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COMO ABORDAR...

A síncope em cães
- uma síndrome,
não uma doença

Marianne Skrodzki, DVM Eberhard Trautvetter, DVM


Berlim, Alemanha Berlim, Alemanha
A Dra. Skrodzki estudou direito e medicina veterinária O Dr. Trautvetter trabalhou na área de Cardiologia de
em Berlim e foi premiada com venia docendi pelo Pequenos Animais desde 1967. Após uma viagem de
seu trabalho de investigação em doenças de pequenos investigação na Universidade da Pensilvânia, em 1972,
animais. Desde 2002, exerce na sua própria clínica foi nomeado Professor Universitário na Universidade de
de Cardiologia de Pequenos Animais em Berlim. Freien, em Berlim. Em 1984, foi promovido a Director da
A Dra. Marianne Skrodzki é oradora convidada na Clínica de Pequenos Animais. Desde a sua reforma, em
Universidade de Riga, em São Petersburgo, em 2000, o Dr. Eberhard Trautvetter exerce clínica em Berlim
Moscovo e em Tirana, com visitas de estudo à e orienta estudantes licenciados a estudarem para
Universidade de Filadélfia e Edimburgo. Os seus doutoramento na Alemanha e no estrangeiro. O seu
principais interesses são o diagnóstico e tratamento de principal interesse reside na análise de raças e doenças
doenças cardíacas hereditárias e adquiridas em cardíacas genéticas em cães e gatos de raça; recebeu
pequenos animais. A Dra. Marianne Skrodzki é distinções em todo o mundo pelo seus sucessos de
internacionalmente dinâmica, e.g. no WSAVA e no investigação, como o Centennial Award of Merit, da
Fórum Internacional de Especialistas de Insuficiência Universidade da Pensilvânia e a Medalha Honorária da
Cardíaca Canina (Canine Heart Failure International Associação Francesa de Veterinários Especialistas em
Expert Forum - CHIEF). Pequenos Animais (French Association of Veterinary
Specialists in Small Animals - CNVSPA).

Introdução ou breve, a qual é clinicamente definida como síncope


O cérebro, como órgão controlador da maioria das (desmaio). A interrupção no fornecimento sanguíneo
acções do organismo, tem como primeira prioridade o cerebral de 8 a 10 segundos, ou mais, conduz a perda da
fornecimento de sangue. Comparado com outros sistemas consciência e, em casos sérios, pode mesmo conduzir à
orgânicos, que sofrem perda precoce da sua função, o morte do paciente.
cérebro recebe fornecimento sanguíneo adequado com A síncope não é uma doença, mas um sintoma que pode
uma média de pressão arterial de 60-70mmHg. Uma ocorrer em muitas condições e doenças (Tabela 1).
quebra na pressão sanguínea de aproximadamente A síncope cardíaca é causada por arritmia ou obstrução
40mmHg provoca uma redução no aporte cerebral de dos tractos de ejecção do ventrículo, defeitos congénitos
oxigénio, na produção de CO2 e na utilização da glucose. com cianose, bem como doenças cardíacas que condu-
Abaixo desta pressão, a função cerebral atinge gradual- zem a uma diminuição no trabalho cardíaco com má
mente uma paragem. perfusão global ou regional. Uma vez que a perda de
Como resultado da má perfusão cerebral regional ou consciência é acompanhada por um decréscimo na
global, podem ocorrer ataques de tonturas, tal como pode tonicidade muscular esquelética, os pacientes podem
ocorrer a perda de consciência espontânea, reversível cair ou colapsar. Finalmente, a hipoperfusão cerebral

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Tabela 1. uma descrição ou mesmo se alguma descrição


