Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Livro
Livro
Igreja Antiga à
Contemporânea
Indaial – 2021
2a Edição
Elaboração:
Prof. ª Priscilla da Silva Góes
G598h
ISBN 978-65-5663-674-0
ISBN Digital 978-65-5663-669-6
Impresso por:
APRESENTAÇÃO
Prezado acadêmico,
Estamos iniciando a disciplina História da Igreja, que tem como objetivo fazer
um apanhado dos principais momentos de mudança no cristianismo, desde a morte de
Jesus Cristo até o século atual. Como você deve ter percebido, trataremos aqui de muitos
temas, que incluirão diversos personagens, filosofias, artes, tragédias, superação. Enfim,
assim como conhecer a história política e social é fundamental para nossa formação,
conhecer a história do cristianismo é fundamental para entendermos seu papel na
formação do mundo atual.
Nossa disciplina envolve um tempo histórico extenso, mais de dois mil anos, e
com várias mudanças. Por esse motivo, nosso material não tem como abordar todos os
acontecimentos com profundidade. Então, desafiamos você, caro acadêmico, a usar
esse material como uma bússola que vai lhe orientar nos principais fatos, conceitos e
personagens, para que você possa se aprofundar, posteriormente, a partir de outras
leituras acadêmicas.
Ao ler a história do cristianismo, devemos também ter em vista que cada religião
é um produto humano, ou seja, seu desenvolvimento, formas de pensar, filosofias, dentre
outros aspectos, fazem parte de um contexto social, político e econômico. Neste livro,
trataremos da vivência religiosa não como algo sobrenatural, mas, ao contrário, como
um fenômeno humano. Portanto, a fé e as discursões sobre transcendência ou sobre
Deus não farão parte desse material. O que você encontrará aqui serão as discussões
acadêmicas feitas por historiadores sobre as diversas fases da história da Igreja cristã.
Bons estudos!
QR CODE
Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e
dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes
completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você
acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar
essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só
aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos.
ENADE
Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um
dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de
educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar
do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem
avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo
para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira,
acessando o QR Code a seguir. Boa leitura!
LEMBRETE
Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma
disciplina e com ela um novo conhecimento.
REFERÊNCIAS.......................................................................................................................73
UNIDADE 2 — O CRISTIANISMO NA IDADE MODERNA........................................................ 77
REFERÊNCIAS..................................................................................................................... 147
REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 205
UNIDADE 1 -
HISTÓRIA DA IGREJA
ANTIGA E MEDIEVAL
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
1
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 1!
Acesse o
QR Code abaixo:
2
UNIDADE 1 TÓPICO 1 -
OS PRIMÓRDIOS DO CRISTIANISMO
1 INTRODUÇÃO
Então, Jesus aproximou-se deles e disse: ‘Foi-me dada toda a
autoridade no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de
todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu
estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos (Mateus 28:18-20).
3
2 O INÍCIO DO CRISTIANISMO
No século I, os judeus tinham seu território ocupado pelos romanos. O Império
Romano estabeleceu seu domínio por várias regiões como Grécia, Egito, Palestina,
dentre outras. A dominação romana obrigava que seus súditos pagassem impostos e
proibia que fizessem revoltas, pois o exército estava pronto para combater qualquer
tentativa de rebelião.
Com a morte de Jesus, seus seguidores, cuja maioria, até então, era composta
de judeus, liderados pelos discípulos, passaram a disseminar seus ensinamentos. Tais
ideias geraram divergências entre os grupos judaicos que acreditaram que, com a morte
do líder, seus ensinos sucumbiriam mais facilmente. A aceitação ao cristianismo, porém,
ocorreu rapidamente por outras regiões do império romano, para judeus e não-judeus.
A partir disso, surgiu um problema interno relacionado à aceitação do cristianismo por
pessoas que não tinham a cultura e a religião judaica. Ritos judaicos comuns aos primeiros
seguidores passaram a ser vistos, pelos devotos não judeus, como desnecessários.
Assim, ocorreu o processo de separação entre o cristianismo e o judaísmo.
4
É na diáspora que se desenvolve a cristologia. O título ‘filho do
homem’ – que em grego já não tem sentido – é substituído por ‘filho
de Deus’ ou ‘Senhor’ (Kúrios); o termo “messias” é traduzido para
o grego (Khristós) e acaba por transformar-se em nome próprio:
Jesus Cristo.
Outro fator importante era que os judeus receberam do império romano uma
espécie de imunidade nas questões de seu culto. Assim, enquanto o cristianismo
estava sob a tutela do judaísmo, ele não era perseguido pelos romanos, pois os judeus
eram vistos mais como um grupo fechado, no qual não havia a ênfase no proselitismo.
Quando, gradualmente, o cristianismo foi se separando do judaísmo e, assim, adotando
uma abordagem mais proselitista, o governo romano passou a ver o cristianismo como
uma possível ameaça à ordem pública. Também, como dito, os cristãos se opuseram
ferrenhamente aos deuses adorados pelos romanos e gregos. Tal rejeição ocorria
em festas ou demais ambientes sociais, nos quais os cristãos se recusavam a comer
alimentos que haviam sido consagrados aos deuses pagãos.
5
Além disso, outros traços culturais foram rechaçados pelos cristãos, como, por
exemplo, as batalhas de gladiadores. Outra razão para os romanos não se agradarem do
cristianismo eram as recorrentes denúncias de que, nos cultos cristãos, havia orgias e
prática de canibalismo. Quanto ao canibalismo, Shelley (2004) explica que pode ter sido
devido a uma má interpretação do rito eucarístico, em que o pão e o vinho são chamados
de o sangue e o corpo de Cristo. Ele ressalta, também, que, aos cristãos, eram imputados
os motivos para quaisquer desgraças que ocorressem em Roma. Eram verdadeiramente
os “bodes-expiatórios” (SHELLEY, 2004). Seguiu-se, então, uma hostilidade para com
os cristãos, que saiu da esfera social e passou a ser parte da política de Estado de
muitos imperadores romanos (SHELLEY, 2004).
NOTA
O termo pagão foi dado pelos cristãos para categorizar os adeptos da
religiosidade greco-romana. Tanah é o termo em hebraico que diz respeito a
totalidade da Bíblia hebraica.
6
3 INFLUÊNCIAS SOFRIDAS PELO CRISTIANISMO E A
SEPARAÇÃO DO JUDAÍSMO
Caro acadêmico, devemos ter em vista que toda religião surge em um contexto
histórico, político e social. É importante entendermos esses aspectos ao tratarmos de qualquer
fenômeno religioso. Assim sendo, veremos agora algumas das influências que o cristianismo
teve nos seus primórdios. Vejamos o que o professor Theissen (2009, p. 97, 98) explica:
7
Nessa fase, o cristianismo inaugurou uma nova forma de expressão ritual,
muito mais simbólica, a eucaristia. O momento eucarístico consiste em um ato de
transubstanciação, em que duas substâncias terrenas, o pão e o vinho, são transformadas,
respectivamente, no corpo e no sangue de Cristo. Esse ato substituiu a imolação de
animais. Além da ceia eucarística, o batismo é outro principal rito simbólico praticado
por essa nova comunidade religiosa. O batismo representa a introdução à nova jornada
religiosa e a eucaristia é a promoção da contínua comunhão entre os fiéis, ao reviverem o
sacrifício sagrado feito por Jesus Cristo (THEISSEN, 2009).
DICA
Para conhecer mais dos conflitos entre cristãos, judeus e pagãos, vejam
o filme Alexandria (Ágora), dirigido por Alejandro Amenábar, maiores
informações em: http://www.adorocinema.com/filmes/filme-134194/.
8
4 HERESIAS: A LUTA INTERNA DO CRISTIANISMO
Caro discente, devemos ter em vista que, com a destruição do Templo, a
separação entre cristianismo e o judaísmo ocorreu com maior veemência, como já
discutimos. O cristianismo foi se ampliando nos domínios romanos e, com isso, ficava
cada vez mais difícil manter um cristianismo centrado em uma única forma de pensar.
Foi assim que interpretações diversas começaram a ocorrer, fazendo com que um
grupo tomasse para si o direito de se definir como ortodoxia, ou seja, os que receberam
os ensinos dos primeiros apóstolos e repassaram de forma “correta”.
As ideias que surgiram e que não estavam de acordo com tal ortodoxia passaram
a ser tratadas como heresias e rechaçadas pelo grupo dominante. Dentre as principais
questões levantadas, estavam as seguintes: se realmente houve a ressurreição de
Cristo; se Jesus veio em carne ou somente em espírito; se haverá ressurreição e juízo
final; se as mulheres poderiam fazer parte da liderança, entre outros pontos.
De acordo com Johnson (2001), a igreja cristã não conseguiu se expandir com
ideias uniformes devido, principalmente, à tradição oral, tendo em vista que o cânon
considerado sagrado levou um tempo para ser compilado e, mesmo depois de pronto,
não era disponível para todos, sendo assim: “cada igreja tinha sua própria ‘história de
Jesus’, e todas haviam sido fundadas por um membro do bando original, que passara a
tocha adiante para um sucessor designado, e assim por diante” (JOHNSON, 2001, p. 59).
Tendo em vista tal realidade, veremos, a seguir, alguns desses movimentos considerados
heréticos e seus impactos na cristandade dos primeiros séculos.
4.1 O GNOSTICISMO
A luta contra o gnosticismo perdurou durante anos no cristianismo, se estendendo
até o período do Medievo. Um dos principais aspectos defendidos por esse movimento era a
crença não só na ideia do bem e do mal, mas também na existência de um código secreto na
religião que só seria revelado a alguns. Ao aceitar tais ideias, o indivíduo, que antes “dormia”,
“acordava” por meio da gnose, passando a conhecer a verdade (JOHNSON, 2001). Vejamos
a explicação de Johnson:
9
A partir do excerto, vemos que o gnosticismo não surgiu no cristianismo. As
suas ideias já se encontravam em outras religiões antigas e, uma vez que o cristianismo
foi se expandindo a diferentes povos, tais ideias passaram a ser internalizadas no
cristianismo, afastando-o, inclusive, de seu contexto judaico. Tal questão foi importante
para a adesão das ideias gnósticas cristãs por gregos, principalmente. No contexto do
Novo Testamento, vemos que o próprio apóstolo Paulo combateu veementemente o
gnosticismo (JOHNSON, 2001).
Um dos exemplos de grupos cristãos com ideias gnósticas foi conduzido por
Marcião (85-160). Ele era um grego que fora para Roma por volta de 120, convertido ao
cristianismo, dizia ser da escola de Paulo e procurava divulgar o cristianismo. Ele ficou
conhecido como um exímio heresiarca em seu período, fundando ideias que ficaram
conhecidas como marcionismo.
Com isso, ele rompia radicalmente com o fio de ligação entre judaísmo e
cristianismo (JOHNSON, 2001; ELIADE, 2011a). Para ele, o Deus do Antigo Testamento era:
“monstruoso, cruel, sangrento, patrono de rufiões como Davi” (JOHNSON, 2001, p. 61).
10
Marcião foi denunciado como herege, excomungado e nenhum dos seus livros
chegou aos nossos dias. Suas principais ideias, assim como as de outros considerados
hereges, chegaram até nós por meio dos escritos que o acusavam (JOHNSON,
2001). Assim, é importante entendermos que, muitas vezes, essas acusações não
correspondiam à verdade do pensamento do acusado.
Apesar de toda rejeição, Marcião fundou uma igreja e conseguiu com que parte
da comunidade cristã da Bacia do Mediterrâneo aderisse suas ideias. A sua igreja,
inclusive, conseguiu angariar uma boa quantia financeira. Porém, ela não passou do
século III (ELIADE, 2011a). Vejamos uma síntese do seu pensamento:
Outro ponto crucial nos ensinos de Marcião, que muitos gnósticos aceitavam
também, era a oposição ao casamento. Ele defendia que o casamento fora um ato
criado pelo Deus do Antigo Testamento que visava à procriação, portanto, não deveria
ser realizado. Porém, outras vertentes gnósticas não se opuseram ao casamento e, em
alguns casos, praticavam também orgias.
11
Outro grupo que difundiu as ideias gnósticas dentro do cristianismo foram os
Valentinianos, liderados por Valentino (100-160). Eles acreditavam que o verdadeiro ser
do indivíduo é o espiritual, em contraponto ao carnal. O espiritual estaria adormecido,
preso nesse mundo, porém, a partir da gnose, haveria a salvação quando esse ser
estivesse livre da prisão carnal.
Outro fator relevante dos movimentos tidos como seitas gnósticas era de que se
diferenciavam do cristianismo mais geral quanto à universalidade do ensino, tendo em
vista que eles preconizavam um conhecimento secreto, revelado aos seus. Além disso,
suas reuniões poderiam ser feitas em qualquer espaço, não havendo uma complexidade
em seu culto (MATIAS, 2011). Também, os grupos gnósticos eram constantemente
acusados de estarem na igreja somente para atrair outros cristãos as reuniões, em que
as ideias gnósticas eram ensinadas.
12
4.2 O MONTANISMO
Segundo Estrada (2005), o movimento montanista surgiu no século II, fundado
por Montano da Frígia, que era auxiliado por Priscila e Maximila. Além de ter produzido
escritos, eles tinham uma concepção de cristianismo voltada à escatologia e aos carismas.
Uma das suas principais divergências com relação aos outros grupos cristãos
era de que os carismas tinham sido esquecidos por eles, vejamos: “O movimento era
composto por carismáticos, que eram arrebatados pelo Espírito e enriquecidos com uma
infinidade de êxtases, oráculos, visões e profecias” (ESTRADA, 2005, p. 271). Além disso,
o montanismo aceitava a participação feminina de modo ativo, pregava a importância
do celibato e, assim, não encorajava o casamento, pois a necessidade maior era se
preparar para o fim dos tempos.
13
4.3 O ARIANISMO
No século IV, outro grupo tentou abalar os alicerces do que ficou conhecido
como ortodoxia cristã. Um sacerdote de Alexandria, Ário, passou a questionar a ideia
da Trindade. Ele negou “[...] a consubstancialidade das três pessoas divinas. Para ele,
Deus é único e incriado; o filho e o Espírito Santo foram criados mais tarde pelo pai,
e, portanto, lhe são inferiores” (ELIADE, 2011a, p. 355). Claro que essas declarações
foram rejeitadas pela igreja, tendo repercutido negativamente e sendo considerada tão
errônea essa ideia, que foi convocado o concílio de Niceia para dar conta do assunto.
4.4 O DONATISMO
As ideias donatistas tiveram início em Cartago, por volta do ano 332, com o bispo
Donato e foram consideradas heréticas. Eles também foram considerados como um dos
primeiros movimentos cismáticos, ou seja, que quiseram se separar da Igreja.
Outro ponto defendido pelos donatistas é que eles esperavam que cada igreja
local tivesse autonomia e que não precisassem seguir as ordens da igreja de Roma.
Além disso, eles prezavam pela separação entre igreja e Estado (SANTOS, 2016). Porém,
como o cristianismo conseguiu a adesão do Império Romano por meio do Edito de
Milão, era mais fácil manter a igreja sendo governada a partir de Roma do que mantê-la
independente, ou seja, cada cidade com seus líderes.
4.5 O PELAGIANISMO
Atribui-se a Pelágio ser o criador das ideias pelagianas. Este teria nascido por
volta do ano 350 e falecido em 428. Não se sabe ao certo onde nasceu, e foi morar
em Roma no ano 405. Praticante do ascetismo, Pelágio considerava que o pecado
14
ocorria pela vontade do homem, assim, o salvar-se dependia somente do homem, não
concordando, então, que a Graça de Deus é que salva (SILVA, 2014). Vejamos um dos
seus argumentos:
15
aceitar os escritos do Antigo testamento fazia sentido, pois eles ratificavam a
importância do Messias para o mundo, que os cristãos afirmavam ser Jesus. Sem o
Antigo Testamento, o peso da vinda do Messias não seria tão enfático.
Sobre a aceitação dos livros que não estavam no cânon judaico, Agostinho de
Hipona foi a favor, e, assim, eles passaram a fazer parte do cânon católico. Na época
da Reforma Protestante, essa questão foi revista e, com isso, alguns reformadores
preferiram deixar somente os livros que constavam no cânon judaico (SHELLEY, 2004).
Vejamos, também a explicação de Johnson:
16
6 A FORMAÇÃO DA HIERARQUIA ECLESIÁSTICA CATÓLICA
Caros alunos, como já expusemos, após a morte dos apóstolos, outros seguidores
passaram a assumir a liderança nas diversas cidades onde o cristianismo conseguiu
chegar. Com o passar do tempo, tais lideranças, que foram chamadas de bispos, passaram
a responder pelo cristianismo, como líderes que descendiam da tradição dos apóstolos.
Com a expansão do cristianismo no Império Romano, o bispo de Roma passou a ter um
papel de destaque dentro do cristianismo. Essa força foi ampliada ainda mais quando
houve a necessidade de combater o que era considerado heresia.
Além das heresias, a igreja cristã não tolerava comportamentos que não
correspondessem a uma moralidade rígida, como nos lembra Shelley (2004, p. 81):
“[...] essas comunidades cristãs tentaram regular sua vida em comum pelos princípios
da mais estrita moralidade, não tolerando membros pecaminosos no meio delas. Os
pecadores obscenos eram expulsos do meio da igreja”. Lembremos que, no contexto
social greco-romano, a moralidade era totalmente diferente do que preconizava o
cristianismo.
Com o cânon bíblico formado, era necessária também sua explicação. Caro
acadêmico, analise, então: se a igreja já procurava combater o que era considerado
heresia, agora com o Novo Testamento já compilado, quem você acha que teria a
responsabilidade de explicar/decodificar o que dizia o livro sagrado?
Claro que a igreja tomou para si essa responsabilidade. Tal questão foi
consolidada, posteriormente, na ideia de que a Igreja Católica tem sua base na Bíblia
e na Tradição, pois é ela que autentica a forma de interpretar a Bíblia. A questão da
interpretação da Bíblia foi crucial para que houvesse um clero unificado dentro do
cristianismo (JOHNSON, 2001).
17
Outra mudança importante ressaltada por Johnson (2001) foi que somente um
bispo poderia consagrar outro. Com a escolha de um cânon único, o fortalecimento dos
bispos, principalmente o de Roma, as heresias sendo combatidas e o cristianismo se
expandindo, a igreja foi conseguindo se consolidar no Império Romano. Além disso, com
o aumento da intelectualidade se convertendo ao cristianismo, o credo e a teologia se
solidificaram e conquistaram, posteriormente, outras regiões.
O controle do clero nos assuntos religiosos ficava cada vez mais latente. Temia-
se que mais heresias nascessem, se espalhassem e, com isso, dividissem a comunidade
cristã. Os cultos, que durante muito tempo eram celebrados em casas ou em catacumbas,
precisavam de espaços maiores, pois o número de fiéis era cada vez mais crescente.
Assim, com reuniões em locais mais amplos, dirigidas pelo bispo, manter a
doutrina mais coesa seria mais fácil. Além disso, como o batismo e a eucaristia passaram
a ser os principais ritos, eles deveriam ser celebrados pelo bispo. Estada (2005), explica
que o culto sofreu influências judaicas, mas aos poucos foi tomando uma forma própria.
Os sacerdotes aumentavam seu poder, enquanto o papel dos leigos foi diminuindo.
Somente no século IV é que a liturgia começou a ser oficializada. Antes disso, cada
região cultuava de acordo com sua cultura (ESTRADA, 2005, p. 372).
O papel do bispo também foi mudando, como explica Estrada (2005, p. 376): “O
incremento do número de membros da Igreja contribuiu para a burocratização do bispo,
para seu distanciamento do culto e para a dissolução do estreito vínculo existente entre o
bispo e seu presbitério”. O autor também ressalta que o formato de bispo atualmente, que
está distanciado do povo, lotado em uma cúria, com tarefas mais burocráticas, foi algo
implementado no período medieval, e esse modelo suscita, constantemente, desagrado
entre alguns teólogos católicos (ESTRADA, 2005). Vejamos, a seguir, a importância que os
bispos passaram a ter para o cristianismo:
18
A partir da citação anterior, observamos como, aos poucos, a cúpula religiosa
passou a influenciar também a organização estatal. Além do bispo, outro cargo relevante
dentro da Igreja cristã foi o de diácono, que respondia aos bispos e presbíteros. Com o
passar do tempo, sua função passou a ser de auxiliar do bispo (ESTRADA, 2005). Quanto
mais aumentava o número de adeptos ao cristianismo, mais aumentava também o clero.
Em Roma, ele passou a ser dividido da seguinte maneira:
Caro acadêmico, deu para notar que, com o crescimento do cristianismo, foi
se tornando necessário organizar não só a doutrina, tendo em vista as heresias, mas
também a funcionalidade de cada cargo na igreja. Para tal formação, foi incorporado
muito das características administrativa de Roma. A estrutura foi sendo ampliada na
Idade Média e Moderna, até termos a forma atual. Veremos, agora, como foi estruturado
o cargo mais elevado da igreja, o de pontífice.
Estrada comenta: “Roma começa a tornar-se uma instância por meio da qual se
recorre quando há conflitos nas igrejas do Ocidente. No século III, há intervenções que
denotam sua autoridade na igreja latina, embora só intervenha em casos excepcionais,
tendo necessidade de aceitar a independência de bispos” (ESTRADA, 2005, p. 452).
Inicialmente, a igreja em Roma procurava não intervir em outras igrejas, a não ser se visse
que era necessário. A igreja do norte da África procurava andar livre da igreja de Roma,
porém, com as mudanças históricas ocorridas nessa região, decorrentes das invasões
bárbaras, que praticamente acabaram com o cristianismo na região, o papado ganhou
mais força em Roma (ESTRADA, 2005). Sobre a função do papa, o autor ainda expõe:
19
em Roma é indiscutível, uma vez que se impôs a ideia segundo a
qual cada Igreja deve ter somente um bispo, contra as pretensões
dos antipapas. Sua primazia no Ocidente também se desenvolve
progressivamente, mais na prática do que na teoria, sendo cada vez
mais frequente o recurso a ela quando há enfrentamentos entre as
Igrejas ou conflitos episcopais (ESTRADA, 2005, p. 452).
Ainda de acordo com Estrada (2005), foi no Concílio de Niceia (325), realizado no
governo de Constantino, que ficou decidido que as [...] “Igrejas de Alexandria, Antioquia
e Roma eram as principais e exerciam um controle sobre as demais Igrejas em seu
âmbito territorial” (ESTRADA, 2005, p. 453). Com isso, a igreja de Jerusalém perdeu de
vez sua importância oficial perante as outras. Nessa fase, o cristianismo com o modelo
romano começava a ganhar um peso de universalidade. Nessa época, o papa ainda
não possuía o poder e prestígio que conhecemos. Estudaremos essa questão no tópico
sobre o cristianismo na Idade Média.
Vemos, então, que Roma possuía vários atributos para que o cristianismo lá
se consolidasse, e ela passou a ser referência para outras regiões. Com a subida de
Constantino ao poder, a igreja deixou de sofrer com as perseguições imperiais e, o clero
teve acesso, pela primeira vez na história cristã, ao imperador romano. Abordaremos
essa questão no próximo subtópico.
Foi com esse edito que o cristianismo gozou de paz no império, mas esse não
foi o único feito de Constantino para o cristianismo. Naquele momento, o cristianismo
estava de mãos dadas com o Estado romano. Sobre as mudanças implementadas por
Constantino, Shelley (2004) ressalta:
20
A partir de 312, ele favoreceu abertamente os cristãos. Permitiu que
os ministros cristãos usufruíssem da mesma isenção de impostos
que os sacerdotes pagãos; aboliu as execuções realizadas por meio
de crucificação; pôs fim às batalhas dos gladiadores como punição
para crimes; e, em 321, tornou feriado o dia de domingo. Graças a sua
generosidade, surgiram prédios suntuosos de igrejas como prova de
seu apoio ao cristianismo (SHELLEY, 2004, p. 105).
Caro acadêmico, a esta altura você pode estar se perguntando: O que mudara?
Por que a partir de então o império romano se voltou com benevolência ao cristianismo?
Pois bem, Johnson (2001) faz uma explanação interessante a respeito da adesão do
estado romano ao cristianismo. Segundo ele, o cristianismo da época de Constantino
(século IV) já possuía uma elite intelectual responsável por sua doutrina, além de uma
sólida estrutura hierárquica, como já estudamos, e um alto poder proselitista, que já
havia se disseminado por todo império. Portanto, “era católico, ecumênico, ordenado,
internacional, multirracial e cada vez mais legalista. “ao atacá-lo e enfraquecê-lo, o
império estava se debilitando” (JOHNSON, 2001, p. 93). A situação do cristianismo em
Roma chegou a um patamar que se tornava insustentável continuar a perseguição.
Outro imperador que conseguiu um feito talvez ainda maior do que Constantino,
com relação às leis no Império Romano e o cristianismo, foi o imperador Teodósio, o
Grande (379-395). Indo além do Edito de Milão, ele implementou o Edito de Tessalônica,
pelo qual o cristianismo passava ser a religião oficial do Império Romano.
21
Com a ascensão do cristianismo ao posto de religião oficial, muitos grupos
cristãos acabaram achando que era seu direito pôr fim às religiosidades diferentes que
ainda existiam no Império. Eliade (2011a) relata que surgiu, ainda no século IV, um grupo,
dentre outros, que foi responsável por alguns levantes contra populações religiosas,
a saber, os monges. Os monges cristãos surgiram em meio ao desejo de se abster ao
máximo da vida considerada mundana, e se separar dessa para servir a Deus. Os lugares
escolhidos para isso eram afastados das cidades, geralmente nos desertos ou grutas.
Vejamos o relato de Eliade (2011) sobre a influência que esses monges começaram a ter
na sociedade cristã, ainda na Idade Antiga:
22
Abordaremos, agora, de forma breve, os principais pensadores dessa fase
do cristianismo. Nosso intuito, aqui, é apresentar um cenário panorâmico desses
pensadores e teólogos. Devemos fazer uma ressalva importe quanto às datas de
nascimento desses eruditos. Por vezes, são datas aproximadas, pois, nem sempre os
historiadores conseguiam ter certeza do ano exato do nascimento. Esperamos que sua
curiosidade seja aguçada a procurar outras leituras desses personagens.
Um dos nomes de grande impacto no século IV foi Atanásio (296-373). Ele foi um dos
grandes divergentes das ideias arianas no Concílio de Nicéia (HURLBUT, 2007). O arianismo,
como estudamos, estava no centro dos debates do cristianismo nesse momento. Nascido
em Alexandria, conhecia o grego e era um estudioso da Bíblia. Um dos legados de Atanásio
foi na questão educacional. Ele foi enfático em defender que a educação fosse baseada nos
valores cristãos e não dos pagãos, como nos explicam Mello e Silva:
Foi exilado algumas vezes e, mesmo assim, teve uma vasta produção literária.
Foi um ferrenho opositor dos cultos pagãos, principalmente dos sacrifícios. Ele defendia
que os homens eram iguais e que não deveriam ter apegos materiais, valorizando o
espírito ao invés do corpo.
