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CAPÍTULO 2

A crítipa d e Postone a o marxismo


tradicional atinge Lukács?
Aparando arestas por uma reinterpretação de Marx

João Leonardo Medeiros1

Suponhamos [...], mesmo sem admitir, que a investigação


contemporânea tenha próvado & inexatidão prática de cada
afirmação de Marx. Um marxista “ortodoxo” sério poderia re—
conhecer incondicionalmente todos esses novos resultados, re—
jeitar todas as teses particulares de Marx, sem, no entanto, ser
obrigado, por u m ú n i c o instante, a renunciar à sua ortodoxia
marxista. O marxismo ortodoxo não significa, portanto, u m
reconhecimento sem crítica dos resultados da investigação de
Marx, não significa uma 'fé' numa ou noutra tese, nem a exege-
se de u m livro “sagrado”. Em matérias de marxismo,a ortodoxia
s e refere antes e exclusivamente ao método.

G . LUKÁCS

Sem uma análise adequada do capitalismo, que possa encarar


a crise estrutural que afeta, ainda que de modos diferentes, a
vida da maioria das pessoas no mundo. a esquerda cederá com-
pletamente o terreno político para a direita.
M . POSTONE

Introdução

Em 1993, o historiador canadense Moishe Postone publicou uma instigan-


te interpretação da obra de Marx, construída como crítica do que o autor

' Agradeço aos colegas Mario Duayer e Bianca Imbiriba Bonente pela leitura cuidadosa e
pelos comentários sem os quais, certamente, a qualidade do texto aqui apresentado seria
muito inferior.

27
28 TRABALHO, ESTRANHAMENTO E mmm/«çâo

denomina “marxismo tradicional”.2 Esta versão tradicional do marxismo


abrangeria , em seu juízo, um Vasto número de orientações particulare s no
campo marxista, cobrindo posições tão distintas como as do economista
norte—americano Paul Sweezy e a do filósofo húngaro Gyõrgy Lukács.
Sem entrar no mérito da adequaçã o da crítica de Postone a outras for-
mulações particular es na tradição marxista, parece-no s que, no que diz
ma-
resPeito à obra de Lukács, é possível demonstrar que a sua produção
dura, em particular a sua Ontologia do Ser Social (1984; 1986), não apenas
pode como deve ser conciliada com a formulação de Postone.3 E isso pelo
simples fato de que essa conciliação produziria uma interpretação da te-
oria social de Marx poderosa no plano explanatório e instigante no plano
político-ideológico.
Para defender a viabilidade (e a necessidade) da integração teórica en-
tre a concepção de Postone e a “obra madura” de Lukács, elabora—se u m
argumento que se estende por três seções, além desta breve introdução
e da conclusão. A seção a seguir, a segunda, contém uma apresentação
resumida dos termos da reinterpretação da teoria social de Marx sugerida
por Postone. A terceira seção tem o propósito de demonstrar que a crítica
de Postone ao “marxismo tradicional” não se aplica à "obra ontológica” de
Lukács. Por fun, a seção quatro defende a articulação entre as duas inter-
venções, ao tratar de questões nas quais uma funciona como complemento
crítico da outra.

º A obra na qual Postone expõe de forma rigorosa, pela primeira vez, a sua interpretação
de Marx é Time, Labor a n d Social Domination, de 1993.
ª Não havia (ainda) u m a tradução integral d a Ontologia do Ser Social para o português
no momento da redação original deste artigo, por isso foram utilizadas principalmente a
tradução do capítulo sobre Marx — G. Lukács, Ontologia do Ser Social - os princípios onto-
lógicos fundamentais de Marx, 1979 — e a tradução do capítulo sobre o trabalho elaborada
por Ivo Tonet e reformulada por Mario Duayer, que circula como manuscrito entre os que
se ocupam d a obra. Para formalizar a s indicações e citações de passagens deste capítulo
sobre o trabalho, adotou—se como referência a tradução para o espanhol - Gyõrgy Lukács,
Ontologia del Ser Social — El Trabajo, 2004. Por fim, a “Introdução” da Ontologia, também
citada aqui, foi traduzida por Mario Duayer. As referências indicadas no texto remetem ªº
original em alemão Zur Ontologie des gesellschaftlíchen Seins — I Halbband, 1984.
A crítica de Postone ao marxismo tradicional atinge Lukács?
' 29

A Mªr; o q u e é d e Marx: Postone contra o “marxismo


tradlclonal” (e a favor de Marx)

Logo nas primeiras páginas de seu Time, L a b o r and Social Domination,


Postone revela o objetivo central do trabalho: restaurar o que ele acredita
ser (com certa razão) o sentido original da teoria social de Marx, mediante
uma inspeção minuciosa das categorias fundantes de sua crítica à Econo-
mia Política'ª. Ao assim fazê-lo, o autor pretende estabelecer a base para (1)
demonstrar o caráter limitado das interpretaçõe s dominantes no campo
marxista, que Postone reúne sob o abrangente rótulo “marxismo tradi—
cional”; (2) desenvolver uma crítica do “socialismo realmente existente”;
e (3) defender a pertinência do trabalho de Marx para a análise crítica da
config uração recente do capitalismoª.
Na retomada das categorias fundantes do que Postone usualmente de—
nomina “obra madura” de Marx,6 & atenção concentra—se (não exclusiva-
mente) no conjunto de determinações da sociedade capitalista reveladas
nos primeiros capítulos de O Capital: mercadoria, valor de uso, valor de
troca, valor, trabalho concreto e abstrato, dinheiro, capital etc.7 Isso signifi-
ca dizer que o autor pretende ancorar a sua reinterpretação da crítica social
de Marx nos fundamentos da teoria do valor, que teria sido compreendida
de modo equivocado pela maioria absoluta das formulações marxistas“.
Na opinião de Postone, é muito importante ressaltar que o marxismo
tradicional incorre num eguívoco muito semelhante ao da Economia Po-
lítica criticada por Marx: ambos projetam categorias e relações sociais
Wgçledade capitalista, para fora de—seu contexto
__ ._.—._- . .. __.-._,-

' Moishe Postone, Time, Labor a n d Social Domination. 1993. p. 3.


ª M. Postone, op. cit., 1993.
“ Grosseiramente falando. o conjunto de trabalhos associados à redação de O Capital: os
Grundrisse,os Manuscritos de 1861—63 e o próprio O Capital, além da correspondência da
época. O próprio Postone (Cf. op. cit., 1993. pp. 74n..138-139) explicita o seu critério para
distinguir a obra madura de Marx de sua obra da juventude: o reconhecimento do caráter
historicamente contingente das categorias que constituem a sociedade capitalista.
- 7 Na Parte III de seu livro, Postone (Ibidem) expõe os termos da interpretação de Marx for-
mada a partir desta reconsideração d a s categorias fundantes d a obra deste autor. Para os
fins deste artigo, os detalhes desse segundo passo do argumento são no geral dispensáveis,
de modo que a atenção aqui se concentrará (não exclusivamente) nos primeiros capítulos,
em particul ar nos capítulo s 1, 2 , 4 e 5.
** Ibidem, p. 43-44,123-124.
30 mmm), ESTHANHAMENTOEEMANC

histórico”. Enquanto a economia política considera, por exemplo, as re-


lações mercantis e o capital como categorias que atravessam a história na
direção do passado e do futuro, o marxismo tradicional projeta o trabalho
industrial (isto é, o trabalho sob comando do capital) para toda a história'º.
Do ponto de vista teórico, a base d a interpretação do marxismo tra-
dicional é a sua compreensão da categoria valor. Como Postone procura
demonstrar, com extensas citações de autores representativos", é muito
difundida no campo marxista uma compreensão da lei do valor em termos
da regulação d a produção pelo mercado. A lei dq valºr (: en_t_e_ndidgj_gç_ste
caso, ur_1ica_mçr_1_te _como_ o mecanismo que estabelece, de_modo mconscien-
te, aleatório e lncontrolável __a a_loçação do trabalho e dos produtosEgªs
É'LÍÇÉQíQÉÉPQÉÍÇÍRÉIQdàª[Pªgªç㺠mÇECíIJt—llfº-
O trabalho industrial, por sua vez, figura, no marxismo tradicional,
como o aspecto não apenas progressista, mas “positivo” do capitalismo,
por pressupor o contínuo avanço das forças produtivas e a produção cres—
cente de riqueza material (valores de uso). Sendo assim, a transição para o
comunismo envolveria a superação da alegada contradição entre a produ-
ção industrial e a mediação estabelecida pelo mercado. Numa apresenta-
ção sintética, elaborada pelo próprio Postone:

Como resultado do processo contínuo de acumulação de capital, carac-


terizado pela competição e pelas crises, o modo de distribuição social
baseado no mercado e na propriedade privada torna—se cada vez menos
adequado para a produção industrial desenvolvida. [...] [O desenvolvi-
] mento da produção industrial] gera as pré—condições técnicas, sociais e or-
ganizacionais para a abolição da propriedade privada e para a introdução
do planejamento centralizado [...]. Esses desenvolvimentos dão origem à
possibilidade histórica de que a exploração e a dominação de classe sejam
abolidas e que u m modo de distribuição novo, justo e racionalmente regu—
lado possa ser criado".

” Ibidem, p. 68-69.
'º Ibidem, p. 66.
“ No Capítulo 2. principalmente entre as páginas 44 e 58, Postone (Ibidem) cita diversos
autores que compreendem a teoria do valor de Marx basicamente como uma teoria da
É distribuição, dentre eles Sweezy. Dobb, Lange. Mandel. entre outros.
" Ibidem, p. 46.
” Ibidem, p. 8.
A crftiu de-Postone ao marxismo tradicional atinge Lukács? 31
www
. . &
No marxismo tradicional, por consegumte, o trabalho
.
mdustrlal com- [UM Léº
. | I C
dª 19955313
Parece como uma instância de realizªç㺠humalndade, como 0 ) '
_?!lªjibçgégde". Liberdade essa que seria cerceada pela organização da pro- v
dução à base do mercado, com todos os seus pressupos tºs: ª Prºpriedª de jj ªrda“
privada como forma de propried ade dominan te, O mºnºpóliº dª
prop r ie- Oº '
,
.

dade dos meios de produção pela classe capitalista, a llsao do trabalho


o #.
me

em alto grau de desenvolvimento e o dinheiro. Segue—se daí que a realiza—«wmª palm;



emancipador
potencial__ WM,”
ção do «___ “,.- ___, trabalho envolveria uma mudança
do__— __, nas
”"-'T— . . . - mas nao - em sua produçao".
- R º “ )Qm'rª?)
relaçoes de dlstnbulçao,
" ___“ "”“—”'"“ ”"“"—'" na» mio—l
Mais especiÉÉÃiiiÉh—tã'ArÍõFÉntendimento convencional criticado por “27
Postone, a transição para o comunismo seria operada pela eliminação do wma“) &
monopólio dagropriedade dos meios de produção pela classe capltalls- ºu, mmm?)
oºo
ta, que minaria o seu poder econômico e social. Com isso, seria possível mucosªs
substituir a gjgtribuigão errática e imndLmemadmnumilg- ª'
CLM Tunico/kz-
nejamento conscigªgg (não mercantil, claro) da proªgçãqrigdustrrial: Livre 0600—
WMM?)
da coerção imposta pela classe capitalista, a dªgger trabalhadora emergiria & (º “F“?“
como sujeito desse planejamento da produção por ela mesma realizada. +
Assim se consumaria, finalmente, a sua emancipação“. & me rafagg;
Em seu detido exame da “obra madura” de Marx, Postone procura de-
fender a opinião de que, certa ou errada, válida ou não, a análise crítica da
sociedade capitalista empreendida pelo autor tem uma orientação bastante
distinta daquela difundida pelo marxismo tradicional. Para expressar a di-
ferença de perspectiva, Postone repete incansavelmente uma espécie de sen-
tença-síntese: “a sua [i.e., de Marx] crítica madura é uma crítica do trabalho
no capitalismo, e não uma crítica do capitalismo desde o ponto de vista do
trabalho”". Com isso o autor quer dizer, para expressá-lo de forma direta,
que a importância da obra de Marx residiria justamente em sua capacida-
de de demonstrar que a natureza especíâca do trabalho sob o comandggº
capital determina a forma de dominaçãcªrópria
J&J—..., -
e exclusiva da sociedade
——-*--——fw — ————- __,__,,_m_.._,
...-à

" Ibidem, p. 65-66.


“ Ibidem, p. 8—9, 65ss.
'“ Ibidem, p. 37, 65-66, 82-83.
" Ibidem, p. 22. Alternativamente, Postone expressa a diferença de perspectivas obser—
vando que a obra madura de Marx deve ser compreendida como uma crítica da Economia
Política e não um capítulo da Economia Política (clássica). Cf. Ibidem, p. 50, 56. Um ótimo
contraste entre as duas posições, a de Marx e aquela compartilhada pelo marxismo tradi-
cional e pela Economia Política clássica, é apresentada em Ibidem, p.63-64.
32 Tmmoísmmnmmm EEMANCIPAÇÃO

capitalista: uma forma de dominação que se distingue não por seu caráter
Eessoal ou de classe_s (embora essas formas particulares se façam
presentes),
mas por sua natureza abstratª. Em suas palavras: “O capitalismo é um siste-

as fªtºs
riores, pessoas pa_recem ser independentes; mas elas _são_, de sujeitas a
BEÉÉÉHÁ de dpminaçãq soçial que parece não ser soçíal, mªs obj_ç____tivo” “.
Numa apresentação sucinta, pode- se assumir como ponto de partida

desse argumento a correta alegação de Postone de que os dois 01 s ue


conformam a unidade dialétiça constitutiya dq 3531331110 n ª ,SQÇÍCdêde
Cª-

pitalista são historicamente determinados”. Em outras palavras, o autor


sustenta o entendimento de que tanto o trabalho abstrato quanto o traba—
lho concreto são historicamente contingentes, de maneira que____não se Eº" ,
tidº;
deria afirmar histori_camente u_jplo (o W _ 349.193,11
xismo tradicional, como universal ou_t_1;a_nsistqgjç_g_) HQM) (0
trabalho abstrato, reconhecido c0Im_>_(_>_l_.'lwl_lqJªliâtpiiǪjllçl'ltº,Cºntillgºllií=
nas leituras congggçiºggiç)".
Com essa ênfase no caráter histórico do trabalho da sociedade capi-
talista, o autor pretende enfrentar o entendimento de que seria possível
superar a sociedade cagitalista tão somente com u m a mudança n a esfera
da_c_listribuiçâo, seja de produtos (como na Economia Política) ou de meios *
W (como no marxismo tradicional). Em Marx, alega correta-
mente Postone, a distribuição e a produção não aparecem como duas es-
feras totalmente apartadas, m a s como momentos distintos dajgtalidªdí
socioeconômica“. E é justamente o caráter historicamente inédito desse
trabalho cuja dinâmica comanda não apenas os demais momentos da vida
(gºngmiçg (a distribuição, a troca e o consumo), mas as_gg_lg_ç_'gçs soª;
gªgª que Marx teria sido capaz de revelar”.
Tomando criticamente a filosofia de Hegel, Marx teria descoberto que,
quando subordinada ao capital, a atiyidadw adquire um caráter
peculiar porque passa a desempenhar um rªpel para além da mera criagão

" Ibidem, p. 125. 164.


