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Tavi-lare EM MSUE CM Ul aya-yoxe ats id Hl roar een iE SAUL uc Marcia Aparecida Gobbi e Ménica Appezzato Pinazza (Orgs.) SOc cot ar eee eta Ueto Ceo eet et ee OUTIL cue ete Se eres ey evalorizacao do campo das Artes, da Literatura eee ene Ce eet eee Gobbi Pinazza (Orgs.) Boi SOIT tee Caste tote ee ete oliidico e a “expresso” de um ato, que passa Poe ey er) Erie ee ute) sentimentos e significados, e sao essenciais para a Ce COE AE SO ain el oe ete ET Oe ooo ee ee Peter ee COUT eR Co ne Sa a een Ceo Ent. Soa te ete te Cet ceed gen OR tea eer Sora ge et cere brincalhao, que interaja e escute as criangas Talal RUM eyo Do prefiicio de Tizuko Morchida Kishimoto ISBN 978.5 AN) SER Infancias @ suas linguagens: formacao de professores, maginagao e fantasia Ménica Appezzato Pinazza* Marcia Aparecida Gobbi** Numa época em que os progressos cientificos e tecnolgicos Jevam a uma transformacao das condligdes de vida, torna-se impossivel captar a tealidade em seu movimento rapidissimo ‘sem uma fantasia poderosa e aberta aos seres paradoxos. A. imaginacdo fantéstica pode tornar-se um guia para a agio iais eficaz do que o simples raciocinio légico no mundo de hoje e, sobretudo, no de amanha, Mario Schenberg * Prof. Dra. do Departamento de Metodologia de Fnsina eEsucasio Compara — FE-USP * Profa. Dra, do Departamento de Metodologia de Ensino e Educagio Comparada — FF-USP. Goer -PINAZZA ostariamos que este texto fosse-lido e compreendido como uma defesa, assim como foi o Seminario Internacional Infancia e suas Linguagens. Luminosa defesa da imaginagao, da fantasia e da criagio poitica cle meninas e meninos desde que nascem e de adultos ¢ adul- tas que, inventivos e brincantes, tém na imaginagao ¢ na fantasia elementos mobilizadores para prosseguir seus caminhos e deslocar suas crencas aparentemente imutaveis, Iniciamos entao este texto-defesa, texto-lembrete no qual se pro- cura coadunar infancia, arte e ciéncia manifestas em suas linguagens na maneira como se relacionam com 0 mundo, Enfatiza-se a infancia, procurando nela o modo de ver e apreender aquilo que a crianca investiga, cria, manifesta em suas tantas linguagens de forma um tanto “leonardesca”. A triade infancia-arte-ciéncia constitui-se como grande desafio & compreensio, resultando do desejo por conhecer criangas e seus processos criadores,para além de resultados escolar: zados daquilo que projetam, inventam e nos mostram em tantas € diferentes formas, e que permitem e instigam a enfrentar estados caéticos ou ordenados da vida e extrair desta muitos sentidos. Asatitudes das criancas frente ao mundo podem ser relacionadas 8 aco do cientista. Como afirmou Schenberg (1995), trata-se de uma atitude aberta em que a dtivida e as suspeitas sobre as coisas encon- tram-se com indagagées sobre os problemas da vida, néo separando forma de contetido, de modo a fragmentar a compreensao. Ao contré~ rio, culturas emergem, criam-se e se recriam entre desenhos, dangas, sons, pinturas, cantos e movimentos, apresenta-se um mundo dina- mico, cheio de transformagao em que ideias densas materializam-se em criagdes abrangentes, inventivas, motivadoras. A imaginagao presente nas criangas e nos adultos é grandemente eficaz para a acio, encontrando-se ao lado, e nao acima, do puro pensamento logic que tanto teimamos impor as criangas, sobretudo de modo escolarizante, demonstrando compreendé-las como incapazes € nao em sua inteire~ za ou plenitude de capacidades em constante ebulicao. A defesa que se faz, neste texto, relativa & Iinguagem, em suas iiltiplas expressdes, no plano da educagao de criangas, em especial, TINFANCIA E SUAS LINGUAGENS n das criangas pequenas, vincula-se, de algum modo, a argumentagées ha muito tempo construfdas no campo pedagégico e que se destacam pelo desacordo com duas fortes tendéncias da educagio: 1) uma que se pauta pela mera transmisséo de contetidos, de bens culturai 2) outra que se apoia na valoracdo exacerbada de certas formas de exprimir o pensamento em detrimento de outras. Recuperam-se aqui, brevemente, pensadores que contribuiram para a percepgio atual de criangas que, ativas e sujeitos em seus atos, tém em suas distintas linguagens ricas expressdes de experiéncias, por vezes, ainda des- conhecidas. Segue-se 0 caminho em busca das linguagens infantis como aqueles que retinem arte-ciéncia, evidenciadas em experiéncias © em distintas expressdes, Os apelos por uma pritica educativa mais sensivel 4s manifes- tages plurais do pensamento humano estiveram presentes em dife- rentes momentos historicos, em que esforgos reformadotes da educa- sao e da escola ganharam evidéncia. De forma subjacente as Postulagdes de reforma e renovagio, um conceito se destaca: o de educacao integral. Sob distintas bases explicativas, condizentes com 0s referenciais te6ricos disponiveis em cada época, até se chegar aos tempos atuais, um dos sentidos dessa expressao (educacao integral) traduz-se na crenca no potencial humano de se apresentar a0 mundo de modo tinico e, também, de apreendé-lo e transformé-lo com eria- tividade. Nessa perspectiva, idealizou-se e idealiza-se, ainda hoje, como propésito fundamental da educagio a promogio de situacées que privilegiem as experiéncias da crianga, visando ao seu desenvol- vimento pleno. Em se tratando da educagao de criangas pequenas, talvez as Primeiras