Classificação das convulsões com base na causa. do episódio. Os detalhes são especialmente
vagos no que diz respeito à duração do ataque.
Origem cardíaca Origem extracardíaca
De igual modo, quando questionados acerca da
forma como o animal perdeu a consciência, a
Arritmogénica Pulmonares
Assistolia Hipertensão pulmonar maioria dos donos responderá na forma nega-
Bradicardia Síncope de tosse tiva, dizendo: “o meu cão olhou para mim” e, com
Taquicardia Doenças que causam hipoxemia
frequência, interpretam mal a situação.
Doença cardíaca orgânica Neurológica/neurovascular Não devemos, por isso, aceitar os detalhes do
Obstrução do tracto de fluxo ventricular Epilepsia episódio de convulsão como uma verdade absoluta,
- estenose aórtica, pulmonar Isquemia
- cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva Hemorragia central mas devem sim ser questionados criticamente.
- dirofilariose Vasoconstricção cerebral
Encefalite (e.g. esgana) Uma linha de orientação sugestiva é, contudo,
Shunt portosistémico para ser estritamente evitada.
Tetralogia de Fallot (cianose)
Metabólico/Endócrino De particular interesse é a hora a que ocorreu o
Decréscimo do pós-carga cardíaco Hipoglicemia
- insuficiência valvular episódio de convulsão. De um modo generalista,
Hipocalcemia
- cardiomiopatia dilatada Hipoadrenocorticismo o ataque epiléptico ocorre espontaneamente, ou
Induzida por drogas durante o repouso ou o sono. Contudo, a síncope
Tamponamento cardíaco
Mixoma cardíaca é frequentemente causada por detona-
Outras dores característicos, como o exercício mental ou
Induzida por drogas Anemia
Tumores físico. “A síncope tosse” é observada exclusiva-
mente durante ou imediatamente após a tosse,
enquanto que a maioria das restantes convulsões de
pode igualmente conduzir a convulsões na posição de origem extra-cardíacas não são dependentes da situação.
recuperação. Consequentemente, podem ser observados Característico da epilepsia são os movimentos tónico-
espasmos, vocalização de sons espontâneos, bem como a clónicos contínuos que duram mais de 20 segundos, bem
excreção e a micção não controladas. Vários tipos de como um período de estado de transição pós-ictal mais
convulsões podem emergir ou ocorrer ao mesmo tempo. longo, este último acompanhado por cãibras, ao contrário
As causas extracardíacas, que podem conduzir a altera- do que sucede na síncope. A presença de mastigação
ções repentinas na postura corporal e no movimento, mas frenética localizada aponta provavelmente para a epilepsia.
que preenchem estritamente a definição de síncope, Após um episódio de síncope, os pacientes recuperam os
incluem maioritariamente a hipoglicemia, a hipocalcemia, seus sentidos ao fim de segundos. Após convulsões de
o shunt portossistémico, as doenças do sistema nervoso maior duração de um a dois minutos, a maioria dos ani-
central e as insuficiências respiratórias com hipoxia mais permanece também atordoado ou confuso durante
severa (Tabela 1), para além da epilepsia primariamente alguns segundos. Uma desorientação de maior duração é
de origem central. mais indicativo de um episódio epiléptico. Pode igual-
mente ocorrer a exaustão ou fatiga após a síncope, mas
Anamnese estas são mais frequentes e mais pronunciadas nos eventos
Em muitos casos, é difícil explicar um episódio de convul- epilépticos. Um factor menos decisivo é o de se se nota a
são a partir do diagnóstico diferencial. No entanto, dada ocorrência de “espasmos”, durante a perda de consciência.
uma história pregressa específica, a causa de síncope Os movimentos espontâneos não ocorrem apenas nos
pode ser identificada em muitos pacientes. Por isso, a casos de convulsão convulsiva, mas podem igualmente
questão a colocar posteriormente é saber se se trata de ocorrer na síncope. A excreção e/ou micção não controladas
facto de um caso de síncope, e não apenas de uma são mais ou menos igualmente frequentes nas convulsões
tontura ou de epilepsia. É de importância considerável tónico-clónicas generalizadas e sincopais.
saber se o paciente apresenta comprovadamente uma A cor das membranas mucosas ou da língua, assim como, o
condição cardíaca, ou se foi comprovada a existência de tipo e a frequência de respiração durante a convulsão, forne-
um sopro cardíaco, sem mais quaisquer outros diagnós- cem informação importante para a discriminação diagnós-
ticos ou tratamentos terem sido até então realizados. tica, por exemplo, a anemia devida a doença pulmonar.
Face a um episódio de convulsão para os quais os donos não A história pregressa familiar é útil para uma avaliação do
estão preparados, a maioria das pessoas leigas, sentir-se- risco genético das causas de convulsão. É importante saber
ão assustadas ao ponto de dificilmente se poder esperar se existem animais aparentados do animal que tenham

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falecido de morte cardíaca súbita, ou se é comum a ritmos cardíacos alterados são visíveis apenas durante
ocorrência de tanto a doença cardíaca congénita como a a actividade física, por isso, ser feito outro ECG durante
epilepsia. ou pouco depois da actividade física nos casos duvidosos
No caso de convulsões repetidas, é importante procurar ou em casos de síncope de origem desconhecida. Aqui, é
informação relativa à frequência e padrão da convulsão, simplesmente uma questão de reconhecer as alterações
assim como da duração dos episódios prévios. do ritmo cardíaco e determinar a frequência dos batimentos
Se se tem conhecimento de que o paciente sofre de doença cardíacos.
cardíaca e já está sob tratamento, é extremamente impor-
tante saber a medicação pregressa. Os medicamentos Por conseguinte, não interessa como o cão está deitado. Con-
podem causar convulsão sincopal, quer devido a um efeito tudo, não deve ser feita uma avaliação da amplitude do ECG.
vasodilatador indesejável, efeitos de bradicardia ou de
taquicardia. Para além dos agentes inibidores vasodilata- De um modo geral, um ECG convencional dura, no
dores (ACEI, antagonistas de cálcio e dihidralazina), os máximo, alguns minutos e representa mais ou menos um
glicosídeos cardíacos, grande parte das drogas anti-arrít- “instante”. Episódios raros, como alterações maiores do
micas e os diuréticos podem ser responsáveis por síncope. ritmos cardíaco ou apenas arritmia esporádica podem
frequentemente apenas ser determinadas após um ECG
Avaliação diagnóstica prolongado. Num ECG prolongado ou ECG Holter, o
Os pacientes com síncope e doença cardíaca primária registo ECG é determinado de modo contínuo durante
mostram uma consideravelmente maior mortalidade 24 horas e os dados podem ser armazenados. Contudo,
do que os cães com síncope extra-cardíaca e síncope de o registo de um ”instante” após 24 horas pode, mesmo
causa desconhecida. assim, ser demasiado curto.

