Você está na página 1de 9

Canto VII – Reflexões do poeta

Depois de no canto VI refletir sobre o verdadeiro valor da fama e da glória, no canto VII o poeta intervém
de novo para, na estância 2, elogiar o espírito de cruzada dos portugueses. Mas, a partir da estância 78,
surgem lamentações de teor autobiográfico, e Camões invoca as ninfas para conseguir engrandecer
aqueles que o merecem.

INVOCAÇÃO às ninfas do Tejo e do Mondego

•marcas da invocação "vós", "olhai", "Ninfas


minhas"...
motivo: pedir ajuda de modo a concluir a tarefa que se
propôs realizar.

recurso à metáfora para justificar a invocação v. 6

O poeta já canta, há muito tempo, os feitos dos


portugueses

aspetos biográficos

•obstáculos injustos e imerecidos "tamanhas


misérias”(est. 81, v. 2).
•O poeta esperava ser valorizado e obter o
reconhecimento merecido, versos 4 a 8 da
estância 81.

Intenção do
Espera, pois, que Poeta: cantar
Caso as deusas o Apolo e as Musas Est. 82-86 aqueles que OPOSIÇÃO
favoreçam, este lhe dobrem a e. Crítica ao arriscam a sua Est. 84 a 86,
só exaltará inspiração para exercício do vida e a colocam enumera aqueles
aqueles que o concluir a tarefa poder ao serviço de que não cantará
mereçam est. 83 a que se propôs Deus e da Pátria
est.87 / do Rei e, por
isso, merecem a
imortalidade
est.87
Canto VIII – Reflexões do poeta

O PODER CORRUPTOR DO DINHEIRO

96 Nas naus estar se deixa, vagaroso, Acontecimento motivador da reflexão


Até ver o que o tempo lhe descobre; Vasco da Gama desconfia do ganancioso Catual,
Que não se fia já do cobiçoso não desembarcando (página 221).
Face à cilada de que foi vítima, Vasco da Gama decide permanecer na Articulação
Regedor, corrompido e pouco nobre. nau, ficar atento às verdadeiras intenções do Catual, mostrando-se com o plano
Veja agora o juízo curioso prudente e consciente da necessidade de entender o verdadeiro da VIAGEM
Quanto no rico, assi como no pobre, objetivo daquele corregedor.

Pode o vil interesse e sede imiga


Do dinheiro, que a tudo nos obriga. O poder do dinheiro tanto corrompe pobres como ricos

97 A Polidoro mata o Rei Treício,


Só por ficar senhor do grão tesouro; EXEMPLOS
Entra, pelo fortíssimo edifício, Antiguidade Clássica – atrocidades
devidas ao VIL METAL
Com a filha de Acriso a chuva d' ouro;
Pode tanto em Tarpeia avaro vício nomeadamente o rei Treício assassinou Polidoro, rei
Que, a troco do metal luzente e louro, de Troia, para lhe roubar o ouro; também Tarpeia
Entrega aos inimigos a alta torre, abriu as portas da cidade aos Sabinos, inimigos de
Roma, porque esperava ser recompensada com joias
Do qual quási afogada em pago morre. de ouro que transportava

98 Este rende munidas fortalezas;


Faz trédoros e falsos os amigos;
Este a mais nobres faz fazer vilezas,
A
E entrega Capitães aos inimigos; O poder corruptor do dinheiro
n Este corrompe virginais purezas,
á Sem temer de honra ou fama alguns perigos; • Amizade
f Este deprava às vezes as ciências, • Fidelidade
o Os juízos cegando e as consciências. • Integridade
r
a
99 Este interpreta mais que sutilmente
Os textos; este faz e desfaz leis;
Este causa os perjúrios entre a gente
E mil vezes tiranos torna os Reis.
Até os que só a Deus omnipotente
Se dedicam, mil vezes ouvireis
Que corrompe este encantador, e ilude;
Mas não sem cor, contudo, de virtude!

O poder corruptor do dinheiro

• no Direito
• na Monarquia
• no Clero
Canto IX – Reflexões do poeta

O CAMINHO PARA ATINGIR A FAMA

88 Assi a fermosa e a forte companhia


O dia quási todo estão passando
Nũa alma, doce, incógnita alegria, Articulação
Os trabalhos tão longos compensando. com o plano
da VIAGEM
Porque dos feitos grandes, da ousadia
Forte e famosa, o mundo está guardando
O prémio lá no fim, bem merecido,
Com fama grande e nome alto e subido.

