fazer a mulher

mais completamente satisfeita do planeta, meu homem bonito fica imóvel

sobre mim, abaixa a cabeça e olha dentro dos meus olhos.

— Por favor, me diga que você está fazendo controle de

natalidade.

— Estou tomando pílulas anticoncepcionais — aviso.

Quando engravidei da nossa filha, eu usava apenas camisinha e

fiquei tão traumatizada que desde então passei a ser muito mais cuidadosa

para evitar quaisquer novas surpresas.

— Que bom ouvir isso, porque preciso te sentir sem nenhuma

barreira.

— Eu também quero — falo, com o meu olhar preso no seu. Ele

fica bem próximo, abaixa a cabeça e me beija mais uma vez.

Aparentemente, esse homem adora me beijar e acredito que ele poderia

perder muitos minutos dos seus dias apenas fazendo isso.

Desta vez, com mais carinho e mais cuidado, embora eu aprecie

os dois modos, ele me beija bem lentamente e com tanta ternura que não
deixa de ser excitante. Até sua língua trabalha com mais delicadeza. Daniel

e eu ficamos vários minutos nos beijando, então ele entra em ação e me


estica com seu pau, que entra bem lentamente, centímetro a centímetro em

uma deliciosa tortura.

Quando entra por inteiro, Daniel fica alguns segundos sem se

mover, porque é cuidadoso e não deixaria de perceber a nossa diferença de

tamanho em todos os sentidos. Estou realmente cheia até o limite. Como os

outros amantes que tive antes eram menores, a sensação que sinto é de estar

sendo rasgada ou partida ao meio. Ainda assim, não quero que me deixe.
Sei que em seguida virá o prazer absoluto e indescritível. Sei que será tão

bom e que não poderei parar, ainda que meu corpo implore por descanso.

— Como você é apertada, querida.... — Fala entredentes,

segurando o máximo que consegue. — Você não faz ideia de quanto venho
desejando fazer isso com você. Estou há anos negando esse desejo que está

impregnado na minha pele, esse desejo insano que parece uma doença
incurável, mas que na verdade é a minha salvação.

A cada palavra dita, meu homem tira o membro da minha

boceta até que fique apenas a cabeça, depois mete novamente até deixar
apenas as bolas de fora. Então Daniel encontra um ritmo cadenciado e vai

aumentando de intensidade gradativamente até que eu esteja gritando,


arranhando suas costas e o prendendo pelos quadris com as pernas.

— Assim, Daniel... Me come, porra!


— Não fale assim — ele implora, e sua expressão é de puro
sofrimento. — Eu não aguento mais.... — O homem fode de maneira

incansável, fazendo com que os nossos corpos se chocando produzam sons


de tapas que reverberam pelo quarto.

Agindo como um homem que realmente passou mais de seis

anos sem fazer sexo, Daniel solta um urro de prazer que chega a ser
animalesco e então enche a minha boceta com seu esperma. Ele não espera

por mim e eu o desejo ainda mais, porque simboliza sua entrega total a
mim.

— Maria... Porra, sua boceta será minha morte — Daniel está

tão entregue que não percebe o que fez e o quanto meu nome na sua boca
significa para mim.

Mesmo depois de gozar, e com o membro um pouco mole

dentro de mim, ele continua me comendo, só que mais devagar agora.


Sentindo-me perto do limite de uma emoção que precisa ser rompida antes

que eu sufoque, seguro os dois lados do seu rosto e o faço olhar dentro dos
meus olhos. Nós dois nos encaramos de perto, e quando uma lágrima grossa

escorre pela minha bochecha e Daniel entende o que acabou de acontecer


aqui, ele mostra um sorriso que parece satisfeito e triste ao mesmo tempo.
Então abaixa a cabeça e lambe a lágrima da minha bochecha bem
lentamente.

— Não chore por mim nunca mais, Maria — pede com ternura,

mais uma lágrima escorre e mais uma vez, enquanto o seu membro
endurece novamente na minha boceta, Daniel a lambe do meu rosto.

Agora focado apenas no meu prazer, meu amante leva a mão


entre os nossos corpos e aperta meu clitóris entre seus dedos. Com o toque e

o membro indo e vindo de maneira cadenciada, chego ao orgasmo mais


prazeroso que tive nos últimos anos. Ele me faz sentir o prazer e as

sensações que busquei e não encontrei em ninguém depois dele. Enquanto


meu corpo tremula sobre a cama, Daniel captura minha boca e, atracados

um no outro, como se nunca mais fossemos nos separar, nos beijamos por
mais tempo do que eu poderia contar nos dedos.

Quando o fôlego acaba e precisamos parar para respirar,

encaramo-nos e sorrimos um para o outro como dois adolescentes, então


recomeçamos. Fazemos sexo em todas as posições possíveis durante a

madrugada. Daniel me pega contra a sacada do hotel e no chuveiro.


Terminamos na cama completamente esgotados e agarrados um no outro.

Quando o sono leva a melhor sobre mim, estou me sentindo a mulher mais
feliz do mundo.
Mas quando o dia amanhece e a Maria de seis anos atrás que

teve que ouvir seu amante implorando por outra mulher entra em cena,
levanto-me e não olho para a cama quando visto as minhas roupas e mais

uma vez o deixo sozinho. Provavelmente estou sendo covarde, algo que
normalmente não faz parte da pessoa que sou, mas o medo que sinto de

olhar nos seus olhos e ver a culpa e o arrependimento é um peso


insuportável nos meus ombros.

Enquanto o carro de aplicativo trafega e me leva para casa,

permito que um sorriso tímido se abra na minha boca, pois mesmo se o


Daniel acreditar que foi um erro, assim como foi há anos, ainda terei tido
uma prova do que é senti-me verdadeiramente desejada e venerada. No fim

das contas, isso vale mais do que tudo.

Todas as vezes em que olhar para as fotos da sua amada esposa

espalhadas pelos cômodos da casa e zombando da minha cara, terei o


gostinho de saber que com culpa ou dor, Daniel me deseja. Ainda que ele

não queira, nós temos uma filha juntos. Ainda que nunca fiquemos juntos,
sempre levarei uma parte sua comigo nas lembranças desta noite e na nossa

menina.
CAPÍTULO 14

DANIEL
Com a sensação de ter dormido durante três dias, o sono
tranquilo que há muito tempo eu não experimentava, desperto com a luz do

sol através da janela que deixa o quarto iluminado o bastante para me


incomodar.

Ao abrir os olhos, pisco algumas vezes para me situar, mas o


que realmente sinto é uma dor de cabeça incômoda que me faz lembrar do

que aconteceu ontem e de onde estou. Então estendo o braço para o espaço

ao meu lado, somente para o encontrar vazio e frio, o que denuncia que
minha companhia foi embora há algum tempo.

Fazendo uma careta de dor, ergo o meu tronco e me sento na

cama com as costas apoiadas na cabeceira. Procuro acalmar a respiração e


focar em algo que talvez eu tenha deixado escapar. Para começar, recordo-

me que saí de casa para encontrar a Maria em uma casa de shows, então nós

dois começamos a conversar enquanto eu bebia. Durante aqueles minutos

eu só conseguia pensar no quanto a queria na cama comigo.


Eu estava louco para transar com a garota e nada poderia ficar

no meu caminho. Ela também estava se sentindo da mesma forma, então

viemos até aqui e passamos a madrugada inteira em cima um do outro.

Ainda que a minha cabeça esteja latejando por causa da ressaca, um sorriso

bobo se espalha no meu rosto quando me lembro de tudo que fizemos


depois da primeira vez.

Primeiro reagi como um homem que estava há anos sem sexo e

gozei antes dela. Depois a recompensei ao pensar primeiro no seu prazer em

todas as outras rodadas, que não foram poucas se formos pensar que somos
humanos que precisam de um pouco de energia para funcionarem. Eu sabia

com quem estava fodendo, vi o seu rosto e implorei pelo seu nome o tempo

todo. Naquele momento, não havia ninguém senão nós dois e o nosso
desejo insano.

O meu coração ficou em pedaços quando a minha garota

corajosa e ousada se emocionou por ouvir seu nome naquele instante, então

a desejei ainda mais e disse para mim mesmo que serei o melhor para ela.

Determinei que nunca mais deixarei Maria se sentir usada dentro ou fora da
cama e dei o primeiro passo em busca do objetivo enquanto estivemos

juntos.
Então ela acordou mais cedo e simplesmente virou as costas

como se eu fosse um cara qualquer com quem pode trepar e depois ir

embora para nunca mais encontrar. Ainda que eu sinta uma enorme

frustração e a irritação que consegue ser maior, obrigo-me a ser sensato

quando me convenço de que a garota simplesmente não tinha razões para

querer ficar.

Certamente, não dei indícios suficientes de que não agiria com

culpa ou arrependimento quando acordasse e ela não quis correr o risco de

se machucar. Não posso a culpar por isso, posso?

Em vez da culpa e do arrependimento, o que tenho aqui é

saudade e lamento por ter perdido a oportunidade de acordar ou ser

acordado com sexo gostoso. Em vez de culpa e arrependimento, tenho as

lembranças de como a nossa entrega foi total, da química entre os nossos

corpos e de como eu não queria tirar o meu pau da sua boceta, mesmo

quando meu corpo estava totalmente esgotado e precisando de descanso.

Eu acreditava que todo sexo vazio que havia feito antes da

minha esposa era satisfatório, todo prazer que eu poderia esperar.

Acreditava que o sexo calmo e carinhoso com a minha esposa era tudo o

que eu precisava. Então estive com a irmã do meu melhor amigo há alguns

anos e percebi que realmente não sabia o que era o prazer absoluto e sem
limites. Fiz sexo com ela durante a madrugada inteira e nunca me senti tão

física e emocionalmente conectado a alguém durante o ato de transar.

Maria e eu temos a química perfeita, os nossos corpos juntos

produzem tanto calor que poderíamos simplesmente entrar em combustão.

Agora que foi minha enquanto eu estava sóbrio o suficiente para lembrar-
me com clareza de detalhes de tudo o que fizemos e do quanto ela me

deixou com tesão, algo me diz que não poderei mais viver sem as doses

diárias dela todos os dias.

Agora terei que sair da minha zona de conforto para conciliar o

passado com todas as minhas dores e a vontade de estar perto, muito perto

da mãe da minha filha.

Ainda não sei definir o que quero e como quero, mas por

enquanto é suficiente que eu saiba e admita para mim mesmo que preciso

dela o mais próximo possível de mim. Preciso de tudo o que Maria Botelho

é capaz de dar para tornar-me um homem minimamente normal, e tenho

ciência de que terei que me esforçar muito mais para fazê-la enxergar que

pode ser feliz ao meu lado. Em algum momento Maria entenderá que ela

não é apenas uma válvula de escape. Ela não é alguém que uso e depois

jogo fora.
Da próxima vez, minha garota estará segura o suficiente para

não sentir a necessidade de fugir dos meus braços de maneira sorrateira pela

manhã.

Quando retorno para casa já passa das dez horas da manhã.

Apesar de hoje ser sábado e de estar cheio de expectativa para encontrar

Maria, como se não tivesse passado a madrugada inteira dentro dela, não

tenho muita esperança de que ela fique perto tempo suficiente para

trocarmos mais do que duas palavras. A garota é maior de idade e sabe o

que fazer com suas escolhas, mas acredito que faz mais pelo Calvin Derek

do que deveria.

Vi o suficiente para entender que a mãe da minha filha fica atrás

do idiota limpando as suas merdas o tempo todo, enquanto perde um tempo

precioso com a nossa menina, ou a oportunidade de viver como uma jovem

mulher de vinte e cinco anos de idade. Não acredito que Maria perceba isso

e, mesmo que me custe admitir, não penso que o babaca se aproveita da sua

boa vontade conscientemente. Ele só é egocêntrico demais para notar o que


está acontecendo à sua volta.
Mas quem sou eu para ter uma opinião sobre isso, não é

mesmo?

Sou apenas um homem que se deixou ser escravizado pelo

trabalho e que o usou como uma válvula de escape durante muito tempo.

Quando entro na sala de casa sou surpreendido pela sensação de

ter sido tirado de um sonho muito bom para ser jogado em um pesadelo. O

homem que estava nos meus pensamentos há alguns segundos está na

minha sala com a garota que fodi de todas as maneiras horas atrás. Maria

está deitada de costas no sofá e com a cabeça jogada para trás enquanto o

roqueiro, sentado ao seu lado, faz cócegas por todas as partes do seu

abdômen.

Maria pede para que ele pare, mas também gargalha de maneira

sincera e algo se contorce nas minhas entranhas quando percebo que ela

nunca chegou perto de parecer alegre e leve perto de mim. Balanço a

cabeça de um lado para o outro duas vezes, como se isso fosse levar embora

o sentimento repentino de ciúme e possessividade, então solto um pigarro

para chamar a atenção dos dois para mim.

Assim que percebem a minha presença, os dois se ajeitam com


as costas eretas sobre o sofá de três lugares e me encaram como se fossem

duas crianças pegas pelos pais fazendo arte. Minha filha não está por perto,
mas ela bem que poderia ser a empata toques entre eles. Se o idiota me

encara com seu sorriso pretencioso, Maria por sua vez olha para todos os

lados, menos para mim, apesar do seu rosto parecer adoravelmente corado.

Ela bem que tentou esconder com algum tipo de maquiagem,

mas consigo ver a marca do chupão que deixei no seu pescoço. Aposto que

encontrarei vários desses pelo seu corpo se a vir sem roupas. Ontem não

queria apenas tê-la, tive a necessidade de a possuir e marcar como minha.


Sinto-me ganancioso e possessivo no que diz respeito a Maria Botelho e

acredito que esses sentimentos me acompanharão a partir de agora sempre


que estiver por perto.

— Estou interrompendo alguma coisa?

— Na verdade, você está — ele fala, eu o ignoro e olho


diretamente para Maria, que não olha para mim de volta.

A partir do momento que a convidei e ela aceitou o convite para


mudar-se, a casa se tornou sua também. Não há restrições e Maria pode

trazer quantas visitas quiser e quando quiser, mas tenho algumas ressalvas
quando se trata de um homem que quer entrar na sua calcinha e que não

esconde o desejo de roubá-la de mim. Não que ela seja minha.

— Calvin!
— Você acabou de interromper o castigo dela por ter escondido
que havia descoberto a identidade do pai da minha princesa.

Minha princesa?

— Então você é o pai?

— Não só o pai, mas o homem que deixou essa marca no


pescoço dela ontem à noite e durante toda a madrugada — faço o

comentário babaca e não me arrependo, não quando ele faz com que Maria
pare de agir com covardia e olhe para mim. Ela me encara com irritação, ao

mesmo tempo em que tem o rosto rubro de vergonha.

— Essa parte ela não me contou — o roqueiro fala em tom


de provocação e olhando diretamente para ela, que ainda tem sua atenção

em mim. — Agora entendo sua cara de menina travessa quando me recebeu


no portão.

— Vocês dois poderiam parar?! — Maria se irrita.

— É curioso, porque pensei que você estivesse com alguém, e a


certeza se tornou ainda maior quando entrei e vi essas fotos suas ao lado de

outra mulher. — Não sei qual é a intenção do Calvin ao fazer o comentário,


mas não deixo escapar o momento em que Maria desvia a atenção para o

painel da TV.
Ela encara as fotos e parece incomodada e ressentida com elas.
A sua dor me atinge diretamente, pois essas fotos foram tudo que tive para

me agarrar a um passado onde fui feliz. As imagens que a machucam são


meus lembretes de que não posso e não devo esquecer do que perdi.

— É a minha falecida esposa.

— Sinto muito, cara. Eu não poderia imaginar — o homem fala,


e parece sincero em seu arrependimento.

— Está tudo bem — digo, volto a encarar Maria e ela parece

alheia ao que está acontecendo a sua volta neste instante.

— Bom, chegou a hora de eu ir embora — Calvin levanta-se do

sofá, sacode de leve o ombro da Maria, que volta para a realidade e fica em
pé para despedir-se.

— Depois do almoço te ligarei para falarmos sobre algumas

pendências a respeito do show e da entrevista que você dará para o


programa dos artistas na semana que vem — Maria diz, mas ela parece

muito distante daqui.

— Garota, hoje é sábado e você precisa descansar. Está tudo sob


controle e você sabe disso. Se me ligar, não atenderei e será de propósito

para te obrigar a relaxar. Realmente está precisando.


Apesar de ser sem noção, parece que Calvin se importa e presta

atenção nas necessidades da assessora e amiga. Talvez eu estivesse um


pouco errado a respeito dele, mas apenas um pouco. Ainda acredito que

Calvin entraria na sua calcinha se tivesse a chance. Não que eu possa o


julgar por isso, considerando que aproveitei as duas oportunidades que tive.

Apesar de não fazer ideia do que dizer neste momento, fico

esperando quando a garota sai para despedir-se dele no portão. Mesmo que
Maria e eu tenhamos conhecido o corpo um do outro do lado avesso na

madrugada, a nossa relação não tem sido próxima nas últimas semanas e
não posso dizer que nos conhecemos. Ainda não chegamos nem ao menos
perto de sentirmo-nos confortáveis quando estamos próximos dentro desta

casa. Mas, se ela permitir, pretendo remediar isso o mais rápido possível.

Maria retorna, olha rapidamente para mim e caminha em

direção ao corredor do quarto com a intenção de fugir. Mais rápido do que


ela, a impeço de deixar-me ao segurar o seu pulso.

— Não tão rápido, querida — digo, os seus ombros caem e

minha garota solta uma respiração profunda de resignação.

— O que você quer?

— Você não agirá como se não tivesse passado a noite inteira

transando comigo.
— Eu não quero falar sobre a noite de ontem agora — a garota

declara, ainda sem encarar-me.

— Converse comigo, Maria. Por favor, pare de fugir o tempo


todo.

— Eu preciso fazer isso — afirma, desta vez ergue a cabeça e


olha diretamente nos meus olhos.

— Por quê?

— Porque estou com meu corpo dolorido e cheio de marca por


causa da madrugada que tivemos e não consigo esquecer. Porque coloquei

na minha cabeça que não devo esperar nada de você que não seja sexo
como o que fizemos ontem à noite, mas ainda me sinto incomodada e

machucada quando vejo que você não se importa com nada que não seja a
memória da sua falecida esposa e filho.

— Maria...

— Pare de dizer o meu nome, por favor. Está tudo bem, Daniel.
Não posso e não quero fazer com que supere a família que perdeu, então
deixe-me um pouco sozinha para que eu possa colocar a cabeça no lugar e

entender que embora possamos fazer sexo outras vezes, não seremos nada
além de um caso sem importância.
Eu não quero que seja assim e Maria precisa saber disso, mas
ela está com as barreiras erguidas e completamente na defensiva agora.