referéncias a esse respeito possam ser encontradas na pe- dagogia da infancia de Froebel, que pressupée a crianga como ser criativo e a educacao pela autoatividade, pautada na espontaneidade. O educador alemao defende que, pela aco, a crianga expressa suas intengdes em contato com o mundo externo, e considera que o conhe- cimento € um processo de conexao que engloba sentimentos, percep- sao e pensamento. ‘coer prNazza A atividade a agio sao 05 pritheiros fendmenos do despertar da ida da crianga. Essa atividade e essa agao sao, na verdade, a expres- sao central do interno [..] que aparece em harmonia com sentimentos © percepcao, indicando a apreensio e compreensao de si pela crian- «a assim como uma germinagao da capacidade individual (Froebel, 1912, p. 23). Froebel contrapée-se ao conceito de educagio como preparacéo para um estado futuro. A vida em que a crianga deve ser inserida nao 6a do adulto, mas a vida que a rodeia no presente, ou seja, a educagao ocorte no proceso, nao no passado ou no futuro. Defende uma pré- tica educativa centrada nas atividades espontaneas que aproximam as criangas de situagoes e ocupacdes tipicas da sociedade a que pertence e da qual deve participar de forma produtiva e criativa (Kishimoto Pinazza, 2007). Ao criticar 0 processo de desenvolvimento intelectual restrito expressio de ideias apenas por meio de palavras, sugere a importan- cia da experiéncia de fazer, de usar as maos, de empregar a expresso plistica, num verdadeiro exercicio de integracao. Entio, a representagéo de objetos pela linha leva logo a crianga & per- cepgio e representacdo da diregdo na qual age a forga. “Aqui flui o riacho” e, dizendo isso, a crianga faz uma marca, indicando 0 curso do riacho. A crianga desenha linhas significando uma arvore. “Aqui cres- ce outro brago e aqui ainda outro” e como fala ela desenha a étvore, e as linhas indicam os ramos (Froebel, 189, p. 77). Froebel foi muito além de seu tempo, ao considerar as possibi- lidades de aliar a mésica, o poema, os movimentos e as brincadeiras no plano das realizacées infantis, tal como aparece na desconheci- da obra Mutter und Kose-lieder,! que trata das miisicas e jogos para 1, The Moties ant Commentaries of Fridvch Fro’ mother ply € una versio tradzida para o inglés e comentada por Susan Blow de Mater und Kiser com cangdes adaptadas ‘or Henieta R, Elio INFANCTA E SUAS LINGUAGENS 8 mies ¢ criancas, “uum livro para estudar e educar a crianca” (Blow, 1896, p. 36), que mereceu quatro verses comentadas ¢ produzidas pela estudiosa da obra froebeliana, Susan Blow: mtisicas, movimentos © poemas (The songs and music of Friedrich Froebel’s mother play), sim- bolismo das brineadeiras (Symbolic education: a commentary on Froebel’s “Mother play”), carta as maes (Letters to a mother: on the philosophy of Froebel) e brincadeiras interativas da mae com a ctianga, a chave da filosofia froebeliana (The mottoes and commentaries of Froebel’s mother play), obras que fazem parte da colecao editada por Harris (Kishimoto e Pinazza, 2007). Como se vé, na pedagogia de Froebel encontram-se indicagoes Sobre uma educacao da infancia que deveria contemplar as linguagens integradas da crianga, o que traz suas ideias para um didlogo com Dewey, Vigotski e Bruner. Experiéncia, atividade da inteligéncia, arte: a compreensao deweyana Na filosofia da experiéncia de John Dewey, a experiéncia no é simples sensacao, fruto do mero contato com os objetos, com seus atributos isoladamente. Na verdade, as experiéncias efetivam-se pelas relagdes que as pessoas estabelecem com os objetos e seus atributos em um processo de discriminagées e identificagées por meio da ex- perimentagao. A experiéncia consiste na combinagao ““daquilo que as coisas nos fazem’ modificando nossos atos, favorecendo alguns deles e resistindo e embaracando a outros e ‘daquilo que nelas pode- ‘mos fazer’, produzindo-lhes mudangas” (Dewey, 1959, p. 299). Dewey (1974) explica que uma experiéncia plena de pensamen- to, verdadeira atividade intelectual, que se define como “um aconte- cimento integral”, distingue-se, de qualquer outra natureza de expe- riéncia, pelo seu fluxo continuo, por revelar um movimento integrado, completo do inicio ao fim, sem cisdes. a ee eee 6 cover - panazza Nesse sentido, a experiéncia plena, ou como prefere Dewey, “wna experiéncia” é diferente de uma mera atividade, pela sua natureza consciente e pela marca que deixa no individuo. Dewey (1974, p. 248) fala que “wina experiéncia” distingue-se por ser uma “lembranca memoravel”. Explica que E possivel ser-se eficaz na agia e, nao obstante, nao se ter uma expe- rigneia consciente. A atividade ¢ demasiado automstica para permitir sentido do que &¢ de onde esta sucedendo. Chega a um fim, mas nao 1 um término ou consumagio na consciéncia (Dewey, 1974, p. 250). Ao refutar a cisdo entre ciéncia e arte, entre a experiéncia inte- lectual ¢ a experiéncia artistica, Dewey reconhece a arte como uma atividade intelectual tal como o trabalho cientifico. Existe em uma e em outra acdo a intervencao da inteligéncia e o duplo caréter de prazer e de “padecer”, jé que, ao produzir, tanto o artista como 0 cientista deparam-se com a luta, com 0 conflito quando em busca da consumagio da experiéncia. Considera a arte como uma experiéncia integral para o artista. Toda experiéncia plena, como acontecimento integral (ou wma