89 Que as Ninfas do Oceano, tão fermosas,


Tétis e a Ilha angélica pintada,
Outra cousa não é que as deleitosas
Honras que a vida fazem sublimada.
Aquelas preminências gloriosas,
Os triunfos, a fronte coroada
De palma e louro, a glória e maravilha,
Estes são os deleites desta Ilha.

90 Que as imortalidades que fingia


A antiguidade, que os Ilustres ama,
Os prémios concedidos na
Lá no estelante Olimpo, a quem subia
Antiguidade eram
Sobre as asas ínclitas da Fama,
Por obras valerosas que fazia, atribuídos a quem fazia o
Pelo trabalho imenso que se chama difícil percurso da virtude
Caminho da virtude, alto e fragoso,
Mas, no fim, doce, alegre e deleitoso,

91 Não eram senão prémios que reparte,


Por feitos imortais e soberanos,
O mundo cos varões que esforço e arte
Divinos os fizeram, sendo humanos. Os deuses não passam de
Que Júpiter, Mercúrio, Febo e Marte, humanos que praticaram feitos
Eneas e Quirino e os dous Tebanos, de grande valor, daí terem
Ceres, Palas e Juno com Diana, recebido o prémio da
Todos foram de fraca carne humana. imortalidade

92 Mas a Fama, trombeta de obras tais,


Lhe deu no Mundo nomes tão estranhos
De Deuses, Semideuses, Imortais,
Indígetes, Heroicos e de Magnos.
Por isso, ó vós que as famas estimais, interpelação direta aos portugueses (exortação)
Se quiserdes no mundo ser tamanhos,
Despertai já do sono do ócio ignavo,
Que o ânimo, de livre, faz escravo. O esforço que devem
realizar para atingir a Fama
93 E ponde na cobiça um freio duro,
E na ambição também, que indignamente
Tomais mil vezes, e no torpe e escuro
Vício da tirania infame e urgente;
Porque essas honras vãs, esse ouro puro,
Verdadeiro valor não dão à gente:
Milhor é merecê-los sem os ter,
Que possuí-los sem os merecer. valores de desapego, justiça,
esforço, coragem, amor à Pátria e
lealdade ao Rei
94 Ou dai na paz as leis iguais, constantes,
Que aos grandes não deem o dos pequenos,
Ou vos vesti nas armas rutilantes,
Contra a lei dos imigos Sarracenos:
Fareis os Reinos grandes e possantes,
E todos tereis mais e nenhum menos: Os reinos serão
Possuireis riquezas merecidas, prósperos;
Com as honras que ilustram tanto as vidas.
A riqueza da honra;
95 E fareis claro o Rei que tanto amais, tornarão ilustre o
Agora cos conselhos bem cuidados, Rei;
Agora co as espadas, que imortais
Vos farão, como os vossos já passados. e serão recebidos
Impossibilidades não façais, NA ILHA DE VÉNUS
Que quem quis, sempre pôde; e numerados
ESTATUTO DE
Sereis entre os Heróis esclarecidos
E nesta «Ilha de Vénus» recebidos. HERÓIS
Canto X – Reflexões do poeta
DESALENTADO, MAS
As lamentações do poeta e o incentivo ao rei
ESPERANÇOSO, O POETA
145 Nô mais, Musa, nô mais, que a Lira tenho
Destemperada e a voz enrouquecida, AFIRMA NÃO ESCREVER MAIS
E não do canto, mas de ver que venho E APELA A D. SEBASTIÃO PARA
Cantar a gente surda e endurecida.
O favor com que mais se acende o engenho LIDERAR OS SEUS EXCELENTES
Não no dá a pátria, não, que está metida VASSALOS E INICIAR UM
No gosto da cobiça e na rudeza O poeta lamenta-se da
Dũa austera, apagada e vil tristeza. decadência da pátria e
NOVO PERÍODO DE GLÓRIA
afirma estar cansado de PARA PORTUGAL, O QUAL ELE
146 E não sei por que influxo de Destino cantar as glórias
Não tem um ledo orgulho e geral gosto, portuguesas PROMETE CANTAR
Que os ânimos levanta de contino
A ter pera trabalhos ledo o rosto.
Por isso vós, ó Rei, que por divino
Conselho estais no régio sólio posto,
Olhai que sois (e vede as outras gentes)
Senhor só de vassalos excelentes.

147 Olhai que ledos vão, por várias vias,


Quais rompentes liões e bravos touros,
Dando os corpos a fomes e vigias,
A ferro, a fogo, a setas e pelouros, O poeta dirige-se a D.
A quentes regiões, a plagas frias, Sebastião, fazendo-o
A golpes de Idolátras e de Mouros, notar que é senhor de
A perigos incógnitos do mundo, súbditos excelentes
A naufrágios, a pexes, ao profundo. dispostos a servi-lo.
Elogia-os.