ªº Ibidem, p. 147,166-168.
ºº Ibidem, p. 56, 168—170.
ª' Cf. Karl Marx. “Economic works 1857-1861” [Grundrisse]_ ln: Karl Marx & Friedrich
Engels, Collected Works, vol. 28, 1986, p. 33-34.
. ”Am º º qu
ªª Moishe Postone, op. cit., 1993, p. 182. (Dou,

* '. s—-———-——-—-—'—1 ' vaº. fºhvlk &

.
' W
Nª Riº bivalve! ug :Wummm— Mac“- ºu“ ÉW7EÍM;/
Mwm—Gf “ºf Web,—«qt (ba &&»m U N I MIL
A crítica de Postone ao marxismo tradicional atinge Lukacs?
33

de riguez a material (traba lho concreto): o papel de media dor obrigatório


W (trabalh o abstrato). Mais detidamen—
te, no capita lismo, 0 trabal ho se consti tui como a relação social decisiva,
Prioritária, p o r compa recer, objetiv ado como valor d a mercad oria, como
elemen to mediaqog da ªtividade social que assegura aos indivíd uos a sub-
smtencia social e mesmo físico-biológica: a atividade mercan til”. A cate—
___..-._._._._. ..."—--,. .

goria do valor express aria, portant o, muito mais do que o modo de distri—
buição espontâ neo associado ao mercado: expressaria justamente o inédito
papel de mediação social obrigatória assumido pelo trabalho?“. Essa dupla
' dimensão do trabalho sob comando do capital manifestar-se-ia, por sua
vez, na dupla dimensão da riqueza na sociedade capitalista: além de seagª-
ráter material (Kcªl—025191149), & riqueza adquire, no capitalismo e somente
nele, uma dimensão tempºª (valor)”.
Se a categoria valor expressa o caráter de mediação social assumido pelo
trabalho, a categoria capital é o nome associado ao movimento dinâmico
próprio do trabalho que produz valorºª. A produção capitalista, como pro-
dução de valor, organiza-se estruturalmente de uma forma tal que adquire
um movimento interno de autoexºansão. Movimento esse que comparece
diante dos indivíduos como a força de uma lei da natureza que não ape— (º'?
nas condiciona, mas efetivamente subordina os atos humanos em todas as podi»?
esferas da vida social”. O trabalho, com sua dinâmica estranhada, tornar—
se-ia, objetiva e subjetivamente, a determinação central da vida humana,
conformando o que Postone denomina dominaçãogºstrataºª. Em diversas
passagens, como a citada a seguir, o autor destaca o caráter peculiar desta
forma de dominação: “Na análise de Marx, a dominação social no capi-
talismo não consiste, em seu nível mais básico, na dominação de pessoas
por outras pessoas, m a s n a dominação d a s pessoas por estruturas sociais
abstratas que às próprias pessoas constitue m”ªº.
É importan te deixar claro que a dominaçã o abstrata de que fala Posto-
ne não exclui a dominaç ão de classe como determinaç㺠da sociedad e ca-

” Ibidem, p. 7233.
“ Ibide m, p. 154.
” Ibidem, p. 123.
“ Ibidem, p. 75.
” Ibide m, p. 77.
“ Ibidem, p. 30-31,182. º & w “
” Ibidem, p. 30.
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TRABALHO. ESTRANHAMENTO EEMANCIPAÇÃO
34

sta. O autor não nega a relevâ nci a d a do mi na çã o d a cla sse tra ba lh a-


pitali
da temática da ex plo raç ão
dora pela classe capitalista —- isto é, a relevância
-—, m a s argu men ta que a dom inaç ão çlass ista é
condiçiºnada prºvªmºs
bela dinâmica incontrolá vel
pela domi nação de todos os seres huma nos
' - o u sé'áfõ estra-
de
“a_n.
autoexpímsão
,_ -——
do trabalho sob comªnd9.49.çªRl—t-ªªl» , , . '
- *ª S generos, etnlasa nª"

nham entoª º. Todos o s indiv íduos , de todas a


Classes,

ciona lidad es etc. são subo rdina dos a uma log ica
social es tra nh gªa que
I

ona nte ' O b j e t i v o .çíub etlv o


ope ra de form a sem iaut omá tica com o con dici
genero,
“aê— tódó s
Os atos humanos singulares,“ A condiçao de classe, de
WV étnica etc. detã—ni-ÃÃZÃÃnêira como a subordinaç㺠ªbªtrfªfª é exercªda
”É“ sobre cada indivíduo particular, manifestando—se em sua Prª-mºª º “?ª “tiª
Sl
4 social, mas não estabelece os contornos da domina ção em (ou seja, nao
º é a sua causa)”.
Não é necessário (e nem seria possível) estender essa brevíssima síntese
da intervenção de Postone para perceber a natureza potenc ialmen te explo-
siva de sua crítica. Se o autor tem razão em sua retomad a de Marx, a teoria
social marxista tal como concebida pela maioria absoluta dos seus formu-
ladores e a própria prática política em que se resolve essa teoria seriam não
somente equivocadas, como efetivamente inócuas diante do capital. Em
lugar de enfrentar a dominação pelo trabalho, as ideias e ações inspiradas
pelo marxismo tradicional a reforçariam, ao fazer do trabalho (industrial)
a instância da emancipação humana (ou da condição de trabalhador a con-
dição humana emancipada). ,
O próprio Postone faz questão de ressaltar a enorme abrangência da sua
reconsideração crítica pelo contraste de sua posição com a de autores com
opiniões, motivações e interesses muito distintos no interior d a tradição"
marxista. Como dito na introdução, do conjunto extenso de colocações -
com as quais Postone polemiza, pretende-se aqui dar conta da relação en-
tre a sua interpretação da obra de Marx e a proposta por Lukács. As duas

ªº Ibidem, p. 6.
” Com a expressão “semiautomática”, Postone pretende afastar qualquer resquício de es-
truturalismo. O autor repete. por diversas vezes, que a ª m t em dels-;
reproduzi da pelos atos individuai s, o que traz para o coração d a análise as questões re-
lativas à subjetividade, de u m lado, e à pºssibilidade d a prática revolucionáriª, de O u t r o . .
Em diversos momentos no texto, o autor procura dar conta d a relação entre a dinâmica
estrutural e as práticas individuais. Cf. Ibidem, p. 155, 162-165,182.
” Ibidem, p. 158-161.
A crítica de Postone ao marxismo tradicional allnge Lukács? 35

seções que se seguem tratam, por conseguinte, d a relação entre a s concep-


ções desses dois autores que, como se espera demonstrar, guardam entre
si conexões que põem em perspectiva a possibilidade de uma articulação
teórica em favor de u m a rica releitura d a teoria social de Marx.

A ontologia da sociedade d e Lukács: alvo que


a crítica de Postone não atinge

Quando se trata de estabelecer a relação entre a obra de Postone e a de


Lukács, não se pode ignorar um problema de certo modo curioso. Em sua
intervenção, Postone toma a interpretação de Lukács sobre a teoria social
marxiana exclusivamente por seu consagrado trabalho de juventude, His-
tória e Consciência de Classe”. Como se sabe, após a publicação deste livro,
em 1922, Lukács produziu uma volumosa obra até falecer em 1971. Sabe—se
também que, em muitos sentidos, a produção do autor neste quase meio
século não se alinha à posição intelectual defendida na prematura obra-
-prima, consistindo, na verdade, de uma dura crítica de tal posição“. Con-
siderando que, ao tratar de Lukács, Postone examina tão somente o tra—
balho ao qual o autor dedicou uma impiedosa autocrítica, resta a seguinte
dúvida: como reagiria o próprio Lukács diante das objeções de Postone?
Em lugar de buscar resposta a essa questão, parece ser mais profícuo
examinar aqui a relação entre a releitura da crítica social de Marx propos-
ta por Postone e a interpretação difundida por Lukács após a década de

” G. Lukács, História e Consciência de Classe, 200321. O próprio Postone (op. cit., 1993,
p. 15) registra que sua reinterpretação de Marx é diretamente influenciada por. e cons—
“Chªm—

titui uma crítica de História e Consciência de Classe. Ao examinar u m dos artigos que
ª “-?n u . . . .71
..

