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Territorios Da Pesquisa - Prova 2-1
Territorios Da Pesquisa - Prova 2-1
R O S A N A M A R I A P I R E S B A R B AT O S C H WA R T Z
Pa u l o C e z a r B a r b o s a M e l l o
Silvia Duarte
We s l e y S a n t a n a
TERRITÓRIOS DA PESQUISA
Capa
Ficha
Sumário
São Paulo
POMELLO DIGITAL
2023
3
São Paulo | SP | Brasil | POMello Digital | Novembro | 2023
ISBN: 978-65-990027-6-2
Paulo Cezar Barbosa Mello; Sílvia Lúcia Pereira Duarte; Wesley Espinosa Santana
Sumário
O Grupo de Pesquisa...........................................................................................................6
Autores...............................................................................................................................7
Prefácio............................................................................................................................ 11
Autor
Palavras da Organização.................................................................................................. 13
Fotografia como registro/documento: pesquisas, métodos e análises ............................. 16
Rosana Maria Pires Barbato Schwartz
Territórios Apropriados.................................................................................................... 32
Paulo Cezar Barbosa Mello
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Sumário
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Grupo de Pesquisa
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Ficha
Sumário
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Autores
ORGANIZAÇÃO
0001-7053-8736)
S ílvia L úcia P ereira D uarte —Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura no Pro-
grama de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura do Centro de
Capa W esley E spinosa S antana —Doutor em Educação, Arte e História da Cultura no Programa de
Pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Mestre em História Social
Sumário Escola de Sociologia e Política de São Paulo FESPSP e licenciado em História. Lattes:
http://lattes.cnpq.br/8448844197373682/
PESQUISADORES
J oão C lemente de S ouza N eto — doutor em Ciências Sociais, pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo; professor do curso de Pós-Graduação Educação, Arte e His-
tória da Cultura na UPM, São Paulo; membro da Ages, Associação Civil Gaudium et
J ulia M agela C amilotti — Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie, MBA em Gestão Estratégica de Pessoas pela FGV e
lattes.cnpq.br/0307819113713901
Ficha L arissa A zevedo S ouza — Bacharela em Relações Internacionais pela Universidade Paulista
(2018). Graduanda em História pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2023).
ças, adolescentes, pais e educadores. Além disso, atua como assessor pedagógico
bilinguismo, abrangendo São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
gia pela Universidade Nove de Julho, ele une habilidades clínicas e educacionais
br/9484043278238172
L ilian S oares da S ilva — Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie - UPM - (2020). Mestre em História da África, da
Capa de São Paulo - UNIAN/SP - (2015). Graduada em Pedagogia com licenciatura plena
L ucia H elena P olleti B ettini — Doutora em Direito do Estado na subárea Direito Constitucio-
Sumário nal pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP (2009); Mestre em
Mackenzie (UPM).
Prefácio
Autor
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Palavras da Organização.
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Apresetação2
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Apresetação 3
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A palavra arquivo não apresenta uma origem definida, existem registros que remon-
tam ao período da antiga Grécia como arché, posteriormente transformada em archeion, com
local que abriga um conjunto documental (ARQUIVO NACIONAL, 2005), não obstante, Jac-
ques Le Goff (2012), aponta que os arquivos foram criados no XVIII, na Europa, como depósi-
Capa
tos centrais de documentos. Na França foi chamada de Arquivo Nacional (lugar de reunião de
narias, culturais e sociais, desses sujeitos e ações que abrangem e dialogam com a instituição
documento iconográfico.
sável conhecer métodos de leitura das informações, contidas nas fotografias, conceitos da
realizada pelo arquivista, de que o separou e catalogou, do restaurador. Outra questão, foi o
família ou de jornais, revistas, relatórios, soltas sem identificação, o que exige atenção redo-
Ivan Lima (2017) ao teorizar sobre “a fotografia como fonte”, enfatiza a sua natureza
cioculturais e históricos, assim como, a sua interpretação deve ser encarada como uma ação
“A percepção visual” é uma ação recebida de forma diferente em cada sujeito, os componen-
tes de uma imagem (objetos, forma, cores), são interpretados de acordo com a sua formação
Capa produção: o conteúdo, o contexto da sua criação, o olhar do fotógrafo e a tecnologia utiliza-
da. Entendendo que o conteúdo é a imagem em si; o contexto, o momento histórico em que
Ficha a fotografia está inserida; o olhar, as subjetividades e objetividades de quem registrou e fixou
Sumário roteiro possibilitou a constatação do caráter polissêmico de cada foto trabalhada, reflexões,
“perguntas” e a busca de respostas. Salienta-se que pesquisas que obtém êxito é resultante do
método e da elaboração das perguntas certas e chaves, pois, a relação fontes-hipóteses aflora
das, são “rastros”, “pistas” a serem perseguidas minuciosamente para apreender o conteúdo
tras), sua origem, data e história. Essa postura diante da imagem propiciou entrelaçamentos
que, segundo Roger Chartier (2000), afloram não somente as propriedades técnicas, estilís-
ticas e iconográficas, mas as ligações com os modos particulares de percepção moldados pela
desses modos, o ângulo de visão, o recorte, a escolha do que se deseja fixar na imagem é
ções, observou-se nos registros os sistemas de significados reais e irreais, a sua estrutura, o
mundo a que pertence, a história local da instituição e da cidade de São Paulo, as criações
segundo Pierre Nora (1986), lugar de memória, vida no tempo presente, uma representação
lheres, que para o Brasil se deslocaram durante o século XIX, evita-se a sua varredura da
história ou o seu isolamento, como asseveravam Le Goff (1985) e Nora (1986) ao afirmarem
Ficha
O D ocumen to F otogr áfi co .
Sumário Segundo Boris Kossoy (1983), o fotógrafo posiciona os sujeitos, enquadra e recorta
A sua análise deve ser realizada, por meio, da própria imagem, elegendo palavras-
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cultural.
Para a análise proposta foram eleitas as tipologias das imagens que compôs uma
categorização. Foram evitados diferentes tipos de imagens em uma mesma intenção de pro-
blematização, ou seja, foram agrupadas com critério categorial. Roger Chartier (2000) e
Michel Vovelle (1987) acrescentam que para analisar uma fotografia, a categorização é im-
Ficha
Baudelaire (2005), acreditava que as imagens são documentos históricos, instru-
mentos de uma memória, indício legítimo de um tempo e espaço histórico, social, político
Sumário
e mental, nos quais se percebem não só os ditos e não-ditos, como também as permanên-
materiais concretos, cores, formas, conteúdos, quanto fatos que os indivíduos ou a própria
e significa. E sobre a eleição da imagem como documento, Barthes (2000) mostra que a de-
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São Paulo, registrada pela fotografia, pode denotar as necessidades de buscar novas oportu-
nidade sociais e econômicas nas terras Brasilis, diante dos infortúnios da Guerra de Secessão,
reveladas nas posições e gestos dos sujeitos, como conotar o desejo de missionar, civilizar e
expandir o protestantismo. A busca das estruturas simbólicas, por trás dos acontecimentos
A fotografia apresenta o que já foi e esse já foi é o referente que proporciona caráter
indicial, assim, após a seleção das fotografias, o próximo direcionamento foi estabelecer os
níveis pré-icônicos do objeto representado pela significação implícita, como orienta E. Pa-
nofsky (1991).
Os eixos norteadores realizados até esta fase da análise instigaram novas perguntas
posição e a condensação das informações obtidas, em forma de resumo com foco (central) e
Sumário
informações secundárias (extra-campo) que fornecem “corpo estrutural informativo” sobre o
torno da imagem principal), devem ser entrelaçados, pois trazem pistas espaciais e temporais
significativas para a desconstrução do documento. Ressalta-se que na análise não foram no-
meados os referentes, mas o que foi identificado como referente, pois o simbólico está nesse
leitura compartilhadas pela comunidade acadêmica. Regras que resultam de disputas pelo
(1990), a imagem pode se constituir em fontes e testemunhas perigosas, pois um ‘olhar sem
método’ pode não destacar as circunstâncias da elaboração do documento: como e por quem
foi produzido; o contexto histórico, político, cultural; quais os propósitos do realizador dian-
te das diferentes imagens sobre o mesmo acontecimento; e quais seriam as ilusões sociais,
Capa
Ficha
Sumário
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imagem. A pose, assume o caráter de simulacro, o sujeito torna-se o modelo no jogo teatral
das aparências. O fundo escuro busca resgatar, intencionalmente, a iconografia das pinturas
artifício técnico que permite a construção de inúmeras máscaras. Para Barthes, a pose cor-
nos cabelos soltos postos em um dos lados do rosto e ombro. A roupa clara remete significa a
com a ideia de coesão e unidade. Peter Burke (1994), em seu estudo sobre a construção da
imagem pública de Luís XIV, assevera que a característica dos retratos invoca a consciente ne-
cessidade de ocultar, no retrato, a pessoa comum. No retrato, o caráter ficcional e real da fo-
tografia se revela, posto que nele, estão presentes o caráter símbolos ‘conotativos’. (FLUSSER,
Sumário
– Protestantes norte-americanos.
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Segundo Bourdieu o álbum de família exprime uma recordação social. Funciona como rito
de manutenção de poder e de integração dos novos integrantes da família com os antigos. Quando
realizada em estúdio, como está, percebe-se que a imagem foi ainda mais mediada pelo olhar de
alguém de fora com seus critérios estéticos e condicionamentos técnicos. A fotografia da família Ha-
wthorne, materializa em imagens as regras familiares, ritos sociais e relações de poder da época. É
forma simbólica de representação pública do mundo privado. Nesse sentido foi importante considerar
inserida. O fundo fotográfico é o mundo privado do lar, ressaltando o papel simbólico da propriedade
privada. A composição apresenta a metáfora da família integrada, reafirmada pela figura do pai de
família, alocado à frente, sentado, olhando diretamente para o observador. É o patriarca e o provedor.
A cor escura proporciona destaque e sensação de seriedade ao personagem. A criança sentada no colo,
também com vestes escuras, sugere o sexo masculino. A feminina encontra-se em pé, atrás do marido
e dos filhos, com expressão sóbria, simbolicamente representa a cuidadora da família. A roupa clara
e recatada, remete à pureza e delicadeza da mulher-mãe. A criança ao seu lado, também com vestes
e anilina.
mãe.
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A mulher é o centro e o grande enfoque que cria um jogo ambíguo de fundo-escuro, moldan-
do-a e envolvendo-a. Nos signos que emprega, não há espaço para aceitação e comodismo e sim, um
forte questionamento visual do que era ser mulher e mãe. A imagem incorpora o conteúdo social,
cultural e político do século XIX, de modo que a mãe e a criança se tornam uma só realidade, um
todo, uma unicidade. A figura realça-se sobre o fundo escuro, desperta sentido de organização, orde-
Assim, a área que tem a função de fundo não só parece recuar em nossa percepção, como também
recebe menos atenção. A ênfase nos olhos, circundados/delimitados sistematicamente e o brilho dos
lábios, marca a imagem. Do rosto da mãe os olhos correm para o da criança com o escuro dos fundos
circundando-os. Sabe-se que, o contraste de claro e escuro pode existir independente de um foco de
luz, pois a luz articula uma vibração no espaço. Quanto mais intenso o contraste, mais visível é o
efeito da vibração. Embora em cada contraste, os componentes claro e escuro apareçam intimamente
interligados, reunidos tornam-se expressivos e não perdem seu caráter individual. Assim, a incidência
maior de luminosidade nesta fotografia está na região mais clara, das roupas da mãe e da criança,
nas peles dos rostos dos dois personagens um tanto pálidos (nas bochechas e no queixo), com nariz
a cabeça da mãe, sinalizando um fechamento com o cabelo preso e escuro. O fotógrafo trabalhou
substrato de rara beleza, no olhar, rosto/face da mãe e da criança remetendo o observador para algo de
sagrado, desvelando o ideal de mulher durante o século XIX. Com virtuosidade que envolve a cabeça
com cabelos escuros e presos em uma espécie de manto que acoberta a feminilidade. O pescoço e
Fotografia da família
Hotson.