Seguindo a lista dos eruditos cristãos, não podemos deixar de falar de Jerônimo
de Estridão (340-420). Considerado um dos maiores letrados da Igreja de seu tempo,
tinha uma paixão pela vida ascética, por isso, passou boa parte da sua vida em um
monastério. Seu maior feito “foi a tradução da Bíblia para o latim, obra que ficou
conhecida como Vulgata Latina, isto é, a Bíblia autorizada pela igreja católica romana”
(HURLBUT, 2007, p. 117). Foi, também, fundador de monastérios femininos e masculinos.
24
Jerônimo, quando foi residir em Roma, passou a ter ajuda de mulheres cristãs,
que, inclusive, cediam suas casas para debates teológicos. Graças a esse auxílio
financeiro, ele conseguiu implementar monastérios, nos quais muitas dessas mulheres
ingressaram e doaram seus bens para caridade (COELHO, 2019).
Para finalizar nossa lista dos principais eruditos cristãos da antiguidade, vamos
falar de Agostinho de Hipona (354-430), provavelmente o nome mais conhecido dessa
lista. Agostinho nasceu em Tagaste, na atual Argélia, e se converteu ainda jovem,
por influência de sua mãe. Exímio escritor, foi o autor de diversos livros, entre eles
Confissões, texto em que fala de sua vida antes da conversão. Foi bispo no Norte da
África, em Hipona, e seu legado filosófico transcendeu a Idade Antiga, influenciando o
mundo Medieval depois dele (HURLBUT, 2007).
Um dos debates que Agostinho se envolveu foi sobre a heresia donatista, a qual
já estudamos. Ele divergia dos donatistas, pois, diferente deles, acreditava que até “[...]
o dia do julgamento, [...] a igreja deveria ser uma multidão mista. Tanto pessoas boas
como más nela se encontram. Para apoiar sua ideia, citava a parábola de Jesus sobre o
joio e o trigo [...]” (SHELLEY, 2004, p. 145). Para os donatistas, a igreja teria que ser santa
e bastante disciplinada, principalmente os que a lideravam. Além disso, Agostinho não
concordava com as ideias donatistas referentes aos sacramentos, segundo as quais,
estes, quando empregados por sacerdotes indignos, não teriam efeito. Já Agostinho
defendia que os sacramentos teriam poder, porque este viria de Deus (SHELLEY, 2004).
25
Na concepção agostiniana, o ser humano não pode fazer nada de bom, porém,
isso ocorre em virtude da Graça de Deus que lhe foi concedida. Porém, essa Graça é
ofertada a alguns, por meio de Jesus, através do batismo (SHELLEY, 2004). Em virtude
disso, segundo Agostinho, nenhum ser humano, por seus próprios esforços, tem força
para ser salvo. A salvação, portanto, está condicionada à Graça de Deus.
ESTUDOS FUTUROS
No Tópico 2, estudaremos como o cristianismo se consolidou na Europa;
o início do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição e a primeira divisão do
cristianismo, que gerou a Igreja Ortodoxa.
26
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O cânon bíblico (Antigo e Novo Testamento) antes de ser consolidado gerou uma
série de discursões sobre quais livros deveriam ser acrescentados aos livros judaicos.
• As perseguições que os cristãos sofreram, primeiro pelos judeus, depois pelos romanos
e, posteriormente, a aliança feita com o Império Romano por meio dos Edito de Milão e de
Tessalônica, que mudou a história não só de Roma, como, posteriormente, da Europa.
27
AUTOATIVIDADE
1 Os três primeiros séculos do cristianismo foram marcados por conflitos entre cristãos
e judeus, cristãos e pagãos e até mesmo entre os próprios cristãos. Somente no
século IV, no governo de Constantino foi que surgiu uma época de relativa paz aos
cristãos do império romano. Quanto a essa época, assinale a alternativa CORRETA:
2 Desde o século I, o cristianismo passou a ter dificuldades para consolidar sua doutrina.
Vários grupos começaram a surgir divulgando ideias que, para o cristianismo que se
considerava ortodoxo, foram consideradas heresias. Tendo em vista o que estudamos
das heresias na igreja cristã da Idade Antiga, analise as sentenças a seguir:
28
3 O século IV foi responsável por uma série de mudanças no cenário religioso do Império
Romano, tanto para os cristãos, quanto para os pagãos. Tendo em vista tal período,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) V – V – V.
d) ( ) F – F – V.
29
30
UNIDADE 1 TÓPICO 2 - O
CRISTIANISMO NO PERÍODO MEDIEVAL
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos, no Tópico 1, o desenvolvimento do cristianismo
na Antiguidade e, agora, daremos continuidade ao assunto apresentando os principais
fatos ocorridos na Idade Média. Vamos, primeiramente, entender o contexto histórico,
para depois adentrarmos propriamente na questão religiosa.
Roma foi a civilização no mundo Antigo que mais povos conseguiu conquistar.
Sua história nesse período foi marcada por três fases: monarquia, república e império.
Sua expansão teve início ainda ano período republicano, mas, foi no Império (27 a.C. - 476
d.C.) que ela mostrou mais enfaticamente seu poderio militar, pelo menos inicialmente.
Pouco tempo depois dessa divisão, a Roma Ocidental passou a sofrer ataques
dos povos bárbaros. O guerreiro Átila, o Huno, invadiu essa parte de Roma em 452. Com
o ataque, muitas pessoas fugiram. O papa Leão conseguiu convencê-lo a não invadir
Roma. O invasor saqueou as riquezas de Roma por cerca de quinze dias. Tudo o que
seus soldados capturaram, e que pertencia às igrejas, Átila mandou que fosse devolvido
(SHELLEY, 2004).
Notemos aqui que, apesar dos saques, o papa conseguiu fazer com que a vida dos
romanos fosse poupada, assim como a cidade. Somente em 476 é que Roma Ocidental
foi finalmente conquistada pelos povos germânicos. Muitos desses germânicos já eram
cristãos, porém pela vertente do arianismo, considerada herética.
31
Com a invasão da Roma Ocidental, boa parte da população teve que fugir e pedir
abrigo fora da cidade de Roma. Foi o início de uma nova organização social, chamada de
feudalismo, que se espalhou por várias partes da Europa, devido às diversas conquistas
bárbaras. As relações sociais ficaram então envoltas no laço de suserania e vassalagem.
NOTA
Povos bárbaros era o modo como os romanos se referiam em relação
aos povos que viviam em suas fronteiras. Eram formados por sociedades
diferentes, dentre elas os Unos, Godos, Ostrogodos, Visigodos, Francos,
Anglos, Saxões, dentre outros.
2 O PODER PAPAL
Estimado acadêmico, a preponderância do papa sobre os demais bispos ocorreu
gradativamente. Essa questão foi um entrave para a igreja situada no Oriente, pois esta
não aceitava que o centro da cristandade fosse Roma apenas.
Estrada (2005) explica que foi nesse contexto que a “teologia de direitos”
se tornou vigente, formulando a primazia do papa sobre os patriarcas e os bispos.
Os patriarcas eram as autoridades máximas no cristianismo Oriental. O poder era
32
dividido entre cinco patriarcas que ficavam em regiões diferentes do Império.
Constantinopla tendia a diminuir as ordens do papa em seu território, priorizando as
decisões do patriarca.
O papa era visto por eles como uma figura de “honra e de autoridade moral”
(ESTRADA, 2005, p.455). O império romano fez uma série de intervenções no sentido de
resolver as questões da supremacia da igreja romana ou de Constantinopla, dentre elas:
Em 378, o imperador Graciano afirmou que as decisões da parte Ocidental caberiam
à igreja de Roma, e da parte Oriental, à igreja de Constantinopla. Porém, em 445, o
imperador Valentiano III, “imperador do Oriente, proclama em 445 a primazia do bispo de
Roma sobre a Igreja universal, enquanto seu colega Teodósio II, imperador do Oriente, só
o reconhece como patriarca do Ocidente e o adverte que não se misture nos assuntos
das Igrejas Orientais” (ESTRADA, 2005, p. 455).
Alguns concílios ocorreram para tentar dirimir esse problema, porém, não
chegaram a um acordo quanto à sucessão de Pedro. Com relação ao título, a expressão
“pontífice máximo” (ou sumo pontífice) foi usada pela primeira vez pelo papa Leão I
(ESTRADA, 2005). O mesmo papa ainda foi enfático ao afirmar que o cargo que ocupava
era herança de Pedro. Mais tarde, o papa “Gelásio I (492-496) afirmou que o papa tem
autoridade até sobre os concílios e proibiu qualquer apelação contra as decisões da
igreja de Roma” (ESTRADA, 2005, p. 458). Sobre a expressão “papa”, Shelley comenta
[...] assim a época dos papas reis que tentaram ampliar seus
territórios, os quais até o século XVI foram chamados de ‘patrimônio
de são Pedro’. Os papas escreviam aos reis francos como se
fossem o próprio são Pedro que devesse ser defendido e protegido
(ESTRADA, 2005, p. 462).
33
A partir do século IX, o poder papal estava consolidado. Eles “cunharam moedas
com a esfinge papal (desde 1048) e criaram uma chancelaria e corte pontifícia. Começaram
também a outorgar títulos nobres e a mudar de nome quando, em fins do século X, tomaram
posse do trono pontifício” (ESTRADA, 2005, p. 463). Com esse poder consolidado, o papa se
tornou a pessoa responsável, nas cerimônias, por colocar a coroa real nos reis e imperadores,
enquanto estes deveriam aderir a genuflexão diante do papa.
3 A QUESTÃO ICONOCLASTA
Caros estudantes, como já dissemos, toda religião nasce em um determinado
contexto sociopolítico e, ao ser ampliada para diferentes culturas, ocorrem fusões e
justaposições de elementos, valores, enfim, ocorrem mudanças! Às vezes, algumas
estas não são aceitas por algumas pessoas que ocupam, no âmbito religioso, posições
de lideranças. Outras vezes, as mudanças são apoiadas e celebradas pelos líderes.
34
dos feitos dos mártires e de Cristo (ELIADE, 2011b). Tais cultos se expandiram por toda
a cristandade, como explica Eliade: “Durante o reinado dos primeiros carolíngios (740-
840), grande número de santos e mártires romanos foi transportado para o Ocidente.
Presume-se que, por volta do final do século IX, todas as igrejas possuíam (ou deveriam
possuir) relíquias” (ELIADE, 2011b, p. 61).
Outro golpe contra as imagens foi dado quando o imperador Constantino V proibiu
seu uso. Lembremos que era uma fase em que não havia separação entre o poder religioso
e o Estado. Segundo Eliade (2011b), o posicionamento de Constantino V foi referendado pelo
sínodo iconoclasta de Constantinopla no ano de 754.
35
elegeu Metódio patriarca, condenou todos os iconoclastas e confirmou
as disposições do sétimo concílio. As igrejas ortodoxas ainda hoje
celebram todos os anos, no primeiro domingo da Quaresma, a Festa da
Ortodoxia, comemorando o triunfo dos ícones (SHELLEY, 2014, p.169).
Caro acadêmico, até aqui, já vimos que muitas mudanças foram acontecendo
no cristianismo. Ocorreram vários debates, disputas para que a doutrina fosse formada
e posta em prática por todos. A questão das imagens foi novamente retomada na época
da Reforma Protestante.
4 O CISMA DO ORIENTE
Caro acadêmico, você já deve ter notado que as relações entre a igreja romana
do Oriente e do Ocidente eram carregadas de disputas e discordâncias sérias quanto
à forma de ser cristão. O principal ponto de embates era a questão da primazia papal.
Enquanto o Ocidente lutava para tornar a figura do papa mais imponente e importante,
a igreja Oriental colocava sua confiança nos patriarcas e olhava o papado do Ocidente
apenas como um cargo honroso, como já comentamos. Além disso, a questão cultural
também separava as duas realidades. Com o passar do tempo, o império Bizantino foi
moldando uma forma de ser católico que se diferenciava do modo Ocidental. Uma das
questões que destacaremos aqui se deu com relação aos ícones.
Nós já vimos que há várias diferenças entre a igreja cristã antiga, que estudamos
no primeiro capítulo, para a igreja medieval. Uma das diferenças está no uso das imagens
e ícones. A utilização dessa forma de acessório nas igrejas não foi uma decisão pacífica,
como já estudamos. Durante os primeiros séculos o uso de imagens não foi aceito no
seio cristão.
36
FIGURA 1 – ÍCONE BIZANTINO NA TRANSYLVANIA, ROMÊNIA
Vemos como os ícones são fundamentais para os ritos em uma igreja Oriental.
Nessa perspectiva, assim como os seres humanos são a imagem de Deus, o homem
teria, então, o ícone de Deus nele (SHELLEY, 2004). A ideia Ocidental é de que a imagem
de Cristo, que foi o homem perfeito, seja restaurada entre os homens, por meio da
igreja, que é invisível. Nisso, a teologia do Oriente se difere da do Ocidente, pois, para a
igreja romana, quando um fiel comete um pecado, ele faz as devidas penitências que o
padre, na confissão, lhe orienta, e completa sua “sentença” pagando no purgatório, até
alcançar a salvação (SHELLEY, 2004).
37
Com a mudança da capital de Roma para Constantinopla, a igreja lá instalada
passou a conceber que, assim como Jerusalém havia deixado de ser o centro do
cristianismo, passando a ser Roma, agora, Roma deixara de ser o centro religioso,
passando a ser Constantinopla. Era assim que a igreja Oriental se via no contexto cristão
(SHELLEY, 2004).
38
Para ingressarem nesse estilo de vida, os monges deveriam fazer os votos de
“pobreza, castidade e obediência” (SHELLEY, 2004, p. 135). A ideia era se separar da
família, dos amigos, do conforto, para poder se conectar a Deus, em um autoexílio,
tendo em vista usar de meios que a cristandade em geral não usaria, como o autoflagelo
(GOMES, 2001, p. 87).
Outra ordem religiosa criada no período medieval, que serviu para melhorar
a questão da disciplina beneditina, foi a dos cistercienses (1098). Seu criador foi
São Roberto e dedicou-se, sobretudo, às artes e às cópias de manuscritos antigos
(HURLBUT, 2007). Além dela, os franciscanos, ordem fundada por Francisco de Assis em
1209, teve bastante relevância no cenário medieval (HURLBUT, 2007). Por pregar que
a igreja deveria ser pobre, ela esteve, inclusive, sob a mira papal, porém, conseguiu se
firmar na igreja. Foi uma ordem que se propagou rapidamente pela Europa. Sua ênfase
maior era o cuidado com os outros, principalmente com os pobres.
39
Em 1215, foi erigida a ordem dos dominicanos, que teve como fundador São
Domingos. Tanto os franciscanos quanto os beneditinos ficaram conhecidos como
ordens mendicantes, pois seu sustento vinha de esmolas que lhes eram dadas. Além
disso, ambas as ordens não se rendiam à vida reclusa dos monastérios, mas sim
andavam à procura de converter pessoas e de enfrentar o que a igreja considerava
heresia (HURLBUT, 2007).
NOTA
Foi no período Medieval que surgiram as Universidades. Inicialmente
vinculadas às igrejas cristãs, sua base de ensino era o latim, grego, filosofia,
teologia e música.
Com essa decisão sobre a eleição papal, a interferência do imperador nesse quesito
foi abolida. No século XI, subiu ao papado Gregório VII (1073-1085), e ele foi responsável
por dar continuidade às mudanças na igreja, as quais ficaram conhecidas como a “reforma
gregoriana”. Com relação às mudanças, Estrada sintetiza:
40
inteiro. Consequentemente, Gregório VII depôs e excomungou o
imperador, fomentou os vínculos de vassalagem de numerosos
reinos com Roma, dentre eles o da Espanha e proibiu que qualquer
cargo eclesiástico fosse outorgado por um leigo [...] O papa não pode
ser julgado por ninguém, ninguém pode apelar de suas decisões e os
assuntos importantes de cada igreja devem ser apresentados a ele,
pois a igreja romana nunca errou e, segundo a Escritura, nunca irá se
equivocar (ESTRADA, 2005, p. 476-478).
Perceba, acadêmico, que a igreja pretendia, cada vez mais, influenciar os reinos
e não ser influenciada. Essas reformas promovidas pelo papa Gregório VII ajudaram a
consolidar o poder religioso na parte Ocidental da Europa. A partir disso, a igreja ficou
mais forte para negociar com os futuros reis alianças nas quais ela se beneficiaria e,
em contrapartida, ajudaria a sustentar o poder real perante o povo, ou seja, “a ordem,
a justiça e a submissão a Deus passava pela obediência ao papa, que transformou em
critério eclesiológico absoluto” (ESTRADA, 2005, p. 478). A ideia de Gregório VII era que
toda a cristandade estivesse sob os auspícios do papa, pois, segundo ele, o poder papal
era superior aos dos reis e imperadores (SHELLEY, 2004). Em 1122, um documento
importante resolveu a questão entre imperadores e o papa, foi a Concordata de Worms.
Agora, “a igreja mantinha o direito de eleger a autoridade de um ofício eclesiástico, mas
apenas na presença do imperador ou de seu representante” (SHELLEY, 2004, p. 204). A
Igreja e o Estado buscaram andar juntos, tentando resolver seus atritos, para que ambos
os poderes fossem aceitos e obedecidos pelos súditos.
NOTA
Há muitos filmes ambientados no mundo Medieval. Assista ao filme Irmão
sol, irmã lua, de Franco Zeffirelli, o qual conta a história dos primeiros anos
da vida de São Francisco de Assis.
41
7 A MÚSICA NA IGREJA
Os ritos em vigor na Igreja Romana foram se constituindo no decorrer dos séculos.
Em sua construção, encontramos a colaboração de várias culturas, notadamente a judaica
e a greco-romana. Aos poucos, a maneira própria de se celebrar foi se cristalizando. Com
o passar do tempo, a Igreja passou a apresentar os ritos aprovados, publicados em livros
sob sua autoridade, já mesmo nos primeiros séculos do cristianismo.
O canto era visto como um elemento de purificação da alma e sua elevação. Ele
deveria representar o louvor a Deus e estar isento de tudo que pudesse despertar os
sentidos e as paixões humanas. A música herdada dos gregos e hebreus foi modificada e
simplificada, tirando os instrumentos, tornando-se monódica.
43
Danças, coros, cantos pagãos, palavras desonestas, excesso de
orgias de toda a natureza, seduções diabólicas de todo o gênero: daí
vos conta do que estas bodas estão compostas. [...] São Crisóstomo
repetirá que, enquanto estão cantando cantos imorais, o demônio
é celebrado nos teatros; frequentemente os designará como cantos
satânicos. Deste modo, a renúncia ao diabo e a todas as suas obras,
que o cristão promete na fonte batismal, deve incluir também a
renúncia a estes espetáculos e cantos (BASURKO, 2005, p. 121 e 128).
Outro fator relacionado à música dessa época e que não devemos desprezar é o
afastamento da mulher no meio musical da igreja. Era também uma forma de oposição
ao estilo de festas pagãs, nas quais o coro feminino era bastante explorado, vejamos:
“Decreta-se que as mulheres não devem falar na igreja nem sequer em voz baixa nem
devem cantar sozinhas nem tomar parte das respostas, mas estarão em silêncio, orando
a Deus” (BASURKO, 2005, p. 55). A mulher, na concepção católica, não poderia ocupar
espaço algum no rito da missa.
Caro acadêmico, percebemos que, no mundo medieval, o canto deveria ser posto
como uma maneira de adoração a Deus e, portanto, houve toda uma forma de explicação
de como esse canto deveria acontecer. Deveria estar afastado de valores “mundanos”, pois
a música, assim como outros tipos de arte utilizados pela igreja medieval, deveria ser o canal
para adoração e não simplesmente para a contemplação.
DICA
Para se ambientar ao mundo medieval, nada melhor que ouvir alguns
cantos gregorianos. Para ouvi-los, acesse os seguintes links:
https://youtu.be/wcCcUEYzGyo.
https://youtu.be/krWODCyGz1Q.
https://www.youtube.com/watch?v=aqsIq2jSvE0.
8 AS CRUZADAS
Caro acadêmico, você já deve ter ouvido falar no movimento das cruzadas, que
foi um verdadeiro levante da cristandade contra o avanço do islã na região de Jerusalém.
O islamismo é uma religião fundada por Maomé na região da Arábia, no século VI, e,
devido ao seu caráter altamente proselitista, passou a empreender uma verdadeira
jornada rumo à islamização dos povos.
44
O cristianismo, que também tinha um caráter proselitista, entrou em conflito
algumas vezes com o islamismo, na tentativa de levar cada qual a sua religião a ser
aceita. Um desses conflitos ocorreu por cerca de duzentos anos e ficou conhecido como
Cruzadas, um termo que fazia referência às cruzes que os combatentes cristãos levavam,
como uma lembrança a ordem de Cristo de carregar a sua cruz.
Antes mesmo que a primeira cruzada estivesse saindo rumo ao encontro dos
islâmicos, um grupo de cerca de quarenta mil pessoas, liderados por um monge, Pedro, o
Eremita, se dirigiu ao oriente na tentativa de combater os “infiéis”. Porém, com uma população
sem vínculos militares, a catástrofe foi inevitável, fazendo com que muitos dos cristãos fossem
mortos ou vendidos como escravos (HURLBUT, 2007).
Segundo Hurlbut (2007), a primeira cruzada oficial foi a mais exitosa das
sete. Além de realizar massacres entre os judeus no Reno (ELIADE, 2011b), com
cerca de 275 mil guerreiros europeus, conseguiu conquistar Jerusalém, em 1099,
quando foi estabelecido um governo no estilo feudal. O reino implantado ali não
subsistiu durante muito tempo, e uma das causas foi a distância do mundo europeu
e o cerco dos sarracenos.
Outra cruzada aconteceu entre 1147 e 1149, pois as notícias eram de que os
sarracenos estavam ameaçando conquistar Jerusalém e que já tinham conseguido
dominar cidades próximas. Os intentos dos cruzados não foram alcançados, porém,
eles conseguiram adiar um pouco o domínio de Jerusalém (HURLBUT, 2007). A
terceira cruzada contou com a liderança de imperadores importantes, mas não teve
grandes conquistas.
45
[...] os cruzados, em vez de tomarem o rumo da Terra Santa, ocuparam
Constantinopla, trucidaram parte da população e saquearam
os tesouros da cidade. O rei Balduíno de Flandres é proclamado
imperador latino de Bizâncio, e Tomás Morosini passa a ser o patriarca
de Constantinopla.
O governo latino nessa região durou cinquenta anos e, após sua saída, o
império Bizantino não foi mais o mesmo, o que facilitou a sua conquista posteriormente
(HURLBUT, 2007). As outras cruzadas não obtiveram o êxito que desejavam. Aos poucos,
o contato entre a Europa e o Oriente foi dando espaço à ampliação do comércio, e o
islamismo se expandiu para outras regiões. Além disso, o mundo feudal sofreu fortes
abalos, vindo a ruir posteriormente, dando lugar aos reinos absolutistas.
Antes desse desentendimento, o papa Bonifácio VIII havia decretado que o ano de
1300 seria comemorativo, ou seja, o “Ano Santo”, devido a mais um centenário do nascimento
de Cristo. Sendo assim, esse ano em especial, seria concedido aos cristãos o perdão total
dos pecados, mas somente aos que fossem às igrejas em Roma de São Pedro e São Paulo.
Essa peregrinação atrairia os fiéis e suas doações a Roma (SHELLEY 2004).
46
O rei francês, em resposta, se uniu ao advogado William de Nogaret e começou
a tramar retirar o papa do poder. Para isso, alegou diversas coisas: “ilegalidade de sua
eleição, como também heresia, simonia e imoralidade” (SHELLEY 2004, p. 246). Os
franceses se deslocaram até o papa, que estava passando uns dias na cidade de Anagni,
e o prenderam. Não se sabe se chegou a ser torturado pelos franceses.
Quando o novo papa foi coroado como Urbano VI, ele passou a tomar decisões
consideradas ditatoriais, “em agosto, repentinamente, os cardeais informaram a
Europa que o povo de Roma forçara a eleição de um apóstata para a cadeira de
Pedro e os procedimentos, portanto, eram inválidos” (SHELLEY 2004, p. 249).
Para acabar com essa duplicidade de papas, foi proposto um concílio geral
em 1395. Essa postura gerou outro debate, pois somente o papa poderia convocá-lo.
Somente em 1409 foi que os cardeais concordaram que deveria ser feito o concílio e
acabaram por decidir que os dois papas deveriam ser depostos.
Eles escolheram outro nome para o cargo, o Papa Alexandre V. Todavia, os dois
papas se recusaram a abandonar seus postos, ficando então a igreja com três papas
(SHELLEY, 2004). Para resolver essa nova situação, outra reunião foi convocada:
47
Em 1414, o santo imperador romano promoveu na cidade alemã de
Constance a mais expressiva reunião da igreja de sua época. Mesmo
a igreja ortodoxa grega enviou representantes. Pela primeira vez a
votação aconteceu em bases puramente nacionais. No lugar de
tradicional assembleia de bispos, o concílio incluiu representantes
leigos e foi organizado como uma convenção de “nações” (alemã,
italiana, francesa e inglesa; a espanhola entrou depois). Cada nação
tinha um voto. [...]. Por fim, em 1417, o concílio conseguiu que um
titular papal fosse posto de lado, depôs outros dois e escolheu um
novo Vigário de Cristo, Martinho V (SHELLEY 2004, p. 251).
Nascido na região da atual Itália, foi bispo, monge, abade e primaz na igreja
inglesa. Por questões políticas travadas contra o imperador, sofreu exílio por alguns
anos (HURLBUT, 2007). Sua principal contribuição foi o pensamento “conhecido pelos
escolásticos como argumento único (argumentum unicum) ou simplesmente razão de
Anselmo (ratio Anselmi)” (STREFLING, 2009, 138).
48
Outro pensador importante desse período foi Pedro Abelardo (1079-1142). Além
de se dedicar à teologia e à filosofia, “pode ser considerado o fundador da Universidade de
Paris, que foi a mãe das universidades europeias” (HURLBUT, 2007, p. 172). Foi professor
e chegou a ser abade. Quanto aos escritos, foram muito importantes no campo da lógica.
DICA
Um filme clássico sobre o período Medieval é Em nome de Deus, de 1988,
com direção de Cliver Donner. O filme conta a história de Pedro Abelardo,
que teve grande importância para a universidade medieval.
Disponível em: https://bit.ly/3zXg26p. Acesso em: 15 jun. 2021.
49
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• Foi na Idade Média que o cristianismo sofreu seu primeiro rompimento, o Cisma do
Oriente.