Após um exame da história pregressa, o diagnóstico No diagnóstico das convulsões, as análises laboratoriais
foca-se num exame geral básico, auscultação do coração fornecem apenas informação adicional. No entanto,
e dos pulmões, electrocardiograma, pressão sanguínea e devem ser realizados uma análise sanguínea completa
exame neurológico geral. Durante o exame físico, deve (anemia), a determinação da glicemia (hipoglicemia) e
prestar-se atenção para não determinar apenas o retorno dos electrólitos (hipercalemia, hipocalcemia).
capilar e a cor das membranas mucosas, mas também, e
mais especialmente, a pulsação, bem como a qualidade e Em todos os animais com convulsões sincopais, é igual-
a simetria das ondas pulsáteis em ambas as extremi- mente aconselhável um exame ecocardiográfico para a
dades posteriores. identificação ou exclusão de um defeito cardíaco. Na
suspeita de doença cardíaca ou doença respiratória, a
Durante a auscultação, deve prestar-se particular atenção radiografia torácica faz parte de um exame padrão. Os
aos batimentos cardíacos e também aos sons cardíacos exames neurológicos podem ser necessários para propó-
patologicamente alterados. Por exemplo, um segundo sitos de diagnóstico diferencial, complementados, quando
som cardíaco mais forte pode ser auscultado nos casos de necessário e aplicável por uma TC ou uma TRM.
hipertonia pulmonar. Uma auscultação mais extensiva
revelará igualmente uma arritmia e uma bradicardia Síncope cardiogénica
paroxísmica. Um défice de pulso observado durante uma A perfusão cerebral é controlada pela pressão sanguínea
avaliação simultânea do pulso e da frequência cardíaca sistémica, noutras palavras, pelo pós-carga cardíaco e
apontam para uma arritmia clinicamente relevante. resistência vascular periférica. Por esta razão, a síncope
pode ser gerada por uma diminuição no pós-carga cardíaco
Um registo electrocardiográfico maior em repouso é devido a várias doenças cardíacas por si só, ou como
vital para um diagnóstico básico. Durante a electro- resultado de distúrbios de ritmo e de uma quebra na
cardiografia, enquanto consciente e com a ajuda de um resistência vascular periférica, por exemplo, através de
assistente, o animal é posicionado no seu lado direito. Deve vasodilatação reflexo-mediada.
ter-se o cuidado de ser capaz de concluir a existência de
doença cardíaca com base nos índices característicos. Síndrome Adams-Stokes
Um eletrocardiograma em repouso pode não revelar Todos os tipos de distúrbios do ritmo cardíaco que condu-
nada, mesmo em pacientes com doença cardíaca severa. zem a hipoxia central podem despoletar convulsões
Nalguns cães, os sinais de má perfusão miocárdica ou cardíacas. Tais ataques foram descritos pela primeira vez no

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A SÍNCOPE EM CÃES - UMA SÍNDROME, NÃO UMA DOENÇA

Tabela 2. conduzir ao colapso repentino do paciente. A paragem


Perturbações do ritmo com manifestação cardíaca que dure dez segundos provoca o colapso,
da síncope. espasmos musculares e palidez das membranas mucosas.
Os cães com assistolias de maior duração sofrem convulsão,
Assistolia Bradicardia Taquicardia
estão cianóticos e, com frequência, exibem excreção e
Bradicardia sinusal Fibrilhação atrial micção incontroladas devido a fragilidade do esfíncter. O
Bloqueio AV de Taquicardia pulso já não se consegue sentir, embora a ausência de um
elevado nível supraventricular
pulso detectável por si só, não seja um sinal certo de
Sick Sinus syndrome Taquicardia ventricular assistolia, pois a fibrilhação ventricular (taquicardia sem
Palpitação ventricular pulso) pode também mostrar o mesmo sintoma. Os sons
cardíacos detectáveis estão ausentes na assistolia. Nos
Fibrilhação ventricular
casos de assistolia em que dura mais do que três minutos a
Síndrome Wolf-
Parkinson-White maioria dos pacientes morre. A assistolia cardíaca pode
ocorrer, por exemplo, devido a cardiomiopatias, a tumores
cardíacos ou a miocardite. Pode, por vezes, suceder que
uma assistolia seja precedida de fibrilhação ventricular,
último século por dois físicos de Dublin (Robert Adams e a qual, por sua vez, pode ser desencadeada por qualquer
William Stokes), herdando o termo convulsão Adams- doença cardiovascular. As origens não cardíacas incluem,
Stokes. Estes incluem assistolia, bradicardia pronunciada, entre outras origens, alterações metabólicas, como a
taquicardia supraventricular e/ou ventricular e a fibrilhação acidose metabólica na Diabetes mellitus, hiper ou hipo-
ventricular. Podem ocorrer formas mistas (Tabela 2). calemia e intoxicação por drogas.
Embora seja possível em cães com um coração saudável
compensar um distúrbio de ritmo até certa extensão Bloqueio Atrioventricular
adaptando o stroke volume, para a maioria dos cães com O abrandamento, as interrupções intermitentes ou o
doença cardíaca que apresentam arritmia é impossível. A bloqueio da condução de longa duração entre o átrio e os
síncope sucede consequentemente. Típico da síncope é a ventrículos são referidos como bloqueios atrioventricu-
instalação súbita seja qual for a posição. Com a ocorrência lares (bloqueio AV). Enquanto que no caso do bloqueio
de síncope ritmogénica, os pacientes tornam-se maioritaria- de grau I ou de grau II tipo I, os bloqueios AV permane-
mente pálidos e podem demonstrar convulsões tónico- cem livres de sintomas e são meramente indicativos do
clónicas. Os únicos factores decisivos no padrão da risco de um bloqueio superior, os bloqueios AV grau II
convulsão são a severidade e duração do distúrbio do ritmo tipo II, como resultado de bradicardia com redução
cardíaco ou o nível insuficiente do fluxo sanguíneo cerebral. regular ou irregular dos complexos ventriculares, pode
As manifestações clínicas da actividade convulsiva durante a conduzir a um ataque pré-sincopal e, mais raramente a
bradicardia paroxísmica ou a taquiarritmia podem variar uma convulsão. É igualmente possível desenvolver-se um
com fluxo sanguíneo cerebral mínimo. Momentaneamente, bloqueio AV grau III.
ocorre no animal o cambalear ou o colapso gradual, parti- No caso de um bloqueio AV grau III, o qual é igualmente
cularmente na presença de arritmia constante, tal como a referido como bloqueio AV completo ou total, devido ao
fibrilhação atrial ou o bloqueio AV total, mas sobretudo bloqueio total da condução entre o átrio e os ventrículos,
apenas no episódio de exercício físico ou excitação. De um o resultado é a dissociação completa da excitação atrial e
modo geral, a síncope ritmogénica deve ser encarada como ventricular (Figura 1).
uma forma abortiva ou como precursor de morte cardíaca O átrio e os ventrículos batem separada e independente-
súbita. mente e a frequência atrial é muito mais elevada do que
a frequência ventricular. A frequência do ritmo de escape
Assistolia ventricular é geralmente menos de 40 batimentos/min.
A assistolia é clinicamente descrita como uma ausência Desta forma, é importante considerar imediatamente a
total de actividade eléctrica ou mecânica no coração, que possibilidade e bloqueio AV total em que a frequência é
é reconhecida como um achatamento no ECG. A pressão inferior a 40/min. A imagem clínica varia desde a bradi-
sanguínea desce bruscamente. A assistolia durante alguns cardia assintomática com um ritmo de escape suficiente-
segundos, geralmente, apenas causa breves períodos mente rápido (muito raro!) até à tontura e ao colapso.
de tempo de tonturas. Contudo, a interrupção abrupta, Uma frequência ventricular muito baixa, isto é, de 25
completa do fluxo sanguíneo cerebral pode também a batimentos/min deixa de ser suficiente para alcançar um

