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O Método Indiciário de Carlos

Ginzburg
Universidade Estadual de Goiás
5º período do curso de História
Teoria da História 3
Prof. Eliézer Cardoso de Oliveira
Carlo Ginzburg
• Nasceu na cidade de Turim, em
1939, no seio de uma família
de ascendência judaica.
• É um dos pioneiros da micro
história
• Principais obras:
 O queijo e os vermes (1987),
 Os andarilhos do bem (1988)
 Mitos, emblemas, sinais (1989)
 História Noturna (1991)
 Relações de força (202)
Micro história
a) Redução da escala de observação, a fim de apreciar
ações humanas e significados que passam
despercebidos quando se lida com grandes quadros;
b) Concentrar essa escala em pessoas comuns e não em
grandes personagens;
c) Extrair de fatos aparentemente corriqueiros uma
dimensão sociocultural relevante;
d) Apelar para o recurso da narrativa (contudo sem
confundir com as narrativas tradicionais do século
XIX);
e) Apoiar-se em fontes, diferenciando-se claramente da
obra ficcional.
Queijo e os Vermes (primeiro
parágrafo)
“Chamava-se Domenico Scandella, conhecido por Menocchio.
Nascera em 1532 (quando do primeiro processo declarou ter
52 anos), em Montereale, uma pequena aldeias nas colinas do
Friuli, a 25 quilômetros de Pordenone, bem protegida pelas
montanhas. Viveu sempre ali, excedo dois anos de desterro
após uma briga (1564-65), transcorridos em Arba, uma vila
não muito distante, e numa localidade não precisada da
Carnia. Era casado e tinha sete filhos; outros quatro haviam
morrido. Declarou ao cônego Giambattista Maro, vigário-geral
do inquisidor de Aquiléia e Concórdia, que sua atividade era
“de moleiro, carpinteiro, marceneiro, pedreiro e outras
coisas”. Mas era principalmente moleiro; usava as vestimentas
tradicionais de moleiro – veste e capuz de lã branca. E foi
assim, vestido de branco que se apresentou ao julgamento”.
Método Indiciário
• Situa-se na fronteira entre o conhecimento
rígido das ciências naturais (que operam por
demonstração e verificação empírica).
• Refuta a ideia de que a micro história seja
apenas uma narrativa e não teria método.
• Possibilita amenizar as críticas de Hayden
White, ao postular a ideia de prova para a
narrativa histórica.
“O método Morelli” (1.1)
• Giovanni Morelli, crítico de • Nesse sentido, valorizou
arte italiano (1816 – 1891), detalhes, como: os lóbulos
que produziu vários artigos, das orelhas, as unhas, as
entre 1874 e 1876, sobre formas dos dedos das mãos
pintura italiana. e dos pés.
• Propunha um método para • Apesar dos resultados
distinguir os quadros evidentes, Morelli foi muito
originais das cópias, não se criticado, por seu método
baseando nas ser “mecânico” e
características mais “grosseiramente
evidentes, mas nos positivista”.
pormenores mais
negligenciáveis.
O método Morelli Sherlorck Holmes
(1.2)
• O método Morelli foi
comparado ao método
utilizado pela
personagem de Conan
Doyle, Sherlock Holmes.
• O conhecedor de arte é
comparável ao detetive
que descobre o autor do
crime (o falsificador do
quadro) baseando-se em
indícios imperceptíveis
para a maioria.
O método Morelli e Freud (1.3 e 1.4)
• Os nossos pequenos gestos inconscientes
revelam o nosso caráter mais do que qualquer
atitude formal, cuidadosamente preparada por
nós.
• A psicanálise, assim como o método morelli, tem
por hábito penetrar em coisas concretas e ocultas
através de elementos pouco notados, dos
detritos ou refugos da observação.
• Pormenores considerados sem importância ou
até triviais forneciam a chave para aceder aos
produtos mais elevados dos espírito humano.
1.5