50
AUTOATIVIDADE
1 Considere o seguinte trecho do discurso do papa Urbano II no momento da convocação
da cristandade para lutar nas Cruzadas. “Por isso eu vos apregoo e exorto, tanto aos
pobres como aos ricos – e não eu, mas o Senhor vos apregoa e exorta – que como
arautos de Cristo vos apresseis a expulsar esta vil ralé das regiões habitadas por
nossos irmãos, levando uma ajuda oportuna aos adoradores de Cristo. Eu falo aos
que estão aqui presentes e o proclamo, aos ausentes, mas é o Cristo quem convoca
[...]. Se os que forem lá perderem a sua vida durante a viagem por terra ou por mar
ou na batalha contra os pagãos, os seus pecados serão perdoados nessa hora; eu o
determino pelo poder que Deus me concedeu [...]” (SÁNCHEZ, 2000, p. 83). Sobre o
movimento das Cruzadas, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Os cruzados foram pessoas que lutavam a favor do fim das heresias que
assolavam o cristianismo medieval.
b) ( ) As Cruzadas foram um breve levante da cristandade contra o avanço do islamismo
em Jerusalém, sem ter, contudo, interferências mais sérias na Europa Medieval.
c) ( ) Foi um movimento que uniu fé, política, fanatismo cristão, incentivado
principalmente pela igreja, na luta por fazer de Jerusalém uma cidade cristã,
se opondo ao avanço do islamismo.
d) ( ) Oficialmente, foram sete cruzadas realizadas para a expulsão dos islâmicos
da região de Jerusalém. Todavia, a sexta cruzada acabou tendo um caráter
diferenciado, pois os cruzados fizeram um levante em Constantinopla,
deixando-a sobre o domínio dos latinos.
51
Assinale a alternativa CORRETA:
3 A Idade Média foi um período muito intenso para a cristandade. Ela foi responsável
por trazer transformações profundas na mentalidade europeia, de se relacionar
com o sagrado. As mudanças nem sempre eram pacíficas, pois, sempre havia os
que iam de encontro a elas. Sendo assim, muitas vezes debates e conflitos ocorriam
internamente. Uma das questões bastante discutida foi se o cristianismo poderia
ou não usar imagens para representar Cristo ou os mártires. Sobre essas disputas,
classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
4 Desde o mundo Antigo que o cristianismo buscou uma unificação das suas ideias.
Porém, as diferenças entre as igrejas Oriental e Ocidental foram se acentuando, até
que o rompimento ocorreu, causando o primeiro cisma no cristianismo. Explique os
principais motivos para o rompimento que ficou conhecido como “Cisma do Oriente”:
5 Temos na doutrina católica um conjunto de ideias que foram frutos de diversos debates
até que fossem consolidadas. Uma das questões que esteve presente no contexto
medieval foi com respeito ao uso ou não de imagens e ícones nas Igrejas, principalmente
na crise Iconoclasta. Explique como essa questão foi resolvida pela Igreja:
52
UNIDADE 1 TÓPICO 3 -
AS HERESIAS MEDIEVAIS E A INQUISIÇÃO
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, no Tópico 2, nós vimos que, na mudança da cultura Antiga
para a Medieval, o cristianismo tomou novos rumos para suas práticas. Expandiu ainda
mais seu campo de atuação e se tornou presente em toda Europa. Porém, nem tudo
foi ganho. O cristianismo viu surgir uma nova religião que arrebanhou países inteiros, o
islamismo, que abalou por diversas vezes a hegemonia que o cristianismo tentava impor.
2 AS HERESIAS MEDIEVAIS
Caro acadêmico, temos procurado apresentar a você, até agora, os principais
caminhos que o cristianismo escolheu ao se portar como uma religião universal. Porém,
um dos principais entraves encontrados foram as chamadas heresias. Já vimos que a
igreja tomou para si a responsabilidade de dizer como as escrituras seriam interpretadas.
Quando alguma dúvida surgia, sínodos e concílios eram convocados para resolver a
questão. Quando um grupo insistia em uma ideia que não estava de acordo com os
resultados de tais concílios, ela acabava sendo considerada heresia.
53
tivesse levantado as ideias discrepantes. Outro ponto importante que devemos considerar
ao estudarmos essa temática é a diferença entre herege e infiel. O herege era um cristão,
porém, ele era tido como alguém que está distorcendo os ensinos da igreja. Já o infiel era
alguém de outra religião, como, por exemplo, os judeus e os islâmicos (QUEIROZ, 1988).
Sendo assim, para ser considerada herege, era preciso que a pessoa fosse
batizada. O herético, portanto, não era alguém que abandonava a fé, mais sim aquele
que escolhia caminhos diferentes do que lhe era religiosamente imposto.
54
A igreja cátara era formada por um bispo e seus auxiliares, os Crentes, que era a
maioria dos fiéis, e os Perfeitos, que eram os considerados de alto nível, pois já haviam
passado pelo rito do consolamentun, no qual eles eram elevados de posição no grupo.
Segundo Fabel (1976, p. 41), “os Perfeitos dedicavam-se à contemplação e esperava-
se que mantivessem o mais elevado nível moral, cabendo aos Crentes fornecer-lhes
alimentos”. Os Perfeitos eram proibidos de quaisquer relações sexuais e não poderiam
ter nenhum contato com mulher. Além disso, o casamento era considerado uma tática
do Deus do mal para prender as pessoas à terra, já que filhos seriam gerados, o que faria
com que a elevação da humanidade demorasse ainda mais. Se o aspirante a Perfeito
fosse casado, ele teria que renunciar sua esposa antes do rito (FABEL, 1976). Todavia,
aos Crentes, a questão do ato sexual não era proibida, desde que não gerassem filhos.
Constantemente, a igreja católica acusava os cátaros de serem promíscuos, porque não
seguiam a mesma lógica sexual que eles (QUEIROZ, 1988).
Os cátaros ainda eram contra os símbolos cristãos, como a cruz, e criam que
Jesus, em seu corpo, era apenas aparente, já que, por ser o enviado do Deus bom, não
poderia pisar de fato nesse mundo que pertencia ao Deus mal. O Deus mal seria o Deus
do Antigo Testamento, pois, ele que procurou matar o enviado do Deus do bem, que era
Jesus (FABEL, 1976). Também não aceitavam João Batista, pois consideravam-no filho
do diabo (QUEIROZ, 1988). Além disso, não concordavam com a ideia de purgatório e
infernos, pois a alma seria purificada aqui mesmo, mas só conquistada depois que não
fizesse mais parte desse mundo, pois teria se livrado do mal que há aqui.
55
de Cristo; os mais radicais viam nisso somente truques de magia. O único e verdadeiro
milagre seria o despertar da alma” (QUEIROZ, 1988, p. 55). Quanto aos hábitos
alimentares, como os cátaros criam na ideia da metempsicose, até mesmo como na
forma animal, eles se abstinham de comer carnes, pois acreditavam que ela poderia
conter alguma parte da alma de alguém, que ficaria presa no corpo, sem poder retornar.
Também não se alimentavam dos derivados de carne, porém, não tinham problemas em
comer peixes, pois acreditavam que eles eram gerados espontaneamente pelas águas.
Quanto à questão do mandamento de “não matar”, eles levavam tão a sério que era
relacionado aos animais, pelo mesmo motivo já explicado, pois eles poderiam carregar a
alma de alguém (QUEIROZ, 1988, p. 55).
A reação da igreja contra os cátaros foi intensa e envolveu o exército. Foram várias
investidas em diferentes cidades e muitas pessoas foram mortas, como relata Queiroz:
2.2 OS VALDENSES
De acordo com Queiróz (1988), o grupo dos “pobres de Lyon”, que ficou conhecido
como “Valdenses”, surgiu a partir das ideias de Pedro Valdês, um homem rico que se
dedicou ao estudo da Bíblia e disse ter sido “iluminado” por ela. Ele se separou da mulher,
deixando com ela parte das suas posses e a outra parte ele usou para ajudar aos pobres
em 1173. Conseguiu discípulos e se dispôs a pregar, o que não foi bem-visto pela igreja
pois, não tinha permissão para tal. Foi expulso da cidade de Lyon, apesar de ter pedido
apoio ao papa, o que não conseguiu.
56
Por divergências internas, o grupo se separou entre: os franceses, que não
comungavam de algumas questões referentes ao clero, mas continuavam participando
das missas, e os italianos que não quiseram mais estar subordinados a igreja (QUEIROZ,
1988). A vertente italiana se difundiu largamente.
Os principais pontos da pregação dos Valdenses que eram vistos como heresias
pelos católicos eram: a pena de morte não poderia ser aplicada pelo Estado; não deveriam
ser feitos juramentos, pois a Bíblia os condena; quanto aos sacramentos, estes poderiam
ser feitos por leigos. E, talvez, a assertiva mais enfatizada era: “a Igreja Romana não
é a Igreja de Cristo” (FABEL, 1976, p. 63). Esse grupo sobreviveu às perseguições e,
atualmente, ainda tem remanescentes no território italiano, agora, como protestantes
(HURLBUT, 2007).
Além disso, ele desenvolveu outras ideias que foram de encontro a algumas
questões da doutrina católica. Suas principais críticas eram sobre a transubstanciação,
que, segundo a teologia católica, no momento eucarístico os elementos do pão e vinho
se transformam no corpo e sangue de Cristo. Já para Wycliffe, a eucaristia era apenas
simbólica. Além disso, Wycliffe queria que o rito da missa fosse mais simples e chegou
a traduzir a Bíblia para o inglês, o que não agradou o clero pois, segundo a tradição da
igreja, a Bíblia não deveria ser traduzida para a língua comum (HURLBUT, 2007).
Wycliffe defendia a supremacia das Escrituras e não dos escritos dos teólogos
da Igreja. Segundo ele, toda teologia deve encontrar seu respaldo na Bíblia. As ideias
defendidas por Wycliffe foram muito importantes para um movimento posterior, a Reforma
Protestante, que ocorreu com Martinho Lutero, no século XVI.
Inicialmente, Wycliffe fora amparado pela nobreza inglesa, que achava interessante a
ideia de uma igreja mais nacional. Quando suas críticas à ideia da transubstanciação ficaram
mais intensas, ele foi abandonado por muitos nobres. O reitor da cidade de Oxford, onde
ele ensinava, o proibiu de proferir palestras e, “o arcebispo de Canterbary, Willian Courtenay,
57
organizou um outro conselho que condenou dez das doutrinas de Wycliffe por considerá-
las heréticas. Em 1382, o reformador encontrava-se completamente silenciado em Oxford”
(SHELLEY, 2004, p. 258).
Antes do seu silenciamento, ele enviou sacerdotes a pregar para pessoas mais
humildes, obtendo um vasto apoio nas comunidades do campo. O curioso é que a igreja
não levantou um processo inquisitorial contra ele, apenas foi afastado da universidade.
Porém, seus seguidores foram enxotados de Orxford, caso não quisessem abandonar
as ideias consideradas errôneas. Vejamos o que explica Azevedo, em sua tese de
doutorado sobre Wycliffe:
Wycliffe, apesar de ter morrido sem sofrer um processo inquisitorial, teve, posteriormente,
seus ossos desenterrados e queimados, em uma ação da Inquisição. Essa prática era comum,
como veremos posteriormente, quando tratarmos do assunto referente à Inquisição. As ideias
dele influenciaram outros, como John Huss, que estudaremos a seguir, e Martinho Lutero, sobre
o qual trataremos nos próximos capítulos.
Suas ideias foram bem recebidas entre as camadas mais pobres e os artesãos.
Huss se dirigiu ao Concílio de Constance, no qual iria se discutir a questão dos dois
papas, e acabou sendo preso pela Inquisição. Após cerca de oito meses preso, sofreu
como sentença a morte na fogueira (QUEIROZ, 1988).
Após sua morte, que não foi bem recebida pelos seus seguidores, o movimento
não acabou. Segundo Queiroz (1988), o movimento hussita dividiu-se em duas vertentes
principais: a dos mais radicais, que estavam em Praga e eram liderados por Nicolau de
Dresden e João Zeliv, e o grupo chamado de Calistinos, ala mais moderada. Eles ainda
estavam ativos na época da Reforma Protestante e, claro, se uniram ao movimento.
58
2.5 OS BEGUINOS
Os grupos dos beguinos, também chamados de “Irmãos Pobres da Penitência
da Ordem de São Francisco”, tiveram sérios embates com a igreja católica. O movimento
em questão defendia que a igreja deveria ser pobre e não somente andar com os pobres.
Sua principal fonte de inspiração foram os escritos de Pedro João Olivi (1248-1298),
principalmente os comentários sobre o livro bíblico do Apocalipse, que foi considerado
herético pela igreja (FALBEL, 1976).
Outro ponto curioso era que os que se chegassem a eles, para viver em suas
comunidades, não poderiam possuir qualquer bem. Sobre Pedro João Olivi, eles o
tinham como um “anjo do Apocalipse” (FALBEL, 1976, p. 89).
Suas críticas mais duras foram com relação ao papado. Vejamos alguns dos
adjetivos usados pelo grupo para representar o papa: “[...] símbolo do Anticristo, [...] lobo
rapace que deveria ser evitado pelos fiéis; profeta tortuoso e cego, sumo-sacerdote
Caifás, que que condenara Cristo; de javali da floresta, besta feroz que destrói o muro da
igreja de Deus” (FALBEL, 1976, p. 91). Claro que, com tais declarações, as perseguições
a eles não seriam poucas. A Inquisição atuou contra o grupo com veemência, e levou
centenas a fogueira.
59
3 A INQUISIÇÃO MEDIEVAL
Caro acadêmico, você já deve ter percebido que esse tema geralmente chama
muito a atenção das pessoas em geral. É comum a associação da Inquisição com
fogueiras e a suposição de que todos os acusados acabavam morrendo, tostando em
praça pública. Apesar da morte pelo fogo ter sido uma prática, ela não se aplicava a
todos os casos. Veremos, a partir de agora, como a Inquisição funcionava e, para isso,
utilizaremos os dois principais escritos que serviam de guia para os Inquisidores: O
Martelo das feiticeiras (ou Martelo das bruxas), de Heirich Kramer e James Sprenger, e o
Manual dos Inquisidores, de Nicolau Eymerich e Francisco de La Peña.
O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi criado pela Igreja católica romana
para auxiliar no combate as heresias. Ele passou por diversas reestruturações e contava,
inicialmente, com bulas papais, que deveriam ser seguidas pelos inquisidores. Com o
tempo é que foram criados manuais mais específicos como o Manual dos Inquisidores
(1376) e o Martelo das feiticeiras (1486). Segundo Shelley (2004), a Inquisição teve início
em 1184, ao chamar bispos para inquirir sobre as crenças, porém, posteriormente, foram
tomadas medidas mais precisas para o combate às heresias: “Em 1215, o Quarto Concílio
Lanterano, sob a liderança de Inocêncio III, estabeleceu para a punição estatal dos
hereges os confiscos de suas propriedades, excomunhão para aqueles que não agissem
contra os hereges [...]” (SHELLEY, 2004, p. 239). Posteriormente, houve a permissão
para torturas, e o poder do tribunal foi dado aos Dominicanos (SHELLEY, 2004).
O combate as heresias foi o ponto norteador da Inquisição. Para que ela fosse
bem-sucedida, deveria contar com o apoio estatal, cedendo a guarda necessária a igreja
para cumprir as prisões e sentenças mais drásticas. Trataremos, agora dos principais
pontos de como deveriam funcionar os diversos tribunais instaurados, segundo o
Manual dos Inquisidores.
60
Como já expusemos, nem todos os processados tinham a pena da fogueira.
Esse era o último recurso contra o considerado herege. O processo era longo, e o réu
tinha várias audiências antes do veredito final. Quando se iniciava o processo, o réu
era levado à presença dos inquisidores e era dito que ele confessasse. Porém, ele não
sabia do que estava sendo acusado, pois isso era revelado alguns dias depois da prisão.
Essa tática era utilizada para que a pessoa, tomada pelo desespero, falasse tudo que
poderia ter feito de “errado”. A partir do momento que ela dissesse que não tinha mais
o que confessar, e, se ela não tivesse falado o que os inquisidores quisessem ouvir,
eles liam suas “culpas”. Após isso, o processo tomava outro rumo menos “benevolente”,
pois, o réu era pressionado a confessar. E como a mesa inquisitorial chegava a essas
“provas” contra o acusado? Por meio de denúncias, geralmente. Amigos, parentes,
vizinhos, conhecidos, todos deveriam denunciar, caso houvesse algo suspeito, pois, se
não fizessem, poderiam ser considerados cúmplices do herege.
Caso o réu não confessasse, mas houvesse muitas acusações contra ele,
ele poderia ser considerado como um “negativo”, ou seja, era culpado, porém negava
durante os interrogatórios. O “afirmativo” era aquele que não escondia que andava nos
“erros” da heresia. Mesmo que o réu confessasse suas culpas logo de início e fizesse
a relação de todos que andavam com ele e compactuavam de suas heresias, ele não
teria a sentença dada rapidamente. Segundo o Manual do Inquisidor, o réu deveria
ficar pelo menos um ano nos cárceres, seja para se “arrepender” por completo do que
fizera, quanto para denunciar todos seus cúmplices. Caso a pessoa não confessasse
após vários interrogatórios, o réu era enviado para a tortura. Essa pessoa deveria ser
acompanhada por um médico, que diria até quando ela poderia aguentar sem morrer.
Era sempre advertido à pessoa processada que, se ela viesse a morrer em interrogatório
era culpa dela mesma, pois não havia colaborado com os inquisidores.
61
que, se confessar, terá sua vida poupada, se jurar que nunca mais vai
cometer tais crimes. [...] Se não conseguir nada através desses meios,
e se as promessas se revelarem ineficazes, executa-se a sentença
e tortura-se o réu da forma tradicional, [...] mais fracos ou mais
violentos; de acordo com a gravidade do crime. [...] Se, depois de ter
sido convenientemente torturado, não confessar, vão lhe mostrar os
instrumentos de um outro tipo de tortura, dizendo-lhe que vai passar
por todos eles, se não confessar (EYMERICH, 1993, p. 154, 155).
Quando o réu confessava durante a tortura, ele deveria ser levado para outro
local e, depois, teria que continuar sua confissão sem o tormento, para que fosse válida
sua confissão. Todo o processo era conduzido para que o réu confessasse e mostrasse
arrependimento. Na mentalidade da igreja, esse processo de confissão-arrependimento
era necessário para que o réu pudesse voltar ao seio da igreja e não ser excomungado.
A morte pelo fogo acontecia de duas formas: caso não se arrependesse pelas
heresias, seria queimado vivo. Se recebesse a sentença da morte pelo fogo, mas
demonstrasse arrependimento, seria garroteado, ou seja, enforcado e depois queimado.
Todo processo era feito pelos membros da igreja que fossem escolhidos
como inquisidores. A sentença da morte na fogueira não era aplicada pela igreja e sim
pelo “braço secular”. Portanto, quando a sentença final era dada como “relaxado ao
braço secular”, queria dizer que foi sentenciado à fogueira. Outra penalidade eram os
trabalhos nas galés, que é a parte inferior das caravelas, onde os condenados tinham
que remar. Era uma situação de trabalho muito difícil, que gerava sérios problemas de
saúde para os condenados.
Havia ainda uma sentença muito aplicada, o “degredo”. Essa pena consistia na
expulsão da pessoa do local de origem e ela teria que morar em outra região, geralmente
inóspita. A sentença poderia ter um prazo para que o réu retornasse ou poderia ser
perpétua. Outro ponto interessante consistia no confisco de bens. Tudo que pertencia
ao acusado era confiscado e dividido entre a igreja e o governo. Além dessas, a pena
mais branda era o uso do hábito penitencial, ou sambenito, que era uma roupa especial
que o sentenciado deveria usar toda vez que saísse de casa. O seu uso poderia ser por
um determinado tempo ou perpétuo.
62
No decorrer do processo, era concedido ao réu um advogado de defesa, chamado
de procurador. Porém, segundo o Manual dos Inquisidores, seu papel era ajudar ao réu
a fazer a confissão. O tempo do encerramento do processo variava conforme a vontade
do réu em “cooperar” com a Inquisição. Houve casos que duraram mais de cinco anos,
outros bem menos, porém, dificilmente alguém sairia do cárcere em menos de um ano.
Quando a pessoa que conseguiu passar pelo processo inquisitorial e sua penalidade
fosse branda e, por algum motivo, posteriormente voltasse a ser processada, ela era
considerada como “relapsa”, e seria condenada à pena máxima.
63
LEITURA
COMPLEMENTAR
O EDITO DE MILÃO, MARÇO DE 313
Imperador Constantino
FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2. ed. São Paulo:
Aste, 1963, p. 44.
64
EDITO DE TESSALÔNICA
Imperador Teodósio I
FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2. ed. São Paulo:
Aste, 1963, p. 51, 52.
[A Igreja no século doze foi perturbada por várias espécies de heresias, sendo
as mais perigosas as dos albigenses e valdenses. Os primeiros eram maniqueus na
teoria e rigorosamente ascéticos na prática, embora seus adversários os acusassem de
excessos antinomianos. Os valdenses começaram tentando recuperar o que pensavam
ter sido a simplicidade da Igreja apostólica. Mas eles, como tantos outros grupos
que começaram com o mesmo propósito, tendiam a um sectarismo intransigente. O
Terceiro Concilio de Latrão em 1179, sob Alexandre III, pediu o auxílio do poder secular:
“Embora a disciplina da Igreja não leve a efeito retribuições cruentas, contentando-se
com o julgamento sacerdotal, ela, contudo, é ajudada pelos regulamentos dos príncipes
católicos, de modo que os homens frequentemente busquem o remédio salutar por
temor de incorrerem em castigos corporais.
65
Hereges convictos devem ser entregues a seus superiores seculares ou a seus
agentes para o devido castigo. Se forem clérigos, primeiramente devem ser destituídos.
Os bens dos leigos serão confiscados; os dos clérigos serão aplicados nas igrejas das
quais recebiam seus subsídios.
FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2. ed. São Paulo:
Aste, 1963, p. 181,182.
AS CRUZADAS
O CONCÍLIO DE CLERMONT: URBANO II (1095)
66
Por isso eu vos apregôo e exorto, tanto aos pobres como aos ricos – e não
eu, mas o Senhor vos apregoa e exorta – que como arautos de Cristo vos apresseis
a expulsar esta vil ralé das regiões habitadas por nossos irmãos, levando uma ajuda
oportuna aos adoradores de Cristo. Eu falo aos que estão aqui presentes e o proclamo
aos ausentes, mas é Cristo quem convoca [...].
Se os que forem lá perderem a sua vida durante a viagem por terra ou por mar
ou na batalha contra os pagãos, os seus pecados serão perdoados nessa hora; eu o
determino pelo poder que Deus me concedeu [...].
FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2. ed. São Paulo:
Aste, 1963, p. 83, 84.
FONTE: PEDRERO-SÁNCHEZ, M. G. História da idade média: textos e testemunhas. São Paulo: UNESP,
2000, p. 137.
67
QUESTÃO VI DO MARTELO DAS FEITICEIRAS
FONTE: KRAMER, H.; SPRENGER, J. O martelo das feiticeiras. Tradução de Paulo Fróes. 2 ed. Rio de Janeiro:
BestBolso, 2015, p. 119, 120.
68
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• As ideias de John Wycliffe e John Huss, condenadas pela Igreja como heresias,
serviram de base para a posterior Reforma Protestante, com Martinho Lutero.
69
AUTOATIVIDADE
1 Desde a expansão do cristianismo, houve a preocupação com a disseminação de
ideias que foram consideradas heréticas. No Mundo Medieval, os movimentos
heréticos foram ampliados, ou seja, novas ideias surgiram e, com elas, novas formas
de combatê-las. Tendo em vista tal contexto, assinale a alternativa CORRETA:
2 O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi um órgão criado pela igreja para combater
as heresias, ainda no período Medieval. Sobre o Tribunal do Santo Ofício, analise as
sentenças a seguir:
I- Foi um tribunal eclesiástico, que contou com o apoio do poder temporal, inclusive
para aplicar as sentenças mais drásticas.
II- A força da Inquisição estava não só nas prisões, como também no espetáculo feito
aos sentenciar os réus, além do aparato do medo e das denúncias.
III- A Inquisição foi um Tribunal formado para combater as heresias medievais. Sua
atuação foi eficaz e pouco tempo depois não foi mais necessária sua atuação.
3 O Tribunal do Santo Ofício da Inquisição foi o órgão criado pela Igreja católica
romana para processar as pessoas que eram acusadas de heresias. Partindo do que
estudamos sobre tal tribunal, avalie os itens:
70
( ) A tortura foi largamente empregada pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição,
principalmente no início do processo, tendo em vista amedrontar os réus.
( ) A Inquisição Medieval tinha como liderança o papa e os reis de cada país, pois, não
havia separação entre religião e Estado nessa época.
( ) A Inquisição foi um período que durou cerca de seiscentos anos, e teve início ainda
no período Medieval. Seu poder de atuação era restrito aos católicos.
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
5 Para combater as heresias, a Igreja católica adotou uma série de medidas desde a
antiguidade. No medievo, esse combate contou com a organização do Tribunal do
Santo Ofício da Inquisição. Explique, de forma sucinta, como funcionava este tribunal.
71
72
REFERÊNCIAS
AZEVEDO, L. V. de. As obras inglesas de John Wycliffe inseridas no contexto
religioso de sua época: da suma teológica de Aquino ao concílio de Constança, dos
espirituais fransciscanos a Guilherme de Ockham. 2010, 493f. Tese (Doutorado em
História Social) – Departamento de História. Universidade de São Paulo. São Paulo,
2010. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-14062011-
135520/publico/2010_LeandroVilleladeAzevedo.pdf. Acesso em: 18 jun. 2021.
BASURKO, X. O canto cristão na tradição primitiva. São Paulo: Editora Paulus, 2005.
BRUCE, F. F. O cânon das escrituras: como os livros da bíblia vieram a ser reconhecidos
como escrituras sagradas? Tradução de Carlos Osvaldo Pinto. São Paulo: Hagnos, 2011.
73
DIEBE, E. P. Pedro Abelardo Professor: O Ensino de Filosofia no Século XII. Clareira,
Revista de Filosofia da Região Amazônica. V. 1, N. 1, Jan-Jul, 2014. Disponível em:
https://www.periodicos.unir.br/index.php/clareira/article/view/3566/2446.
ELIADE, M. História das crenças e das ideias religiosas II: de Gautama Buda ao triunfo
do cristianismo. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar, 2011a.
ELIADE, M. História das crenças e das ideias religiosas III: de Maomé à Idade das
Reformas. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar, 2011b.
GOMBRICH, E.H. A História da arte. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2011.
KRAMER, H.; SPRENGER, J. O martelo das feiticeiras. Tradução de Paulo Fróes. 2 ed.
Rio de Janeiro: BestBolso, 2015.
74
MELLO, R. G. da; SILVA, J. J. P. A formação do homem em Atanásio. In: SEMINÁRIO DE
PESQUISA DO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO, 10., 2012, Maringá.
Anais [...] Maringá: PPE/UEM, 2012. p. 1-15. Disponível em: http://www.ppe.uem.br/
publicacoes/seminario_ppe_2012/trabalhos/co_04/094.pdf. Acesso em: 08 mar. 2021.
75
SILVA, G. V. Um bispo para além da crise: João Crisóstomo e a reforma da igreja
de Constantinopla. Revista PHOÎNIX, Rio de Janeiro, v. 16, n. 1, p. 109-127, 2010.
Disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/phoinix/article/view/36576/20145.
Acesso em: 08 mar 2021.
76
UNIDADE 2 —
O CRISTIANISMO NA IDADE
MODERNA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
77
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 2!
Acesse o
QR Code abaixo:
78
UNIDADE 2 TÓPICO 1 —
AS MUDANÇAS RELIGIOSAS NA
IDADE MODERNA
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos, na Unidade I, as principais mudanças ocorridas
no cristianismo na Europa no período Medieval. Foi uma época de profundas mudanças
sociais e políticas. O sistema feudal era majoritário na Europa e os reis eram grandes
senhores feudais.
Nesse ínterim, a Europa passou pela peste negra, que dizimou cerca de um terço
da população, e, com o aumento do comércio e a diminuição dos números de servos nos
feudos, o sistema que estava consolidado começou a ruir. Os comerciantes chamados
de burgueses, pois viviam nos burgos, que eram as feiras, estavam necessitando de
medidas estatais para auxiliar no comércio.
Não é nosso intuito explicar como esse fenômeno ocorreu, porém, é importante
entendermos essa mudança sociopolítica, já que ela afetou, também, a forma com que
a igreja católica passou a exercer seu domínio na sociedade. O período do absolutismo
monárquico não alcançou os países citados na mesma época. Eles tiveram que enfrentar
disputas internas e externas para se consolidarem.
79
súditos também eram. Somente a Inglaterra optou por um sistema de governo no qual
o monarca não era absoluto, já que escolheram a monarquia parlamentarista, em que o
rei tinha seu poder controlado pelo Parlamento. Porém, a relação entre rei e parlamento
nem sempre foi harmônica, principalmente após a Reforma Protestante.
80
FIGURA 1 – TETO DA CAPELA SISTINA, MICHELANGELO, 1512
81
Na Figura 1, a pintura de Michelangelo faz um relato das histórias bíblicas. Em
uma sociedade em que a maior parte da população era analfabeta, contar as histórias
sagradas pelas imagens era importante. É possível observar os destaques do corpo
humano em cada representação, diferente do que ocorreu com a arte do período
Medieval. Essa foi uma das maneiras de expressar a ideia antropocêntrica, tão apregoada
no Renascimento.
Caro acadêmico, devemos lembrar, porém, que a igreja católica ainda estava
como centro da cultura e do modo de pensar na Europa. Ela atuava junto aos reis
absolutistas, na busca de hegemonia religiosa. Sendo assim, você já deve ter percebido
que as ideias renascentistas nem sempre foram bem recebidas pela igreja. Todavia, é
82
importante lembrar que os estudiosos da Renascença não eram necessariamente contra
o cristianismo. Ao contrário, eles prezavam pela religião. Entretanto, a interpretação dada
sobre os limites do clero na vida das pessoas, das artes e da ciência é que passaram
a ser contestados. Por isso mesmo é que as perseguições foram constantes, vejamos
alguns exemplos:
Tal ideia era a favor da Terra como centro do universo, tendo os astros girando
ao redor dela. Todavia, para que não tivesse a penalidade máxima da Inquisição, Galilei
teve que, publicamente, negar a veracidade de seus estudos (BAIARDI, 2011). Galileu se
considerava um fiel católico e defendia que a Bíblia não continha erros, porém, algumas
das interpretações feitas pela igreja poderiam ser equivocadas. Além disso, Galileu também
defendia que a Bíblia não deveria ser interpretada literalmente. Quanto às questões da
ciência, sua posição era de que ela não poderia sofrer influências externas, inclusive da
religião (BAIARDI, 2011).
DICA
Para conhecer mais dos processos inquisitoriais envolvendo Galileu
Galilei, leia o artigo do professor Amílcar Baiardi (2011), disponível em:
https://bit.ly/3HMbJga.
Amplie seus conhecimentos da relação da impressa na Renascença, lendo o
artigo de Ribeiro, Chagas e Pinto, disponível em: https://bit.ly/3xLCGvL.
83
Lembremos, caro acadêmico, que a Inquisição atuava com força e com o aval
dos reis. Sendo assim, a liberdade de expressão que fugisse do pensamento da Igreja não
era permitida. Outro fator relevante no período renascentista se deu por meio da maior
divulgação do conhecimento, em virtude do surgimento da imprensa, como já ressaltamos.
Os livros, antes feitos à mão, levavam muito tempo para serem confeccionados,
o que os tornavam caros e de difícil acesso e circulação. Com a invenção da imprensa
de tipos móveis por Gutemberg (1400-1468), foi possível o avanço de ideias divergentes
com mais rapidez. Contudo, não devemos achar que era tão ágil como foi após a
Revolução Industrial. Devemos lembrar, também, que o índice de analfabetismo era
muito alto, porém, entre a população que tinha acesso à educação, houve um aumento
no contato e na circulação das ideias renascentistas.
84
FIGURA 4 – TIPOS MÓVEIS
85
em conflito, pela primeira vez, com a igreja estabelecida. Mas o
choque era inevitável. Agora, os homens tinham condições de
estudar os textos gregos e hebraicos no original e compará-los com
a versão recebida em latim, tratada como sacrossanta no Ocidente
por séculos (JOHNSON, 2001, p. 322-323).
DICA
Um bom filme para entendermos a mentalidade Medieval em contraponto
com a Renascentista é O nome da rosa, dirigido por Jean-Jacques Annaud.
Ele é baseado no livro de mesmo nome, de Umberto Eco: https://www.
adorocinema.com/filmes/filme-2402/. Há, também, a série lançada em
2019: https://www.adorocinema.com/series/serie-22858/.
3 A INQUISIÇÃO MODERNA
Caro acadêmico, vimos que a Europa estava passando por mudanças religiosas,
políticas e sociais intensas, no final do século XV. A Inquisição estava ampliando seu
domínio, sendo instituída em diversos países. Todavia, apesar de Roma ser a sede geral
da Igreja e comandar o Tribunal do Santo Ofício, ela precisava da ajuda dos governantes
para que seu poder se efetivasse.
Nem sempre essas relações eram harmoniosas, por isso, cada país acabava
fazendo leis sobre o papel do catolicismo na vida da sociedade e como se daria o domínio
da Inquisição em seu território. Estudaremos, agora, como funcionou, na Península
Ibérica, o Tribunal do Santo Ofício, pois ele se tornou como um dos principais tribunais
inquisitoriais e, diferente de outras regiões, ele atuou com uma grande interferência do
estado, em detrimento de Roma.
Durante a Idade Média, a Península Ibérica foi o local da Europa com uma maior
convivência pacífica entre cristãos, judeus e islâmicos. Os judeus não conseguiram
ter o domínio político da região, mas os islâmicos, sim. Tal fator fez com que guerras
fossem realizadas para acabar como domínio islâmico no território, e estabelecesse o
cristianismo como liderança política e social. Tal feito só foi possível quando houve a
unificação da Espanha (NOVINSKY, 1982).
86
Na Espanha, a Inquisição teve início em 1478, no governo dos Fernando de
Aragão e Isabel de Castela, conhecidos como os reis católicos. Eles haviam conseguido
unificar o território, o que causou uma perseguição intensa a quem não fosse cristão.
Contudo, com a Inquisição instalada no reino, a vida das pessoas que não eram católicas
não foi alterada. Caro acadêmico, você deve estar lembrado que a Inquisição só poderia
atuar entre os cristãos, ou seja, os que já haviam recebido o batismo. Por isso, os reis
usaram da tática de expulsão do território, para os que não se convertesse.
87
impostas aos prisioneiros para que se tornassem cristãos. Os soldados
e os clérigos uniram-nos de água batismal a força, arrastando-os pelos
cabelos e pela barba até às igrejas. O único meio de se subtraírem a
essa brutalidade foi então o suicídio. Alguns saltaram pelas janelas do
edifício d’Os Estaus, ou precipitaram-se nos poços. A maioria tornou-
se cristã, como escreveria o humanista português Jerônimo Osório, por
‘um ato iníquo e injusto cometido contra as leis e contra a religião’, pois
forçando os judeus a fingir uma fé que abominavam, o rei deu azo ‘a
que, pela simulação religiosa, a religião fosse indignamente profanada’
(WILKE, 2009, p. 67).
Após esse processo de conversão forçada, uma vez “cristãos”, eles estariam
subordinados à Igreja católica e, se fossem pegos realizando práticas que fugissem do
padrão aceito pela religião dominante, poderiam ser processados pela Inquisição. Ao
obrigar esses judeus a abraçarem uma fé na qual eles não tinham interesse, a vigilância
passou a ser intensa para que eles não tivessem as práticas da sua antiga religião. Alguns
cristãos-novos procuravam praticar o judaísmo clandestinamente. A esse judaísmo
camuflado os estudiosos deram o nome de criptojudaísmo.
O início da Inquisição no solo português foi solicitado ao papa por D. João III em
1531, que reinou em Portugal entre 1521 e 1557. O papa Clemente VII constituiu o tribunal
com a bula Cum ad nihil magis, em dezembro do mesmo ano. Porém, tal decisão foi
revista após um ano. Em 1536, o papa Paulo III voltou a autorizar o estabelecimento do
tribunal em Portugal, porém de uma forma restrita, não podendo, por exemplo, confiscar
bens durante dez anos. Inicialmente, a Inquisição esteve limitada, sendo que, em 1539,
o rei D. João III concedeu ao seu irmão, D. Henrique, o cargo de inquisidor. A partir do
seu comando, tal tribunal passou a agir mais violentamente, tendo sido o primeiro auto-
de-fé realizado, em 1540. Outros tribunais foram instaurados no Reino português nas
cidades de Évora, Coimbra, Lamego, Porto e Tomar (WILKE, 2009).
88
Caro acadêmico, como já estudamos, havia dois livros principais que direcionavam
o funcionamento da Inquisição em qualquer país: O Manual do Inquisidor, escrito por
Nicolau Eymerich, em 1376, e ampliado, em 1578, por Francisco de La Peña, e o Martelo
das Feiticeiras (Malleus Maleficarum), escrito por Heinrich Kramer, em 1486. Esses dois
livros trazem as principais ideias de quem deveria passar pelo tribunal inquisitorial.
Caso as acusações fossem mais graves, ele deveria encaminhar para o Tribunal
mais próximo. No caso do Brasil, ocorreram três visitações. Todos os casos relativos ao
Brasil Colonial foram julgados pelo Tribunal de Lisboa. No geral, os “crimes” mais comuns
apurados pela Inquisição foram:
89
acabavam contraindo novo matrimônio e, claro, não diziam que já eram casados. Era
comum que, quando pegos, eles alegassem que achavam que suas esposas haviam
morrido, pois alguém havia falado a eles.
• Solicitantes: era quando os padres eram acusados de obterem favores sexuais nos
confessionários, de forma consensual ou não.
• Feitiçaria: pessoas acusadas de fazerem sortilégios, pacto com o diabo, entre outros.
Porém, os casos de feitiçaria foram menos comuns na Península Ibérica.
• Havia, ainda, a perseguição às pessoas que disseminassem ideias de outras vertentes
religiosas, como o islamismo, o luteranismo ou o calvinismo. Além disso, quem fosse
pego portando algum livro proibido também seria preso.
DICA
Para conhecer as ordenações portuguesas, visite os seguintes links.
Ordenações Afonsinas: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/afonsinas.
Ordenações Manuelinas: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/manuelinas/.
Ordenações Filipinas: http://www1.ci.uc.pt/ihti/proj/filipinas/ordenacoes.htm.
90
3.1 ESTATUTOS DE PUREZA DE SANGUE
Os Estatutos de Pureza de sangue iniciaram na Espanha em 1449, e, em Portugal,
o processo discriminatório foi paulatino, tendo-se iniciado, sobretudo, nas ordenações
religiosas (SARAIVA, 1994, p. 113). Sobre esse tema, Carneiro (1988) nos apresenta um
panorama das leis portuguesas nas quais se excluía à participação de cargos públicos
e de ordens religiosas pessoas que tivessem em sua ascendência familiar algum tipo de
“sangue infecto”, ou seja, mouro, judeu, cigano, negro, indígena, mulatos e cristão-novo
(CARNEIRO, 1988, p. 12).
Portanto, para uma pessoa conseguir ter algum cargo nos governos da Espanha
ou de Portugal ou fazer parte de alguma ordem religiosa, deveria comprovar que sua
linhagem era “pura”, ou seja, se não havia ascendentes familiares de nenhuma categoria
marcada como sangue infecto. Os estatutos de pureza de sangue no reino português só
deixaram de existir no período da administração pombalina, em 1773 (CARNEIRO, 1988).
DICA
Alguns documentários sobre a Inquisição:
O martelo das feiticeiras, produzido pela National Geografic.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Bt1NddkM_UE.
A estrela oculta do sertão. Elaine Eiger; Luize Valente. Brasil: Fototema, 2005.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=zM6dRc5mrtM&t=24s.
Caminhos da memória: a trajetória dos judeus em Portugal. Elaine
Eiger; Luize Valente. Brasil: Fototema, 2002.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=JNuz7wEd7Lw.
A santa visitação. Elza Cataldo. Brasil: Persona Filmes, 2006.
Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=kTICGiqp2vA.
91
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• A Inquisição atuou com mais ênfase, expandido seu domínio em diferentes países,
principalmente após a Reforma Protestante.
92
AUTOATIVIDADE
1 Confira o trecho a seguir e, em seguida, responda à questão proposta. “Em 1615
começam a se acumular denúncias e depoimentos formais contra Galileu, a exemplo
das do padre Tomaso Caccini, que continha detalhes e envolvia os discípulos de
Galileu [...]. No seio da própria igreja havia vozes favoráveis a Galileu como a do vigário
Attavanti e do padre Mihelangelo Buonarroti. [...] De outro lado, a concorrer para a
animosidade estava o fato de Galileu, na condição de católico, entender que era sua
missão flexibilizar a interpretação da Igreja sobre Copérnico, para que a autoridade
desta não fosse atingida quando se tornasse irreversível a aceitação universal do
heliocentrismo” (BAIARDI, 2011, p. 7). Vários representantes do Renascimento Cultural
e Científico tiveram suas publicações tiradas de circulação pela Igreja, além de muitos
sofrerem processos pelo Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. Sobre esse assunto,
assinale a alternativa CORRETA:
93
Assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
94
UNIDADE 2 TÓPICO 2 -
PERÍODO DE REFORMAS
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos até aqui os principais passos do cristianismo
e sua luta contra as ideias consideradas heréticas. Porém, em 1517, um novo cisma
ocorreu dentro da cristandade, com o monge Martinho Lutero (1483-1546) expondo seu
pensamento a respeito das vendas de indulgências.
2 A REFORMA PROTESTANTE
Caro acadêmico, abordaremos, agora, os principais aspectos do movimento da
Reforma Protestante, iniciada por Martinho Lutero. Esse foi o segundo rompimento que
ocorreu com a Igreja Católica. Várias igrejas surgiram a partir dele, e desenvolveram
doutrinas diversas. O protestantismo abalou a hegemonia do catolicismo romano na
Europa Ocidental e na América.
95
2.1 O LUTERANISMO
Para entendermos o processo que levou a formação da igreja luterana, de acordo
com Eliade (2011), faz-se necessário conhecer um pouco da vida de Martinho Lutero,
pois foram suas inquietações e experiências que o fizeram questionar alguns aspectos
da doutrina aceita pela Igreja católica. Personagem central no movimento reformista,
nasceu em Eisleben, no atual território alemão. Aos 22 anos, ingressou para a ordem dos
agostinianos, na cidade de Erfurt, e, em 1507, ordenou-se sacerdote. A partir daí, iniciou
como professor na universidade de Erfurt e Wittenberg. Lutero passou por período de busca
espiritual intensa. Foi a Roma e ficou transtornado pelo que considerou “decadência da
Igreja” (ELIADE, 2011, p. 225), em virtude da vida desregrada em que muitos sacerdotes
viviam. Outra questão que o atormentava era a ideia de um Deus vingativo, punitivo, mesmo
quando pensava na figura de Jesus, como nos explica o historiador Lucien Febvre:
[...] tudo, até as obras de arte nas capelas ou nos pórticos das igrejas,
falava ao jovem Lutero de um Deus terrível, implacável, vingativo,
que contabilizara rigorosamente os pecados de cada um para jogá-
los na face aterrorizada de miseráveis fadados à expiação. Doutrina
atroz, do desespero e dureza; e qual o pobre alimento de uma alma
sensível, impregnada de amor e ternura? [...] Assim, depois de entrar
no convento para ali descobrir a paz, a ditosa certeza da salvação,
Lutero só encontrou a dúvida e terror. Em vão, para desarmar a ira
atroz de um Deus enfurecido, redobrava as penitências, mortíferas
para seu corpo, irritantes para sua alma (FEBVRE, 2012, p. 30, 31).
Foram seus estudos da carta aos Romanos, a qual ele considerava o texto mais
importante da Bíblia, que Lutero chegou à conclusão de que é a fé em Jesus que salva, e
esta salvação só pode ser concedida por Deus e de forma gratuita. “Lutero elaborou essa
descoberta em seu curso de 1515, desenvolvendo o que ele chamava de uma ‘teologia da
cruz’” (ELIADE, 2011, p. 225). Essa visão foi sendo desenvolvida por ele em seus estudos,
ensinos e sermões. Observemos que ela contrasta com importância dada a questão das
obras e dos ritos, além das indulgências que eram tão divulgadas pela Igreja. O dinheiro e
os bens adquiridos por meio das indulgências eram usados para sustentarem conventos,
monastérios, construções de igrejas, dentre outras coisas. Era uma entrada de renda
significativa para Roma e os Estados.
96
O desgosto de Lutero com a venda de indulgências ficou mais latente com as
pregações do dominicano Tetzel, no território alemão. A ênfase nas indulgências era
para angariar fundos para a construção da basílica de São Pedro (SHELLEY, 2004). Em
31 de outubro de 1517, Lutero tornou públicas as suas teses que iam de encontro a ideia
das indulgências. Enviou uma carta ao papa Leão X procurando explicar seus motivos,
e este o convocou para ir a Roma se desculpar. Lutero conseguiu, pela influência de
Frederico III, eleitor da Saxônia, que seu caso fosse julgado no território germânico
(ELIADE, 2011), e não se retratou.
97
FIGURA 6 – BÍBLIA DE LUTERO EXPOSTA NA BIBLIOTECA NACIONAL DO RIO DE JANEIRO
98
Depois de 1530, o imperador Carlos V deixou clara sua intenção
de reprimir a crescente heresia. Em sua defesa, os príncipes
luteranos uniram-se em 1531 na Liga Schmalkald, e entre 1546 e
1555 irromperam esporadicamente uma ou outra guerra civil. Os
combatentes firmaram um compromisso na paz de Augsburgo
(1555) que permitia a cada príncipe decidir a religião de seus súditos
(SHELLEY, 2004, p. 274).
99
Um dos conflitos de ideias no qual Lutero se envolveu foi com Erasmo de Roterdã
(1466-1536), teólogo, escritor e um dos grandes nomes do Renascimento cultural.
Inicialmente, quando Lutero expôs as 95 teses, Erasmo sugeriu a Igreja que não o condenasse,
mas que dialogasse. Essa postura não foi bem-vista nem pela Igreja, nem por Lutero, pois
ambos impunham que ele definisse de qual lado estava. Antes mesmo de Lutero, Erasmo
já criticava algumas posturas da Igreja e falava da necessidade de mudanças. Vejamos
algumas questões levantadas por Erasmo.
DICA
Acadêmico, confira algumas dicas de filmes sobre Lutero e sua história nos
links a seguir:
• Martinho Lutero. Direção de Irvring Pichel. Alemanha: 1953. Disponível
em: https://filmow.com/martinho-lutero-t26173/ficha-tecnica/.
• Luther. Direção de Eric A. Stillwell. Alemanha: 2003. Disponível em:
https://filmow.com/lutero-t1843/ficha-tecnica/.
100
2.2 HULDRYCH ZWINGLI
Representante importante da Reforma Protestante, Zwingli (ou Ulrico Zuínglio)
(1484-1531), iniciou um movimento de mudanças na Igreja na cidade de Zurique, na
mesma época em que Lutero desenvolvia suas ideias em Wittemberg. Antes da unificação,
o território da atual da Suíça era a Confederação Helvética, formada por estados
independentes. Zwingli foi a figura responsável por disseminar as ideias da Reforma pela
Confederação, abrindo o caminho para Calvino posteriormente (MAINKA, 2001).
Diante da postura política antifrancesa que adotou com relação aos assuntos no
território Suíço, Zwingli teve que sair da região de Glarus, pois esta estava governada pelo
partido pró-França. Zwingli passou a ser sacerdote em Maria-Einsiedeln e, posteriormente,
em 1519, se estabeleceu na região de Zurique. Ao desenvolver seus estudos, ele concluiu
de que a Bíblia deveria nortear a vida da igreja. É importante salientar que tal concepção
não veio da influência de Lutero, sendo um movimento concomitante:
101
O clima de insatisfação foi se ampliando, até que o conselho municipal
convocou um debate em Zurique, sobre os pontos discordantes da Igreja que estavam
sendo levantados por Zwingli. No debate, ele expôs suas ideias no que chamou de “67
discursos finais”, quando explicou:
Com o apoio que Zwingli recebeu, uma nova igreja foi sendo estruturada em Zurique,
sob sua liderança. Porém, outro líder, Conrado Grebel, passou a expor a necessidade de
mudanças mais consistentes, como a separação da Igreja com o Estado, algo que Zwingli
não concordava, além do batismo somente de adultos, e não de crianças como a igreja
era acostumada a fazer. Tais divergências geraram perseguições sérias ao grupo que ficou
conhecido como anabatistas. Sobre esse tema, estudaremos mais adiante.
Caro acadêmico, você pode estar se perguntando sobre a relação entre Zwingli
e Lutero, já que, para nós, hoje, pareça que as ideias deles convergiam. Entretanto, não
houve uma união entre os dois reformadores. Zwingli não concordou com o documento
enviado pelos luteranos às autoridades, a confissão de Augsburgo, principalmente
sobre a questão da eucaristia. Zwingli, como já expomos, trouxe ideias mais radicais que
Lutero, e via os elementos eucarísticos apenas como pão e vinho, não aceitando uma
presença física de Cristo em tal rito. Essa questão foi levada tão a sério que se tornou
o ponto decisivo para que os dois reformadores não se unissem. Lutero não aceitava
que Cristo era sacrificado a cada celebração da ceia, como, segundo ele, afirmavam
os católicos; ele acreditava que havia a presença real nesse momento. Já Zwingli via
a cerimônia como um símbolo, um momento de lembrança do sacrifício de Cristo, ou
seja, nem aceitava a transubstanciação católica, nem a consubstanciação Luterana
(MAINKA, 2001).
102
Todavia, as querelas religiosas passaram a ser o centro de discórdia da
Confederação Helvética, o que gerou duas guerras conhecidas como guerras de Kappel.
Em uma das batalhas, Zwingli foi morto e as tropas de Zurique derrotadas. Essa derrota
freou o avanço do protestantismo na região da Suíça por um tempo, mas foi retomado,
como veremos a seguir, com a figura de Calvino.
2.3 O CALVINISMO
Nascido na França, João Calvino (1509-1564) já havia decidido rejeitar o
catolicismo ainda aos 24 anos de idade. Unindo e reelaborando as ideias de Lutero
e de Martin Bucer (1491-1551), Calvino escreveu o que veio a ser sua principal obra,
Instituição da Religião cristã, ainda em 1536 (JOHNSON, 2001). O interessante de suas
ideias é que não ficaram restritas a uma denominação, como no caso do luteranismo ou
anglicanismo. O calvinismo acabou influenciando diversas denominações protestantes
que vieram a surgir, e a grande inspiração de seu pensamento estava nas obras de
Agostinho. Assim como Lutero, Calvino concordava com a teoria da predestinação
divina, sobre a qual ele se debruçou mais até do que Lutero, inclusive os seguidores de
Calvino desenvolveram ainda mais essa hipótese posteriormente.
Após sua chegada à cidade, a missa foi banida, assim como as demais formas
de protestantismo. Quem não quisesse se submeter era excomungado e expulso da
cidade e, em alguns casos, até mesmo morto. Calvino, inclusive, se posicionou favorável
à perseguição e morte dos anabatistas. Vejamos o comentário de Johnson:
103
[...] a execução, como descobriu Calvino, também era útil para inspirar
terror e, assim, acarretar obediência. Um de seus modos preferidos de
triunfar sobre um oponente consistia em fazê-lo queimar seus livros
em praça pública, com suas próprias mãos – Valentin Gentilis salvou
sua vida submetendo-se a essa indignidade. Era particularmente
severo com qualquer um que se rebelasse contra seu governo ou
recorresse ao Novo Ensino para questionar a doutrina da Trindade
(JOHNSON, 2001, p. 348).
104
que era um lugar comum na Europa do século 16. [...] O problema é
que as autoridades civis de Genebra também reivindicavam o direito
de se pronunciar sobre os casos levados ao Consistório. A maior parte
dos pecados que requeriam censura eclesiástica estavam igualmente
inseridos nas leis civis daquela cidade-estado. Surgiu, assim, um
conflito de competência entre as duas esferas, principalmente no
que diz respeito à excomunhão e readmissão à mesa do Senhor
(MATOS, 2013, p. 65, 66).
2.4 OS ANABATISTAS
Os anabatistas receberam vários rótulos no início do movimento protestante,
principalmente o de radicais. A expressão anabatista foi um apelido dado pelos seus
adversários, pois significava “rebatizador” (SHELLEY, 2004). A ênfase do seu discurso
atingia tanto aos católicos quanto aos protestantes. Atualmente, as denominações
menonitas e amish são as herdeiras do seu legado. Esse movimento pode ser divido em
três fases: revolucionários, pacifistas e milenaristas (ROSA, 2016). Abordaremos, agora,
as principais características dessas fases.
105
O movimento anabatista surgiu na década de 1520 e atingiu diversas cidades,
tanto do território germânico, como em Zurique. Apesar de haver diferenças entre as
fases, alguns posicionamentos eram constantes nas vertentes anabatistas.
A não aceitação do batismo infantil talvez tenha sido um dos maiores conflitos
entre eles e o protestantismo na época. Tal ponto se relacionava à ideia de que o Estado
não deveria estar ligado à religião, pois, segundo os anabatistas, o indivíduo deveria poder
escolher a religião que quer seguir. Por isso, defendiam que o batismo só poderia ocorrer na
fase adulta, quando o indivíduo, por sua livre escolha, decidisse fazer parte de tal seguimento
religioso. O batismo infantil condicionava o indivíduo a determinada religião, devido ao pacto
entre Igreja e Estado, e isso o levava a uma vida sem o poder de escolha no campo religioso:
Eles criam que a Reforma deveria purificar não apenas a teologia, mas
também a vida integral dos cristãos, especialmente no que se referia
aos relacionamentos sociais e políticos. Portanto, a igreja não deveria
ser apoiada pelo Estado, nem por dízimos, nem por impostos, nem
pelo uso da espada. O Cristianismo era uma questão de convicção
individual, que não poderia ser imposta a quem quer que fosse mas,
ao contrário, requeria uma decisão pessoal. Segue-se, então, que
infantes não deveriam ser batizados, pois eles não podem fazer tal
decisão. (GONZALEZ, 2004, p. 89, 90).