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Figura 1.
Bloqueio AV total num cão com presença de insuficiência AV como resultado de doença valvular mitral degenerativa crónica; notar a
presença regular de contracções atriais, bloqueio total de condução, os átrios e os ventrículos contraem separada e independentemente,
ritmo escape com evidentes, complexos QRS anormais, frequência atrial de 120/min: velocidade do papel de 25mm/s, calibração
de 0.5cm = 1mV.

volume por minuto normal, o que com frequência se


manifesta clinicamente como uma convulsão Adams-
Stokes. A frequência de convulsões varia grandemente e
pode variar de um episódio sincopal ocasional até várias
convulsões por dia. Uma vez que existe igualmente sempre
o perigo de ausência de auto-matismo ventricular, os
pacientes em questão estão em perigo constante de perder
as suas vidas, independentemente da frequência da
convulsão.
Figura 2.
Cão apresentado com cardiomiopatia dilatada; fibrilhação atrial
As doenças musculares cardíacas, a doença valvular cardía-
com ondas de fibrilhação atrial irregulares (ondas f) e intervalos
ca e outras doenças envolvendo o sistema de condução RR irregulares; frequência cardíaca de 240/min: velocidade do
eléctrica (defeito septal ventricular, miocardite, doenças papel de 25 mm/s, calibração de 1cm = 1mV.
degenerativas) são consideradas como causas de bloqueio
AV grau elevado. As alterações específicas das raças, como Fibrilhação Atrial
as que ocorrem no feixe de His nos Dobermans ocorrem Na fibrilhação atrial, o nodo sinusal deixa de ser efectivo
raramente. Para além disto, diferentes drogas inibidoras como marca-passo normal (Figura 2). O impulso eléctrico
de condução (e.g. beta-bloqueadores, digitálicos, antago- para começar a contracção cardíaca origina-se em várias
nistas de cálcio), e também a influência do sistema ner- áreas do átrio. Num ECG não se consegue distinguir
voso autónomo, bem como a hipercalcemia, são causas qualquer actividade atrial regular. As ondas de fibri-
responsáveis pelo bloqueio AV total. lhação podem ser distinguidas pela sua forma, amplitude
e direcção. A condução para o ventrículo é irregular.
Sick Sinus Syndrome Hemodinamicamente falando, a fibrilhação atrial signi-
O Sick Sinus Syndrome, também conhecido como fica a paragem atrial, uma vez que a função de bomba do
"disfunção do nodo sinusal", é o termo genérico para átrio falha. Numa sequência rápida de choques, a dura-
vários distúrbios de ritmo cardíacos bradicárdicos, e ção diastólica é, por vezes, tão curta que o enchimento
igualmente para a transição patológica de bradicardia ventricular é inadequado e o stroke volume é incapaz de
para taquicardia. As causas essenciais são sintomas de desencadear uma onda pulsátil, a qual é clinicamente
fadiga, ou disfunção do nodo sinusal seguido de pressão distinguível como um défice de pulso.
sobre átrio esquerdo, ou modificações degenerativas nas
vias de condução atriais. A ocorrência isolada ou combi- A fibrilhação atrial, em si, não causa risco de vida, mas
nada de bradicardia sinusal, paragem sinusal, bloqueio pode conduzir a insuficiência mesmo num miocárdio
AV, atrial ou ritmo de escape nodal AV, extrassístoles com inicialmente saudável. Nos pacientes com lesão miocár-
episódios de taquicardia, fibrilhação atrial paroxísmica, dica ou insuficiência cardíaca, a fibrilhação atrial taqui-
palpitação atrial, bem como a síndrome taqui-bradicárdica cárdica pode acelerar o avanço do processo patológico
com alteração do ritmo atrial que conduz a ataxia ou num curto espaço de tempo. Quanto mais rápida a
síncope como resultado do decréscimo do fornecimento actividade cardíaca, mais forte a hemodinâmica, e assim
sanguíneo cerebral. Os sinais típicos são a ausência de, também os efeitos clínicos, uma vez que a partilha do
ou aumento da insuficiência da frequência cardíaca volume sanguíneo impulsionado pela contracção atrial
durante o exercício. não é contribuidora para o stroke volume do ventrículo.

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A SÍNCOPE EM CÃES - UMA SÍNDROME, NÃO UMA DOENÇA

Tabela 3. fase excitatória (fase refractária). A excitação atrial pode ser


Causas frequentes de arritmia retrógrada e, assim, independente da acção ventricular.
As ondas P distribuem-se de forma e direcção normais
Cardíaca Extracardíaca
são ocasionalmente visíveis no ritmo ventricular.
Cardiomiopatia Torção gástrica, volvo
Neoplasia Neoplasia (e.g. tumor
Doenças valvulares mamário, feocromocitoma) A palpitação ventricular e a fibrilhação ventricular são
adquiridas Septicemia distúrbios do ritmo cardíaco que podem causar a morte
Doenças congénitas Febre do animal. Enquanto que na palpitação ventricular em
Genética (Pastor Alemão) Trauma, dor
repouso, o volume pós-carga é suficiente para, durante
Miocardite Doenças pulmonares
Hipoxia um determinado tempo, o aumento no volume durante
Anemia o exercício do paciente conduzir a convulsão Adams-
Uremia Stokes, como episódio momentâneo. Sem a instalação de
Acidose
terapêutica, é frequente que a palpitação ventricular se
Desequilíbrios electrolíticos
Drogas desenvolva em fibrilhação ventricular.