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Trata-se de uma imagem dos membros da família Hotson, composta por sete pessoas alocadas
em meia lua na composição. As linhas de fuga e a triangulação convergem para a figura do patriarca,
em reconhecimento à sua hierarquia social e familiar. As mulheres nas laterais e ao fundo reforçam os
papéis femininos da época, ou seja, a posição da mulher/mãe e das filhas, traz os discursos e ciências
médicas do século XIX, que atribuíam aos seus corpos às obrigações impreterivelmente de: servir o
marido e filhos dando-lhe apoio e proteção. Ela está sentada ao lado do marido, é seu braço direito, as
filhas estão dispostas logo ao fundo, em sinal de apoio e aos dois personagens masculinos. O retrato
de família, acentua que os valores da família são assegurados por elas, que são elas que governam
o lar objetivando alcançar uma vida agradável para todos os membros; desempenham a função de
mediadora no interior da malha familiar, conciliando todos os integrantes do lar. O seu destino das
mulheres era gerar corpos herdeiros, criá-los e protegê-los dentro dos valores da sociedade patriarcal.
herdeiro. Os detalhes das mãos sobre o colo, roupas escuras e claras e olhares diretamente para o
observador mostram distinção, seriedade e que eram pessoas de posses. A centralidade na figura do
patriarca e a circularidade composta pelos outros elementos da família, são as pistas que reforçam os
conceitos de família nuclear da época. Este retrato de família, representa a família conjugal patriar-
cal, de grupo social abastado, na qual, a mulher, o casamento e a herança está presente. A disposição
das inúmeras representações e imagens simbólicas geradas pelos indivíduos no seio das sociedades
e a crença de que cada grupo social possui suas próprias formas locais culturais e ao mesmo tempo
globais (Schwarz, 1994, p. 380), cria possibilidades de entender o corpo como um documento da sua
Capa formação social (BLUNDELL, 1993, p.2). Observar as posições dos corpos na imagem, é reconhecê-
-los como memória/documento das relações de poder, culturais e econômicas, de gênero, no cotidia-
Ficha no das sociedades (HALL, 1975 e WILLIAMS, 1977). A disposição da imagem, acentua o ideal de
família nas cidades do século XIX, respaldada na ordem, na aversão ao ócio e na construção de uma
Sumário sociedade higienizada e positivista, visando o bem e o progresso. As filhas ao redor do pai e do irmão,
são as protetoras dos “corpos das nações”. Elas deveriam estudar e receber educação primária para
e de educadora dos filhos. Nessa perspectiva, o retrato de família, realizado em estúdio, apresenta os
corpos femininos com vestes sóbrias, cabelos presos e poucas joias em representação do controle dos
indivíduos por um conjunto de regras prescritas para garantir a transmissão dos valores da descendên-
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Enfermeira Agnes
paços urbanos, tecnológicas, político e culturais daqueles tempos, das apropriações pelas mulheres
para serem atendidos com respeito, diante da cultura de um país que não aceitava o estranho, o di-
onde o sistema Nightingale para formação de enfermeiras já estava funcionando desde 1860. Em
1873, a instituição preocupou-se em formar mulheres enfermeiras, à altura do Hospital, para ajudar
os médicos.
Capa
Fundado, pela comunidade presbiteriana de São Paulo, o Hos-
pital Samaritano que, desde o início, tinha em serviço apenas enfer-
Ficha meiras. Dois anos depois, em 1896, no decreto nº 412, que aprovava
o regulamento dos Hospitais de Isolamento do Estado, verifica-se que
Sumário desaparecia o título de chefe dos enfermeiros, sendo substituído por
uma enfermeira chefe. Também no relatório da diretoria do Hospital
São Joaquim, referente ao ano de 1908, passa a ser defendida a substi-
tuição dos enfermeiros pelas enfermeiras. (MOTT, 1999:47)
O primeiro diretor médico do hospital Samaritano, Dr Willian London Strain, contratou cin-
co enfermeiras inglesas, que chegaram na cidade de São Paulo, em 1894 para trabalhar. Maggie K.
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Grosart, inglesa, foi a enfermeira-chefe contratada, a partir de 1895. Entre as suas atribuições estava
o controle e treinamento de enfermeiras. Esse treinamento era realizado no próprio hospital. As me-
ninas passavam pela Escola Americana, magistério e depois curso de enfermagem que só se efetivou
entre 1900 ou 1901. A escola de enfermeiras do Hospital Samaritano seguia o Sistema Nightingale:
com curso dirigido por enfermeiras, currículo com duração de três anos, sendo três primeiros meses
de estágio probatório, aulas teóricas e práticas ministrado por enfermeiras e eventualmente por mé-
dicos. Essas enfermeiras, em sua maioria eram solteiras ou viúvas e moravam, estudavam e trabalha-
O fotografo, que provavelmente foi contratado pelo Hospital, agiu como mediador da cultura
A imagem foi reproduzida em estúdio. Apresenta centralidade e equilíbrio. O foco de luz está centra-
lizado na personagem. Percebe-se as teorias do século XIX, com relação às mulheres, moldurando
a imagem, por meio, da delicada sensualidade da enfermeira, fisionomia e olhar, combinando com
vestes sóbrias. A figura feminina vem embalada por ícones da vida urbana moderna e tradicional, ao
mesmo tempo. O fotografo realça o padrão estético da mulher da época, cintura fina e marcada, pele
clara e corpo longilíneo. A fotografia apresenta códigos da pintura, na combinação dos tecidos das
roupas da enfermeira, somados ao jogo de claro e escuro, sombras na parede ao fundo e expressão
Ficha
Sumário
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cabelos presos, as mão postas atrás do corpo ou sobre o colo remetem à política higienista do
século XIX, que apregoava a disciplina, a ordem e valores comportamentais rígidos. O foto-
chapéus engomados dispostos nas cabeças e a alvura dos aventais ressaltam a inserção social
e as exigências da profissão das retratadas. Parâmetros que trazem a sintaxe própria da foto-
grafia. As articulações entre tradição e modernidade estão presentes na função dessas mulhe-
res no território do mundo produtivo e público. Revelam uma das faces do mundo feminino
área dos olhos, abrindo-os frente ao novo universo feminino. As roupas como linhas demar-
trouxessem recado e ao mesmo tempo, um não dito. Linhas e formas se esvaem das cabeças
A cognição que a imagem apresenta não mostra apenas expressão e liberdade de criação do
fotografo. Passa pela corporeidade do ser humano, despertando e aguçando os seus sentidos
Capa A Imagem não está nomeada, elas não têm nome e nem sobrenome, apesar de pertencerem a
primeira escola criada para formação de profissionais de enfermagem em São Paulo, fundada
Ficha em 1894, no Hospital Samaritano. O Hospital que aparece ao fundo, emoldurando a imagem.
Sumário modo que se mesclam, se fundem e dialogam entre si pelo viés da imagem ou personagens/
objetos destacados na foto. Percebe-se a constância das linhas que se originam nos aventais
de cada mulher e ascendente direção às outras partes do corpo. Elementos que se mesclam,
composição permite enxergar o grupo em retrato frontal, perfilado, num jogo inteligente de
formas imagéticas.
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Assim, acredita-se que a confecção deste capítuli, advindo das pesquisas da autora
possa contribuir para que pesquisadores iniciantes ou de áreas distantes da história, interes-
sados em utilizar fotografias em suas pesquisas, possam refletir sobre o uso desse registro/
documento. A leitura breve e sintética oferecida das imagens, possui potencial de abrir possi-
Mais do que oferecer um modelo de análise das fotografias, a intenção foi ressalta o
cuidado que se deve ter com os elementos visuais e históricos do documento. Pretendeu-se
chamar a atenção para os sentidos das imagens, atores sociais, e contexto histórico a que
curaram costurar diálogo entre o visível e o invisível, entre o dito e não dito, nas imagens/
documentos.
quem foi fotografado. Mostram como a memória coletiva se constrói a partir de imagens e
pliação da discussão em torno de como se deve trabalhar com fotografia, os cuidados que se
deve ter ao utilizar esse registro/documento e caminhos norteadores. Este capítulo, ousou
Capa abrir perguntas sobre a natureza das imagens fotográficas e categorias analíticas na ânsia de
Ficha
R efer ê ncias
Sumário
BARTHES, R. A Câmara clara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
FLUSSER, V. Filosofia da Caixa Preta: ensaios para uma futura filosofia da fotografia.
São Paulo: Hucitec, 1985.
GASKELL, I. História das imagens. In: BURKE, P. A escrita da história, São Paulo:
UNESP, 1992.
Capa
Ficha
Sumário
32
Territórios Apropriados
O início deste projeto tinha como ponto de partida a pesquisa de uma possível identi-
dade, quer fosse em gênero, etnia, classes sociais ou até mesmo profissão. Para tanto algumas
abordagens foram ponderadas; um estudo de campo em que fosse possível nomear, enqua-
A falha foi identificada não no processo, mas nos motivos. A generalização resulta em
como um todo; uma visão sistêmica de uma parte da sociedade que se forma em meio às
respostas do cotidiano. Porém as políticas atuais e suas propostas de adequação, não levam
em subgrupos coesos, mas cabe a percepção das violências psicológicas que os territórios mal
ocupados, suas toponímias, suas homenagens fazem aos mesmos membros da sociedade. Tal
Capa
afirmação advém da geografia e sua definição de lugar como espaço de relação de trocas.
Este lugar sempre clama por uma ocupação territorial. Não existe regra de ocupação, ou
Ficha
existe? As apropriações no território urbano são simbólicas? Existe uma identidade a ser pon-
tuada? A partir destas questões, o artigo aqui apresentado convida a um debate da realidade
Sumário
contemporânea na cidade de São Paulo.
Para tanto é necessário compreender alguns autores que servem de base teórica e
que a sociedade como um todo não deve ser exclusivamente culpabilizada, uma vez que tam-
Outro autor cujas contribuições teóricas são relevantes para este estudo é Anthony
também discutido por Lucy Lippard, embora em contextos diferentes. Ambos os autores con-
seguem estabelecer uma compreensão sólida das sociedades e suas ações, destacando a im-
apenas ao estudo de eventos passados, mas sim à análise das ações humanas ao longo do
inerente à estrutura social, e os indivíduos são vistos como agentes ativos que lidam com con-
mento do mundo por meio de discursos, imagens e práticas criativas. A interpretação da rea-
lidade é mediada pela cultura e, como tal, influencia os ecossistemas políticos. Compreender
as bases socioculturais desses ecossistemas, bem como os valores e normas que os sustentam,
é fundamental para a análise das representações coletivas e sua evolução ao longo do tempo.
Capa como diferentes grupos, incluindo mulheres, crianças, despossuídos, sem-terra, sem-teto e
Ficha tidades são consideradas construções simbólicas que organizam o sentido de pertencimento e
que lida com novos problemas, campos e representações. A história contemporânea emerge
dores, e representa uma interseção entre História, Política, Cidade, Cultura, Representações
e Memória.
34
presentações sociais, sejam elas expressas em pintura, pixações, esculturas, cinema, música,
teatro, dança, corpo, cidades ou arte/educação. Essas representações são essenciais para a
A cidade não é apenas vista como um local de produção ou ação social, mas também
essa abordagem, pois fornecem insights sobre valores, comunidades e movimentos que com-
tações que se tornam mediadoras entre o espectador e o produtor, refletindo uma realidade
percebida, carregando códigos simbólicos e estéticos que remetem a uma lógica de significa-
Este material busca examinar essas representações com perguntas específicas, consi-
derando os valores, sentimentos, sonhos e fantasias de uma determinada época, bem como
Longe de ser uma conclusão definitiva, este estudo representa uma constatação pre-
liminar de como as políticas públicas e preconceitos, contribuem para a acentuação das de-
Capa Para avançar nessa investigação, é pertinente expandir o exame das implicações so-
ciais, culturais e políticas do pixo e sua interação com o tecido urbano de São Paulo. A análise
Ficha deve ser enriquecida com referências bibliográficas que ofereçam insights críticos sobre as di-
nâmicas culturais e sociais envolvidas nesse fenômeno. Nesse contexto, autores como Stuart
Sumário Hall (2006), que discute a representação cultural e a identidade, e Michel de Certeau (1998),
que aborda as práticas cotidianas e o espaço urbano, podem fornecer fundamentos teóricos
centes à subcultura do pixo, bem como os modos pelos quais os atores envolvidos negociam
sua identidade e agência em um ambiente urbano dinâmico e multifacetado. Para tal análise,
35
teóricos como Pierre Bourdieu (1987), com suas contribuições sobre o capital simbólico e o
A compreensão das políticas públicas em relação ao pixo e sua influência nas desi-
gualdades sociais também requer uma análise mais aprofundada. Autores como Zygmunt
Bauman (2005), que exploram a liquidez das estruturas sociais contemporâneas, e Saskia
Sassen (2016), que se dedica ao estudo das cidades globais e das dinâmicas urbanas, podem
contribuir para uma discussão mais rica sobre as implicações políticas e sociais do pixo em
São Paulo.