148 Por vos servir, a tudo aparelhados;


De vós tão longe, sempre obedientes;
A quaisquer vossos ásperos mandados,
Sem dar reposta, prontos e contentes.
Só com saber que são de vós olhados,
Demónios infernais, negros e ardentes,
Cometerão convosco, e não duvido
Que vencedor vos façam, não vencido.

149 Favorecei-os logo, e alegrai-os


Com a presença e leda humanidade;
De rigorosas leis desalivai-os,
Que assi se abre o caminho à santidade.
Os mais exprimentados levantai-os,
Se, com a experiência, têm bondade
Pera vosso conselho, pois que sabem
O como, o quando, e onde as cousas cabem.

150 Todos favorecei em seus ofícios,


Segundo têm das vidas o talento;
Tenham Religiosos exercícios
De rogarem, por vosso regimento,
Com jejuns, disciplina, pelos vícios
Comuns; toda ambição terão por vento,
Que o bom Religioso verdadeiro
Glória vã não pretende nem dinheiro.
151 Os Cavaleiros tende em muita estima,
Pois com seu sangue intrépido e fervente
Estendem não sòmente a Lei de cima,
Mas inda vosso Império preminente.
Pois aqueles que a tão remoto clima
Vos vão servir, com passo diligente,
Dous inimigos vencem: uns, os vivos,
E (o que é mais) os trabalhos excessivos.

152 Fazei, Senhor, que nunca os admirados


Alemães, Galos, Ítalos e Ingleses,
Possam dizer que são pera mandados, O poeta aconselha o rei
Mais que pera mandar, os Portugueses. a reinar bem, fazendo-
Tomai conselho só d' exprimentados, lhe algumas
Que viram largos anos, largos meses, recomendações.
Que, posto que em cientes muito cabe,
Mais em particular o experto sabe.

153 De Formião, filósofo elegante,


Vereis como Anibal escarnecia,
Quando das artes bélicas, diante
Dele, com larga voz tratava e lia.
A disciplina militar prestante
Não se aprende, Senhor, na fantasia,
Sonhando, imaginando ou estudando,
Senão vendo, tratando e pelejando.

154 Mas eu que falo, humilde, baxo e rudo,


De vós não conhecido nem sonhado?
Da boca dos pequenos sei, contudo,
Que o louvor sai às vezes acabado.
Nem me falta na vida honesto estudo,
Com longa experiência misturado, Embora humildemente,
Nem engenho, que aqui vereis presente, o poeta reconhece o seu
Cousas que juntas se acham raramente. valor feito de
conhecimentos e de
155 Pera servir-vos, braço às armas feito, experiência e oferece-se
ao rei para o servir na
Pera cantar-vos, mente às Musas dada;
guerra e cantar os seus
Só me falece ser a vós aceito, feitos, pressagiando
De quem virtude deve ser prezada. uma façanha de D.
Se me isto o Céu concede, e o vosso peito Sebastião – o combate e
Dina empresa tomar de ser cantada, a destruição dos
Como a pres[s]aga mente vaticina mouros.
Olhando a vossa inclinação divina,

156 Ou fazendo que, mais que a de Medusa,


A vista vossa tema o monte Atlante,
Ou rompendo nos campos de Ampelusa
Os muros de Marrocos e Trudante,
A minha já estimada e leda Musa
Fico que em todo o mundo de vós cante, Ao analisar o desencanto
De sorte que Alexandro em vós se veja, geral da pátria, o poeta
Sem à dita de Aquiles ter enveja. pretende incentivar os
seus contemporâneos a
sair do desânimo e a lutar
por um novo período de
glória para Portugal.
Plano mitológico/ Plano da viagem

Canto IX – ILHA DOS AMORES

52 De longe a Ilha viram, fresca e bela,


Que Vénus pelas ondas lha levava
(Bem como o vento leva branca vela)
Pera onde a forte armada se enxergava;
Que, por que não passassem, sem que nela
Tomassem porto, como desejava,
Pera onde as naus navegam a movia
A Acidália, que tudo, enfim, podia.
LOCUS AMOENUS
53 Mas firme a fez e imóbil, como viu
Que era dos Nautas vista e demandada,
Qual ficou Delos, tanto que pariu
Latona Febo e a Deusa à caça usada.
Pera lá logo a proa o mar abriu,
Onde a costa fazia ũa enseada
Curva e quieta, cuja branca areia
Pintou de ruivas conchas Citereia.