Sem fibrilhação ventricular a actividade cardíaca perma-


Caso o desempenho cardíaco, já fragilizado pela doença nece hemodinamicamente ineficaz. O pós-carga cardíaco
de base, é ainda mais reduzido devido a fibrilhação atrial decresce tão rapidamente que pode resultar em lesão
taquicárdica, pode ocorrer síncope como resultado de cerebral e cardíaca irreversível em apenas alguns minutos.
hipoxia periférica ou cerebral. Enquanto que a palpitação ventricular é representada
Geralmente de ocorrência secundária, a fibrilhação num ECG como um complexo QRS em forma de onda com
atrial aparece em cães com cardiomiopatia dilatada, forma, tamanho e frequência mais ou menos similares,
doença valvular mitral ou ducto arterioso persistente, na fibrilhação ventricular os complexos QRS parecem
como resultado de dilatação atrial pronunciada. A fibri- variar bastante.
lhação atrial idiopática é relativamente rara.
Síndrome Wolff-Parkinson-White
Taquicardia ventricular (síndrome WPW)
A taquicardia ventricular origina-se nos ramos Tawara Num coração saudável, o estímulo excitatório pode apenas
direito ou esquerdo do sistema de condução, ou no mio- ser disperso a partir do átrio para os ventrículos através
cárdio e apresenta sempre uma causa cardíaca ou extra- do nodo sinusal. A síndrome Wolff-Parkinson-White envolve
cardíaca séria (Tabela 3). Nos Pastores Alemães, a taqui- uma arritmia na qual existe normalmente uma segunda,
cardia ventricular é geneticamente encontrada na forma e por vezes, embora raramente, várias vias de condução
de uma arritmia primária. A taquicardia ventricular muito eléctricas entre o átrio e os ventrículos. Uma parte do
frequente, conduz rapidamente, em especial na causa ventrículo é activado de modo prematuro a partir de excita-
cardíaca primária, a falha da função de ejecção com con- ção eléctrica circulatória através de vias de condução
vulsões Adams-Stokes, choque cardiogénico e, possivel- acessórias entre o átrio e os ventrículos, e.g. o designado
mente, também a morte cardíaca súbita. As raças especial- feixe de Kent. Assim, o impulso do nodo sinusal não é
mente em risco são os Boxers e os Doberman Pinchers. transmitido aos ventrículos através do nodo AV e do feixe
Em ambas as raças, a morte cardíaca súbita pode ocorrer de His. Num ECG, é possível observar com frequência
como resultado de taquicardia ventricular como o uma elevação imediatamente antes da onda R, sendo
primeiro e o único “sintoma” de cardiomiopatia dilatada. observada como sobreposta na onda Q. Esta é referida
como uma onda delta. A taquicardia paroxísmica, com
Num ECG, a taquicardia ventricular é registada como, complexos QRS normais ou amplos e anormais ocorre
pelo menos, três anomalias sucessivas rápidas, noutras devido à excitação circulatória (mecanismo de reen-
palavras, complexos ventriculares deformados (Figura 3). trada). As ondas P são modestas e com frequência mesmo
A taquicardia ventricular origina-se geralmente a partir irreconhecíveis. A duração PQ é encurtada. São possíveis
de um mecanismo de reentrada. Na actividade cardíaca alterações ST. A síndrome WPW ocorre de modo congénito
normal, um potencial de acção é gerado no nodo sinusal, na sua forma isolada, mas também pode ser observada
direccionado através dos nodos atriais e AV para dentro na displasia valvular AV, na insuficiência da válvula
do miocárdio ventricular e arredores na área do ápice mitral e como resultado de doença valvular degenerativa
cardíaco, porque o miocárdio em redor não está ainda na crónica, assim como cardiomiopatia hipertrófica.

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Tratamento da síncope arrítmica


