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Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR

Campus Ponta Grossa - Paraná - Brasil


ISSN: 1981-366X / v. 02, n. 29, 2008
VI Semana de Tecnologia em Alimentos

ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS NA COR DA CARNE

Camila Alves Guilherme1; Laura Helena Marques dos Santos2; Liliane Becher3; Pâmella Isabel
Stremel4
1,2,3,4
Universidade Tecnológica Federal do Paraná – UTFPR – Ponta Grossa – Brasil
ca.guilherme@yahoo.com.br

Resumo

A cor da carne é um atributo sensorial importante no seu processamento e na sua comercialização.


É modificado por processos naturais que ocorrem nos tecidos animais como a oxidação e também
por processos tecnológicos como cura e aquecimento. A qualidade do manejo anterior ao abate
pode afetá-la, impactando na valorização do produto.
Palavras-chaves: carne; cor; hemoglobina; mioglobina; oxidação.

Abstract

The color of the meat is an important sensorial attribute in its processing and its commercialization.
It is modified by natural processes that occur in animal fabrics as the oxidation and also for
technological processes as cure and heating. The quality of the previous handling to abates it can
affect it, impacting in the valuation of the product.
Key-words: meat; color; hemoglobin; mioglobin; oxidation.

1. Introdução

As carnes são compostas de quatro tipos básicos de tecidos, ou seja, tecido muscular, tecido
epitelial, tecido nervoso e tecido conjuntivo. O principal componente da carne é o músculo. As
proteínas do músculo podem ser divididas em três classes: sarcoplasmáticas, miofibrilares e
estromáticas. Dentre as proteínas sarcoplasmáticas destaca-se a mioglobina, a qual é responsável
pela respiração do tecido muscular e pela coloração vermelha dos músculos (SGARBIERI, 1996).
A quantidade de mioglobina varia de músculo à músculo, espécie à espécie e idade do
animal (COULATE, 1984). Conforme mostra a tabela a seguir.

VI Semana de Tecnologia em Alimentos


13 a 16 de maio de 2008
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ISSN: 1981-366X / v. 02, n. 29, 2008
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Tabela 1 – Conteúdo de mioglobina na musculatura de diversas espécies de animais.
Espécie animal Concentração de mioglobina (mg/g tecido)
Peito de frango 0,05
Carne de porco 1,0 – 4,0
Carne de carneiro 6,0 – 12,0
Carne bovina (1 – 2 anos) 4,0 – 10,0
Carne bovina (4 – 6 anos) 16,0 – 20,0
Carne de baleia 50,0
Fonte: SGARBIERI, 1996.

A cor é um atributo sensorial importante dos alimentos, influindo de forma decisiva na sua
aceitação. O consumidor aprende a associar a boa qualidade de um alimento com uma determinada
cor que lhe é característica (SGARBIERI, 1996).
A cor natural das carnes vermelhas é dada pelas proteínas hemoglobina e mioglobina em
suas formas oxigenadas (Oxihemoglobina HbO2 e oximioglobina MbO2) (SGARBIERI, 1996).

2. Pigmentos
Os principais pigmentos são hemoglobina (sangue) e mioglobina (músculo). A mioglobina é
a principal substância na determinação da cor da carne. O teor de hemoglobina só influenciará a cor
da carne se o processo de sangria for mal executado. Estes pigmentos podem reagir com diversos
substratos resultando em alterações na sua cor (FEIJÓ, 2007; FORREST et al, 1979; FRANCO,
2003).
A mioglobina é formada por uma porção protéica, denominada globina, e uma porção não
protéica, denominada anel ou grupo hemo. No centro do grupo hemo há um átomo de ferro. A
hemoglobina é formada por quatro mioglobinas unidas. Ela forma complexos reversíveis com o
oxigênio no pulmão. Estes complexos são distribuídos pelo sangue para os diversos tecidos do
animal, onde o oxigênio é absorvido. A mioglobina absorve o oxigênio transportado pela
hemoglobina, armazena nos tecidos e o coloca a disposição do metabolismo (FORREST et al, 1979;
FENNEMA, 2000).
O átomo de ferro do grupo heme, tem seis ligações coordenadas, capazes de aceitar seis
pares de elétrons. Quatro pares vêm dos átomos de nitrogênio do núcleo porfirínico, um par provém
do N do anel imidazólico da histidina, o sexto par de elétrons está disponível para formar ligação
coordenada com um ligante que determina a cor do complexo. Este ferro pode se encontrar reduzido
(ferroso +2) ou oxidado (férrico +3). Se está oxidado não tem a capacidade de ligar-se a outras
moléculas, inclusive o oxigênio molecular. Estando reduzido, reage facilmente com a água e com o
oxigênio. Quando a mioglobina, com o ferro no estado ferroso, se une ao oxigênio molecular e
forma-se a oximioglobina (MbO2), chamamos de oxigenação. Quando o ferro ferroso se converte