envolva a coleta de dados empíricos, como entrevistas com pichadores e observações parti-
cipantes em eventos relacionados à cultura do pixo. Isso permitirá uma análise mais apro-
fundada das experiências individuais e coletivas dos atores envolvidos, bem como uma com-
Em última análise, esta pesquisa aspira a lançar luz sobre as complexas interações
entre cultura urbana, políticas públicas e desigualdades sociais em São Paulo, contribuindo
para um diálogo crítico sobre as realidades muitas vezes invisíveis da sociedade contempo-
rânea. Portanto, a ampliação deste estudo por meio da incorporação de abordagens teóricas
sólidas e metodologias robustas é essencial para alcançar uma compreensão mais completa e
Ficha campo de estudo selecionado. O primeiro passo envolveu a integração, mesmo que de forma super-
ficial, ao referido grupo. Esta abordagem está em conformidade com as premissas de Franz Boas
Sumário (2023), que sustentam que a compreensão e, por conseguinte, a análise das culturas humanas são mais
bem alcançadas por meio da imersão direta em contextos específicos. Nesse sentido, a delimitação
inicial da pesquisa concentrou-se nos pichadores, com a investigação sendo iniciada em qualquer
evento, reunião, festa ou encontro em que este grupo estivesse presente, embora com certo grau de
inclusão. Vale ressaltar que a maioria desses eventos ocorre em contextos como batalhas de rap ou
Fig.1.: Folhinha de assinaturas durante uma batalha de RAP - 2022 – acervo pessoal
rias algumas escolhas metodológicas. Dentro do contexto da arte urbana2, este artigo se con-
centra especificamente nos materiais impressos, como lambe e adesivos3 — stickers. Essa se-
leção se justifica pelo fato de que as contestações presentes nesses materiais apresentam uma
dinâmica social particularmente interessante e de mais fácil acesso, além de uma excelente
Capa receptividade. Essa dinâmica abrange desde uma preocupação genuína com os integrantes
Este estudo apresenta uma abordagem em camadas para a análise da dinâmica so-
Sumário cial relacionada ao pixo e à cultura urbana em São Paulo. A fim de compreender a situação
hipotetizada, foi essencial realizar um estudo antropológico preliminar. O autor imergiu nas
Ali haverá mais informações detalhadas sobre os eventos visitados, suas peculiaridades e seus partici-
pantes.
2 Referência utilizada pelo autor a partir deste momento, pois nas ramificações possíveis encon-
tram-se, além do pixo, o grafitti, os lambes, os adesivos/stickers entre outros. Este material não retoma,
ou acredita ser necessário, as definições do que é e do que deixa de ser arte.
3 Dentro do meio/grupo/sociedade utiliza-se o anglicismo sticker, que doravante será utilizado.
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nuances desse meio, assumindo um papel ativo e construindo uma identidade4 reconhecível
Esse processo culminou na formação de uma nova identidade, que permeia as várias
tes e os preconceitos reais estão atualmente passando por uma desconstrução contínua, à
Capa medida que mudanças significativas emergem como respostas contextuais. Além disso, uma
Sumário mentada na realidade urbana de São Paulo, suas populações e suas particularidades culturais
e locais, além das especificidades das ‘sociedades de vândalos5’. Artistas na Europa apresen-
tam um sentido profundo para o sticker, também chamado de Pós-Grafite, Arte de Rua ou
4 A frase ‘se não te vi tu não existe’ ressoa como um lema que não apenas descreve parte do tra-
balho realizado, mas também lança luz sobre o que permanece invisível às políticas públicas.
5 Vândalos é um termo apropriado pelos grupos e utilizado largamente entre si. Por exemplo um
convite para uma pichação ou mesmo sair colando adesivos e lambes seria algo como ‘Bora vandalizar?’
entre outros semelhantes. Portanto, a partir daqui neste material, a menção de sociedade dos vândalos
refere-se às sociedades do pixo, do sticker, dos lambes.
38
mesmo Arte Urbana, conforme dito anteriormente. No entanto tudo se resume à técnica uti-
lizada para marcar o espaço, fazer seu manifesto, tomar posse fortalecendo vínculos sociais.
A ideia de tomar posse e fazer seu manifesto, tem sido a maior conexão entre as téc-
nicas e atitudes desta sociedade. O pensamento ‘vândalo’ deixa claro que o território urbano
não é privado; está nas ruas e calçadas é público. As apropriações de espaços e territórios
como lugar de manifesto não é tão ideológico quanto se quer fazer crer. As discrepâncias so-
ciais ainda excluem as pessoas que não partilham dos pensamentos coloniais. Atitudes como
Capa
o pixo à estátua do Borba Gato6, ou mesmo ao monumento às bandeiras reforçam esta ideia
de opressor e oprimido. Os estímulos aos manifestos são saudáveis, mas quando se tem ainda
Ficha
repressão e seleção de quem é apreendido ou não, torna-se muito claro a eugenia sugerida e
deixa claro que com um pouco mais de percepção humanizada, as consciências de classe,
uma pedagogia social que abraça o indivíduo e beneficia a participação e os direitos, nota-se
xuais, homossexuais, negros, indígenas, brancos etc. — sem distinções gritando e tomando
posse de um território que lhes foi negado, nomeado muitas vezes por uma minoria iludida
como uma placa, um portal, um banco ou ponto de ônibus, sem, no entanto, se diferenciar
nos objetivos, na coletividade, nos ideais. Não é uma utopia viver diferentemente em um gru-
po de pessoas, requer talvez um pouco mais de pensamento coletivo; até agora, face à estas
Longe de ser uma conclusão definitiva, este estudo representa uma constatação pre-
liminar de como as políticas públicas e preconceitos, contribuem para a acentuação das de-
Para avançar nessa investigação, é pertinente expandir o exame das implicações so-
ciais, culturais e políticas do pixo e sua interação com o tecido urbano de São Paulo. A análise
Capa deve ser enriquecida com referências bibliográficas que ofereçam insights críticos sobre as di-
nâmicas culturais e sociais envolvidas nesse fenômeno. Nesse contexto, autores como Stuart
Ficha Hall, que discute a representação cultural e a identidade, e Michel de Certeau, que aborda as
práticas cotidianas e o espaço urbano, podem fornecer fundamentos teóricos sólidos para a
centes à subcultura do pixo, bem como os modos pelos quais os atores envolvidos negociam
sua identidade e agência em um ambiente urbano dinâmico e multifacetado. Para tal análise,
teóricos como Pierre Bourdieu, com suas contribuições sobre o capital simbólico e o habitus,
A compreensão das políticas públicas em relação ao pixo e sua influência nas desi-
gualdades sociais também requer uma análise mais aprofundada. Autores como Zygmunt
Bauman, que exploram a liquidez das estruturas sociais contemporâneas, e Saskia Sassen,
que se dedica ao estudo das cidades globais e das dinâmicas urbanas, podem contribuir para
uma discussão mais rica sobre as implicações políticas e sociais do pixo em São Paulo.
envolva a coleta de dados empíricos, como entrevistas com pichadores e observações parti-
cipantes em eventos relacionados à cultura do pixo. Isso permitirá uma análise mais apro-
fundada das experiências individuais e coletivas dos atores envolvidos, bem como uma com-
Em última análise, esta pesquisa aspira a lançar luz sobre as complexas interações
entre cultura urbana, políticas públicas e desigualdades sociais em São Paulo, contribuindo
para um diálogo crítico sobre as realidades muitas vezes invisíveis da sociedade contempo-
rânea. Portanto, a ampliação deste estudo por meio da incorporação de abordagens teóricas
sólidas e metodologias robustas é essencial para alcançar uma compreensão mais completa e
é a Semana de Arte Moderna, que como um movimento que dá origem às buscas identitárias,
Em sua devida proporção existe uma maior aproximação das artes e cultura da po-
pulação em geral, uma vez que atualmente as artes estão por todos os lados, até nas “ruas ao
Capa ar livre”; o que antes era restrito à uma pequena parcela da população, atualmente está, ao
Ficha Do mesmo modo que a população se expandiu nos grandes centros urbanos, em uma
contextualização maior nomeadamente São Paulo, criaram-se grupos sociais distintos, cada
Sumário um com suas especificidades ímpares. No entanto, no âmbito social das últimas décadas,
observa-se um agravamento das condições enfrentadas pela população em geral, cuja busca
por conscientização de classe ainda são uma constante. A persistência da estratificação so-
como a Semana de Arte Moderna, reflete, ainda hoje, a continuidade de desigualdades. Toda-
via, deve-se ressaltar que, proporcionalmente, houve uma maior aproximação das camadas
41
populares com as artes e a cultura ao longo desse período, com o desenvolvimento e incenti-
Não obstante, muitos indivíduos permanecem excluídos desses espaços, seja devido
nas, têm o potencial de aproximar e afastar o público, mas é importante salientar que, em
grupos sociais distintos, cada um com suas características particulares. Dentro da própria
destino de escravos alforriados no século XX, que careciam de uma identidade reconhecida.
Tais cidadãos, que não faziam parte da elite, frequentemente careciam de direitos ou desco-
estéticos que abordam uma área ambígua de aspirações e desejos entre funcionalidade e es-
tética. Os cartazes, por muito tempo, foram uma forma de expressão política e transgressora,
Capa amplamente difundidos entre as mesmas sociedades invisíveis, negligenciada e até margi-
nalizadas, que se identificam por meio de nomes artísticos e imagens produzidas, tal qual a
Ficha sociedade do pixo. Esses adesivos têm uma ampla disseminação tanto na cidade quanto na
Sumário imagens não se limitam a adesivos ou papéis, sendo incorporadas diretamente nas paredes
R efer ê ncias
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Capa
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Ficha
Sumário
44
Mulheres militares:
narrativas das vivências
As pesquisas acadêmicas, nas áreas das Ciências Sociais Aplicadas e Humanas, per-
objetiva-se realçar a vivência de algumas militares e desta forma dar ênfase a um período
experiências vividas pelas entrevistadas e ressaltar características das missões onde atuaram
res permaneceu na mesma unidade militar por toda a carreira; ainda segundo Thompson
ção da mulher no auxílio ao sustento, afinal as condições financeiras das famílias as compe-
Sumário
liam a dupla jornada de trabalho, naquele momento elas complementavam a renda familiar e
consideradas um ser subalterno que precisava de tutela, um responsável homem para tomar
suas decisões, pois os direitos humanos advindos da Independência dos EUA e Revolução
Após a II Grande Guerra Mundial a criação da Organização das Nações Unidas (ONU)
45
e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, são marcos na reformulação dos Direitos do
Homem e do Cidadão, porém, como ressalta Rosana MPB Schwartz, a salvaguarda destes
ocorre em 1966 após o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
rioridade física e intelectual e seu status de dependente, frágil e submissa” (Schwartz, 2017,
tentamento com esta diferença, dá início aos movimentos pela igualdade de direitos, que
ONU
gundo Schwartz, porém no Brasil sua participação na esfera pública é considerada pequena
até a segunda metade do século XX quando esta participação sofre um incremento. Ao estu-
Maria Izilda de Santos Matos, Rosana M.P.B. Schwartz e Andrea Borelli, devemos refletir que
as mudanças tiveram um aumento a partir dos anos de 1960, impulsionadas pelo uso de con-
traceptivos orais e um maior controle da mulher sobre seu sistema reprodutivo. Em 1975 a
No campo militar, a Segunda Grande Guerra Mundial (GGM), foi um divisor não so-
mente pela criação da ONU, mas pela necessária mão de obra, que auxiliou a conquista por
Capa direitos mais igualitários. O Brasil pela primeira vez teve voluntárias mulheres, as enfermei-
ras que seguiram para os campos de batalha, o engajamento delas no que é considerado um
Sumário costumes.
