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A REPUBLICA Platao Tntrodugio, Tradugio e notas de ‘Mansa Hevewa DA ROCHA PEREIRA 9 edigio 200510 8598 101.9:829 PLA nep 9.¢4, INURE 1361848 FUNDAGAO CALOUSTE GULBENKIAN BCURG ‘Traduio do texto prego FIAATRNOE TOAITELA A edigto ulizada faa de J. Burnet Plaonis Opea, TV COxoniietypographeo Clarendoniano, 1949 Reservados todos or direitos ‘de haemionin com let digi da Fundaglo Calouse Gulbenkian Av. de Berna, Lshoa INTRODUCAO As paginas que vio ler-se ndo so um estudo completo sistemético da Reptiblica de Platdo, pois um trabalho desses 86 ipoderia ser feito por unt histriador da flosofia. Nao faltam, lids, excelentes ensaios em linguas modemas acesiveis, que indicaremos no final, € pata os quais remetemas os leitores espedalizados, Para sigue, ‘porém, que, ndo dispondo ainda de suma preparacio especifca, pretendem simplesmente uma ine formagao geral e actualizada sobre a matéria, escrevemos estas linhas, esperande que possam servir-hes de guia na leitura de uma das obras maiores do pensamento europes. A forma de didlogo narrado ina primeira caracerttica sala aos ols de quem abrir este tratado: «sua forma de didlo, no dramaticamente express, como no Gorgias, Ménon ou Fedro, mas sob « aparéncia de wna narration fita por Sécrates a um auditrio andnimo', outros didlogos, 0 interlocutor & nomeado, Assim, © para s citar © mais conhecido, na abertura do Faden, € 0 discipulo de Sécrates com este nome que conta a Equderates 3 conversa final e 0s limos momentos do Mestre. (on seja, exactamente 0 mesmie proveso adoptado no Proxigo- ras, Carmides e Lisis * O facto tem sido explorado — era inevitével — como base para estabelecer a to discutida cronologia relative da obra de Platio, tanto mais que no Teeveto *o processo é explictamente dectarado incémodo e, come tal, abandonads. Mas 0 pesso em questo ndo & de molde a exeluir a possibilidade de a forma ssarativa ter sido reromada posteriormene a esse diego, de ‘uot modo geral,a critica moderna tende a desvalorizar este crité= rio de datagio Permanece certa, porém, a vantagen, proporcionada pela narvativa, de permitir uma caracterizagio mais acentuada das figuras e de reconstituir com mais releve o ambiente em que se movimentam *. Basta atentar em certos pormenores da A forma de dislogo, em si, nio é, como se sibe, novidade pla- ‘nica, pois outres discapulos de Sécratzs o usaram, Mas $6 Plato elevou o dislogo flosdfico a generolcerdtio. * Além destes, sio também didlogos narrados o Burden, © Filen (Gtado na nota anterion) 0 Banguete 0 Parmenides. A relacio pormenorizada das variantes usadas para os introduzir pode verse em Paul Shorey, Hhat Plato Said, pp. 63-64 * tasb-c. * Estamos longe, portanto, das posigbes extrennas assumidas no sé. x1x, como a de Schiine (1862), que considerava os dilogos narrados coms 08 thimos, ou como ade Teichmiller (1870), que sustentava 2 tese oposta. No entanto, um especialisca como Holger ‘Thesleft (Studies i the Ses of Plas, Helsinki, 1962, p. 19) continua a entender que as diferencas entre 2s duas modalidades sio notiveis € ineluem modos de composieio ¢ estilo que parecem toroar diffal de aceitar a passagem de uma para oucra [O mesmo especialista, nos seus recentes Studies in Platonic Chronology, Ficlsink?, defende a teoria de que essas diferengas se ‘eflecter na aplicabilidade do critie estilomeétrice como indice de daragio| * Cf entre outros, P Shorey, What Plat Said, p. 64, wt Reptiblica para obtermos uma brilhante confirmagdo do facto: Togo na entrada, 0 esrivo de Polemarco, que chaya a corer ao é de Sécrates ¢ the agarta 0 manto por detrs, a fim de the pedir, da parte do amo, que se nio retire je 0 voltar do mest, ipara saber de quent se trata’; depois a inesquecivel agitagao de “Trasimaco, que ido pode mais dominar a indignagdo que the causa 0 método de investigagdo seguido por Séerates’; 0 suor ¢ 0 rubor do Sofista, ao sexstirse derrotade'; mais adiante, no co- imeco do Livro v, 0 estender da mao de Polemarco, que estava sentado longe de Adinanto e lhe pua pela vest, indlinando-se ‘para a frent, para the segredar wnnas palavras, de que. os c= ‘aunstaites sb onvem a resposta ~ a resposte que vai alter 0 curso do didlogo?. Figuras Sob a forma narrativa ow dramética, em todos" temos sempre « considera, tal como no teatro, a presenga de flras, caja caracterizacéio importa fazer, e que sto geralmente pessoas histbricas”. ‘A conversa tem lugar no Pirew, na casa de Polemarco. A parte deste no didlogo, para além do Livro 1, onde, depois de mandar convidar e insistir com S6crates para que fique, € 1. 3a7b, 71336. or 350d. ys aggb-<. * Ni ¢ necessrio excluir a Apologia de Séaate, que, embora ‘contenha algum didlogo, é, pelo seu teor de apresentacto, funds rmentalmente um monéloge. ™ Comto escrevew R- L- Netleship (Lets ot the Republic of Plato, p. 7), «as Eguras do dilogo sho, pot um lado, simplesmente expressées ideais de certos principios: por outro lado, trazem can= sigo muito do seu eardctct reals. va °C BCiUF 0 segundo interveniente na argumentagio®, limita-se & cena do Livto v que citémos acima”, Esto presentes dois inindos seus, Lisias ¢ Butidemo, que séo agui figuras mudas, ¢ seu pai, 6 idoso Céfalo, que aparece coroado (pois acabara de fazer um sactificio), sentado em almofadas, com a dignidade que the confere uma longa vida justa. Afivele sereno,é ele que convida Sécrates a visité-los mais vezes, para conversar cont filkos. E sua