Morelli

SEMIÓTICA
MÉDICA
Freud
Conan Doyle

SINTOMAS SINAIS PISTAS


PICTÓRICOS
A História do Método Indiciário: o
caçador pré-histórico (2.1)
• Os caçadores aprenderam a reconstituir as formas e
movimentos de presas invisíveis pelas pegadas na
lama, ramos quebrados, bolotas de estercos, tufos de
pelos, plumas emaranhadas, odores estagnados.
• Decifrar ou ler pistas de animais são metáforas. É um
processo verbal de leitura do mundo.
• Contar uma história requer conhecer os indícios. Nesse
sentido, os caçadores foram os primeiros narradores.
• Os caçadores produzem uma narrativa por adivinhação
retrospectiva.
A História do Método Indiciário: o
sacerdote mesopotâmico (2.1)
• O áugure era o sacerdote encarregado de prever
acontecimentos futuros através da observação
de determinados sinais: o tempo, o canto e o voo
das aves, o ruído das asas ou o grasnido do corvo.
• A arte da adivinhação (oráculo) pressupõe a
interpretação de detalhes para descobrir pistas
de eventos futuros.
• O método indiciário pode ser utilizado para
reconstituir eventos passados, presentes e
futuros.
A História do Método Indiciário: a
Grécia Antiga (2.2)
• Com a Medicina, a Filologia, a História, o corpo, a
linguagem e a história dos homens foram
submetidos ao paradigma indiciário.
• A disciplina pioneira no uso do método indiciário
foi a medicina hipocrática: observando e
registrando os sintomas, é possível elaborar
“histórias” precisas de cada doença (a doença em
si é inacessível).
• Contudo, o paradigma indiciário ficou à sombra
do prestigioso modelo de conhecimento
elaborado por Platão.
A História do Método Indiciário: o Renascimento
Cultural e física galileana (2.3)

• Com o advento da física galileana, as disciplinas


singularizantes (medicina, história e filologia)
foram descartadas em detrimento das disciplinas
generalizantes (Física e Matemática).
• Rasgo antiantroprocêntrico no saber: “entre o
físico galileano, profissionalmente surdo aos sons
e insensível aos sabores e odores, e o médico que
arriscava diagnóstico pondo o ouvido em peitos
estertorantes, cheirando fezes e provando urinas,
o contraste não poderia ser maior.”
A História do Método Indiciário: o Renascimento
Cultural e a busca pelo saber do singular (2.4)
• Um dos médicos pioneiros em sistematizar o
saber do método indiciário foi Giulio Mancine.
• Mancine estabeleceu uma analogia entre o ato
de pintar e o ato de escrever: procurou criar um
método que possibilitasse observar a
singularidade da pintura, do mesmo modo que é
possível observar a singularidade das escrita
individual.
• Para Mancine, ao contrário de Galileu, era
possível o conhecimento do individual, em áreas
como a pintura, a medicina e a caligrafia.
A História do Método Indiciário: o
renascimento cultural (2.5)
FISICA GALILEANA GRAFOLOGIA/ PALEOGRAFIA
• Procurava ler os caracteres • Procurava ler
imateriais do livro da materialmente os
natureza. caracteres da escrita.
• Baseava-se nas • Baseava-se no saber
propriedades universais da individualizante e na
geometria. observação direta.
• Quanto mais generalizante, • Quanto mais específico,
melhor. melhor.
• Sem envolvimento • Com envolvimento
emocional com o objeto. emocional com o objeto.
O caso do bezerro de duas cabeças (2.6)
• A tendência a apagar os traços individuais de um objeto é
diretamente proporcional a distância emocional do observador.
• Por isso o arquiteto Felarete chamou a atenção para a diferença
entre duas identificações, mas teve dificuldade de notar a diferença
entre os negros africanos.
• O conhecimento individualizante é sempre antropocêntrico e
etnocêntrico.
• Os animais só são considerados numa perspectiva individualizante,
quando é o caso de exemplares fora da norma.
• Esse foi o caso do bezerro de duas cabeças que nasceu em Roma
por volta de 1625 e foi analisado pelo médico Giulio Mancine.
• O que intrigava no bezerro era saber se constituía dois indivíduos
(já que tinha dos cérebros) ou apenas um indivíduo (já que tinha
apenas um coração)
A História do Método Indiciário: o
Absolutismo (2.7)
• No Absolutismo, a matemática foi utilizada para
estudar fatos humanos, relacionados ao sentido
biológico (nascimento, procriação e morte).
• Um exemplo foi a Estatística, uma disciplina voltada
para a análise do quantitativo.
• Contudo, a estatística era uma forma de “adivinhação”
por meio da matemática.
• A medicina resistiu a quantificação, uma vez que sua
prática está relacionada à observação individual.
• Nas discussões sobre as incertezas da medicina, já
estavam formuladas os futuros nós epistemológicos
das ciências humanas.
A História do Método Indiciário: o Iluminismo e o
surgimento do romance (2.8)