-Combatentes
46
A atuação das enfermeiras voluntárias foi considerada exitosa, porém embora as mu-
lheres estivessem numa área conhecida e franqueadas a elas, ou seja, o cuidado com a saúde
alheia, permanecer no exército era uma quebra do paradigma vigente do lugar da mulher na
A escuta atenta para ressaltar vivências dos comuns é o mote desta pesquisa que pro-
partir da segunda metade do século XX. e em especial a inserção da mulher no Exército, que
começa no Quadro Complementar de oficiais e atualmente embora não seja permitido uma
livre concorrência já apresenta mulheres na Academia Militar das Agulhas Negras, escola que
Os pressupostos da História Cultural são a amálgama teórica para uma reflexão epis-
temológica dos questionamentos a partir das impressões, subjetividades e muitas vezes sen-
timentos das entrevistadas, com a escuta de várias experiências foi possível obter indícios
vida pessoal e os caminhos que precisam ser percorridos, para manter e incrementar a par-
a experiência pressupõe a permanência da tradição a conquista por meio dela, reviver im-
Capa pressões passadas, muitas vezes inconscientes, mas que levam aprendizados coletivos que
podem apresentar novos caminhos, neste caso para refletir e problematizar a inserção da
Ficha mulher no exército. Além disso para Benjamin a experiência sofre influência do meio, então
ao analisá-la deve-se ter cuidado em não reproduzir posturas, apesar das permanências cul-
Sumário turais. O diálogo com os autores das bases teóricas escolhidas leva a entender e ressaltar a
Segundo Sandra Jathay Pesavento (2003), a História Cultural permite recolher fragmentos
expressão da realidade.
dológica da História Oral para a entrevistada acessar suas memórias como um instrumento
permitem construir um relato multifacetado com experiências diversas, para tanto, foram
instituição ao revelar características próprias e dos lugares e missões onde atuaram. “As en-
trevistas, como todo testemunho, contêm afirmações que podem ser avaliadas. Entrelaçam
símbolos e mitos com informação, e podem fornecer-nos informações tão válidas quanto as
que podemos obter de qualquer outra fonte humana” (THOMPSON, 1998, p. 315). Ao pri-
namentos. ainda segundo Thompson (1998), a História Oral ressalta a importância de cada
o futuro, pois além das comunicações orais, podemos analisar expressões e gestos, toda a
Sumário
Não se pretende esgotar o assunto, pois com estes relatos descortina-se muitas nuan-
ces, sempre lembrando que segundo Gabrielle Rosenthal a história narrada apresenta ar-
gumentação influenciada pelo momento presente e pelas experiências pessoais por isso são
ção das mulheres nestes trinta primeiros anos de inserção de forma estruturada no Exército
48
Brasileiro, coletando índices intrínsecos nas mensagens proferidas. Outro cuidado necessário
são as ideias estereotipadas que podem ser identificadas nas entrevistas, elas precisam de
Este cuidado se faz necessário para a objetividade científica, que se pretende conseguir por
quadas.
a mesma instituição, suas vivências e experiências tenham peculiaridades que após a aná-
lise permitirão uma interpretação sobre as algumas variáveis institucionais, que de forma
entre história e ficção que se tornam mais tênues, em especial na História Oral e História
colocar a mulher comum no centro da narrativa, pois segundo Carlo Ginzburg através da
escuta atenta dos comuns, subalternos podemos perceber as nuances culturais e quem sabe
agregar mudanças ao futuro, afinal esta escuta da micro-história, com pesquisas de caráter
ANO DE CIDADE EM
ATUAÇÃO SITUAÇÃO
FORMAÇÃO QUE VIVE
1992 Integrou a Missão de Paz no Haiti e a Operação Acolhida Ativa/Reserva Brasília
Capa
1992 Atuou em Colégio Militar e escolas de formação Reserva São Paulo
no Exército, desta forma seu relato por meio da História de Si, revela suas experiências e uma
análise das condições de vida e talvez caminhos que poderiam ser diferentes; pois por escolha
própria e necessidades familiares permaneceu na mesma unidade militar por toda a carreira.
plexo, pois a sua verdade pode e tem muito das suas expectativas e crenças por isso optou-se
por confrontá-la com os relatos da História Oral para tentar minimizar os desvios de sentido.
Além disso impressões trocadas em conversas informais com outras militares no decorrer da
sador relata em seus textos, mesmo quando não é em primeira pessoa, porém essa análise
sociológica ao ser mesclada com outras realidades e contextos pode contribuir para a compo-
sição de um período, desta forma esta pesquisa foi planejada, não como uma biografia, mas
na possibilidade de uma escuta atenta ao outro e uma mescla com as próprias experiências.
posição do todo que é a inclusão do feminino no exército. Ainda segundo Pierre Bourdier esta
experiência precisa ser analisada de modo distanciado, como um objeto de estudo para se
ajustar a necessidade sociológica e produzir reflexões, não devendo ser pensada como uma
autobiografia, para que o pesquisador não caia na armadilha de entender sua experiência
como algo singular, nas sim como um emaranhado de vivências comum a sociedade de sua
época.
brasileira, descritas por Marilena Chauí e Sérgio Buarque de Holanda, além de pensar sobre
Ficha a cultura tão intrínseca na organização pela discrição da História Cultural de Sandra Jatahy
Pesavento. As narrativas das militares que trazem a história oral contada pelos comuns evi-
Sumário denciam a importância da memória e nos seus possíveis impactos em decisões futuras, pois
como nos diz Walter Benjamin a experiência de um ser é partilhada pela comunidade a que
interpretação.
loca-a como um ser de segunda categoria que precisa ser domada e tutelada e através das
e as interpretações.
Capa
Ficha
Ilustração 2: Página 14 da Revista Verde-Oliva Ano XX Nº 133 Ago 1992 Centro de
cito-brasileiro/read/001238206ae5c051041a5
na percepção das mulheres, bem como na percepção da pesquisadora. “(...) a partir destes
é uma fêmea que ingressa numa cultura que privilegia a masculinidade, por isso, privilegia
os homens” (Thompson, 1998, p.203). O privilégio do masculino pode ser percebido em al-
guns comentários sobre acessos à instituição, cursos e outras formações. Um discurso usual
pesquisador relata em seus textos, mesmo quando não é em primeira pessoa, porém essa
análise sociológica ao ser mesclada com outras realidades e contextos pode contribuir para a
composição de um período, foi desta forma que planejamos meus relatos pessoais, não como
uma biografia, mas na possibilidade de uma escuta atenta ao outro e uma mescla com as
próprias experiências.
Capa
As regularidades e as permanências na cultura ocasionam a repetição de posicio-
Procuramos indícios das (des) continuidades que poderão auxiliar a tomada de decisões futu-
Sumário
ras quanto a maneira de integração do feminino à instituição. Neste estudo multi e transdis-
ciplinar o interesse em coletar os dados e interações de cada integrante pode nos levar a uma
Ainda no período de prospecção das entrevistadas uma conversa com uma militar
com a qual a pesquisadora já havia labutado em missão2 e ela recusou-se a participar com
muita gentileza explicou não querer falar sobre suas experiências militares. Na metodologia
de História Oral, tão importante quantos as palavras, são as pausas e impressões faciais e
gestos, então colocou-se com autorização da possível entrevistada esta observação então fala
para problematiza as máculas da vida militar e os indícios de o quanto as militares das pri-
meiras turmas, foram percebidas como alguém que não estava no seu devido lugar.
periência destas mulheres e dos homens que convivem com as primeiras militares podem
nos levar a vislumbrar um outro prisma, uma visão diferenciada de quem não é militar, mas
por opção convive com a vida na caserna. Então temos um capítulo em construção que trará
estas impressões e possivelmente revele quebras de paradigma no papel social esperado das
era construído ao longo de 4 anos, tempo em que se cursava a Academia Militar das Agulhas
Negras (AMAN), frequentada somente por homens, ou melhor, adolescentes, numa idade
em que é mais fácil a influência dos professores e de militares mais velhos e com patentes3
superiores. Desta forma a possibilidade de uma outra forma de ingresso para seguir carreira
foi uma quebra de paradigma que sofre a segunda ruptura com o ingresso da mulher, essa
dissonância é sentida por mim e por todas as entrevistadas com quem eu conversei, percebe-
mos uma aceitação gradativa da mulher em consonância com as mudanças que a sociedade
Capa pesquisa desta tese que por meio da narrativa da História Oral e História de Si traz luz aos
Ficha instituição ou integraram nestes primeiros trinta anos da inserção permanente das mulheres.
Sumário
Ilustração 3: Páginas 24 e 25 da Revista Verde-Oliva Ano XXI Nº 136 Jun 1993 Centro
exercito-brasileiro/read/001238206ae5c051041a5
seu ingresso.
Capa volução Industrial que desloca a sociedade rural para urbana e interfere na divisão sexual
do trabalho, incitando novos movimentos sociais que caminham para as conquistas das
Ficha mulheres nos campos dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos, entre outros; a fim
Sumário estudo e participação na vida pública. Não esquecendo de momentos de exceção mundiais
como guerras e batalhas onde toda força de trabalho tornou-se necessária e chancelou a
Estes relatos retratam as conquistas de pessoas comuns que estão intrínsecas na his-
tória, segundo Ginzburg a trajetória dos comuns impacta nas narrativas históricas que reme-
tem a um tempo. A ênfase nos relatos de vida de algumas militares que por particularidades
54
por meio de um mosaico, retratar por óticas diversas um período da história, onde há uma
rais e temáticas são centradas nas vidas militares, nas motivações, óbices, conquistas e nos
impactos na vida pessoal e familiar, desta forma impressões de várias militares com trajetó-
rias distintas tecem o panorama do momento atual e problematizam esta tese. O conceito de
circularidade cultural permite analisar realidades históricas similares, que são constituídas de
uma forma ou de outra por diferenças culturais e, consequentemente, pela tramitação de ele-
mentos culturais comuns existentes no ambiente das diferentes classes sociais que fazem par-
te de qualquer sociedade. Assim, por meio da personagens anônimos retrata -se um período,
e influências dos comuns na história vivida e repercutida. Segundo (LE GOFF, 1990, p.10)
são coletados etnotextos”. Estas impressões relatadas pela História Oral permitem colher as
impressões e as reações das entrevistadas, o que não seria possível pela simples análise de
1998, p.64) “...investigação histórica desde questionamentos envolvendo ... estudos referen-
tes a mulheres...e outros temas não valorizados até há bem pouco tempo”.
formação diferentes e que cumpriram missão em todo o mundo. Interessante que algumas
não quiseram participar pois alguns episódios traziam a elas recordações tristes, não que a
Capa autora só tenha boas recordações, mas decidiu compartilhar sua trajetória para auxiliar as
gerações futuras, afinal este é o objetivo de todo pesquisador, contribuir para um desenvol-
A escuta atenta das militares permitiu ressignificar suas experiências pela ótica das
do final do século XX e no início do século XXI pelos relatos das mulheres comuns que vi-
de fim e como as mulheres só começaram a integrar os quadros que exercem esta atividade
em 2017, pesquisar a visão delas em um exercício pode nos apresentar indícios da divisão do
Brasileiro.
Na história cultural os mitos fundadores são bem descritos por hábitos, palavras e a
Ficha
observação dos costumes de cada povo presente no início da colonização brasileira, desta for-
ma a consolidação da nação suplantou este aspectos e começou com o desafio de montar uma
Sumário
sociedade com tantas variações culturais e uma estratificação na população, neste momento
uma instituição já de caráter nacional era o exército que esteve presente em todas as fases,
cria uma estrutura sólida e perene com uma identidade propícia a sua própria manutenção.
fensora dos direitos e desejos de seu povo desde sua gênese, por outro lado, a instituição mes-
mo com sólidos preceitos baseados na sua identidade não está imune à influência da socieda-
56
de em que está inserida e embora suas mudanças sejam lentas e graduais, são uma constante,
inserida no contexto de cada época, no século XIX , o positivismo e as teorias higienistas que
nos primórdios da educação feminina. A experiencia destes primeiros trinta anos levaram a
inserção da mulher na atividade fim da instituição, já no século XXI em 2017, embora ainda
Os relatos das entrevistas realçam as vivencias, bem como o seu cruzamento com a
institucional pelos olhos destas mulheres, além de trazer as impressões das e dos integrantes
Para as mulheres as atividades diárias são colocadas como conquistas, perde-se a sen-
sação de direito e fazer parte de um local. A mulher ainda é vista como um ser responsável
pelos cuidados e educação. No EB por ser pertencer a uma área de apoio muitas vezes não
mente, pois as legislações ainda não atendem ou preveem muitas das formações possíveis
às mulheres. Com o passar dos anos o acesso ao regramento de direitos foi aos poucos reco-
nhecidos como a licença maternidade que integra a constituição Federal de 1988. Ainda no
EB somente no século XXI passa a integrar áreas de atividade fim, e seu acesso a Academia
Militar das Agulhas Negras é permitida em números bem menores (10%) do permitido aos
Capa homens e ainda é considerada como um fardo para a tropa que vier a integrar.