primeira definigi de justica — dada de acordo com a sua experitncia e simplicidade, Abandona, porém, a discussio ent 331d, deixando-a «ao seu herdeiron. Esta tansbém presentes Carmantidas e Clitefonte™ (os quis apenas o segundo fala uma vez, no Livto }), figuras des- conbecidas, talvez discipuls de Trasimac,o célebre Soita, que também jé se encontrava no grupo. E todo um crculo®, a que se Juntam Adimanto, inno de Platio, e Nictrato, filho de Nias, qe, jantamente com os outros jovens regressados da procissio, forart com Polematco convidar Sserates e Gléucon (também inna de Platdo) a permanecerem com eles. Teraos, portanto, uma galeria de figuras, das quais umas so activas, outras, simples ouvintes. Quase todas sG0 comecie das. Em primeiro plano, Sécrates, sem divida a pessoa central da discusio dialéaica, Embora nao vasnos renovar a questéo da ® Mediante uma citasSo de Siménides, a parti de 1. sgrd, com ‘qual se introduc a segunda definigas de jusiga: dar a cada um © que se Ihe deve. © Vide supra, p. wen. 9 * Clitofoute di o nome 2 um diélogo platonico de antentici- dade duvidosa, A designagio & de P. Friedlander, Pla, 2, p. 52 (que vé o centro em Polemarco e seus irmos). vn bistorcidade deste seu retrato, podemos recordar, & passagery a hipstese de FM. Comford, sequida por outros, de que é neste Aidlogo que se desenha a bifurcagio entee 0 método de Séerates € 0 de Platéo: no Livro 1 evidencianse a faloncia daquele; a continuagao mostra os novos caminhos, segundo os quais nie é dada wm a organizar a sua busca do bent, mas a ordem socal é gue hévde trar de cada um o melhor”. A familia do hospedeio esta longe de ser estranha aos estudiosos da fteratura ¢ da hitria gregas. Liss, 0 estudante de ret6rica que se conserva sifenciaso todo o tempo, é uma das Jiguras maiores de elogéncia antiga, que havia de ser model, Juntamente com Deméstenes — ¢ oposto a ele” — dos apron dies da arte de bem fala. Enire 05 muitos discursos seus que Um resumo do estado actual da questte da historicidade da figura de Sécrates em Platio e noutros autores pode verte no nosso livo Bstuds de Husa da Culture Clic, 1, Lisboa, 1970, pp. 34335, [Na 8* ed, 1998, pp 456-466] "Bor isso, A, Sesonske intiulou o artigo em que defenden sta doutrina «Plato's Apology: Republic 1s, Phronens Vt (4961), 29-36 (teimptesso na colectines, organizada pelo mesmo, Plato's Republic Interpretation end Crticom, pp. 40-47). * Embota nio esteja presente no Redr, Liias tem af grande televo, pois © ponto de partida desse didloge & 0 entesiasmo cau- sado por um discurso sex no discfpulo de Sécrates de cujo nome deriva o tralo da obra, Se 0 dscurso & auténtico, ow mais uma das admiréveis parédias de Plato, € discutivel. O Fedo menciona tam- ‘bem Polematco, como estudioso da flosofia(257b). Sobre a discus so eta volta do pouco aprego de Platho por Lisias, vide P. Shorey, What Plato Seid pp. 3-92. ” Lisias era 0 protétipo da sobriedade, modelo de aticismo, 40 passo que Deimdstenes o era da exuberincia de expressio. A contenda entre os admiradores de um ¢ de outro atingiu 0 maximo na época de Cicero, que pretendia concilias as virtual ddades de arabos, como discipulo da Bscola de Rodes, que era, m se conseram, figura sim, que @ precsamente o melhor e mesmo 0 inico em que defende um caso pessoal ® 9 Contra Eratés- tenes, Esa oragéo contasnas como o sicarusano Cefalo se estabele- cera em Atenas como meteco, ¢ af rsidira winta anes, em grande prospoidade A familia posuia una fabrica de escudo, que chegon 4 empregar conto evinteexeraves, Porm, em 404 a.C, quando os Tinta Titanos subiram ao poder em Atenas, os bens Jorarn-the confisades,e Polemarco ¢ Lisias feitos prisioneites. Depois de derrubado esse regime, 0 orador, que conseguira escapar, acisa vreementemente neste disearso 0 responsavel pela exeeugdo do ino, Exatistenes. Outra figura clebre € Trasimaco de Caledéwia, um Sosa gue partitha com Gérgias a honra de ter sido 0 criador da prosa arttica em atico, Bara além dos custo fragmentos que nos restam a longa discussio que sustenta no Litto 1 mostra-0 wm opositor trucalento, dotado de uma habilidade dialética comparivel & dos demais Sofista, ¢ como eles, alheia a qualquer preoeupagio de oncliar a eloquéncia corsa cae inclinado a tra proveito mate- rial do seu ensina™. De Trasiwaco nia volia a falar-se, sendo de passagem, no remos hoje trinta e quatro, de mais de dazentos que existirera, © Preodo-Plutarco (Vite Det Oratorum, 3) que cinka conhecimento de quatrocentos e vinte cinco, confessa que jé s@ duzentose tints © trés eram considerados autéaticos. *"Lisias era, como 06 demais oradores dries de nomeada, umm Fopserafo, into &, uma pessoa que faz profisto de compor discursos pats os outros se defenderem no wibunal. * Ben 1. 3374, Tessimaca diz que sb continuaré > falar, se lhe ‘pagarem, Ao que Glsucon reeponde gue todos esto dspostos a cori- zar-te para que Sécrates posts aprender com ele Plario invste com freqaéneia na gandncia dos Sofses: Apologis 1We-20a: Cerys 5196; Hipias Maier 282b-e; Lequss 6c; Crit 3480, 391b-c. Liveo vi, Em contrapartida, ha duas figuras que, embora no- meadas logo nas printeisas linhas, se mantém silenciosas a pric imeira fase da discussie: Gldwcon ¢ Adimanta, 0s dois indo mais velios do autor. O primeir € 0 interlecutor principal de Sé- crates”, Nao é cettamente por acaso quse era ele 0 companheiro do fl6sofo, quando iam regressar a Atenas, no comego do loro. ‘Nao tem passado despercebido aos eitios que, entre estas figuras, ha nada menos que srés que acabariam por ser condenta- das a beber a cicwta, pots tanto Polemaco como Nicérato™ foram © 498d. Discute-se até que ponto slo caricaturais es eragos que Plato d figura de Trasimaco, Parece-nos, na extra de G. B. Kerferd Durkan Chivers journal. 