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em férrico e então forma-se metamioglobina (MMb), chamamos de oxidação da mioglobina. O


tecido que foi oxigenado possui cor vermelho brilhante comum. Já o tecido que foi oxidado possui
uma cor marrom, que não é desejável. As reações de cor da carne fresca são dinâmicas e
determinadas pelo estado do músculo e as porções resultantes de mioglobina, metamioglobina e
oximioglobina (FENNEMA, 2000; SGARBIERI, 1996).
Para a manutenção da coloração atraente da carne é importante que, sendo conservada in
natura, ela esteja em contato com o oxigênio para que a oxigenação das suas hemeproteínas seja
mantida (SGARBIERI, 1996).
O ciclo da cor em carnes frescas é reversível e dinâmico permitindo constante
interconversão das três formas do pigmento até que a carne seja processada. Por exemplo, com o
cozimento a carne muda de cor para o marrom. Sob condições extremas, o pigmento pode ser
decomposto, com a separação do grupo heme da parte protéica. Isto ocasiona a separação do átomo
de ferro da estrutura, levando à cor esverdeada e/ou amarelada. (SGARBIERI, 1996;
SHIMOKOMAKI et al, 2006), conforme figura 1.
A coloração da carne depende em grande parte da fisiologia e da bioquímica dos músculos nas
horas que antecedem e logo após o abate. Essas condições se refletem principalmente nas variações
do pH da musculatura nas primeiras horas “post mortem”. Situações extremas podem gerar defeitos
graves como carne pálida (PSE) e carne enegrecida (DFD) (SGARBIERI, 1996).
A palidez da carne PSE é devida a uma grande proporção de água livre nos tecidos,
combnada com o efeito direto do baixo pH nos pigmentos. A água livre influencia na cor a medida
que se localiza entre as células musculares quando deveria localizar-se dentro delas. Então o tecido
fica com muitas superfícies refletoras que refletem totalmente a luz, porém possuem uma
capacidade limitada de absorção luminosa. Por isso, a intensidade da cor se reduz muito. A cor
pálida pode ser conseqüência de uma desnaturação durante o período pós mortem inicial, ou pode
ser um efeito direto do baixo pH nas propriedades refletoras da luz dos pigmentos(FORREST et al,
1979).
A grande capacidade de retenção de água ao corte da carne escura mantém uma proporção
enorme de água intracelular, por isso a reflexão de luz branca é minimizada. Além disso aumenta a
absorção da cor. Por outro lado, devido ao seu alto pH, a carne de corte escuro também dispõe de
enzimas que utilizam o oxigênio rapidamente, o que reduz a proporção de oximioglobina
(FORREST et al, 1979).
A alteração da cor da carne pode ser conseqüência da destruição da mioglobina pelo
desenvolvimento bacteriano. Ocorre que os microrganismos utilizam a mioglobina como nutriente,
e o grupo hemo se separa da proteína. Então desenvolve-se uma coloração verde, que também pode

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ocorrer devido a crescimento de microrganismos no centro do produto, onde o baixo potencial de


óxido-redução propicia o acúmulo de peróxido de hidrogênio. O microrganismo mais comum nesse
tipo de esverdeamento é o Lactobacillus viridescens. Esta deterioração pode ainda ser causada por
bactérias produtoras de peróxido de hidrogênio como Lactobacillus fructivorans e Latobacillus
jensenii. A produção de H2S ocorre geralmente em carnes frescas quando armazenadas em
embalagens à vácuo ou impermeáveis a trocas gasosas e mantidas entre 1°C e 5°C, reagindo com a
mioglobina, formando a sulfomioglobina de coloração verde. Entre os microrganismos causadores
dessa alteração, estão Pseudomonas mephitica, Shewanella putrefaciens e Lactobacillus sake.
(Forrest et al, 1979; FRANCO, 2003).

