Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Rodrigues Ceaup
Rodrigues Ceaup
MARTA RODRIGUES1
Resumo: surgindo como uma técnica efectiva de colonização, após a colonização administrativa, a
ocupação científica foi essencial para um melhor conhecimento dos territórios ultramarinos e para se
afirmar internacionalmente a sua ocupação.
Neste contexto, o papel das instituições coloniais de investigação e ensino foi fundamental, sendo
necessário a sua revisão para se poder apreciar a forma de colonização exercida para com a relação entre
poder, verdade e conhecimento. Dentro destas instituições, os ministérios e as universidades são
fundamentais para a propagação de uma ideologia e de representações ao nível ideológico, histórico,
estético, político.
Pretende-se demonstrar qual o papel das instituições em Portugal durante o período colonial, tendo em
conta o preconceito amplamente aceite das acções desorganizadas na colonização portuguesa, analisando
para o efeito a questão colonial do ponto de vista científico e ligá-la à história das instituições coloniais,
como é o caso da Sociedade de Geografia de Lisboa e da Junta de Missões Coloniais.
I. INTRODUÇÃO
No final do século XVIII, as políticas imperialistas em vigor incentivaram à instrução
como meio de progresso científico, reconhecendo-se novas áreas de estudo e alargando-se o
conhecimento científico, que conduziu a melhorias e ao desenvolvimento da investigação
científica nas ciências físicas e naturais.
Tendo em vista a exploração de novos territórios de modo a criar riqueza, as potências
europeias expandiram os seus territórios além-mar, com especial enfoque no continente
africano, onde as diferenças geográficas, culturais, sociais visualizadas nas explorações
territoriais, que inicialmente careciam de método e rigor, tornaram possível a criação de novos
corpos científicos de conhecimento.
1
PhD Student – Department of Geography, University of Sheffield
e-mail: mffrodrigues1@sheffield.ac.uk
Com a função ideológica de controlo e dominação do ‘Outro’, as ciências coloniais
abrem-se a novas especialidades permitindo a criação de novas instituições de ensino e
investigação, onde o progresso científico permite o avanço e evolução da humanidade a um
novo patamar.
No caso da geografia, o impulsionamento das explorações surge de modo mais intenso
com a criação das Sociedades de Geografia cuja finalidade consistia na organização de
expedições, exposições e conferências dando a conhecer novas geografias, e permitindo a
continuação da relação de domínio existente assente no pressuposto do avanço do
conhecimento científico e da missão civilizadora da colonização, elevando a geografia a um
novo patamar devido à diversidade de temáticas que abrangia e permitindo um melhor
conhecimento da terra, do espaço e da relação do homem com o meio.
Ao conhecer a realidade do ‘Outro’, ao explorar novos espaços numa relação de domínio
entre o centro e a periferia, o ‘Eu’ ocidental cria um imaginário, um discurso e uma
representação do ‘Outro’ como inferior, donde emerge um novo saber colonial.
No caso português, a criação da Sociedade de Geografia de Lisboa foi da maior
importância para consolidar a presença portuguesa nos territórios ultramarinos, desenvolver a
ciência geográfica colonial e ampliar o imaginário de propaganda colonial português, mais
tarde usado no regime Salazarista para o renascer da glória portuguesa.
“agir, criar e fundar uma instituição que se ocupasse, entre nós, dos estudos
geográficos que estavam na ordem do dia, e que promovesse a adesão pública e
governamental aos grandes trabalhos e viagens científicas a levar a efeito nas
regiões africanas, que os direitos históricos de Portugal requeriam”.