Outros anabatistas foram pregar na região de Tirol, onde foram perseguidos pelos
católicos. Blaurock, o primeiro rebatizado, foi morto na fogueira. Os que conseguiram
fugir foram para a Morávia e conseguiram um período de paz. Eles “fundaram uma
forma duradoura de comunidade econômica chamada Bruderhof, uma comunidade
de cristãos. Seu propósito era, em parte, seguir o modelo das primeiras comunidades
apostólicas” (SHELLEY, 2004, p. 280). Esse grupo passou a ser chamado de huteritas.
106
Os anabatistas liderados por Grebel não viam como boa a união da Igreja com o
Estado e proclamavam uma separação dos “santos”, “eleitos”. Eram contra, inclusive, que
os seus liderados assumissem cargos no governo, “não pagavam tributos de guerra e não
faziam juramentos (ROSA, 2016, p. 134). Todavia, seu intuito não era de ir contra as autoridades
seculares no intuito de guerrear contra elas, como no caso dos anabatistas radicais.
Já Müntzer foi mais além, pois lutou por mudanças mais radicais da estrutura
da sociedade e que o poder deveria ser das pessoas comuns e não dos nobres. Ele,
que havia sido sacerdote católico e tinha se convertido às ideias luteranas, criticava
Lutero por não ter lutado para mudar de fato as estruturas, ficando somente no
campo teológico. Segundo Müntzer, o Espírito Santo dissolvia os padrões de classe e
nacionalidade, fazendo com que todos fossem iguais. E isso deveria ser levado a cabo
com o fim das desigualdades sociais. A igreja, então, deveria refletir essa realidade,
deveria proporcionar aos fiéis um ambiente sem propriedade privada, sem classes (ROSA,
2016). Ele era enfático na questão da luta social, retomando a ideia bíblica de que os
menos desfavoráveis é que tem a revelação e não os nobres e o governo. Sua proposta,
inclusive, era de exterminar os governos ímpios: “os governantes ímpios deveriam ser
mortos, especialmente os sacerdotes e monges que insultam os evangelhos como uma
heresia e, ao mesmo tempo desejam ser considerados os melhores cristãos” (ROSA,
2016, p. 133). Em 1525, junto com milhares de camponeses, Müntzer conduziu seu
projeto revolucionário na batalha de Frankenhausen, na qual cerca de 5 mil pessoas
foram mortas e ele foi capturado, sofreu tortura e foi morto (ROSA, 2016).
Seus seguidores foram aumentando, em sua maioria, pessoas mais pobres. Ele foi
preso e morreu na prisão. Mesmo assim, suas ideias continuaram entre seus seguidores,
sob a liderança de Jan Matthys (1500-1534), até que eles tomaram a cidade de Münster e
proclamaram o “Reino de Münster”, e que aquela cidade se tornaria o “Reino de Jerusalém.
107
Todos aqueles que não aderissem ao movimento foram expulsos da cidade ou executados,
a poligamia foi instituída, a comunhão de bens passou a ser regra e um governo teocrático
foi instaurado” (ROSA, 2016, p. 136).
Após esse episódio drástico, outro líder surgiu, menos revoltoso e sob uma
pregação pacífica. Menno Simons (1496-1561) foi responsável pela liderança dos
anabatistas, que passaram a ser conhecidos também como menonitas.
Ele foi morar na cidade de Leiden, onde concluiu seus estudos e se dirigiu a
Holanda, para estudar com Teodoro de Beza (1519-1605). De lá, foi convidado para ser o
pastor em uma igreja em Amsterdã.
109
O sínodo contrapôs as ideias arminianas elaboradas pelos remonstrantes, e
elaboraram os Cinco pontos do Calvinismo (TULIP), que consiste em: “depravação total
(Total Depravity); Eleição Incondicional (Unconditional Election); Expiação Limitada (Limited
Atonement); Graça Irresistível (Irresiteible Grace); Perseverança dos Santos (Perseverance
os the Saints)” (LEITE, 2016, p. 70). Com esses pontos, o Sínodo marcou seu posicionamento
contra as ideias remonstrantes. Os arminianos foram expulsos ou mortos após o Sínodo:
“[...] João Uirenbogaert, exilado e bens confiscados. Simão Spiscópio, banido. Jan van
Oldenbarnevelt, decapitado. Hugo Grócio, prisão perpétua. Os pastores arminianos – uns
200 deles – perderam seus cargos; muitos banidos do país. Os demais reagiram e formaram
uma Irmandade Remonstrante” (LEITE, 2016, p. 73).
2.6 O ANGLICANISMO
Caro acadêmico, agora chegou o momento de abordarmos os conflitos
religiosos que ocorreram na Inglaterra. Esta foi uma região que muito importante, tanto
para o desenvolvimento do protestantismo, quanto para o surgimento de diferentes
movimentos. Além disso, foi desse país que saíram, inicialmente, os primeiros
protestantes para o continente americano.
O rei Henrique VIII (1491-1547), governava a Inglaterra no período em que teve início
os movimentos reformistas na Europa. É importante lembrarmos que a situação política da
Inglaterra era diferente dos demais países. Enquanto o absolutismo monárquico, em que o
rei concentrava os poderes legislativo, executivo e judiciário, era a realidade de praticamente
toda a Europa, na Inglaterra, o sistema era diferente. O rei tinha sua importância, todavia, seus
poderes eram subordinados ao parlamento.
O rei Henrique VIII subiu ao trono pois seu irmão, Artur, que era o primogênito
e, portanto, assumiria o trono, morreu. Ele havia se casado com Catarina de Aragão, em
virtude de uma aliança feita entre a coroa espanhola e inglesa e seu pai, o rei Henrique VII.
Porém, após a morte do príncipe Artur, as coroas decidiram casar a viúva, Catarina, com
Henrique VIII, já que o trono inglês seria dele. Porém, entrava em jogo a questão do direito
canônico, que proibia o casamento com a viúva do irmão. Essa questão foi resolvida com
uma autorização papal.
110
O desejo por uma igreja inglesa ainda estava presente, como assinala Shelley
(2004, p. 296) “durante séculos, a igreja na Inglaterra mobilizou-se para tornar-se
independente de Roma. No tempo de Lutero, a maior parte dos patriotas ingleses percebia
o caráter distintivo da fé em sua terra natal”. Esse sentimento nacionalista, que estava
presente em outros países também, acabou aflorando com o movimento da Reforma.
111
Após a morte do rei Henrique VIII, seu filho Eduardo VI (1537-1553) assumiu
ao trono em 1547. Com o seu governo, a igreja Anglicana começou um processo
de mudanças, o que a tornou mais próxima das ideias protestantes que estavam
ocorrendo. O latim foi retirado do culto e a língua local instituída. Além disso, foi
instituído para o rito o Livro de Orações Comum (LOC), de Thomas Cranmer (1489-1556).
Um dos fatores mais importantes foi o cancelamento dos Seis Artigos que haviam sido
instituídos no reinado de Henrique VIII e a permissão para que o sacerdote pudesse se
casar. O reinado de Eduardo foi curto, apenas de seis anos, e o trono passou para sua
meia irmã, Maria Tudor.
112
2.7 O PURITANISMO
O puritanismo foi uma forma de vivenciar o cristianismo que surgiu na
Inglaterra, dentro da Igreja Anglicana. Segundo Campos (2014), esse termo foi
empregado a primeira vez, provavelmente em 1567, para diferenciar o movimento que
pedia mudanças dentro do anglicanismo.
Outro ponto relevante era que, no sistema anglicano, a tradição era importante,
assim como no catolicismo, o que era criticado pelos puritanos, pois defendiam que a
Bíblia era o princípio para seu modo de vida. Com relação à forma de culto, o sistema
anglicano valorizava os pormenores do rito, enquanto os puritanos queriam que fosse
estabelecida a simplicidade e espiritualidade (CAMPOS, 2014).
Como estudamos, a mudança religiosa que o rei Henrique VIII estabeleceu não
ocasionou um rompimento de fato com a teologia católica. Somente a partir do governo
de seu filho, Eduardo VI, é que os anseios por mudanças mais profundas nas questões
religiosas foram atendidos. Ainda assim, o movimento puritano exigia que fossem
tomadas medidas mais profundas de rompimento com as características católicas.
113
[...] perseguiram os protestantes radicais (os puritanos) dentro e fora
do Parlamento e tornaram a Igreja da Inglaterra novamente muito
semelhante à Católica. Muitos puritanos emigraram para a América
para a construção de uma sociedade como desejavam. Muitos
parlamentares puritanos que ficaram na Inglaterra desistiram de lutar
e voltaram para o que consideravam seu verdadeiro chamado: salvar
almas (CAMPOS, 2014, p. 7).
114
Maria Stuart, católica, casou-se com o francês Delfim Francisco II (1544-1560).
A França, que tinha um reinado católico e era inimiga da Inglaterra, não viu com bons
olhos tal união. Assim que Francisco II morreu, Maria Stuart retornou à Escócia. No
período em que esteve na França, o protestantismo se proliferou no território escocês,
e a liderança de Knox ficou forte.
2.9 OS QUACRES
A Inglaterra do início do século XVII estava passando por transformações sociais
importantes. Com a ampliação do processo conhecido por “cercamento”, que consistiu
em cercar as terras cumunais, ou seja, terras que poderiam ser usadas por todos,
várias pessoas que tinham pequenas propriedades rurais se viram sem condições de
sobreviver, pois utilizavam os recursos de tais terras. Houve, então, um êxodo para
regiões urbanas, o que formou uma massa de desempregados nesses lugares.
Ao ler a Bíblia e enxergar questões que não eram priorizadas pela Igreja
anglicana, acabaram compondo uma teologia diferente do que era aceito, como, por
exemplo, ao defender que o clero não deveria ser remunerado pelo Estado, e sim por
contribuições dos fiéis, de forma voluntária.
115
Em alguns casos, também defendiam que os leigos poderiam pregar, além de
pontos que eram considerados mais radicais para a sociedade da época:
Outros pontos, no entanto, eram tidos como mais radicais, como não aceitar
a questão da ressurreição de Cristo, pois acreditavam que a ressurreição acontecia
internamente, no caso dos bons, e não criam na volta de Cristo. Vejamos algumas
crenças quacres na década de 1650:
116
(1) A Bíblia não é o verbo de Deus; (2) todo homem, neste mundo, tem
dentro de si o espírito de Cristo; (3) o Jesus Cristo que foi crucificado
mil e seiscentos anos atrás não satisfez a justiça divina no tocante aos
pecados dos homens; (4) a carne e sangue de Cristo se encontram
no interior dos santos; (5) não haverá ressurreição dos corpos; (6)
a ressurreição já se realiza, internamente, no caso dos bons; (7) o
Jesus crucificado não ascendeu acima do céu estrelado; (8) nem se
reencarnará, no último dos dias, para julgar todas as nações baixas
(HILL, 1987, p. 52).
Outro líder dos quacres que teve notoriedade foi Samuel Fisher (1605-1665).
Inicialmente puritano, tornou-se batista e, depois, seguidor do quacrismo, em que
passou a pregar que os santos poderiam viver nessa terra em perfeição.
Além disso, defendia que Deus salvava quem quisesse aceitá-lo, pois Jesus veio à
Terra para salvar todas as pessoas (HILL, 1987). Essa ideia não era defendida pela corrente
calvinista, que pregava que a morte de Cristo teria sido apenas para salvar os eleitos.
Outra postura criticada do ponto de vista dos quacres, foi a respeito do papel
da Bíblia. Boa parte do movimento passou a considerar a Bíblia como um conjunto
de mitos e de bons ensinos. Não aceitavam que o clero tivesse a autoridade para
interpretar os textos sagrados, pois para eles, pessoas incultas também tinham o Cristo
interior: “Os quacres foram acusados de reduzirem ‘todas as coisas a alegorias, ou a
um Cristo interior’. [...] muitas vezes os seus ouvintes entendiam que eles afirmavam ter
ressuscitado alguém, quando, na verdade, apenas queriam dizer que tinham convertido
essa pessoa” (HILL, 1987, p. 149).
Um dos nomes relevantes para a divulgação das ideias quacres foi Gerrard
Winstanley (1609-1676). Filósofo, político e reformador, escrevia panfletos manifestando
os ideais do quacrismo. Defendia que a criação de Deus não comportava a hierarquia
social de um grupo dominando o outro. Além disso, no aspecto da Nova Aliança, não
haveria também as diferenças de classes, como, por exemplo, entre escravos e senhores.
Isso significava que não deveria existir a propriedade privada. Tal questão suscitou
muitos ataques à sua pessoa. Segundo Winstanley, a sociedade cristã deveria ter uma
base comunal, ou seja, um modelo em que a propriedade privada e os salários seriam
117
abolidos e que, ao continuar mantendo tal sistema social, estaria atrasando a salvação.
Como ele defendia o universalismo, ou seja, todos seriam salvos, era necessário que o
sistema social fosse alterado. Assim, com o fim da propriedade privada, a salvação seria
completada entre os homens (HILL, 1987).
Na Inglaterra do século XVII, havia uma parte da nobreza que estava em crise,
devido à questão da herança. Pela lei, a herança do nobre ficava com o filho mais velho.
Com isso, os outros filhos ficavam empobrecidos, apesar de terem o título de nobreza.
Winstanley denunciou com veemência essa situação, e comparava os primogênitos a
Caim. Muitos dos que faziam parte dos quacres eram nobres que não tinham direito à
herança (HILL, 1987).
2.10 OS RANTERS
Caro acadêmico, se as ideias dos quacres conseguiram causar alvoroço e
oposição entre os ingleses, o grupo dos ranters foram além. Apesar de terem muitos
pontos em comum e, por isso, muitas vezes as pessoas se confundiam quanto a um
e a outro, os ranters levaram as questões do cristianismo a um patamar ainda mais
alegórico. Além disso, eles eram continuamente acusados de relaxados e dados à
bebida, ao fumo e frequentadores de tavernas.
118
orgias dionisíacas dos ranters: ‘são os mais alegres dentre todos os
demônios na improvisação de canções lascivas, em brindes, música,
franco deboche e dança’. Uma das acusações formuladas contra
o capitão Francis Freeman era que ele cantava canções obscenas
(HILL, 1987, p. 202).
Segundo Hill (1987), além dessas questões sociais, o ponto de vista dos ranters
acerca de Deus era controverso para a cristandade em geral. Eles criam que Deus
estaria em tudo que fosse vivo. Acreditavam que não tinham pecados e que todos
os mandamentos bíblicos ocorreram devido à maldição. Todavia, como não há mais a
maldição, não haveria mais pecado e, como Deus está em tudo e em todos, o que o
homem faz é o que Deus quer. Não criam no juízo final, nem na vida após a morte, pois
acreditavam que o corpo voltaria a Deus, fazendo parte do próprio Deus. Vejamos o
posicionamento dos ranters sobre o que consideravam histórias alegóricas:
Outra crítica feita por eles relacionava-se ao clero. Para os ranters, o clero era
desnecessário, já que a população era sustentada pelo Estado. Os quacres tinham alguns
pontos de vista semelhantes aos dos ranters, porém, criticavam a maneira libertina que
estes viviam, principalmente com relação ao uso de bebidas alcóolicas, fumo e o que
era considerado como vida sexual desregrada. Tais aspectos eram tidos como falta de
virtude (HILL, 1987).
Hill (1987) afirma que é difícil saber o período que demarca o fim desse movimento.
Tendo em vista que os ranters não fizeram uma organização formal e muitos deles foram
presos e mortos, aos poucos o movimento ficou enfraquecido e chegou ao fim.
119
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• Com a difusão das ideias de Lutero, outros personagens entraram em cena ampliando
o olhar teológico iniciado pelo reformador, fazendo com que surgissem novos
movimentos protestantes, como o Calvinismo.
• Armínio passou a tecer críticas as ideias Calvinistas, o que gerou diversos debates, e
um sínodo, que reafirmou as principais vertentes calvinistas.
• Na Inglaterra, a separação da Igreja romana deu origem a Igreja Anglicana. O rei inglês
passou a ser o líder da nova Igreja.
120
AUTOATIVIDADE
1 No século XVI, importantes mudanças ocorreram na sociedade europeia, em virtude da
Reforma Protestante. O cenário religioso foi modificado, surgindo várias igrejas cristãs
com interpretações e a hegemonia católica no Ocidente teve fim. Tendo em vista tais
questões, assinale a alternativa CORRETA:
121
( ) Lutero se envolveu em disputas com Erasmo, que não aceitava o rompimento da
comunidade cristã, além de ser considerado um pacifista. Por isso, era a favor da
tolerância religiosa.
( ) Uma das questões que geraram críticas a postura de Lutero, foi o fato de ele ser
favorável aos judeus, criticando a postura católica de perseguição e batismo forçado.
( ) A Confissão de Augsburgo continha os princípios do Luteranismo, que passou a ser
uma religião estatal, assim como era o catolicismo.
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
4 A Igreja inglesa, antes mesmo da Reforma iniciada por Lutero, já criticava o domínio
de Roma em seu território. Tendo em vista tal questão, explique com suas palavras,
os principais fatores que levaram ao rompimento da Inglaterra com a Igreja romana.
122
UNIDADE 2 TÓPICO 3 -
AS MUDANÇAS NA RELIGIÃO EUROPEIA
APÓS A REFORMA
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, estudamos no tópico anterior as principais correntes
geradas pelo protestantismo. A igreja católica perdeu sua hegemonia na Europa
Ocidental, e as disputas religiosas ficaram cada vez mais intensas. Os conflitos entre
católicos e protestantes e dentro do protestantismo ocuparam e preocuparam os
reis e as sociedades.
2 A CONTRARREFORMA CATÓLICA
A historiografia atual, quando trata da temática da contrarreforma, mostra que
esse movimento acabou sendo uma série de medidas, não só para combater o avanço do
protestantismo, mas que resultou na reforma do catolicismo, como explica Shelley:
123
Devido ao avanço do protestantismo na Europa, além de sua diversidade, como
já discutimos no capítulo anterior, a igreja católica iniciou, oficialmente, um movimento
organizado contra o que para ela era heresia. Muitos territórios já haviam cortado
relações com Roma, o que fez com que o catolicismo perdesse o apoio de governos,
bem como as receitas provenientes dos dízimos e dos Estados. Manter o catolicismo
como única religião nos países em que as ideias protestantes ainda eram fracas era
uma questão de sobrevivência (TILLICH, 1976). A reação católica, então, foi convocar o
concílio ecumênico que ficou conhecido como Concílio de Trento.
124
de Roma, a imposição de trajes clericais estritos e punições de extremo rigor para
a simonia” (JOHNSON, 2001, p. 360). O concílio de Trento procurou, dentre outras
coisas, trazer uma moralidade para a igreja católica, punindo os membros do clero que
estivessem envolvidos em denúncias de solicitação, sodomia, ou com relacionamentos
com mulheres. Tais aspectos, antes de Trento, costumavam ser tolerados, o que foi
incisivamente atacado por Lutero.
Uma das mais importantes medidas da contrarreforma foi a criação da nova ordem
religiosa, regida por Inácio de Loyola (1491-1556), a Companhia de Jesus. Os jesuítas,
como ficaram conhecidos, se identificavam como soldados de Cristo na luta contra o
protestantismo. Loyola se opôs à ideia de Lutero com relação à salvação pela fé. O jesuíta
enfatizava que a salvação seria alcançada pela obediência aos mandamentos da Igreja
católica, a qual ele considerava a verdadeira Igreja (JOHNSON, 2001). Inclusive, ao adotar
os três votos comuns do catolicismo que envolvem a obediência, castidade e pobreza, eles
incluíram o quarto voto, que era o de apoio e lealdade ao papado (SHELLEY, 2004).
125
Para o catolicismo romano, a reforma protestante desestabilizou o avanço
religioso na Europa, quebrando a sua hegemonia. Durante muitos anos, toda vertente
protestante foi considerada heresia pelo catolicismo romano, e a luta contra ele foi
travada de diferentes formas, a depender do país e da época.
3 O JANSENISMO
O jansenismo foi um movimento dentro da Igreja católica, iniciado por Cornélio
Jansen (1585-1638), que retomou as leituras de Agostinho de Hipona, principalmente
na questão da predestinação. Segundo Shelley (2004), ele se ocupou em criticar os
jesuítas e tentou corrigir o que, segundo ele, seriam os erros da igreja católica.
126
4 O ILUMINISMO E A QUESTÃO RELIGIOSA
O Iluminismo foi um processo de mudanças na forma de pensar que iniciou
no século XVIII, originalmente na França, influenciando, posteriormente, outros países,
como os da América. Há quem diga que as ideias Iluministas tenham se iniciado com
o Renascimento científico e cultural, todavia, foi no século XVIII que o movimento das
Luzes tomou forma como um modelo de pensamento para a sociedade, a economia e a
política, e veio a moldar o Ocidente (FALCON, 1986).
Como principais representantes das ideias Ilustradas (outro termo usado para
Iluminismo), temos: François-Marie Arouet, o Voltaire (1694-1778); Denis Diderot (1713-
1784); Jean le Rond d’Alembert (1717-1783); Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e Charles-
Louis de Secondat, conhecido como Montesquieu (1689-1755). A visão deles de sociedade
não era unânime, mas havia alguns pontos em comum, como a questão do acesso à
educação para todas as pessoas. Esse pressuposto seria fundamental para a formação de
uma sociedade mais consciente e moldada pela razão e não por deias religiosas, as quais
eles se referiam, muitas vezes, como superstições. Além disso, os iluministas defendiam,
também, que o poder não deveria ser exercido somente pelo rei, como ocorria no sistema
absolutista, ao qual eles chamavam de “Antigo Regime”, e sim por uma divisão do poder,
como sugeriu Montesquieu, em executivo, legislativo e judiciário.
127
Contudo, é importante entendermos que essa forma de pensar, apesar de ter
ganhado espaço na sociedade, não foi acolhida por todos os grupos religiosos. Como já
vimos em outros momentos, as novas ideias que surgem ganham espaço em uma certa
área da sociedade, mas, muitas vezes, são rechaçadas por outras.
128
Voltaire escreveu a Frederico, o Grande: ‘Vossa majestade prestará a
raça humana um serviço eterno se extirpar essa superstição infame,
e não digo entre o populacho, que não é digno de ser iluminado e
está pronto para qualquer jugo; digo entre os bem-nascidos, entre
os que desejam pensar’ [...] ‘não basta saber mais que os teólogos;
temos de mostrar-lhes que somos melhores e que a filosofia torna
os homens mais honoráveis que qualquer graça suficiente ou eficaz’
(JOHNSON, 2001, p. 424).
5 AS MISSÕES DA ÁSIA
O cristianismo na região da Ásia passou por dificuldades desde o seu início, no
século XVI. Ele esbarrou em culturas com um sistema religioso consolidado e governos
que, no geral, não estavam dispostos a se abrir para uma religião tão diferente. De
acordo com Shelley (2004), um dos pioneiros nessa empreitada foi Francisco Xavier
(1506-1552), que fazia parte da Companhia de Jesus e foi para Goa, na região das Índias,
que estava sob o domínio de Portugal. Após alguns meses, se dirigiu para o Sul da Índia
e passou a exercer uma grande influência entre uma comunidade de pescadores, que
solicitaram ao missionário que o reino português os protegesse dos inúmeros roubos
que ocorriam na região.
Xavier, ao sair de Goa, foi participar de missões na Malásia, onde, após dois
anos, retornou para Goa e partiu para o Japão. Nessa época, os senhores feudais
japoneses estavam abertos ao comércio com os estrangeiros, o que favoreceu a ida dos
missionários cristãos para aquela região (SHELLEY, 2004).
129
culturais, moldando a sociedade de acordo com a cultura dos missionários, pois, o que
a cultura pagã produzia não poderia ser considerado bom. No Japão, Xavier mudou
de perspectiva, pois considerou que o cristianismo poderia ser aceito sem, contudo,
modificar os seus costumes. Vários jesuítas se deslocaram para colaborar com Xavier
nas missões no Japão.
Com relação aos trabalhos dos cristãos na China, o missionário Xavier, quando
saiu do Japão, tentou obter autorização para a implantação do cristianismo lá, mas
faleceu antes de ir. A empreitada ficou a cargo de Mateus Ricci (1552-1610), que conseguiu
ir até Macau, ilha próxima à China, todavia, o acesso a China era difícil para povos com
culturas diferentes, principalmente pela influência do Confucionismo (SHELLEY, 2004).
130
mesma metodologia do Japão, que foi a adaptação cultural. Porém, outros missionários
cristãos passaram a criticar a postura jesuítica de aceitação e adaptação, chegando ao
ponto de fazer denúncias ao papa. Segundo Shelley (2004), o papado ora concordava
com a metodologia jesuítica, ora criticava. A situação foi se agravando e, cerca de um
século depois, a missão nesse território declinou.
6 O PIETISMO
Após a consolidação da Reforma Protestante e das inúmeras divisões, na
qual surgiram várias igrejas, a religiosidade continuou estando unida ao Estado. Para
muitos, fazer parte de uma igreja era apenas uma formalidade social. No decorrer do
desenvolvimento do cristianismo, muitos movimentos surgiram com a proposta de
ser uma “renovação espiritual”, dentro de uma igreja que, para a maioria, era somente
formalidade. Tais grupos fizeram parte tanto do catolicismo quanto do protestantismo.
O movimento pietista surgiu na Alemanha, dentro do luteranismo, e, segundo Shelley
(2004, p. 363), tratou-se de “[...] uma reação a essa calcificação da Reforma”.
Spener deu início a reuniões em sua casa para estudar a Bíblia, sendo logo
taxadas de reuniões de pios, o que deu origem ao termo pietismo. O caráter de reuniões
em casas foi defendido por Spener, como algo que ajudaria na vida cristã e, formaria
fiéis mais fervorosos espiritualmente. Ele foi a Berlim e conseguiu levar à universidade,
para lecionar, Francke, que se tornou o próximo líder pietista. Os dois foram atacados
pela ortodoxia luterana das universidades de Leipzig, Wittenberg: “Deutschmann, um
dos teólogos de Wittenberg, os acusou de duzentos e oitenta e três ensinos heréticos
[...] Como resultado, os pietistas foram forçados a fundar a Universidade de Halle (1694)”
(GONZALEZ, 2004, p. 305). Sobre sua atuação, vejamos a explanação de Shelley:
131
A influência de Francke foi importante para a formação de cristãos mais envolvidos
com o cotidiano da igreja, inclusive no movimento posterior das missões protestantes. Foi o
pietismo a ala protestante que se preocupou em atuar na sociedade por meio de uma ética
social, por meio da criação de orfanatos, empresas missionárias, entre outros. Além disso,
no campo da liturgia, eles retomaram a questão da confirmação da fé, com o propósito de
confirmação do batismo (TILLICH, 1976).