experiéncia), tem uma qualidade estética que Ihe € inerente. O artistico € 0 estético esto presentes na experiéncia plena, consciente do criador. Um pintor precisa padecer conscientemente o efeito de cada toque de pincel, ou nao sera capaz de discernir aquilo que esta fazendo e para onde se encaminha seu trabalho. [... Tem de ver cada conexto particular de sofrer e agir em sua relacao com o todo que deseja produzir. Apre- ender tais relagdes ¢ pensar, e é uma das mais exatas formas de pensa- mento. A diferenca entre as pinturas de diferentes pintores ¢ devida mais a diferencas na capacidade de conduzir tal pensamento do que simples diferencas de sensibilidade a cor e a diferencas na destreza cla execugdo (Dewey, 1974, p. 255). Essa forma de conceber a arte como experiéncia é extremamente inspiradora para se pensar sua presenga na educagao da infancia. INFANGIA E SUAS LINGUAGENS 2 Pode ajudar a compreender por que, por exemplo, a proposta de trabalho com desenho com as criangas pequenas pode constituir ou nao “uma experiéncia” para elas, ou seja, uma experiéncia artistica em que intervém a inteligéncia. Se a crianga nao for verdadeiramente engajada numa situacao em que 0 ato de desenhar esteja integrado com experiéncias que 0 antecederam e nao se fizer num fluxo continuo com outros atos, num esforco de consumacao da experiéncia, entao, o que se tem nao é “wna experiéncia” com o desenho, mas mera atividade de desenhar. Nese senticlo, nao estarao presentes as qualidades artistica e estética préprias de experiéncias plenas no desenho. £ pouco provavel que 0 produto seja reconhecido pela crianga (a artista) como “uma experiéncia” ou um acontecimento integral. Naturalmente, esse raciocinio desenvolvido por Dewey serve para outros campos da manifestagao da arte: pintura, teatro, literatu- ra, e pode auxiliar educadores e pesquisadores da educagio infantil a construir uma critica mais fiel sobre o que se tem, realmente, pra- ticado com a crianca. Educagao estética segundo Vigotski? Ao tratar da educagao estética, Vigotski (2005) chama a atengio para a hist6rica dificuldade de se compreender, na Psicologia e na Pedagogia, a natureza, o significado, os objetivos e métodos da edu- cago estética. Na compreensao do autor, [..1 muitos autores se inclinam a negar quase todo o significado edu- cativo as vivéneias estéticas e a corrente da pedagogia que se vincula 2, Adotou-se a graf “Vigotski” em conformidade & mane 9 como aparece na obra con- siderada neste texto, 28 (coner- PINAZZA a estes autores e que se desenvolvéu a partir de uma raiz comum com estes defendendo a mesma ideia, atribuindo-the um significado estre to e limitado & educagao estética. Por outro lado, os psicélogos da corrente oposta tendem a supervalorizar desmediclamente o significa- do das vivéncias estéticas e pouco Ihes falta para ver nestas 0 meio pedagégico radical que resolve decididamente todos os problemas complexos ¢ dificeis da educagao (Vigotski, 2005, p. 355). Pondera que [..Jentre estes dois pontos extremos situa-se toda uma série de critérios moderados sobre o papel da estética na vida infantil, a maioria dos 4quais sao propensos a reduzir o significado da estética ao entreteni- mento e ao goz0. Alguns vem o sentido sério e profundo da vivéncia estética, quase por toda parte nao se fala da eduengi estétion como wt fimremtsi, sendo s6 como um meio para alcancar resultados pedagégicos, alheios a estética. Essa estética a servico da pedagogia sempre cumpre encargos alheios e, segundo a ideia de alguns pedagogos, deve servir ‘como meio para a educacao do conhecimento, do pensamento e da vontade moral (Vigotski, 2005, p. 355). Vigotski (2005) remete-se a trés tipos de suposicdes correntes sobre a relagao entre a estética e a educagdo. Destaca, em sua anélise, ‘0 exemplo do que ocorre com a literatura infantil Uma primeira questéo levantada pelo autor diz respeito a nogao de que uma obra de arte possui um efeito moral, bom ou mau, porém. direto, sobre a crianca e o joven. Investe-se nessa crenga da valoracéo desse impulso moral que emerge de cada coisa. Esse tipo de pensa- mento tem um impacto sobre a literatura infantil, por exemplo, na qual muitas vezes se percebe uma tentativa do adulto em “encontrar” as possibilidades de compreensao que as criangas possam ter das normas morais pretensamente transmitidas por dada obra. O adulto esforga-se por imitar a psicologia infantil e, supondo que 0 sentimento sério nao ¢ acessivel para a crianga, sem atitude nem INFANGIA E SUAS LINGUAGENS 20 habilicade adoca os eventos ¢ os hersis, substitu o sentimento pela sentimentalidade e a emogao pelo sentimentalismo. O sentimentalis mo nao é outra coisa que a estupidez do sentimento (Vigotski, 2005, p. 356) Resulta disso uma postura questiondvel com respeito As produ- es destinadas as criancas. Diz Vigotski (2005, p. 356) que “a litera- tura infantil é comumente um brilhante exemplo de falta de gosto, de alteracéo profunda do estilo artistico e da mais desoladora incom- preensao do psiquismo infantil’. A pedagogia que se depreende dessa compreensao é a sistematica destruigio do sentimento estético em fungao do foco no significado moral da obra. ‘Uma segunda questéo considerada por Vigotski (2005) diz. res- peito a relagio entre a realidade e a obra de arte. Defendendo que a obra de arte nao representa uma tradugio literal da realidade, mas