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Regionalismos, política externa e liderança internacional no século XXI.

América Latina e o
olhar dos acadêmicos da região

Gerardo Caetano8, Camilo López Burian9 e Carlos Luján10

Resumo: O trabalho que se apresenta pretende abordar a situação atual do continente latino-
americano e sua dinâmica política internacional, a partir da articulação teórica entre as
dimensões doméstica e internacional. No momento em que essas narrativas se confrontam, é
necessário um olhar analítico a partir de uma posição acadêmica sobre a situação. Para isso,
foi realizada uma consulta a acadêmicos de relações internacionais e política externa da
região.

Palavras-chave: Política internacional, política externa e interna, regionalismo, integração


regional, ciclos progressivos, regionalismo pós-neoliberal.

Introdução

O trabalho aqui apresentado tenta abordar a situação atual do continente latino-americano e


sua dinâmica política internacional, a partir da articulação teórica entre as dimensões
doméstica e internacional (Merle, 1985; Putnam, 1988). Como bem afirma José Antonio
Sanahuja, há uma luta entre narrativas políticas que buscam dar sentido ao momento de
mudança que vive a região. Em suas palavras:

Nesta visão, a mudança política que a região experimentou entre 2015 e 2016 na Argentina,
Brasil ou Peru é apresentada como o 'fim do ciclo' da 'maré rosa' esquerdista e a derrota do
populismo latino-americano, enquanto no narrativa Ao contrário, significaria o retorno do
neoliberalismo, de mãos dadas com uma Aliança do Pacífico que surgiria como um modelo de
integração 'bem-sucedido' diante de um Mercosul 'estagnado' ou em crise, e de um Mercosul
'ideologizado' e 'ideologizado 'União das Nações Sul-Americanas (UNASUL).' Ineficaz
'(Sanahuja, 2016, pp. 31).

No momento em que essas narrativas se confrontam, é necessário um olhar analítico a partir


de uma posição acadêmica sobre a situação. Para isso, conforme descrito na seção seguinte,
foi realizada uma consulta com acadêmicos em relações internacionais e política externa da
região.

Depois de apresentar a abordagem analítica e a base empírica da análise, o trabalho é dividido


em quatro seções substantivas. O primeiro enfoca a análise do regionalismo, da integração
regional e suas complementaridades e diferenças, bem como seu impacto na política externa
dos países da América do Sul e do México para a região.

O segundo traça uma visão crítica sobre os padrões "realmente existentes" de inserção
internacional durante o "ciclo dos governos progressistas" e sua "década social". (2004-2014)
Da mesma forma, são incorporados os principais elementos que têm sustentado as discussões
ainda em vigor a respeito do chamado “regionalismo pós-neoliberal” 11 no continente.

O terceiro refere-se à política externa dos países da região para captar as mudanças, em
termos de mudança de orientação, que eles registraram. Para tal, os respondentes foram
consultados sobre o seu país de especialização, ao mesmo tempo que se incluiu um conjunto
de aspectos relacionados com as viragens políticas em assuntos internos, a fim de realizar um
exercício analítico que leve em consideração a interação entre a política externa e interna.

A quarta e última questão analisada refere-se à análise das opiniões expressas pelos
acadêmicos pesquisados sobre a estrutura mundial, em termos de número de pólos, tanto no
sistema internacional quanto na região, levando em consideração a dinâmica de competição e
cooperação. que se encontram registados., tendo as opiniões analisadas como horizonte
temporal para os próximos dez anos. E mais tarde o texto se encerra com algumas breves
reflexões.

A abordagem analítica e a base empírica

Para o desenvolvimento deste trabalho, utilizou-se a opinião de acadêmicos especializados.

nas relações exteriores e política externa dos principais países latino-americanos.

Para isso, foi elaborado um formulário que incluía perguntas gerais dirigidas a todos os
entrevistados em relação à região e ao mundo, bem como uma série de perguntas específicas
sobre o país de especialização mais direta dos entrevistados. A seleção dos respondentes
gerou uma amostra representativa do universo acadêmico dos principais países da região e foi
realizada a partir de uma amostragem finalística (não probabilística) baseada em critérios
substantivos de relevância acadêmica que garantiram a diversidade de aspectos
epistemológicos, teóricos e metodológicos. posições dos entrevistados. A base desse critério
escolhido é o interesse em captar a opinião de pesquisadores cuja produção tenha influência
na região, em seu país ou em sua área temática de pesquisa; A busca, portanto, de relações
entre as principais variáveis formuladas no estudo e a não pretensão de generalização dos
resultados estatísticos levou à não utilização do método aleatório na determinação dos
acadêmicos a serem pesquisados.

