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Síncope em Cães
Síncope em Cães
COMO ABORDAR...
A síncope em cães
- uma síndrome,
não uma doença
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falecido de morte cardíaca súbita, ou se é comum a ritmos cardíacos alterados são visíveis apenas durante
ocorrência de tanto a doença cardíaca congénita como a a actividade física, por isso, ser feito outro ECG durante
epilepsia. ou pouco depois da actividade física nos casos duvidosos
No caso de convulsões repetidas, é importante procurar ou em casos de síncope de origem desconhecida. Aqui, é
informação relativa à frequência e padrão da convulsão, simplesmente uma questão de reconhecer as alterações
assim como da duração dos episódios prévios. do ritmo cardíaco e determinar a frequência dos batimentos
Se se tem conhecimento de que o paciente sofre de doença cardíacos.
cardíaca e já está sob tratamento, é extremamente impor-
tante saber a medicação pregressa. Os medicamentos Por conseguinte, não interessa como o cão está deitado. Con-
podem causar convulsão sincopal, quer devido a um efeito tudo, não deve ser feita uma avaliação da amplitude do ECG.
vasodilatador indesejável, efeitos de bradicardia ou de
taquicardia. Para além dos agentes inibidores vasodilata- De um modo geral, um ECG convencional dura, no
dores (ACEI, antagonistas de cálcio e dihidralazina), os máximo, alguns minutos e representa mais ou menos um
glicosídeos cardíacos, grande parte das drogas anti-arrít- “instante”. Episódios raros, como alterações maiores do
micas e os diuréticos podem ser responsáveis por síncope. ritmos cardíaco ou apenas arritmia esporádica podem
frequentemente apenas ser determinadas após um ECG
Avaliação diagnóstica prolongado. Num ECG prolongado ou ECG Holter, o
Os pacientes com síncope e doença cardíaca primária registo ECG é determinado de modo contínuo durante
mostram uma consideravelmente maior mortalidade 24 horas e os dados podem ser armazenados. Contudo,
do que os cães com síncope extra-cardíaca e síncope de o registo de um ”instante” após 24 horas pode, mesmo
causa desconhecida. assim, ser demasiado curto.
Após um exame da história pregressa, o diagnóstico No diagnóstico das convulsões, as análises laboratoriais
foca-se num exame geral básico, auscultação do coração fornecem apenas informação adicional. No entanto,
e dos pulmões, electrocardiograma, pressão sanguínea e devem ser realizados uma análise sanguínea completa
exame neurológico geral. Durante o exame físico, deve (anemia), a determinação da glicemia (hipoglicemia) e
prestar-se atenção para não determinar apenas o retorno dos electrólitos (hipercalemia, hipocalcemia).
capilar e a cor das membranas mucosas, mas também, e
mais especialmente, a pulsação, bem como a qualidade e Em todos os animais com convulsões sincopais, é igual-
a simetria das ondas pulsáteis em ambas as extremi- mente aconselhável um exame ecocardiográfico para a
dades posteriores. identificação ou exclusão de um defeito cardíaco. Na
suspeita de doença cardíaca ou doença respiratória, a
Durante a auscultação, deve prestar-se particular atenção radiografia torácica faz parte de um exame padrão. Os
aos batimentos cardíacos e também aos sons cardíacos exames neurológicos podem ser necessários para propó-
patologicamente alterados. Por exemplo, um segundo sitos de diagnóstico diferencial, complementados, quando
som cardíaco mais forte pode ser auscultado nos casos de necessário e aplicável por uma TC ou uma TRM.