um “produto sumamente complexo de elaboragio dos elementos da realidade, fornecendo-lhes um conjunto de elementos totalmente outros”, o autor recusa a ideia de se reduzir a arte a uma reprodugio do real ou de se delinear a realidade a partir da obra de arte. Explica que com essa forma de proceder na educagao, corre-se 0 risco nao s6 de “permanecer com uma falsa compreensao da realidade, senao também com uma total exclusio dos aspectos puramente estéticos” (ibid., p. 360), O terceiro erro é que a Pedagogia tende a conceber a estética ‘como uma experiéncia agradavel, reduzindo-a ao prazer que a obra de arte pode dar, ¢ vendo nisso um fim em si, Em outros termos, reduz todo o significado das vivéncias estéticas ao sentimento de prazer e alegria que estas despertam na crianga, ndo atribuindo outro valor a obra de arte para além da estimulacao de reagoes hedonistas. O convite feito por Vigotski (2005) aos profissionais da educagao da infancia 6 no sentido de valorizagao da obra de arte naquilo que ela pode suscitar verdadeiramente nas criancas, a despeito dos pro- pésitos impostos a priori pelos adultos 0 (cope - PINAZZA Educagao como foro da cultura: contribuigées de Bruner © papel da linguagem na insergao e (re)invengao da cultura destaca-se nos escritos de Jerome Bruner, que a define, ao tratar da educagéo, como importante foro da cultura Distante de uma perspectiva de que a educagao constitui mera transmissio de conhecimentos e de valores de pessoas que sabem para as que sio desprovidas de saberes, Bruner (2002) expée a sua 6tica sobre a Pedagogia, formulando uma critica frontal a pratica educativa como “cirurgia, supressao, substituigéo, preenchimento de deficiéncias ou uma mistura” de tudo isso (ibid, p.130). Uma simples ¢, aparentemente, Gbvia afirmagao de Bruner (2008) de que “ninguém pode prever em que mundo viverdo as criangas que educamos”, re~ mete 0 autor a uma importante conipreensio: ‘Uma mente com potencial de aquisicgdo de informagio e a compreensio da poténcia em aco sio os tinicos instrumentos que podemos dar ds criangas e que, invariavelmente, servirdo independentemente das trans- formagdes do tempo e das circunstancias (Bruner, 2008, p. 120). Deve-se atentar para o fato de que como meio de aquisicao de “heranca cultural”, de acesso A “meméria social”, a educagio nao pode prescindir do desenvolvimento dos processos de inteligéncia que permitam aos individuos avangarem para além das formas cul- turais de seu mundo social, inovando e criando uma cultura propria, para que “qualquer que seja a arte, ciéncia, literatura, histéria e geo- grafia da cultura, cada individuo tenha de ser seu préprio artista, cientista, historiador e navegador” (ibid., p. 115). Aeducagao que dé forma e expresso 4 nossa experiéncia também pode ser o principal instrumento para estabelecer limites & mente empreen- dedora. A garantia contra 0s limites é a percepgio de alternativas. bel INFANCTA E SUAS LINGUAGENS a A educagao tem, entao, de ser nao s6 um processo de transmissio da cultura, mas também um processo que produza visées alternativas do mundo e fortalega a vontadle cle exploré-lo (Bruner, 2008, p. 116), Enfatizando, especialmente, a narrativa, a linguagem oral eo seu lugar na educacao, Bruner (2002) lembra que o meio de troca no qual a educagio é conduzida —a linguagem — nunca pode ser neutto [..] ele impée um ponto de vista nao apenas sobre o mundo ao qual ela se refere, mas em relagao ao uso da mente em relagéo a esse mundo (ibid, p. 127), Na compreensao do autor, a maior parte de nossos encontros com 0 mundo nao é um encontro direto. Considera a importante intermediagéo do meio lingufstico na captura das “realidades” do mundo, um mundo que emerge, para n6s, como conceitual. Para Bruner (2008), especialmente, em se tratando do mundo social, é mediante a ressignificacao das coisas deste mundo, tendo em conta 0s “crivos” (crencas, valores) das pessoas que nos rodeiam, que con- seguimos dar um rumo a condi¢ao inicial de caos. Isso quer dizer que nossas experiéncias com o mundo sao inter mediadas pela linguagem, ¢ é essa linguagem que nos permite viver e criar a cultura, Bruner (2002) define a cultura como “um texto am- biguo que precisa ser constantemente interpretado por aqueles que participam dela’ Para o estudioso, a linguagem tem um papel cons- titutivo na realidade social. Diz ele: “As realidades sociais néo sao tijolos nos quais tropecamos ou nos contundimos quando os chutamos, mas 08 significados que conquistamos ao partilharmos cognigdes humanas” (ibid., p. 128). O significado das coisas é resultante de partilha e essa partilha faz-se, preponderantemente, intermediada pela linguagem, A cultura se encontra em um constante processo de ser recriada a me- dida que é interpretada e renegociada por seus membros. [..] [J a cultura é tanto um férum para negociagéo e renegociagao de significado e para explicagao da agao quanto um conjunto de regras ott especificagoes para a agéo (Bruner, 2002, p. 129). 