Ficha estas podem ser superadas para uma proposta de sociedade com oportunidades e acessos
igualitários em todos os campos de trabalho, não como uma conquista, mas um direito que
fissionais e nas suas posturas frente ao novo, de forma geral no século passado a moderniza-
ção era mais presente e proeminente na obtenção de novos equipamentos, porém a atualida-
interim os avanços nas rotinas e o incremento das mídias sociais ressaltam a importância do
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org/10.1590/S1517-97021999000200002
Capa
Ficha
Sumário
59
tamento de História Social da Universidade de São Paulo (2006 a 2009), nos debruçamos
Estado de São Paulo. Estas fontes históricas eram cartas, telegramas, bilhetes, missivas priva-
Brasil e, também, fora dele. O ex-presidente foi deposto em 1930 e viveu no exílio até 1947,
vindo a falecer em São Paulo, em 1957. O nosso objetivo era estudar o período chamado
de Era Vargas, compreendido entre os anos 1930 e 1945, utilizando-se desta documentação
havia o interesse em detalhar como o processo de exceção política deu-se logo no início dos
Ficha
anos 1930 e, não apenas, em 1937 com a criação do Estado Novo.
a proposta de política populista foi elaborada com a utilização do rádio como principal meio
rado com a intenção de estudarmos novamente o período, porém sob a ótica de um projeto
de um cidadão brasileiro controlado por uma política de exceção ao mesmo tempo em que
consolidaria o capitalismo industrial. O presidente Getúlio Vargas tinha, ao seu lado, teóri-
cos, políticos e intelectuais que vinham da própria oligarquia, mas que concordavam com a
da produção agrícola, sobretudo, do café que seria, inicialmente, o alicerce financiador para
cional, a comunicação via rádio e jornal, a oposição silenciada e a busca da formação do novo
cidadão brasileiro estavam na base estrutural de uma governabilidade com um novo modelo
da Casa Dom Vital, o movimento conservador da Igreja Católica e o escolanovismo etc. Vimos
a necessidade, também, de nos debruçarmos sobre a formação dos professores. Leis, juristas,
Pública. Sabemos da importância dos governos varguistas com relação às mudanças sociais
Capa 1934, a Consolidação das Leis Trabalhistas (1943), a fundação de empresas estatais, incen-
tivos à escola e à saúde públicas, aos ensinos Superior e Técnico, à formação de professores,
Ficha às novas profissões, à cultura etc. Este trabalho não se propõe a discutir os direitos e políticas
sociais implementadas por estes governos que se tornaram referência do Estado do bem-es-
Sumário tar social e que, atualmente, estão sendo retirados, mas sim, queremos entender como estes
direitos e políticas não foram suficientes para transformar a realidade social da desigualdade
no Brasil. A nossa pergunta é como tantas políticas públicas e, entre elas, as políticas educa-
cionais com verbas e orçamentos milionários não conseguiram dirimir as questões sociais?
Qual o papel do Estado no aumento desta desigualdade? Qual a lacuna ou as lacunas entre
tantas mudanças sociais, investimentos e políticas educacionais que levaram a atual condi-
61
ção da escola pública ser destinada para pobres e pretos? Não temos a intenção de culpar
ao erro de analisar todo o período republicano ou todo o Sistema Educacional. Mas, sim,
pretendemos, inicialmente, fazer uma análise sobre o Estado, pois é ele o responsável pela
queremos justificar o nascimento do Estado biopolítico produzido por estes governos como
responsável em criar o projeto varguista que, diga-se de passagem, não é obra de um homem,
mas sim construído por relações de poder entre elites brasileiras e estrangeiras e seus gover-
nos a partir deste período. Partindo da ideia de que viver é consumir, que para se consumir
é preciso produzir, que produzir é exercer trabalho e que se precisa de educação e formação,
nós não podemos nos esquecer de que a desigualdade não é algo natural, mas sim, cultural.
Não podemos nos esquecer de que a riqueza é finita, que os indivíduos se tornam diferen-
tes ao consumir, que o consumir está subordinado ao dinheiro e de que este intermediário
se tornou o deus agambeniano1 entre a vida dos indivíduos em sociedade. Talvez, esta seja
a maior parte desta lacuna que separa o poder de criar biopolíticas educacionais e o poder
renda no mundo ou no Brasil, vemos cada vez mais políticas públicas de cunho neoliberal
que garantem esta condição. Sabemos que a educação por ela só, também, não resolve o pro-
blema e, por isso, vamos nos debruçar para justificar esta situação com o desenvolvimento
do conceito tripé do fracasso social: família, escola e trabalho2 como ferramenta da nossa
tese para defender que o problema não é só educar, mas discutir ideologias, papel do Estado,
Capa organização social, política, economia e subjetividade humana, como a luta pela felicidade
Ficha Nessa pesquisa, temos como objetivo defender a tese de que os governos de Getúlio
Sumário públicas que contribuíram para a realização do projeto varguista. Novamente, de sobrema-
1 Referência a entrevista dada pelo filósofo com o título de Deus se tornou dinheiro em www.
ragusanews com Peppe Savamo em 16 de agosto de 2012.
2 Esse conceito tem como objetivo de explicar não apenas que a educação não é a única saída
para o problema da desigualdade, mas também, que a sociedade brasileira, administrada pelo Estado
biopolítico, produz um processo contínuo de desigualdades que se torna cíclico, passando da formação
familiar à oferta educacional e, dessa, à oportunidade de emprego e trabalho, produzindo formas de
vida, de pensamento, de função social e de expectativas e sonhos de indivíduos em suas vidas nuas
desprovidos de direitos e, sobretudo, de garantia de sobrevivência dentro dos valores garantidos pela
constituição.
62
mas defendemos a ideia de que suas biopolíticas e, sobretudo, em nosso recorte, suas biopolí-
ticas educacionais, foram direcionadas à permanência das desigualdades entre ricos e pobres
Acreditamos que, desde a formação do Estado biopolítico, nenhuma medida foi positiva para
combater o que José Murilo de Carvalho denominou como os quatro pecados capitais. Se-
gundo Carvalho,
Capa os instintos e desejos da humanidade em ser livre, mas diferente por consequência do que
Sumário cação. Propomos analisar documentos escritos e bibliografias que possibilitam construir uma
narrativa que justifique a pretensão de nossa tese. Assim,, buscando que as áreas estudadas
dialoguem-se entre si, sem que haja um eixo referencial, mas, preferencialmente, uma com-
pletude entre as partes, pois há uma perspectiva histórica, sobretudo, da Teoria da Histó-
ria, na visão de que os documentos oficiais são vernáculos da escrita dos vencedores, mas,
ao mesmo tempo, importantes para que possamos utilizá-los ao fazer novas perguntas que
63
transformam estas fontes históricas em reais possiblidades de interpretação pelo método teó-
rico-analítico que não busca o resgate histórico, mas sim, suas historicidades de acordo com
pensador contemporâneo que servirá como base teórica para as nossas inquietações sobre os
com as ideias de Agamben, um pensador que ocupa lugar de destaque no debate contempo-
râneo sobre a discussão na qual “a política captura a vida”, a biopolítica, e, sobretudo, o cerne
do conceito e da teoria do homo sacer. Aquele ser humano que é oriundo do Direito Romano
que compreende o indivíduo “matável”, ou seja, aquele que pode ser morto, que está à mar-
gem da sociedade, ao limbo, em sua vida nua, construído a partir da releitura e dos estudos
Na década de 1930 no Brasil, os direitos sociais eram, pela primeira vez, pauta de dis-
Capa
cussões e da formulação de documentos que propuseram novas abordagens e estudos sobre
destes direitos, ao mesmo tempo em que outros direitos, políticos e civis, eram reprimidos
Sumário
dentro de um estado de exceção que queremos analisar sob a ótica agambeniana da forma-
ção do biopoder, conceito oriundo da teoria foucaultiana. Essa exceção política, discriminada
a partir da discussão aristotélica das traduções de vida, zoé (a vida comum de qualquer ser
vivo) e bíos (a vida em grupo com características étnicas e políticas) se desmembra na ideia
de vida nua e da sacralização negativa do homo politicus, o homo sacer que se tornou, em
nossa concepção inicial, prática do processo colonizatório e civilizatório que originou o país
64
de ação política que produz as relações de poder. Todos os humanos são homo politikos que
grupos e sociedades, exercem a política em suas relações sociais como sobrevivência, interes-
se, ganância, maldade, benevolência, moral, crença, razão ou emoção. Assim, a política como
relação de poder pode exercer sobre outros indivíduos influência sobre o modo de viver, de
as relações políticas a partir do Estado sempre foram biopolíticas, pois os soberanos sempre
buindo para o destino e a morte deles. Para ele, a política sempre foi a biopolítica. Para nós,
a biopolítica aparece como relações de poder pelo Estado no momento em que este consegue
econômico capitalista e da tecnologia como controladores da vida. Por isso, acreditamos que
o Estado como fazedor de biopolíticas no Brasil começou a partir de 1930, porque foi o mo-
mento em que a maior parte dos trabalhadores puderam estar na pólis, obtendo direitos, sen-
Capa influência política, ideológica, propagandística, futurista, utópica e moral sobre professores
e alunos, mostrando que algo contrário ao que era proposto estava contra os interesses da
Segundo Lemke, de acordo com o seu sentido literal, biopolítica significa a política
Sumário que se ocupa com a vida (LEMKE, 2018, p. 11 e 12). O primeiro que temos informação que
se utilizou do conceito de biopolítica foi o cientista político sueco Rudolf Kjéllen em obra
publicada em 1924. Ele compreendia o Estado como um organismo vivo. Para ele, a forma
natural do Estado é o Estado nacional, que expressaria sua “individualidade étnica” (Kjéllen,
1924, p. 35. IN: Idem, p. 22). Kjéllen e outros autores do início do século XX trabalharam
muito mais o conceito de vida, bíos, do que o conceito de política e, isso, de forma que ela é
65
para a política e, portanto, tudo deve partir dela. Desta forma, a biologização da política
deve garantir não só a vida, mas sim, a forma de vida e a espécie numa cadeia darwiniana
diferenças são naturais, como a propensão às doenças, estrutura física e a luta pela sobrevi-
(Idem, p. 36). Sob a referência das ameaças ao meio ambiente que se abateu sobre o mundo
preservação da vida através do uso da tecnologia. Desta perspectiva surgiu, também, a bio-
tecnologia com o estudo do DNA que, juntamente com a bioética, tornaram-se a política para
o futuro, para as próximas gerações. Havia a premissa de perceber que era necessário frear
algumas condutas e resoluções a partir do que se poderia fazer com as novas tecnologias. A
intervenção do Estado era imprescindível para viabilizar este controle, mas o mercado e a
situações como a disputa por patentes de remédios e tratamentos que usaram como cobaias
Capa Neste trabalho, a nossa primeira referência sobre biopolítica é de Michel Foucault
que abordou o conceito numa palestra em 1974 e, depois no curso no Collège de France em
Ficha 1976, publicado na obra História da Sexualidade V.1: a vontade do saber, onde ele escreve
que
Sumário
por muito tempo, um dos privilégios característicos do poder
soberano fora o direito de vida e morte. Sem dúvida, ele derivava for-
malmente da velha pátria potestas que concedia ao pai de família ro-
mano o direito de “dispor” da vida de seus filhos e de seus escravos;
podia retirar-lhes a vida, já que a tinha “dado”. (...) Seria o caso de
concebê-lo, com Hobbes, como a transposição para o príncipe do direito
que todos possuiriam, no estado de natureza, de defender sua própria
66
vida à custa da morte dos outros? (...) Pode se dizer que o velho direito
de causar a morte ou deixar viver foi substituído por um poder de cau-
sar a vida e devolver à morte. (...) “Uma bio-política da população”.
As disciplinas do corpo e as regulações da população constituem os dois
polos em torno dos quais se desenvolveu a organização do poder sobre
a vida. A instalação – durante a época clássica, desta grande tecnologia
de duas faces – anatômica e biológica – individualizante e especifica-
mente, voltada para os desempenhos do corpo e encarando os processos
da vida – caracteriza um poder cuja função mais elevada já não é mais
matar, mas investir sobre a vida, de cima a baixo (FOUCAULT, 1988,
p.127, 130 e 131).
Para o filósofo francês, a biopolítica pode ser tratada de três diferentes formas: na
primeira, é a continuação do poder estabelecido pelo soberano, só que em vez de fazer mor-
rer e deixar viver é o fazer viver e deixar morrer, ou seja, do soberano como dono da vida de
seus súditos passaria para o poder do governante administrar e cultivá-la. Com isso, a velha
técnicas liberais, sob a ótica da Economia Política como uma nova maneira de governar que
Sumário
é resultante das relações de produção e da transformação da vida em sociedade. Segundo
Foucault,
mercado, em detrimento das diferentes realidades sociais que ampliam as desigualdades nas
sociedades modernas. A movimentação de mercadorias pelo mundo torna-se maior do que
a movimentação de pessoas. Sua crítica à Economia Política como método liberal de desen-
século XVIII, substituiria sua função de legitimidade ou ilegitimidade do poder pelo sucesso
Foucault utiliza-se do termo biopolítica ou biopoder, não dando uma distinção cla-
ra entre os dois conceitos, mas garantindo amplitude teórica para continuidade do estudo
Capa
com análises contemporâneas e, diametralmente, opostas como de Antonio Negri e Michael
Hardt e Giorgio Agamben. Para Negri e Hardt, a biopolítica significa uma nova etapa da
Ficha
configuração social capitalista (LEMKE, 2018, p. 95), onde economia e política se fundem,
eliminando fronteiras e o centro das relações humanas. Para eles, a biopolítica é responsável
Sumário
pela produção e reprodução do corpo, intelecto, afeto e não fica destinada apenas à ação
político-jurídica do Estado, mas sim, a todas as relações sociais. A globalização, como rede
informatizada, produziu o que Negri chama de capitalismo cognitivo (NEGRI, 2003, p. 94),
de Foucault como o novo paradigma de poder. Onde concluem que o biopoder é a forma de
poder que regula a vida social por dentro, acompanhando-a, interpretando-a, absorvendo-a
e rearticulando-a (HARDT & NEGRI, 2001, p. 43). Para ambos, o poder assume um papel
total, de forma a induzir sobre os costumes e desejos, onde a produção e a reprodução são da
Ficha influência política do Estado-nação, dando lugar a uma rede de relações tecnológicas e eco-
nômico-financeiras que fazem as escolhas políticas e que, para eles, são biopolíticas, é o con-
Sumário trole sobre a vida em sociedade pela influência do que se deve consumir e acreditar. Como
para Gilles Deleuze, a biopolítica para estes autores exerce papel preponderante na consciên-
cia e nos corpos dos indivíduos. Para eles, o biopoder advém do império como novo governo
biodesejo como resistência e luta da multidão onde ambas são, opostamente, biopolíticas.