Especificamente, para selecionar os acadêmicos, foi realizado um mapeamento dos referentes


de cada país de interesse, seja nas relações internacionais, na política externa do referido caso
ou com conhecimento particular nas dimensões centrais de análise do trabalho proposto. Os
acadêmicos são em todos os casos professores e pesquisadores de prestigiosas universidades
ou grupos de reflexão da região e, em muitos casos, fazem parte do sistema de pesquisa de
seus respectivos países. Foram enviadas 61 consultas e a taxa de resposta foi de 84%. A
distribuição por país das 51 respostas recebidas pode ser observada na tabela 1.
A Venezuela foi o único país que quis avaliar, mas não foram obtidas respostas para o caso,
provavelmente pela difícil situação por que passa e que afeta os pesquisadores do mesmo para
todos os seus cidadãos.

Todos os acadêmicos avaliaram os possíveis fatores causais do declínio da liderança ou


potencial liderança do Brasil na região da América do Sul e seu papel de protagonista global. O
grau de impacto foi medido em uma escala de cinco categorias (nenhum, pouco, moderado,
bastante). Em ambos os casos, foi apresentado um conjunto de cinco fatores, dois internos e
três externos. Também foi solicitado a todos os acadêmicos que avaliassem os possíveis
impactos das mudanças na política externa dos Estados Unidos em relação ao México, hoje
mais que importantes pelas mudanças ocorridas naquele país com a eleição de Lopéz Obrador
como presidente. Para tanto, foram levantadas duas questões sobre a América Latina, uma em
relação à União Européia e outra à China. Nesse caso, foi construída uma escala ordinal de seis
categorias. Adicionalmente, académicos foram consultados de forma prospectiva, com um
horizonte de dez anos, sobre as possíveis estruturas de liderança global e regional e as suas
dinâmicas associadas, em termos da lógica de competição e cooperação vigente.

Cada perito também foi convidado a avaliar as mudanças na orientação da política interna e
externa de seus respectivos países em duas sucessões de governo, abrangendo, assim, três
presidências (três mandatos ou quatro nos casos de reeleição de um dos líderes). . Também foi
solicitado que identificassem a definição territorial da dimensão regional da política externa
que seu país possui atualmente. Las presidencias incluidas que abarcan ocho países
latinoamericanos se resumen en el cuadro 1, agregan en cinco casos más de un mandato por
Presidente y dos Vicepresidentes que culminan el mandato de los presidentes destituidos por
juicio político, e incluyen veinticuatro presidentes cuyos mandatos discurrieron entre 1998 y o
presente.

A análise então começa, não com os dados apresentados acima, mas com fontes secundárias
para fornecer a estrutura para a análise, olhando para o nível regional.

O “ciclo progressivo” e o “regionalismo pós-neoliberal” na América Latina12

Inserção e desenvolvimento internacional

Antes de dar atenção aos países, vale a pena olhar a região em geral. Na América Latina em
geral e na América do Sul em particular, a experiência dos governos progressistas da última
década e meia, especialmente durante os impulsos da chamada “década social” (2003 / 04-
2013 / 14), tem marcou uma conjuntura histórica singular. Começando a analisar alguns traços
característicos deste processo com rigor académico, em profundidade e sem preconceitos, é
relevante compreender os contextos actuais do continente e os itinerários da sua história mais
recente, nomeadamente quando surgem fortes sinais de uma “mudança de ciclo político ”na
região. Nesse sentido, contribuir para registrar alguns elementos críticos em relação à resposta
dada pelo “ciclo progressivo” a certos desafios estruturais e de profundidade histórica na
América Latina, constitui um dos objetivos centrais deste texto.

Sem projetar explicações monocausais para um processo tão complexo e ainda em curso em
alguns países, propõe-se trabalhar em particular em torno de uma hipótese de análise: a
consistência das políticas redistributivas implantadas durante o

A “década social” na América Latina foi comprometida pela fraqueza da

projetos de desenvolvimento efetivamente implementados durante esses períodos, em

particularmente em relação ao fracasso em superar um modo de crescimento econômico

sustentado basicamente pelo “boom das commodities”, bem como em relação ao

o aprofundamento de um padrão de inserção internacional que permitisse dar suporte efetivo


a outros tipos de políticas alternativas de orientação transformadora. Em suma, trata-se de
questionar três fatores centrais para qualquer projeto de mudança na América Latina, que
muitas vezes são analisados de forma compartimentada:

a profundidade das políticas de redistribuição, o projeto de desenvolvimento com seus

padrão de crescimento econômico e o padrão predominante de inserção internacional,

sustentar alternativas mais autônomas em face das restrições externas dos contextos
econômicos globais.