2 (cosa - PINAZZA A educagao ¢ apresentada por Bruner como um dos principal foros para a negociacao e a renegociagao de significados culturalmen- te construidos, mesmo que, em sua na opiniao, faga isso frequente- mente de forma timida, Eo aspecto de foro de uma cultura que daa seus participantes (refere-se 8 eclucagao) um papel na Blaboragao e reelaboragao de uma cultura — um papel ativo como participantes, e nao de espectadores atuantes que desempenham seus papéis candnicos conforme as regras quando as pistas apropriadas ocorrem (Bruner, 2002, p. 129). Ao tratar a educacao como foro de cultura e a Pedagogia como locus da pratica de partilha, de negociagao e recriagao de significados, emerge um(a) professor(a) que nas palavras de Bruner é “um acon- tecimento humano” e nao mero dispositive de transmissao, Em uma educagio assim concebida, os procedimentos e 0s ma- teriais prestam-se a transformagao imaginativa e & especulacdo. Nes- se sentido, as criangas e os jovens estudantes tornam-se “uma parte do processo de negociagao através do qual os fatos so criados e in- terpretados” (Bruner, 2002, p. 133). Pensar a educagao como via de introdugao a cultura é pensé-la como um locus de negociacao e de recriagao de significados em que as miiltiplas formas de linguagens: narragao de hist6rias, teatro, ex- pressbes plasticas ete. intermedeiam as trocas e permitem a explora- ao do que Bruner (2002, p. 129) designa de “mundos possiveis” Imaginagao, fantasia, arte-ciéncia entre as criangas Durante muito tempo, vingou a ideia de que a presenca da ima- ginagao e da fantasia entre as criangas revelava déficit e caréncia. INFANCTA E SUAS LINGUAGENS Acreditava-se que Ihe faltavam pensamentos complexos e elaborados. Concebia-se a infancia a partir de pontos de vistas hierarquizados em que as criangas ocupavam espacos inferiores em relagdo aos adultos que tudo sabiam e controlavam, sendo as agées infantis pouco conhe- cidas ou mesmo desprezadas. Froebel, Dewey e Bruner, para cilar alguns autores aqui j4 mencionados, apresentam-nos formas de pen- sar a crianga em relacdo as diferentes possibilidades de ser humano € humanizar-se em situagées diversas. Mostram a necessidade de construirmos olhares e priticas que nos capacitem a ver ¢ aprender com as criangas, desde que nascem, rompendo entio com propostas erelages verticais em que o pensamento adulto predomina. Provocam a pensar que meninas e meninos sao sujeitos culturais, sociais e his- t6ricos e tomam para si a vida como grande problema a ser desco- berto, vivido, experimentado. Com isso, vivendo e eriando distintas experiéncias, nas mais diversas linguagens, podem passar das inves- tigacoes as criagoes artisticas sem constrangimentos, mostrando-nos formas singulares e especificas de relacdes estabelecidas entre as criangas e com o mundo. Essa relagao, tao fecunda, curiosamente passa a ser observada de modo mais rigoroso recentemente, quando comegamos a com- Preender que infancia, ciéncia e arte compdem uma triade, e que arte-ciéncia constitui-se como possibilidade de elaboracao de modos de ver e compreender o que as criangas fazem e expressam em sua gramética tio peculiar, sobre a qual ainda temos tantas lacunas a preencher, compreender e conhecer. Oire virno “tudo ao mesmo tempo agora” — passado, presen- te, futuro — evidenciam l6gicas préprias e coexistentes das criancas, rompendo até mesmo com uma concepgao linear do tempo. Encon- tram-se presentes nas linguagens artisticas na inffncia e entre os adultos, tais como na poesia, na pintura, escultura, teatro, rompendo € nos ensinando a romper com a dicotomia racional-irracional. As criangas em suas experiéncias revelam-nos o que Bruno Munari (2009) expés em versos: (080 - PaNAzzA u Sem razio at1=2 Longe esté o sentimento do céleulo ‘Amarelo + azul = centenas de verdes Longe esta a razfio da arte? = Munati (2009) evoca um tempo em que a produgio cientifica e artistica apresentava frequentemente conexdes entre areas de conhe- cimento, sendo a figura de Leonardo da Vinci talvez a que melhor expresse esse exemplo e, no Brasil, a presenga de Mario Schenberg, fisico que compreende o fazer cientifico como também intuitive € artistico, e a arte como pratica cientifica. Temos entre alguns artistas e cientistas a possibilidade de, com seus olhares € priticas, observar as condigdes necessérias para questionarmos 0 antagonismo imposto centre arte, ciéncia ¢ infancia e com o qual nos acostumamos a com preender 0 mundo, meninas e meninos. £ importante refletirmos melhor sobre esse modo de compreen- der a crianca e sobre aquilo que criam diariamente e que passa de- sapercebido aos nossos olhos e a uma atribuigéo de valores. Aparté-la da arte e da ciéncia significa nao apenas ignorar suas capacidades, ‘mas também desconsicerar suas agGes e criagdes como auténticos ¢ legitimos atos criadores. Criar, inventar, transeriar como base de sustentacdo da arte e da ciéncia est4o compreendidos também nas complexas elaboracdes infantis, nas teorias que inventam como for ‘mas tinicas de encontrar respostas as experiéncias que a vida pro- poreiona ow impée, sem prender-se as garras das especialidacles que tanto tm aprisionado, cada vez mais intensamente, o5(as) adultos(as), meninas e meninos. A partir e nas relagdes estabelecidas com os outros, criam e transcriam em seus cotidianos, revelando-se em objetos 43 Tradugio live do italiano fit por Marcia Aparecida Gobbi e pela qual se responsabiliza JIWFANCIA E SUAS LINGUAGENS 38 que representam elementos materiais e imateriais da cultura vivida € construfda também pelas criangas. O exercicio humano de criagao é encarado cotidianamente entre pares ou individualmente. Por trés das agées vistas pelo universo adulto como aparentemente