Nada do que eu disser fará com que aceite que podemos tentar e juntos
vermos até onde podemos ir.

— Onde está a nossa filha?

— Nica a levou para passear no parque. Ela nem percebeu que

dormimos fora de casa ontem.

— Pretende passar o dia de hoje descansando? — ela arqueia a

sobrancelha, estranhando a minha pergunta. Embora eu tenha entendido que


Maria necessita de um tempo, preciso saber que ela estará por perto, pois
mesmo estando mais longe do que eu gostaria, o fato de estar ao alcance das

minhas mãos é o suficiente por enquanto.

Não quero pensar no dia em que ela não estará mais aqui. Por

mais que eu tente, algo sempre me leva a lembrar de que as duas moram em
outro país e que em algum momento voltarei a ficar sozinho.

— Provavelmente, considerando que o Calvin me liberou.

Aproveitarei o dia com a nossa filha — ela fala e vira as costas. Como
sempre acontece, babo na sua bunda até que desapareça das minhas vistas.

Agora mais do que nunca ficou claro que preciso fazer muito
mais do que sexo para conseguir a confiança da Maria. Ao voltar a cabeça
para trás e encarar a imagem eternizada da minha esposa através de uma
fotografia, peço desculpas pela primeira vez por estar seguindo em frente

sem ela. Acima de tudo, peço desculpas pela certeza antecipada de que
Maria ocupará um lugar muito importante na minha vida, um lugar ainda

mais importante do que o fato de ser mãe da minha herdeira.

Ainda que eu precise ser perseguido por pesadelos todas as


noites, juntarei os meus cacos pela manhã, derrubarei as minhas paredes e

tirarei as cascas das minhas feridas. Tudo pelo vislumbre de uma felicidade
que acredito não merecer, mas que quero mais do que tudo no mundo.

Karen e o nosso pequeno Davi sempre serão uma parte de mim. O meu
coração sempre terá um espaço para o amor que não pode ser vivido e para

paternidade que não pôde ser aproveitada, mas talvez eu esteja começando
a acreditar na possibilidade de entregar a outra parte do meu coração para a
mulher que está fincando morada em mim aos poucos.

Sem perceber, a irmã do meu melhor amigo está me possuindo


tão completamente que já nem sei mais quem sou e quem eu era antes que o
furacão chamado Maria chegasse e invadisse minha vida.
CAPÍTULO 15

MARIA
UM MÊS DEPOIS

You know I want you


It’s not a secret I try to hide
You know you want me
So don’t keep saying our hands are tied
You claim it’s not in the cards
And fate is pulling you miles away
And out of a reach from me
But you’re hearing my heart
So who can stop me if I decide it’s on my destiny?
What if we rewrite the stars?
Say you were made to be mine
Nothing could keep us apart
You’ll be the one I was meant to find
It’s up to you, and it’s up to me
No one could say what we get to be
So why don’t we rewrite the stars?
And maybe the world could be ours, tonight
You think it’s easy
You think I don’t wanna run to you, yeah
But there are mountains (But there are mountains)
And there are doors that we can’t walk through
I know you’re wondering why
Because we’re able to be just you and me within these walls
But when we go outside
You’re gonna wake up and see that it was hopeless after all
No one can rewrite the stars
How can you say you’ll be mine?
Everything keeps us apart
And I’m not the one you were meant to find
It’s not up to you, it’s not up to me, yeah
When everyone tells us what we can be
And how can we rewrite the stars?
Say that the world can be ours, tonight
All I want is to fly with you
All I want is to fall with you
So just give me all of you
It feels impossible (It’s not impossible)
Is it impossible?
Say that it’s possible
And how do we rewrite the stars?
Say you were made to be mine
And nothing can keep us apart
‘Cause you are the one I was meant to find
It’s up to you, and it’s up to me
No one could say what we get to be
And why don’t we rewrite the stars?
Changing the world to be ours
You know I want you
It’s not a secret I try to hide
But I can’t have you
We’re bound to break and my hands are tied

Como se estivesse fazendo isso para me recompensar por todo o

estresse dos últimos dias por causa desse segundo show aqui no Rio de

janeiro, Calvin está cantando um cover da balada romântica Rewrite The


Stars, minha música preferida do meu cantor preferido. Mas tenho certeza

de que esse não é o caso e Calvin só colocou a canção no repertório com a

intenção de fazer calcinhas voarem em sua direção.

Sorrio com orgulho enquanto ele repete o refrão com sua bela

voz, pois embora seja problemático às vezes, Calvin é um artista de


primeira linha e um amigo que toda garota gostaria de ter. Ele ainda está

pegando no meu pé por causa da paternidade do meu anjinho e me

chamando de devoradora de melhores amigos. O fato de o Daniel ser

melhor amigo do Carlos tornou-se uma piada interna entre o cantor e a

minha assistente.
Finjo que não me importo com as provocações, mas a realidade

é que elas só servem para dificultarem a minha missão de manter meus

pensamentos longe do viúvo. Como se meu cérebro tivesse sido


reprogramado, não tem um dia sequer que eu não perca horas pensando

nele. É quase como se eu fosse uma adolescente apaixonada pela primeira

vez.

Espera um pouco... Talvez eu seja uma adolescente de vinte e

cinco anos apaixonada pela primeira vez.

Quando transei com Daniel há seis anos, o fato de termos

desaparecido da vida um do outro impediu-me de cometer essa loucura,

embora o sexo tenha sido tão impressionante que não pude apagar da minha

mente. Desta vez não tive como fugir e o fato de viver na mesma casa que o

homem não faz nada que não seja agravar a minha doença chamada

“paixonite pelo homem errado.”

Claro que Daniel Fonseca é lindo e gostoso como poucos são.

Ele também é um empresário rico, bem-sucedido e inteligente. Pude

comprovar isso quando estive com a Tatá no restaurante que abriu em São

Paulo e quase gozei com o sabor esplendoroso da sua comida e o excelente

atendimento que a equipe de garçons e maitre fizeram. Mas nem todas as

qualidades são capazes de o tornar menos inadequado para mim. Tudo


porque ele não pode se entregar para mim. Acredito também que Daniel não

quer viver de outra forma, embora coisas estranhas e diferentes estejam

acontecendo nas últimas semanas.

De alguma forma, e faço de tudo para não me iludir com isso, o

homem parece diferente e é praticamente impossível conter a atração

persistente e a paixão que insiste em ficar mais intensa a cada dia que passa,

mesmo que não esteja sendo alimentada. Daniel e eu não voltamos a fazer

sexo, mas a forma como ele me olha me faz entrar em combustão todos os

dias e gozar nos meus próprios dedos na intimidade do meu quarto antes de

dormir.

Eu não preciso de nada além das lembranças de nós dois

transando e dos seus olhares para gozar enlouquecidamente. O problema de

o usar como inspiração é que existe o outro lado da moeda que me leva a

ficar mais necessitada dele a cada dia que passa. Quero manter-me firme no

propósito de não me deixar ser usada como válvula de escape para um

homem ferido e incapaz de superar, mas talvez esteja muito perto de ser

vencida pela minha boceta insensata, carente e sedenta.

Um mês depois daquela gostosa noite de sexo, o Daniel que

mora comigo parece ter virado uma chavinha no cérebro e de repente

começou a agir de um jeito estranho. Tão estranho que está sendo difícil
manter-me firme na ideia de que ele não pode e que não quer ficar comigo

seriamente. Pois é, sou do tipo que gosta de compromisso, desde que o

compromisso seja com um homem chamado Daniel Fonseca.

Para começar, a relação com a nossa filha é perfeita. Eles se


amam tanto que não parece que passaram cinco anos separados. O homem

acreditava que estava morto por dentro, mas vejo todos os dias que ele

nasceu para ser pai e que pode dar todo o amor que uma criança precisa.

Daniel está atento a todas as necessidades da Tatá, cuida dela quando não

posso estar presente e a mima como se fosse uma princesinha. Eu peço que

não exagere para não a estragar, mas Daniel sempre sorri e diz que está tudo

sob controle.

Tatá está nas nuvens e não consegue mais fazer nada sem contar

para o pai depois. Mesmo tendo apenas cinco anos, ela gosta de o

impressionar e precisa que ele se orgulhe das suas proezas. Se antes a Nica

lia suas histórias, hoje a pequena não dorme antes que seu pai faça esse

papel. O apego deles é algo que tem me preocupado, porque a nossa

situação é temporária e a reação da pequena a separação iminente não será

algo fácil de presenciar.

Quem quero enganar? A ideia da separação tem me deixado

melancólica mesmo sabendo que, pelo menos no que se refere a mim,


talvez seja melhor manter distância do Daniel.

Quanto às mudanças que reparei, elas começaram de maneira

sutil, mas perceptível para alguém como eu, que está sempre prestando

atenção em tudo que o homem faz. Quando estamos juntos em casa, ele se

mantém o mais próximo possível e é sempre gentil comigo. Daniel se

preocupa com o meu bem-estar e me pergunta se eu preciso de alguma

coisa quando chego em casa depois do trabalho todos os dias.

Ele faz questão de preparar as nossas refeições quando estamos

juntos em casa no mesmo horário, assim como ajuda-me a manter a casa em


ordem sem que eu precise pedir. Não acredito que esteja fazendo isso para

me impressionar. Antes não o conhecia e não permitia que se aproximasse,


então talvez sempre tenha sido assim.

Essa é a parte fácil de tudo isso. Há também os seus olhares

nada inocentes quando a nossa filha não está presente ou quando a Nica está
por perto e finge que não percebe a tensão sexual sempre pairando no ar.

Daniel me olha com fome e parece muito perto sem realmente estar. Ele
pede sem de fato usar as palavras e o meu corpo fica mais sensível e

necessitado a cada dia que passa.

Quanto à parte não sexual, o que realmente me perturba é o fato


de as fotos da sua falecida e bela esposa estarem desaparecendo pouco a
pouco de cima dos móveis e das paredes. É como se ele estivesse tentando
se livrar do passado para provar algo mais para si mesmo do que para mim.

E embora sejam apenas suposições minhas, os seus gestos silenciosos têm


me deixado fraca em todas as minhas resoluções.

Os seus gestos têm pouco a pouco me feito sentir que não sou

apenas um tapa buraco, um corpo disponível que ele usou duas vezes até o
esgotamento, mas nunca alguém que poderia ser levado a sério para o fazer

seguir em frente e ser um homem completo e feliz novamente. Daniel tem


agido sem dizer uma única palavra, mas ainda me sinto insegura, pois tenho

medo de tudo ser apenas invenção da minha cabeça pela vontade de que
seja real.

Enquanto ouço a minha balada romântica preferida, penso no

pai da minha filha, no homem por quem sou completamente louca. Queria
que ele estivesse aqui para que pudéssemos ser idiotas como todos os casais

que estão abraçados e se beijando, envolvidos pela canção romântica.

Embora seja complicado por fora, a verdade é simples. Eu só


queria realmente ser como qualquer outra mulher de vinte e cinco anos que

é capaz de criar sua própria família, capaz de amar e saber que é amada de
volta. No fundo, embora tenha passado anos perseguindo a minha

independência em uma carreira de sucesso como assessora de imprensa, o


que eu realmente quero é a calmaria de uma existência tranquila e feliz ao
lado das pessoas que amo. Sinto que com isso não precisarei de mais nada e

que minha busca terá terminado.

— Eu tenho certeza de que você não está ouvindo uma palavra


sequer do que está sendo cantado. — Ouço a voz masculina que parece

sexy até mesmo quando ele fala normalmente. Antes de virar a cabeça,
concluo que estou perdendo a razão.

Então realmente volto o olhar para trás e me deparo com o lindo


viúvo que tem me feito desejar tudo com ele.

— O que você está fazendo aqui? — pela forma como pergunto,

pode parecer que não estou feliz por ele ter vindo, mas a verdade é que não
poderia estar mais radiante do que isso.

Será que desejei tanto que consegui materializar o homem na


minha frente?

Mas que bobagem é essa que você está pensando, Maria?

Enlouqueceu, porra?!

— Eu estava livre nesta noite de domingo, então decidi viajar


até aqui para checar se o show do cara é tão bom quanto os fãs dizem — ele

brinca e seu sorriso me faz ficar fraca.


— Diga a verdade, Daniel. Você só está querendo passar um

tempo comigo.

— É, provavelmente seja isso — declara. — Posso ficar com


você, senhorita?

— Você deve — digo.

Em vez de ficar comigo como qualquer pessoa normal ficaria na


situação em que estamos, Daniel me surpreende e deixa bem claro que eu

não estava errada nas minhas suposições quando fica mais próximo de mim
do que deveria. Enquanto curtimos o show do meu chefe, algo que sempre

faço como uma fã comum, em vez de agir como a cabeça por trás de tudo,
ele primeiro se aproxima o suficiente para que os nossos braços se
encostem.

Minutos depois, como se soubesse que eu estava ansiando por


isso, Daniel se posiciona atrás de mim e me abraça como um namorado. Eu

permito que o meu corpo relaxe e até encosto a cabeça que mal alcança
metade do seu peito. De maneira despretensiosa, apesar de eu não ter

certeza sobre quão despretensioso ele está sendo, o homem começa a


acariciar minha barriga com movimentos circulares enquanto presta atenção

no show do Calvin.
Quando o cantor se despede para a última música, o pai da

minha filha, ou o homem mais gato que vi por aqui hoje, vira meu corpo
dentro dos seus braços para que o encare.

— O que nós estamos fazendo, Daniel?

— Sei que é complicado e que precisamos conversar, mas não


consigo ficar longe de você, garota. Na verdade, preciso de você e estou

enlouquecendo com isso.

Daniel está falando as palavras que eu tanto queria ouvir e me


custa acreditar que não é um sonho. Com coração disparado e uma

necessidade que precisa ser satisfeita com urgência, deixo todo o resto de
lado e me entrego sem medo.

— Leve-me embora daqui — peço, porque nada mais além de


nós importa agora.
CAPÍTULO 16

DANIEL
Horas, dias e semanas foram passando e eu vi uma bola de neve
se formando ao meu redor. Quando percebi, estava pegando o carro e vindo

para o Rio de Janeiro encontrar a garota bonita.

Eu não posso dizer que está sendo fácil, apesar de eu sentir que

fica mais suave a cada dia que passa, mas todos os dias no último mês
acordei disposto a não continuar como estava antes. Acordo disposto a

seguir em frente e ir atrás do que realmente quero e o meu querer fica mais

intenso a cada segundo.

Travo uma luta interna sempre que penso em fraquejar e quando

guardo os porta-retratos com imagens da mulher que amei e com quem fiz

planos. Questiono-me por que as coisas tinham que ser assim. Então Maria
aparece diante dos meus olhos e, sem precisar dizer uma palavra, me faz

perceber que a vida precisa continuar. Depois de sete anos vivendo quase

como um fantasma, a vida finalmente está continuando para mim e todas as

manhãs quando me levanto sinto um frio na barriga de ansiedade por saber

que não encontrarei mais o vazio.


Onde só havia vazio e escuridão, agora há uma garotinha de

cinco anos que tem se tornado o coração que pulsa no meu peito. Onde

havia só vazio e escuridão, há uma mulher que me faz respeitá-la, admirá-la

e desejá-la mais a cada nova descoberta que faço a seu respeito. Onde só

havia vazio e escuridão, há uma força motriz que me faz aceitar que posso
agarrar a nova oportunidade que a vida está me dando com firmeza.

Sei que um dia se tornará mais fácil e que não sentirei mais que

estou lutando por uma felicidade que não mereço. Também sei que junto

com as conquistas virão problemas dos quais não poderei fugir, mas
enquanto levo a garota linda para almoçar, vez ou outra desviando o olhar

em sua direção, apenas para a encontrar olhando-me com uma adoração que

não mereço, sinto que tudo valerá a pena.

Sempre valerá a pena se for para ter esse sorriso apenas para

mim.

A luta interna comigo mesmo foi a parte difícil do meu plano de

mostrar para Maria que ela é mais do que um sexo espetacular. Foi fácil e

até mesmo divertido tentar provar que a vejo como mais do que alguém que

faz parte de um pacote por ser mãe da minha filha.

Embora me julgasse como um bom esposo para Karen, tudo que

eu fazia era natural e nunca com a intenção de provar alguma coisa. Quando
comecei a fazer isso com esse intuito, passei a perceber o quanto as

mulheres precisam de certas atitudes para se sentirem queridas e

valorizadas por seus companheiros. A troca de olhares com a irmã do meu

melhor amigo tem sido divertida, sobretudo pelos momentos em que ela

cora como uma virgem.

Fiz questão de deixar claro o meu desejo por ela, assim como

as intenções por trás da minha proximidade nas últimas semanas. Com os

meus atos, fiz questão de não deixar nenhuma dúvida de que a gente está

indo a algum lugar, embora eu não saiba exatamente para onde. Foi

gratificante cada toque, cada olhar mais demorado e cada conversa

despretensiosa e corriqueira que tivemos. Tudo somou para deixar-me


seguro de que não estava lutando sozinho, porque essa garota nunca

conseguiu esconder os seus desejos e a sua vontade de me possuir, que só

não deve ser maior do que a minha vontade de a possuir.

No meio de tudo isso está a nossa menina, que é a cereja do

bolo na rotina que criamos juntos e que tem funcionado com perfeição. Tatá
fica com a Nica quando sua mãe e eu saímos para os nossos respectivos

trabalhos, mas aproveitamos para ficarmos os três juntos na parte da noite e

nos finais de semana como uma verdadeira família. Sim, temos nos tornado

uma família.
Embora vivamos dentro da nossa própria bolha na maior parte

do tempo, não deixamos sua família do lado de fora. Como eles já gostavam

de mim antes de saberem que engravidei a filha, os pais da minha garota


nos fizeram algumas visitas nas últimas semanas. Foram encontros leves e

naturais que fizeram parecer que as coisas não aconteceram de maneira não

convencional entre a Maria e eu.

Quanto ao Carlos, ele é quase como um urubu pairando em

cima da minha cabeça, sempre me encarando com olhares ameaçadores.

Meu melhor amigo tem uma forma própria de dizer a verdade através de

brincadeiras, mas ele não me deixa esquecer que está sempre pronto para

defender a sua irmãzinha, caso seja preciso. Carlos não precisa usar as

palavras para mostrar que acabará com a minha raça se eu fizer sua irmã

sofrer.