66 Mas os fortes mancebos, que na praia


Punham os pés, de terra cobiçosos
(Que não há nenhum deles que não saia),
De acharem caça agreste desejosos,
Não cuidam que, sem laço ou redes, caia
Caça naqueles montes deleitosos,
Tão suave, doméstica e benina,
Qual ferida lha tinha já Ericina.

67 Alguns, que em espingardas e nas bestas


Pera ferir os cervos, se fiavam,
Pelos sombrios matos e florestas PERSEGUIÇÃO DAS
Determinadamente se lançavam; NINFAS
Outros, nas sombras, que de as altas sestas
Defendem a verdura, passeavam
Ao longo da água, que, suave e queda,
Por alvas pedras corre à praia leda.

68 Começam de enxergar subitamente,


Por entre verdes ramos, várias cores,
Cores de quem a vista julga e sente
Que não eram das rosas ou das flores,
Mas da lã fina e seda diferente,
Que mais incita a força dos amores,
De que se vestem as humanas rosas,
Fazendo-se por arte mais fermosas.
69 Dá Veloso, espantado, um grande grito:
– «Senhores, caça estranha (disse) é esta!
Se inda dura o Gentio antigo rito,
A Deusas é sagrada esta floresta.
Mais descobrimos do que humano esprito
Desejou nunca, e bem se manifesta
Que são grandes as cousas e excelentes
Que o mundo encobre aos homens imprudentes.

70 «Sigamos estas Deusas e vejamos


Se fantásticas são, se verdadeiras.»
Isto dito, veloces mais que gamos,
Se lançam a correr pelas ribeiras.
Fugindo as Ninfas vão por entre os ramos,
Mas, mais industriosas que ligeiras, ALEGORIA (UNIÃO ENTRE HUMANOS E
Pouco e pouco, sorrindo e gritos dando,
DEUSES) – simboliza a divinização dos
Se deixam ir dos galgos alcançando.
nautas (povo português)

O povo luso é mitificado ao ser exaltado


como herói, a quem é atribuída a
recompensa da imortalidade (característica
dos deuses).

Esta união física gerará uma descendência


ilustre.
Canto X – máquina do mundo

75 Despois que a corporal necessidade


Se satisfez do mantimento nobre,
E na harmonia e doce suavidade
Viram os altos feitos que descobre,
Tétis, de graça ornada e gravidade,
Pera que com mais alta glória dobre
As festas deste alegre e claro dia,
Pera o felice Gama assi dizia:

76 – «Faz-te mercê, barão, a Sapiência


Suprema de, cos olhos corporais,
Veres o que não pode a vã ciência
Dos errados e míseros mortais.
Sigue-me firme e forte, com prudência,
Por este monte espesso, tu cos mais.» É necessário um caminho
Assi lhe diz e o guia por um mato difícil para se chegar ao
Árduo, difícil, duro a humano trato. conhecimento do Universo.

77 Não andam muito que no erguido cume


Se acharam, onde um campo se esmaltava
De esmeraldas, rubis, tais que presume
A vista que divino chão pisava.
Prémio pela coragem e
Aqui um globo vêm no ar, que o lume
heroicidade demonstradas ao
Claríssimo por ele penetrava,
De modo que o seu centro está evidente, longo da viagem
Como a sua superfícia, claramente.

78 Qual a matéria seja não se enxerga,


Mas enxerga-se bem que está composto
De vários orbes, que a Divina verga
Compôs, e um centro a todos só tem posto.
Volvendo, ora se abaxe, agora se erga,
Nunca s' ergue ou se abaxa, e um mesmo rosto
Por toda a parte tem; e em toda a parte
Começa e acaba, enfim, por divina arte,

79 Uniforme, perfeito, em si sustido,


Qual, enfim, o Arquetipo que o criou.
Vendo o Gama este globo, comovido Reação de Vasco da Gama
De espanto e de desejo ali ficou.
Diz-lhe a Deusa: – «O transunto, reduzido
Em pequeno volume, aqui te dou
Do Mundo aos olhos teus, pera que vejas
Por onde vás e irás e o que desejas. INÍCIO DO DISCURSO PROFÉTICO DE TÉTIS

80 «Vês aqui a grande máquina do Mundo,


Etérea e elemental, que fabricada
Assi foi do Saber, alto e profundo,
Que é sem princípio e meta limitada. Máquina do
Quem cerca em derredor este rotundo mundo -
Globo e sua superfícia tão limada, apresentação
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende.

Você também pode gostar