A necessidade de criar uma sociedade para o desenvolvimento das ciências, em moldes iguais
às das outras sociedades europeias, levou Luciano Cordeiro a sugerir a criação de uma
sociedade de geografia, visto que:
2
Rodrigo Afonso Pequito in “Como se fundou a Sociedade de Geografia de Lisboa” , Brasil-Portugal, 1901
3
Mateus Moreno in “Sociedade de Geografia de Lisboa, 1875-1950” Lisboa, 1950
Imperava demonstrar a soberania portuguesa e garantir o lugar de Portugal no movimento
expansionista internacional pela investigação científica das colónias, que carecia de uma
tradição de investigação sistemática e poderia por isso perecer. No sentido de se criar uma
escola de investigação cientifica colonial, é criada em a 17 de Fevereiro de 1876 a
“Commissão Central Permanente de Geographia4” com o objectivo de:
4
Diário do Governo, nº 39, artº 2 de 19 de Fevereiro
5
Diário do Governo, nº 39, de 19 de Fevereiro
6
Commercio Portuguez cit. In Boletim nº1, pp.23-27
“Não que se negue ou desconheça o importante papel que a Comissão de Cartografia(…)
tem desempenhado no reconhecimento geográfico das colónias e na determinação das
fronteiras do Império. Mas, fixadas estas, como hoje estão, parece conveniente continuar os
seus trabalhos noutros sentidos. Aproveitar-se-á a competência dos seus elementos mais
experimentados para a continuação dos trabalhos de cartografia, introduzindo-se a
colaboração de novos elementos técnicos para inícios de trabalhos em outros campos de
investigação colonial (..) reconhecimento geográfico das colónias tem de ser acompanhado do
seu reconhecimento científico, para o que até agora se tem contado com muito poucos
elementos. A essa importante missão se destina a Junta das Missões Geográficas e de
Investigações Coloniais, organismo que vem ampliar a função da antiga Comissão de
Cartografia” (D.L. 26 180, 1936:12).
9
Por despacho do Decreto 35 395 de 26 de Dezembro
10
Portaria nº 11 462
11
Portaria 15 568 de 21 de Outubro de 1955
considerada por Marcelo Caetano como “uma página viva da história da investigação colonial
portuguesa12”(I.I.C.T., 1983:134).
A reorganização da Junta consistia na sua transformação num organismo aberto sem
limite de membros, com dependências nas colónias e destinadas ao estudo e discussão
académica dos problemas científicos coloniais. Seria então exequível uma investigação
científica mais eficaz, que contribuísse para os progressos da técnica e da política de
colonização que nela se entendia dever alicerçar, defendia o documento.
As competências da Junta de Investigações Coloniais passaram então a centrar-se na
orientação de estudos tendo por objectivo “o conhecimento puro do homem e da natureza”
(Ibide:135), com vista à concretização dos propósitos de melhorar as condições económicas e
físicas da vida dos indígenas e dos colonos; explorar eficientemente os recursos coloniais e
contribuir para o melhor conhecimento do Globo.
A promoção de estudos nas colónias e metrópole, a organização de missões no ultramar,
a elaboração e publicação de trabalhos científicos e cartas geográficas, tal como o estudo de
questões diplomáticas ou de natureza técnica respeitantes aos limites territoriais (sendo esta
tarefa uma herança da antiga Comissão de Cartografia), a promoção de centros universitários
de estudos coloniais e cursos temporários de modo a expor os resultados obtidos na
investigação e a organização do Museu Colonial Português eram também da competência da
Junta de Investigações Coloniais.
Com base no arquivo de informação científica, foi possível ao Centro ganhar notabilidade
nacional e internacional, pois o tratamento de toda a informação conduziu à presença dos
representantes do Centro de Geografia do Ultramar em congressos, conferências e cursos.
Conduziu à produção de um Atlas actualizado das Províncias Ultramarinas (1965), à iniciação
de um Atlas do Ultramar Português (1971) 13, e à criação em 1973 da Revista Garcia de Orta,
na altura dedicada exclusivamente à Geografia e denominada de “Série de Geografia”.
No que concerne aos temas integrantes da sua acção, a publicação da Colectânea de
Memórias Científicas, o estabelecimento de relações com instituições estrangeiras e o
intercâmbio de publicações e de material científico foram um marco importante no
posicionamento da Geografia Colonial Portuguesa.
A última reforma da Junta de Investigações do Ultramar, torna-se pública a 6 de
Novembro de 1973, no mandato do Professor Doutor Silva Cunha como Ministro do
Ultramar, tendo como justificação a cooperação internacional e a interdisciplinaridade da
12
Marcelo Caetano, em 1945 aquando do seu cargo de Ministro das Colónias
13
Ficou incompleto devido à falta de acesso aos dados depois de 1975
futura investigação: “ a investigação deixou de ser encarada apenas como actividade de
indivíduos isolados, circunscrita aos limites de uma disciplina, e passou a ser de preferência
um trabalho de equipa e interdisciplinar14” (D.L.nº583/73,1973:2106).