Apesar de eu não ter qualquer intenção de machucar essa garota

perfeita, o fato de ela ser irmã do cara que esteve por perto quando precisei

torna o meu cuidado com seus sentimentos ainda maior.

— O que você quer comer? — indago. Apesar de estarmos indo

para uma área lotada de restaurantes com comidas de todos os tipos, quero

que esse primeiro encontro oficial, e espero que Maria esteja ciente disso,

seja do seu jeito.


— Você — a garota me surpreende e eu solto uma gargalhada.

— O seu desejo será atendido, querida, mas antes nós

precisamos cuidar das outras necessidades para que você tenha energia para

o que te espera mais tarde.

— Isso é uma promessa ou uma ameaça?

— Pode considerar como uma ameaça, se formos pensar que

amanhã não andará normalmente — declaro, e desta vez é ela que gargalha,

embora os seus olhos estejam escurecendo por causa das sacanagens que

provavelmente estão passando pela sua cabeça neste exato momento.

No final das contas, depois de Maria confessar que tem o

paladar levemente infantil, algo que eu já havia percebido a seu respeito, ela

escolhe comer pizza, então a levo a um restaurante que é especializado nas

melhores pizzas do Estado.

Nós dois, talvez ansiosos pelo que acontecerá em breve, mal

conseguimos devorar metade de uma pizza de oito pedaços. Abrimos mão


de bebidas alcoólicas e optamos por refrigerantes. Apesar de não termos

conversado a respeito, estou certo de que pensamos igual sobre o assunto e

necessitamos que desta vez estejamos completamente sóbrios quando

ficarmos juntos.

Permanecemos no restaurante durante quase uma hora e

conversamos sobre a nossa filha. Propositalmente, deixamos o futuro

incerto de lado. Quando saímos do estabelecimento, abraço-a pela cintura e

a levo para caminhar no calçadão de Copacabana, em vez de agir como um

homem das cavernas e a levar direto para um quarto.

É claro que quero mais do que tudo arrancar suas roupas e

rasgar a calcinha com os dentes, porque o último mês sem sexo foi sofrido

como seis anos de total abstinência não foram, mas ainda tenho algo para

provar e não farei isso se deixar-me guiar completamente pelo meu pau.

Com o clima propício para os amantes, Maria e eu caminhamos

pela areia e tiramos os nossos sapatos quando nos aproximamos da beira do

mar. Assim que sentimos a água molhar os nossos dedos em ondas leves

que vêm e vão, paramos de caminhar e ficamos lado a lado de frente para o

mar, apenas observando-o durante um tempo. Há muito para ser dito entre

nós, mas neste momento em que não consigo deixar de olhá-la, dispenso as

palavras.
Depois de um tempo tão absorta nas ondas do mar que não

percebeu a forma como eu estava a encarando, a garota bonita finalmente

volta o corpo em minha direção e faço o mesmo.

— Nem os meus melhores sonhos eu poderia imaginar-me aqui

ao seu lado.

— Creio que possa dizer o mesmo, até porque, eu jamais seria

capaz de criar um cenário tão perfeito na minha imaginação. Esta noite, eu,
você e o mar... Tudo parece tão surreal... Tão diferente dos pesadelos que

costumam me visitar durante algumas noites.

— Talvez você precise de companhia na cama. Ouvi dizer que


eles se mantêm afastados quando a pessoa a quem querem atormentar está

acompanhada por alguém.

Essa é a Maria, minha garota jovem e irreverente que é capaz de

fazer um comentário provocativo no meio de uma conversa que deveria ser


séria. Ela sempre faz isso e eu sempre mostro um sorriso involuntário.

— É, talvez eu precise de companhia. Você sabe de alguém que

possa se voluntariar?

— Por acaso, conheço duas pessoas. Tem a sua filha, uma


menina de cinco anos que faria qualquer coisa por você. Há também uma

certa mulher chamada Maria Botelho e ouvi dizer que ela não teria qualquer
problema em deitar a cabeça em um peito forte e cheiroso durante uma
noite inteira — ao terminar de dizer as palavras, a baixinha dá dois

pequenos passos e para diante de mim com a cabeça levemente jogada para
trás, porque sou muito mais alto do que ela.

Maria é direta do tipo que pega o que quer sem pedir licença.

Agora, por exemplo, depois de ter percebido uma abertura e intenções por
trás da minha vinda até aqui, ela está tomando a iniciativa. Por ter me

casado com alguém que era o oposto dela, acreditava que tinha um tipo
específico de mulher, mas o fato de me sentir tão excitado e envolvido com

seu jeito de ser mostra que eu estava errado.

— Pensarei com carinho na sua proposta, docinho. — A


intenção do apelido era a provocar, mas o fato de ela corar, em vez de rolar

os olhos para cima evidencia que gostou e que devo continuar usando.

No fim das contas, por mais que tenha suas vivências e


amadurecido mais rápido do que deveria, Maria ainda é uma jovem como as

outras que têm sonhos românticos.

— Eu gosto muito de você, sabia? Não quero te assustar sendo

tão sincera, mas é a verdade. Esse é o meu jeito, mas também é uma forma
de me proteger. Acredito que ao contar o que passa pela minha cabeça

talvez te assuste e te faça recuar, mesmo que não seja o que quero. Ou
talvez eu te faça ir em frente, mas sempre com cuidado para não me fazer
sofrer e depois dizer que não sabia em que buraco estava se metendo. Aí

está a verdade, Daniel Fonseca: gosto de você. Eu mais do que gosto de


você.

“Às vezes faço planos para nós dois juntos com a nossa filha.

Às vezes imagino que realmente somos uma família e que você se tornará
mais do que o pai dela e um sexo perfeito em potencial. Às vezes até

mesmo chego a acreditar que você está colocando sua vida e mente nos
eixos para se entregar a mim da mesma forma que preciso e quero me

entregar a você. Te desejo tanto que sinto medo de mim mesma. Eu...

Antes que Maria tenha a chance de falar mais alguma coisa,

agarro-a pela cintura, a puxo para mim e colo as nossas bocas. Ela fica
imóvel e com os olhos arregalados me encarando.

— Cale a boca. Por favor, só pare de falar, princesa — peço, ao

afastar os nossos lábios minimamente.

O meu coração está acelerado, e os meus olhos estão ardendo


pela vontade quase insuportável de chorar como um bebê aqui e agora na

frente dessa garota especial que voltou para minha vida apenas para
bagunçar tudo de um jeito bom. Uma bagunça que no fim das contas está
colocando tudo em seu devido lugar e finalmente me fazendo voltar a

respirar.

As palavras estão me dando tudo o que pensei que não merecia


mais ouvir, mas que passei a desejar com ardor desde que cheguei na casa

do meu melhor amigo e vi a mulher que me fez fraquejar, mas que me deu
algo no qual me agarrar durante os seis anos em que estive no purgatório.

Com culpa e dor, as lembranças de nós dois me mantiveram são, essa é a


verdade.

Agora eu simplesmente preciso a devorar. Consumir o seu corpo

e a alma de uma forma que se misturem comigo e que seja impossível de


nos separarmos novamente.

— Eu não mereço você... — falo contra sua boca, prendendo o

seu olhar no meu. Preciso dizer essas palavras, porque Maria simplesmente
parece boa demais para não ser uma invenção da minha mente perturbada.

Nos meus momentos de maior fragilidade nos últimos anos,


realmente cheguei a questionar algumas vezes se ela tinha sido real ou

apenas uma alucinação da minha mente bêbada.

— Não sei se merece, mas estou aqui e ficarei até quando quiser
que eu fique.

— E se eu quiser que seja para sempre?


— Eu ficarei.

— Mesmo eu sendo esse homem difícil e quebrado?

— Talvez as suas rachaduras me façam te desejar ainda mais,


Daniel...

Eu calo sua voz com um beijo que pode dizer mais do que

palavras. Um beijo que serve para selar o que foi dito e o que não foi dito.
Um beijo de entrega, de cura e redenção. Mas também pode ser um beijo

apenas por desejo, uma vontade de possuir que se torna cada dia mais
latente. Eu amei muito outra mulher e o que sinto pela Maria parece tão

completamente diferente que não sei como nomear esse sentimento, mas sei
que é intenso, tão intenso que está ficando gravado na minha pele como

uma tatuagem que não pode ser removida.

Seja qual for o nome que se dê a isso que eu e Maria temos, está

aqui e será alimentado. Será vivenciado e experimentado em sua plenitude


até tornar-se maior do que o mundo. Até tornar-se maior do que as minhas
dores e os meus tormentos, porque é disso que preciso. Sei que é.

O toque da minha língua na sua, o cheiro do perfume doce e o


calor do seu corpo pequeno nos meus braços me fazem sentir o homem

mais poderoso do universo. O homem mais pleno e capaz de tudo. A sua


entrega e seus gemidos me fazem esquecer-me da sensatez quando agarro
sua coxa e a envolvo na minha cintura. Então a mãe da minha filha enrola
os dois braços ao redor do meu pescoço e a outra perna no meu quadril.

Seguro-a em meus braços e a beijo sem parar, enquanto o meu pau começa
a ficar dolorosamente duro.

Rapidamente, percebo que o beijo não é o suficiente. Então

movo-me com cuidado para não a derrubar e depois sento-me na areia com
as pernas estendidas. Quando termino o beijo para respirarmos, minha

garota gostosa e de lábios deliciosamente avermelhados fica mais


confortável no meu colo ao cruzar as pernas nas minhas costas.

Sem falarmos uma palavra, encaramo-nos durante alguns

segundos e tenho certeza de que o meu olhar está como o seu: escurecido de
desejo.

Quando penso em abrir a boca para falar que iremos

imediatamente para o hotel, a garota safada, ainda me olhando de um jeito


quente, rebola sua boceta no meu pau e me faz apertar o maxilar para conter

a vontade de gemer para a lua, ou apenas me conter para não gozar agora
sem mais estímulo além de uma rebolada.

— O que você pensa que está fazendo, Maria? — esforço-me


para falar, porque os meus pensamentos estão voltados para o calor do seu

sexo contra a minha frente.


— O que acha que estou fazendo?

— Aparentemente, está me provocando sem levar em


consideração que sempre responderei às suas provocações. Será que quer

mesmo fazer isso aqui? — indago, ao dar uma mordida no seu lábio inferior
gordo.

— Eu adoro quando você me ameaça, sabia? — Rindo na cara


do perigo, a gostosa volta a me beijar com sua língua experiente e me faz

gemer dentro da sua boca ao perder o controle quando eu mesmo começo a


mover os quadris e investir contra a boceta coberta.

Como ela está vestindo uma saia jeans curta, a peça enrolou-se

na sua cintura e deixou as coxas grossas e macias amostra para as minhas


mãos, que não se privam de acariciá-las. Mãos gananciosas que escorregam

das coxas para as bochechas da sua bunda. Quando aperto os lados com
força, aproveito para a pressionar ainda mais no meu pau. Com beijos
indecentes, molhados e ruidosos, Maria e eu começamos a gemer e nos

esfregamos um no outro como se estivéssemos a sós na privacidade de um


quarto.

Mas a verdade é que estamos em um lugar público e

poderíamos ser vistos por qualquer pessoa, embora a praia esteja


praticamente deserta a essa hora da noite. Porra! Eu só quero transar com
ela aqui e agora sem me preocupar com quem somos ou com a
possibilidade do flagra.

— Maria... — sussurro o seu nome ao afastar a minha boca do


ataque da sua. Preciso ser o sensato aqui, mesmo que o meu corpo esteja
pegando fogo, a ponto de gozar sem antes a sentir do jeito que preciso.

— Estou tão molhada... — a safada dá a informação e depois


uma mordida na minha orelha. Em seguida, desce os dentes pelo meu
pescoço e o chupa da mesma forma que fiz na última vez em que a deixei

marcada. Sei que quer fazer o mesmo agora e estou bem com isso. — Tão
pronta para você...

— Nós estamos em uma praia pública... — falo em um fio de

voz, percebendo que eu não poderia me importar menos com isso. Se ainda
estou falando, é apenas como uma tentativa de a preservar.

— Eu quero que me coma agora, amor — no meio da névoa de


tesão, e de uma rebolada que me deixa ainda mais na borda, consigo sentir-
me bem por ser chamado de amor.

Como já estava por um fio, o pedido da Maria é apenas o


gatilho que eu necessitava para fazer o que realmente estava com vontade.
Quando seguro os cabelos da sua nuca com firmeza, puxo sua cabeça para
trás e ataco o pescoço bonito e cheiroso com a boca, dentes e língua.
Enquanto Maria geme e se contorce de desejo nas minhas pernas, faço
manobras até conseguir livrar o meu pau da boxer e da calça de linho.

Gananciosa, ela o toma nas mãos e começa a me masturbar com


movimentos de ir e vir vigorosos e experientes.

Eu poderia me deliciar com um orgasmo pelas suas mãos, mas o

meu corpo implora pela boceta, então tiro seus dedos, coloco a mão entre os
nossos corpos e afasto a calcinha toda molhada de desejo para o lado.

Toco na sua carne úmida e Maria morde o lábio inferior para se


conter e não gozar agora mesmo. Manipulo seu sexo sem perder nenhuma
das reações estampadas no seu rosto muito expressivo. Então levanto o
braço e começo a passar lentamente os dedos melados com os fluidos do

seu desejo nos lábios carnudos e rosados. Com os nossos olhares presos um
no outro, aproximo a cabeça da sua e passo a língua bem devagar na boca
que tem o gosto delicioso da sua boceta viciante.

— Você é uma delícia. Eu poderia passar o dia inteiro com a


boca entre as suas pernas, te comendo sem parar e levando a um orgasmo
após o outro. Eu poderia te tornar o meu alimento diário e nunca mais sentir
fome — declaro, ao chupar os dedos que estiveram no seu sexo. Maria, com
olhos escuros de desejo, não perde um movimento sequer de sucção.
Quando afasto os dedos da boca, beijo-a mais uma vez, ao

mesmo tempo em que seguro meu membro em riste e coloco na entrada do


seu sexo. Antes de meter, provoco ao passar a cabeça entre suas dobras
gordas e meladas. Maria não consegue se segurar, então puxa os fios curtos
dos meus cabelos até me fazer sentir dor, enquanto seu corpo parece tenso e
a ponto de explodir.

Estivemos juntos poucas vezes, embora a quantidade de sexo


possa ser considerada grande, pensando no quão incansáveis somos quando
estamos juntos, mas percebi que temos um padrão. Se Maria começa com

as provocações até me sucumbir a ela, sou eu que elevo o jogo e a deixo


insana de tesão antes de realmente treparmos.

— Você não disse que queria me comer? Chegou o seu


momento, princesa. Sou seu, tome tudo o que quiser — com minhas
palavras, Maria abre um sorriso safado, segura o meu mastro e o coloca
dentro da sua boceta. Ela não espera, ela não tem tempo para provocações,

apenas senta de uma vez até ter todo o meu pau rasgando o calor do seu
sexo, que é deliciosamente apertado.

Minha Maria ofega pela dor inicial de ter-me todo dentro, mas

isso dura apenas um segundo. Só até fincar as unhas nos meus ombros e
começar a sentar. A gostosa me leva ao limite todas as vezes em que sobe
até deixar apenas a cabeça dentro e depois retorna sentando com tudo e

rebolando em mim completamente empalada pelo meu pau sedento.

Com minhas mãos segurando sua cintura com firmeza, sinto-me


hipnotizado com seus peitos bonitos balançando bem diante do meu rosto.

As duas belezas me provocam até que ergo a mão, capturo um deles e levo
o mamilo até a boca. Enquanto Maria senta no meu pau, chupo seu peito
como um bebê esfomeado.

— Como você tem o pau gostoso, Daniel... Você está me


rasgando, porra... — O nosso sexo é uma mistura de dor e prazer em todas
as vezes que fazemos.

A começar pelo fato de ela ser apertada demais para o meu


tamanho, Maria também gosta de me arranhar e puxar os fios dos meus
cabelos quando está no limite do tesão. Eu também não fico para trás e

mordisco seu pescoço até deixar minha marca.

— Assim, querida. Tome tudo que quiser até melar o meu pau
com essa sua bocetinha gananciosa.

Desta vez, Maria está tão entregue que não precisa de nenhum
estímulo a mais para gozar. E mesmo enquanto seu corpo implora por um
pouco de calmaria, tremendo e suando em cima do meu, ela parece incapaz

de parar e continua sentando, tão quente e tão próxima de mim que


poderíamos perfeitamente sermos um só. Quando chega ao orgasmo, Maria

me faz gozar junto e encher sua boceta com esperma.

— Maria! — o seu nome escapa da minha boca uma vez após a

outra enquanto a abraço apertado e despejo-me dentro do seu calor. Seu


nome é como música saindo da minha boca e parece tão certo quanto esse
desejo louco que sempre esteve aqui.

Quando nossos corpos se acalmam, ela continua em cima de


mim, então nos abraçamos apertado e nos beijamos com calma e carinho,
como se tivéssemos feito isso a vida inteira. É extremamente natural e
certo. É por isso que quando o beijo começa a nos acender novamente, a

deito de costas na areia branca e macia, coloco-me entre as suas pernas e


volto a meter no seu sexo.

Transamos pela segunda vez com os rostos muito próximos um

do outro. Nos encaramos quase o tempo todo. Permito que me veja e a vejo
em contrapartida. Enquanto levanto e abaixo minha pelve contra a sua,
entrando e saindo de maneira cadenciada na boceta viciante, a forma como
me sinto e como nos encaramos não deixa dúvida de que essa vez é

diferente de todas as outras.

Maria e eu estamos fazendo mais do que sexo louco e quente na


praia. Estamos nos amando, nos reencontrando e nos conhecendo
mutuamente da forma que importa. Quando a faço gozar e gozo em
seguida, faço sabendo que ainda não é o fim. Despreocupadamente jogados
de costas sobre as areias da praia de Copacabana, olhamos para o céu e
entrelaçamos os nossos dedos.

Por um momento não precisamos de palavras, talvez elas


pudessem estragar tudo o que estamos vivendo e sentindo agora. Mas as
horas e os minutos começam a correr sem que a gente se dê conta, então,

entre sorrisos cúmplices e uma conversa e outra, voltamos a nos amar na


areia e no mar, como dois adolescentes que estão se divertindo sem grandes
preocupações com o passado ou futuro.

Quando ajeitamos as roupas e entrelaçamos nossas mãos para


voltarmos para o hotel onde minha garota está hospedada com a equipe do
Calvin Derek, já não estamos mais enganados e sabemos que algo muito
importante mudou entre nós nesta praia.
CAPÍTULO 17

DANIEL
— Então o príncipe se casou com a princesa e eles viveram
felizes para sempre — termino de narrar a história de conto de fadas para

minha pequena, que sempre aguenta acordada até o final das histórias todas
as noites.