Como produto deste império, como a nova forma global de soberania, os autores de-
senvolveram o conceito de multidão, como a formação da emergente classe global, onde essa
e multidão. Para eles, a democracia está cada vez mais longe de alcançar sua finalidade de
atingir a todos de forma igual, pois, ao contrário, vivemos cada vez mais em estado de guerra,
numa guerra civil, que se resume quando o estado de exceção torna-se regra e o tempo de
Capa
guerra é interminável, a tradicional distinção entre guerra e política fica cada vez mais obs-
cura (HARDT & NEGRI, 2005, p. 33). Entretanto, é cara aos autores a importância da demo-
Ficha
cracia, mesmo essa de resultados ínfimos e superficiais, pois é imprescindível para combater
a violência legítima dentro de um estado de guerra global, onde o Estado é o único capaz de
Sumário
exercê-la.
Em nosso caso, por uma questão de leitura e de interpretação com o recorte histórico
e os objetivos da tese, a principal referência sobre a biopolítica será a obra de Giorgio Agam-
ben. Ao lermos Estado de Exceção – Homo sacer, II, I e Homo Sacer – O poder soberano e a
vida nua I vimos que os governos varguistas que estudamos desde o mestrado poderiam ser
discussão político-jurídica, ou seja, dentro das relações de poder e controle da vida – corpos,
mentes, hábitos – a partir do Estado. Podemos ilustrar que a biopolítica de Agamben é como
Nesta fase, a política como relações de poder entre os indivíduos em grupos ou so-
Capa ciedades é, também, a biopolítica. Porém, esta política sobre a vida é subjetivada, pois no
âmbito do Estado e da esfera pública, o Estado biopolítico torna-se uma extensão da proprie-
Ficha dade privada das elites que, mediante a superestrutura hegemônica, forma a subjetividade
Sumário escolar, a convivência social, trabalho, vida e morte. Em nossa proposta, a biopolítica é fruto
das relações a partir do Estado biopolítico formado pelos grupos dominantes que produzem a
hegemonia por meio de um aparato tecnológico e biomidiático que regra a vida sob o estado
oriundo do soberano, onde sua ação política é estabelecida pela teoria do decisionismo no fenômeno
político da relação dialética amigo/inimigo, onde o poder é contra todos. Para Schmitt, a verdade do
Direito está no poder, pois o Direito é apenas um assentamento de competências. E, nesta perspectiva, o
jurista define o Estado moderno como a Igreja Católica secularizada, enquanto o Protestantismo é base
das relações econômicas liberais não intervencionistas.
72
víduos, sem se ater a suas subjetividades, mantendo a sociedade dos privilégios a partir da
teoria das três etapas do processo de fracassos: família, escola e trabalho. Daí, entrarmos com
a questão das biopolíticas educacionais é parte da explicação sobre como as políticas públicas
são feitas para garantir esta permanência e, isso, mesmo que haja transformações sociais e
rior, esse método funciona, pois o que interessa para o Estado biopolítico e as suas elites é a
maioria que permanece incluída/excluída, aqueles que terão suas subjetividades modifica-
das, suas histórias, suas vidas, sem acesso a uma condição familiar, sem educação adequada
a partir do momento em que elas integram a estrutura familiar com as formações escolar e
indivíduo na sociedade sob o Estado biopolítico, percebemos que ter a maioria subjugada a
uma hegemonia dominante garante as biopolíticas não como um panóptico instalado em tor-
no próprio indivíduo. Desta forma, a biopolítica é esta relação de força sobre a subjetividade
do indivíduo, dando-lhe uma função social através da subjetividade neoliberal, fazendo com
que o seu destino seja traçado e, ideologicamente, imutável, destinado a uma vida nua, des-
provida de direitos, como se isso fosse da ordem da natureza humana ou destino divino.
papel do historiador de olhar para o passado para entender o presente se torna sugestivo
Capa para a discussão sobre a formação desta cidadania, Estado e de seus desdobramentos na
Ficha para que culminasse sobre a lógica capitalista do mercado ou, oniricamente, de forma revo-
lucionária até então, na intenção de valorização das raízes socioculturais, étnicas e políticas
Sumário de um Brasil para todos? Essa proposta era a tentativa de criar um cidadão para participar de
portuguesa e formasse o homo sacer como o indivíduo que pode ser assassinado.
vida feita pela biomídia5. Nessa relação, teremos como alicerce teórico os conceitos agam-
benianos de Homo sacer, estado de exceção, inoperosidade e vida nua interligando-se com o
nosso conceito de tripé do fracasso social: família, escola e trabalho, onde além da discussão
Brasil em estatísticas catastróficas com relação à educação e outras questões sociais. No cami-
que foram feitas a partir do Estado e que não foram suficientes para garantir a concentração
mos para a discussão se essa transformação social passa pela necessidade de se impor o fim
do capitalismo e, para isso, usaremos como referência a obra A educação para além do capi-
tal, de István Mezsáros e Como ser um anti-capitalista no século XXI, de Erik Wright, com o
intuito de verificar as possibilidades e saídas de ambos para a crise social que enfrentamos no
Tendo em vista o alcance das mazelas de um Estado representado pelas elites na-
cionais e enviesado pela influência das nações centrais do capitalismo atual, encontramos a
angústia e o desejo de continuar a discutir tal situação que leva a garantia da permanência
Ficha 5 Conceito proposto por nós no sentido de que a mídia aparecia, definitivamente, pelos jornais es-
critos e, sobretudo, pelo rádio, como instrumento de construção das bandeiras defendidas pelo governo
de Vargas, propondo um discurso de modernização e de futuro utópico que se iniciariam pela perspecti-
va foucaultiana, da passagem de uma sociedade da disciplina para uma sociedade do controle, enlaçan-
Sumário
do a vida em volta do biopoder, recriando hábitos e crenças mediante a garantia da permanência dos
valores morais e éticos da formação judaico-cristã europeia. Assim, mesmo não sendo nosso objeto de
estudo, a biomídia foi essencial para a formação do Estado biopolítico e da criação do cidadão nacion-
al, juntamente, com as biopolíticas educacionais.
6 Esses não-cidadãos, em nossa nomenclatura, iniciarão a formação do que chamaremos de
cidadão nacional que foi constituído pelo projeto varguista de modernização da sociedade através do
Estado, onde a maioria da população brasileira, ao contrário dos discursos de Vargas e da imprensa ofi-
cial, foi obrigada a se manter no caminho do não-pertencimento, da despolitização e da alienação que,
na perspectiva do filósofo italiano Giorgio Agamben, transformaram comunidades, grupos e até classes
sociais em nichos degredados e desprovidos de direitos como que em campos de concentração nazistas
ocupados por despossuídos que se tornaram matáveis. Desenvolveremos esse conceito de cidadão nacio-
74
para uma realidade histórica e política do Brasil justificada pela universalização da lógica do
capital. Acreditamos que, com essa pesquisa e a produção desse artigo, trataremos da pers-
pectiva de que a crise educacional é um projeto de poder das elites nacionais e estrangeiras e
O bje t i vos
larização da biomídia.
Contemplar diacronicamente o Estado varguista e o atual Estado que tange aos pro-
Trazer uma resposta do que é o projeto político de poder a partir do controle da qua-
Ampliar o escopo das justificativas sobre a ideia de que não há como garantir edu-
Ficha cação igualitária e emancipatória para todos com a formação do Estado biopolítico e suas
biopolíticas educacionais em função do sistema capitalista. Ou seja, não haverá essa proposta
nal durante o trabalho sob a ótica da Filosofia Política de Giorgio Agamben, acompanhado de outros
pensadores críticos do liberalismo/neoliberalismo e dos regimes autoritários que marcaram o séc. XX
e que tanto crescem pelo mundo afora em tempos atuais. A modernização deste Estado varguista, que
chamaremos de biopolítico, foi responsável em criar este cidadão nacional a partir da permanência do
estado de exceção e de uma sociedade dos privilégios.
75
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Capa
Ficha
Sumário
79
Para pensar em metodologia e caminhos para trilhar a pesquisa em Arte busquei vol-
tar o olhar para a minha prática artística, desde o feitio das obras, quanto para a montagem
tual e registros sobre esse caminhar olhando para a obra, que surgiu metodologicamente a
exposição Botenas.
do contorno metodológico da pesquisa, uma vez que tanto a escolha da materialidade dialo-
procedimentos práxis, aqui tratados como o feitio das peças, buscando caminhar em direção
onde especificamente foi criado um objeto para trazer em si determinações não só sociais,
Sumário
como estéticas e econômicas, que aqui tratamos como bonecas do tipo Barbie.
tanto históricos quanto conceituais. O que aqui buscamos olhar para as dinâmicas criativas
da ordem criativa e investigativa de sua materialidade, pois dela derivam as obras. Todas as
obras apresentadas nessa pesquisa foram realizadas tendo como base matérica brinquedos.
Contudo a pesquisa vai além da ordem criativa, tendo em vista que a investigação da ma-
terialidade é atravessada por alguns aspectos sociais desse objeto, como o fato de em certo
momento histórico ter se tornado objeto de consumo, ter tido a alteração de sua produção
caseira para ser em massa e da determinação de sua materialidade, que passou a ser em sua
grande maioria em peças de plástico. Nesse sentido, tais eventos não podem ser deixados de
fora, pois esses mesmos aspectos são parte composicional das obras. Tendo em vista que o
objeto brinquedo fora escolhido como base das obras por possuir também dimensões cultu-
genérico, mas de brinquedos específicos, de bonecas de plástico, de modo que esse trabalho
fora composto através do olhar sob as bonecas de plástico como forma, plástico enformado;
o plástico, também como construto social; a boneca também como produto cultural e por
fim, uma breve história sobre a origem da boneca Barbie, uma vez que essa foi a precursora
das bonecas vendidas em massa como primeira em réplica de corpo idealizado culturalmente
como belo do ser adulto feminino e por ter sua origem e destinação aos fins eróticos, sendo
posteriormente largamente copiada, dando início ao que podemos considerar uma tipolo-
Capa gia de bonecas. Neste trabalho, denominamos essa tipologia de bonecas como tipo Barbie
Ficha o corpo com traços do que fora estabelecido como corpo ideal feminino contemporâneo e
serviram de base para a construção da série Botenas. A série também contou com bonecas,
Sumário que são miniaturas de corpos tidos culturalmente como ideal de adultos masculinos, aqui
apresentadas em menor quantidade, mas tipificadas como tipo Ken, que é o boneco que faz
Tais elementos visuais tipificados do que culturalmente fora estabelecido como belos,
81
presentes nesses brinquedos são observados e a saturação desses elementos é o fio inicial
do que aqui é tratado como Hiperbeleza. O termo hiperbeleza foi criado e expresso na tese
da série Botenas.
Imagens do processo do feitio das obras da série Botenas, em ateliê, 2016. Acervo da
artista.