Figura 1- Esquema de transformação da mioglobina em diferentes pigmentos

OXIGENAÇÃO
MIOGLOBINA Vermelho- OXIMIOGLOBINA
Vermelho-Claro
Púpura (carne fresca) DESOXIGENAÇÃO (carne fresca)

ÓXIDO
OXIDAÇÃO REDUÇÃO
NÍTRICO
+
(NO)
OXIGENAÇÃO
REDUÇÃO OXIDAÇÃO

NITROSOMIOGLOBINA METAMIOGLOBINA
Vermelho OXIDAÇÃO Castanho
(carne curada) (carne fresca)
REDUÇÃO + NO + CALOR

CALOR CALOR

NITROSO- METAMIOGLOBINA
HEMOCROMO OXIDAÇÃO DESNATURADA
Castanho
Rosa (carne curada cozida com
REDUÇÃO + NO
(carne curada cozida) pigmento desnaturado)

Fonte: SGARBIERI, 1996.

3. Alterações de cor pelo processamento

Em produtos curados, originalmente a cor típica era obtida com o uso do nitrato. Ao se
constatar que a reação com os pigmentos da carne era devido ao nitrito, este passou a ser o elemento
de uso mais comum. O nitrito desenvolve a cor rosa avermelhada mais rapidamente. Para acelerar o
desenvolvimento da cor desejada existem misturas compostas por diversos agentes redutores, que
auxiliam a redução do nitrito a óxido nítrico. O redutor mais utilizado é o sal sódico de ácido
ascórbico ou o ácido isoascórbico (FORREST et al, 1979; PARDI, 1996).

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Em estudos recentes, estabeleceu-se que o nitrito é necessário para melhorar atributos de cor
e para suprimir a oxidação lipidica de produtos cárneos curados, mas não para sua preservação, pois
é possível utilizar tratamentos combinados (teoria dos obstáculos) para garantir a vida de prateleira
(REVISTAS NACIONAIS DA CARNE, 2008).
A seguinte equação representa a reação básica no desenvolvimento da coloração dos
produtos curados:

CALOR
MIOGLOBINA + ÓXIDO NÍTRICO MIOGLOBINA NITROSILHEMOCROMO

O composto formado (nitrosilhemocromo) é termoestável, porém, é suscetível a oxidação


pela luz (FORREST, 1979).
A mioglobina é desnaturada pelo calor. Por exemplo, quando a carne é assada, a mioglobina
se desnatura junto com a maior parte das demais proteínas. O desdobramento da cadeia
polipeptídica desloca a histidina, cujo átomo de nitrogênio se encontra unido ao ferro do anel
porfirínico. Isto modifica as propriedades de ferro, que se oxida facilmente ao estado de Fé+3 pelo
oxigênio presente. O resultado é que exceto no centro anaeróbico de uma grande peça a carne se
encontra marrom. A cor rosada do centro de uma peça assada se deve a um derivado hemo, em que
os restos de histidina ocupam as duas posições de coordenação livre das partes opostas do anel
porfirinico (COULATE, 1984).
Atmosferas modificadas também podem afetar a coloração da carne. Em concentrações
elevadas de CO2 se observa o clareamento da superfície da carne vermelha. Provavelmente acontece
a oxidação dos pigmentos a seus estados férricos. A concentração de CO2 ideal para armazenar
carnes em atmosferas controladas deve observar a necessidade de inibir os microrganismos e a não
alteração da cor (FENNEMA, 2000).
O processo de desidratação é empregado com êxito em carnes cruas e cozido. Com relação à
cor, ele pode causar descoloração por conta da oxidação dos pigmentos heme (FENNEMA, 2000).

4. Conclusão

A cor é um atributo sensorial que agrega valor à carne e seus derivados. Diversas são as
alterações que podem ocorrer na cor, afetando sua qualidade e aceitação. É trabalho da tecnologia,
desenvolver e melhorar procedimentos para garantir a estabilidade dos pigmentos padrões da carne,
preservando os aspectos nutricional e funcional.

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