Com seus olhinhos baixos de sono, ela tem o sorriso inocente de


uma criança que ainda não sabe das coisas feias do mundo. Enquanto eu

estiver aqui para a proteger, Tammy continuará inocente quanto a isso.

— A princesa sempre se casa com o príncipe no final, papai?

— Acho que sim, filha. O seu pai ainda não leu todos os livros

infantis do mundo, mas todos que li para você terminam com a princesa

feliz ao lado do seu príncipe encantado.

— O senhor é o meu príncipe encantado, sabia?

— Poxa, sinto-me lisonjeado por ouvir isso.

— O que é se sentir lisonjeado, papai?


— Algo parecido com feliz, orgulhoso. Isso quer dizer que fico

feliz por ser o seu príncipe encantado.

Não é exatamente esse o significado, mas é a única forma que a

criança entenderá.

— A mamãe é uma princesa, então o senhor vai se casar com


ela, não é? Príncipes e princesas se casam e são felizes para sempre no

castelo do Príncipe.

Embora sejam palavras de uma criança inocente, seu

comentário faz o meu coração saltar no peito. Mesmo que a nossa filha não
fale diretamente, como provavelmente outra criança da sua idade faria, ela

tem prestado atenção nas nossas interações e proximidade. De vez em

quando, deixa-me saber que gostaria que ficássemos juntos como a


família com sua mãe.

— É isso que você quer? — Eu não sei porque estou fazendo

essa pergunta, que provavelmente alimentará suas ilusões, mas ela surge de

algum lugar e escapa da minha boca.

— Eu quero que o senhor e a mamãe fiquem juntos para

sempre. Também quero que vocês façam um irmãozinho para mim. Coloca

uma sementinha na barriga dela, papai. — Não deveria ser assim, mas essa

criança consegue deixar-me sem palavras como nenhum adulto é capaz.


Quando sinto o cheiro de um perfume bom e conhecido para

mim, volto a cabeça para trás e vejo Maria tão surpresa quanto eu encostada

no umbral da porta do quarto da nossa filha. Os nossos olhares se

encontram, ela abaixa a cabeça e procura alguma coisa no chão. Depois

manda um beijo para a criança e vira as costas, deixando-me numa situação

difícil com a pestinha.

— Depois a gente fala sobre isso, está bem? Agora quero que

você feche os olhinhos e tente dormir. O papai ficará aqui velando o seu

sono. — Sem saber quão mexido me deixou com tudo o que falou, minha

herdeira balança a cabeça, puxa seu cobertor rosa até o queixo e fecha os

olhos.

Permaneço sentado ao seu lado na cama durante quinze

minutos, fitando-a com orgulho e admiração, como verdadeiro pai babão

que sou. Ainda que tenha sido de maneira inconsciente, hoje acredito que

algo dentro de mim sabia que ela estava em algum lugar me esperando. Por

isso não desisti de mim mesmo durante o período em que estive apenas
sobrevivendo.

Essa semana, finalmente confortável com a minha nova

realidade e quase livre daquele tormento que parecia eterno, fiz uma ligação

e falei com os meus pais. Eles não puderem esconder o choque quando
revelei que tenho uma filha de cinco anos de idade. Mas logo a surpresa

passou e ambos exigiram que eu a apresentasse. Mostrei minha pequena

através de uma chamada de vídeo para os meus velhos e eles a amaram


quase instantaneamente.

Como Tammy é uma criança muito sociável, ela entendeu


facilmente quando expliquei que os dois senhores que viu na tela do celular

são tão seus avós quanto os pais da sua mãe. A partir disso, a pequena

começou a tagarelar com eles e a fazer perguntas sem parar. Antes do fim

da primeira chamada de vídeo ela já estava os chamando de vovô e vovó.

Desde então, meus pais entram em contato quase diariamente tão somente

para perguntarem se estou bem e para passarem alguns minutos

conversando com a neta recém-descoberta.

— Tenha bons sonhos, meu amor. O pai te ama muito —

declaro, ao levantar-me da cama, beijar a sua testa e depois deixar o quarto.

Depois que comecei a ler as histórias, a babá passou a se deitar

mais cedo e Maria e eu ficamos com a casa só para nós dois depois das oito

horas da noite. Nada melhor para duas pessoas que não conseguem conter

seus olhares e mãos ávidas por muito tempo.

Faz uma semana que voltamos do Rio de Janeiro como dois

jovens despreocupados e apaixonados. Mesmo depois de sete dias, as


lembranças estão frescas e constantes na minha mente. Assim que voltamos

para o quarto de hotel, minha garota me convidou para ficar com ela e eu

nem pensei em negar. Tomamos banho e transamos mais uma vez no boxe

do quarto e, pela primeira vez, vislumbramos a oportunidade de dividirmos

uma cama.

Mesmo com a nossa entrega e conexão na praia, ainda não nos

sentíamos confortáveis para tal gesto de intimidade, então ela dormiu na

cama de casal e eu dormi no sofá que era incrivelmente aconchegante. Na

manhã seguinte acordamos bem e sem culpa pelo que havíamos feito.

Como o cantor ainda tinha um show na cidade vizinha, ela trabalhou

durante uma hora para deixar alguns detalhes preparados para a

apresentação e depois saímos para passear na bela cidade.

Nos divertimos durante o dia inteiro e aproveitamos o show do

Calvin à noite. Preciso admitir que ele é um ótimo cantor, carismático o

suficiente para arrastar multidões. Minha garota perfeita e eu namoramos

sem preocupações durante todo o show do americano, ficamos abraçados e

nos beijamos como os mais jovens estavam fazendo. Ao voltarmos para

casa, seguimos a nossa rotina que parecia igual, mas ao mesmo tempo

completamente diferente.
Assim como retornamos diferentes, a nossa forma de nos

relacionar um com o outro também mudou. Mudou para melhor, muito

melhor. De maneira que se tornou natural, e não apenas uma forma de

provar algo para a mulher que pretendia conquistar, as lembranças físicas

do meu passado continuaram sumindo até não restar nada.

Onde havia porta-retratos com imagens da minha falecida

esposa, agora há fotografias só da minha princesa, de nós dois juntos e até

da Maria e eu sorrindo para uma câmera. Aconselhado pelas pessoas que

me cercavam, recorri a ajuda profissional com terapeutas e psicólogos

durante seis anos, mas eles não foram capazes de me ajudar. Foi vivendo

uma nova vida que comecei pouco a pouco a me sentir acolhido. Comecei a

ser feliz e entendi que a esposa e o filho que perdi não precisam estar em

porta-retratos para serem lembrados.

Finalmente entendi que posso simplesmente os guardar na

minha mente e no meu coração sem que machuque a última pessoa que eu

desejaria ferir na face da terra. A família que perdi precocemente sempre

será lembrada com amor e carinho, um amor sem dor que não magoará

Maria pela simples presença em uma fotografia.

Não está sendo fácil ou rápido, mas estou conseguindo respirar

sem sentir dor. Apaixono-me pouco a pouco todos os dias sem sentir que
estou traindo memórias. Acima de tudo, estou me reconstruindo ao lado das

duas mulheres que entraram na minha vida como uma segunda chance sem

ser consumido por pesadelos todas as noites.

Agora, em uma cena completamente doméstica, observo a

garota perfeita enquanto ela seca alguns talheres, parecendo distraída e

tensa. Até mesmo sua mão está um pouco trêmula enquanto trabalha. Mas a

culpa é minha, porque enquanto vivo a minha jornada e processo de cura


interior, faço apenas comigo mesmo e sem dar indícios de que Maria pode

realmente esperar algo concreto, seguro e duradouro de mim.

Não faço por maldade, é apenas por acreditar que as minhas

duas garotas perfeitas me terão inteiro e sem nenhuma dúvida de que


sempre estarei aqui para elas quando me entregar. Se Maria é direta e muito

ousada no sexo, ela tenta ser contida e sensata na hora de mostrar-se quando
se trata dos seus sentimentos por mim. De qualquer maneira, ela nunca

pôde escondê-los. Não poderia nem mesmo se tentasse, e sei exatamente o


que espera de mim. De uma forma completamente escancarada, consigo ler

as suas vontades e o medo que sente de sentir esperança em nós dois.

Sei que estamos vivendo um impasse e que o nosso tempo está


ficando cada dia mais escasso, mas não pretendo deixá-la escapar por entre

os meus dedos. Como se estivesse preparando-me para uma batalha, tenho


guardada comigo a certeza de que farei o que for necessário na hora certa.
Irei para o tudo ou nada certo de que sairei vencedor e que a minha vitória

será a vitória das mulheres que se tornaram o centro do meu mundo sem
que eu estivesse esperando, afastando o medo e todos os motivos que eu

tinha para me esconder.

A verdade é que nunca houve uma chance para mim. Nós


tínhamos que acontecer e o tempo de espera foi apenas uma prova para que

eu pudesse estar preparado quando a hora chegasse.

— Amor, você já secou tanto esse talher que ele está perdendo a
cor — digo, ao colocar minha mão em cima da sua. Quando ergue a cabeça,

deparo-me com os olhos da garota bonita marejados.

— Ei, por que você está chorando? — pergunto, abraçando-a


apertado e distribuindo beijos leves pelo seu pescoço, apenas por saber que

isso a fará soltar algumas gargalhadas involuntárias. Por alguma razão que
não sei explicar, minha Maria sente cócegas no pescoço e até o mais leve

toque a faz sorrir.

Isso é algo que também pode ser usado durante o sexo, porque a

sensibilidade sempre a deixa mais maleável e pronta para mim, para cada
beijo, cada mordida e cada chupada.
— Eu... Não estava chorando, só fiquei emocionada com algo
que lembrei. Deve ser a TPM.

— Não pode ser a TPM, porque o seu período acabou há cinco

dias — meu comentário faz com que a garota erga a cabeça e me olhe com
surpresa.

— Como você poderia saber disso?

— Amor, eu sei tudo sobre você. Não percebeu que meus olhos
não conseguem desviar quando estamos juntos? — a resposta que dou faz

com que ela pare de fingir que estava emocionada por outra razão, quando
sei perfeitamente que a causa do choro é o fato de ter ouvido a minha

conversa com a nossa filha, e se entregue as lágrimas que tentava engolir de


todas as formas.

— Você nunca me chamou de amor.

— Então remediarei esse erro. Hoje foi a primeira vez de


muitas, eu prometo — declaro, e Maria balança a cabeça.

A verdade é que mesmo que eu esteja me mantendo em silêncio,


tenho permitido que Maria me conheça todos os dias e faço o mesmo.
Quanto mais a conheço, mais envolvido me sinto e tenho mais certeza de

que é a única pessoa que poderia transformar-me com amor. Tinha que ser
ela, a minha Maria.
— Eu quero te beijar agora — assevera.

— Pode me beijar agora e quantas vezes quiser, porque sou seu,

baixinha — depois que termino de falar, envolvo sua cintura fina com um
braço e ergo seu corpo o suficiente para a sentar no balcão do armário da

cozinha.

Encaramo-nos por um tempo, cheios de paixão e um desejo que


acende como pólvora com simples beijos. Começo a abrir os botões da sua

camisa e agradeço o fato de ela estar usando somente isso, não há sutiã por
baixo ou uma calcinha. Não tenho a menor dúvida de que Maria estava com

más intenções quando tomou banho e escolheu apenas uma peça de roupa.

Quando envolve os braços na parte de trás do meu pescoço e as


pernas nos meus quadris, não ofereço qualquer resistência. Capturo a boca

da minha garota em um beijo no bom estilo intenso e provocante que


gostamos. Ela também entra no jogo e começa abrindo os botões da minha

camisa. É apenas quando desço os beijos do rosto para o seu pescoço que
ela se dá conta de que não precisa necessariamente se livrar da minha

camisa agora, então desce a mão pela minha barriga, abre o botão e o zíper
da calça e puxa meu pau para fora da cueca boxer.

Ainda a beijando, mas com os olhos abertos para não perder


nenhuma das suas expressões quando está sedenta por mim, enfio meu pau
na sua boceta e fico parado durante alguns segundos para que se acostume

com a invasão.

— Foi com essa intenção que você renunciou à calcinha e o


sutiã?

— Você gostou, admita.

— Sempre gosto quando a minha mulher age como uma vadia

— Sua mulher? — questiona para me provocar, dá uma

reboladinha com meu pau completamente dentro da sua boceta molhada e


quente. Muitas vezes não precisamos de preliminares e das provocações que

podem ser longas, tudo porque Maria é extremamente sensível a mim e


parece estar sempre pronta para transar.

— Minha mulher. Apenas minha, não de qualquer outro, muito

menos daquele filho da puta do Calvin, que parece criar braços de polvo
sempre que está perto de você.

Se muita coisa está mudando, o meu ciúme do maldito Calvin


Derek continua igual. Por mais que digam que são apenas provocações, o
meu lado possessivo tem certeza de que ele a pegaria para si se tivesse a

chance. Quanto a Maria, ela o trata como um irmão ou uma criança de dez
anos de idade.
— Com ciúme agora? — Balanço a cabeça em confirmação
porque não tenho motivos para esconder. — Não precisa.

— Você está certa, por que sentir ciúme se você está aqui, não é

mesmo? Que motivos eu teria para sentir ciúme se sou eu quem está te
comendo neste exato momento?

As palavras irritadas a fazem sorrir, então enrolo os fios longos

e castanhos no meu punho, agarro uma das suas coxas com firmeza com a
mão livre e começo a meter com força na sua bocetinha. Ela não estava tão

molhada quanto costuma estar, mas fica pronta depois de duas metidas
quando as minhas estocadas começam a provocar o barulho de utensílios

domésticos balançando dentro do armário.

— Querido, acordaremos a Nica e nossa filha — Maria fala com


custo, mas estou além do prazer e, por um momento, ignoro suas palavras e

meto com mais força ainda. Quando Maria começa a gemer alto demais e a
implorar para que vá mais fundo e a foda com força, coloco a mão na sua

boca, soco mais algumas vezes até envolvê-la com firmeza, a tirar do
balcão do armário e levar para o meu quarto.

Maria está tão entregue que não percebe a importância do que


está acontecendo quando a jogo de costas em cima da minha cama e me

deito entre suas pernas.


Quando abaixo a cabeça e a beijo de língua, afasto suas coxas
para ficar ainda mais profundamente socado no seu centro pulsante.

Começo a meter e tirar sem parar, ainda tapando a sua boca para que os
gritos não acordem as outras garotas. Quando Maria tem esperanças de que

a deixarei gozar, desacelero e a fodo em outra posição. Antes de termos o


tão esperado pico de prazer, transo com ela de quatro e depois a fodo com

seu corpinho suado e delicioso no meu colo. Então a pego contra parede,
porque a transa em pé me deixa insanamente socado no seu sexo apertado, e

terminamos novamente na cama.

Maria goza tão loucamente que me leva ao orgasmo junto com


ela. Estamos nos beijando como se pudéssemos nos comer com nossas

bocas. Então abrimos os olhos e fazemos isso como se pudéssemos olhar a


alma um do outro, como se pudéssemos sentir o que o outro sente. Quando
os nossos corpos se acalmam sobre a cama, suados, trêmulos e lânguidos,

ainda fico por um tempo segurando a minha mulher como se temesse a


perder a qualquer momento.

Muito esgotada, Maria se deita de lado e não tenho a menor

dúvida de que a sua mente já está trabalhando. Conheço-a e sei que está
pensando demais e se segurando para não tirar conclusões precipitadas. Mas
não acontecerá, porque Maria é do tipo que pergunta.
Ela precisa de alguns minutos e eu fico a uma distância segura,
esperando pelo seu tempo até ouvir sua voz.

— Você quer que eu vá para o meu quarto? — indaga, mesmo


sabendo que o fato de eu ter a trazido para minha cama é um gesto que fala
por si só.

— Não. Preciso e quero que você durma nos meus braços hoje e
em todas as outras noites — digo o que estava no meu coração há algumas
semanas, então chego com cuidado por trás e cubro seu corpo pequeno com

o meu. No mesmo instante, minha mulher deita a cabeça no meu braço e


entrelaça os seus dedos nos meus quando abraço sua cintura.

Sei que chegará o momento em que palavras serão essenciais,

mas hoje, e talvez apenas hoje, faremos como temos feito durante todo o
nosso relacionamento até aqui, onde as ações sempre falam mais do que
quaisquer palavras.

Agora, por exemplo, ao permitir-me passar a primeira noite ao


lado da minha garota perfeita, estou dizendo que não importa o final do
caminho, porque estamos indo para algum lugar juntos e tenho certeza de

que ela pode ouvir e me entender.


CAPÍTULO 18

MARIA
SEMANAS DEPOIS

Estou me sentindo uma pilha de nervos enquanto assisto a

última passagem de som do Calvin com a banda para o penúltimo show da


turnê no Brasil. Antes de vir para o estúdio, acordei cedo, fiz uma série de

ligações para marcar três entrevistas presenciais e uma por telefone. Então
cheguei e ainda tive que resolver uma série de pequenos problemas, pois

embora Calvin tenha uma equipe gigante, sou eu que faço o serviço de

muitos.

Daniel sempre diz que Calvin me sobrecarrega, e mesmo que a

gente acredite que ele não faz por maldade, estou começando a sentir muito

o peso do trabalho extra. Em parte, a culpa é minha. Antes, mesmo


lamentando o tempo perdido com a minha pequena, simplesmente não me

incomodava o suficiente com a sobrecarga de trabalho para reclamar ou

tentar mudar alguma coisa.


Calvin não é apenas meu chefe e amigo. Ele também é um

homem justo e faria algo para me ajudar a remediar essa situação se eu

pedisse. Penso em conversar com ele, mas não farei isso agora que estamos

prestes a concluir mais uma turnê de sucesso.

Muitas coisas mudaram e continuam mudando todos os dias


desde que cheguei ao Brasil e não tento nem mesmo fingir que não tem a

ver com o meu relacionamento com o pai da minha filha. Por causa dele,

tenho desejado mais tempo livre para apenas ficar em casa ou para sair e

fazer qualquer programa com a minha família. Por causa do Daniel, minha
rotina tornou-se diferente da que eu seguia antes dele.

Não acredito que tenha nascido para ser como as mulheres que

se dedicam completamente ao lar, aos filhos e marido. Embora as admire

tanto quanto admiro as que vão para o mundo e o conquistam, esse não é o

meu caminho. Poderia até tentar, mas chegaria uma hora em que eu me

cansaria e buscaria o agito e as responsabilidades que me estimulam a

sempre fazer o meu melhor.