• O saber indiciário nasce da experiência concreta


cotidiana de homens e mulheres.
• Contudo, durante o Iluminismo passou a ser coletado e
codificado pelos intelectuais, por meio da Enciclopédia
e do Romance.
• Com isso, para um número crescente de leitores, o
acesso a determinadas experiências torna-se mediado
pelas páginas dos livros.
• O romance forneceu a burguesia um substituto para a
experiência direta.
• Graças a literatura da imaginação, o paradigma
indiciário conheceu um novo e inesperado destino.
A História do Método Indiciário: o Iluminismo e
o conto “Zadig e o destino” (Voltaire)
Zadig estava passeando no bosque quando viu
aproximarem-se, esbaforidos, um criado da rainha e
vários oficiais. O criado logo perguntou se Zadig não havia
visto o cachorro da rainha, que estava desaparecido. E
Zadig logo corrigiu: não era cachorro e sim cadela. E
continuou falando: "é uma cachorrinha de caça que deu
cria há pouco tempo; manqueja da pata dianteira
esquerda e tem orelhas muito compridas".
Os homens disseram: "Viu-a, então?"
E Zadig respondeu: "Não. Nunca a vi e nem mesmo
sabia que a rainha tinha uma cadela."
A História do Método Indiciário: o Iluminismo e
o conto “Zadig e o destino” (Voltaire)
Zadig foi preso, acusado de haver roubado a cadela da
rainha. Mas, logo depois o animal apareceu. E os juízes
resolveram ouvir as explicações de Zadig.
Zadig explicou que no caso da cachorrinha, havia
percebido no chão pegadas de animal e logo vira que era de
um cão. E observou também marcas leves e longas na areia
entre os vestígios das patas, revelando que era uma cadela
com tetas pendentes, que, portanto, havia acabado de dar
cria. E outros traços no chão em sentido diferente, ao lado das
marcas da pata dianteira mostravam o tamanho das orelhas
em sua observação, da mesma forma que a profundidade
diferente entre as impressões de uma pata e outra - levando-o
a concluir que a cadelinha mancava...
A História do Método Indiciário: o
século XIX – Thomas Huxley (2.9)
• Ironicamente, a literatura de Voltaire foi essencial
para a formulação do método indiciário.
• Baseando-se no conto “Zadig”, Thomas Huxley
formulou o “método zadig”, típico de disciplinas
como arqueologia, história, geologia,
paleontologia, que possuía em comum a
capacidade de fazer profecias retrospectivas.
• Quando as causas não são reprodutíveis, só resta
inferi-las a partir dos efeitos.
O método indiciário como um “tapete” (3.1)
• Como um tapete, o método indiciário possui uma trama
densa e homogênea.
• Como um tapete, o método indiciário pode ser lido em
várias direções: horizontalmente, verticalmente,
diagonalmente e frente e trás.
• O método indiciário pode ser lido de várias perspectivas:
– Criação literária: Serendip-Zadig-Poe-Gaboriau-Conan Doyle
– Saberes populares: especialistas em fisiognomia, adivinhos
babilônicos, caçadores do neolítico.
– Disciplinas acadêmicas: Frenologia, Paleontologia, medicina
semiótica.
• O método indiciário é definido como “venatório”,
“divinatório”, “indiciário” ou “semiótico”, indicando um
saber articulado em disciplinas diferentes.