1047 (apud D.J, Allan, Plato: Re- ablict, p>), que © que temes aqui nio ¢ uma deformagio bulesca do Sofista [Por sua vez, Julia Annas, An Introducion to Plato's Republis pp. 1457, obsetva que nio temos dados seguros sobre a gra histénca ‘de Trasimaco "para dizer se as suas ideias eram algo de parecido com as da Rep, ou se Patio esti a ear uma atcade delibers- Bate terminus ente quem € estabelecido pela informacio de Fildcoro, de que a pega foi estreada dais anos apés a celebragio do tratado de alianca entre Atenas e Esparta. * Vide o nosso trabalho Conapys Helénias de Felicidade no Ale, de Homer « lato, Coimbra, 1985, PP. 77-91, 169-14 © 198-20. “HL Thesleff, Studer in the Siler of Plat, ct, ap6s diferenciar dez estilos na obra de Plato (p. 63) observa a presenga de todos, menos um, ¢ de todas as formas de exposicio, na Repibia (pp 95-518}, © De compostioneverboram 208.209. xv eer weil 4) RELAGAO CRONOLOGICA GOM «AS MULHERES NA. ASSEMBLEIA» DE ARISTOFANES. © cas, ha pouco ctado, da pentitima das comédias con servadas de Aristfanes, & am dos mais intrigantes, pois um dos raros fats egures€ que a Republica no podia estar publicada 6.392 aC, por outro lado, as semelhanas entre o Livro ¥ a (peta sio iniludiveis. Talvez, como supis G. Muray®, as nossas dhividas sejam consequenda do escaso comhecimento que temes do processo de divulgagao das obras lterdrias na antiguidade Veremos este ponto em relago com o seguinte. Yo miNctrro Do erIMEUs Acresentaremos que 0 comeso do Times, que tert ca ssado grande embarago aos critices, poderd, segundo julgamos, contribuir para o esclarecimento da gestae anterior. Efeativa- mente, nesse didlogo, Sécrates principia por resumir a conversa da véspera sobre a diviséo do frabalho e das classes, a educagao dos guardiges (inctuindo a das mulheres) e a sna vida en (o- ‘mum ¢ os estranhes preetos que regulariam 0 casamento ¢ ge- agi dagueles. Termtinado este resumo de duas péginas, pegunta se estard completo, 0 que os interlocutores confirmam. Porém © Aritophanes Oxford, 1933, pp. 186-189. V. Conlon, na ediga0 Bude de Acstofanes, Toro v, Pats, 294 pp. 1-22 supe que 0 ¢0- anediGgralo atacava simplesmente doutrinss semelhantes de outros filésofos, para 0 que se abona com dois pasos da Police de Arist= tees (1266234-36 © 1274b9-1). Mas a verdade € que o Estgirita cembora cie doutrinas de Blosofia politica de outros autores, atibui ‘expressamente a Plato, 56 a cle, a parte em causa A bibliografis da questio, até 1947, pode ver-se no preficio de A. Diés ao Tomo vide Plato na coleegio Bodé, pp. en, 2,3 a «estes nao séo os da Repriblica, mas Timete de Locros, Hermé- erates e Critias; além disso, o sumerio tem omissies, Esias semelhngas e diferencas tem servido de arguamento para 0 problema da cronolegia relatva, para a hiptese de una primeira edigio ou para a de um didlogo perdido™, Julgamos ‘encontrar aqui, simplesmente, uma prova de que temas destes ram comentes nas discusses da. Academia, Sendo assim, nao surpreende que se tomassem conhecidos no exterior. (A BIROTESE DE UMA PRIMERA EDICAQ A possibilidade de ter havido wnsa primeira edigio do did- dogo colhe 0 seu fundamento prindpal na informagio de Aulo Gélio, atrés citada™, que seguidamente traduzimos: Supuscrem também que do er inditio de dispesgao sincera nem amiga o facto de Xensfinte, para contadicar aqua obra iste de Plata, acerca da methorconstituso ¢ adminisirsio da cidade ~ depos de ler aproximadanente dois ties que prieiro hava saide « plico — tr esta tum teatado diferente, sobre 0 govemo de im monarcs ints lado «Crepe», cAproximalamente dos tines» (Aso fere libxi) é ura sancira vaga de falar, mas suflente para suscitar 0 problema de uma aprimeia edigao» da Reptiblica. Tera havido, como demoustrou Hirmer", uma antiga divisio em seis livros, em * Para a interpretacéo diferente das enunciadas, vide Fi M. Comnford, Plates Cesnelogy, London (1937), rep 1936, pp +5. Supra p. xv € 38, Batctehung und Kompusiton der platorischen Poliea, apenice 1, apud A. Bits, intod, p. xu vee dos dee actiais, mediante a qual dois coresponderiam aos irés primeiros, Assim se explicaria a parte referente « Xenofonte. Mas a questio de As Mulheres na Assembleia 56 poderd admitir- vse com 0 conteimento de wma fiase do Livro 1v (4230-4240), frase que, para Stein ¢ outros, era suficiente para inspirar Aristé= “fones; por sua vez, 0 Livro ¥, com as miltiplas precausdes de (que rodeia a expose sobre a comunidade de mulheres e filkos, sublinhando a cada passo 0 que ha de insélito ¢ escandaloso nessa doutrina, entende-se melhor se tivesse sido escrito corm ré- plica 2 comédia®. Eserutura da obra gjouvror © problema complicarse ainda com um outro que igual mente tem desafiado a argticia dos criticas: Seria 0 Livto t in- dependente a principio, es6 mais tarde retocado para servi de proérmio # Repiblica? Justamente a palavta «proémion aparece na primeira “frase do Livwo 11, para dasificar a conversa anterior, Esta forma ‘um conjunto ordenado e completo, conspardvel acs chamados didlogos aporéticos, que se atribuem a primeina fase da obra dbo filésofo, e sui esquema é fundamentalmente 0 mesmo: pro- _piese uma