Eu só quero um pouco mais de flexibilidade de tempo, que

Calvin e sua equipe não sejam tão dependentes de mim e que eles consigam

sobreviver quando eu não estiver cem por cento do tempo disponível para

resolver seus problemas. No final do dia, sou apenas uma mulher


apaixonada e que está no início de um novo relacionamento. Ninguém

contou para eles que as pessoas apaixonadas são assim? Não sabem que

elas precisam alimentar a paixão e passar muito tempo transando?

Que grande bobagem!

A minha carga gigante de trabalho com o astro do rock não é

nem de longe o maior e mais incômodo dos meus problemas. Se estou


pensando nisso agora é tão somente para tentar esquecer-me do resto e

fingir que não tenho um elefante parado bem no meio da minha sala,

figurativamente falando. São tantas coisas que nem sei por onde começar.

Antes de tudo, tenho que admitir que a felicidade das últimas

semanas ao lado da minha filha e do seu pai é infinitamente maior do que os


problemas.

Algo mudou depois que Daniel e eu estivemos juntos no Rio de

Janeiro, tão entregues quanto poderíamos estar, e a mudança tornou-se mais

evidente nos dias que seguiram, principalmente depois que dormi na sua

cama pela primeira vez e dela nunca mais saí.

Tudo o que eu sabia a respeito do Daniel começou a

transformar-se bem diante dos meus olhos. Saber que ele estava lutando

contra si mesmo por mim e pela nossa filha torna tudo ainda mais especial e
deixa o meu coração tão grande que poderia explodir de felicidade e por um

amor capaz de mover montanhas de tão enorme que está se tornando.

Não foram só os porta-retratos que desapareceram. Não foram

só os seus gritos durante as madrugadas por causa dos pesadelos que

deixaram de me acordar. Aquele olhar vazio e triste foi pouco a pouco


desaparecendo e agora o moreno bonito parece apenas um homem feliz por

ser quem é, cheio de esperanças para o que a vida ainda puder lhe dar.

Daniel ainda é reservado e gosta de observar mais do que falar, mas é

completamente aberto e caloroso quando olha para mim e nossa pequena

Tatá.

Os dois construíram uma relação tão bonita de amor e

cumplicidade que às vezes chego a me sentir enciumada. Mas logo caio na

realidade e percebo o quanto estou sendo idiota. Tatá e eu sempre tivemos

uma a outra, o contrário não aconteceu para os dois e eles têm o direito de

construírem uma relação para recuperarem o tempo perdido. Na verdade,

amo que tenham se entendido tão perfeitamente.

Quanto a nós dois, nos comportamos como namorados, apesar

de não ter havido um pedido oficial. Não que eu precise de um, porque ele e

eu fazemos tudo o que os namorados fazem, a começar por sermos

exclusivos. Uma conversa que não foi necessária, porque fazemos tanto
sexo que não sobraria energia em nossos corpos para outras pessoas. Além

do mais, passamos todo o tempo livre juntos, seja sozinhos ou com a nossa

menina.

Pouco a pouco, deixamos de agir como se o nosso

relacionamento fosse algo para existir apenas entre quatro paredes e

começamos a sair juntos pela cidade como um casal que tem mais do que

uma filha em comum. Meu homem gato me leva para fazer coisas

diferentes nos finais de semana depois que a nossa filha dorme e os

encontros sempre terminam em sexo selvagem.

A minha família não ficou surpresa quando concluiu que estava


acontecendo alguma coisa entre nós dois. Na verdade, papai e mamãe

ficaram contentes com a novidade e sei que eles têm esperanças de que o

Daniel me faça ficar no Brasil. Meu irmão, vulgo melhor amigo do meu

namorado, simplesmente deu de ombro quando sua ficha caiu. Para ele, o

pior que poderia acontecer era o Daniel transar com sua irmã mais nova e

ele fez isso quando eu tinha dezenove anos de idade.

No fundo, Carlos está feliz por nós dois, principalmente por

perceber que o amigo está tão diferente daquele homem que parecia morto

por dentro e sem nenhum motivo para sentir-se feliz ou compelido a seguir

em frente. Daniel me contou que quase não falam sobre mim, mas que o
Carlos pediu uma vez para que fingissem que ele não está comendo sua

irmãzinha.

Homens!

— Mais uma vez. — O baterista da banda fala mais alto do que

deveria e me faz saltar de susto quando volto para a realidade com coração

disparado.

Na hora em que paro e realmente me situo do que está

acontecendo a minha volta, percebo que o Calvin simplesmente saiu do

ensaio. Deixo escapar um suspiro de resignação, então viro as costas e

caminho até o bebedouro para pegar um copo com água gelada.

E ainda não chegou a metade do dia...

Depois que tomo água e jogo copo fora, sinto o meu celular

vibrando no bolso de trás da calça jeans. Quando o pego e desbloqueio a

tela, deixa um sorriso surgir no meu rosto ao ler a mensagem que o meu

namorado enviou.

Tentando trabalhar, mas pensando em você o tempo todo.

Estou com saudade, baixinha.

Saudades? Estávamos juntos há algumas horas. Devolvo a

mensagem com tom de provocação.


Nem todo tempo do mundo parece suficiente quando estou

com você, garota perfeita.

Embora eu não seja perfeita, Daniel me trata como se eu fosse e

me chama assim quase o tempo todo. Não posso negar que gosto de todos

os apelidos carinhosos que ele inventa. Quem poderia imaginar algo assim?

Nem parece que há algumas semanas não conseguíamos nem mesmo olhar

um para o outro.

Quanto ao texto sobre o tempo não ser suficiente, sinto um

aperto forte no meu coração todas as vezes em que penso no futuro. Depois
de tantos dias e semanas, não dá mais para fingir que não tem um relógio,

cujo tempo está se esgotando, bem em cima das nossas cabeças. Eu só


queria que ele dissesse alguma coisa que me tirasse do escuro.

Quando penso que o trabalho não é o meu maior problema no

momento é porque esse prêmio está nas mãos da minha iminente separação
do pai da minha filha. Percebi que quando a felicidade é muito grande o

tempo passa mais rápido. Em um piscar de olhos as semanas voaram e falta


apenas uma semana para a minha volta para os Estados Unidos.

Calvin tem dois shows aqui no Brasil e então ele não terá mais
nada para fazer aqui. O Astro voltará para casa e irei com ele, porque é o
meu trabalho e minha casa fica bem longe daqui há mais de seis anos. Eu
tentaria ficar, desde que tivesse um motivo muito forte. É claro que esse
motivo existe, mas não posso fazer nada se ele não dá nenhum indício de

que deseja que a gente tenha um futuro juntos.

Obviamente, nossas ações levam a crer que a relação é algo


sério. Daniel me faz pensar que quer a mim e Tatá na sua vida para sempre,

mas preciso que me diga com todas as letras e me peça para ficar, porque
talvez o que sinto em relação ao seu medo da nossa separação seja apenas

coisa da minha cabeça.

Por mais que eu queira, não posso apenas tirar conclusões e


esperar para ver o que vai dar, não quando a nossa filha está envolvida. Não

quando o homem que quero é alguém que até semanas atrás não queria nada
disso. Não posso presumir que ficaremos juntos quando não tenho certeza

de que ele está cem por cento preparado para assumir um compromisso sem
prazo para acabar.

Ficar com Daniel é o que eu mais quero porque estou

apaixonada, mas também é pela minha filha que precisa do seu pai. Mas
existe um ponto de interrogação quanto a possibilidade de o meu desejo

tornar-se realidade e a resposta para essa questão só o Daniel poderia me


dar. O problema é que a espera e a expectativa me matam pouco a pouco e
eu vivo entre estar extremamente feliz e extremamente ansiosa e temerosa
pelo futuro.

Também estou morrendo de saudade de você, meu amor.

Respondo a mensagem com uma declaração sincera, em vez de


dizer que só depende dele para que tenhamos todo o tempo do mundo.

Eu te adoro.

A mensagem me deixa feliz, mas ao mesmo tempo tão surpresa


que preciso reler as três palavras dez vezes para ter certeza de que

realmente entendi certo.

Todos os dias e de todas as formas possíveis, o pai da minha


filha demonstra que gosta de mim, mas ele nunca disse de forma direta.

Eu te amo.

O meu problema é que sou impulsiva e às vezes faço esse tipo


de coisa. Por exemplo, fiquei tão feliz pelo que li que devolvi com um eu te

amo seco e direto. Só que dizer que me adora é diferente de declarar o seu
amor, não é? Daniel não disse que me ama, porra!

Eu também te amo, minha garota perfeita.

Eu vou desmaiar. Sério, eu realmente acho que estou a ponto de


desmaiar. Olhando para a tela do celular, apenas para ter certeza de que não
estou ficando louca, tento ler o texto novamente, mas minha visão está

embaçada e ficando mais embaçada a cada piscada. Piscadas que parecem


longas e dolorosas.

De repente, começo a sentir fraqueza nas pernas e preciso me

segurar na parede para não cair como uma jaca mole no chão.

Felizmente, há um banquinho preto de três lugares bem na


minha frente, então arrasto-me até ele e me sento. Na verdade, jogo o peso

do meu corpo em cima dele. Tudo bem que fiquei fora de mim de tanta
felicidade com o que acho que li no celular, mas não deveria ter passado

mal, deveria?

Não que seja uma novidade que eu esteja me sentindo mal nos
últimos dias. Junto com meu estado de ansiedade, causado pela iminente

volta para os Estados Unidos, comecei a sentir tonturas e enjoos há mais ou


menos duas semanas. Apesar de ser um incômodo, porque não tenho tempo

para ficar debilitada, agi com irresponsabilidade quando abri mão de ir ao


médico. Além de não ter tempo para isso, presumi que o estresse e acúmulo

de trabalho estavam prejudicando a minha saúde e que tudo melhoraria


quando chegasse o final de semana.

Para não os deixar preocupados, tomei cuidado para que o


Daniel e a minha filha não percebessem que eu não estava bem. Depois de
dois dias sem tonturas ou enjoos, cheguei a acreditar que não passaria mal

novamente. Mas aqui estou eu: vendo a parede na minha frente se mover de
maneira estranha. De repente, o mundo está de cabeça para baixo.

Também estou criando algum tipo de alucinação, porque agora a

Mila, que não suporta o chefe e não faz a menor questão de esconder isso
dele, está atracada no homem e o beijando como se fosse arrancar sua

cabeça. Por sua vez, Calvin Derek tem as mãos grandes sobre sua bunda,
apertando os lados com gosto e esfregando seu pinto sujo na minha amiga,

que geme sem parar. Até gemidos estou inventando.

Mas se fosse apenas uma alucinação, por que eu iria querer ver

uma cena de amasso entre a minha amiga e o meu chefe? Não, tem alguma
coisa errada aqui.

— Vocês dois estão tendo um caso? — pergunto, e fico ainda

mais tonta. Ainda bem que estou sentada.

— Maria? — os dois falam ao mesmo tempo e se empurram


como se o outro estivesse com uma doença contagiosa. Até segundos atrás

parecia que queriam se fundir.

— Da última vez que chequei, esse era o meu nome — falo,

então jogo a cabeça para trás e tento respirar com calma. Com os olhos
fechados, ainda sobra um pouco de energia para os irritar. — Se pretendem
ter um caso secreto enquanto fingem que se odeiam, precisam ser mais
discretos. Qualquer pessoa poderia ter visto.

— Maria, você não está bem. O seu rosto ficou pálido — a cada

palavra que sai da boca da minha amiga, sua voz parece mais próxima e
mais alta. — As suas mãos estão geladas.

— Eu ia chegar nessa parte. Não posso ficar brava com vocês

por terem escondido um caso de mim, porque estou passando muito mal e
preciso que me levem para o hospital.

Assim que termino de falar, Mila e Calvin começam a se mover.


Ele me pega em seus braços quando percebe que não conseguirei caminhar
com minhas próprias pernas e me leva até seu carro. No banco de trás do

veículo do meu chefe, mantenho os olhos fechados na tentativa de me sentir


melhor e afastar a sensação de que estou por um fio.

— Quer que eu ligue para os seus pais? — Mila pergunta.

— Avise para o Daniel — peço. Apesar de eu ter passado por


isso sozinha nas últimas semanas, tudo que preciso agora é que ele esteja

comigo.
Quando chegamos ao hospital, Calvin usa sua influência e

consegue que eu seja atendida mais rápido. Fico grata por isso.
Rapidamente sou levada por uma médica chamada Bárbara para uma sala

de exames e logo os técnicos começam a me furar. Eles tiram sangue da


minha veia e levam para o laboratório de exames. Como não há uma razão

aparente e óbvia para o fato de eu estar me sentindo mal, pelo menos não
para mim, eles precisam eliminar algumas hipóteses.

Depois de ter meu sangue tirado, fecho os olhos para tentar

descansar, grata pelo comprimido que aliviou o enjoo e tontura que eu


estava sentindo. Quando estou quase sucumbindo à vontade de tirar cinco
minutinhos de cochilo, a porta da sala onde estou é aberta e meu sono vai

embora imediatamente quando sorrio para o Daniel, o homem com olhos e


sorrisos perfeitos.

— Meu amor, a Mila me contou que você estava se sentindo

mal e eu fiquei desesperado. — O seu rosto é pura preocupação quando se


aproxima, curva-se na cama e beija de leve os meus lábios.
— Foi só uma tontura... — falo, Daniel ergue uma sobrancelha
e me obriga a contar a verdade. — Não é a primeira vez que acontece.

Tenho me sentido mal há algumas semanas.

— Por que escondeu isso de mim?

— Eu não queria te preocupar.

— Você é minha namorada, garota. Eu sempre me preocuparei

com você — declara com seriedade, mas sua irritação passa quando sorrio
com doçura. Meu sorriso sempre amolece Daniel Fonseca.

— Desculpa.

— Não faça mais isso, Maria. Perdi anos de vida quando sua
amiga ligou e contou que havia te trazido para o hospital. Você entende que
não posso te perder? Se isso acontecer... — Antes que a mente o leve para

pensamentos tristes e sombrios, a médica retorna com o resultado dos


exames e agradeço internamente pela interrupção.

A mulher encara meu namorado, desvia o olhar e depois olha


mais uma vez. É esse impacto que sua beleza causa no sexo feminino e já
estou começando a me acostumar com isso. Felizmente, Daniel nem
percebe que é cobiçado. Ainda bem, é uma dor de cabeça a menos para

mim.
— Aqui está o resultado dos exames — ela entrega uma cópia,
eu abro o envelope e começo a ler sem entender quase nada do que está

escrito.

A sensação de desmaio retorna quando finalmente consigo


compreender algo.

— Os resultados dos outros exames mostram que está tudo bem


com a sua saúde, mas foi detectado uma quantidade do hormônio HCG no

seu sangue e isso significa que você está grávida, senhorita Maria Botelho.
CAPÍTULO 19

DANIEL
Sozinho no meu quarto com a porta fechada, me sinto como um
animal enjaulado. Ao mesmo tempo em que quero ficar aqui para me

proteger, a minha alma está se rasgando para ir até o quarto da minha


mulher e falar com ela.

Maria precisa de mim neste momento, mas me sinto incapaz de


dar o que ela necessita. Depois de ter perdido a minha esposa durante o

parto, tudo o que eu não queria e não esperava era ouvir que a minha nova

chance de ser feliz está esperando um filho meu. E embora Maria não seja a
Karen e que diga para mim mesmo que será diferente porque ela já carregou

e colocou a nossa pequena Tammy no mundo, ainda não estou forte o

suficiente para agir com naturalidade a essa notícia inesperada. Ainda não

estou forte o suficiente para ouvir que minha garota perfeita terá um filho e
não sentir medo de simplesmente a perder.

Dia após dia, a baixinha tem se tornado essencial como o ar que

respiro. Dia após dia, com a felicidade que sinto ao seu lado, amo-a de

maneira intensa e como acreditei que não fosse voltar a amar. Não sei em
que momento aconteceu, mas simplesmente aconteceu com a convivência e

o meu coração já não é capaz de bater sem esse amor. Eu preciso da minha

Maria muito mais do que ela precisa de mim.

Ela não é a Karen e não me deixará. Esse bebê não é um risco

para a minha felicidade. Apesar de não ter sido planejado, ele não é menos
do que o nosso milagre, a prova que viverá do amor que foi construído dos

escombros.

Repito sem parar até convencer-me minimamente.

Mesmo confuso, mesmo ainda sem saber como farei para viver
esses meses com medo de perder o meu amor, vou até ela.

Na vinda até aqui, simplesmente não pude olhar em sua direção

ou segurar sua mão. Não fiz nada do que Maria estava esperando e

precisava que eu fizesse, mas nós estamos juntos e eu posso e irei remediar

a situação. Quando decidi que iria viver em vez de me entregar, fiz sabendo

que momentos como esses existiriam e que eu teria que erguer a cabeça

para enfrentar os problemas de peito aberto. Mas a verdade é que até as

coisas que são difíceis se tornam mais fáceis por causa dela. É gratificante
lutar contra os meus monstros quando sei que a vitória ao seu lado será

muito mais saborosa.


A minha garota perfeita me dará mais um filho lindo e não

permitirei que meu medo de a perder me impeça de amá-lo. O amarei,

porque esse filho é nosso. Mais um pequeno fruto do nosso amor.

Ao entrar no seu quarto, deparo-me com a minha garota sentada

com as costas contra a cabeceira da cama e olhando para o nada. Seus

pensamentos parecem distantes, mas ela nota minha presença

imediatamente e me olha com a expressão que não consigo ler. Se Maria

geralmente é um livro aberto para mim, neste momento não faço ideia do

que está passando pela sua cabeça, então serei eu a dar o primeiro passo.

Felizmente, nossa pequena ainda está na escolinha e Nica foi ao

supermercado fazer as compras da semana para as refeições da Tatá. Maria

e eu estamos a sós para uma conversa que não precisa de plateia.

— Querida... — começo, mas perco a coragem quando ela

continua olhando para qualquer lugar, menos para mim. Não acho que

esteja fazendo de propósito para me castigar pela reação silenciosa, fria e

distante que tive. Maria só está alheia e pensativa.

Ela não é uma pessoa insegura, muito pelo contrário, mas se

torna quando o assunto é o nosso relacionamento e a culpa é minha. Isso é

algo que pretendo remediar de uma vez por toda hoje. Realmente não sei o

que eu estava pensando para deixar essa conversa para a última semana
antes da sua volta para casa. Tenho um palpite, e talvez a tentativa de me

proteger tenha machucado a última pessoa no mundo que merece sofrer.