Paulo. O critério estabelecido para sua escolha se deu por duas questões principais: a pri-
Ficha
meira por se tratar de uma representação cultural em miniatura de figuras humanas adultas,
digo figuras pois as bonecas são tanto como as do “tipo Barbie” quanto as do “tipo Ken”, essa
Sumário
segunda em menor quantidade, e pela materialidade do plástico e seus derivados; as peças
adquiridas foram, dentre as opções de bonecas das lojas, as de menor preço com a descrição
fabricante Mattel. Inicialmente esta opção foi levada em consideração, no entanto, em rela-
ção ao preço, outras opções parecidas foram encontradas e atenderam ao que se esperava em
82
materialidade. A variação do composto plástico das bonecas não se fez tão grande a ponto
de justificar pagar um valor tão mais elevado, e apesar de ser considerada também popular,
nessa pesquisa.
de molde. Após aquecida, adquire a superfície da forma por rotação e em seguida é resfria-
como injeção de ar em plástico sob molde e pressão também são utilizadas, mas comumente
em bonecas do “tipo bebê” que tem o corpo de plástico mais rígido. Tal método consiste no
ceber uma injeção de ar é expandido e adquire a forma da fôrma que o envolve. No caso das
miniaturas adultas de plástico, a injeção de ar é feita sob maior pressão para que a massa
plástica aquecida chegue até as extremidades da forma e receba a moldagem dos detalhes
etapa geralmente é feita em linha de produção onde as peças são encaixadas e recebem a
“cabeça” completa com olhos, boca e maquiagem, que é a única parte onde é acrescida de ou-
tras cores, que a fazem parecer pintada/maquiada, além de já estarem com os fios, também
maquiagem e boca geralmente é feito por massa plástica adesiva em processo maquínico e
Capa que utiliza formas que aquecidas acrescentam esse material a massa plástica da pele da cabe-
ça, em transferência. Os processos de pintura manual já são raros e pouco utilizados nessas
Ficha peças pesquisadas. Os cabelos são costurados em tufos e mechas finas no topo da cabeça por
Sumário Assim, depois de montadas recebem as roupas e a cabeça e então são embaladas
junto aos acessórios em caixas individuais, agrupadas em caixas maiores para seguirem à
distribuição em lojas.
Costuma apresentar ainda o contexto ao qual a boneca está inserida, que geralmente são
83
imagens do cotidiano de uma mulher adulta branca, magra, de classe média alta, que variam
desde opções de profissões a manutenção de rotina doméstica como cozinhar, decorar a casa,
praticar esportes, além das várias opções de rotina de beleza cosmética, sempre acompanha-
da do sorriso aberto da boca que foi acrescida na parte dianteira da cabeça. Sobre as embala-
gens destacou-se no critério de escolha e para a pesquisa frases como “para meninas” e a pre-
dominância de cores entre vermelho, rosa e lilás. Nas bonecas do tipo Ken foram escolhidas
foram encontrados em uma sessão especialmente descrita como “Para meninos”. Os acessó-
A escolha pelo plástico como base das obras se deu por saturação. O plástico foi ma-
terial em que convivi em maior abundância durante a vida, ao lado do papel sempre esteve
santes da natureza humana. Ressalta-se que o plástico, como o conhecemos hoje, não é um
XIX e se firmou como ícone no período industrial no século XX. Antes disso, a definição de
plástico como deriva do grego plastikos, significa flexível e se aplica na definição não só da ca-
racterística maleável, mas também denomina qualquer material que pode ser moldado para
gerar outro objeto. Assim, de acordo com o conceito originário, pode ser considerado den-
tro do espectro conceitual uma infinita gama de resinas de árvores na natureza que podem
Capa Contudo, nessa pesquisa o que se chama de plástico é o produto artificial, fruto de
várias contribuições inventivas em um longo tempo até chegar ao plástico totalmente sintéti-
Ficha co, como temos hoje em maior utilização na produção de brinquedos. Antes disso, é interes-
sante pontuar os estudos dos químicos estadunidenses como Charles Goodyear, que em 1839
as variações de pressão e temperatura do material e ainda John Wesley Hyatt, que usou ce-
lulose das plantas para produzir bolas de bilhar dispensando o uso de marfim. No entanto,
tou o primeiro plástico totalmente sintético, o bakelite, que com o processo de polimerização
e utilizando como base petróleo, carvão e gás natural conseguiu chegar ao produto composto
84
O plástico, logo que fora produzido em larga escala, passou a ser utilizado em inú-
meras aplicabilidades e consumido também de modo abundante. Apesar de alguns tipos se-
rem recicláveis, seu descarte direto na natureza trouxe problemas de dimensões gigantescas,
como é o caso das ilhas de plástico nos oceanos, uma delas é o Trash Vortex, que é uma massa
e 155º Oeste e entre 35º e 42º paralelo norte, sua extensão ainda não calculada em exatidão,
mas aproximadamente 680mil km2. Estima-se que possua algo em torno de 100 milhões1 de
toneladas de resíduo. Descoberta pelo oceanógrafo Charles Moore em 1997, essa imensidão
de lixo, em sua maioria plástico, formou-se através do movimento das correntes marítimas
te alguns pedaços e peças possíveis de serem vistas e identificadas mesmo por fotos em saté-
lites. Vale ressaltar também que essa imensidão de plástico flutuante é uma pequena parte do
lixo que é lançado ao oceano, ao passo que 70% dos detritos marinhos afundam no oceano.
Sendo essa, literalmente uma pequena amostra do que há embaixo das águas marinhas, em
Essa amostra, é a parte que se revela ao sol me interessa, se fazendo exposta denun-
cia a saturação de entre outras coisas, desse material no planeta, que se quer existia há pouco
Capa tempo atrás. Esse transbordo fez-se presente na mostra Botenas, nas duas caixas expositivas
que ficaram no centro da sala. Uma das caixas era preenchida de corpos de bonecas do tipo
Ficha Barbie, sem as cabeças, peças soltas de partes dos corpos, em cores diferentes entre si, mas
todas seguindo um padrão de cor bege “cor de pele” que não expressa ou representa a diver-
Sumário sidade de tons de pele de pessoas reais, menos ainda a diversidade de coloração das peles da
população brasileira, mais miscigenada e diversa, mas que foram as que estavam à venda nas
lojas de brinquedos, como já dito aqui seguindo o critério de peças mais baratas. Aqui obser-
va-se um dos aspectos do que conhecemos como racismo estrutural, onde a normalização da
cor da pele clara como “cor de pele” foi estabelecida durante anos, esse aspecto foi notado em
1 De acordo com MARKS, Kathy et al. O depósito de lixo do mundo: uma ponta de lixo que se
estende do Havaí ao Japão. The Independent , v. 25, p. 2008, 2008.
85
vários momentos da pesquisa. Essa caixa composta dessa maneira apresentou essas partes de
corpos juntos, aglomerados, mas não sobrepostos. Foram dispostos assim para serem vistos
que estava levemente deslocado, para não dizer amassados, pois as folhas de papel foram
manipuladas para que trouxesse o efeito de ondulação leve, mas que não chamasse a atenção
para si ou para esse movimento, e sim destacasse as peças que estavam sobre si.
A outra caixa continha brinquedos da linha “Para Meninas”, assim, apresentava vá-
rios brinquedos de plástico em cores diversas posicionados em aglomerado, mas não sobre-
postos, as peças também repousavam sobre as camadas de papel seda. Em suas embalagens,
padrão de gênero ao qual tais objetos se destinam a normalizar, as embalagens não foram
usadas na composição da obra, mas foram um critério de escolha dos brinquedos, como já
dito antes que viessem na embalagem tais descrições. Os brinquedos eram réplicas figurativas
prendedores de cabelo, unhas postiças, utensílios para maquiagem e etc. Vale aludir aqui que
cada item por si só caberia um estudo distinto dentro de várias áreas das ciências humanas e
sociais, como a pesquisa em Biopoder e Biopolítica do filósofo francês Michel Foucault, além
Capa nei ao aglomerá-los, fazê-los em um transbordo, talvez seguindo ainda a ideia de explorar a
materialidade e seu efeito de flutuação social, mais do que especificamente físico (como é o
Ficha processo das peças que boiam nas águas do mar e se aglomeram nas ilhas trash vortex). Se-
guindo assim essa intenção de aglomerado em transbordo e ao optar por separar porções de
Sumário objetos em duas caixas distintas, além de posicionar as duas caixas alinhadas entre si e cen-
trá-las na sala expositiva, intencionei uma relação de diálogo entre elas e as peças suspensas
Cabendo no diálogo entre elas a diferença que em uma das caixas haviam pedaços
de corpos de bonecas e na outra caixa réplicas de objetos que são usados como instrumentos
disciplinantes dos corpos. Dentro desses processos disciplinantes há a presença das intersec-
86
As cores foram um ponto fundamental para esse diálogo, que se contrastavam entre as cai-
xas que em uma haviam objetos multicoloridos e em outra objetos num mesmo padrão de
bege as cores foram potencializadas pelo direcionamento da luz, as lâmpadas spots direcio-
nadas para dentro das caixas e deixavam ressaltadas pelas camadas de papel seda branco
expunham o contraste das cores tornando-as mais vibrantes em relação a luminosidade que
a moldura da caixa branca de madeira que quase não era iluminado. A luminosidade que
o papel seda branco intercalado com ar recebeu favoreceu também a intenção de efeito de
flutuação das peças, que em relação as peças suspensas apresentavam diálogo, sendo que as
peças suspensas no ar não intencionavam o efeito e sensação de flutuação, tendo seu peso
marcado pela valorização das linhas de cor preta que foram iluminadas juntamente com a
peça em foco direcional pelas lâmpadas. Como se as que estivessem no ar estivessem mais
papel seda branco, que apesar de estavam dentro da caixa fechada, tinha como tampo supe-
rior uma placa de vidro transparente, que supunha uma intencionalidade de liberdade que
Buscou-se apresentar em Botenas o diálogo em três planos, sendo eles o chão, onde
estava a expografia, etiquetas como nome das peças, o plano baixo onde se tem que olhar
para baixo para ver o que há dentro das caixas e o plano superior onde as peças estavam
suspensas entre a média e acima da linha do olhar, para que com esse movimento de corpo e
Capa trânsito de olhar o público pudesse acessar a experiência do deslocamento, mesmo que lento
entre as peças. Intencionei que o deslocamento físico do público fosse autônomo, por isso
Ficha optei por não marcar o chão com fita para delimitar espaço expositivo e restringir acesso ao
público, mas busquei criar dentro daquela sala não muito iluminada e cheia de peças crava-
Sumário das de agulhas uma atenção para as peças, desejando assim o aumento do tempo de atenção
e observação que acredito serem necessários para a conexão com os diálogos ali propostos
e investi nesse movimento do corpo do público para tal. Pois essa imensidão de plástico flu-
tuante em nossa sociedade foi algo que sempre me deslocou de minha conformidade cotidia-
na, não apenas do plástico enquanto lixo, mas dos volumes de objetos de plástico a venda em
lojas diversas, desde produtos de utilidades para casa até os brinquedos e quis proporcionar
87
Sobre esse sentimento, essa afetação que me atravessava com esse material foi me-
lhor entendida por mim quando trabalhei no Jardim de Infância 1 do Riacho Fundo 2, re-
gião periférica de Brasília, a escola fica muito próxima da cooperativa de coleta seletiva e
reciclagem Cooperativa 100 Dimensão, onde trabalhavam os pais dos alunos. Nesse período
foi proposto na escola a construção de uma Ecobrinquedoteca, e como o material que mais
abundava na região era o plástico, foi esse o material eleito pela minha turma que seria a
base dos brinquedos que foram construídos pelas crianças. A proposta de construção de brin-
quedos foge a lógica de consumo de brinquedos, como também a utilização do mesmo pro-
duto, no caso o plástico como base para o feitio de brinquedos despertou em mim, em 2009,
as primeiras reflexões estéticas sobre essa materialidade. Sendo uma das primeiras reflexões
especificamente sobre o plástico como composto misto, que profusa irregularmente no pla-
neta através da ação humana, que permitiu a produção em larga escala, com baixo custo, de
vários objetos, um deles o brinquedo, em especial a boneca. Daí passei a criar algumas peças
terialidades, voltemo-nos a análise da sua usabilidade na série Botenas, que se deu também
pela aplicação de agulhas sob faces do plástico do corpo de bonecas. Por meio desse meu ges-
to de junção das peças e aplicação de suspenção escolhi o processo de costura. Pois a escolha
por atividade tipicamente feminina, a costura, para a fatura do trabalho também intenciona
pontuar dentro de um espaço museológico, através de uma obra de arte, que não é uma ta-
Capa peçaria, um processo/técnica que historicamente fora “menosprezado” por ser considerado
feminino, como “arte inferior” ou artesanato. De maneira que esse gesto também busca a
Ficha subordinação à textura do suporte em si, que ao costurar buscaria fissurar o suporte plástico,
como se possível fosse mostrar a possibilidade de causar fissuras em conceitos sociais vigen-
Sumário tes, para causar e expor maiores fissuras decidi que algumas peças fossem costuradas com