Considerando os resultados do trabalho conjunto de investigadores orientados para os
objectivos, a investigação científica passou a constituir uma actividade profissional, tendo
sido necessário assegurar a importação de conhecimento científico e de investigadores
estrangeiros através da cooperação internacional.
Para que tal fosse possível, organismos como o Arquivo Histórico Ultramarino, o Jardim
e Museu Agrícola do Ultramar e o Centro de Estudos Históricos do Ultramar foram
integrados na Junta de Investigações Coloniais, constituindo como suas novas atribuições a
intensificação da investigação científica, tendo sempre em conta a valorização humana e o
conhecimento científico das populações e territórios. A promoção da investigação e sua
aplicação às colónias ultramarinas, seria o meio de atingir as novas funções.
No dia 25 de Abril de 1974, com a queda do Governo Salazarista e com a corrida das
Províncias Ultramarinas para a independência, o trabalho da Junta deixou de corresponder às
expectativas portuguesas da altura, concluindo-se que:
14
Preâmbulo do Decreto 583/73 de 6 de Novembro de 1973
“A JICU (e com outras designações) criou e proporcionou as condições
necessárias para a realização de trabalhos de investigação em Geografia, no
âmbito das seguintes missões: Missão de Geografia à Guiné (1947); Missão para o
estudo da erupção do Fogo (1951); Missão de Geografia na Índia 51 (1955);
Missão de Estudos de Geografia Física do Sul de Angola (1958); Missão de
Geografia Física e Humana do Ultramar (1960), além de actividades ligadas a um
Agrupamento Científico de Preparação de Geógrafos para o Ultramar (1958) que
em Lisboa tiveram por sede o Centro de Estudos Geográficos de Lisboa (criado
pelo antigo Instituto de Alta Cultura, em 1943)” (in “Da Commissão de
Cartographia (1883) ao Instituto de Investigação Científica Tropical (1983) – 100
Anos de História).
V. NOTAS CONCLUSIVAS:
O preconceito de que a colonização portuguesa era desorganizada pode, e deve, ser
refutada tendo em conta o papel que as instituições desempenharam neste contexto.
Sem dúvida que as Sociedades de Geografia foram fulcrais para o desenvolvimento e
ampliação da ciência geográfica como a conhecemos, mas foram também essenciais para a
relação de poder europeu sobre o continente africano.
No caso português, apesar de tardio, o aparecimento da Sociedade de Geografia de
Lisboa foi uma mais-valia para o país quer a nível científico quer a nível político. O
surgimento da Sociedade de Geografia de Lisboa conduziu à evolução geográfica e colonial
portuguesa, com especial destaque para a Junta das Missões Coloniais, mantendo-se ainda
hoje como uma referência.
BIBLIOGRAFIA:
Agência Geral das Colónias (1945),Ocupação científica do Ultramar Plano elaborado pela Junta de
Missões Geográficas e Investigações Coloniais e Parecer do Conselho do Conselho do Império
Colonial, Lisboa: Agência Geral das Colónias
Amaral, Ilídio (1979), “A “Escola Geográfica de Lisboa” e a sua contribuição para o conhecimento
geográfico das Regiões Tropicais”, Lisboa: Centro de Estudos Geográficos
De Mello, Manuel José Homem (1962), Portugal, O Ultramar e o Futuro, Lisboa: Edição de Autor
Feldman-Bianco, Bela (2007), “Empire, Postcoloniality and Diasporas: The Portuguese Case”,
Revista de Sociologia. Universitat Autònoma de Barcelona, v. 85: 43 a 56
Guimarães, Ângela (1984), Uma corrente do colonialismo português – A Sociedade de Geografia de
Lisboa: 1875- 1895, Livros Horizonte
Instituto de Investigação Científica Tropical (1983), Da Commissão de Cartographia (1883) ao
Instituto de Investigação Científica Tropical (1983) – 100 Anos de História, Lisboa: I.I.C.T.
Neves, Manuel (1958), Colectânea de Legislação - Junta de Investigações do Ultramar 1945-1958,
Lisboa
Ribeiro, Orlando (1950), Problemas da investigação científica colonial, Lisboa: Junta de
Investigações Científicas Coloniais