definigdo de uma virtwde, que vai sendo substcuida ‘por outeas, & medida que Sécrates demonstra a sua insuficién- a; de modo que, quando tenmina a discussdo, a conclusio é negativa, Assim, o Lisis falha cm definir a amizade, 0 © Apud A. Digs, introd, pp. xunciat. Tambéim aceita a prioi- dade de As Mallon ua Asomibleta sopondo a doutrina nels parodiae da uma das excentricidades correntes do séc. wv aC, J. Adam, que, na sua edicio, no apéndice ao Livto ¥, pp. 345-385, analiza pormne- norizadamente os diversos argumentos. Vide supea, x01, 43. aut Cirmides a temperanga (sophrosyne), 0 Laques a coragem, 0 Eurifron a piedade. A coragemt, a temperanga, a piedade for- mavans com a justica o grupo das virtudes cardiais, jé esbogado desde Esquilo e Pindar, pelo menos. Ora, definir a justca 0 que tenta fazer, sent o conseguit, ¢ Livro 1 da Repdblica Seria ese 0 Hore que faltava, para completar 0 conjunto, pois rio era de supor que Platdo, que, durante 0 periodo dos didlogos aporéticos, investigou todas as outras virtudes, omitisse esta. O argumento & de um dos melhores especalistas, Poul Fried- linder, ¢ de uma obra recewte, a dltima que escreves™. Mas desde 1801 que Diimmiler™ havia notado as relagbes deste livro com os primeires didlogos e o denominow Trasimaco, de nome do Sofiia que € o prindpal interlocutor de Sécrates*. A hipé- tese de Diimmier continua a ter defensores, salvo quanto a suposigio, que tambémn formulow, de o lero se completar origi nariamente con o mito terminal da obra ~ 0 que inutilizaria © Respectivamente, vit Ode Itmica 24-251 € Os Sete entra “Tebas 6x0, Vide inf, n. 16 20 Livro ty Plata 3, p. 63, onde retoma o que dissera no volume anterior (Plate, 2p. 50, a0 estudar o Livto 1 entre os didlogos do primeira periode (pp. 50-66), Note-se que, nesse mesmo vol. 2 p. 50, Fried= Tander tonnou como base a sistematizacao de virrudes do Proujgnas, que abrange, além daquelas quatro, a sabedioria (soph), que, era seu entender, nfo poderia servic de tema para um didlogo aporético ro primeiro periodo de Plato. A pergonta ficaria para o Tater. * Zor Komposition des platonischen Stastes, Kieise Schr, 14 7. pp. 229 2¢q9, Diminler teve ali, preeursores, como Schleier- iather ¢ sobretudo Hermann, conforme observa P. Friedlinder, Plat, 2 p. 305,01. Assim se criaria umm paralelo com os outros grandes Sofis- fas, que dto, cada um, 0 taulo a um didlogo (Protgorsn, Grins pis ete dso eo 9 Menot> > Cia) & pss tese teria certo poder convincente, se exstiste ambém um Prédico = tanto mais que Sscrates se declara discipulo ow ouvinte deste mx co argumento dat antguidade baseada no final aportico™. Accita-a oomo provével wan dos mais recentes e mais autorizados ensaios sobre a Republica”, De qualquer modo, as diferengas de estilo™ ¢ de vocabultio em relat ao resto da obra so suficientes para lear 1s partidarios da tese unitdria a analisar a estratura do «pre tenso Trasimacos junto com a dos primeites didlogos™. Mas te- mos de reconhecr que o Livro 1 desempenha admmiravelmente as _fangies de portico de wn tao extenso tratado e que as potencial dades de dramaturgo, aqui tao exuberanternente reveladas, nio 0 afastam das otras trés obras-primas que, como ja referimos, € ‘timo (Aféxon 96d) © o denomina seu compankiro (Hipias Mator 2825}. Cf ainda Tete ib, Note também gue no Pig catdo presences tantos desses mestres que F. R. Dodds pode fToricimente de urn sCongresso de Sosy nese dll (aa sv cedigio do Cas, Oxford, 1950, . 7). * A historia do debate, que nalguns csos se alarga 8 teoria de que 0 Livro 1 retrata 0 Sécrates real, foi feta por G. Giannantoni, «ll primo libro della Reppubblica di Platones, Rivsta Cried Stora dels iofa 12 (1957), tay-14s (citado por FH. Chernis, no vol. 4 (0959) de Lucene: pp 35-34 36). "RC Cross and A. D. Wooley, P's Republic A Pisphial Commer. 42 “ Inclusivamente o trazimento das figuras, ue, como jé notou ‘Wilamowirz (Platox, Berlin, “1920, p. 443), se esfamam progressiva- ‘mente, a partit do Livro * Assim fz, eg, V. Goldschmidt, Les Dialegues de Plaon, que 0 estuda entre os aporetcos. O'mesmno autor chana 2 3teaclo (0.139) ‘para uma diferenga subti os dislogos daquele tipo terminam por buna nota de espcrang, apestr de no se tee conseguido a deGinigio Mas neste, «2 apora final nfo é definitva. Iso nio o disse Sdcrates E Gliucon que o diz por ee. Significando assim que o dilogo pre- cedente nia forma tendo um prelidio, o primeitos livro da Repi- bon, B,J, Allan (Plato: Republic Book p. vu) notara também uma patticularidade: nenhum dos didlogos mais antigos era tio neg- tivo como este, se tomado isoladamente, Este mesmo especilista presenta um argumento de economia dramitica que aio pode x costume considerar conte compostas no mesino periodo: 0 Banquete, 0 Fédon eo Fedro™, Em qualquer case, 0 Livro ! comesponde a wma parte da obra que, além de ter a fnalidade de apresencar as figuras e si ttuar a discuss, forece 0 tema da mesma —o que & a justga ~ ce rofuta as definigies propostas, a de Cefalo (adizer a verdade e restituir 0 que se tomou» — 3316), a de Polemarce (adar a cada um o que se the deve», segurido Simbnides — 331¢) e a de Trasi- mace f que esta no interesse do mais forte» — 338(). dos uvROS H, MLE Entre a concepeao erematistica de Céfalo e 0 paradoxo do Sofista, ficarams sem consisténcia os alicerces morais da Justia _menosprezat-se: 0 slncio, durante a discussio, dos imsdos de Plasto falvo em a ‘certamente poque os aguardava in papel maioe *D. Shorey, What Plate Soi, conclui negativamente: «ft im- possivel provar que o Livro 1 se destinava 2 ser publicado separada- ‘mente, A recousttuigio feta por Dumler de urn Traian anterioe ce data a0 Girpas permanece, simplesmente, uma engenhoss con- Jecpunw (pp. 214-215}. A, Dids ua introdugio & edicio Bude da Re- ‘piblca vai mais longe ainda na destraigio do parilelo, a0 nota que, 56.0 Gorgias acabasse com a discussbo entre Sécrates ¢ Poo, ningun suspeitaria que o dislogo tinha uma segunda part (p.xtx) [f:ntre os comentadores mais recentes, pensa do mesmo modo N. P. White, A Companioe to Plato's Repub pp. 1 © 69 que entende no ser posivel qu ete ho dese sda exert cna tim dialog eeparudo, pois contém mut indicagSes © coneitos, gue resparecerto nos autos, Porta Juli Annas, én Tnedaton 0 Plats's Republic aceita como provivel 2 hipStese, com base ta com [paraclo com 0 Clitgonte (que considera anténtico); ndo the parece, fontudo, relevante para a interpretacio global da obra, wma vez que “forma uma introdugSo perfeitamente adequads 3 discussio Principal” @-17)] Por isso, no principio do Livro ny se insiste em querer saber a ratureza da justice da injusgaetem lige immpotinca a sale ros ner a consequénciasy”. Os dois irmaos de Platio querer, portanto, a demonstra- do de que a justica é intrinsecamtente boa, Para tanto, Sécrates propie-se apreciar os facts em grande escdla”,o que the fuili- tard a tara. Por conseguinte transfere a sua-andlise do indivt- duo para a cidade. ‘Descrevem-se entao as transformagses de uma cidade, que, de primitiva, se toma em luscuosa, motivo por que comeca a ‘precsar de uma especializaydo de tarefas cada vez maior. Essa cidade carece de soldados que a defendam e preservem ~ de guardides com um ireino proprio. A edvcacio deve dar-se-Ihes, pela miisica ¢ pela gindstica, & maneira tradicional grega®, prin- lpia a ser estudada em 376c. Mas misica, para os Helenos, é a arte das Musas, em que a poesia nao se dissecia das sons. Ora as fabslas dos poetas, que costumam ensinar-se ds criangas,es- 19 repletas de alsdades sobre os deuses, a quenn atribuem todos os defeitos, em vez de revelarem a divindade na perfelgdo dos seus atributos, No comego do livro ji se havian feito citagies -Entetido que devemos conduzir 2 investigasso da ‘mesma forma que o fariamos, se alguém mandasse ler de Fonge le- sas poquenas 4 pessoas de vista faa, e entio algunas debs dessem: ‘conta de que exsstiam as mesmas leas em qualquer ouera pare, em ‘amanho maior ¢ numa escala mais ampla Parecer thas, pense ep, um asténtico achado que, depois de lerem primeiro estas, pudessem entio ver as menozes, a verse eram a mesma coisy. * Durante a époce areies, havia apenas dois mest: paidoe ‘bes, que exercrava a gindstica, ¢ 0 bithortes, que ensinava mt- Sica. Nos principios do séc. v aC, juntourse-lhes © grammaties ou ‘mestre dis primeiras leas. cde versos que sugeriam que os deuses nao eram garantia de jus- tiga; agora declara-se abertamente que os poetas ndo server para insur a juventude, O Livro in prossegue o libelo acusatirio, ¢, depois de man- dar embora os que imitam 0 mal, retoma o tema da educagto pela misica ¢ pela gindstca (yord), Outros aspectos da vida da ‘comunidade sao regulamentados no Livro 1v, até que, depois de relegar para o ordculo de Delfos a superintendéncia em matéria religiosa, Sécrates declara que, fundada a cidade, estito agora Aptos a procurar oride podria estar a justgn conde a injusticas™ Ora, se a cidade € perfeita, terd de possuir as quatro virtudes, sabedoria (sophia), coragers (andteia), temperanga (sophro- sync) ¢ justiga (dikaiosyne). Definidas as trés primeiras, atingir-se-d a quarta por exclusao de partes. Se a primeira ‘se encontra nos guardides, a segunda nos guerreins ¢ a terceira ‘na harmonia geral de todas as clases, a justica seré que cada tum exerca uma s6 funyao na sodedade, aguela para a qual, por natureza, foi mais dotado (33a). Resta veriflar se estas ‘conclusses, vistas nas letras grandeso, sfo aplivels ao indivi- duo, Ora a cidade tinha trés classes: 05 guardides, os militares € 2s artfies. Tambérs a alma do individwo tem tris elementas®: apetitivo, espiritwal ¢ racional, Aos apettes cabe ohedecer, as emogies assist, & razdo govemnar. aE asim assentdmnossufiien- femente om que existem na cidade e na alma dos individuos os, “oy. grad. = E ponto controverso, se Platdo dividiw a alma em partes [A palavrasclemontoae, por mais vag é proconizads por Cros ¢ Worley, Plats's Republic A Philosophical Commentary, pp. 127-28, tanto mais que, como nocam esses autores, a pscologia tina a di- ficuldade enorme de se exprimix enama lingeagem que tinba sido rimariamente desinada ou tinha sido principalmente desenwol- vida pare a fnalidade, completamente diferente, de filar sobre 0 mondo exterior» (p. 128) -mesmos elementos, ¢ no mesmo ntimeron®, O sew equilibrio ou desequilibrio conduzem a justica ou a injustiga, E esse 0 aspecto (que fala estudar Jouveov Ai, poréms, insere-se 0 que tem sido chamado. «a grande digression" da Reptiblica, ¢, como tal, considerado por vezes ‘uma parte mais tardia do diélogo. O que sucede 6 gue, na melhor tradigéo literdria grega, a discussio € interrompida no comeco 1x. a4uc: Tem sido objecto de acesa discussie saber até onde Plato aceitava esta identidade ¢ se, pata ele, 0 ponto de partida eva da cidade para 0 individuo ou do inclviduo para a cidade. Apesur de s ordein sepuida na Repibia ser « primeits, supomios, como