compõem o livro, em Ibidem, p. 72-74, o autor explicita os termos de sua apreciação si-
um

multaneamente elogiosa e crítica da obra. Em textos mais recentes, Postone reafirma sua
“v iam

posição diante da obra de juventude de Lukács. Cf. M . Postone, Marx reloaded: repensar la
teoria crítica del capitalismo, 2007; e, “The Subject and Social Theory: Marx and Lukács on
Hegel” In: A. Chitty & M. Mclvor, Karl Marx and Contemporary Philosophy, 2009. Lukács,
por sua vez, não poderia ter qualquer diálogo direto com Postone pelo simples fato de ter
falecido em 1971. Postone só viria a doutorar-se em 1983, sendo sua obra mais conhecida
lançada exatamente uma década depois.
“ No famoso posfácio da edição comemorativa dos 45 anos da publicação de História e
Consciência de Classe, Lukács expõe as suas razões para considerar o livro equivocado
em seus argumentos teóricos mais difundidos. Cf. G. Lukács, “Prefácio de 1967”, Idem,
zoosb, p. 31-32.
r.-
ANCIPAÇÃO
TRABALHO, ESTRANHAMÉNTO EEM
6
3
, ' 1”, Mesmo nesse caso
1930» principalmente em sua Ontologiª do Ser 8061; is trabalhos colidem,

como veremos, a impressão inicial é ª que º s o
. sa algu ma s categ orias e
fron talm ente , uma vez que o prim elro auto r recu
tem
' s mtx
' çoe
det erm ma ' nsa' vex' s par a o ”últimdo. tac ar & ue
' lspe
' ' damente md
e-56 65 q
Den tre as font es poss ívei s d e dive rgên CIa , pºd
ele deno '
sua origem na negagão exglícita, Pºr parte d ª Postonet do ºlªª t ' Tmª
“transistórico”: ou seja, o caráter l_lníVºfêêlÉl? dªtçfmmªçºeã,Pªf.1____nªn es ª
g ç ão de
ª“; orlç gga rtlc' ula r. Na ve rdade, a ne a
A'
cate gon' as de u m con text o hlst
Postone do que ele chama de “transistórico” n㺠prºf“? ª atingir apencas ou
espec iõcam ente Lukács, mas todo o marx ismo trad1c10nal. (.Jomo' dlto na
arla cºm a
últim a seção , para Posto ne, o marx ismo tradi ciona l comP artllh
Economia Política criticada por Marx o BQUÍVºCº de prºjetar categorias e
determinações típicas da sociedade capitalista para além do seu conutexto
histórico. Categorias históricas seriam , dessa manei ra, consid eradas tran-
sistóricas ”, de modo que s e tornaria difícil circunscre ver historicam ente a
sociedade capitalista, distinguin do-a das formas de sociedade do passado
e do próprio comunismo projetado para o futuro.
Do conjunto de categorias que são tratadas como transiítºliçis pelo
marxismo tradicional, Postone põe em destaque, como vimos, o gªlº
industrial (isto é, a atividade produtiva sob comando do capital). D e acordo
com o autor, as diversas versões do marxismo tradicional não conseguem
distinguir as propriedades específicas do trabalho comandado pelo capital.
Por essa razão, essa forma particulàírãêíàgílh—E) fmda por ser confundida
iogª & atividade produtiva dos seres humanos e m geral, caracterizada pe-
los atributos universais que Marx descreve no Capítulo V de O Capital“.

ªs A década de 1930 marca uma “virada ontológica” no pensament o de Lukács, que cul—
mina n a elaboração d a Ontologia, já n o final de sua vida. Nesta (duradour a) fase de s u a
produção, o autor preocupa—se em explicitar os “fundam entos sociais do pensamento de
uma época” (Cf. G. Lukács, op. cit., 1984, p. 329), ou seja, a procedência e as implicações
ontológicas das diferentes concepções sobre o mundo social. A respeito da “virada onto-
lógica” de Lukács, ver ]. P. Netto, “Georg Lukács: u m exílio n a pós-mo dernida de”
In: M.
O. Pinassi & S. L_essa (org.) Lukács e a atualid ade do marxis mo, 2002, e N. Tertuli
an, “O
Pensamento do Ultimo Lukács” In: Outubro — revista do Institu to de Estudo
s Socialistas,
n . 16, 2007.
36 K. Marx, O Capital: crítica da economia política, 1998. O fato de que a
descri ção abstra ta
do trabalho não seja suficiente para caracterizar o trabalh o em nenhu ma forma
concre ta
como Postone enfatiza (op. cit., 1993, p. 56), é obviamente levado em conta por Lukács
,
que nos recorda, ademais, que “a sociabilidade, a prime ira divisã o do
trabal ho, a lingua :
A crítica de Postone ao marxismo tradicional atinge Lukács?
37

O resultad o é que o marxis mo tradicio nal faz-se valer dessa caracte rização
Abs,!tªtâªojgabfalrholmgq defender como transistórica uma centralidade
&ªºítâhêlhwºxirªªâmâªÉídªdª Cªpitªl issªªª
Numa leitura pouco atenta, parece que a Ontologia de Lukács é atin—
gida, desde a raiz, por e s s a crítica de Postone. Afinal de contas, como o
próprio Lukács faz questão de esclarece r, a análise do trabalho (baseada
n a descrição geral, abstrata, oferecida por Marx) é a pedra fundamen tal
de sua ontologia d a sociedade ; M a i s do que isso, Lukács justiflca & ênfase
na categoria do trabalho com o argumento de que essa atividade é o fun—
damento último da vida social, o “momento predomina nte” do desenvol-
vimento social, o seu “determinan te em última instância”33 (Lukács, 2004,
p. 61—62).
Ao se observar, no entanto, as justificativas apresentadas por Lukács
para pôr em destaque a categoria do trabalho, fica claro que sua interven-
ção passa longe da alça de mira de Postone, ao menos no que tange à ques-
tão da “centralidade do trabalho”. A importância atribuída por Lukács à
categoria do trabalho é amparada por u m argumento (sólido, em nosso
juízo) mediante o qual o autor procura demonstrar que essa forma de prá-
tica funciona como uma esPécie de “modelo ontológico” que nos permite
revelarzªº (1) os atributos que distinguem o agir humano das práticas cor—
respondentes dos demais a n i m a i s ; (2) o m o d o particular como o s seres
humanos interagem com o ambiente e, assim, destacam—se d a natureza; (3)
a própria dinâmica evolutiva da sociedade que, ao contrário da processua—
lidade que caracteriza as demais formas da existência (no caso da biologia,

gem etc. surgem do trabalho, mas não numa sucessão temporal claramente identificável, &
sim, quanto à sua essência, simultaneamente. O que fazemos [ao tomar o trabalho como
categoria isolada das demais] é. pois, uma abstração sui generis”. Cf. Lukács, op. cit., 2004,
p. 59.
” M. Postone, op. cit., 1993, p. 16, 56-62.
ªª G. Lukács, op. cit., 2004, p. 61—62.
” Quanto à relação entre a práxis humana e o “ser social”, por exemplo, Lukács assinala,
já na Introdução da Ontologia (op. cit., 1984, p.328), que “o ser social e' a única esfera da
realidade na qual a práxis cumpre o papel de conditío sine qua non na manutenção e no
movimento da objetividade, de sua reprodução e desenvolvimento”. No prefácio da edi-
ção de 1967 de História e Consciência de Classe (Lukács, op. cit., 2003b, p.l8—19), o autor
acrescenta que “o terreno da práxis (sem modificação de sua estrutura básica) se tornou,
no curso de seu desenvolvimento, mais extenso, complexo e mediado do que no simples
trabalho [...]”.
NCIPAÇÃO
TRABALHO, esmmumemo EEMA
38
s, o das
ª evºlu ção
das espécies), envolve uma articulação de dois domínio
práticas teleológicas e o das estruturas sociaisªº.
' ipária
Agora, o reconhecimento de que o trabalho constitui a fgrm. va”Qçig
dº ªº leva
_ EÉEigàhpmam e, nessa condição, 0 seu “mºdelººíªíºm lºr dº CºmPÍICJfº
gabªr & a que Lukács lhe atribua qualquer supçgirqridlêªd? no inter