Outro personagem fundamental dentro do pietismo foi Zinzendorf. Ele, que havia
iniciado os estudos na área do direito e conheceu membros da Fraternidade Boêmia, grupo
que era herdeiro do movimento hussita. Eles eram liderados por um carpinteiro da região
da Morávia, por isso, foram chamados de moravianos. De acordo com Shelley (2004),
eles pretendiam viver em uma comunidade de cristãos verdadeiros, separadamente,
longe das tentações. Foi em 1727 que Zinzendorf se tornou líder dos moravianos, também
chamados de “Fraternidade Unida”. Sob sua liderança, eles passaram a ser uma força no
campo da evangelização protestante. Ao conhecer um homem negro escravizado quando
realizava uma visita à cidade de Copenhague, Zinzendorf se sensibilizou com a vida que os
escravizados levavam e resolveu formar missionários para atuarem junto a essas pessoas,
em diversos países. Sobre o diferencial do movimento petista, Shelley explica que:
7 O METODISMO
Caro acadêmico, o pensamento Iluminista, como estudamos, penetrou em
diversos setores da religiosidade anglicana, em que muitos aderiram ao pensamento
deísta. De acordo com Shelley (2004, p. 330), na Inglaterra “entre os cultos e os ricos, o
Iluminismo banira a fé do centro de sua vida para a periferia”. Assim como os pietistas que
iniciaram um movimento para “reavivar” a “dura” ortodoxia luterana nas terras alemãs, na
Inglaterra, ideias similares tomaram forma, no que veio a ser conhecido como Metodismo.
132
parte da Faculdade Lincoln e depois tornou-se ministro anglicano. Ao retornar para Oxford,
juntou-se ao seu irmão que havia convocado cristãos na universidade, que estavam se
reunindo para estudarem a Bíblia, orar, visitar prisões e fazer doação aos pobres. Wesley
passou a liderar o grupo que foi apelidado, dentre outros nomes, de metodista.
Wesley recebeu o convite para ir a Geórgia, nas Treze Colônias, para ser capelão.
Ele viu uma oportunidade para pregar aos indígenas da América. Ao iniciar suas
tentativas evangelísticas na América, passou por um choque cultural intenso, não tendo
êxito entre os nativos. Já a comunidade branca estabelecida na Geórgia, não via com
apreço as posturas radicais de Wesley, como a “proibição de que as mulheres usassem
roupas elegantes e joias de ouro na igreja” (SHELLEY, 2004, p. 375). Após alguns meses,
ele retornou a Europa.
É importante ressaltar que Wesley não era contra a igreja anglicana. O movimento
que ele liderou, aos poucos, foi se distanciando do anglicanismo, porém, não era isso que
ele almejava. Inclusive, ele se recusou a sair da igreja inglesa, permanecendo nela até sua
morte (SHELLEY, 2004). Ele também se opunha à questão da predestinação, aceitando
a concepção de que o sacrifício de Cristo foi para todas as pessoas, entretanto, o ser
humano pode aceitá-lo ou não. Segundo Mendonça (1995, p. 46), ele “alargou ainda mais
133
a brecha entre o arminianismo e calvinismo com a sua doutrina da perfeição cristã, que
é a sua mais importante contribuição para a teologia protestante”. Ele defendia que a
santificação era um processo que ocorria devido à fé, e que a experiência pessoal era mais
relevante que frequentar a igreja por uma questão meramente social (MENDONÇA, 1995).
O trabalho de Wesley cresceu e ele passou a colocar leigos para pregar e até
mesmo liderar. Para cuidar desses líderes, ele criou conferências regulares para instruí-
los. O metodismo ganhou força na América do Norte, onde decidiram romper com o
anglicanismo, mesmo contra sua vontade.
Todavia, era importante que a vertente seguida fosse protestante. Esse sistema
ficou conhecido por denominações, imperando, de certa forma, a ideia de fraternidade
entre os diferentes grupos protestantes, e não mais as guerras que ocorriam na
Europa. Isso não quer dizer que não houvesse divergências e disputas, mas essas não
134
chegavam a embates maiores. Esse modelo cedeu espaço ao voluntariado, ou seja, o
cidadão poderia aderir à denominação que preferisse, e a manutenção da igreja não
ficava a cargo do Estado, mas sim das contribuições voluntárias dos fiéis. Com relação
ao catolicismo, ele não era bem aceito, e se deu por via migratória, em grande escala,
somente a partir do século XVIII (MENDONÇA, 1995).
Entre os anos de 1720 e 1740, o Grande Despertar iniciou nas Treze Colônias,
com as pregações do calvinista Theodorus Jacobus Frelinghuysen (1691-1747), que
“despertou emoções de seus paroquianos, fazendeiros do vale do Raritan, com seus apelos
apaixonados e se deleitou com a grande adesão de novos membros” (SHELLEY, 2004, p.
385, 386). O avivamento se espalhou por diversas igrejas. Porém, na mesma medida em
que se espalhava, havia também aqueles que criticavam e não aceitavam a nova forma de
manifestação do protestantismo. Os grupos chegaram a se dividirem em O Novo Partido, no
qual se encontravam os adeptos do Avivamento, e o Velho Partido, com os que o rejeitavam
(SHELLEY, 2004).
135
Na região da Nova Inglaterra, Isaac Backus (1724-1806) foi um relevante
evangelizador. Ele também foi importante para que a liberdade religiosa fosse realmente
verdadeira nas colônias.
Backus defendia que a religião deveria ser aceita por meio do desejo individual
de obediência a Deus, e não por obrigação social ou coerção estatal. Além disso,
ressaltava a ideia de que estado e religião deveriam estar separados, pois são governos
com funções diferentes.
A América seria, então, uma nação cristã, pois seus moradores seriam
persuadidos a obedecer aos princípios de Deus, de forma voluntária. E isso ocorreu em
grande escala na época do grande avivamento (SHELLEY, 2004).
Caro acadêmico, encerramos por aqui mais uma etapa do nosso estudo. Neste
tópico, pudemos acompanhar as mudanças engendradas desde o final do século XV no
cristianismo. Na área da “leitura complementar”, você encontrará alguns documentos
históricos importantes dos momentos que estudamos neste tópico. Observe, no Quadro
1, um cronograma de alguns dos principais movimentos após a Reforma.
136
QUADRO 1 – PRINCIPAIS MOVIMENTOS PROTESTANTES DOS SÉCULOS XVI – XVII
ESTUDOS FUTUROS
Na próxima unidade, abordaremos as mudanças históricas do cristianismo a
partir da Revolução Francesa, até os dias atuais.
137
LEITURA
COMPLEMENTAR
AS NOVENTA E CINCO TESES DE LUTERO, 1517 (ALGUNS ARTIGOS)
Ele, portanto, pede que todos os que não puderem estar presentes e disputar com
ele verbalmente, o façam por escrito. Em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo. Amém.
1. Nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo em dizendo “Arrependei-vos, etc.”, afirmava que
toda a vida dos fiéis deve ser um ato de arrependimento.
2. Essa declaração não pode ser entendida como o sacramento da penitência (i. e.,
confissão e absolvição) que é administrado pelo sacerdócio.
3. Contudo, não pretende falar unicamente de arrependimento interior; pelo contrário,
o arrependimento interior é vão se não produz externamente diferentes espécies de
mortificação da carne.
4. Assim, permanece a penitência enquanto permanece o ódio de si (i. e., verdadeira
penitência interior), a saber, o caminho reto para entrar no reino dos céus.
5. O papa não tem o desejo nem o poder de perdoar quaisquer penas, exceto aquelas
que ele impôs por sua própria vontade ou segundo a vontade dos cânones.
6. O papa não tem o poder de perdoar culpa a não ser declarando ou confirmando
que ela foi perdoada por Deus; ou, certamente, perdoando os casos que lhe são
reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações a culpa permaneceria. [...].
10. Os sacerdotes que no caso de morte reservam penas canônicas para o purgatório
agem ignorante e incorretamente.
11. Esta cizânia que se refere à mudança de penas canônicas em penas no purgatório
certamente foi semeada enquanto os bispos dormiam. [...]
15. Esse temor e esse terror bastam por si mesmos para produzir as penas do purgatório,
sem qualquer outra coisa, pois estão pouco distantes do terror do desespero. 16.
Com efeito, a diferença entre Inferno, Purgatório, e Céu parece ser a mesma que há
entre desespero, quase-desespero e confiança. [...]
20. O papa pela remissão plenária de todas as penas não quer dizer a remissão de todas
as penas em sentido absoluto, mas somente das que foram impostas por ele mesmo.
21. Por isto estão em erro os pregadores de indulgências que dizem ficar um homem
livre de todas as penas mediante as indulgências do papa.
22. Pois para as almas do purgatório ele não perdoa penas a que estavam obrigadas a
pagar nesta vida, segundo os cânones.
138
23. Se é possível conceder remissão completa das penas a alguém, é certo que somente
pode ser concedida ao mais perfeito; isto quer dizer, a muito poucos.
24. Daí segue-se que a maior parte do povo está sendo enganada por essas promessas
indiscriminadas e liberais de libertação das penas.
25. O mesmo poder sobre o purgatório que o papa possui em geral, é possuído pelo
bispo e pároco de cada diocese ou paróquia.
26. O papa faz bem em conceder remissão às almas não pelo poder das chaves (poder
que ele não possui), mas através da intercessão.
27. Os que afirmam que uma alma voa diretamente para fora (do purgatório) quando
uma moeda soa na caixa das coletas, estão pregando uma invenção de homens
(hominem praeãicant).
28. É certo que quando uma moeda soa, cresce a ganância e a avareza; mas a intercessão
(suffragium) da Igreja está unicamente na vontade de Deus. [...]
32. Aqueles que se julgam seguros da salvação em razão de suas cartas de perdão
serão condenados para sempre juntamente com seus mestres.
33. Devemos guardar-nos particularmente daqueles que afirmam que esses perdões do
papa são o dom inestimável de Deus pelo qual o homem é reconciliado com Deus. [...]
35. Os que ensinam que a contrição não é necessária para obter redenção ou indulgência,
estão pregando doutrinas incompatíveis com o cristianismo.
36. Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plenária tanto da
pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de perdão. 37.
Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo
e da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem cartas de perdão. [...]
42. Deve ensinar-se aos cristãos que não é intenção do papa que se considere a compra
dos perdões em pé de igualdade com as obras de misericórdia.
43. Deve ensinar-se aos cristãos que dar aos pobres, ou emprestar aos necessitados é
melhor obra que comprar perdões.
44. Por causa das obras do amor o amor é aumentado e o homem progride no bem;
enquanto que pelos perdões não há progresso na bondade, mas simplesmente
maior liberdade de penas.
45. Deve ensinar-se aos cristãos que um homem que vê um ' irmão em necessidade
e passa a seu lado para dar o seu dinheiro na compra dos perdões, merece não a
indulgência do papa, mas a indignação de Deus.
46. Deve ensinar-se aos cristãos que — a não ser que haja grande abundância de bens
— são obrigados a guardar o que é necessário para seus próprios lares e de modo
algum gastar seus bens na compra de perdões.
47. Deve ensinar-se aos cristãos que a compra de perdões é matéria de livre escolha e
não de mandamento.
48. Deve ensinar-se aos cristãos que, ao conceder perdões, o papa tem mais desejo (como
tem mais necessidade) de oração devota em seu favor do que de dinheiro contado. [...]
51. Deve ensinar-se aos cristãos que o papa — como é de seu dever — desejaria dar os seus
próprios bens aos pobres homens de quem certos vendedores de perdões extorquem o
dinheiro; que para este fim ele venderia — se fosse possível — a basílica de S. Pedro.
52. Confiança na salvação por causa de cartas de perdões é vã, mesmo que o comissário,
e até mesmo o próprio papa, empenhasse sua alma como garantia.
139
53. São inimigos de Cristo e do povo os que em razão da pregação das indulgências
exigem que a palavra de Deus seja silenciada em outras igrejas.
54. Comete-se uma injustiça para com a palavra de Deus se no mesmo sermão se
concede tempo igual, ou mais longo, às indulgências do que à palavra de Deus. [...]
76. Dizemos ao contrário, que os perdões papais não podem tirar o menor dos pecados
veniais no que tange à culpa.
77. Dizer que nem mesmo S. Pedro, se fosse o papa, não podia dar graças maiores, é
nenhuma blasfêmia contra S. Pedro e o papa. [...]
82. Esses perguntam: Por que o papa não esvazia o purgatório por um santíssimo ato de
amor e das grandes necessidades das almas; isto não seria a mais justa das causas
visto que ele resgata um número infinito de almas por causa do sórdido dinheiro
dado para a edificação de uma basílica que é uma causa bem trivial?
83. Por que continuam os réquiens e os aniversários dos defuntos e ele não restitui os
benefícios feitos em seu favor, ou deixa que sejam restituídos, visto que é coisa
errada orar pelos redimidos? [...]
86. As riquezas do papa hoje em dia excedem muito às dos mais ricos Crassos; não
pode ele então construir uma basílica de S. Pedro com seu próprio dinheiro, em vez
de fazê-lo com o dinheiro dos fiéis?
88. Não receberia a Igreja um bem muito maior se o papa 1 fizesse cem vêzes por dia o
que agora faz uma única vez, isto é, distribuir essas remissões e dispensas a cada
um dos fiéis?
89. Se o papa busca pelos seus perdões antes a salvação das almas do que dinheiro,
por que suspende ele cartas e perdões anteriormente concedidos, visto que são
igualmente eficazes? [...]
91. Se os perdões fossem pregados segundo o espírito e a intenção do papa seria fácil
resolver todas essas questões; antes, nem surgiriam.
92. Portanto, que se retirem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “paz, paz”, e
não há paz.
93. E adeus a todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: “a cruz, a cruz”, e não há
cruz.
94. Os cristãos devem ser exortados a esforçar-se em seguir a Cristo, sua cabeça,
através de sofrimentos, mortes e infernos.
95. E que eles confiem entrar no céu antes passando por muitas tribulações do que por
meio da confiança da paz.
FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2 ed. São Paulo:
Aste. 1963. p. 231-238.
140
[Lutero respondeu:] Sereníssimo Senhor Imperador, Ilustríssimos Príncipes,
Benevolentíssimos Senhores... Suplico-vos prestardes benevolente ouvido à minha
defesa, a qual, espero, será uma defesa da justiça e da verdade, e se por causa de minha
inexperiência eu deixo de conceder a alguém o seu título próprio, ou em qualquer ponto
ofendo a etiqueta da corte pelas minhas maneiras ou comportamento, sede bastante
bondosos para me perdoar — peço-vos — pois sou um homem que passou sua vida não
nas cortes mas nas celas de um mosteiro; um homem que de si só pode dizer que até
este dia só meditou e escreveu na simplicidade do coração, somente com vista à glória
de Deus e à instrução pura do povo fiel a Cristo... Majestade Imperial e meus Senhores:
peço-vos que observeis que os meus livros não são todos da mesma espécie.
Há alguns em que com piedade tratei da fé e dos costumes com tal simplicidade
e em tal consonância com os Evangelhos que os meus próprios adversários são
obrigados a admiti-los como úteis, sem perigo e evidentemente dignos de serem lidos
por um cristão. Até mesmo a Bula — embora violenta e cruel — reconhece que alguns
de meus livros são sem perigo, embora condene também a eles por um julgamento
simplesmente monstruoso. Se eu tivesse de começar a retratar-me aqui, o que —
pergunto-vos — o que deveria eu fazer senão condenar — único entre os mortais — uma
verdade que é admitida tanto por amigos como por inimigos, numa luta sem socorro
contra o consenso universal?
141
Não obstante — visto que sou um homem e não Deus — não posso propor para
os meus escritos outra defesa senão a que meu Senhor Jesus Cristo propôs para a sua
doutrina. Quando foi interrogado sobre os seus ensinamentos diante de Anás e recebeu
uma bofetada de um servo, disse: “Se falei mal, dá testemunho do mal”. Se o próprio Senhor,
que sabia que não podia errar, não recusou ouvir um testemunho contra o seu ensino, até
mesmo de um servo sem valor, quanto mais devo eu, vil como sou, capaz de nada senão
errar, procurar e esperar alguém que queira dar testemunho contra o meu ensino.
Então o Locutor do Império — num tom de reprimenda — disse que essa resposta
não atingia o ponto e que não deveriam ser postas em questão matérias que já tinham
anteriormente sido objeto de condenação e decisões de concílios. Foi-lhe pedida uma
resposta simples, sem sutilezas ou sofisticações, a esta questão: Estava ele pronto a se
retratar, ou não?
FONTE: BETTENSON, H. Documentos da igreja cristã. Tradução de Helmuth Alfredo Simon. 2 ed. São Paulo:
Aste. 1963. p. 307-308.
Artigo 1 – Deus, por um eterno e imutável decreto em Jesus Cristo, seu Filho,
antes de ter lançado os fundamentos do mundo, decidiu salvar, dentre a raça humana
caída em pecado, os que – em Cristo, por causa de Cristo e através de Cristo – por
meio da graça do Espírito Santo, creriam nesse seu Filho, e que, pela mesma graça,
perseverariam até o fim nessa fé e obediência de fé; mas, por outro lado, decidiu deixar
os impenitentes e descrentes sob o pecado e a ira, condenando-os como alheios a
Cristo, conforme a palavra do Evangelho de João 3.36 (“Aquele que crê no Filho tem a
vida eterna, mas aquele que não crê no Filho não verá a vida, mas a ira de Deus sobre
ele permanece”), e também conforme outras passagens da Escritura.
142
Artigo 2 – Em concordância com isso, Jesus Cristo, o Salvador do Mundo,
morreu por todos e por cada um dos homens, de modo que obteve reconciliação e
remissão dos pecados para todos por sua morte na cruz; porém, ninguém é realmente
feito participante dessa remissão exceto os crentes, segundo a palavra do Evangelho de
João 3.16 (“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito,
para que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”) e da Primeira
Epístola de João 2.2 (“E ele é a propiciação pelos nossos pecados e não somente pelos
nossos, mas também pelos de todo o mundo)”.
Artigo 3 – O homem não possui fé salvadora por si mesmo, nem a partir do poder
do seu livre-arbítrio, visto que, em seu estado de apostasia e de pecado, não pode, de si e
por si mesmo, pensar, querer ou fazer algo de bom (que seja verdadeiramente bom tal como
é, primeiramente, a fé salvífica); mas, é necessário que Deus, em Cristo, pelo seu Espírito
Santo, regenere-o e renove-o no intelecto, nas emoções ou na vontade, e em todos os seus
poderes, a fim de que ele possa corretamente entender, meditar, querer e prosseguir no que é
verdadeiramente bom, como está escrito em João 15.5: “Porque sem mim nada podeis fazer”.
FONTE: DANIEL, S. Arminianismo, a mecânica da salvação: uma exposição Histórica, doutrinária e exegética
sobre a graça de Deus e a responsabilidade humana. Rio de Janeiro: CPAD, 2017. p. 307-308.
143
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• A Igreja católica realizou o Concílio de Trento, que serviu, dentre outras coisas, para
reafirmar os dogmas que foram contestados pela Reforma, pensar estratégias para
conter o avanço protestante em países católicos e moralizar o clero.
144
AUTOATIVIDADE
1 Após a Reforma Protestante, o catolicismo também passou por algumas mudanças.
Para isso, foi instituído o Concílio de Trento, o qual reafirmou doutrinas que o
Protestantismo havia contestado. Sobre este cenário, assinale a alternativa CORRETA:
2 No século XVII, teve início o movimento pietista, que, dentre outras coisas, valorizava a
conversão individual, ganhou forma na Europa, atingindo diversas igrejas protestantes.
Tendo em vista tal movimento, analise as sentenças a seguir:
I- Os primeiros pietistas foram pessoas que se viram insatisfeitas com a rigidez da Igreja
anglicana. Eles desejavam mais controle da religião no campo moral, e defendiam
que as vestes sacerdotais fossem abolidas.
II- Algumas características do movimento pietista foram, dentre outras, a importância
do papel do leigo; a busca pela conversão pessoal, em que a fé dos fiéis contagiaria
os outros fiéis, e eles mesmos divulgariam o Evangelho.
III- Os assim chamados irmãos moravianos se destacaram no campo missionário,
inclusive entre pessoas escravizadas em vários países.
145
3 Confira o trecho a seguir e, em seguida, resolva a questão proposta: “Assim, em 1748,
‘as pessoas chamadas metodistas’ – como os pietistas na Alemanha – formavam uma
igreja dentro da igreja. Nos 40 anos seguintes, Wesley resistiu a todas as pressões de
seus próprios seguidores e a todos os ataques dos bispos anglicanos, que sugeriam
a separação da igreja na Inglaterra. ‘Viverei e morrerei, disse ele, ‘como membro da
igreja da Inglaterra’” (SHELLEY, 2004, p. 379). Tendo em vista o movimento iniciado
por John Wesley, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
( ) Wesley foi influenciado pelo pietismo alemão, o que fez ele ultrapassar a ritualística
da igreja anglicana, e passou a pregar em lugares com anfiteatros, nas ruas, inclusive
no cemitério. Os grupos de estudos bíblicos nos lares foi uma das maneiras usadas
para a conversão dos fiéis.
( ) O estilo de Wesley, com pregações ao ar livre, estudos bíblicos nos lares, ênfase
na conversão, importância dada aos leigos, além da não aceitação da doutrina da
predestinação tal qual era pregada pelo calvinismo, fez com que, mesmo contra
sua vontade, fosse expulso da igreja anglicana.
( ) Wesley conseguiu levar um avivamento para a Inglaterra que se espalhou por diversos
países, inclusive na América do Norte. Mesmo sem pretender, o metodismo se afastou
da igreja anglicana, e a América deu o primeiro passo para a separação das duas.
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
5 Com a ida para as Treze Colônias inglesas, na América do Norte, de vários grupos
protestantes diferentes, iniciou-se um movimento de fraternidade, diferente do que
ocorria até então na Europa, onde os conflitos religiosos geraram diversos conflitos
e mortes. O sistema de denominações foi sendo implementado e acabou servindo
como referência para outros locais, inclusive para o Brasil no século XIX, com a vinda
de missionários protestantes americanos. Tendo em vista tal cenário, explique a
importância de Backus nesse processo na América do Norte:
146
REFERÊNCIAS
BAIARDI, A. Os processos de Galileu: intrigas, intolerância e humilhações. In: SIMPÓSIO
INTERNACIONAL DE ESTUDOS INQUISITORIAIS: HISTÓRIA E HISTORIOGRAFIA, 1., 2011,
Salvador. Anais [...]. Cachoeira: UFRB, 2011. p. 1-17. Disponível em: https://www3.ufrb.
edu.br/simposioinquisicao/wp-content/uploads/2012/01/Am%C3%ADlcar-Baiardi.pdf.
Acesso em: 11 abr. 2021.
ELIADE, M. História das crenças e das ideias religiosas III: de Maomé à idade das
reformas. Tradução de Roberto Cortes de Lacerda. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
147
GONZALEZ, J. L. Uma história do pensamento cristão: da reforma protestante ao
século XX. Tradução de Paulo Arantes e Vanuza Helena Freire de Mattos São Paulo:
Cultura Cristã, 2004.
148
RIBEIRO, G. M.; CHAGAS, R. L.; PINTO, S. L. O renascimento cultural a partir da imprensa:
o livro e sua nova dimensão no contexto social do século XV. Revista Akropólis,
Umuarama, v. 15, n. 1, p. 29-36, jan./jun. 2007. Disponível em: https://revistas.unipar.br/
index.php/akropolis/article/viewFile/1413/1236. Acesso em: 18 jun. 2021.
ROSA, W. P. da. Teologia social e política nos anabatistas. Revista Estudos de Religião,
São Bernardo do Campo, v. 30, n. 2, p. 127-142, maio/ago. 2016. Disponível em: https://
www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/view/6849/5312>. Acesso
em: 04 abr. 2018.
149
150
UNIDADE 3 —
A IGREJA NA IDADE
CONTEMPORÂNEA
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM
A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de:
• conhecer as principais caraterísticas das missões protestantes lideradas por Willian Carey;
PLANO DE ESTUDOS
Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer dela, você encontrará
autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.
CHAMADA
Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure
um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações.
151
CONFIRA
A TRILHA DA
UNIDADE 3!
Acesse o
QR Code abaixo:
152
UNIDADE 3 TÓPICO 1 —
A REVOLUÇÃO FRANCESA: O INÍCIO
DO ESTADO LAICO E AS MUDANÇAS
RELIGIOSAS
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, na unidade anterior abordamos como as ideias iluministas
influenciaram o cristianismo. Ele foi o início de diversas mudanças no cenário social,
político e religioso. Experimentado, inicialmente, na Europa, espalhou-se também na
América. O iluminismo foi o responsável direto pela Revolução Francesa, o que fez com
que a França fosse o primeiro país a romper com o sistema absolutista. Outro ponto
marcante dessa época foi a independência dos Estados Unidos, em 4 de julho de
1776. Esse evento também foi influenciado pelo iluminismo, contando, inclusive, com
soldados franceses ao lado dos colonos americanos contra os ingleses. A nova nação
assumiu como sistema de governo uma república presidencialista e continuou com o
sistema escravista.
153
2 A REVOLUÇÃO FRANCESA E A IGREJA
A Revolução Francesa foi um marco para a história do Ocidente. Ela foi um
processo que envolveu diferentes fases e influenciou diversos países. A França, assim
como a maior parte dos países europeus no século XVIII, era governada pelo sistema de
monarquia absolutista. Neste sistema, sobre o qual já nos referimos anteriormente, não
havia divisão de poderes, pois o rei detinha todas as funções do Estado.
154
com o absolutismo, inaugurando uma monarquia constitucional. Tal Assembleia foi
finalizada em setembro de 1791. Entre os anos de 1789 e 1791, os girondinos aprovaram
leis que foram basilares para a França, dentre elas:
Perceba, caro acadêmico, que a Revolução foi tomando rumos que afastaram,
gradativamente, o clero das decisões. Na França, a igreja, além de possuir diversas
terras, historicamente estava ligada à monarquia. Significa, portanto, que o papa não
esteve do lado dos revolucionários, o que trouxe sérias implicações ao catolicismo no
país. Até mesmo porque os franceses acabaram dando um tratamento diferenciado aos
judeus, acabando com as perseguições que sofriam, principalmente por parte da Igreja.
Por meio do voto masculino, a Assembleia deu lugar à Convenção Nacional, que
vigorou entre 1792 e 1795. A república tomou o lugar da monarquia. O rei tentou fugir,
mas foi capturado e decapitado com sua família. No campo interno, no seio do Terceiro
Estado despontavam ideias divergentes, culminando na fragmentação em dois grupos:
o dos girondinos, que era a burguesia com padrões econômicos mais elevados, e os
jacobinos, que agregava a ala mais pobre da burguesia. Estes últimos constituíam a
maioria na Convenção e, assim, conseguiram tomar o poder, levando à guilhotina todos
os que se opusessem à revolução. A Constituição foi ampliada, acabando, inclusive,
com a escravidão nas colônias americanas. As questões religiosas, especificamente as
que diziam respeito às terras pertencentes à igreja, estavam na pauta da Assembleia.