O método indiciário aplicado à cultura
(3.2)
• Uma coisa é analisar pegadas, astros, fezes,
catarros, córneas, pulsações, cinzas de cigarro;
• Outra é analisar escritas, pinturas ou discursos.
• O Método Morelli foi pensado para analisar
signos produzidos de modo involuntários para
identificar a individualidade do artista.
• Contudo, o saber indiciário foi utilizado pelo
poder estatal para identificar o indivíduo como
forma de controle.
O método indiciário e a Identificação
criminal (3.3)
• A repressão ao movimento operário e as modificações na
criminalidade levaram, no final do século XIX, a busca por
métodos mais seguros de identificação individual.
• Francis Galton, a partir de 1888, propôs um método de
identificação baseado nas impressões digitais.
• Nas linhas impressas nas pontas dos dedos encontrava-se a
senha oculta da individualidade.
• Esta prodigiosa extensão da individualidade ocorria por
meio do Estado e seus órgãos burocráticos e policiais.
• O irônico é que essa prática já era utilizada pelos
Bengalenses, que colocava a impressão nas cartas que
escreviam.
O método indiciário e as ciências
humanas do século XX (3.4)
• O método indiciário pode, por meio de sinais e indícios, decifrar a
realidade. Por exemplo:
• Minúsculas particularidades paleográficas foram empregadas como
pistas para reconstruir trocas e transformações culturais.
• As roupas esvoaçantes nos pintores florentinos do século XV
revelam a visão de mundo de uma classe social.
• Os neologismo de Rabelais revelam a visão de mundo de um
escritor.
• As curas dos doentes de escrófula relatada por Marc Bloch em os
reis taumaturgos revelam um modo de pensar de uma época.
• A literatura aforística (Hipócrates Nietzsche, Adorno) é uma forma
de formular juízos sobre o homem e a sociedade a partir de
sintomas.
O paradigma indiciário pode ser
rigoroso? (3.5)
• O tipo de rigor das ciências naturais aplicado às
ciências humanas é inadequado para formas de saber
ligados à experiência cotidiana.
• O saber indiciário é intuitivo, fazendo uso de
elementos imponderáveis: o faro, o golpe de visto, a
intuição.
• Mas essa intuição está arraigada nos sentido e não tem
nada a ver com o irracionalismo.
• O saber indiciário é difundido no mundo todo, sem
limites geográficos, históricos, étnicos, sexuais ou de
classe.
• Une estritamente o animal homem às outras espécies
animais
Método Analítico Método indiciário

• Física, • Paleontologia
• Matemática, • Geologia,
• Química • História
• Estatística • Antropologia
• Medicina Anatômica • Medicina semiótica
• Marxismo • História Cultural
• Estruturalismo • Micro história
• Economia
CAÇADORES SACERDOTES MEDICINA
COLETORES DA ADIVINHOS DA HIPOCRÁTICA DA
PRÉ-HISTÓRIA MESOPOTÂMIA GRÉCIA ANTIGA

POSSIBILITOU O GRAFOLOGIA E
HOMEM A CAÇAR PALEOGRAFIA NO
O HOMEM RENASCIMENTO

SERVIU A CRIAÇÃO FOI CODIFICADO MANTEVE-SE NA


DA IDENTIFICAÇÃO POR MEIO DO MEDICINA
POR IMPRESSÃO ROMANCE NO DURANTE O
DIGITAL ILUMINISMO ABSOLUTISMO

A IRONIA DO SABER INDICIÁRIO: DO


CAÇADOR À CAÇA

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