hipertonia pulmonar. Uma auscultação mais extensiva
revelará igualmente uma arritmia e uma bradicardia Síncope cardiogénica
paroxísmica. Um défice de pulso observado durante uma A perfusão cerebral é controlada pela pressão sanguínea
avaliação simultânea do pulso e da frequência cardíaca sistémica, noutras palavras, pelo pós-carga cardíaco e
apontam para uma arritmia clinicamente relevante. resistência vascular periférica. Por esta razão, a síncope
pode ser gerada por uma diminuição no pós-carga cardíaco
Um registo electrocardiográfico maior em repouso é devido a várias doenças cardíacas por si só, ou como
vital para um diagnóstico básico. Durante a electro- resultado de distúrbios de ritmo e de uma quebra na
cardiografia, enquanto consciente e com a ajuda de um resistência vascular periférica, por exemplo, através de
assistente, o animal é posicionado no seu lado direito. Deve vasodilatação reflexo-mediada.
ter-se o cuidado de ser capaz de concluir a existência de
doença cardíaca com base nos índices característicos. Síndrome Adams-Stokes
Um eletrocardiograma em repouso pode não revelar Todos os tipos de distúrbios do ritmo cardíaco que condu-
nada, mesmo em pacientes com doença cardíaca severa. zem a hipoxia central podem despoletar convulsões
Nalguns cães, os sinais de má perfusão miocárdica ou cardíacas. Tais ataques foram descritos pela primeira vez no
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Figura 1.
Bloqueio AV total num cão com presença de insuficiência AV como resultado de doença valvular mitral degenerativa crónica; notar a
presença regular de contracções atriais, bloqueio total de condução, os átrios e os ventrículos contraem separada e independentemente,
ritmo escape com evidentes, complexos QRS anormais, frequência atrial de 120/min: velocidade do papel de 25mm/s, calibração
de 0.5cm = 1mV.
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Eventualmente caiu para o lado. As suas extremidades estavam débeis e a respiração era lenta. Após,
aproximadamente, 30 segundos a 1 minuto, a respiração tornou-se novamente frequente. O cão levantou-
se, tornou-se novamente responsivo e lentamente andou em direcção ao seu dono.
No cão então até agora sem sintomas, durante os anteriores três meses na opinião do dono a “stamina” e
resistência física estavam de alguma forma limitadas, ao que o dono atribuiu que fosse das elevadas
temperaturas no exterior. Anteriormente, em dois dias diferentes, enquanto recebia entusiasticamente o
seu dono na porta de entrada, ambas as extremidades posteriores do cão cederam brevemente. Foi apenas
em reflexão mais profunda que o dono se apercebeu do significado destes episódios. Até lá, não
tinha atríbuido grande relevância ao evento, uma vez que sentiu que o cão se moveu apenas de modo
desastrado. Embora o cão seja originário da Polónia e não tenha nenhuma história clínica deste tipo na
família, existia um sopro cardíaco. No entanto, não tinham ainda sido realizados exames adicionais. Não
se encontrava a receber qualquer medicação. O exame clínico geral não concluiu nenhuma evidência em
particular, apenas que o pulso arterial em ambas as extremidades era simétrico e apenas por vezes
irregular (pulsus irregularis) com uma pequena amplitude de pressão de pulso (pulsus parvus).
À auscultação identificou-se um sopro sistólico de ejecção de grau IV/VI na região da aorta com Pmáx. no
4º espaço intercostal esquerdo com transmissão para as artérias carótidas. O sopro foi igualmente audível
cranialmente na metade direita do tórax. O ritmo sinusal dominante foi interrompido de modo
paroxísmico por curtas séries de extrasístoles. Durante o paroxismo, o défice de pulso era parcialmente
palpável. A auscultação respiratória estava dentro dos limites normais. No ECG, com uma frequência de
180bpm, foram registadas curtas e mais longas extrassístoles ventriculares (Figura 1 no presente texto).
Durante este primeiro registo de ECG, o animal mostrou-se observador e demonstrou um comportamento
não disturbado.
Subsequentemente, o cão foi forçado a subir as escadas. Ao fazê-lo, rapidamente teve dificuldade em
respirar e subitamente colapsou para o lado. De acordo com o dono, este padrão de convulsão assemelha-
se ao visualizado anteriormente no campo. O ECG realizado durante alguns segundos com o animal em
convulsão indicou a presença de taquicardia como ilustrado na Figura 2 no presente texto.