Sem tirar os olhos da sua bela figura, jovem e pequena, sento-

me na lateral da cama com o corpo voltado em sua direção e o mais

próximo possível para a posição em que estamos. Ela ainda não está
olhando para mim, mas tenho certeza de que ouvirá tudo o que direi.

— Sinto muito pela reação que tive. No momento em que ouvi

da boca da médica que você estava grávida, a primeira coisa que pensei foi

na possibilidade de te perder como perdi a minha falecida esposa. Você sabe

que ela morreu durante o parto e naquele momento não consegui enxergar o

nosso filho como uma pessoa, mas um risco para nós dois. Quis te abraçar,

mas o medo não me permitiu. Quis comemorar e me alegrar, mas o medo de

te perder foi muito maior. Eu ainda estou com medo e ainda não quero te

perder por nada neste mundo, mas estou aqui, porque é o único lugar onde

eu poderia estar.

“Você é mais do que a mulher que me deu o maior presente que

eu poderia receber. Você é mais do que a garota corajosa e esperta que

admiro mais a cada dia que passa. Você, Maria Botelho, é o meu amor. Sou

apaixonado por você e te amo tanto que meu coração chega a sangrar. Um

amor tão profundo como nunca imaginei que fosse sentir. Meu amor pela
minha falecida esposa era calmo como uma brisa suave, um sentimento que

me colocava nos eixos. Meu amor por você é forte como uma tempestade e

um mar revolto. Meu amor por você me desequilibra de um jeito bom e me

desafia a ser a melhor versão de mim mesmo para te merecer. Mesmo

sabendo que passarei os próximos meses lutando contra as minhas

fraquezas, quando afasto o medo sinto-me feliz pela gravidez, feliz porque é

o nosso bebê e eu o amarei como amo a nossa princesinha.”

Mesmo com a cabeça abaixada enquanto observa os dedos

entrelaçados sobre suas pernas, consigo notar que minha mulher está

chorando. Quando levanta a cabeça e olha diretamente para os meus olhos,

sinto um alívio tomando todo o meu o corpo por perceber que a garota

bonita chora de alegria.

As palavras que eu mais queria dizer e que estavam entaladas na

garganta eram as palavras que a minha mulher mais desejava ouvir. Sei que

tem algo muito mais urgente que ela precisa no momento, mas ainda

chegaremos lá.

Maria me surpreende quando sai do seu lugar, sobe em cima das

minhas pernas com seus tornozelos em volta da minha cintura e me abraça

apertado. Ela fica com o nariz enterrado no espaço entre meu pescoço e

ombro por um tempo e sinto que poderia passar a eternidade segurando-a


em meus braços desta forma, apenas para sentir o calor da sua respiração, o

calor do seu corpo e as batidas do coração contra as batidas do meu.

Quando ergue o olhar e me encara com seus olhos

avermelhados por causa das lágrimas, mas ainda parecendo adorável, Maria
pergunta:

— Você realmente me ama?

— Eu não havia dito por mensagem? — brinco e minha Maria

sorri.

— Só mesmo você para falar eu te amo pela primeira vez

através de uma mensagem de texto. Passei mal quando li e cheguei a

acreditar que era por causa da emoção. Quem poderia imaginar que era um

bebezinho que veio de intrometido?

— Não chame nosso filho de intrometido, garota! — provoco,

ao afastar os fios dos seus cabelos do ombro e deixar um beijo ali.

— Realmente ficará bem com isso? Sei que não é fácil para

você, amor. Espero que tente superar e que o ame como ama a nossa

menina, mas não quero que finja que está tudo bem quando não está. — Ela

é doce e compreensiva, mesmo quando não mereço. — Não se tranque


dentro do seu quarto e não me deixe do lado de fora, porque quero estar ao

seu lado sempre que se tornar difícil demais. Quero estar ao seu lado para te
dar força quando se sentir fraco ou quando o medo bater. Preciso estar ao

seu lado, porque é isso que as pessoas fazem quando amam.

— Você me ama? — pergunto.

— Eu não disse por mensagem? — provoca-me usando minhas

palavras. Aposto que se lembra que foi a primeira a dizer eu te amo.

Embora seus sentimentos estivessem tão evidentes quanto os


meus, a mensagem direta e inesperada me surpreendeu. Confesso que

também deixei escapar uma gargalhada, porque é a cara da Maria falar algo
assim por mensagem.

— Eu realmente te amo, Daniel. Acho que te amo há muito


tempo e nem sei como fiquei tantos anos sem te ter. Saber que você é meu

me torna uma mulher plenamente feliz. Eu não quero que essa felicidade
acabe. Por favor, não me separe de você. Diga-me que a gente pode dar um

jeito — pede, e sei exatamente a que se refere.

A sua urgência e desespero me comovem e são os mesmos


sentimentos que estão no meu coração quando penso no futuro próximo.

Tomado por uma onda de amor, orgulho, admiração, desejo e


paixão, sorrio para minha garota perfeita, então começo a abrir lentamente
botão por botão do seu vestido. Quando me livro da peça e a deixo com a

calcinha e o sutiã, a deito de costas na cama e adoro o seu corpo. Começo


pelos ombros, subo para boca e a beijo com ternura durante um tempo.
Então esses beijos descem para os seios e os adoro de uma maneira

diferente por saber que em breve estarão maiores e cheios com o alimento
do nosso segundo filho. Lentamente, minha boca segue o caminho até estar

na sua barriga, onde deposito incontáveis beijos e até coloco o ouvido no


seu abdômen como um futuro pai babão.

Até parece que seria possível ouvir as batidas do coração do

bebê. Ele ainda não deve ser maior do que um grãozinho de feijão.

— Eu amo vocês — declaro com ternura.

Só que o momento de ternura termina quando volto a arrastar o

corpo pelo seu com beijos mais ousados e encontro a boca gostosa sedenta
por um beijo.

— Fale que me ama novamente — peço, porque nunca me

cansarei de ouvir. Puxando a respiração com dificuldade, com os lábios


avermelhados por causa do nosso beijo longo e duro, minha mulher segura

os dois lados do meu rosto e, olhando nos meus olhos, declara:

— Amo você. Eu e os seus filhos te amamos — declara-se, eu


sorrio e volto a comer sua boca como se hoje fosse nosso último dia vivos.

O problema da Maria e eu juntos em uma cama é que não


podemos ficar mais do que cinco minutos sem entrarmos um no outro.
Rapidamente, arranco sua calcinha e sutiã, assim como permito que se livre
de todas as minhas roupas. Duro de uma forma que somente ela é capaz de

me deixar, tomo seus seios na minha boca e chupo com avidez até deixar
sua boceta tão molhada quanto possível.

Embora seja mais uma foda do que fazer amor, o fato de termos

falado sobre os nossos sentimentos antes deixa tudo mais intenso e os


nossos desejos mais latentes. Quando já não posso mais esperar e percebo

que ela começou a implorar por alívio, coloco-me entre suas pernas e
penetro seu sexo de uma vez.

Entrar dentro da minha mulher é como chegar ao paraíso, um


paraíso do qual não quero mais desistir. Preciso estar aqui para sempre,

assim como preciso que ela saiba neste exato momento. Antes de começar a
mover os quadris e meter na sua boceta até fazer com que diga o meu nome

sem parar, seguro os dois lados da sua cabeça e obrigo-a a me olhar com
atenção.

— Você é minha, sempre será.

— E você é meu.

— Apenas seu.

— Você mora no Espírito Santo e eu moro nos Estados Unidos,


mas pessoas que se pertencem não ficam separadas — Maria fala, um
pouco desconcentrada por eu estar metido na sua boceta.

— Não ficaremos separados, meu amor. Nós ainda teremos

essa conversa, mas quero que você saiba aqui e agora que não haverá
separação para nós dois, nunca mais. A partir de agora, estarei onde você

estiver. Seja aqui ou na puta que pariu, eu, você e os nossos filhos ficaremos
juntos como uma família. Está entendendo?

— Que bom ouvir isso — minha mulher fala, dá uma

reboladinha e me faz ficar mais duro e apaixonado dentro do seu sexo.

— Agora que estamos parcialmente entendidos quanto a isso,

vou te foder para comemorarmos o fato de estar me dando mais um filho.


Depois contaremos para a pequena.

— Sim, depois contaremos — Ela está feliz, mas o seu desejo

sexual já tomou a frente e deve estar com a mente cheia de sacanagens


agora.

Não que eu esteja me sentindo de outra forma, só precisava tirar

esse assunto do nosso caminho. Agora poderei amar o corpo da minha


mulher gostosa. Além do mais, precisamos aproveitar o fato de estarmos a

sós em casa em plena tarde no meio da semana.

— Agora mostrarei o quanto te amo, safada — falo, então

começo a penetrá-la lentamente no início. Rapidamente, acelero as


estocadas e, profundamente metido no seu sexo, faço movimentos

circulares com os quadris. Movimentos que a fazem ofegar, implorar por


mais e arranhar minhas costas.

— Mais forte... — implora.

— O bebê.

— Vai ficar tudo bem com ele — ela firma, abro ainda mais as
suas coxas e a fodo sem parar.

Os nossos corpos ficam escorregadios por causa do suor e as


respirações erradas se misturam enquanto nos devoramos como se fosse a

última vez. Aqui e agora, nos desejando e nos amando como loucos,
estamos conectando os nossos corpos, almas e corações.

Maria e eu somos apaixonados e nos pertencemos. Tomamos

uma decisão e sinto que estamos fortes e plenamente capazes de levarmos


esse amor adiante.

— Daniel... Eu estou quase lá, amor.

Também no meu limite, levo nós dois para muito perto do


orgasmo quando a deito de lado, puxo uma das suas pernas para o meu

quadril e, mais profundamente metido no seu sexo, agarro um dos seios e o


aperto enquanto acelero as penetrações. Meto com tanta força que o seu
corpo sacode e seus gritos se tornam mais altos no cômodo.

Tendo o corpo esgotado, cheio de adrenalina e o tesão que

nunca tem fim, alago a boceta da minha mulher com minha porra e ainda
continuo metendo depois que os nossos corpos se acalmam. Minutos

depois, continuo a beijando sem a urgência de antes, apenas com amor e


devoção.

— Linda, porra! Você é a mulher mais linda que conheci —

declaro, ao passar a ponta do nariz na sua bochecha.

— Seus elogios não deveriam contar. É o meu namorado e será


sempre tendencioso — Maria brinca, e aproveito para a beijar mais uma

vez, porque nunca parece ser o suficiente.

Como se o mundo fora do quarto não existisse, começamos a

ficar animados novamente, mas ouvimos as vozes da Nica e da nossa filha.


Então pulamos da cama e começamos a vestir nossas roupas. Apesar do

desespero, estamos nos divertindo com a cena. Os nossos sorrisos são


sinceros e cheios de esperanças para o futuro que começou hoje com a

novidade de que teremos mais um filho.

Ao entrar na sala, e devo dizer que minha garota está corada e


com a expressão de culpa por ter feito a festa enquanto a filha estava na
escola e a babá no supermercado, encontramos a Tatá toda serelepe,
contando para a mulher sobre seu dia de aula na escolinha. Assim que nos

vê, ela para de falar, corre em minha direção e se joga nos meus braços. Eu
aproveito para beijar seu rostinho e fazer cócegas na sua barriga.

— Por que o senhor está aqui, papai? E a senhora também,

mamãe?

— Sua mãe ficou dodói, mas dei o remédio que ela precisava e

a princesa já está curada. — Estou tão feliz que não me importo de usar
palavras de duplo sentido na frente de uma criança, que não entendera nada,

e da sua babá, que entenderá tudo.

— Por que a senhora ficou dodói? — ela faz a pergunta, eu olho


para minha garota e ela acena com a cabeça, dizendo claramente que estou

livre para falar o que quiser.

— Preciso que você e a Nica se sentem no sofá. Sua mamãe e

eu temos uma notícia para dar.

— Eba! — a criança comemora, presumindo com sua inocência

que será uma boa notícia.

Felizmente, é uma notícia maravilhosa.


Ao sentar-se no sofá ao lado da babá, a pequena fica nos
olhando com curiosidade e balançando as perninhas. Também é um sinal da

ansiedade para ouvir a tal notícia.

— Papai, o senhor finalmente vai dar o presente que te pedi?

— Presente? — Pela surpresa da Maria, nossa filha não tem


pedido um irmãozinho com tanta frequência. Não como pede para mim.

— Sim, mamãe. Pedi um irmãozinho ou uma irmãzinha e o


papai disse prometeu que daria — a garota me entrega e Maria me olha com
o cenho franzido.

Pois é, apesar da reação inicial, eu havia feito uma promessa


para a minha filha e geralmente cumpro com a minha palavra. No fundo,
mesmo que não soubesse quando ou como aconteceria, considerando os
meus receios, já havia pensado na hipótese de ter outro bebê com minha

garota no futuro.

— Então, papai. O meu irmãozinho está chegando?

— Sim, meu amor. A sua mãe está grávida e seu irmãozinho


estará com você daqui alguns meses.

Quando confirmo o que ela mais queria ouvir, minha filha


levanta-se do sofá, sai saltitando e repetindo sem parar que ganhará um
irmãozinho. Depois ela vem até mim e sua mãe para nos abraçar. Em
seguida, faz o mesmo com a Nica e a chama para irem até o quarto. A

criança quer ligar para suas amigas e contar a novidade. Antes de ir atrás da
Tatá, a mulher nos parabeniza e diz que ficará muito feliz por ter um bebê
na casa. Ela ama a minha princesa e tenho certeza de que sentirá o mesmo
pelo seu irmão.

— Só voltei para o Brasil porque o meu trabalho me obrigou.


De repente me vejo apaixonada pelo pai da minha filha e grávida de um
segundo filho. A vida pode surpreender e você me faz feliz, Daniel.

— Você me faz viver, Maria Botelho — devolvo a declaração


ao abraçá-la e beijar sua boca no meio da nossa sala.

Neste momento, tenho certeza de que não importa as decisões


que tenhamos que tomar e não importa para onde iremos, pois desde que
estejamos juntos, nós dois ficaremos bem. Eu ficarei bem, desde que tenha

a minha família, sobretudo o meu amor, a irmã do meu melhor amigo que
chegou como uma desconhecida em um bar e mudou a minha vida quando
eu já não tinha mais esperanças.
CAPÍTULO 20

DANIEL
— Hum... — Seu gemido já é tão conhecido por mim que vem a
sensação de que nunca existiu uma manhã sem que eu tenha o ouvido.

Com meu peito contra suas costas e uma das mãos entre suas
pernas, os meus dedos estão trabalhando no sexo despido, porque minha

garota perfeita dispensa calcinhas todas as noites quando se deita nos meus
braços. E depois que Maria começou a dormir na minha cama, os pesadelos

nunca mais me atormentaram e as noites de sono são tranquilas.

A ausência de pesadelos e o fato de os sentimentos de perda e

culpa estarem cada dia mais suaves são a prova de que eu era o único a criar

monstros na minha própria mente. Eu era o único que em vez de deixar a

memória da minha família descansar, os prendia aqui comigo no meu luto


sem fim. Digo a mim mesmo, e tem sido cada dia mais fácil acreditar que,

seja onde estiverem, Karen e o nosso filho não estão tristes ou me culpando

por eu estar seguindo em frente. Na verdade, depois que tirei a venda dos

meus olhos e comecei a deixar que o amor me transformasse, passei a

entender que eles iriam querer que eu fosse feliz.


Pelo filho que não cheguei a conhecer, pelo meu primeiro amor

e principalmente por mim, venho experimentando a sensação de

renascimento ao lado da família que estou construindo. Ao lado dessa

mulher maravilhosa que me amou e foi compreensiva até quando eu não

mereci, descobri o verdadeiro significado de pertencer. Pertencer a mim


mesmo, pertencer a um lugar e pertencer a alguns amores.

É justamente porque Maria e eu nos pertencemos que sinto a

necessidade de acordar todos os dias a tocando, adorando seu corpo e dando

prazer de todas as formas que conheço para provar que ela é real e a tenho
para mim, ou apenas porque minha mulher é irresistível e não consigo

passar muito tempo longe do seu cheiro e calor.

Maria é como uma droga, é um vício sem cura. Sou dependente

dessa mulher desde o dia em que voltei a vê-la e não quero jamais me livrar

desta condição. Há dois dias descobrimos que seremos pais e há dois dias

não consigo tirar o sorriso do meu rosto.

— Hum... — ela geme outra vez, agora mais alto ao sentir-me

enfiando os dedos entre os seus lábios vaginais. Já estou há um tempo a

estimulando e deixando molhada, porque minha mulher é extremamente

sensível ao meu toque, mesmo quando está dormindo.


Tão sensível que está gozando agora mesmo com o rosto

enfiado no colchão da cama para não gritar alto demais. Maria fica

escandalosa no auge do prazer, mas não se esquece de que é mãe nem

nesses momentos e sempre se preocupa em não deixar que a nossa filha nos

ouça. Os músculos da sua boceta se contraem ao redor dos meus dedos e eu

continuo tirando e colocando lentamente, enquanto seu corpo sofre com


espasmos. Só a liberto quando seu corpo se acalma e ela deixa escapar um

suspiro de contentamento.

Viciado no seu sabor e em tudo a seu respeito, levo os dedos até

a boca e os chupo para sentir o gosto na minha língua. O gesto faz com que

meu pau que já estava duro se contraia e lute para escapar da calça moletom
e ir direto para a bocetinha viciante. Por mais que eu queira comer a minha

mulher como a primeira refeição do dia, sei que infelizmente não pode ser

assim e que a garota perfeita ficaria estressada se as coisas saíssem

minimamente do seu controle. Sobretudo, hoje.

Meio dormindo e meio acordada, Maria joga os quadris para


trás e começa a esfregar a bunda contra o meu pau. Mesmo sedento para

aproveitar o presente, firmo seu quadril para que não o mova mais. Antes de

agir como um adulto responsável, abaixo a cabeça, afasto os fios dos seus

cabelos castanhos do pescoço e dou uma mordidinha na carne macia e

sempre cheirosa.
— Bom dia, amor.

— Tenho certeza de que você pode pensar em uma maneira

melhor de dar bom dia para sua mulher.

— Você acabou de gozar, Maria.

— Eu quero mais.

— Eu também gostaria de passar o dia inteiro enfiado na sua

boceta, mas o dever nos chama e você está quase atrasado para o astro do

rock.

Assim que menciono o idiota, minha garota sai da cama pelada

e gostosa, pega o seu celular para checar as horas e depois o joga na cama.