intiteis, encontram-se elementos da cul- tura vivida e elaborada pelas criangas a partir do sexo, idade, etnia, classe social, religiao, Seus segredos existenciais, desejos, hipsteses e teorias, 0 ato de conhecer e de criar encontram-se de modo concomi- tante, sendo manifestados em formas e contetidos diversos. Quando nao se pensa sobre a conduta de meninas e meninos pelos clichés, jargées e imagens tal como fazemos hoje, fiéis seguido- tes acriticos de imagens que nos sao entregues em casa pela TV e outras mfdias, temos a possibilidade de expandir nossa capacidade de ver 0 outro em seu processo criativo, que assim como Picasso afirmou, nao resulta de algo previamente decidido, mensurado,.mas sofre alteracdes ao longo de seu curso, e que muda como mudam os Pensamentos de cada um e também nas relagies estabelecidas com 05 outros de acordo com o tempo e espago para a criacdo. Desenhar, pintar, dancar sio para as criangas, como para os artistas, possibil dades de descobrir, conhecer ¢ aproximar-se, so exercicios de vida nos quais estao contidas a arte e a ciéncia, podendo ser compreendi- das quase numa tinica palavra: arteciéneia Quando procuramos pensar as criangas e suas manifestagées expressivas e artisticas na interseccao arte-ciéncia, 0 fisico e critico de arte Mario Schenberg (1987) nos oferece pistas bastante promissoras. ‘Observa que o conhecimento cientifico deve ser proporcionado pelo desimpedimento da imaginacao artistica e/ou pela fantasia, Reto- mando a epigrafe deste texto, 6 impossivel captar a realidade sem uma fantasia pocerosa e aberta as maiores contradigdes. O pensar ctiativo rompe fronteiras. Para Schenberg (1987), a imaginagao fan- tastica pode tornar-se guia para a ago, sendo tao ou mais eficaz que © simples raciocinio Iégico. Chama a atencao para alguns cientistas que sao capazes de descobrir e ver coisas que os outros nao veem, tal se ‘coger Panazza como os artistas que mostrardo issé em suas obras. Diria: assim como as criangas, que, em suas falas e rabiscos, em tragados e dangas, mos- trarao e nos permitirao descobrir coisas pouco ou nada vistas ou compreendidas por adultos(as)- ‘As criancas em suas diversas maneiras de manifestar curiosi- dade pelo mundo revelam leituras de mistérios profundos sobre a existéncia humana. Ajzenberg (1995, p. 30) afirmaré, tendo como base o pensamento e obra de Paul Klee, entre outros, que 0 proces 80 criativo envolve a capacidade de relacionar, associar, ordenar, configurar, selecionar, sintetizar, formar e compreender, e ocorre de forma ainda melhor quando acompanhado de liberdade para ela- borar e criar, Meninas e meninos quando juntos em distintas ativi- dades encantam-se nesse proceso, tornando visivel, em diversas formas, o invisivel presente em modos de compreender e estar no mundo. Nao se trata aqui de reivindicar o lugar dos(as) adultos(as) para as criangas ao provocar reflexdes sobre suas formas de inves- tigar e representar 0 mundo: ciéncia e arte — em suas distintas manifestacdes — impulsionam a conhecer sob outros aspectos aqui- Jo que meninas e meninos inventam, criam e transcriam desde que nascem, considerando a perspectiva de que sao sujeitos e autores em diferentes processos. Compreender as linguagens: um desafio as praticas na educagao da infancia atual © que fazer para que o rico e vasto mundo das artes se conecte a0 mundo infantil? Como criar relagdes em que imaginacéo, poesia, literatura, teatro cheguem as criangas aproximando-se delas? E facti- vel integrar linguagens — ou reintegrar quando trabalhamos numa perspectiva nao fragmentada de conhecimento — de modo a com- preendé-las também como elaboragdes em que arte e ciéncia estejam juntas de modo respeitoso? Retomo novamente Munari (2009): - [IWFANCTA E SUAS LINGUAGENS Aarte @ os sentidos Cada meio tem seus limites A miisica 6 cega Apintura é muda Aescultura 6 paralitica Todos porém com habeis truques Procuram render-se por completo Apintura se esforga por dar volume Aeescultura quer movimentar-se Armisica, Depois de algumas centenas de anos Destas acrobacias 0 pablico esta habituado a procurar 0 volume na pintura A.cor na misica 0 movimento na escultura Pois bem, essa capacidade de transitar e transcriar” inerente aos seres humanos, e que se faz presente nas artes e nas ciéncias, nao tem idade para acontecer, Infelizmente, por processos educacionais de caracteristicas castradoras tais caminhos e potenciais t8m sofrico consideraveis diminuigées ou so aniquilados. Munari (2009), ao mencionar em sua poesia a coexisténcia da arte e os sentidos e sua constante mutacao, evoca a pensar e iniciar respostas para questies feitas anteriormente; esclarecemos que nos propomos a colaborar com 0 debate. 