Crosse Woozley, op. cit, p33, que era 3 segunda que ele tiahs em mente. “'V: Goldschinidt, que divide a obra plainica, sob © ponto de vist estrotutal, em dislogos aporéticns e didlogos acabados, cons dora caracteristica destes slimos o que denomina edétour essen ticle © espectfica (Les Dialogues de Pluen, p. 163): «Estes didlogos apresentam calongamentosr cui acesso nos fica vedado se 08 con siderarmos como digressGes. Cada didlogo propée-te cata um 2t- ssunta, do qual 0 desvio mio se afasta se ndo para o delimitar me- thos, abe PSone, Wht Fae Sei p35, oni ees passos como sa pedra angulare da construgio completa. "No Canto x1 da Odiseia, a narcativa dos crrores de Ulisses perante a corte dos reis dos Peaces, prinipiada io Canto 1, ¢inte- rompids, porgie, observa © het6i, no é possivel contar tudo e sic hhoras dle descamsar (128-332). Mas Aletnoa pede-lhe que a continae (62-376), 0 que ele fz, até a debear completa no final do Canto x1 (Pomos de parte, natutsimente, as mGltiplas ¢ justificadas dvidas fevantadas pels critica homérica quanto 2s interpolagdes deste ‘Canto x, pois sio irreleyantes para a época de Platio). Por ousro lado, 0 «segundo prologor nas tragédias € uma pritica conhecida dos letores de Buripides. do Livro ¥, e voltamos a ver a agrupamento de figuras do proemia, ea mesma arte de movimentar. E a ocasito on que Poleenarco combina com Adimante interromper Socrates, para o forcar a explicar-se melhor sobre a comunidade de mulheres files, anunciada em 1. 425e-424a” E esse ponto que vai ser esclarecido, com grandes rodeios ¢ precaes, expressas na metdfora das vagas marinhas, ao longo do Livro V. Primeito, far-se-d a proposta de que as mulheres, podendo ter a mesma capacidade dos homens, devens tomar ‘parte nos cargos directivns da cidade; segunda, exporst-d 0 comt= plicado sistema pelo qual se realizando os casamentos ea proctia- ‘iio na classe des guardibes, de molde a obter 0 mais alto gran de engentia; a tercira, a mais temivel das vagas, consist em procla- ‘mara condigéo nevesséria para que tal Estado se tome realizavel: qe sea governado por fildsofs®. A afrmacio conduz, natural. mente, d defini do que sja um ilbsofo ed distingto, com que encerra 0 livro, entre saber € opinido, entre 0 eansigo do saber» (philosophos) e 0 «amigo da opinizo» (philodoxos) “Vide supra, p. avin. © & bibliografia sobre a posiclo dos historiadores ¢ socidlogos modernos quanto a0 filésofo-rei (philosophosbasleus} pode verse ‘em P. Friedlander, Plt, 3, pp. 482-483, 0.41 "Bm grego, a oposicio dos dois conceit é mais clara, pois s exprimem ambos por eamposts, cio primeire elemento é cor tuum (pho). Ndo € demais acennuar a importincia desta defnigao de filésofo, emo mais que hi boas razSes para cret que o con ‘posto no ascende a Pitigoras, como uma tradigio numerosa, mas fardia, fazia cree até hd pouco tempo, mas que se origincw no casino da Academia. Sobre este aswunto, vea-se an. 26 26 Lieto vy, infra, © 6 que escrevemos em Estudos de Histria da Ctdlura Clic, 1, p. 187 © bibliografiacitada a n. 8 da p. 185. [Na 8. ed, 1998 pp. 245-247 c bibliografia citada na nota 8 da p. 212} Note-se que 0 flésofo que aqui se define nio ¢, como diz E. Havelock, Prac o Plato, p. 81, cim membro de uma escola de a dos tvaos we vit (Os dois livnosseguintes oeupar-se-do, ogicament, da pre- paragao do filésofo. Depois de enumerar as qualidades que 0 recomendam para ocupar os lugares de chefla e de anaisar as casas do ‘lever ‘em que geralmente é tide, princpia a eshogar ‘a maneira de formar os guardides (502c-d), «fin de eles procu- rarem alcangar o saber mais elevado (megiston mathema — 5054), cnjo objecto & a ideta do bem, a ideia® swprema que Tora intelgivel o mundo. ano entre outras escola, equipado com doutrinas expresas em formulas convenientemente sistematizadass, mas, «20 fundo, tum homem com eapacidade para o abstractos {ibidem, p. 282), fou melhor ainda, na expressio de J. E. Raven (Plato's Thought inthe ‘Making p. 128), enada menos do que o homem perfeito, que une na sua pessoa todas as virtues humanas que possam conceber-ses, * Mantemos, apesat de todos os sens inconvenientes, a verst0 tradicional (que @ afinal ama transliteragio) da palavra grega idea cu eidos (uma excepsio em 4864; cf. n. 1 ao Livro w). A moderta trtcainglesa pretere geralmente dizer formas {fom), para salen tro space Yul qv dtenipon sala dese sae ce |. Ferguson, Plato's Republic Xp. 27: ecidos signi asica Foe ae mean tan): NUR. Mcp (lhe noe tation of Plato's Republi, p. 130) entende que Platio usow a palavra ‘como simples maco abreviado de se cefere «coisa em si, 0 gue cada coisa &, Mas talvez a definigao mais rigorosa continue a ser a PEERS Necsokiy cobs (rte Thy of Ben Mas ‘Reputl,p. 109): «Ao elemento de realidade que o seu espiito des- ‘cobria ou supunha em toda a Pare po eis ds apartncis ealterae ges que a sensagdo nos mostra, deu o nome de 12>. Pare ‘uma discussio clara e precisa sobre as dificuldades do problema, leiase R.C. Cross and A. D. Worley, Pais Republi 14 Philsophial Commentary, pp. 178-179. vt Toda esta parte constitui o que J. E. Raven designow: por o «Ensaio sobre 0 Bers, defnido ese itimo do seguinte modo: «O Bem, para Platdo, , em primeiro lugar, e com mais evidén- tia, a finalidade ou aleo da vide, 0 objeto supremo de todo 0 designto e toda a aspiragto. Ent segundo lugar, © mais surpreen- dentemente, a condigio do conkecimento 0 que sora 0 mundo inteligivel ¢ o expinito imeigense. B em trciro, tito e mais importante lugar, 6a causa ciadora que sustenta todo 0 mundo tudo 0 que ele conto, aguilo que daa tude 0 mais a sua pré- ria existéncia»”, Um triplice simile” vai tomar a douina ima compres expand areas ere o mando sie €0 mundo inteligivel. Poucos passos da Repiblica tim sido tao vivamente Aiscatidos como estes, quer em si mesraes, quer nas relies en tre 0s trés. Essa longa discussdo, no a vamos renovar aqui”. * Plato's Thought inthe Making, p. 130. 