Em primeira instância, é sempre importante considerar e
reconhecer no tratamento da síncope cardíaca, a causa das
alterações de ritmo cardíaco, uma vez que o tratamento
causal constitui sempre a melhor terapêutica. Com fre-
quência faz-se para o tratamento da doença subjacente
uma administração adicional de uma droga antiarrít-
mica desnecessária. Isto acontece no caso de todos os
pacientes com convulsões arrítmicas, independentemente
da origem cardíaca ou extra-cardíaca. Se o animal já está
a receber uma droga antiarrítmica ou um glicosídeo
cardíaco, devem ser bem clarificados todos os possíveis
efeitos secundários da droga (Tabela 4) e o percurso do
tratamento pode ter de sofrer alterações imediatas, antes
de se tomarem outras medidas terapêuticas adicionais.
Graças às suas características pró-arrítmicas e inotrópicas
negativas e outros efeitos secundários amplos, as drogas
antiarrítmicas não são isentas de perigo. Devem, por isso, Figura 3.
ser prescritas com precaução e apenas após eliminar total-
Cão apresentado com dilatação-torção gástrica: controlo de ritmo.
mente a insuficiência cardíaca congestiva existente. Linha 1: ritmo taquicárdico, frequência cardíaca de 220/min com
Os distúrbios de ritmo cardíaco bradicárdico com complexos QRS normais, ondas P presentes mas parcialmente
episódios de síncope podem ser alterados com drogas, obscurecidas por ondas T precedentes. Linha 2: taquicardia
supraventricular com 2 extrassístoles ventriculares prematuras;
mas na melhor das hipóteses apenas temporariamente. A Linha 3: taquicardia ventricular com complexos QRS deformados,
administração endovenosa de atropina deve apenas de frequência cardíaca de 300/min, ondas P não discerníveis:
ser considerada para o tratamento agudo (Tabela 4). velocidade do papel de 25mm/s, calibração 0.5cm=1mV.
Nos pacientes sintomáticos com arritmia bradicárdica
ou, por exemplo, de sick sinus syndrome, não é possível a
terapêutica causal, assim, a implantação de um marca- Nos cães com taquiarritmia ventricular a lidocaína é
passo é o método de eleição para o aumento contínuo da inicialmente utilizada por via endovenosa, através de
taxa de ritmo. bólus ou infusão endovenosa contínua. A administração
Se a convulsão sincopal ocorrer nos pacientes com para- de Mexiletina é igualmente possível, sendo imperativo
gem ventricular ou no bloqueio AV total como resultado de ter em consideração o efeito inotrópico negativo pronun-
hipercalemia pronunciada, o potássio sérico sanguíneo ciado desta substância.
deve ser diminuído o mais rapidamente possível. Nestes
casos, por exemplo, é recomendada a administração Como tratamento parenteral possível de pacientes com
endovenosa de uma solução de gluconato de cálcio 10% síncope resultante de arritmia taquicárdica, a utilização
(0.1-0.3ml/kg, administração EV lenta). Deve de seguida objectiva de uma droga antiarrítmica após ter excluído
proceder-se ao tratamento da doença subjacente, e.g. ou eliminado a possibilidade de insuficiência cardíaca
insuficiência renal aguda, doença renal crónica, ou hipo- congestiva, pode melhorar consideravelmente a qualidade
adrenocorticismo. de vida e o prognóstico, bem como reduzir o risco de
convulsão recorrente (Tabela 4). Os glicosídeos cardíacos
Caso a síncope ocorra como resultado de assistolia, será são essencialmente utilizados nos casos de taquicardia
necessária a imediata ressuscitação com respiração supraventricular, fibrilhação ou palpitação atrial, como
artificial e massagem cardíaca. A assistolia pode, no modo de diminuir a frequência cardíaca e devem, quando
entanto, não ser tratada através de desfibrilhação, uma necessário, ser suplementados com potássio e substituição
vez que para que funcione deve ainda estar presente uma de magnésio.
actividade cardíaca irregular.
Uma indicação para administração endovenosa imediata Nos cães que se apresentam com a síndrome WPW, é
de uma droga antiarrítmica é a taquiarritmia sintomática necessária a ablação por cateterismo através de radio-
em pacientes que estão sujeitos de modo agudo ao risco terapia, de modo a garantir a eliminação a longo prazo
por morte cardíaca súbita. dos feixes acessórios.

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A SÍNCOPE EM CÃES - UMA SÍNDROME, NÃO UMA DOENÇA

RELATÓRIO DE CASO CLÍNICO


Um Boxer de três anos de idade (com 25kg) foi apresentado à consulta após uma hora intensiva a jogar
com outros cães. No início da convulsão o cão parecia atordoado e os membros posteriores gradualmente
desfaleceram.

Eventualmente caiu para o lado. As suas extremidades estavam débeis e a respiração era lenta. Após,
aproximadamente, 30 segundos a 1 minuto, a respiração tornou-se novamente frequente. O cão levantou-
se, tornou-se novamente responsivo e lentamente andou em direcção ao seu dono.

No cão então até agora sem sintomas, durante os anteriores três meses na opinião do dono a “stamina” e
resistência física estavam de alguma forma limitadas, ao que o dono atribuiu que fosse das elevadas
temperaturas no exterior. Anteriormente, em dois dias diferentes, enquanto recebia entusiasticamente o
seu dono na porta de entrada, ambas as extremidades posteriores do cão cederam brevemente. Foi apenas
em reflexão mais profunda que o dono se apercebeu do significado destes episódios. Até lá, não
tinha atríbuido grande relevância ao evento, uma vez que sentiu que o cão se moveu apenas de modo
desastrado. Embora o cão seja originário da Polónia e não tenha nenhuma história clínica deste tipo na
família, existia um sopro cardíaco. No entanto, não tinham ainda sido realizados exames adicionais. Não
se encontrava a receber qualquer medicação. O exame clínico geral não concluiu nenhuma evidência em
particular, apenas que o pulso arterial em ambas as extremidades era simétrico e apenas por vezes
irregular (pulsus irregularis) com uma pequena amplitude de pressão de pulso (pulsus parvus).

À auscultação identificou-se um sopro sistólico de ejecção de grau IV/VI na região da aorta com Pmáx. no
4º espaço intercostal esquerdo com transmissão para as artérias carótidas. O sopro foi igualmente audível
cranialmente na metade direita do tórax. O ritmo sinusal dominante foi interrompido de modo
paroxísmico por curtas séries de extrasístoles. Durante o paroxismo, o défice de pulso era parcialmente
palpável. A auscultação respiratória estava dentro dos limites normais. No ECG, com uma frequência de
180bpm, foram registadas curtas e mais longas extrassístoles ventriculares (Figura 1 no presente texto).

Durante este primeiro registo de ECG, o animal mostrou-se observador e demonstrou um comportamento
não disturbado.

Subsequentemente, o cão foi forçado a subir as escadas. Ao fazê-lo, rapidamente teve dificuldade em
respirar e subitamente colapsou para o lado. De acordo com o dono, este padrão de convulsão assemelha-
se ao visualizado anteriormente no campo. O ECG realizado durante alguns segundos com o animal em
convulsão indicou a presença de taquicardia como ilustrado na Figura 2 no presente texto.