Figura 1. Figura 2.
Cão de raça Boxer com 3 anos de idade apresentado à consulta ECG do Boxer como na Figura 1; taquicardia ventricular (210 bpm)
estenose aórtica subvalvular. O registo de ECG I, II, II primeiro terço após breve exercício com colapso/síncope na fase de repouso
da imagem à esquerda: extrassístole ventricular esquerda, imagem gradual; ritmo sinusal estabelecido após mais 2 minutos.
do meio ritmo sinusal com três complexos ventriculares de origem
normotrópica seguidos de extrassístole ventricular direita come-
çando com uma extrassístole supraventricular: velocidade do papel
de 25mm/s, calibração de 0.5cm= 1mV.
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A ecocardiografia demonstrou hipertrofia ventricular esquerda concêntrica com função sistólica normal e
átrio esquerdo dilatado. O exame de sonografia com Doppler determinou uma velocidade máxima de
fluxo sanguíneo transvalvular de 4.8m/seg, o que corresponde a estenose aórtica severa com um gradiente
máximo de cerca de 92mmHg. A espessura da válvula mitral foi evidente juntamente com a insuficiência
da válvula mitral de nível moderado detectados pela sonografia com Doppler. A metade direita do
coração, bem como as válvulas tricúspide e pulmonar eram, contudo, macroscópicas e não visíveis na
sonografia com Doppler.
Apesar das recomendações para evitar o exercício vigoroso, o dono permitiu que o cão corresse ao longo
dos seus passeios de bicicleta apenas dois dias após o exame inicial e com temperaturas exteriores de
cerca de 26°C. Logo após o começo do passeio de bicicleta, o cão colapsou e teve outra convulsão como a
descrita anteriormente. O cão faleceu em plena rua ao fim de alguns minutos. O exame post mortem
confirmou o diagnóstico de estenose aórtica subvalvular severa.
Síncope como resultado O mixoma atrial está localizado por norma no átrio
de doença cardíaca orgânica esquerdo. Dependendo do tamanho e posição da massa,
Nos cães com alterações estruturais no coração ou nos esta pode conduzir desde a um deslocamento intermi-
grandes vasos sanguíneos em proximidade directa com o tente da área de abertura da válvula mitral até a um
coração (Tabela 1), e deste modo com doenças cardíacas decréscimo repentino do volume de enchimento do
orgânicas, a síncope ocorre predominantemente sob pressão ventrículo esquerdo e, assim, a um volume cardíaco
física ou mental e é quase sempre acompanhada por um mínimo, em conjunto com episódios de síncope.
som cardíaco. Podem ser observados os sintomas clínicos Nos casos de tamponamento pericárdico, predominam
de insuficiência cardíaca, ou sinais de doença subjacente certos sintomas resultantes de insuficiência no enchimento
variando de gravidade, mesmo antes da convulsão. ventricular direito, incluindo insuficiência cardíaca direita
As causas mais comuns de síncope são as estenoses com ineficiência e síncope. Para além da taquicardia
aórtica (AS) e pulmonar (PS) com obstrução dos tractos sinusal, são igualmente registadas taquicardia atrial e
de fluxo ventricular, tal como, as cardiomiopatias dilata- ventricular.
das e insuficiência da válvula mitral severa resultante da
diminuição do volume por minuto. Nos pacientes que se apresentam com insuficiência
Na Alemanha, são raras as convulsões cardíacas devidas cardíaca e volume mínimo cardíaco reduzido resultante de
a dirofilariose com obstrução do fluxo ventricular direito. cardiomiopatia dilatada (DCM) ou insuficiência valvular
Do mesmo modo, a cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica mitral severa, a principal causa de episódios de síncope
(HCM, HOCM) em cães é raramente diagnosticada. A são os distúrbios do ritmo cardíaco maligno.