“tw? da atividade humana ou na organização social em geral“. contrar*º*
“”x &? Lukács procura, com todo cuidado, esclarecer que a “QM
a ver com hle rarg ula de
' '

ªtrl bm da à categorla do trab alh o nad a tem


.
'

b&“?
XKLL
Elª, . .

valor, com uma supervalorização do trabalho, ou me sm o com o rec onh e-


w
cimento de uma “centralidade” universal (anistórica) desse tlpo de pratlca
no interior da sociedade. Nos termos do autor:

é preciso distingu ir clarame nte o princípi o da priorida de ontológi ca dos


juízos de valor gnosiológ icos, morais etc., inerentes a toda hierarqui a sis-
temática idealista ou materialis ta vulgar. Quando atribuímo s uma p_riºr_i—
dade ontológiça a determina da categoria com relação a outra, entendemo s
simplesmen te o seguinte: a primeira pode existir sem a segunda, enquanto
o inverso é ontologicamente impossível. Isso [. ..] vale, no plano ontológico,
para a prioridade da produção e da reprodução do ser humano em relação
a outras funções. Quando Engels [...] fala do “fato elementar [...] de que
os homens devem primeiro de tudo comer, beber, ter um teto e vestir—se,
antes de ocupar-se de política, de ciência, de arte, de religião etc.”, está
falando precisamente de uma relação de prioridade ontológica“.

[Ou ainda:] a prioridade ontológica da economia, indicada por Marx, não


contém em si nenhuma relação de hierarquia. Ela diz simplesmente que a
existência social da superestrutura pressupõe sempre, no plano do ser, o
processo da reprodução econômica, que toda superestrutura é impensável

*º G. Lukács, op. cit., 2004, p. 55-58. A análise da categoria do trabalho realizada por
Lukács ocupa todo um extenso capítulo da Ontologia (Lukács, op. cit., 2004), além de in-
dicações dispersas em outros momentos d a obra. Num texto preparado para apresentação
numa conferência, Lukács oferece uma descrição ao mesmo tempo sintética e profunda
do papel exercido pelo trabalho na formação e desenvolvimento do ser social. Cf. Lukács,
“As Bases Ontológicas do Pensamento e da Atividade” In: O Jovem Marx e Outros Escritos
de Filosofa, 2007.
“ G. Lukács, op. cit., 2003 (b), p. 17-19.
“ G. Lukács, op. cit., 1979, p. 40-41.
A crítica de Poslone ao "marxismo tradicional atinge Lukács?
39

sem economia; ao mesmo tempo, por outro lado, afirma-se que a essência
do ser econômico é de tal natureza que não pode se reproduzir sem trazer
à v1da uma superestr utura que, mesmo de modo contraditó rio, correspon -
da a esse ser econ ômic o".

Quando examina o trabalho, então, Lukács não o faz por algum in-
teresse particular nesta categoria, n a forma específica que ela assume na
sociedade capitalista ou mesmo na dinâmica desta formação social. Na
realidade, seu interesse reside primordialme nte na capacidade de revelar,
pela inspeção do trabalho, a peculiaridade da prática humana enquanto
tal e, por seu intermédio, a especificidade da vida social com relação às
formas de ser a partir das quais ela emerge“. Exatamente porque o objeto
de investigação não é a prática humana ou a sociedade numa configuração
histórico—concreta, mas os atributos universais que defmem abstratamente
essas categorias, é crucial concentrar—se em categorias que tenham a 9%
cidade de atravessar formações históricas distintas até o “longo salto onto-
lógico” a partir do qual & sociedáde emerge da natureza“. O trabalho tem
obviamente essa cagacidade, como reconhece o próprio Postone, quando
afirma que “a produção material é sempre uma condição da vida huma—
93” ou, ainda de modo mais mªi—“EE), que—ª_ajmçmçàºÁmetªbÓliC—Jlgºmª
natureza efetuada pelo trabalho é pré—condição da existência de qualquer
sociedade”“.
Se se trata, todavia, de tomar o trabalho como uma categoria capaz
de revelar a estrutura interna da prática humana (e a relação da prática
com a realidade que a circunda), então não faria nenhum sentido partir
de uma caracterização do trabalho numa forma histórica particular — o
trabalho assalariado, servil, escravo etc. O nível de abstração da análise
pretendida por Lukács exige uma caracterização suficientemente abstrata
do trabalho para apreender as determinações categoriais que dão conta
não de sua plasticidade formal não de sua dlfereíiCIaçao historica, màé de
sua preservação como categoria-em—mudança. Por outro lado, se o traba-

ªª Ibidem, p. 155. Cf. também, entre outras passagens, Lukács, op. cit., 2004, p. 142 e op.
cit.,1979, p. 15.
“ G. Lukács, op. cit., 2004, p. 121.
45 Ibidem, p.55, 6 1 - 6 2 , 102—106.
“ M. Postone, 1993, p. 157.
ANCIPAÇÃO
TRABALHO. ESTRANHAMENTO EEM
40

existe num a'fo rma hlf tón ca


"10 (e todas as outras categorias sociais) só
ada soc1edade.
concreta, a análise teórica tem de partir de uma determin
Lukács, como Marx, parte do capitalismo". _
tar nes ta seçao é que a
E m sínt ese , o pon to que se pro cur ou sus ten
fme Por uma
“obra ontológica” de Lukács não é atingida pela crítica de Post
to e
razão muit o simples: sua obra traba lha em nível de abstrauçao dlstm
prob lemª on-
com inter esses difer encia dos. O prim eiro autor trata do
ser socxal'ªªª,
tológ ico fund ame ntal do carát er de ser da especificidade d o
o form a
isto é, das deter mina ções do “ser social” que o distinguem com
a cara cter ístic as de uma
de ser; o segu ndo trata d a dinâ mic a e da estr utur
ra d a r
forma ção socia l espec ífica, o capit alism o. 0 prime iro autor procu
iana; o
conta dos funda ment os ontol ógico s implí citos à teoria socia l marx
segun do oferec e uma interp retaçã o dessa teoria que seja capaz de fazer j u s
-expla -
ao s e u sentid o origin al, além d e demo nstrar seu poten cial crítico
natório e sua atualid ade. A questão é se essas duas interve nções podem e/
ou devem ser conciliadas. A seção seguinte oferece argum entos em favor
da conciliação.

A revisão crítica de Lukács a partir de Postone e vice-versa

A riqueza das formulações que Postone e Lukács desenvolvem em planos


distintos de abstração a partir de u m a matriz comum (Marx) c r i a diversas
oportunidades para uma profícua articulação entre elas. Há muitas ma-
neiras de demonstrar que esta articulação não apenas pode, como deve ser
feita, em favor de um enriquecimento da teoria social crítica fundada por
Marx. Sem qualquer pretensão de exaurir o tema, aqui nos concentramos
em duas questões nas quais a intervenção dos dois autores nítida e neces-
sariamente funcionam como complemento crítico uma da outra: a noção
de historicidade e, associado a ela, mas tomada aqui em separado, as im—
plicações da teºria social de Marx para & (jªcª
Quanto à noção de historicidade, o trabalho de Lukács pode servir para
esclarecer e/ou corrigir u m dos pontos mais polêmicos da intervenção de

" G. Lukács, op. cit., 1979, p. 116—117.