4. Taducio ive do italiano feta por Marcia Aparecida Gobbi pela qual seresponsabiliza 5. Tomou-se aqui de empréstimo a definigio do poeta Harolda de Campos, para quem lwonscriar relacona-se ao ato de traduo de textos. Neste capitulo, foi amplinda a detinicio Para o mundo compreendido como texto a ser lilo, escrito © reserito por todos. Trata-se de momento no qual nio apenas se mproduz 0 que é visto, mas também em que se podem eta ‘outras formas advindas do tradutor. Fst iltimo recria — transctia —o texto, colocanlo-se ibém como autor A crianga em relagdo a0 mundo, sueito que é, ans ‘suas infinitas formas de ver e deixar suas marci, 0 traduz em 5) ‘coger - PINAZZA Arte, ciéncia, infancia e suas linguagens cons desafios & nossa compreensio ¢ ainda mais: provocacées as préticas pedagégicas daqueles(as) que lidam com a infancia, em especial, a educacio infantil. Ainda atentas as possibilidades infinitas e fecundas, de influéncia das artes e suas linguagens para compreendermos as ctiancas e suas linguagens, ressaltamos que no Brasil artistas moder- nistas e criticos de arte, tais como Mério de Andrade, Mario Pedrosa, Flavio de Carvalho, compuseram um cenério que apontava para a ruptura nos modos de ver as criagdes infantis. A descoberla surpreen- dente para os artistas é que as criangas traziam consigo invengoes materializadas em formas estéticas capazes de inspiré-los em seus processos de criagao. Artistas e criancas tém momentos de coexisténcia, © 0s primeiros podem orientar para caminhos originais no que toca as consideragées de adultos(as) para aquilo que a crianga faz (Gobbi, 2007). £ importante observar que temos no Brasil, no inicio do século XX, aqueles que descobrem aspectos da infancia, infelizmente, ainda negli- genciados por muitos: a capacidade expressiva que pode em sua com- plexidade investir-se e embalar processos criadores de outros e nao apenas de eriangas. Artistas mostram-se embeveciclos com a infancia em seus momentos de expressao materializada em desenhos ¢ pinturas. ituem por sua vez Varias das complexas elaboragées das criancas resultam de acura~ da percepgio do mundo que as envolve. S40 embebidas de espirito plastico que pode ser reelaborado e visto por quem quiser e estiver disponivel a isso e a desnaturalizar concepgdes parciais, limitadas e estereotipadas da realidade circundante. O que essa trfade arte-ciéncia -infancia pode nos oferecer é a produgéo de novos mundos em que imaginacio, intuigao, cognigao, fantasia e emogio caminhem conjun- tamente. Inegavel desafio. Inegdvel desafio ainda para nossos dias, em que a fragmentagao e a diluigdo de sentimentos e percepgdes encon- tram-se cada vex mais presentes. Mario Pedrosa (1995), renomado critico de arte de meados do século XX, ficou surpreso quando comecou a observar as produgies em pinturas feitas por meninos e meninas no atelié do artista Ivan Serpa. Ao discutir sobre a arte como necessidade vital, apresenta suas INFANGTA E SUAS LINGUAGENS 20 ponderagGes sobre as manifestagGes artisticas como diteito de todos, aproximando-se de uma concepeao de arte social, avizinhando-se de propostas segundo as quais as artes deveriam estender-se a todos(as). Afirma que a crianga na relagéo com linguagens artisticas vé tudo com ar de novidade, a alegria infantil e seu impeto A descoberta asseme- Iham-se a inspiragio e sua capacidade de absorver a forma e a cor. A infancia, segundo Pedrosa, era compreendida como estado de genia- lidade em que se empresta forma aos sentimentos sobre 0 mundo a partir de investigacées empreendidas no cotidiano, no qual materiais, dliversos encontrem-se disponibilizados e predomine a liberdade para a criagao. Preocupa-se com certa atrofia do poder criador quando se insiste na pericia técnica em detrimento de atividades mais abrangen- tes relacionadas com as caracteristicas das criangas. Ao mencionar 0 atelié do artista Ivan Serpa e sua relagio com meninas e meninos que © frequentavam, avaliava como bastante fecunda sua presenca nao como instrutor, numa perspectiva vertical de relacao, mas como com- Panheiro mais velho em idade e que arriscava “um dedo de prosa” com todos os presentes. Pedrosa nos ensina que necessitamos de mudangas e que as criangas, em certa medida, provocam a ruptura com a normatizacao imposta ao protagonizar cendrios com suas cria- Ges em pinturas, desenhos, gestos. Afirmou Pedrosa (1995, p. 68): Ainda nos encontramos numa civilizagao que teme a educacio dos sentidos e das emogées, que timbra em abafar no homem 0 impulso espontineo inicial para cr s Para ter do mundo um conhecimento que no seja a mera acumulacdo de informagées quantitativas sobre as coisas, nao basta ao homem atual conhecimento exclusivamente con- ceitual. Ele carece, como a mariposa carece de luz, do que Simmers chama tebarbativamente de cogniglo visual. © homem atual é um ser imperfeitamente desenvolvido, pois a educagéo e o meio a que é sub- metido Ihe embotam o desenvolvimento espontineo da visio, dos outros sentidos, a sensibilidade. Mario Pedrosa parece concordar e aprofundar as ideias de Mario Schenberg Bruno Munari, que chamam a atencio para a import e ‘cont prMazza de coadunarmos arte-ciéncia-infancia, além de nossa ainda grande tarefa: discutirmos sobre a formago e as praticas daquelas(es) que se encontram diretamente envolvidos com a infancia procurando com- preendé-la numa perspectiva integral e integradora. Nao se trata aqui, de modo algum, de apresentar um carater prescritivo. Contudo, nao podemos passar incélumes diante de temética tao fecunda, instigan- te e fundamental para a formagao de profissionais da educacao in- fantil. Se temos clareza das capacidades das meninas e dos meninos em diversas manifestagdes em suas linguagens, como nos colocamos diante disso? Escutamos, vemos, olhamos, mas, efetivamente, somos levadas a pensar e deslocar sentimentos e situagdes ja naturalizados para outros em que discutamos sobre nossos processos criadores, ou ainda melhor, a poiesis do ato docente entre aqueles(as) que atuam com as criangas? A discussao