Em termos globais, a queda da desigualdade registrada pelos dados da CEPAL

ocorreu em um período de crescimento econômico geral da região. Além disso, se os governos


progressistas conseguiram reduzir a desigualdade com relativo sucesso, os pesquisadores
tendem a concordar que o fizeram em um contexto de expansão.

econômico, sustentado principalmente pelo “boom das commodities”. Na medida em que


essa desaceleração econômica parece estar relacionada à queda dos termos de troca para a
região, questiona-se a base dos modelos de desenvolvimento dos governos progressistas. Das
referências bibliográficas mais atualizadas sobre o assunto, emergem algumas questões de
perfil questionador. As políticas de equidade social são sustentáveis sob um modelo
redistributivo que enfrenta dificuldades quando a economia desacelera, como resultado da
queda da renda?

preços dos produtos exportáveis? Os esforços redistributivos são consistentes

quem não consegue reduzir a concentração de renda entre os estratos mais elevados?

Podem as ligações entre a concentração inalterada de renda no

setores mais elevados da América Latina, com falta de transformação na matriz

produção e os formatos correspondentes de inserção internacional na região? A suspeita de


que, mesmo com políticas redistributivas razoavelmente bem-sucedidas, os grandes
vencedores da economia latino-americana parecem ser basicamente os
próprios, alerta para a necessidade de questionar este tipo de questões com maior
profundidade13. As dificuldades observadas para modificar o padrão de produção e
exportação e as conseqüentes restrições externas, não foram facilitadas pelo muito limitado
progresso na integração econômica da região?

Este último ponto, que alude à centralidade da questão da inserção internacional para a
consolidação de projetos transformadores na América Latina, constitui uma questão
especialmente debatida na produção mais atual no campo das ciências sociais regionais e
globais14. A “ideia central” que perpassa a literatura mais recente a esse respeito visa destacar
a relação estratégica entre o desenvolvimento produtivo e as escolhas feitas no campo da
inserção internacional, especialmente potencializada com as mudanças ocorridas na estrutura
econômica mundial nos últimos anos. décadas. Diante dos novos contornos das cadeias de
valor globais e regionais, como um dos principais suportes do novo sistema produtivo global,
mesmo com as restrições que os países latino-americanos têm a esse respeito, as opções que
fazem (ou os blocos que os compõem) sobre os novos formatos negociação e o o comércio de
bens, serviços e investimentos certamente não é inócuo. Pelo contrário, pressupõe perfis
fundamentais para os padrões produtivos e o tipo de crescimento económico, com todas as
suas consequências nos campos decisivos do papel do Estado e do desenvolvimento das
políticas sociais. Como as referências bibliográficas atuais tendem a coincidir a esse respeito,
os governos do “ciclo progressista” perceberam a centralidade estratégica desse ponto em
seus discursos, mas não conseguiram transcender essas restrições externas por meio de suas
políticas de inserção, muitas vezes oscilantes15.

A virada de abertura que antes se espalhava por quase toda a América Latina e que agora
parece incluir também os países do Mercosul16, tem coincidido com a continuidade e até
mesmo o aprofundamento das políticas de fomento à exportação de.

recursos naturais (basicamente alimentos crus e minerais), com problemas

de sustentabilidade ambiental e pouca atenção às políticas científicas proativas

e tecnologia, essencial para apoiar abordagens consistentes de agregação

de valor, a mudança da matriz produtiva e a geração de empregos de qualidade. Veja a esse


respeito as tabelas a seguir e as dúvidas radicais que eles contribuem em alguns desses
tópicos.

Em várias de suas últimas obras e exposições, o economista José Antonio Ocampo (20017)
estudou as derivações desse período mais recente do trânsito na América Latina “do boom à
crise”, bem como sua coincidência com a ação de governos progressistas. Depois de registrar
as consequências para a região da "forte desaceleração do comércio internacional" e do fim do
chamado "boom das commodities" no biênio 2014-2016, Ocampo destaca que a América
Latina na grande maioria de seus países "passou a subida dos termos de troca ”sem criar“
grandes espaços em matéria fiscal ”, capazes de sustentar“ políticas anticíclicas ”. Para ele, isso
se agravava à medida que o continente continuava em tempos de boom (em que os grandes
vencedores eram os países “mineradores de energia”) com “dependência excessiva de
produtos básicos”, “uma desindustrialização

prolongada e prematura ”, grandes defasagens em infraestrutura e principalmente em

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