7 © proceso ¢ tradicionalmente designado por simile nos dois primeirs exemplos, embora NR. Murphy (The Inpro of Pat's Republi, pp 136-158) negoe energicamente a propriedade dessa nomenclatura em relagio a0 segundo, Outros preferem dizer alegoria, mas © nome s6 s¢ aplica perfeitumente a0 terceiro exer- plo. Note-se que Platio chanta eikow (imagem) 3 alegoria da Ca ve dos de vista, designadam ** A discussio dos principais pontos de vista, des 1ente, o eaiconal (de BLL Netieship'e cuts), o tage tone por] Ferguson in Clase! Quarley, 1921, e, mais recentemente 9 de N. R Murphy na mesma revista, 1934, resomado no seu livro The Inte saaon of Pla’ Republi, ¢0 de) F. Raven, ttubem naquela public. ‘eo perisdica, 1953, ¢ depois no livro Pat's Thought in the Making, encontease exposta coua toda a cazeza em R. C. Cross and A. D. ‘Woorley, Plato's Republic A Philmophical Commentary, pp. 196-230. Sintomitico da difcaldade de chegar a ama concles segura & como esses professores de filosofia reconhecerain, ser essa a Gimica parte do livro em que 0s dois autores nko esto de acordo (p. 227) x0 De acordo com a orentasdo exposta inicialmente, procuraremos ‘apontar elementos que facilitem a reflexio, pondo ern evidéncia 1s dados do texto em que 0 estudioso precisa de atentar, para baseara sea interpretag. Eo priprio text, eecivamente que afirma a relagao entre cs trés similes: do do Sol com 0 da Linka Dividida em Vi sogc e deste time conn o da Cavera em vi sPyac. Eta segunda equi cléncia tere sido, ela mesma, objecto de grandes disrordancias, ad ‘porque principia por se declarar, de uma forma won tanto vaga, (que seste quadro deve agora aplicarse a tudo quanto dissemos anteriormente» (517-b), 0 que, na verdad, podia dizer respeito, em principio, tanto a um como a outro dos similes, Mas a conti- uagéo explcta que se deve comparar 0 mundo visvel &cavema €0 inteligivel a ascensdo dos prisioneiros ao mundo superior”. Para enipregar unse imagem tirada da prépria Republica, disiarsos que estes similes encaicas wns nos outros como 0s cot trapesos do fuso da Necesidade, no mito de Er (X. 6164-0), que, na parte superior, tinhana 0 rebordo visivel como owtros tantes circulos, formando uns plano continuo de wm s6 fuso em volta da haste. En primero lugar, temos, pois, a metdfora do Sol, que mostra que esse astto esti para o mundo visivel como o Bers ‘para o sensivel (v1. s07b-sogd)” ” A interconendo & acvte, por extinplo, por J-E, Raven, Plat “Thought inthe Making p.175, que acaba mesmo por aficmac; «As tréx grandes alegorias de Rep. v1 ¢ vit nao sio trés todas relacionados ‘mus independentes, como os tés quadros de urn trption sto antes as erés partes complementares e interdependcotes de um s6 todo, como os més pés de uma trfpode. Juntos constroem a base metal sica da eoria¢ curriculo da educago superior em Platio». ™ © pormenor da correspondéncia esti explicado no comen- tirio av. $o8e (tft, n. 38 20 Livro v) xxv segundo (v1 sood:sue)consiste em imaginar uma liuha para ser dividida em duas partes desiguais, cada uma das quais seria ainda secionada segundo a mesma propor. Se designar- ‘mos a linha por AB, 0 primeiro corte por C ¢ os outros por De EB, e indo buscar ao texto as equivaléncas dos segmentos asim ‘brides, podemos tracaro seguinte diagram B Bee 2 28 eh Fe JP sianoia! sc: © 2m gh o Fy FS cikasia disci, A Portanto, 0 mundo visivel (horata ou doxasta) tem em primero lugar uma zona de eikones (vimagenss,rflexos nas dignas), couhecidos pela eikasia (esuposigion, ou, como outros preferem, «ilasion). Num nivel mais elevado, remos todos os 200 Nene seres vives (zoa) e objectos do. mundo, conhecidos através de Pistis (ofé»). O mundo inteligvel (noeta) tem também dois sectores proporcionais a estes, 0 inferior e 0 superior, o primeira apreendido através da dianoia (centendimentor ou arazio discursiva»), Nesta tiltima distingio poderd residir, como alguns supéetn, a finalidade principal da analogia: 0 contaste ene o conhecimento pela dianoia, que 0 das ciéncias, ¢ 0 que é pela noesis, que é 0 da filosofia. Mas ndo é menos importante a antinomia entre opinido ¢ saber, entre doxa e sophia, que tinhamos visto do terminar do Livto 1 ¢ vai tomar forma nitida na alegoria da Cavema (vu. siga-518b): Homens algemados de pernas e pescocos desde a infincia, suuma eavensa €voltados contra a abertura da mesma, por onde entra a luz de ume fogueira acesa Ho exterior, no conhecem da realidade sendo as sombras das figuras que passam, projectadas tna parede, € 05 ecos das suas vozes. Se unr dia soltastems wr des- ses prisioneiros ¢ 0 obrigassem a voltar-se ¢ olhar para a luz, es- 4e8 movimentos ser-Iheviamt penosos,e nd saberia ecothecer 0s cobjectos. Masso fizesser vir para fora, subir a ladeira eolhar (para as coisas até vencer o deslumbramento, acabaria por conhe- cer tudo perfetamente e por desprezar 0 saber que se possuia na caverna. Se voltasse para junto dos antigos companhcitas, seria por eles trogado, como um visiondrie; e