sobre ciéncia-infancia-arte ¢ suas lin- _guagens nao pode deixar ao largo o questionamento, mesmo feito de modo breve, sobre todos os implicados, nao escapando, portanto, adultos e adultas. Arte-ciéncia e infancia e suas linguagens: a quantas anda nosso envolvimento? Procurou-se aqui provocar a pensar sobre os desafios a serem enfrentados quando se discutem arte-ciéncia e infancia e suas lin- guagens em profunda e permanente interacao, voltando-nos as praticas e relagdes com as criangas propriamente ditas. Munari (2009), preocupado com a questo, pergunta-se sobre as experiéncias em {que 08 adultos tém se envolvido no que tange a criacdo, e ainda mais, quanto as praticas durante as quais as criangas possam ser ouvidas, antecipando jé nos anos 1960 questionamentos atuais sobre a garan- tia de considerarmos as vozes das criangas. Exemplificando tal preo- cupacio, escreve: “oferecemos as nossas criangas situagdes de expe- riéncias conjuntas e sozinhas escutando com paciéncia suas historias ail [INFANCIA E SUAS LINGUAGENS a e, sobretudo, acolhendo com interesse seu repertério?” Munari im- pressiona, pois hé decadas, assim como nossos artistas e cientistas brasileiros, apresentava uma perspectiva de via de mao dupla: as criangas mostram-se aos outros em suas falas e naquilo que criam podendo ter suas manifestagées verdadeiramente compreendidas por todos. Munari lembra dos momentos em que as criangas so cobradas para que ougam as hist6rias dos mais velhos e, de modo perspicaz, pergunta-se sobre as situagdes nas quais os mais velhos tém escutado as hist6rias e lembraneas das criangas. Juan Mata (2008) aproxima-se dessa percepgio afirmando que, para tanto, € necessério presentear a todos com as linguagens artis- € das melhores de modo a provocar os sent los e a construgao de imaginarios em que desejos, sensagGes, invengdes estejam rica- mente presentes. Quando se favorece o contato entre as linguagens € as criangas ¢ entre elas e os adultos, diferentes modos de ver e comprender 0 mundo sao criados e, com isso, mtiltiplas formas de ‘expressé-lo, Mata também afirma que, para seguir tal caminho, deve-se questionar a separagao entre ética e poética, o mundo racional do mundo da imaginacdo, atribuindo valores e pesos distintos. Os olhares postico, curioso e investigativo dirao: a metéfora, o simbolo, a alegoria nos mostram que 0 mundo é de um jeito, mas quando olhamos, ou sentimos, percebemos que pode ser de outro. Construt mos significados diferentes e profundos sobre 0 mundo, mas para tanto preciso nutrirmos nossas capacidades inventivas, e estas precisam estar em constante relagdio com os outros na produgio de cultura material e imaterial, pessoas de todos os géneros, credos, etnias, classes sociais A partir do esbocado neste capitulo, podemos dizer que arte, cién- cia e infancia encontram-se imbricadas em processos dle descobertas do mundo pelas criangas e pelos adultos, sem um modo hierarquizado de conceber o mundo e os processos dle criacao e experiéncias que 0 com- poem indistintamente, Mostrou-se aqui a preocupagéo em atuar favo- ravelmente em diregéo a formagio daqueles(as) que se encontram com a ‘conor - PINAZzA as criangas. Foram reveladas inguietagées com os atos criadores no processo de formagio docente, mas nao s6. Tratando de linguagens ¢ da infancia é urgente refletir sobre seu teor, ¢ isso pressupée disposigao para perceber o tipo de comunicacao que estd presente ou ausente entre as criangas em seus choros, stias falas, seus gestos, desenhos, pinturas, esculturas. E imprescindivel que romper com posturas comsas quais nos limitamos a traté-las como mera fungao fatica, vazia de contetido informativo, afetivo, cultural, embora acreditando que estamos nos comunicando com as criancas. A fungao postica de aspecto sensivel e que se encontra presente entre as criangas naquilo que fazem passa despercebida daqueles mais velhos que se encontram entre elas. Neste sentido, precisamos ser tefinados tradutores ¢ quem compreende tais linguagens, ainda que com muita dificuldade. As criangas, por sua vez, sao designers de Jinguagens cabendo ao adulto observar, entender e, ao mesmo tempo, disseminé-las para todos. Elas configuram mensagens. Estando aten- tos, percebemos que elas trazem e apresentam informagées estéticas préprias — tracos, cores, formas, linhas, assuntos —nas quais existem elaborados processos de selecéo. Quando uma crianga decide pintar seu corpo de determinada cor, ou mesmo seus desenhos, ou quando opta por dangar, movimen- tando o corpo de maneiras diversas, chegando a elaborar uma coreo- gratia, isso significa sua escolha por algo e alguma forma para expor seu pensamento, seu desejo, suas insatisfacdes. Constituem cddigos € nos revelam. As criangas criam, como num haicai, a representacao de mundbos e coisas deles, como também sentimentos, emogies, letras esuas formas. Os tracos e as configuragdes que suas composicées vao adquirindo mostram suas emogdes ¢ abarcam o mundo da imagina- do, como numa objetiva que capta aspectos da realidade circundan- te eo mundo interior, convertendo em matéria visivel diferentes formas. Estando atentos ¢ aproveitando oportunidades, podemos saber sobre teorias, invengées, criagdes infantis ricamente elaboradas. Aten- tas, seguindo no caminho com nossos desafios, iremos. —_——LU™C~

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