Mesmo lamentando o fato de ela não poder mais ficar namorando comigo,

sinto orgulho por Maria levar o seu trabalho tão a sério. Ela é uma mulher

foda que comanda um bando de machos que não devem nem mesmo saber

como vestirem suas próprias cuecas. Embora me sinta um pouco encimado

por serem homens, o orgulho é maior.

— Se eu não correr, me atrasarei.

— Eu sei, baixinha. Se não fosse o caso, eu estaria te comendo e

você estaria gritando o meu nome enquanto pedia por mais — minhas

palavras fazem as pupilas dos seus olhos dilatarem de desejo, então ela olha
do celular para mim algumas vezes, dividida entre mim e sua

responsabilidade.

Minha mulher gosta de sexo, mas ela fica particularmente

fogosa pela manhã. Segundo suas palavras, o dia só começa e termina bem

quando faz sexo comigo ao acordar. Não posso negar que comecei a pensar

da mesma forma.

— A gente pode fazer isso no chuveiro — fala, e não precisa de

mais nada para que eu também pule da cama e a siga até o banheiro.

Depois do sexo no banho, que realmente a faz ficar atrasada,

Maria e eu nos arrumamos e tomamos um café rápido com a nossa filha e

sua babá. Mesmo com nossos horários um pouco confusos, nos esforçamos

para sempre passarmos um tempo com a nossa filha. As refeições estão fora

de negociação e quando um de nós dois não pode estar com ela, o outro fica

para compensar.

Minha garota ainda tem o carro do irmão, mas faço questão de a

levar até o ginásio onde haverá o show de encerramento da turnê nacional

do astro do rock. Depois de despedir-me com um beijo longo, vou até o

restaurante e só fico tempo suficiente para resolver os últimos detalhes para

finalmente deixar os responsáveis por essa unidade darem seus primeiros

passos sem a minha supervisão.


O processo é sempre o mesmo, apesar de eu sentir que esse é

mais especial por estar localizado na cidade onde conheci, reencontrei e

amei a mulher da minha vida. Eu poderia ficar e comandar a cozinha, mas

tenho outros planos para o futuro que talvez se realizem em um lugar

distante daqui.

Embora tenha dito para Maria que não iremos nos separar e que

minhas palavras tenham a feito relaxar quanto ao futuro, nenhuma das duas

vezes em que tentamos conversar a respeito de onde devemos morar nos

levou a um entendimento pacífico. Eu moro no Espírito Santo e ela nos

Estados Unidos, um de nós dois precisa ceder e mudar todo o percurso da

sua vida em nome do relacionamento e sei exatamente o que fazer.

Ela não sabe, mas está prestes a ter uma surpresa da qual jamais

se esquecerá. É algo que nunca havia passado pela minha cabeça e que nem

combina com a minha personalidade, mas o meu plano, que já foi

combinado com as pessoas que são importantes para nós dois, é apenas uma

pequena amostra do que seria capaz de fazer pela mulher que amo.

MARIA
Literalmente espiando por trás da cortina, sinto-me emocionada

e com a sensação de dever cumprido, enquanto o astro do rock termina de


cantar a sua última canção para um público com mais de quinze mil

pessoas. Fizemos isso muitas vezes, mas se o fato de a turnê está

acontecendo no meu país não fosse o suficiente para a tornar especial, seria

porque desta vez encontrei o amor da minha vida.

Em questão de semanas, a minha vida mudou completamente e

eu não poderia estar mais grata pelo trabalho que me trouxe até aqui.

Apesar de o fechamento desse ciclo ter me causado apreensão


durante vários dias, a promessa que o Daniel fez de que ficaremos juntos

acalmou o meu coração e sei que posso confiar nele. Por sua causa, tudo o
que sinto agora é gratidão, felicidade e orgulho do trabalho que a equipe do

Calvin e eu fizemos. Apenas sentimentos bons, porque o fim da turnê não é


o fim da minha história de amor com o pai da minha filha. O fim da turnê

não é o fim da família que estou construindo.

A parte de agradecimentos que o Derek faz é sempre a minha


deixa para arrumar um jeito de sair do palco e descansar, mas desta vez ele

me surpreende ao citar o meu nome e sobrenome para milhares de pessoas.


Com o coração aos pulos, fico atenta e ouvindo o que Calvin aprontará.

— Gostaria de agradecer a minha assessora e melhor amiga,


Maria Botelho. O show não seria tão especial se não fosse por ela e seu
profissionalismo. Apareça, querida. Sei que você está atrás da cortina — o
comentário final faz a plateia gritar e sorrir.

Acanhada, embora eu não seja uma pessoa tímida, dou passos

incertos até postar-me ao seu lado, enquanto o fuzilo com o olhar e faço
promessas de retaliação. Eu não estou nem mesmo vestida de forma

apropriada para ser vista por quinze mil pessoas.

— Ela é linda, não é? Mas podem tirar os olhos, porque essa


garota gostosa tem namorado — fala, as pessoas gritam ainda mais. Outras

fazem sons de vaias lamentando a informação.

O que ele está fazendo?

— Sei que eu não costumo demonstrar isso, mas você é uma das

pessoas mais importantes da minha vida. Estou feliz pela sua felicidade e
pela nova fase que está começando ao lado da sua família. Espero ser

convidado para ser padrinho do bebê e do casamento.

Talvez seja a gravidez, mas o seu reconhecimento, sendo falado


para milhares de pessoas, emociona-me e deixa meus olhos marejados. Fico

feliz de saber que Calvin reconhece o meu trabalho não só como


profissional, mas todo o cuidado como uma amiga que quer o seu bem.

Ele entrega o microfone na minha mão para que eu diga alguma


coisa, mas estou um pouco sem reação e só consigo balançar a cabeça para
cima e para baixo, acenando positivamente.

— Agora, gostaria de chamar ao palco o sortudo que conquistou


essa mulher maravilhosa. Com vocês, o nosso famoso chef de cozinha e

homem apaixonado: Daniel Fonseca.

Surpresa, olho para o lado e fico tentada a me beliscar para ter

certeza de que não estou sonhando quando vejo o amor da minha vida
vestindo terno e calça preta enquanto se aproxima de mim. Daniel está

sorrindo, um sorriso tão lindo que nunca deveria deixar o seu rosto. Quando
para na minha frente, ele abaixa a cabeça, segura o meu queixo e beija os

meus lábios de leve. O público presente que assiste pelo telão começa a
gritar e eu fico morrendo de vergonha, embora o coração esteja explodindo

de felicidade e orgulho. Orgulho porque esse homem é meu.

— Olá, meu amor — Daniel sussurra no meu ouvido.

— Por que você está aqui?

— Você já vai saber. — É a única resposta que tenho.

— Galera, fui informado de que o nosso homem romântico tem


algo a dizer para sua amada. Vocês querem ouvir? — Calvin incita o
público, que grita ainda mais.
Depois ele entrega o microfone nas mãos do meu namorado.

Daniel entrelaça os nossos dedos e me puxa mais para o centro do palco.


Antes de falar qualquer coisa, meu homem aponta o dedo para frente e eu

me surpreendo mais uma vez quando vejo os meus pais e o meu irmão
segurando minha filha bem na frente do palco. Minha amiga Mila e as

outras pessoas da equipe com quem convivo há anos também estão perto da
minha família. Não entendo o que todos estão fazendo aqui.

Quando volto minha atenção para o homem da minha vida, ele

me encara com olhos tão cheios de amor e devoção que todo o resto
desaparece. Nós somos as duas únicas pessoas que existem no mundo neste
momento.

— Eu poderia ter feito isso de diversas maneiras possíveis,


principalmente estando só nós dois e nossa filha na intimidade do nosso lar.

Mas depois de tanto me esconder e de negar a mim mesmo o que eu


precisava, decidi que seria na frente da nossa família, mas também de

milhares de pessoas para que mais gente testemunhe o que direi agora.

Ele está apenas começando e eu ainda nem sei do que se trata,


mas só o seu gesto de vir até aqui para tanta gente, quando sei perfeitamente

que prefere ser reservado, é uma grande prova de amor.


— Eu te amo e sei que uma eternidade ao seu lado não será o

suficiente para alimentar a minha necessidade de você. Eu não preciso dizer


tudo o que fez por mim, mas você sabe do que estou falando, não sabe? —

Balanço a cabeça confirmando que sim. — Ainda assim, farei um breve


resumo para que os nossos ouvintes entendam. Você me deu tudo quando eu

não tinha nada. Deu esperança, deu forças e me deu uma filha linda. Todos
os dias você me dá sexo gostoso e de ótima qualidade — o último

comentário arranca gargalhadas, eu olho para os meus pais lá embaixo e


sinto meu rosto ficando corado. — Por tudo isso e por te amar como louco,

estou me entregando por inteiro a você, Maria Botelho. Não importa para
onde vá, porque irei junto. O meu lar sempre será onde você estiver.

Meu Deus! Esse homem vai me matar.

As lágrimas de alegria estão rolando pelo meu rosto quando o


meu amor se ajoelha no palco, pega o anel de brilhante no seu bolso e o

estende em minha direção. Para evitar que minhas lágrimas se tornem


ruidosas, coloco uma das mãos na boca e a cubro. Isso só pode ser um
sonho muito bom. Logo acordarei e descobrirei que inventei uma realidade

paralela perfeita.

— Case-se comigo, minha garota perfeita. Torne-se a minha


mulher em todos os sentidos da palavra e me leve com você para qualquer
lugar. Apenas diga sim.

É um sonho, com certeza é um sonho.

Eu devo ter ficado pelo menos um minuto inteiro em choque,

sem dizer uma palavra e chorando. O meu homem permanece ajoelhado e a


plateia está em silêncio, cheia de expectativa pela resposta.

— Amor...

— Sim — digo em um fio de voz. Talvez tenha falado baixo

demais e ele não ouviu. Então, quando Daniel volta a ficar em pé, pego o
microfone de sua mão e grito a plenos pulmões.

— Sim! — o grito faz as pessoas gritarem enlouquecidas. Deixo

que o meu homem coloque o anel de brilhante no meu dedo, então me jogo
nos seus braços para que me beije do jeito que só ele sabe.

Felizes e excitados, Daniel e eu esquecemos de onde estamos e


aprofundamos o beijo quando enrolo minhas pernas nos seus quadris. Agora

só quero o beijar, e beijar um pouco mais até não conseguir mais fazer isso.
Preciso o beijar para agradecer por ser esse homem perfeito, por me amar e

me deixar o amar. Se não fossem os motivos anteriores, beijaria porque seu


beijo é a melhor coisa do mundo. Quero o beijar para sempre por ter me

pedido em casamento e tornado meu sonho realidade.


O casamento nunca foi uma prioridade para mim, mas tornou-se
quando me descobri apaixonada por esse homem. Posso ser muitas versões

de mim mesma e me orgulhar de cada uma das minhas conquistas, mas


nada se compara a ser esposa de Daniel Fonseca e mãe dos seus filhos. Essa

é a vida que quero para mim.

— Acho que está na hora do casal encontrar um quarto —


Calvin fala no microfone, e Daniel e eu sorrimos contra a boca um do outro.

Ignorando todo o resto, corremos de mãos dadas para fora do


palco e nos agarramos assim que ele encontra a primeira parede escura.

Cheios de calor e de um amor que parece estar transbordando neste


momento, nos beijamos com fome e até um pouco de violência por vários

minutos. Só paramos quando ficamos perto de tirarmos nossas roupas para


transarmos aqui mesmo.

Quando Daniel separa a boca da minha, encaramo-nos


longamente e sorrimos como dois bobos. Por mais que ele tenha se casado e

amado antes, essa é a minha primeira vez, então me sinto como uma
adolescente aos vinte e cinco.

— Eu não acredito que você fez isso.

— Faria qualquer coisa por você — Daniel declara, ainda me


segurando com firmeza contra o seu corpo.
— Falou sério quando disse que iria comigo para qualquer
lugar? — Daniel confirma em um gesto com a cabeça. — E se eu decidir

continuar minha vida nos Estados Unidos?

— Então farei as minhas malas e irei com você. Eu só quero


estar com você, meu amor. Posso refazer a minha vida em qualquer lugar e

não sentirei falta de nada, desde que esteja com a minha família.

— Amo você — declaro.

— Você é o meu coração — devolve e me beija mais uma vez.


Então entrelaçamos os nossos dedos e descemos do palco para
comemorarmos com os nossos amigos e minha família.

Enquanto somos parabenizados e abraçados, permito que meus


pensamentos me levem para alguns anos atrás e me lembro do dia em que
abordei um estranho em um bar. Sem perceber, determinei o meu destino e

não poderia ser mais grata por ter sido tão louca naquela noite. Poderia ter
sido o meu pior erro, mas foi o maior acerto da minha vida.

Um horizonte de possibilidades acabou de se abrir diante dos

meus olhos e a única certeza que tenho é de que serei feliz. Haverá
momentos desafiadores, mas ficarei bem, porque encontrei um homem que,
assim como eu, está disposto a sempre lutar pelo amor. Daniel renasceu
bem diante dos meus olhos e eu estava por perto para o amar. Sempre
estarei, assim como acredito que ele sempre estará perto de mim,
independentemente de onde estivermos.
CAPÍTULO 21

DANIEL
WASHINGTON – ESTADOS UNIDOS

ALGUNS MESES DEPOIS

— Tem certeza de que você está bem? — ouço a voz da minha


sogra. Ela está sentada ao meu lado em um banco na sala de espera da

maternidade.

A minha esposa está na sala de parto dando à luz a nossa filha e

eu fui incapaz de ficar com ela. Maria precisava que eu segurasse a sua
mão, no entanto estou aqui, sendo consolado enquanto sinto medo e temo o

momento em que o médico virá para dar uma má notícia.

— Eu estou bem. Só preciso de notícias da minha mulher e da

minha filha.

— Se acalme, filho. Em breve você terá uma ótima surpresa e

será liberado para conhecer a minha netinha.


A mãe da Maria veio do Brasil para ajudar minha esposa nas

últimas semanas antes do nascimento da neta e agora ela é a única pessoa

que permito ao meu lado para dar-me um pouco de conforto, embora eu

esteja alheio a sua presença quase cem por cento do tempo.

Apesar de o amor ter me mudado, há feridas difíceis de serem


curadas e nunca estive enganado quanto ao que sentiria quando esse

momento chegasse. Mesmo enquanto me sinto tomado pelo medo, ainda me

agarro a fé e digo a mim mesmo que minha mulher está bem, que ela e

nossa filha ficarão bem.

Depois que fiz o pedido de casamento e a turnê do Calvin Derek

terminou, Maria e eu conversamos e decidimos que moraríamos aqui nos

Estados Unidos, onde ela tem uma carreira estabelecida e da qual não

gostaria de abrir mão. Para mim não foi difícil, porque poderia fazer o meu

trabalho e supervisionar todos os meus restaurantes de longe.

Um mês depois, após uma visita ao Espírito Santo para que os

meus pais conhecessem minha mulher e minha filha, mudei de país com as

mulheres da minha vida. Ficamos alguns dias no seu apartamento, mas

começamos a procurar uma casa maior imediatamente. Dois meses depois

mudamos para um condomínio familiar e seguro.


O fato de estar com a minha família fez com que eu me

acostumasse muito rapidamente com o novo país e não senti falta de estar

em outro lugar. Assim que nos estabelecemos na casa nova, minha noiva

voltou a dedicar-se ao seu trabalho como assessora de imprensa, mas antes

teve uma conversa com o Calvin e falou sobre as muitas responsabilidades

que estavam a sobrecarregando. Como a adora e é justo, ele remediou a


situação rapidamente e minha garota perfeita passou a ter mais tempo para

ela, para mim e para nossa filha.

Apesar das mudanças no trabalho, da gravidez e de estar

adaptando-se a uma casa nova, Maria manteve a calma e tirou tudo de letra,

simplesmente porque ela é assim: competente, corajosa e muito disposta.


Além de tudo, ela passou os primeiros quatro meses da nossa chegada

preparando o casamento. Estive ao seu lado o tempo todo, sempre ajudando

e lembrando de que não precisa tentar agarrar o mundo inteiro com as

mãos.

Se o amor da minha vida me fez renascer, eu ensinei Maria a


relaxar e a delegar tarefas para ter mais tempo de ser feliz.

Com uma cerimônia no campo, Maria e eu nos casamos numa

bela manhã de domingo. Ela conseguiu o lugar com o chefe e eu cuidei da

recepção fornecendo o buffet e todo o resto. Com seu vestido branco e uma
tiara de flores na cabeça, minha garota perfeita estava tão bonita que parecia

um anjo. A nossa filha entrou como uma princesa segurando as alianças e

roubou a cena para si quando beijou a barriga da mãe, antes de correr para
os braços da avó paterna.

Dizer sim diante de um padre para a mulher que eu amo foi uma
das coisas mais acertadas que já fiz e todos os dias tenho provas disso.

Depois da cerimônia, os convidados participaram de uma recepção que

durou até o início da noite, mas sequestrei a minha esposa no meio da tarde

e fizemos o nosso primeiro sexo como marido e mulher em casa. No dia

seguinte, partimos para uma viagem de lua de mel e deixamos a nossa filha

com a minha mãe, que ainda ficaria no país por algumas semanas.

Mesmo com a barriga protuberante por causa da gravidez,

minha esposa estava disposta como sempre e acredito que nunca fizemos

tanto sexo quanto naqueles dias. Ela adora transar e a gravidez a deixou

ainda mais insaciável. Mas nossa lua de mel, infelizmente, não se resumiu a

sexo e levei minha esposa para fazer passeios nos pontos turísticos na bela

cidade de Veneza na Itália. Ela comeu sem culpa e não permiti que tivesse

neuras com seu peso. A convenci de que sempre será linda e Maria relaxou.

Quando voltamos, nossas vidas continuaram da melhor forma

possível. Estabelecemos uma rotina adequada e gostosa, mas também


começamos a entender que o casamento não era apenas flores. Tivemos

pequenos desentendimentos, como qualquer casal, mas resolvemos as

nossas diferenças com conversas e na cama com muita foda suado de

reconciliação.

A nossa filha ficou ansiosa pela chegada do irmão durante toda

a gravidez. Junto com a Nica, ela ajudou em cada detalhe da montagem do

quarto da minha mais nova princesa e hoje foi difícil a convencer de que

não poderia vir com a gente para o hospital.

Agora Tatá está em casa com a babá, provavelmente esperando

ansiosa pela nossa chegada. Ela sabia que o parto seria hoje e por isso tive
dificuldade para a fazer dormir ontem à noite.

