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Literatura

Texto I

O mundo do contista Franz Kafka é uma casa burguesa, solidamente cons-


truída na aparência, com uma fachada um pouco descuidada. Entramos, e
respiramos o ar das penúrias dolorosas, de quartos mal ventilados. Apodera-
-se de nós o sentimento do ‘déjà vu’, de já ter visto tudo isso. A escada range.

CARPEAUX, Otto Maria. Ensaios reunidos: vol. 1. Rio de Janeiro: UniverCidade


Editora e Topbooks Editora, 1999, p. 153.

Texto II

De outro modo, cara senhora — disse o gerente —, também não sei como
explicar isso. Esperemos que não seja nada grave. Embora por outro lado eu
tenha de dizer que nós, homens do comércio, feliz ou infelizmente — como se
quiser — precisamos muitas vezes, por considerações de ordem comercial,
simplesmente superar um ligeiro mal-estar.

KAFKA, Franz. A Metamorfose. Trad. Modesto Carone.


São Paulo: Cia das Letras, 1997. p.18

Com base nos textos, faça o que se pede.

A) Levando-se em conta a leitura de A Metamorfose e do texto 1, explique como a


família de Gregor Samsa estava “solidamente construída na aparência”.

B) A partir do texto li e considerando a leitura da obra de Kafka, explique de que forma


A Metamorfose pode ser lida como uma crítica ao sistema capitalista.

Resolução:

A) A família de Gregor é a típica família burguesa que mascara suas contradições


sob a capa da convivência feliz e harmoniosa, no fundo, falsa. A falência do pai,
corroído por negócios errados e dívidas, leva o filho a trabalhar durante cinco anos
como caixeiro-viajante para sustentar a casa. Este mergulha numa vida rotineira e
escravizante, embora se conforme à dura sina de prover seus familiares, verdadei-
ros parasitas de seu trabalho alienado. Em Kafka, a felicidade doméstica é mera
aparência a recobrir a convivência pautada por conflitos e frustrações várias.

B) O protagonista da novela de Kafka, Gregor Samsa, é um trabalhador explorado


que labuta por endividamento, portanto um ser humilhado que certa manhã vê-se
metamorfoseado num inseto rastejante e repugnante. De uma vida mesquinha de
caixeiro-viajante, ele passa a viver a angústia ante sua própria existência. Rejei-
tado pela família, Samsa leva a vida enclausurado no seu quarto, arrastando-se
pelo chão, subindo pelas paredes, escondendo-se dos demais embaixo do sofá,
alimentando-se de comidas podres e confundindo-se com o lixo despejado em
seu recinto e sempre a espreitar atrás da porta as lamúrias de seus familiares, o
que o faz sentir-se culpado por sua nova aparência física, já que seus sentimentos
continuam humanos a despeito de todo o resto. Sob todos os aspectos, a trans-
formação de Gregor em barata é imagem do homem moderno: alienado, reificado,
esmagado pela lógica da exploração capitalista.

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