Figura 1. Figura 2.
Cão de raça Boxer com 3 anos de idade apresentado à consulta ECG do Boxer como na Figura 1; taquicardia ventricular (210 bpm)
estenose aórtica subvalvular. O registo de ECG I, II, II primeiro terço após breve exercício com colapso/síncope na fase de repouso
da imagem à esquerda: extrassístole ventricular esquerda, imagem gradual; ritmo sinusal estabelecido após mais 2 minutos.
do meio ritmo sinusal com três complexos ventriculares de origem
normotrópica seguidos de extrassístole ventricular direita come-
çando com uma extrassístole supraventricular: velocidade do papel
de 25mm/s, calibração de 0.5cm= 1mV.

Vol 18 No 3 / / 2008 / / Veterinary Focus / / 43


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COMO ABORDAR...

A ecocardiografia demonstrou hipertrofia ventricular esquerda concêntrica com função sistólica normal e
átrio esquerdo dilatado. O exame de sonografia com Doppler determinou uma velocidade máxima de
fluxo sanguíneo transvalvular de 4.8m/seg, o que corresponde a estenose aórtica severa com um gradiente
máximo de cerca de 92mmHg. A espessura da válvula mitral foi evidente juntamente com a insuficiência
da válvula mitral de nível moderado detectados pela sonografia com Doppler. A metade direita do
coração, bem como as válvulas tricúspide e pulmonar eram, contudo, macroscópicas e não visíveis na
sonografia com Doppler.

As radiografias demonstraram um aumento da silhueta cardíaca. Comparativamente com as artérias do


V. lobaris na área dos lobos pulmonares superiores apareceram algo alargadas. Não foi possível discernir o
edema pulmonar. Os resultados do teste sanguíneo (hemograma, electrólitos, glucose sanguínea, enzimas
hepáticas, creatinina e ureia) encontravam-se dentro dos valores biológicos normais.
Por forma a reduzir a sobrecarga no miocárdio e regular o ritmo, foi prescrito para o cão de 25kg,
Propranolol numa dosagem de 0.8mg/kg 3 vezes ao dia (TID), e 40mg de Furosemida duas vezes por dia,
de modo a eliminar a congestão venosa.

Apesar das recomendações para evitar o exercício vigoroso, o dono permitiu que o cão corresse ao longo
dos seus passeios de bicicleta apenas dois dias após o exame inicial e com temperaturas exteriores de
cerca de 26°C. Logo após o começo do passeio de bicicleta, o cão colapsou e teve outra convulsão como a
descrita anteriormente. O cão faleceu em plena rua ao fim de alguns minutos. O exame post mortem
confirmou o diagnóstico de estenose aórtica subvalvular severa.

Síncope como resultado O mixoma atrial está localizado por norma no átrio
de doença cardíaca orgânica esquerdo. Dependendo do tamanho e posição da massa,
Nos cães com alterações estruturais no coração ou nos esta pode conduzir desde a um deslocamento intermi-
grandes vasos sanguíneos em proximidade directa com o tente da área de abertura da válvula mitral até a um
coração (Tabela 1), e deste modo com doenças cardíacas decréscimo repentino do volume de enchimento do
orgânicas, a síncope ocorre predominantemente sob pressão ventrículo esquerdo e, assim, a um volume cardíaco
física ou mental e é quase sempre acompanhada por um mínimo, em conjunto com episódios de síncope.
som cardíaco. Podem ser observados os sintomas clínicos Nos casos de tamponamento pericárdico, predominam
de insuficiência cardíaca, ou sinais de doença subjacente certos sintomas resultantes de insuficiência no enchimento
variando de gravidade, mesmo antes da convulsão. ventricular direito, incluindo insuficiência cardíaca direita
As causas mais comuns de síncope são as estenoses com ineficiência e síncope. Para além da taquicardia
aórtica (AS) e pulmonar (PS) com obstrução dos tractos sinusal, são igualmente registadas taquicardia atrial e
de fluxo ventricular, tal como, as cardiomiopatias dilata- ventricular.
das e insuficiência da válvula mitral severa resultante da
diminuição do volume por minuto. Nos pacientes que se apresentam com insuficiência
Na Alemanha, são raras as convulsões cardíacas devidas cardíaca e volume mínimo cardíaco reduzido resultante de
a dirofilariose com obstrução do fluxo ventricular direito. cardiomiopatia dilatada (DCM) ou insuficiência valvular
Do mesmo modo, a cardiomiopatia obstrutiva hipertrófica mitral severa, a principal causa de episódios de síncope
(HCM, HOCM) em cães é raramente diagnosticada. A são os distúrbios do ritmo cardíaco maligno.
síncope isolada pode ser barorreflexa aferente dissonante Como resultado de arritmia ventricular severa, a síncope
numa obstrução mais pronunciada do tracto de fluxo ou colapso ocorre mais frequentemente nos Dobermans
ventricular esquerdo induzido pelo exercício, e também e nos Boxers que se apresentam com DCM do que noutras
por um despoletar arritmogénico, que geralmente se raças de cães. A cardomiopatia nos Boxers corresponde,
manifesta por si só como taquicardia ventricular. de grosso modo, à cardiomiopatia ventricular direita
Nos pacientes que se apresentam com Tetralogia de Fallot, arritmogénica em humanos.
podem ocorrer convulsões hipóxicas como uma indicação Nesta forma de DCM, provavelmente hereditária autos-
de cianose pronunciada. sómica, a substituição fixa de músculos do ventrículo

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A SÍNCOPE EM CÃES - UMA SÍNDROME, NÃO UMA DOENÇA

Tabela 4.
Terapêutica dos distúrbios do ritmo cardíaco em cães.