Vejamos a explicação de Johnson (2001, p. 433):
155
Outros incidentes relacionados ao clero ocorreram na França. Começou um
período de descristianização, onde, em Paris:
A França inaugurou uma nova etapa na vida política: a separação entre Igreja e
Estado, com impactos iniciais abruptos, tais como a execução de padres e retirada dos
bens da Igreja. Ao passar dos anos, o catolicismo foi se adaptando à nova realidade, e
a igreja foi realizando acordos com os governantes, o que foi fundamental para que ela
não fosse expulsa do território. Um novo calendário foi feito, retirando todas as menções
ao cristianismo, enfatizando o caráter laico do novo sistema (SHELLEY, 2004). Shelley
(2004) também ressaltou que um culto à razão foi implantado na França, inclusive com
procissões e tomando os espaços das igrejas. Nos antigos altares dos santos, passaram
a haver atrizes simbolizando a deusa da razão. Em 1795, foi instituída a liberdade de
culto na França (SHELLEY, 2004).
Em 1794, teve início outra fase da revolução, que ficou conhecida como Diretório.
Cinco pessoas da ala dos girondinos passaram a governar a França, durante cinco anos. Foi
nessa época, também, que outros países propunham intervir na França, na tentativa de que
a revolução não se espalhasse. Nesse contexto, Napoleão Bonaparte ganhou proeminência
como comandante do exército. Com a proclamação do golpe do Dezoito Brumário, Napoleão
acabou como o Diretório e se proclamou imperador da França, posição que conseguiu
manter entre 1800 a 1815.
Foi sob a liderança de Napoleão que a França alcançou um poderio militar frente
às outras nações. No campo religioso, o imperador reatou laços com o papado, por
meio da Concordata de 1801, quando foi concedido ao catolicismo um espaço de maior
destaque entre outras religiões na França. Um fato interessante ocorreu na sua coroação:
ele acrescentou ao juramento a questão da liberdade religiosa na França. Tal acréscimo,
segundo Johnson (2001), foi visto como um golpe para o papado, uma humilhação.
156
subordinada ao Estado, vejamos: “[...] seus motivos eram inteiramente seculares. ‘O povo
precisa ter uma religião, a qual tem que estar sob o controle do governo’. A igualdade
era inatingível, e a crença em uma vida futura ajudava aos pobres a aceitar seu fardo.
Sem uma religião ‘respeitável’, o povo se voltaria para qualquer coisa” (JOHNSON, 2001,
p. 441). Também causava preocupação em Napoleão a possibilidade de líderes de outros
países se negarem a fazer acordos com ele, por acharem que ele era ateu ou que se
opunha à religião. Possivelmente, a aceitação das relações com o catolicismo foi um ato
político e não uma convicção religiosa (JOHNSON, 2001).
3 O MOVIMENTO EVANGÉLICO
Ao final do século XVIII e início do XIX, na Inglaterra, surgiu um grupo dentro da
Igreja anglicana que ficou conhecido como evangélico. Acadêmico, você se recorda do
metodismo que estudamos na unidade anterior? John Wesley (1703- 1791) foi o grande
pregador das massas e trouxe para dentro do protestantismo o valor da conversão.
Importante enfatizar que ele não se posicionou contra a igreja inglesa. Muitos dos valores
do metodismo estiveram presentes no movimento evangélico, como a continuidade
da comunhão com a igreja inglesa, todavia, os membros do referido movimento se
mostravam insatisfeitos com os ritos desta, para eles, a pregação enfática do evangelho
era mais importante.
157
reuniões num povoado denominado Clapham, onde residiam homens ricos e influentes
socialmente, que passaram a se reunir para realizar estudos bíblicos e discutir como
poderiam agir contra as injustiças em seu país (SHELLEY, 2004).
Além desse alcance nas questões sociais, Wilberforce é mais conhecido por
sua luta contra a escravidão. Inicialmente, ele começou a defender que a Inglaterra
parasse com o tráfico de pessoas escravizadas. Fez discurso na Câmara dos Comuns,
em 1789. Não conseguiu o apoio da classe política, pois tal comércio era muito rentável.
Voltou a fazer um discurso contra a escravidão dois anos depois, não conseguindo
grande adesão, mas, já havia pessoas interessadas na questão. A partir daí o grupo
de Clapham investiu esforços na tentativa de convencer a sociedade inglesa que a
escravidão deveria acabar:
158
4 O MOVIMENTO DE OXFORD
Caro acadêmico, inicialmente, o movimento de Oxford consistiu em críticas à
subordinação da Igreja anglicana ao governo. Com as reformas políticas que ocorreram
na Inglaterra em 1832, ampliou-se a participação de cidades recém-criadas devido
ao avanço das fábricas na sociedade inglesa e aboliram-se os distritos pequenos que
possuíam cadeiras representativas no cenário político. Segundo Johnson (2001, p. 458),
a “origem da reforma institucional, o Parlamento estava assumindo uma participação
mais ativa nas questões da igreja”. Tais mudanças trouxeram uma maior participação
das pessoas nas questões políticas. Além disso, o parlamento procurou reduzir, em
algumas regiões, como na Irlanda, o número de bispos anglicanos (SHELLEY, 2004).
Caro acadêmico, até aqui já deu para perceber que esse movimento estava
defendendo pontos que faziam parte da doutrina católica. Seus tratados foram recebidos
com críticas pela Igreja anglicana. Para os homens de Oxford, diferentemente do que
pregavam os metodistas e os evangélicos, o rito teria um papel fundamental e deveria
ser realizado com toda a pompa: “vestimenta do clero magnífica, incenso no altar,
música cantada por vozes treinadas” (SHELLEY, 2004, p. 414). O ponto máximo foi com a
publicação do Tratado 90, no qual Newman afirmou que os Trinta e Nove Artigos, a base
da Igreja anglicana, “poderiam ser interpretados segundo o espírito da igreja católica”
(SHELLEY, 2004, p. 415).
159
p. 415). Shelley (2004) ressalta que o formato de igreja idealizado pelo movimento de Oxford
atribuiu maior importância para o embelezamento da arquitetura e da música nas igrejas
anglicanas. Além disso, os representantes desse movimento foram responsáveis por
Perceba, acadêmico, que tal ponto de vista entrava em choque com a teologia
calvinista, pois dava importância ao método de pregação, visando o convencimento
de quem estivesse ouvindo. Já na teologia mais tradicional calvinista, muito aceita na
Europa, o pregador não poderia interferir, pois era Deus que escolhia quem seria salvo.
160
Na Índia, Carey encontrou um desafio, pois a empresa inglesa que estava
responsável pelo neocolonialismo no país não aceitou que Carey residisse com sua
família em Calcutá. Segundo Shelley (2004), a intenção da Inglaterra ali era puramente
comercial. Ele conseguiu abrigo na parte holandesa, indo residir e trabalhar como
capataz em Serampore. Ele se dedicou aos estudos, principalmente da cultura hindu
e das línguas orientais. Traduziu a Bíblia para diversos idiomas (em alguns deles,
parcialmente), além de outros livros da cultura oriental.
Essa foi uma época que despertou na sociedade americana a ideia do “destino
manifesto”, ou seja, de que as terras ali teriam sido dadas por Deus àquele povo, assim
como Canaã havia sido dada ao povo de Israel, no Antigo Testamento. No campo
religioso, essa ideia também se fez presente:
162
com a religiosidade desses indivíduos. Sendo assim, não tardou para que começassem
a aparecer igrejas com pregadores negros, as quais atendiam à população negra, como
explica Shelley (p. 434, 435): “já que todas as outras formas de organização da vida
social estavam proibidas entre os escravos, o pregador negro surgiu como a figura
importante da ‘instituição invisível’ – a igreja dos escravos”.
Um dos seus discípulos, Theodore Weld (1803-1885), escreveu textos que iam de
encontro à teologia que concordava com a escravidão. “Seus textos poderosos, The Bible
against Slavery (A Bíblia contra a escravidão), de 1837, e Slavery as it is (A escravidão como
ela é), serviram de catalisadores para o abolicionismo” (SHELLEY, 2004, p. 436). Seus escritos
influenciaram Harriet Elizabeth Beecher Stowe (1811-1896), filha de Lyman Beecher (1775-
1863), um pastor presbiteriano que também fez oposição à escravidão. Harriet escreveu
diversos livros, dentre eles A cabana do pai Tomás, considerada uma das principais obras de
combate à escravidão (SHELLEY, 2004).
164
respeito à disputa entre católicos e protestantes pelos territórios a serem evangelizados.
No geral, as missões se estabeleciam tendo em vista os respectivos países dominantes, ou
seja, nas colônias inglesas, a presença protestante era atuante, ao passo que, nas colônias
francesas, ocorria a influência católica.
Lavigerie foi importante para a região africana dominada pela França. Ele foi
o fundador da Ordem dos Pais Brancos. Outras ordens católicas passaram a ocupar a
região para auxiliar o trabalho.
Com relação ao Egito, o cristianismo não havia sido de todo extinto. Ainda havia
igrejas que celebravam as missas em copta, língua de parte da população local, antes
do avanço dos árabes. Havia também protestantes vindos dos EUA, presbiterianos e a
Sociedade Missionária Eclesiástica. Eles atuavam entre os muçulmanos e ortodoxos,
conseguindo bastante adesão (LATOURETTE, 2006).
165
A Igreja Ortodoxa Grega estivera presente antes da ocupação
árabe e existia, continuamente, desde então. Ela estava sob seu
próprio patriarca de Alexandria. Na última parte do século 19 seus
números aumentaram pela imigração dos sírios e dos gregos, e
escolas, hospitais, e outras instituições de caridade foram criadas.
Os monofisistas armênios e sírios também estavam no Egito, mas
em números menores. Os católicos romanos estavam presentes
desde o século 17, mas no início do século 19 eram poucos. Como
as outras igrejas, eles cresceram na segunda metade do século. Isso
se deu, em parte, por imigração da Europa. Foi fundamentalmente
pelo crescimento dos coptas, o fruto das missões de várias ordens
religiosas (LATOURETTE, 2006, p. 1629).
166
Os liberais acreditavam que a teologia cristã deveria entrar em acordo
com a ciência moderna se desejasse a fidelidade dos homens de
inteligência de seu tempo. Eles recusaram a aceitar apenas as crenças
religiosas sobre autoridade. E insistiam que a fé tinha que passar nos
testes da razão e da experiência. A mente do homem, acreditavam, era
capaz de alcançar os pensamentos de Deus, e acreditavam também que
a melhor pista para a natureza de Deus estava na intuição e na razão.
A ideia de mostrar uma teologia que coubesse nesse mundo “governado” pelo
saber científico, fez com que muitos cristãos eruditos se dedicassem aos estudos, não
somente teológicos. A religião, para eles, deveria passar pelo crivo da ciência, não sendo,
portanto, aceitável a crença apenas da revelação, base da teologia cristã até então.
Segundo Mondin (1980), o protestantismo liberal teve início com Friedrich Schleiermacher
(1768-1834), pois ele enfatizou a importância dos estudos sobre a origem tanto da religião,
quantos dos dogmas. Na sua percepção, à pessoa religiosa, não interessava a validação
da autoridade bíblica e sim, a experiência, ou seja, o que era vivenciado dentro da religião,
“[...] a essência da religião consiste no sentimento de dependência radical” (MONDIN, 1980,
p. 9). Essa dependência se daria, pois, o ser humano ao se deparar com sua realidade,
percebe que é dependente de algo, ou Outro, que seria Deus.
167
Em 1835, D. F. Strauss publicou sua obra A Vida de Jesus, em que ele
argumentou que aqueles que aceitaram os milagres e as referências
ao sobrenatural como literais erraram, e que o mesmo foi verdade
quanto àqueles que simplesmente os rejeitaram como ficção. O Novo
Testamento não é simplesmente uma crônica; ele é um testemunho
de fé por aqueles que criam em Jesus. Suas narrativas, portanto, não
deveriam ser lidas como afirmações do fato. Elas são, na verdade,
‘mitos’. Um mito, no sentido em que Strauss usa a palavra, não é pura
falsidade. Pelo contrário, um mito expressa verdade da mais alta
ordem. O que é, portanto, importante sobre o Novo Testamento não
é o próprio Jesus, ou seus milagres, ou mesmo seus ensinos, mas a
verdade fundamental à qual estes apontam; a unidade suprema de
Deus com a humanidade.
168
RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
169
AUTOATIVIDADE
1 As ideias Iluministas do século XIX acabaram mobilizando forças para a Revolução
Francesa. A questão religiosa foi um dos pilares do movimento revolucionário,
principalmente na chamada fase do terror. Sobre os acontecimentos relacionados à
Igreja francesa nesse período, assinale a alternativa CORRETA:
a) ( ) Foi somente como Dezoito Brumário que Napoleão conseguiu acabar com os conflitos
religiosos na França, ao instituir a separação definitiva com Roma e a liberdade religiosa.
b) ( ) No período em que os Jacobinos estiveram à frente do processo revolucionário,
vários padres foram presos e mortos, pois não aceitaram a constituição civil
imposta ao clero.
c) ( ) Uma das questões que favoreceram o sentimento anticlerical na França, foi
em virtude do clero não pagar impostos. Isso foi resolvido durante o governo
dos jacobinos em decretos que somente as igrejas que pagassem impostos
poderiam funcionar.
d) ( ) Foi no período napoleônico que o cristianismo foi mais perseguido após a revolução.
Vários padres foram expulsos da França ou mortos.
2 Foi no século XVIII que a importância das missões ganhou espaço no culto protestante
europeu. Outros locais fora da Europa passaram a ser vistos como um campo para o
evangelismo, tais como a África e a Ásia. Tendo em vista o que foi estudado sobre esse
assunto, analise as sentenças a seguir:
I- William Carey defendeu que as missões deveriam partir da união das Igrejas e não
apenas de uma denominação. Ele fundou a Sociedade Missionária Batista e partiu em
missão para a Índia, que estava sendo dominada economicamente pela Inglaterra.
II- Inicialmente, as missões foram impulsionadas pelos avivalistas e pelas Igrejas
não conformistas. Posteriormente, a Igreja anglicana passou a se unir em prol do
evangelismo em outros territórios.
III- Devido à questão escravista que assolava o continente africano, os missionários
cristãos não tiveram êxito nas missões. Somente nas regiões que já haviam igrejas
foi que o cristianismo se fez presente.
170
3 Nos EUA do século XIX, o protestantismo passou por movimentos de avivamento
com grande ênfase missionária. Tendo em vista o que foi estudado sobre o Segundo
Grande Despertar, classifique V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
( ) Uma das grandes mudanças da religião nos EUA do século XIX foi a questão do
voluntariado. Sem o apoio do Estado, as Igrejas incentivaram os fiéis a se engajarem
nas missões, o que fez o protestantismo crescer.
( ) Nessa fase, a denominação de maior impacto foi a anglicana, que, historicamente
tinha o apoio da antiga metrópole para realizar as missões.
( ) A Igreja protestante nos EUA defendeu veementemente o fim da escravidão, inclusive
se opondo ao governo.
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
4 A Revolução Francesa passou por diferentes etapas. Em cada uma delas a religião
foi tratada de uma forma, culminando na chegada de Napoleão Bonaparte ao poder.
Explique, com suas palavras, as principais mudanças para a religião na França, sob o
governo de Napoleão Bonaparte:
5 A Igreja anglicana, no século XIX, passou por uma série de críticas com o, assim
denominado, Movimento de Oxford. Explique com suas palavras as principais ideias
dos clérigos que lideraram esse movimento:
171
172
UNIDADE 3 TÓPICO 2 -
O CRISTIANISMO NO MUNDO
INDUSTRIALIZADO
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, vimos no tópico anterior como a Revolução Francesa modificou
o status da religião perante o Estado na França. A ideia do estado laico começava a ser
desenvolvida e impactou diversos governos nos anos seguintes, quando os sistemas
de governo absolutistas foram dando espaço a sistemas mais democráticos na Europa.
Já na América, seguindo o exemplo dos EUA, os demais países lutaram por suas
independências, onde, com exceção do Brasil, foi escolhido o sistema republicano de
governo. As questões religiosas após as independências americanas também sofreram
mudanças. Se pensarmos no caso do Brasil, por exemplo, a independência trouxe a
possibilidade de poder ter outra religião que não fosse o catolicismo, porém, com sérias
restrições, que só foram quebradas com o início da República, após 1889.
173
2 A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E OS MOVIMENTOS CRISTÃOS
Ao final do século XVIII e início do XIX, a sociedade europeia passou pela
Revolução Industrial. Mudanças profundas afetaram o dia a dia das pessoas, suas
relações de trabalho, uma nova classe de trabalhadores surgiu, a do operariado, a
serviço da burguesia, que detinha o domínio das fábricas e contratavam os operários.
A vida dos trabalhadores nas fábricas era de realmente árdua, pois tinham de
cumprir mais de doze horas laborais por dia. Não havia nenhuma legislação que apoiasse,
em alguma medida, a classe operária. Se os salários eram baixos para os homens, pior ainda
para as mulheres e, além disso, crianças também trabalhavam, ganhando menos ainda.
174
Mas, após a metade do século XIX, um número crescente de cristãos,
católicos e protestantes, lutou por melhores condições para os
trabalhadores. Quatro campos de ação lhes era possível: (1) desafiar
a filosofia do laissez faire em nome dos princípios cristãos; (2) criar
instituições cristãs para aliviar o sofrimento dos necessitados; (3)
apoiar a formação de grupos trabalhistas; (4) apelar ao Estado por
uma legislação referente à melhora das condições de trabalho
(SHLLEY, 2004, p. 458).
Dentre esses cristãos que contribuíram para essa causa, podemos citar o bispo
alemão Wilhelm Ketteler (1811-1877), que se posicionou a favor da intervenção do Estado
para conter os capitalistas, mas também se posicionou a favor da propriedade privada,
buscando, assim, um equilíbrio entre o capitalismo e o socialismo.
Outro personagem católico importante foi o cardeal inglês Henry Edward (1808-
1892). Ele fez parte do movimento de Oxford, sobre o qual já nos referimos. Ele chegou
a se posicionar a favor da classe trabalhadora e exigir do governo que o trabalho infantil
fosse abolido. Além disso, se posicionou contra a extensa carga horária diária de trabalho
(SHELLEY, 2004).
A Igreja católica, durante muito tempo, não foi a favor dos sindicatos. A encíclica
Rerum Novarum, feita pelo papa Leão XIII (1878-1903), se posicionou contra o socialismo,
mas também procurou ressaltar que fossem tomadas medidas para melhoria das
condições dos operários (SHELLEY, 2004).
175
Da parte protestante, as principais vozes contra a situação social, na Inglaterra,
vieram por parte dos não conformistas, que eram, principalmente, os metodistas e
os batistas, como nos explica Shelley (2004, p. 459): “Os não-conformistas também
eram líderes na cruzada da temperança e na fundação de orfanatos. George Müller
da Fraternidade de Plymouth; Charles Haddon Spurgeon, o líder pregador batista de
Londres; e o metodista T.B. Stephenson, todos foram instrumentos na criação de
orfanatos cristãos”. Entre os pietistas, o de maior destaque foi William Booth (1829-1912),
que fundou o Exército da Salvação, que até hoje é uma referência mundial. Para mostrar
a necessidade de mudanças, ele fez um levantamento para revelar a situação social
da maioria das pessoas da Inglaterra. De acordo com Shelley (2004, p. 459), “em onze
anos, ele tinha 32 bases de evangelização e serviço social entre a população crente de
Londres”. Essa atuação é considerada a maior já realizada na Inglaterra.
176
Outro pastor influente na pregação do evangelho social nos EUA foi Walter
Rauschenbusch (1861-1918). Batista, também escreveu sobre as questões sociais e o
comportamento da igreja, enfatizando que o arrependimento que o cristianismo produz
nas pessoas deve ser estendido aos pecados sociais.
177
Em meados do século XIX, mais um golpe foi dado ao poderio da Igreja romana,
quando teve início o processo da unificação italiana. Esse processo veio tardiamente, se
levarmos em consideração que países como França, Inglaterra, Espanha e Portugal já
haviam consolidado suas unificações no século XV.
No meio desses conflitos, teve início, em 1869, o concílio que estabeleceu a tão
discutida Infalibilidade Papal. O assim chamado Primeiro Concílio do Vaticano teve como
centro do debate a questão do poder papal, se seria acima dos concílios ou se os concílios
teriam a primazia. Sobre esse tema, ficou estabelecido que:
O concílio também apostolou que Maria foi concebida sem a mácula do pecado
original. Essa questão já havia sido declarada dogma pelo papa Pio IX, em 1854. O concílio
não chegou ao final pois foi interrompido em virtude da guerra Franco-Prussiana.
Somente no século seguinte foi convocado o Concílio do Vaticano II, o qual estudaremos
no próximo tópico.
178
5 O MOVIMENTO FUNDAMENTALISTA PROTESTANTE
Ao estudarmos a questão do fundamentalismo protestante, devemos diferenciar
do significado que o senso comum costuma atrelar ao protestantismo na atualidade.
Basicamente, as ideias do fundamentalismo ocorreram no final do século XIX e início
do XX, nos EUA, como uma maneira de refutar o liberalismo protestante, sobre o qual já
estudamos. As ideias do fundamentalismo, segundo Campos (2015, p. 473-474) foram
divulgadas, inicialmente pela publicação da coletânea “The Fundamentals: a Testimony
to the Truth [...] (1910 a 1915) [...] e a Scofield Reference Bible (uma edição anotada da
Bíblia, publicada pela primeira vez por Cyrus Ingerson Scofield em 1909)”.
Caro acadêmico, você deve estar lembrado que o liberalismo foi uma tentativa
de agregar os conhecimentos científicos ao cristianismo, abrindo mão, muitas vezes,
de questões que até então haviam sido basilares, como a ressurreição, os milagres
relatados na Bíblia, dentre outros pontos. O fundamentalismo veio, então, como uma
proposta de resgatar tais verdades e reafirmá-las. O ponto principal, então, era defender
a Bíblia como um livro inspirado, portanto, que não contém erros (CAMPOS, 2015).
Vejamos a explicação de Campos (2015, p. 472):
6 O MOVIMENTO DA NEO-ORTODOXIA
Outra reação às ideias do liberalismo protestante ocorreu por meio de teólogos
que configuraram o movimento que ficou conhecido como neo-ortodoxia, ou teologia
dialética. Alguns nomes se destacaram, dentre eles, Karl Barth (1886-1968), que,
apesar de ter influências do liberalismo teológico, passou a adotar uma postura de
ruptura com ele. Um dos principais pensadores que o influenciou foi Sören Aaby
Kierkegaard (1813-1855), vejamos:
179
Logo após a Primeira Guerra Mundial, retomando Kierkegaard,
denunciou vigorosamente todas as tentativas de amordaçar a Palavra
de Deus com a Razão. Contra um cientificismo ingenuamente triunfal
e um racionalismo seguro de si, Barth afirmou que todo conhecimento
provém de Deus, o ‘Totalmente-Outro’. Essencialmente enfraquecido
em sua unidade originária, o ser humano, segundo Barth, não pode
mais alcançá-lo com suas forças; ao contrário, tudo aquilo que é
humano, razão, filosofia, cultura, religião, encontra-se em substancial
oposição a Ele (GUIMARÃES, 2014, p. 29).
Para Barth, por meio do sacrifício de Cristo, o ato mais importante, acabou
tornando tal oposição ultrapassada. Foram suas ideias que contribuíram para fortalecer
o pensamento teológico antiliberal (GUIMARÃES, 2014). Seus comentários sobre a
epístola de Romanos tornou a teologia neo-ortodoxa conhecida, principalmente no meio
acadêmico. Nela, ele teceu críticas tanto ao liberalismo teológico, quanto às ideias do
fundamentalismo que vimos anteriormente (MORAIS; FERREIRA; GOMES, 2010). Barth
enfatizava a importância e autoridade da Palavra de Deus, e a centralidade de Cristo.
Além disso, afirmava que a razão não deveria ser o motor que garantiria a correta análise
dos textos sagrados (MORAIS; FERREIRA; GOMES, 2010).
7 O PENTECOSTALISMO
Ao falar em pentecostalismo é possível, caro acadêmico, que você pense na
numerosa força que este movimento tem atualmente, principalmente no Brasil. Sendo
uma das vertentes evangélicas que mais cresce, ele teve suas origens no início do
século XX, nos EUA.
180
Um personagem importante que precedeu o pentecostalismo foi Charles Fox
Parham (1873-1929), que ensinava a importância do falar em línguas diferentes – a
glossolalia, na região do Kansas, como um resultado do batismo com o Espírito Santo.
Vejamos a explicação de Matos (2006, p. 30-31, grifo do original), sobre a diferença
entre os movimentos:
Devemos lembrar que as divisões sociais relacionadas à cor eram muito presentes
nesse momento nos EUA. Muitos religiosos aceitavam a discriminação, como foi o caso
de Parham, que deixou William Joseph Seymour (1870-1922), um pregador negro atuante
no movimento holiness, assistir suas aulas no corredor (MATOS, 2006). Seymour foi visitar
uma igreja em Los Angeles, que tinha a liderança de uma mulher negra, que não gostou
de sua pregação. Ele passou a reunir um grupo em sua casa onde, em pouco tempo, já
não cabia mais pelo tanto de gente, e tiveram que alugar um espaço maior. Com esse
grupo, teve início o movimento pentecostal, na Rua Azusa, em 1906 (MATOS, 2006).
181
Algo totalmente inusitado acabou acontecendo em meio ao avivamento
pentecostal, ao menos tendo em vista a situação dos EUA nesse momento. Ele foi
o primeiro movimento religioso que teve, desde seu início, a participação de negros,
brancos, asiáticos, hispânicos, além de imigrantes europeus. A participação de mulheres
em posições de liderança também era comum. Apesar disso, com o tempo, conflitos
internos acabaram dividindo o grupo e os negros tomaram a frente na liderança.
Devido à força dessas leis, a unidade racial que, inicialmente se fez presente,
sofreu um grande abalo, o que fez várias Igrejas serem criadas ou somente de brancos, ou
somente de negros. Após o falecimento de Seymour e depois de sua esposa, a chamada
“missão da rua Azusa” foi encerrada (MATOS, 2006). Porém, os frutos desse movimento
já haviam se espalhado por diversos países, formando igrejas de diversos tipos, mudando
substancialmente as estruturas do campo evangélico.
DICA
Para ampliar seus conhecimentos sobre a temática do pentecostalismo, leia os
seguintes artigos:
• ALENCAR, G. F. de; FAJARDO, M. P. Pentecostalismos: Uma superação da
discriminação racial, de classe e de gênero? Revista Estudos de Religião,
São Paulo, v. 30, n. 2, p. 95-112, 2016. Disponível em: https://bit.ly/3l4SfZe.
• SANTOS CORREA, M. A. O. dos. Pastores das Assembleias de Deus. Revista
Interações, Uberlândia, v. 14, n. 25, p. 29-54, 2019. Disponível em: https://
bit.ly/3A7E2Be.