quem tentasse tird-las dlaquela esravid arrscar-s-ia mesmo a ite 0 matastert, Antes de iniciar a alegoria, no comego do Livro vu, Platéo dissera expressamente que se iratava de dar a conhecer 0 come portamento da natureza humana, conforme ela € ou nao sub~ ‘metida a educagio (7. $144). Ona, 0 modo avino esta hi-de processar-se constitu o tema central do Livro, Deve notar-se em primeiro lugar que 0 curriculum que se propie visa «a dixipkina mental eo desenvolvimento do poder xxx de pensantento abstractos”. Por iso, tems em sucesso 0s vd ios ramos ento conhecidos™ da matemdtica (incluindo wis acabado de criar, e ainda sem nome, a futuraestereornetria), des- ligados, como sublinha o priprio texto, das suas apliagSes pré- ticas (Om s2sb-d). Temos, assim, como base, a aritmética que fuilita @ passagern da propria alma da mutabilidade a ver- dade e & esséncia» (vm. $25¢); a seguir, o espago a duas dimen- ses, ou geometria plana; em tercero lugar, 0 espago a teés di mensdes, por meio da estereometria; a astronomia estuda os compos silidos enn movimento; e a harmonia, 0 som que eles en- tio produzem. Trata-se, portanto, de um ensino essencialmente formative. Todas estas cicias tém por missdo preparar 0 espt- ito para atingir o plano mais elevado: a dialéctica, cujo fim é 0 conhecimento do Bem (viz. 333b-c), Para 0 seu aprendizado, se- leccionaramese os mais bem dotados, quando atingem a idade de trinta anos (va. 5374), cormo areriormente tnhann sido escolhi- es, aos vinte anos, os que haviam de encetar wma educago s- perior (vit §37b-~). iso modo como Platio a define: (© mttodo da diatticn &o tno que procede, por meio da Aerts hipsteses, camino do autémio prio, fie de soma segurs os seus resultados, equ realmente ares aos poucs os oles da alua da epi de lado brbaro em que ext atolada e devas i atures utizands como aniliaes pars ainda conduc fsa res que ars, (ou sie A frase & de B. Shorey, What Plate Said, p. 236 * Os findamentos da dlgebra 36 foram langados no sé. st 4. C, por Diofanto, numa obra initalads, als, Anonétca O: nome © a aougto gue Ihe ¢ propria foram-the dados porteriormente pelos EE, para nos iar quaisquer divides sobre a relagio entre esta or- denagao dos estudose 0s quatro graus de entendimtento anterior mente refers, expla de nove: Basar pois gus, come antoormonte,chamtomos ct & primera dvisi,enendimenio a segunda fe weir, e sup ho 8 gua, epidemic duc pie es, sendoa epi relatve droid einige d sind (vin sase-s34a) E priprio do saber dialéctico wapreender a esséncia de cada coisa» (Vit 5348). Deve ser capaz de disinguir a natureza e sencial do Bem, isolando-o de todas as outras ideias (vu. 534c). Demordmas um pouco na nogio de dialéctica, porque € uma das virias palavras-chave” deste diélogo, que nsudaram de tal modo de sentido, que 0 eu emprego sem advertéuca pré= via pode induzir em ero. Derivads de dialegesthai (4alar comp, edisorer, eraciocinars”), pressupse interlcutores — exac~ tamenie como ocorre no modo'de filosefar da obra platénica, designada, aids, por wma palavra da mesma familia: edilogo>. ” Qutras si idea ow aes (supra, m 69, p_ 2x00) € philaophiae sBiloaphs (penn 6 pp va). Aan veremox mae exemplos. *O principal seri, conforme foi notado por F. M. Comford (Ihe Republic of Plato, p: 223). atvbuir-the 0 sentido que tomon 2 partic de Hegel ™ RL Nettleship, Leveson the Republi of Pla, p.279, cita 0 ppasso dos Menerdues (Iv. 54-12} em que Xenofente pe na boca de Socrates a explicasio de que o verbo provém da pritca de os ho- ‘mens se encontarem para deliberar «poudo de lado as assuntos, que discusiam, segundo a sua espécies, que € +0 que tomnou os ho- ‘mens melhores, mais capazes de governar ede discorrers. soot Por ese motivo, Netleship pide excrever: «O terme «adialctica», que desempenha um papel quase t2o proentinente na filosofia platsnica como «formar, ndo significa originariamente nada mais do que 0 proceso de discussdo oral por meio de pergunta e respostay™. E ainda: «.a palavra passou do simples significado de edicomern para o de wdiscorer am o fis de aingir a verdades, € este adiscorrer» pode exeeutar-se através de palavras entre duas pessoas ou ser'o didlogo silenciosamente conduczido pela ala consign mesma’ Sofista 263e)>". Da designagao do mé- ado (h Sraheactueh péBobos Vm. $336), passa a identificar-se com 0 proprio objeco a alcangar por esa via, que &0 saber filossfic. OS LIVROS VIE EX Ao principiar 0 Livro van, Séeratesrecapinula a legtslagao estabelecida para a cidade ideale os seus guardides e propaese regressar a0 caminho anterior (yin. 5430. Recorda ainda que Gléucon estava a referir-se as ouiras quatro espéties de governo, quando foram interompides por PPlemace ¢ Adimanto (7 ‘5440-¥), Retomada a discassio neste ponto, wise descreveressas ‘quatro espécies ¢ a maneira (anti-histérica, mas convinaente) como degeneraram unas nas ortras. Deste mado se traca ¢ quadro da timocracia (ou governo que preza as hontarias), oligarquia, dero- cracia tran, bert como do honsem que de a cade wma A deserigo da ponto raais baixo a pe deg adgradaio umana pie de nove a questo i if da filicidade e viride de cadla soma destas espéces, ens relagio comn as qualidades que predominam na cidade, com a conchsio de que o trano, esravo dos mais sordidos prazeres e apetite, € 6 que miais se ope ao © The Theory’ of Eduction in Plato's Republi p. 15. Lectures o Pat's Republic p. 280. 6 5776. xu

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