síncope isolada pode ser barorreflexa aferente dissonante Como resultado de arritmia ventricular severa, a síncope
numa obstrução mais pronunciada do tracto de fluxo ou colapso ocorre mais frequentemente nos Dobermans
ventricular esquerdo induzido pelo exercício, e também e nos Boxers que se apresentam com DCM do que noutras
por um despoletar arritmogénico, que geralmente se raças de cães. A cardomiopatia nos Boxers corresponde,
manifesta por si só como taquicardia ventricular. de grosso modo, à cardiomiopatia ventricular direita
Nos pacientes que se apresentam com Tetralogia de Fallot, arritmogénica em humanos.
podem ocorrer convulsões hipóxicas como uma indicação Nesta forma de DCM, provavelmente hereditária autos-
de cianose pronunciada. sómica, a substituição fixa de músculos do ventrículo
Tabela 4.
Terapêutica dos distúrbios do ritmo cardíaco em cães.
Bloqueador dos canais de sódio Taquicardia ventricular Efeitos inotrópicos negativos! Insuficiência cardíaca
congestiva, intervalo QT
Mexiletina em emergência Insuficiência cardíaca, aumentado, SA-, AV- ou
30µg/kg/min nas primeiras Arritmia bradicárdica, perturbações do desempenho
24 horas. EV, e depois CRI* Bloqueio do feixe do ramo, intraventricular
5µg/kg/min, EV Taquicardia v polimórfica,
Terapêutica a longo prazo: 3-5 perturbações
(-10)mg/kg, 2-3x dia (BID, TID), oral gastrointestinais ou SNC
Diltiazem
0.5-1.5 (-2)mg/kg 3x dia (TID), per os
direito por tecido adiposo conduz, entre outras coisas, à síncope neurocardiogénica, a qual ascende a uma
perda de função e perturbações na condução eléctrica. discrepância nos barorreflexos aferentes do ventrículo
Embora no início apenas ocorram extrassístoles ventri- (elevada pressão) e dos vasos (baixa pressão) com vaso-
culares, o desenvolvimento da doença pode conduzir dilatação nos músculos em descanso. Geralmente o
a taquicardia ventricular severa com síncope e insufi- aumento do pós-carga cardíaco durante o exercício nos
ciência cardíaca esquerda. Nas fases finais, a fibrilhação casos severos de estenose aórtica não é adequadamente
ventricular pode provocar a morte súbita. possível. A elevada sobrecarga de pressão e o reduzido
Na estenose aórtica existe uma obstrução fixa do fluxo fluxo coronário conduzem a um défice de oxigénio mio-
sanguíneo do ventrículo esquerdo, por norma com uma cárdico com grande insuficiência ventricular esquerda e
localização sub-valvular, com menos frequência valvular, induz arritmia ventricular esquerda.
e extremamente raro supravalvular.
De acordo com o nível de severidade da alteração, pode A crescente fragilidade de contractilidade do miocárdio
existir aumento da carga de pressão no ventrículo esquerdo. conduz, por si só ou em conjunto com uma insuficiência
De modo a manter o pós-carga cardíaco, desenvolve-se valvular aórtica e/ou mitral, a insuficiência congestiva
uma hipertrofia concêntrica esquerda, a qual está com esquerda. Nalguns casos, as perturbações do ritmo cardíaco
frequência relacionada com uma função diastólica ventri- ocorrem apenas a este ponto, e a arritmia já existente torna-
cular alterada. Um decréscimo crítico no pós-carga cardíaco se mais pronunciada.
é não só o resultado da obstrução constante do fluxo
ventricular esquerdo, é também maioritariamente causado A predisposição racial é observada nos Boxers, Golden
por vasodilatação paradoxical barorreflexa. Os exames Retrievers, São Bernardos, Pastores Alemães, Terra Nova,
invasivos podem ser pelo menos realizados em humanos Bull Terriers, Bracos Alemães de Pêlo Curto, Dogues
para demonstrar isto. Existe uma forma especial de Alemães e Rottweilers.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Autonomic failure. A textbook of clinical disorders of the
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1999, pp. 428-436. Kompakt; 1 Auflage: Schlütersche Verlagsgesellschaft, 2008.