“ G . Lukács, op. cit., 1984, p. 326.
A crítica de Postone ao marxismo tradicional alinge Lukács? '"

Postone: a alegação do caráter histórico da própria história. Antes de tudo,


é preciso assinalar, todavia, que os dois autores partem de uma compreen-
são muitíssimo próxima, para não dizer mesmo idêntica, d a historicidade:
os dois a entendem_13_㺺pç㺠em termos de movimento no tempo, meg;
Mos de u m “movimento dim—cigªna,]”, para usar a expressão preferida
por Postoneªº. A natureza “direcional” da história é enfatizada por Lukács,
quando ele afirma que “a historicidade implica não o simples movimen-
to, mas também e sempre uma determinada direção na mudança, uma
direção que se expressa em transformações qumnados
ggmplexos, tanto em si quanto em relação a outros complexos”5º.
A polêmica à qual nos referimos, portanto, não diz respeito à concepção
da historicidade que “Postone defende em seu trabalho, mas, para repetir,
à alegação do caráter histórico da história. Embora chegue a referir-se, en
passant, & histórias distintas superadas pelo comando global da história
pelo capital“, Postone afirma e reaúrma a opinião de que não há, ao menos
desde a perspectiva atribuída & Marx (à qual o autor se filia), um movi-
mento direcional que atravesse diferentes formações sociais, de modo que
não se pode falar de história antes da modernidade (capitalista). Em suas
palavras:

[A análise de Marx] demonstra que há realmente uma forma de lógica na


história, de necessidade histórica, mas que ela é imanente apenas à forma-
ção social capitalista, e não à história humana como um todo. Isso implica
que a teoria social crítica madura de Marx não hipostasia a história como
um tipo de força movendo. todas as sociedades humanas; ela não pressu-
põe que uma dinâmica direcional da história em geral exista”.

” M. Postone, op. cit., 1993, p. 305.


ªº G. Lukács, op. cit., 1979, p. 79.
5'
Cf. M. Postone, 1993, p. 377. A passagem está citada no texto, logo adiante.
ª Ibidem, p. 305.Em um texto mais recente, Postone volta ao tema de modo ainda mais
enfático: “No interior dessa abordagem [a de Marx], a história, compreendida como uma
dinâmica direcional movida d e modo imanente, existe, m a s não como u m a característica
universal d a vida social humana. Ao contrário, ela é u m a característica historicamente
específica da sociedade capitalista que pode ser, e tem sido, projetada em todas as histórias
humanas”. M. Postone, “Critique and Historical Transformation” ln: Historical Material-
ism, vol. 12(3), 2004, p. 55.
_v
ANCIPAÇÃO
TRABALHO.ESTRANHAMENTO EEM
42
al de Mar. x
orla.socn
Parece—nos que não seri a difí cil dem ons t rar que a te sªlª
pit ali sta, mu
. ito em bo ra
não limita a historicidade à formação social ca
rlam com Posíone
indi sput ável que tant o Mar x quan to Lukács conc orda
quando ele afirma que, na transição para o capitalisrTlº, emerge u-m'[.no-
Hªtºr 1353“
vimento, inicialmente contingente, das várias histórlas Pªr ª ª
para uma dinâmi ca direcio nal necessá ria, crescen tement e glºbªl (...) -
CªfPªn'
Reconhecer que o movimento dinâmico direcional, surgidº com ª
são do capital, subordina formações sociais pré-capitalistas, dando o_rlgªm:
assim, a uma efetiva história mundial, não significa dizer que ª, hlStóriª
enquanto tal tenha surgido com o capitalismo. Caso contráriº» tenamos de
admitir a tese pós-moderna segundo a qual não há qualquer traço comum
entre as formas de vida de comunidades human as distinta s, de maneir a
que seria totalmente impossível compreender o nexo e a diferença entre as
condições sociais em que viveram e vivem os seres humanos em diferente s
épocas e lugares. O percurso da humanidade pela Terra em todo o período
em que essa espécie habitou o planeta — à exceção daquele em que o capital
subordina & sociedade ao seu movimento uniforme e cria a história — seria,
para colocá-lo com Duayer e Moraes, uma “contingência absoluta”54.
É preciso reconhecer, todavia, que Postone pretendia sustentar não exa-
tamente a ausência de traços comuns entre comunidades distintas, mas a
impossibilidade de comprovar a existência de um movimento direcional em
formações sociais pré-capitalistas ou, ainda, a existência de uma dinâmica
geral presente em todas a s formações sociais“. Esteja ou não correto, o fato
é que o autor apoia seu pesado raciocínio numa coluna de papel, pois apa-
rentemente julga ser necessário reconstituir (um a um, no limite) o modo de
vida de comunidades do passado para comprovar que elas não continham,
de fato, história (ou seja, uma dinâmica direcional). Ao menos é isso que se
pode depreender da assertiva & seguir (e do conjunto do argumento):

[. . .] qualquer teoria que atribua uma lógica imanen te à história enquanto


tal — seja ela dialética ou evolucio nária — sem basear essa lógica num deter-
minado processo de constituição social (o que é uma proposição imprová—

ªª M . Postone, op. cit., 1993, p. 377.


M - DªªYªf
“ & M. C - Morªºs» “NººPfªSmatismo: a história como contingência absoluta”
In: Revista Tempo, n. 4, 1997.
55 M . Postone, op. cit., 1993, p. 304—305.
A crítica de Poslone ao marxismo tradicional atinge Lukàcs? 43

Vºl)»
projeta como a história da humanidade as qualidades específicas do
capit alism o“.

Uma solução mais sólida para o problema parece ser oferecida por
Lukács, que procura dar conta da questão da historicidade num nível de
abstração muito mais elevado, em que se torna possível indagar a respeito
do modo de existência típico (e exclusivo) de nossa espécie. No centro do
argumento do autor está a análise do trabalho, categoria que, como ex-
posto anteriormente, reconhecidamente atravessa, no tempo e no espaço,
diferentes contextos sociais por ser condição de existência da própria so-
ciedade. O autor oferece, assim, o argumento que Postone julga inexistente
quando afirma que “não há base teórica ou evidência histórica” disponível
que confirme a possibilidade de fundar, na inspeção do trabalho, a alega-
ção da existência de um movimento universal da história”.
Em sua análise ontológica do trabalho, Lukács sai, então, à procura de
determinações universais, de tendências (leis) muito gerais, abstratas, que
percorrem a história da humanidade desde sua origem, caracterizando a
constituição da espécie humana não como espécie simplesmente biológi—
ca, mas como “ser social”. Como tendências altamente abstratas e gerais,
as determinações que respondem pela processualidade característica da
história humana dependem de circunstâncias diversas, de inúmeras par-
ticularidades e singularidades, para manifestar-se. Comportando avanços
e retrocessos, além de inúmeros “becos sem saída”, a dinâmica implicada
por aquelas tendências impõe-se como determinante em última instância
do desenvolvimento da sociedade, justamente por emanar das proprieda—
des rnais arraigadas de nosso ser social-“ªª. 1443
Não seria o caso de reproduzir extensamente o argumento de Luká- ] da”;
vºª,"
cs, e nem lsto sena posswel neste espaço, mas e mteressante ao menos
. . I I . º

HW
&'
vºª"
mencionar a s três únicas “orientações evolutivas” universais da higgória w.,“ *“
cuja existência, segundo o autor, pode ser teoricamente justificada”. Em pw
1 ) Ender-nao nº o u m b h r o do produ nºw!-ªlºe“ —- cuoa» abº ªnd,» 00. R a w / k w
zjkscuº dps lwrroroç mort/"mí
3) Ut
D::ÍWOM ! [nm-ch r o ol. ” T w i n / b a i ª (Conor—aq.“ crm “º(º locos vol-'
vê./nºn ro ryuu; <
sªªIbidem,p. “'e'-mp5 w m u n . d º q c : o n m 1 ,I r d . J o J
306. ”“""“ ª""< .
57 M. Postone, op. cit., 1993, p. 304.