— Daniel Fonseca. — A voz da médica me faz voltar para a

realidade e levantar-me do banco no mesmo instante. Com o coração

apertado no peito, aproximo-me da mulher e espero pela notícia.

— E então, como elas estão? — pergunto, antes que a mulher

abra a boca.

É impressionante como parece que passa uma eternidade até

que diga algo. Dá tempo de eu morrer e ressuscitar mil vezes.

— A sua esposa está bem e sua filha nasceu forte e linda.


Os meus olhos enchem-se de lágrimas, o nó na minha garganta

afrouxa e o aperto no coração se desfaz. Eu não poderia explicar o alívio e a

alegria que estou sentindo agora.

— Você está falando a verdade?

— As enfermeiras levaram sua filha para ser limpa, mas sua

esposa acabou de ir para a sala de recuperação. Se quiser, pode constatar

com seus próprios olhos.

Eu não espero mais nenhuma palavra para correr até o meu

amor. Quando abro a porta do quarto, sou recebido pela minha esposa

sentada e ela sorri imediatamente quando me vê. Maria parece tão linda e

forte que não me seguro e deixo as lágrimas romperem desta vez.

Ao aproximar-se, sento-me ao seu lado e a abraço apertado,

com vontade de nunca mais a deixar ir. Assim que me afasto, beijo os seus

lábios diversas vezes, com selinhos carinhosos que falam mais do que mil

palavras poderiam dizer. Ainda assim, preciso que Maria saiba de tudo.

Maria não faz ideia, e acredito que nunca saberá o quanto o nosso amor

realmente me faz bem.

— Obrigado, meu amor. Obrigado por ainda estar aqui e por

não ter me deixado. Eu não sei o que seria de mim se...


— Eu nunca te deixarei, marido — declara, parecendo mais

linda do que nunca. — Não tenha mais medo.

— Não terei, garota perfeita — afirmo, e o meu coração fica

leve quando minha mulher beija meu rosto com carinho para secar os

rastros de lágrimas.

Ela é perfeita para mim. Onde sou fraco, Maria é forte. O que

falta em mim, nela tem de sobra e assim nos completamos.

Alguns minutos depois, a enfermeira traz um pacotinho rosa em


seus braços. Sou tomado pela felicidade e pela certeza de que não sairei

daqui com as mãos vazias desta vez. O final será diferente, porque a vida
me deu uma segunda chance.

A enfermeira se aproxima da minha esposa com a intenção de


colocar a nossa filha nos seus braços, mas ela pede que a entregue para

mim.

Quando olho sem entender nada, Maria apenas balança a cabeça


e sorri. Ela me conhece e sabe que preciso ter esse momento com a nossa

menina. O momento que significa mais para mim do que outras pessoas
poderiam entender. Maria é a única que sabe.

Pegar o meu pacotinho rosa nos braços é como segurar a vida

com minhas próprias mãos. Mia acabou de nascer, mas seu tom de pele e a
cor dos seus cabelos me fazem pensar que ela se parecerá com a mãe. Será
tão linda quanto. Meu peito se enche com um amor tão profundo que

poderia transbordar. Quando penso que já não dá mais, sempre encontro


espaço para amar mais e mais, porque a minha capacidade de sentir, que

antes era inexistente, tornou-se infinita.

— O seu pai estava te esperando, Mia. Você tem uma família


que te ama e te protegerá — declaro bem baixinho para os seus olhos

fechados. Fico curioso quando sua boquinha começa a fazer movimentos de


sucção e minha mulher explica que a bebê está com fome.

Quando a coloco nos braços da mãe e Maria começa a

amamentar, simplesmente não consigo desviar o olhar. A cena é perfeita e


deveria ser eternizada.

— Será que os olhos dela serão como os seus?

— Prefiro que sejam como os seus. Tammy já é a minha cópia


— brinco.

— Podemos tentar um menino se a Mia ficar parecida com

você. Tenho certeza de que o menino se parecerá comigo.

— Você quer mais um? — questiono.

— Talvez eu queira no futuro.


— Então você terá — declaro, porque tudo o que senti enquanto
esperava valeu a pena pela plenitude que estou vivendo agora. — Se você

quiser, colocarei o mundo aos seus pés, Maria.

— Colocou o mundo aos meus pés quando me deu você. O meu


mundo é você — declara, eu me aproximo e a beijo.

Como não poderia deixar de ser, Tatá faz a festa por causa da

irmãzinha quando voltamos para casa. Ela começa a seguir a mãe e insiste
até conseguir segurar Mia. Enquanto ela balança a recém-nascida em seus
braços sentada no sofá, minha mulher e eu ficamos parados lado a lado e

observando a cena como dois bobos.

As duas são nossas filhas. Essa é a família que construímos com


o nosso amor que parecia imprevisível, mas que se tornou forte e maior do

que tudo.

Pelas três mulheres da minha vida, quero me tornar um homem

muito melhor do que a minha melhor versão todos os dias.


EPÍLOGO

MARIA
TRÊS ANOS DEPOIS

Apesar de cheio, tenho a sensação de que o lugar não poderia

estar mais vazio e silencioso. Como faço todas as vezes em que saio para
me divertir, sento-me encostada no balcão do bar e peço uma bebida. Estou

sozinha e preciso estar para que o meu propósito seja cumprido.

— Aqui está sua cerveja — diz o barman ao colocar um copo

com bebida na minha frente.

— Obrigada, Ryan — agradeço, depois de ler seu nome no

crachá preso na camisa.

O rapaz está me olhando com curiosidade desde a hora em que

cheguei, mas é somente porque ele não conseguiu enxergar a aliança


enorme no meu dedo. Ele não conseguiria de qualquer forma, considerando

que estou com a mão esquerda escondida no meu colo. Mas o cara não me

interessa de qualquer forma. Na verdade, nenhum homem que está aqui me

interessa.
Nenhum além dele...

Eu estava distraída, mas fico em estado de alerta quando uma

presença faz os pelinhos da minha nuca se arrepiarem. Sem pedir licença ou

dizer uma palavra, um homem se senta ao meu lado. Ele está muito

próximo e eu sei que se trata de uma pessoa do sexo masculino por causa do
cheiro do seu perfume gostoso e requintado. A minha cabeça está abaixada

enquanto brinco com o canudo da minha bebida, mas minha boceta se

aperta pela presença poderosa e que não pode ser ignorada.

Como lembro-me de ter acontecido há alguns anos, sinto um


desejo irresistível de ser ousada e o agarrar em minhas mãos para nunca

mais deixar escapar. Porra! Essa situação está me deixando com tesão.

Saber qual será o desfecho depois de ter a vivenciado tantas vezes me deixa

tão sensível que eu poderia dar para ele agora mesmo. Mas preciso seguir o

script, não é?

Quando levanto a cabeça e olho para o lado com a intenção de

encarar o homem que agora me faz companhia, deparo-me com uma beleza

de tirar o fôlego e olhos castanhos esverdeados que poderiam me consumir

sem me tocar.

Sem conseguir me conter, saio do meu lugar, chego bem

pertinho do homem gostoso e bonito de arder os olhos e me coloco entre


suas pernas. Ele não se move, não me toca e não diz uma palavra. Apenas

me olha com desejo voraz e faz ameaças implícitas de que acabará comigo

quando me pegar.

Preciso que Daniel faça isso, porque a rotina, os anos de

casamento, duas filhas e os nossos trabalhos não foram capazes de

diminuírem o desejo e o amor maduro e inabalável que sentimos um pelo

outro. De vez em quando, meu marido e eu saímos como dois jovens

despreocupados e recriamos situações parecidas com a do dia em que nos

conhecemos, embora ele não estivesse feliz na época.

Nas nossas cenas não somos nós mesmos, apesar de a paixão e

o sexo no final da noite serem. Quando voltamos para casa somos

profissionais de sucesso, pais amorosos e responsáveis, mas aqui somos

apenas Maria e Daniel: despreocupados e em busca de diversão para

adultos.

— Você está aqui sozinho? — questiono, fazendo uma voz

sedutora ao passar as minhas unhas pela sua nuca, que se arrepia debaixo

dos meus dedos.

Estamos sendo vistos pelo barman e algumas pessoas à nossa

volta. Tenho certeza de que a tensão sexual está deixando algumas calcinhas

molhadas e alguns homens duros.


— Agora não estou mais — declara, então deixa que suas mãos

deslizem para minha bunda e apertem os lados com firmeza, fazendo com

que o meu sexo pressione o seu.

— E se a gente fosse para um lugar mais reservado? — Indago.

Sei que o nosso jogo de sedução deveria durar mais, mas sentir seu pau
contra mim me deixa molhada e não consigo mais esperar.

— Você nem me disse o seu nome — Daniel, o meu marido

gostoso fala.

— Não precisamos de nomes — devolvo. O homem cheiroso

morde o meu lábio inferior e mais uma vez esfrega minha boceta no seu

pau.

Com intenções maldosas, fiz questão de vir com vestido e sem

calcinha. Tudo para facilitar o trabalho. Meu marido sabe disso, e embora

uma parte sua se sinta enciumada por imaginar que outros homens podem

adivinhar esse fato, sei que a maior parte se sente estimulada e excitada. O

que importa se outros desejarem se só ele pode me tocar?

— Você está certa garota. Para que nomes?

Ele segura minha mão e me leva para um dos corredores menos

iluminados e menos movimentados da casa de shows que escolhemos para

hoje. Nós nunca vamos para os mesmos lugares e isso torna nossas
escapadas mais excitantes. Fingimos nos encontrar em bares, quando na

verdade saímos de casa juntos e ficamos a viajem inteira nos beijando no

carro de aplicativo.

Assim que encontra um lugar apropriado, meu homem me joga

contra a parede, posiciona-se na minha frente e me beija com tanta força

que chega a ser violento. Ele toma a minha língua de maneira incansável,

aperta os lados da minha bunda e se esfrega como se estivesse desesperado.

Entregue, gemo dentro da sua boca e me esfrego de volta.

— Esse lugar é reservado o suficiente para você?

— O suficiente para te deixar me comer aqui — afirmo, Daniel

rapidamente abre o zíper da calça, pega seu membro e mete todo na minha

boceta, que se ajusta ao seu tamanho com maior rapidez do que antes.

Ainda assim, arqueio as costas e ofego quando o sinto me

deixando cheia até o limite. Então meu marido começa a me penetrar com

vigor, beijando-me com amor e paixão. Mesmo criando as nossas fantasias,

quando estamos transando, fazendo amor ou nos beijando com ternura,

sabemos quem somos e dos sentimentos que nos unem.

— Porra! Você está cada dia mais gostosa, meu amor. Eu não

me canso de te comer.
— Eu não canso de dar para você, marido — declaro, com a

cabeça jogada para trás.

Quando Daniel começa a atacar o meu pescoço com mordidas e

chupadas, eu arranho suas costas por cima da camisa e me deixo ser fodida
contra a parede como uma vadia qualquer.

Mas sei que sou mãe de duas princesas e a esposa amada desse

homem perfeito.

— Eu te amo, caralho! Eu te amo. Eu te amo — repete ofegante

e sem parar contra o meu ouvido, possuindo-me por inteiro.

— Também te amo... — falo em um sussurro quando gozo com

seu pau profundamente em mim e uma mordida dolorosa no lóbulo da

minha orelha.

Enquanto nossos corpos correm em direção ao prazer máximo

de orgasmos intensos, nos seguramos um no outro como se nossas vidas

dependessem disso. Eu me agarro ao Daniel e ele se agarra a mim, porque

nós realmente somos isso aqui: duas metades de um todo. Dois corações

que se completam e duas almas afins que estavam se buscando de forma

incansável.

Seja como pais devotos de duas garotinhas, seja como

profissionais bem-sucedidos ou como amantes que se encontram em


corredores escuros para sexos tórridos, nós ainda somos aqueles que se

amam todos os dias e que são gratos pela vida e pelo presente que foi esse

reencontro.

FIM
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SINOPSE

Criada por pais religiosos e ensinada a seguir regras rígidas,

Amora sente que não sabe quem é a pessoa que se tornou.

Quando faz dezenove anos e se muda para outro estado, a garota


conhece a liberdade do mundo cheio de pecados, sensações e tentações que

uma alma sedenta não poderia resistir.

Tudo parece demasiadamente sufocante, até que dois homens

entram na sua vida. Hugo e Luca são como o sol e a lua, o fogo e o gelo,
opostos que se complementam de alguma forma. Opostos que seduzem os

anseios do seu corpo, alma e coração.

Amora não tinha nada e agora quer tudo, mas será que ela está

pronta para homens poderosos, misteriosos e possessivos como os primos

Ferrari?

Desejada por eles é um romance quente entre dois homens e


uma jovem em processo de descoberta. Uma história de amor quente, cuja

paixão resiste aos limites impostos.


SINOPSE
“Ele faz com que eu me sinta indefesa. Tudo nele me afasta.

Tudo me atrai”

Tendo nascido com um problema na perna que torna a sua vida

mais difícil, Sofia se vê obrigada a ir morar com a tia e as primas quando

perde seu pai, a única pessoa que a amava incondicionalmente.

Cheia de sonhos e ilusões, a garota de vinte e dois anos

conhecerá Donovan Magno, um homem frio e cruel, que é considerado o

dono de toda a região, inclusive das terras em que a sua tia mora.

Aos trinta e seis anos, depois de ter perdido a mulher de sua


vida, Donovan é incapaz de amar. Vive pela responsabilidade que tem com

o filho de um ano, embora não consiga deixar de o culpar pela morte da

mãe. Ele terá todas as suas certezas questionadas depois da chegada de


Sofia à cidade. Ela é um perigo para o seu coração, o faz desejar ser mais

do que uma casca.

“Ela é a calmaria, eu sou a tempestade. Juntos, somos a ruína,

mas também a cura um do outro.”


SINOPSE
Pode o amor causar dor?

Aos 19 anos, Ella leva uma vida simples e tranquila e o fato de


viver com tão pouco não é capaz de apagar o brilho no seu olhar, pois

acredita que o seu lugar é onde está o seu coração. Mas tudo muda depois
da chegada de Diego Estrada, filho do maior dono de terras da região, um

homem frio e misterioso que não faz questão de ser cordial com quem está
à sua volta. Sua chegada do transforma o mundo de Ella conhece e sua

inocência deixa de existir.

O seu toque causa mácula, a sua voz provoca medo e,

principalmente, a sua alma e o seu olhar lhe despertam arrepios.

Aos 30 anos, Diego pensa ter perdido tudo, até mesmo um


pouco da sua humanidade, e voltar para o lugar do qual partiu tantos anos

atrás lhe causa muito mais do que incômodo. Quando ele conhece a bela e

inocente Ella, a bondade e a ingenuidade da moça provinciana perturbam-


no e trazem à tona desejos que há muito tempo estavam adormecidos.

Pode o amor curar?

Medo e dor. Paixão e erotismo, esta não é uma simples história

de amor.
SINOPSE
O que acontece depois do “felizes para sempre”?

Herdeiro de um império milionário, Antônio Orsini é um


homem que vive de aparências. Frio e atormentado por fantasmas do

passado, ele espera pelo dia em que sentirá que pertence a algum lugar,
onde sua vida não será uma mentira completa. Tudo muda quando se

envolve com Beatriz, uma garota 20 anos mais jovem, inocente demais para
um homem marcado como ele.

A paixão que os une é intensa. A dependência física e


emocional que um desenvolve pelo outro pode ser mais perigosa do que

eles imaginam.

Eles são felizes por quase 1 ano, até que um terrível acidente
muda o rumo das suas vidas.

Uma gravidez inesperada.

Um homem cujas memórias recentes são completamente


apagadas.

A descoberta de segredos que colocam em dúvida o amor que

parecia indestrutível.
Até que ponto vale a pena lutar por um amor perdido?
SINOPSE
Marina sempre viveu uma vida perfeita, cercada de luxos e
mimos. Até que, aos seus 17 anos, uma tragédia muda o rumo de sua vida: a

perda de seu pai, único parente vivo e pessoa que ela mais ama, deixando-a
desamparada e sozinha no mundo. E, para completar o pesadelo em que

passa a viver, a garota se vê obrigada a viver sob a tutela de Erick Estevan,

melhor amigo de seu pai, de quem guarda antigas e profundas mágoas.

Erick vê seu mundo inteiro virar do avesso com a chegada da

filha de seu falecido melhor amigo aos seus cuidados. Tendo sua vida
inteira planejada, a adição inesperada não seria um problema, se não fosse o

doentio desejo que sente pela garota que viu crescer.

Marina é agora uma linda e proibida mulher, que assombra seus

pensamentos e desperta sentimentos que o homem tanto luta para suprimir.

Na batalha entre obrigação e desejo, será a razão capaz de


definir o que é certo e errado?
SINOPSE
De uma família feliz e bem estruturada, Luana Aguiar viu o

mundo à sua volta desmoronar quando perdeu a mãe. A garota então ficou
aos cuidados do pai, um homem que não soube superar a perda da esposa e

acabou se entregando a vícios que seriam a sua ruína. Vícios que o levaram
a colocá-la nas mãos de Gabriel Souto, um homem impiedoso e sem

coração, como muitos dizem. A fama de Daniel Souto o precede e, sem que
tenha escolha, a jovem se vê presa ao seu mundo sombrio, cercada de

mistérios e luxúria.

Gabriel Souto não pede, ele toma para si, esse é o seu lema de
vida. Não seria diferente quando o assunto é o seu desejo de arranjar uma

esposa para tornar-se um homem respeitado perante a alta sociedade, que


não enxerga além do que quer ver. A oportunidade surge quando o tolo

Júlio Aguiar faz a pior aposta da sua vida e entrega de bandeja exatamente

o que ele estava procurando, poupando-lhe o trabalho de ir à caça.

Uma relação nascida do ódio, um desejo que não pode ser

reprimido e um reencontro inesperado. Será que o amor conseguirá

florescer em corações tão inóspitos?


SOBRE A AUTORA

É maranhense de 29 anos, mora em Brasília, Distrito Federal.

No seu apartamento, ao lado dos pais e um sobrinho, mergulha no mundo


da imaginação escrevendo livros de romances eróticos, comédias

românticas e dramas. Com quase 3 anos de carreira, conta com 12 títulos


lançados na Amazon e mais de 50 milhões de páginas lidas pelo Kindle.

Títulos como O tutor, Vendida para Gabriel e Marcada por mim tornaram-se
Best-seller na Amazon.

Acompanhe mais informações sobre outros títulos da autora nas

redes sociais.

INSTAGRAM: https://bit.ly/autorajoanesilva

WATTPAD: https://bit.ly/joanesilva

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