8 O NEOPENTECOSTALISMO
Caro acadêmico, no subtópico anterior estudamos a origem do movimento
pentecostal e os principais fatores que o diferenciou de outras expressões dentro do
protestantismo. Por suas características, alguns grupos fazem, inclusive, distinção entre
o protestantismo e o pentecostalismo, não o vendo como uma ramificação.
182
O pentecostalismo passou por mudanças durante o percurso do século XX.
Várias igrejas surgiram ou se separam de outras históricas. De acordo com Paul Freston
(1993), pode ser feita uma diferenciação do pentecostalismo no Brasil, por meio da
primeira onda, que ocorreu com a vinda, em 1910 e 1911 da Congregação Cristã e da
Assembleia de Deus.
Uma das principais ênfases dadas pelas igrejas neopentecostais é com relação
à teologia da prosperidade, na qual se enfatiza que quanto maior for a oferta do fiel, mais
ele receberá. Além disso, muitos elementos usados no culto são de religiões diversas,
fruto de um sincretismo, principalmente com religiões de matriz africana, ainda que, tais
religiões sejam duramente combatidas.
Há também uma grande ênfase na luta com “o mundo espiritual”, por meio do
exorcismo. Em geral, nos cultos, não há uma preocupação com estudos mais aprofundados
dos textos sagrados ou de teologia. A música tem papel de destaque, assim como as
emoções. A estrutura organizacional não reflete, em geral, um sistema de governo mais
participativo, ao contrário, os líderes são responsáveis pelas decisões da igreja.
183
RESUMO DO TÓPICO 2
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O Evangelho social na América foi fruto de protestantes que viram uma oportunidade
de reivindicar as questões sociais, onde muitos viviam sob graves problemas. Eles
eram a favor não da implantação do socialismo, mas defendiam que dignidade da
vida humana deveria ser garantida em um país formado por maioria de cristãos.
• O Concílio do Vaticano I declarou que Maria foi concebida sem a mácula do pecado
original, além da infalibilidade papal.
• O pentecostalismo surgiu nos EUA, no início do século XX. Apesar das críticas que
recebeu, o movimento se espalhou por diversos países e é hoje uma das principais
forças no campo evangélico. Além dele, o neopentecostalismo trouxe novas
abordagens para o campo religioso, enfatizando elementos pentecostais e mantendo
um sincretismo com a religiosidade popular.
184
AUTOATIVIDADE
1 Após a Revolução Industrial, mudanças significativas ocorreram na sociedade,
mudando, inclusive, as relações de trabalho. Diante da situação dos operários, Karl
Marx e Engels passaram a formular as ideias do socialismo científico. Alguns setores,
tanto entre os protestantes quanto no meio católico, passaram a defender ou se
posicionar contra o socialismo. Sobre essas questões, assinale a alternativa CORRETA:
185
3 No percurso da história da Igreja temos vários movimentos de avivamentos. Na
primeira década do século XX, um grupo de cristãos na rua Azusa, nos EUA, chamaram
a atenção com os cultos avivados e com características distintas dos avivamentos
anteriores. Tendo em vista o que foi estudado sobre pentecostalismo, classifique V para
as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
( ) O principal líder foi Charles Fox Parham, que pregava sobre a importância do batismo
com o Espirito Santo, e de uma unidade entre os cristãos, independente da classe
social ou cor de pele.
( ) O pentecostalismo, inicialmente, conseguiu unir, em um país segregacionista,
negros, asiáticos e brancos sob a bandeira de que, em Cristo, não haveria mais
divisão social.
( ) Diversos fatores se destacaram entre as igrejas cristãs, após o desenvolvimento
do pentecostalismo. Um deles se deu quanto ao papel que as mulheres tiveram na
liderança do pentecostalismo, como pastoras e pregadoras.
a) ( ) V – F – F.
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – V – V.
5 Ainda no século XIX, ganhou espaço nos meios protestantes o liberalismo teológico.
Em contraposição a essas ideias, surgiu nos EUA, o fundamentalismo protestante.
Destaque as principais características desse movimento.
186
UNIDADE 3 TÓPICO 3 -
A IGREJA CATÓLICA NO SÉCULO XX
1 INTRODUÇÃO
Caro acadêmico, várias mudanças ocorreram no final do século XIX até meados do
século XX. Com a disputa por mercado consumidores e de matérias-primas se acirrando,
as nações europeias deflagraram a I Guerra Mundial (1914-1918), sucedida pelo período da
grande depressão – a primeira grande crise do capitalismo.
2 O CONCÍLIO DO VATICANO II
Acadêmico, estudamos anteriormente o Concílio do Vaticano I, que ocorreu em
1870, e tratou, dentre outras coisas, sobre a infalibilidade papal.
No século XX, João XXIII (1881-1963) foi papa entre os anos de 1958 até 1963 e
tomou para si a missão de convocar o concílio do Vaticano II. A convocação papal para
o segundo concílio tinha em vista discutir, sobretudo, sobre as mudanças/implicações
sociais trazidas pela modernidade e promulgar resoluções nesse sentido.
187
de dar início ao concílio, o papa João XXIII já havia dado passos importantes para o
catolicismo, quando conseguiu abrir os diálogos com países comunistas (JOHNSON,
2001). João XXIII também se opôs ao racismo, falando da necessidade de romper
qualquer vestígio social de discriminação racial. Além disso, criticou a postura de
“impor ideias ocidentais homogêneas” (JOHNSON, 2001, p. 619), principalmente ao
tratar com os países em desenvolvimento.
188
O uso do latim continua sendo a regra, mas a língua falada terá um espaço maior
por conta de sua ‘utilidade para o povo’, sobretudo nas leituras, admoestações e cantos,
por meio de traduções aprovadas (MOULINET, 2012, p. 31).
Porém, essa ruptura não foi de todo prejudicial para a Igreja, tendo em vista que
ela continua a exercer grande influência na vida das pessoas, sendo considerada, ainda
hoje, uma das grandes representantes do cristianismo na atualidade, tendo a figura do
papa como a liderança religiosa mais influente no mundo. Ademais, ao longo dos anos,
a Igreja veio passando por significativas alterações a fim de conservar seus membros e
conquistar novos adeptos.
189
FIGURA 3 – FOTO PANORÂMICA DO VATICANO
Para a DSI, o papel evangelizador da Igreja deve considerar a atenção aos pobres
em face às dificuldades que estes enfrentam. De acordo com a DSI, a Igreja deve se
preocupar com a integralidade do ser humano, ação que envolve alguns princípios básicos:
“a) o princípio da dignidade da pessoa, no qual todos os demais princípios encontram seu
firme fundamento; b) o princípio da solidariedade; c) o princípio da subsidiariedade; e por
fim, d) o princípio do bem comum” (BÁRBARA JÚNIOR, 2016, p. 27).
190
A luz da fé, a solidariedade tende a superar-se a si mesma, a revestir-
se das dimensões especificamente cristãs da gratuidade total, do
perdão e da reconciliação. O próximo, então, não é um só ser humano
com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a
todos os demais; mais torna-se a imagem viva de Deus Pai, resgatada
pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objeto permanente do Espírito
Santo. Por isso, ele deve ser amado, ainda que seja inimigo, com o
mesmo amor com que se ama o Senhor; e é preciso estarmos
disposto ao sacrifício por ele, mesmo o sacrifício supremo: ‘dar a vida
pelos próprios irmãos’ (JOÃO PAULO II, 2000, p. 76).
4 O MOVIMENTO CARISMÁTICO
Após o concílio do Vaticano II, a Igreja católica começou a contar com um renovo
através do movimento carismático católico (RCC). Seu surgimento se deu nos EUA, em
1967, em uma universidade na Pensilvânia. Podemos identificar nesse movimento uma
profunda influência do protestantismo, que estava atuante e em largo crescimento
nos EUA. Um fator interessante, é que, em seu surgimento, a RCC atuava de forma
ecumênica, inclusive, no evento considerado sua fundação foi num retiro “realizado
por professores e acadêmicos católicos [...], orientados por carismáticos presbiterianos,
o grupo [...] orou pedindo o Batismo no Espírito Santo e a manifestação de dons
carismáticos como os descritos por São Paulo em sua segunda carta aos Coríntios,
pedido este que considerou atendido durante o evento” (MASSARÃO, 2007, p. 5). No
Brasil, a característica ecumênica não tem ocorrido na RCC.
191
Uma das formas encontrada pelo Movimento Carismático, nos seus
primeiros anos de vida, para ganhar a simpatia e a participação
do clero foi, através de sua literatura, demonstrar ‘docilidade’ em
relação à autoridade institucional e o culto mariano, diminuindo
o efeito negativo que a proximidade com as práticas pentecostais
protestantes poderia ter, além de reafirmar a Renovação Carismática
Católica como uma renovação cristã autêntica.
192
Já no século XIX, com a independência da Grécia em relação à Turquia, a
questão religiosa entrou em pauta, pois, a Igreja grega queria manter sua independência
em relação ao patriarca de Constantinopla. Com a desintegração do Império Otomano,
no período entre guerras, “[...] o patriarcado de Constantinopla reconheceu a autonomia
das diversas igrejas ortodoxas, não apenas nos antigos territórios turcos situados
nos Bálcãs, mas também em outras regiões europeias como a Estônia, a Letônia e a
Checoslováquia” (GONZALEZ, 1995, p. 31).
Antes do século XX, muitas regiões dominadas pelo islamismo já haviam imposto
restrições ao cristianismo e seus territórios. Na Grécia, a igreja ortodoxa continuou com
hegemonia, mantendo, inclusive, a relação estreita com o Estado (GONZALEZ, 1995). Já
no território russo, a situação era bem mais pacífica para os ortodoxos, ao menos até
a ascensão do socialismo. Sobre a importância desse território para a igreja ortodoxa,
Gonzalez (1995, p. 32) nos oferece uma explicação:
Após tal incidente, o czar Pedro, o Grande, (1689-1725) lançou novas bases para
a religião na Rússia, quando abriu o país às influências tanto das outras igrejas católicas
quanto do protestantismo. Além disso, as ideias iluministas também fizeram eco no
território russo, influenciando a Igreja. Já no século XIX, houve um intenso movimento
nacionalista, no qual o teólogo Alexis Komiankov (1804-1860) foi um importante
representante. Em sua concepção, a teologia seguida na Rússia abarcava tanto o
catolicismo quanto o protestantismo (GONZALEZ, 1995).
193
O cristianismo ortodoxo constituiu igrejas em diferentes territórios, como Japão,
China e Coréia. Nesses países, a presença se deu principalmente por meio da igreja russa.
No geral, são igrejas de maioria nativa. Um ponto interessante ressaltado por Gonzalez
(1995), é sobre a imigração, que fez com que pessoas que fugiam de questões sociais e
políticas de seus países, migrassem para outros territórios. Ao constituírem uma igreja
no novo local, acabou gerando conflitos dentro do ramo ortodoxo, que, durante muito
tempo, não concordava que houvesse mais de um tipo de igreja ortodoxa no território,
para não gerar conflitos entre a questão do patriarcado.
IMPORTANTE
MARCOS IMPORTANTES PARA O CRISTIANISMO NA CONTEMPORANEIDADE
Independência dos EUA 4 de julho de 1776
Revolução Francesa 1789-1799
Movimento de Oxford 1833
Willian Carey 1761-1834
Teologia liberal protestante Final do século XVIII
Fundamentalismo protestante Final do século XIX
Concílio do Vaticano I 1869-1870
Pentecostalismo 1906
Concílio do Vaticano II 1961-1965
FONTE: O autor
Caro acadêmico, chegamos ao final deste Livro Didático com a certeza de que
sua curiosidade sobre a história do cristianismo só aumentou. Este é um assunto amplo
e de suma importância para sua formação. Aqui, você teve um ponto de partida para
aprofundar, posteriormente, seus estudos. Logo a seguir, você poderá realizar a leitura
de um artigo sobre a Igreja ortodoxa russa.
194
LEITURA
COMPLEMENTAR
RELIGIÕES TRANSNACIONAIS A IGREJA CATÓLICA ROMANA
NO BRASIL E A IGREJA ORTODOXA NA RÚSSIA
[...] Mesmo que a Igreja russa faça parte da Ortodoxia mundial, esta, em seu
sentido mais estrito não pode ser caracterizada como "transnacional". Por um lado, a
confissão Ortodoxa consiste em quinze Igrejas nacionais (ou regionais) verdadeiramente
independentes. Cada uma delas é liderada por seu próprio Patriarca e possui autonomia
completa em todos os assuntos pastorais e administrativos. Por outro, existe um Patriarca
Ecumênico (de Constantinopla) que, por razão de precedência histórica, preside todo o
mundo ortodoxo. Entre os fiéis é considerado como "patriarca dos patriarcas", mas gozando
somente de uma "primazia de respeito": ao contrário do Patriarca Ocidental (outro título do
Papa, além de Bispo de Roma), ele não é considerado nem infalível nem o principal chefe
executivo de uma comunidade mundial de fé. Na verdade, em assuntos de fé e de moral,
ele é impotente para emitir sua própria opinião. Ele se submete e atua como o portador
das decisões de bispos do mundo Ortodoxo tomadas nos concílios também chamados
"ecumênicos", ainda que raramente estes tenham se reunido.
Agora, como no passado, considero que este caráter transnacional das religiões
modernas é também o maior fator, senão o decisivo, que condiciona o desenvolvimento
das igrejas locais. Seria demais afirmar que existe somente uma "religião vinda do alto",
porém, insistir na primazia de um paradigma de uma "religião vinda de baixo" é sem
dúvida perder de vista a característica central de uma religião transnacional organizada:
a tendência inescapável em direção a unidade e universalidade tanto no que se refere à
doutrina quanto à estrutura. [...]
195
Antes de mais nada, ela se encontrou momentaneamente carente de quadros
porque, virtualmente do dia para a noite, mais de um terço dos cerca de sete mil
padres, bispos e seminaristas foram reincorporados em confissões antes suprimidas.
Nas repúblicas recém independentes, muitos voltaram para as igrejas Ortodoxas
reconstituídas ou Greco-Católicas, quase todas da Ucrânia Ocidental, ou ainda para as
Católicas Romanas de Bielorrússia.
Dentro das fileiras da própria Igreja russa também irromperam diversas facções.
Alguns elementos do baixo clero têm acusado duramente membros da hierarquia de
"colaboração" com as agências de informação do antigo Estado comunista. Muitos
outros, no entanto, são bem abertos para o Ocidente. Ao cultivar contatos ecumênicos
com denominações não ortodoxas, eles vêm assumindo os riscos implicados quando
ultrapassaram os limites formais aceitáveis, definidos de forma cada vez mais estrita
pelo Patriarcado. [...]
A Igreja Russa é afiliada desde os anos 60, motivada em parte por uma postura
institucional compartilhada com o Conselho, em favor da paz mundial. E também porque
naquela época se tratava de um dos objetivos da política exterior soviética. Argumentou-
se que esse casamento de objetivos foi o "o preço" pago pela liderança [da Igreja] para
poder "exercer atividades verdadeiramente pastorais..." na ex-URSS. E poderia ser
acrescentado que foi o preço para ser parte atuante em organismos religiosos mundiais.
Desde inícios dos anos 90, o CMI vem mudando suas prioridades: cada vez mais,
assuntos do "Terceiro Mundo" dão lugar aos do "Primeiro Mundo", como por exemplo
ordenação de mulheres, casamento entre homossexuais e o uso de uma terminologia
não sexista na linguagem bíblica e litúrgica. Algumas Igrejas Ortodoxas, as mais
contrárias a estas posições "liberais" ameaçaram repetidas vezes romper suas ligações
com o Conselho e, finalmente, o fizeram. Em 1997 a Igreja Georgiana e a Búlgara foram
as primeiras a abandoná-lo. Os russos reagiram com um plano para reformas amplas.
No bojo destas reformas estava o fim da norma de maioria simples, que favorecia as
Igrejas Protestantes, e a proposta de adoção de um acordo de não-comprometimento
nas questões teológicas. Se as mudanças não se concretizarem em 2000 ou 2001, a
Igreja Ortodoxa Russa poderá ser compelida de fazer o mesmo: sair do Conselho.
O que está em jogo não são as questões teológicas somente, mas também
a tolerância religiosa e o pluralismo. A liberdade religiosa e de consciência na Rússia
foi restabelecida - para todos - por lei específica em 1990, como já foi dito. Com isso,
196
muitos Protestantes antes aliados às Igrejas russas e pertencentes ao Conselho,
abandonaram essa posição e se tonaram missionários engajados no "resgate de
suas próprias confissões" na Rússia pós-soviética. Passaram, portanto, a competir de
modo tão contundente que da perspectiva da Igreja Ortodoxa Russa eles têm apenas
"comprado almas" com seus cofres cheios, acusação igualmente lançada contra
os Católicos Romanos. Esta competição acirrada entre as igrejas desencadeou uma
verdadeira guerra pela conversão.
Agora vamos tratar das outras ligações transnacionais da Igreja Russa Ortodoxa
que considero "inadequadas". As comunidades Ortodoxas russas da Europa Ocidental e
dos Estados Unidos, poucas em número e pequenos em tamanho, simplesmente não
podiam levantar recursos de vulto, necessários para reconstruir a Ortodoxia na Rússia.
Além disso, estavam diametralmente opostas a muitas das atuais políticas da Igreja
russa. Primeiro, os três maiores seminários ortodoxos fora da Rússia – em Crestwood,
nas cercanias da cidade de Nova Iorque, Paris e Oxford – são teologicamente liberais,
ideologicamente ecumênicos e culturalmente assimilacionistas e pluralistas.
197
desconfiado tanto do financiamento estrangeiro desta facção (vindo particularmente
dos Católicos Romanos bem como dos Protestantes liberais europeus), quanto de suas
ideias e simpatias "ocidentais". Passou então a disciplinar sistematicamente alguns
desses padres, suspendeu outros das santas ordens e isolou de forma efetiva muitos
de seus intelectuais proeminentes.
Mais um importante problema deve ser analisado: a questão das finanças. Diante
das ligações "contraproducentes" e "inadequadas" estabelecidas fora do "Estado-Nação",
é preciso perguntar-se como a Igreja russa conseguiu reconstituir sua infraestrutura
física na última década. Atualmente só em Moscou ela abrange cerca de 404 edifícios,
nove vezes mais do que em 1988. Ou, como obteve os estimados trezentos milhões de
dólares para reconstruir Cristo Salvador, a catedral monumental que está rapidamente
se tornando símbolo nacional do triunfo da religião sobre o ateísmo? Projetada em 1813
pelo Czar Alexander I para comemorar a vitória da Rússia sobre Napoleão, o edifício
original foi demolido por Stalin em 1931, e suas fundações tornaram-se uma piscina
ao ar-livre na margem do Kremlin do Rio Moskva. Ou, finalmente, como pagou pelo
treinamento e salários que contribuíram para o eventual aumento de pessoal na função
eclesiástica - que passou de menos de 7.397 padres e diáconos em 1988 para 17.084 no
início de 1998?
198
Os críticos acusam-na de fazer vistas grossas à corrupção generalizada em
âmbito público e privado. Ou de apoiar escancaradamente as campanhas eleitorais e as
políticas do ex-Presidente Boris Yeltsin. E, finalmente, de, sem pudor, aproximar-se por
conveniência dos deputados comunistas para aprovar a nova lei de 1997 sobre religião.
Além disso, os mesmos críticos apontam para recentes escândalos financeiros envolvendo
líderes-chave da Igreja, abafados por esta e não processados pelas autoridades, para
reforçar seus argumentos de que a Igreja, mais uma vez, tornou-se a defensora cega e
subserviente do Estado - não da fé [...].
Mas o que pode ser dito sobre aggiornamento no mundo Ortodoxo? A este
respeito a Igreja russa pode se encontrar num impasse duplamente difícil. Antes de
mais nada, o mundo ortodoxo, enquanto uma comunidade global, tem ainda que fazer
um esforço coletivo para se "modernizar". Sendo uma igreja sinodal (aquela governada
por bispos), se acha doutrinariamente presa por um sistema no qual todas as decisões
sobre questões pertinentes à fé só podem ser tomadas por um concílio mundial. Ela
ainda permanece atada, sob muitos aspectos, aos cânones dos sete primeiros com-
cílios ecumênicos realizados entre 325 e 787 d.C.
As razões disso podem ser apenas delineadas aqui. Uma delas é a fraqueza
financeira e institucional de Constantinopla. Outra, é a prioridade que Igrejas do antigo
"bloco comunista" atribuíram à restauração das propriedades, da vida religiosa, bem como
das suas instituições. Outra, ainda, é a difundida resistência ideológica e a frequente
hostilidade aberta de muitas comunidades monásticas - de singular importância para
a espiritualidade Ortodoxa, e ainda a fonte primária de recrutamento de futuros bispos
- para a maior parte das mudanças. Finalmente, não se pode ignorar a rivalidade entre
os patriarcados de Constantinopla e Moscou, este último invocando frequentemente
sua posição como chefe da maior Igreja da Ortodoxia, numa aparente manobra para
aumentar sua influência no mundo Ortodoxo.
O outro impasse com que se defronta a Ortodoxia russa é que, na maior parte
dos últimos três séculos, ela não elaborou nenhum plano próprio de modernização em
que se apoiar. Pedro, o Grande, transformou impiedosamente a Igreja, bloqueando a
eleição de um Patriarca (desde 1700) e, em 1721 tornou o Santo Sínodo, até então o
corpo executivo principal da Igreja, num mero braço administrativo do governo. A maior
parte de seus sucessores seguiu o mesmo procedimento. Somente no século XX,
quando o último Czar abdicou e a Revolução Bolchevique estava a caminho, é que os
199
bispos da Igreja Ortodoxa russa se libertaram por um breve período do controle estatal.
Nem o restabelecimento vitorioso da função Patriarcal nem a restauração da autoridade
eclesiástica do Santo Sínodo mostraram-se duráveis: as diferenças internas na Igreja
irromperam e, logo após, seguiu-se a notória perseguição religiosa dos Bolcheviques.
Desde 1991 a Igreja Ortodoxa russa teve que enfrentar a um número drasticamente
reduzido de fiéis após sete décadas de regime Soviético, escassez econômica sob a
nova Federação Russa e custosos conflitos entre facções internas. Talvez em virtude
de insolubilidade imediata destes problemas, é que os membros do atual Santo Sínodo
tenham decidido em julho de 1999 adiar indefinidamente a convocação, tão discutida e
ansiosamente esperada, de um Concílio Geral.
200
Com 53 anos de idade, orador brilhante e já uma proeminente personalidade, tanto
na cena política nacional quanto no circuito religioso internacional, Kirill é invariavelmente
visto por amigos e desafetos como o "poder atrás do trono" e o "segundo homem de igreja
mais poderoso da Rússia". Muitos suspeitam que ele ambiciona o posto de Patriarca. Esta
é parcialmente a razão pela qual seus motivos e feitos têm sido quase sempre analisados
com grande cuidado pela imprensa, e provocam rumores tanto nos círculos políticos quanto
eclesiásticos. Apesar de tudo, com relação à "modernização" da Igreja russa, a estratégia
de Kirill parece ancorar-se em dois objetivos. O primeiro visa a neutralizar facções nas
disputas internas da Igreja. O setor ultranacionalista e xenófobo provou ser particularmente
causador de problemas. Na última década, este setor pressionou repetidamente o Patriarca
a atacar os progressistas, levando-o a silêncios constrangedores sobre determinadas
questões políticas e sociais, pelas quais os setores progressistas e moderados buscavam
desesperadamente, e sem sucesso, a aprovação da hierarquia.
FONTE: CAVA DELLA, R. Religiões transnacionais: a igreja católica romana no Brasil e a igreja ortodoxa na
Rússia. Civitas: Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 147-167, jun .2003. Disponível
em: https://www.redalyc.org/pdf/742/74230108.pdf. Acesso em: 10 set. 2021.
201
RESUMO DO TÓPICO 3
Neste tópico, você adquiriu certos aprendizados, como:
• O concílio do Vaticano II foi convocado para que a Igreja pudesse atender a questões
propostas pela modernidade. Ele abordou a relação com o catolicismo ortodoxo e
com os protestantes, além de implementar mudanças na liturgia da missa.
• A doutrina social da Igreja foi o instrumento usado pelo catolicismo, para dar respostas as
questões sociais relacionadas às desigualdades, trazendo à tona a ênfase na caridade.
• A igreja ortodoxa não possuí uma centralidade. Cada região possui a ligação com um
patriarca que a lidera.
202
AUTOATIVIDADE
1 A Igreja católica ortodoxa surgiu no episódio conhecido como Cisma do Oriente,
ainda no século XI. Sem uma autoridade central, a Igreja ortodoxa se desenvolveu
de maneiras diferentes em diversos países, principalmente no Leste Europeu. Tendo
em vista o funcionamento da Igreja ortodoxa no século XX, assinale a alternativa
CORRETA:
2 Os concílios fazem parte da vida da Igreja católica. Eles são responsáveis por tomarem
decisões sobre questões que afligem a Igreja. No século XX, o concílio do Vaticano
II abordou temáticas que transformaram muitas das práticas católicas. Sobre este
assunto, analise as sentenças a seguir:
3 A Doutrina Social da Igreja passou por vários processos de aperfeiçoamento. Ela foi
consolidada principalmente após o concílio do Vaticano II. Sobre este tema, classifique
V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas:
203
( ) A ênfase da doutrina social da Igreja estava no pobre, pois, segundo seu entendimento,
era necessário a Igreja atentar para a dignidade das pessoas que são à imagem e
semelhança de Deus.
( ) A encíclica Rerum novarum foi importante para a Igreja, pois se opôs ao socialismo
e a todas as formas de lutas da classe operária, sendo vista, portanto, como um
apoio ao liberalismo econômico.
( ) A DSI teve sua ênfase centrada na evangelização, sem levar m consideração as condições
de vida das pessoas, pois, o mais importante era estar em comunhão com a Igreja.
a) ( ) V – F – F
b) ( ) V – F – V.
c) ( ) F – V – F.
d) ( ) F – F – V.
5 A encíclica Rerum novarum foi responsável por orientar os passos da Igreja com
relação às questões sociais. Posteriormente, a doutrina social da Igreja foi sendo
formada, no intuito de dar respostas às questões sociais. Observando o que
foi estudado sobre essa temática, explique, com suas palavras, as principais
características da Doutrina Social da Igreja:
204
REFERÊNCIAS
BÁRBARA JÚNIOR, C. A. S. Uma tentativa de periodização da doutrina social da
igreja. In: RODORVAL, J. R.; CAVALCANTI, T. N. (org.). Doutrina social da igreja e
modernidade. São Paulo: Fonte Editorial, 2016.
205
JOÃO PAULO II. Encíclica Solicitudo Rei Socialis. 5. ed. São Paulo: Paulinas, 2000.
206
MOULINET, D. O vaticano II contado aos que não o vivenciaram. Tradução de Tiago
José Reis Leme. São Paulo: Paulus, 2012.
207