Droga Indicação Efeitos secundários Contra-indicação

Droga vagolítica Arritmia Utilizar apenas em situações


bradicárdica que colocam a vida em risco,
Atropina em emergências caso contrário contra-indicações
0.02-0.4mg/kg EV, SC relativas

Anestésico local Taquicardia ventricular Fibrilhação ventricular, Bloqueio AV (2º e 3°),


Distúrbios SNC bradicardia
Lidocaína em emergência (síncope, coma)
2-4 (-6)mg/kg, EV
CRI*: 50-80µg/kg/min nas primeiras
24horas, EV

Bloqueador dos canais de sódio Taquicardia ventricular Efeitos inotrópicos negativos! Insuficiência cardíaca
congestiva, intervalo QT
Mexiletina em emergência Insuficiência cardíaca, aumentado, SA-, AV- ou
30µg/kg/min nas primeiras Arritmia bradicárdica, perturbações do desempenho
24 horas. EV, e depois CRI* Bloqueio do feixe do ramo, intraventricular
5µg/kg/min, EV Taquicardia v polimórfica,
Terapêutica a longo prazo: 3-5 perturbações
(-10)mg/kg, 2-3x dia (BID, TID), oral gastrointestinais ou SNC

Digitálicos AF, Bloqueio AV, BBB, Sick sinus syndrome,


Taquicardia anorexia, vómito, apatia Bloqueio AV (1º, 2º e 3º graus),
Digoxina supraventricular Síndrome WPW,
0.01mg/kg/d, EV, oral HCM, HOCM, AS

Bloqueadores dos canais de cálcio AF Bradicardia, assistolia, Insuficiência cardíaca


bloqueio AV, aumento da congestiva,
Verapamil insuficiência cardíaca, baixa choque, bradicardia, síndrome
0.1mg/kg 3x dia (TID), EV na pressão sanguínea, perda do sinus doente, bloqueio AS,
1.0mg/kg 3x dia (TID), per os de apetite, náusea, tonturas, bloqueio AV,
constipação síndrome WPW,
Fibrilhação atrial com hipotonia,
Administração simultânea de
beta-bloqueadores,
Doenças hepáticas

Bloqueadores dos canais de cálcio AF como Verapamil como Verapamil

Diltiazem
0.5-1.5 (-2)mg/kg 3x dia (TID), per os

Taquicardia Efeito cardiodepressivo, Insuficiência cardíaca


Beta-bloqueadores insuficiência cardíaca, congestiva,
supraventricular
hipotonia, obstrução Síndrome do sinus doente,
Propranolol brônquica, distúrbios bloqueio AV de elevado grau,
0.2-1.0mg/kg 3x dia (TID), per os Taquicardia ventricular
gastrointestinais Doenças respiratórias obstrutivas

Beta-bloqueadores AF, como o Propranolol como o Propranolol


Arritmia ventricular
Atenolol
0.25-1.0 mg/kg 2x dia (BID), per os

Beta-bloqueadores AF, Bradi- e taquiarritmia, Choque cardiogénico,


(não selectivo) Arritmia ventricular distúrbios do SNC, bradicardia,
obstrução brônquica Bloqueio AV (2º e 3° graus),
Sotalol Bronquite obstrutiva
1-2 (-2.5)mg/kg 2x dia (BID), per os

CRI*: taxa de infusão constante; AF: fibrilhação atrial.

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direito por tecido adiposo conduz, entre outras coisas, à síncope neurocardiogénica, a qual ascende a uma
perda de função e perturbações na condução eléctrica. discrepância nos barorreflexos aferentes do ventrículo
Embora no início apenas ocorram extrassístoles ventri- (elevada pressão) e dos vasos (baixa pressão) com vaso-
culares, o desenvolvimento da doença pode conduzir dilatação nos músculos em descanso. Geralmente o
a taquicardia ventricular severa com síncope e insufi- aumento do pós-carga cardíaco durante o exercício nos
ciência cardíaca esquerda. Nas fases finais, a fibrilhação casos severos de estenose aórtica não é adequadamente
ventricular pode provocar a morte súbita. possível. A elevada sobrecarga de pressão e o reduzido
Na estenose aórtica existe uma obstrução fixa do fluxo fluxo coronário conduzem a um défice de oxigénio mio-
sanguíneo do ventrículo esquerdo, por norma com uma cárdico com grande insuficiência ventricular esquerda e
localização sub-valvular, com menos frequência valvular, induz arritmia ventricular esquerda.
e extremamente raro supravalvular.
De acordo com o nível de severidade da alteração, pode A crescente fragilidade de contractilidade do miocárdio
existir aumento da carga de pressão no ventrículo esquerdo. conduz, por si só ou em conjunto com uma insuficiência
De modo a manter o pós-carga cardíaco, desenvolve-se valvular aórtica e/ou mitral, a insuficiência congestiva
uma hipertrofia concêntrica esquerda, a qual está com esquerda. Nalguns casos, as perturbações do ritmo cardíaco
frequência relacionada com uma função diastólica ventri- ocorrem apenas a este ponto, e a arritmia já existente torna-
cular alterada. Um decréscimo crítico no pós-carga cardíaco se mais pronunciada.
é não só o resultado da obstrução constante do fluxo
ventricular esquerdo, é também maioritariamente causado A predisposição racial é observada nos Boxers, Golden
por vasodilatação paradoxical barorreflexa. Os exames Retrievers, São Bernardos, Pastores Alemães, Terra Nova,
invasivos podem ser pelo menos realizados em humanos Bull Terriers, Bracos Alemães de Pêlo Curto, Dogues
para demonstrar isto. Existe uma forma especial de Alemães e Rottweilers.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Hainsworth R. Syncope and fainting: classification and Schaller B, Lyrer Ph. Synkopen bei neurologischen
pathophysiological basis. In: Mathias CJ, Bannister R, Hrsg.: Erkrankungen. Geriatrie Praxis 2001; 5: 36-41
Autonomic failure. A textbook of clinical disorders of the
autonomic nervous system, 4th edition Oxford: Oxford University Press Tobias R, M Skrodzki, M. Schneider. Kleintierkardiologie
1999, pp. 428-436. Kompakt; 1 Auflage: Schlütersche Verlagsgesellschaft, 2008.

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