G. Lukács, op. cit., 1979, p. 134.
” Uma longa descrição das três tendências acima é oferecida por Lukács ao longo do capí-
tulo sobre Marx da Ontologia, (Ibidem). A apresentação acima se baseia na síntese encon—
trada em G. Lukács, op. cit., 2007, p. 237-238.
CIPAÇÃO
TRABALHO, ESTRANHAMENTO EEMAN
44
6:
primeiro lugar, está a tendência ao aumento dªggªgtÍVÍdªdº portanto,
da reduç ão do temp o ÍÃ'EàÍa—ÃÍHÓ—ÉlíêpenSª"dº à produção material, sendo
esta uma condição sine qua non da diversificação das práticªs humanas,
do incremento populacio%1l e do próprio povoamento espacxal do .globo.
Em segundo lugar, está hendência ao “recuo das barreiras naturals , ou
seja, ao aumento do contmiíamente social da atividade de repro-
dução da humanidade e de seus produtos. O metabolismo imediato entre
a humanidade e a natureza tende, portanto, a reduzir-se em favor de um
metabolismo no qual estão envolvidos crescentemente objetos, processos,
estruturas etc. já filtrados pelo trato social. Por fim,_9_desenvolvimento d ª
atividade econômica tende a riar laços quªlitªtivºs e ualitativos C ª d ª
vez mais próximos entre comunidade;;níes isoladª. Por mais que essa
aproximação possa, num lonéóírííéió;défiíónêífaflàe conflituosa, é preci-
so reconhecer que ela é a base objetiva da emergência da história universal
e do próprio reconhecimento do gênero humano.
É preciso enfatizar que Lukács admite que as tendências universais,
abstratas, justamente por serem universais e abstratas, “se traduzem na
prática de modo bastante desigualª'ªº. O autor também reconhece, por ou-
tro lado, a associação entre a emergência da história mundial e o capi-
tal, uma tese abertamente defendida por Postone. Por isso se pode sugerir
que suas considerações a respeito da existência de uma processualidade
histórica universal não são totalmente inconciliáveis com o entendimento
de Postone, e ainda lhe prestam o serviço de oferecer argumentos sólidos
para refletir criticamente sobre sua contraintuitiva conclusão de que não
há nenhum sentido geral que amarre a história de comunidades apartadas
temporal e/ou espacialmente.
Se Lukács contribui, nesta questão da historicidade — como em mui-
tas outras que infelizmente não podemos abordar agora61 —, para o refl-
namento crítico do trabalho de Postone, este último autor, por outro lado,
enriquece notavelmente as primeiras formulações da ética do primeiro ao
tratar da peculiarid ade do trabalho sob o comando do capital. Em particu-
lar, a intervenção de Postone pode livrar a Ontologia de Lukács de proble-
mas teóricos inconvenientes, muitos dos quais clarame nte causado s pelo

ªº G. Lukács, op. cit., 2007, p. 237.


o: Lukács possui uma compreensão mais ampla e correta,
em nosso juízo, das categorias
totalidade, essência e ontologia, além do seu papel na teoria social de Marx
A crítica de Postone ao marxismo tradicional
átinge Lukács?
45

cará ter inac aba do da obra . Isso se aplica especialm


ente ao tratamento, no
mín imo impreciso, conferido por Lukács “& categoria
do valor.
Além de conf undi r valo r com valo r de troca por diversas
vezes, Luká—
c s colap sa dois signi ficad os disti ntos d a categ oria
valor , sem escla recer o
mod o como tais sign ifica dos aplicam—se às dete rmin açõe
s categ oriai s que
cons titue m o que Mar x desig na por “valor” na socie dade capit
alista — i.e. &
finalidade últim a estra nhad a da ativi dade prod utiva humana e,
como tal, a
deter mina ção centr al de uma forma histo ricam ente especííica de traba
lho.
A passa gem abaix o é partic ularm ente representativa da mane ira confu
sa
com o Luk ács abo rda o tem a:

O valor, enquanto unidad e de valor—de-uso e valor-d e-troca [sic.], com-


preende e m si — n o plano econômico — também a presença do trabalho
socialme nte necessário. Ora, o estudo do desenvolvimento econômico da
humanidad e nos mostra, com toda evidência, que — paralelame nte à ex-
plicitação d a socialidade , ao recuo d a s barreiras naturais — aumenta inces—
santemente, p o r u m lado, a u m ritmo cada vez mais rápido, a quantidade
dos valores produzidos, e, por outro, de modo igualmente incessante, di-
m i n u i o trabalho socialmente necessário exigido para sua produção. E m
termos econômicos, isso significa que, enquanto aumenta a soma de valor.
diminui constantemente o valor dos produtos singulares“.

Postone possivelmente acusaria Lukács. com base n a passagem acima,


de projetar para a história uma determinação exclusiva da sociedade ca-
pitalista, o tempo de trabalho socialmente necessário já constituído como
valor. O aparente deslize de Lukács pode ser compreendido, contudo, se se
leva em conta que o autor escreveu sua ontologia da sociedade como pon-
to de partida da elaboração de uma ética marxista. para a qual ele deixa,
em seu trabalho inconcluso, pistas valiosas“. Uma das categorias centrais
dessa ética é, como não poderia deixar de ser, o valor, tomado aqui numa
acepção filosófica: o u seja, o termo “valor” designa uma finalidade perse-
guida pela prática humana e por isso prezada pelos sujeitos subjetivamen-
te“. Toda diâculdade de Lukács está em patentear a relação entre o valor
..

ªº G. Lukács, op. cit., 1979. p. 82.


" Cf. Lukács, op. cit., 2004, p. 141-153.
“ Ibidem, p. 148.
&

TRABALHO. ESTRANHAMENTO EEMANCIPAÇÃO


46

con cebido (que envolv e prática s e juíz os liga dos à esté tica , a art e, à
assim
trab alh o que já com par ece
religião, ao con hec ime nto etc.) e o tem po de
a prop ried ade priv ada etc.
como “valor” — o que pressupõe o mercado,
5 arr isc a o ter mo “va lor eco -
Para delimitar o terreno da análise, Lukác
em toda s as form açõe s
nômico” paia designar o fato de que as pessoas,
ao fazê-lo, conferem al-
sociais, produzem a vida por e em sua atividade e,
.
edidas e a. seus resuliã-
gum valor às atividades econômicas mais bem-sue
dade), mas
dos, o que envolve um juízo não sótâ' qualidade do produto (utlh
também do tempo de trabalho necessário para produzi-loªª. Partin do desta
Cºlºca ção,
Lukács consegue demonstrar que as na oes etO-mO-
rais são constitu tivas d a humanid ade, Bºis corn arecem como moment os
cruciais da forma mais longínqua de prática social (o trabalho “simples”,
produtor de valores de uso). O autor estabelece assim a base para delinear
os primeiros traços de uma ética que supera os equívocos do subjetivismo
e do empirismo, que, por caminhos distintos, findam por tomar o valor
como categoria cuja gênese é inteiramente apartada da prática humana“.
O problema do argumento de Lukács, para enfatizar, é que o autor não
chega a distinguir com clareza as condições sociais necessárias para que o
“valor econômico” converta-se numa forma de ser que escapa ao controle
dos seres humanos e domina a existência social, nem as implicações exatas
dessa dominação para o campo da ética e da prática social. É precisamente
neste ponto que a contribuição de Postone é valiosa, por ser capaz de pôr
em destaque um argumento de Marx absolutame nte central, mas rara-
mente enfatizado ou mesmo compreen dido de modo correto.
Da interpre tação da crítica social de Marx oferecid a por Postone , su-
mariada na seção 2, pode—se depreender que o que distingue a formação
social capitalista é, antes de tudo, o fato peculi ar de que o trabal ho se apre-
sente como “valor”, como finalida de persegu ida pelas práticas humanas.
Aliás, o trabalh º não soment e se apresen ta como valor, mas como o valor
central. da conv1vênciíl social, ao qual todos os outros valores, amb
ições,
pro.pós.1tos buga r-los sao subordinados. Em outros termos, o trab alho é, ªº
capltallslmo, o unlco valor que todos os seres humanos têm de realizar em
sua prática, sob a pena de amea çare m sua existência socia l e
mesmo física;

“ Ibidem, p. 141—143. Agradeço 3 Mario Dua er ela ' . .


blema abordado por Lukács. y p Interpretªç㺠deste lntrmcado Pfº'
“ Ibidem, p. 149.
A crítica de Postone ao marxismo tradicional atinge Lukács?
47

É justame nte porque esse trabalho — que se apresent a como finalidad e


prezada e persegu ida pelos sujeitos em sua prática— gºgujre uma dinâmi-
c a imanen te de autoex pansão , que condic iona previam ente e , a_o_fglzê--lo,
comànda os atos humanos singulares, que se pode—×Éfmar que a humani-
dade é enyolvxda num_a his_tó_r_ia (mov1mento direcio nal) _que ele; faz, mas
mntrçlaª. Embora, na passagem abaixo, Postone aborde apenas à ”su-
bordina ção das escolha s envolvidas na própria produçã o ao valor, vale a
pena cita-la porque a mesma lógica poderia ser estendida a todos os âmbi-
tos da vida social no capital ismo:

A finalidade da produção no capitalismo exerce uma forma de necessidade


sobre os produtores. As finalidades do trabalho — sejam defmidas em termos
de produtos ou dos efeitos dos trabalhos sobre os produtores — não são nem
dados pela tradição social nem decididos conscientemente. Ao contrário, a
fmalidade escapou do controle humano: as pessoas não decidem sobrgLo
lalor (ou o mais-valor ªª como finalidade, pois essa finalidade os confron-
ta como necessidade externa. Eles podem decidir somente quais produtos
são mais propícios para maximizar o (mais-)valor obtido; a escolha entre
produtos materiais como finalidades não é uma função de suas qualidades
substantivas ou das necessidades a serem preenchidas. [...] A finalidade d a
produção no capitalismo é um'dado absoluto que, paradoxalmente, é apenas
um meio — mas u m meio que não tem outro fim além de si mesmo”.

Para Postone, em síntese, a crítica de Marx ao capitalismo teria dado 0/10


conta dos pressupostos históricos necessários para a emergência dessa for- saº º
mação social na qual o trabalho se estranha dos su'Leitos e se posta dialºg: OMO-
deles como sujeito, de maneira que eles tornam-se objeto de uma dinâmica

“7 Em Postone (op. cit., 1993, p. 163-164), o autor aborda a conexão entre a dominação
abstrata e o valor da liberdade de um modo muito rico para o entendimento deste ponto.
“ Optou-se por empregar a expressão “mais-valor” e não “mais-valia” tanto porque ela é
mais apropriada como tradução d a categoria empregada por Marx, quanto porque assim
se ressalta o fato de que o mais—valor não se distingue qualitativamente do valor.
ªº M . Postone, op. cit., 1993, p. 182. Num texto mais recente, Postone resume o argumento
o
acima de modo muito articulado: “..[.] _opjetjyo daEroduçao no capxtahsmo _defrontggg
produtores como uma necessidade externa. Não está dado pela trad_çâo sogal ogela coer-
ção social manifesta. nem se decide conscientemente. Pelo contrário, este obíetivo apresen-
“ta'-'se wmv ailuaáo para além do controle humano”. M. Postone, op. cit., 2007, p. 40.
mmm , ESTRANHAMENTO eEMANCIPAÇÃO
48

esse é o sentido da
famosa ªnálise
Gºngºlª
319 lhes escapa ªº É Clªrº que r ue são raros os autores
do fetichismo de Marx, mas é Prªdsº r e c o n h e c-e q e vale esse _
que conseguem extrair daí a correta conclusª º de ran & o-
5 nto (-1.e., ªfã“
quel; ame
mento, a categoria central da obra“de Marx é o est _
- ( ".ª " ' ' e uma das
minação abstrata) e não a ora ªº _...“
ª domma窺 d s .e por
ll m de seus momentos, prlmor-
“_
..
bt
outrarº. Estranha mente u e envolve comº,." . . . , _
_._._..... ] cuja ex1stenc1a e 1ntu1da, mas
diais, justamente um fenômeno étrigqjlnL, M
Vªlor-
maaamaãgúiãiã por Lukács: a ªg-,«ú— w», doM M. Valhor (0
min ação
ª___m..âP!?£1__Cfª
trªbªihg).sgtzrç_gºdgs__qs_ou_txºg.xaLoreâ_gu,e__9r.19m ?mªnª-
# Se, na questão da historicidade, a intervençao de Lukacs e capaz de
funcionar como um balizador crítico das concepções de Postone Pºr con—
duzir o argumento para um plano de abstração mais elevado, no que diz
respeito ao valor, a teoria de Postone desempe nha u m papel semelha nte
diante do promissor raciocínio de Lukács por conduzir o argumento para
um plano de maior concretude. Como dissemos, por partirem de uma
fonte comum, Marx, e p o r compartilharem u m a atitude autenticamente
crítica, que recusa qualquer dogmatismo em favor do enriquecimento da
compreensão do objeto, Lukács e Postone oferecem contribuições para o
campo marxista que se articulam formando uma interpretação indispen-
sável — sobretudo para a esquerda, é claro — nos dias atuais. Na conclusão
a seguir, procuramos explicitar a relação entre a interpretação dos dois
autores e a obra de Marx.

Conclusão

A respeito da extensa produçã o de Marx, iniciada por volta de 1842 e inter-


rompida apenas às vésperas de sua morte em 1883, pode-se afirmar que seu
mais frequente objeto de estudo é a sociedade capitalista, uma sociedade
cuja dinâm ica eman a do traba lho e coma nda a vida socia l em todos
o s seus
âmbitos, inclusive no das ideias. Pode-se dizer ainda que, ao fazer do tem-
...-gh.—

po present e o seu objeto, Marx diferenc ia-se da maior parte dos analista s
Inc—».ná» .

de sua época (e de hoje) por pretende r estabelec er o ne


o passado e o futuro. Sua análise da formação social (332316112:(31353313:

7”
M. Postone, op. cit.. 1993, p. 31.
A crítica de Postone ao marxismo tradicional atinge Luká
cs?
49

mos Imerso s, portant o, sempre envolve u duas preocup ações relativamente

Passado"; e dar, conta da :iinâ mlca que 1íica


' espec da soc1elançar
Pu essemo?
ªº
dade caplta para o
011.108lista,
de
modo q?.e pude ssem os comp reend er nosso trâns ito para o futur
o.
A Cl'ltlca s o c i a l de Marx pode, porta nto, ser compreendida como uma
interv enção naque les dois flancos distin tos, mas intima mente associados.
Agora, se a “obra ontológica” de Lukács ataca primordialmente o primeiro
flanco, enriqu ecendo -o com novas descobertas, reparos e esclarecimentos,
o trabalho de Postone ataca preferencialmente () segundo. É preciso, toda-
via, advertir de imediato: Lukács e Postone não produzem construçõe s “em
paralelo”. Na realidade, suas intervençõe s funcionam, como repetimos por
diversas vezes, como uma espécie de complemento crítico uma da outra.
Se o argumento do artigo é minimamente bem—sucedido, então está
claro que a proposta de conciliação entre as duas obras pode trazer van-
tagens às duas. Mas é preciso perceber que essas vantagens vão além da
'um
correção de problemas internos. Afinal de contas, se, por lado, se con-
segue delinear uma crítica do capitalismo que exponha o seu caráter his-
toricamente contingente e, por outro, se demonstra o caminho percorrido
inconscientemente pela humanidade em sua marcha na história, o resulta—
do é a restauração dos elementos centrais da obra de Marx. Ao conciliar as
duas intervenções, portanto, não temos apenas um Lukács “melhorado” e
um Postone com “acessórios fllosóflcos”. Temos u m a reconstitui ção clara e
direta da teoria social de Marx, pronta para funcionar como o que chegou
a ser (a despeito do marxism o vulgar) até a longa crise que a acomete há
mais de três décadas: a mais difundid a e atraente interpret ação subversiva
da nossa época.

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