alfinetes. Ao impingir delicada e precisa força de violência ao plástico com alfinetes, sem que
esses o atravessassem, mas que o causassem expostas fissuras intencionei deixar a mostra
seguida amarrada a linha com nó duplo e firme em cada alfinete para a peça assim ganhar
o contorno trabalhado em linhas. Logo que a peça foi suspensa, a tensão incidida nas voltas
da linha direcionou de modo concêntrico a linha para mais perto do corpo plástico, deixando
os alfinetes mais expostos e cobrindo mais a superfície plástica fissurada, de maneira que a
pele da Botena ficasse sobreposta por linhas, contudo o efeito de costura ficava menos evi-
dente neste contexto, como também a pele plástica ferida. O alfinete então desempenhou o
Capa
papel basicamente perfurante/fissurante, que apesar de segurar em si o nó que desliza da
cabeça do alfinete para o ponto de junção da perfuração com o plástico, na base, não sus-
Ficha
tenta a linha que envolve a peça na altura que se deixava inicialmente. Esse processo se deu
pela incidência do peso da peça suspensa que gera a tensão na linha, que repuxa os outros
Sumário
nós aproximando a linha cada vez mais do plástico. Vale mencionar que não fora um efeito
e tensão exposta, isso mostra o que trouxe às peças com alfinete maior potência elucidativa
A operação de costurar com agulhas e linha para restituir um corpo com partes de
corpos que haviam sido retalhados em cortes, visava também a junção de diferentes partes,
89
de diferentes corpos que foram cortados de modos diferentes, em alguns casos as cisões eram
apenas para separar as partes das bonecas, em outras peças os cortes foram elaborados em
desenhos complexos que buscavam expor o interior das peças, sem causar perdas da anato-
mia e contorno que apresentavam. Contudo esses cortes, cisões seguidas de costura das par-
tes e peles consistirem em um processo que pode lembrar uma cirurgia. Mas não quis fazê-lo
como uma cirurgia médica, como uma reparação a algo defeituoso, mas busquei desenvolver
nesse gesto a criação de algo totalmente novo com base em componentes antigos, assim e
por isso, rejeitei a hipótese do uso da linha cirúrgica, como também da agulha cirúrgica, por
A linha utilizada foi a linha comum de costura na cor preta. Mesmo já tendo inicia-
do testes com fios de cabelo artificiais (em plástico), ainda não tinha com exatidão os dados
sobre a capacidade de sustentação, isto é, não sabia ao certo por quanto tempo os fios aguen-
tariam sustentar o peso suportado do plástico e das agulhas, nem sua durabilidade. Assim,
a saída mais segura foi a linha de costura, que ao ser iluminada revelou-se também mais
eficiente em expressar a sensação de suspensão e peso das peças, como já dito antes. A ideia
peça em retas, se deu via suspensão, e a esse papel que coube a linha. Linha aqui tomada em
singular pois originalmente é um único fio que perpassa o orifício de cada agulha, e o mesmo
fio que é alçado até a barra de ferro sob o teto e retorna à peça em vai e volta constante que
torna a sustentação em suspensão possível. Assim, foi quase obvia a escolha por direcionar a
iluminação para este ponto. Nessa direção a iluminação revelou a textura da linha de costura
Capa que é mais felpuda que a linha cirúrgica e do que o náilon por exemplo, acentuando a poten-
Ficha A busca em manter a continuidade da linha nesse movimento de ir e vir não atribui
a peça a característica obsessiva que o processo se dá. Chega a ser exaustiva sua montagem e
Sumário costura, mas o processo dessa forma revelou-se necessário para conseguir atingir exatamente
a suspensão sem amarras aparentes, sem os nós ou emendas na linha e diretamente apontan-
No entanto, como era esperado pela tensão sobre a linha, depois de montadas as
Botenas apresentaram alguns rompimentos e embolo. Algumas peças foram giradas em torno
do próprio eixo, de modo manual possivelmente por alguém do público, uma vez que não há
90
corrente de ar dentro da sala que fizesse tal movimento. Algumas peças ao fim da exposição
Para criar a mesma tensão concêntrica em suspensão de modo que a linha não des-
lizasse para a base, deixando-a mais afastada da pele de plástico da Botena, e de forma que
não extrapolasse seu limite de expansão, mantendo o desenho e forma mais “obediente”,
As primeiras peças contendo agulhas foram elaboradas no Ateliê Paulista, sob orien-
tação de Branca de Oliveira. As agulhas utilizadas foram as usadas em costura manual, pro-
passei a desenvolver as próprias agulhas em 100% cobre. O processo de feitio das agulhas em
cobre tem como base a técnica do fio de cobre, uma técnica simples mas que demanda força
física, o método é basicamente cortar em tiras a placa de cobre, prensar a tira até atingir diâ-
metro de um fio, que possa ser esticado em prensa de diâmetro cada vez menor, esse esticar
é feito por movimento de puxar o fio, que apesar de ser exaustivo rende finos fios de cobre,
que ao serem cortados em 3 ou 4 centímetros tem um lado afiado, para perfuração e o outro
lado na ponta planificado e perfurado por onde passará a linha de costura, assim tornam-se
agulhas. Esse processo torna mais acessível a aquisição das agulhas, mas o material traz em
si colorações diferentes, o cobre em contato com os dedos tende a apresentar uma reação de
escurecimento, que ao final pode ser clareado se mergulhado em solução química para isso,
mas assim mesmo ao decorrer do tempo pode apresentar variação na tonalidade e brilho
das agulhas. Efeitos totalmente aceitáveis e que não alteram a expressividade que se busca
Capa com as agulhas. Contudo só consegui desenvolver essa técnica posteriormente à exposição
Sumário e a pressão colocada nela que definem volume e a forma, pois as agulhas são fixadas em
cima e entre (como em círculo superior) às peças soltas nas caixas. Como já dito antes as
partes das peças não são coladas, mas somente costuradas. Contudo, a forma final é definida
pelo peso da peça e adequação dessa em suspensão, sendo essa fase associada por mim ao
que o filósofo e ensaísta tcheco Vilém Flusser denomina de gesto de “evaluação”. Esse gesto
é unicamente estabelecido pelo objeto que se adequa a nova forma imposta, evidente que
91
submetido a pressão das agulhas e peso da peça suspensa. Como aponta o autor, a forma do
objeto também é em parte definida por ele, nesse movimento. Apesar da forma das peças de
boneca separadas terem sido em parte mantidas, pois as agulhas e os vários agulhamentos
sobre a superfície do plástico mantiveram em boa parte seu relevo impresso sob forma da
indústria que fabricou o brinquedo. Contudo, a nova organização das partes das bonecas,
sendo uma perna de uma boneca, braço de outra, e cabeça podendo ser de uma terceira,
mesmo mantendo o conjunto numérico de partes (cabeça, pernas, braços, dorso e virilha) a
nova organização desses membros estabelece forma completamente distinta e em alguns ca-
sos irreconhecível, mas o resultado final sem dúvida depende do gesto de evaluação da peça.
Capa A boneca como produto industrial possui uma natureza construída para apresentar
exatamente aquela forma. Reorganizar a forma fabricada da boneca e criar um corpo reins-
Ficha taurado de significado e evaluado em gesto pela própria peça, como define Flusser, faz com
ela saia do conjunto de coisas como são e esse processo de instauração do objeto em obra de
Sumário arte é algo que me interessa muito, por isso me lancei aos textos de Flusser como também
Ainda sobre a forma, que diferente das agulhas, onde sua forma permaneceu intacta, as peças
composição até chegar ao níquel, sendo fato que a escolha se deu também por esse material
plástica em forno doméstico, forno do ateliê e forno de cerâmica e buscava outros materiais
que suportassem o aquecimento sem perder sua forma, cor, textura e brilho. Assim, depois de
testes e composição de materiais das agulhas e como esse material se comportava aquecido,
foi totalmente manual e corporal - pois foi necessário usar várias partes do corpo (como a
boca e busto) para sustentar as pequenas peças e conseguir enxergar os mais difíceis lugares
a serem agulhados, uma verdadeira ginástica: longa, dolorosa e exaustiva atividade. Esse
processo de feitio das peças e sua investigação fazem parte da metodologia da pesquisa e do-
cumenta-lo tornou possível o maior aprofundamento como também ato de registrar fez parte
da metodologia que envolveu além da pesquisa teórica, o feitio das peças, a investigação e
novas produções artísticas, são o que tornam fluida e sustentam a pesquisa, criar para si uma
abertura, mas faz com que todo o contínuo movimento de pesquisa mostre a que veio. Com
isso concluo que observar e se atentar a diversos modos de pesquisa e que essa diversidade
esteja viva nos campos das Artes, das ciências sociais tende a possibilitar novos modos de
existir academicamente.
Capa
R efer ê ncias
Ficha
ABIORANA, Dângela Nunes. Botenas: um gesto de hiperbeleza. Tese (Doutorado
em Educação, Arte e História da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo,
2020.
Sumário
FLUSSER. Vilém. Gestos. São Paulo: Annablume, 2014.
93
Pesquisa em Artes:
transições gráficas do analógico ao digital
para que arte seja compreendida como objeto de pesquisa e investigação. Ao questionar sobre
a expressão gráfica e o modo como o ser humano utiliza o desenho como forma de represen-
tação, interessa apresentar uma reflexão sobre o desenvolvimento gráfico e suas transições ao
longo do tempo. Obviamente se considera que a técnica manual, ou seja, o fazer em processo
Capa analógico, não desapareceu. No entanto, intenta-se evidenciar o aporte tecnológico como
possibilidade que modifica os modos como os processos criativos se dão, para os que optam
Ficha pelos aportes digitais.
tecnologia, exacerba as diferenças sociais ao ponto de deixar evidente que os bens tecnológi-
Isso posto, cabe aferir que apesar de reconhecer a relevância e a pertinência de tais
aspectos, o recorte aqui proposto não contempla as demandas que exigem profundidade
reflexiva e investigativa, uma vez que se tem consciência de que a esfera socioeconômica e
94
política do Brasil requer um estudo aprofundado, o que e se torna inviável para o momento.
inovadoras trazidas pela tecnologia, mas também o distanciamento de grande parte da popu-
gráfica ao longo do tempo? Essa pergunta faz com que outras surjam e sirvam de aporte refle-
xivo, por exemplo: de que forma o processo analógico ainda se mantém relevante na criação
Por isso, a hipótese que se aventa é de que há um uso crescente de ferramentas digi-
Sumário
tais a disposição de artistas, os quais promovem uma diversificação de estilos e abordagens
um papel importante na criação artística devido a sua natureza tátil e sua capacidade de for-
necer uma conexão mais visceral entre o artista e a obra, entre obra e público.
autores como Gombrich (1995), Ostrower (1998), Baitello Jr. (2000), Silveira (2006/ 2010)
e Mello (2010), dentre outros, os quais poderão dialogar sobre o fazer artístico e criativo.
Para fornecer dados sobre a migração da expressão gráfica para os meios digitais, Benjamin
repertório e aquecer o diálogo, recorre-se aos citados, deixando aberto o tema ao atestar as
limitações das abordagens, as quais surgem como fruto de uma reflexão autoral que se pre-
tende caminhar em territórios incertos do que manter necessariamente uma teoria rígida e
categórica.
Tais bases teóricas ainda que simplificadas, estabelecem expectativas sobre os pos-
humana.
Assim, o leitor poderá encontrar a seguinte estrutura do capítulo que segue: a primei-
ra parte traz abordagens gerais sobre a contextualização dos diferentes períodos da pesquisa
Capa há toda uma vasta amplitude histórica que diz respeito a evolução da vida humana. O homo
Ficha nele sua marca e memória. E como parte construtiva de sua adaptação, buscou aprimorar
tística.
Tal empreitada exige uma postura sensível frente a uma potência criadora. Essa ca-
96
cas. Dito de outro modo, pretende-se esboçar um arco temporal dos movimentos artísticos
que evidenciam o uso dos meios tradicionais e não digitais para a criação de representações
Vale destacar o papel do artista e a materialidade das obras visuais analógicas. O pri-
meiro pelo empenho e exigência pessoal no processo de produção da obra, pois muitas vezes,
Sumário
Tais “obras encomendadas” pelo próprio artista, pressupõe sua exigência pessoal e
estética, as quais não sessam e não se satisfazem, enquanto o resultado não lhe for satisfató-
rio. De igual modo, a materialidade das obras merece destaque pois se trata dos recursos que
Há em seu ato laboral uma intencionalidade, um componente pessoal que o motiva a agir
97
de forma criativa. Nesse sentido a criatividade pode estar associada ao devaneio ou à fanta-
sia, ou ainda pode se manifestar por meio de uma dimensão lúdica, como se a atividade do
expressão pessoal conectada com a realidade e seu entorno, podendo isso, fundamentar suas
No decorrer da história, esse tema tão rico encontrou respaldo em diferentes teóricos
que estudaram a criatividade, suas origens e causas. Para não ampliar o assunto, que merece
uma pesquisa especifica, opta-se pela narrativa piagetiana “[...] a criação do novo ocorre
devido a um processo de abstração reflexiva”. (PIAGET, 2001, apud SILVEIRA, 2011, p.29).
O artista exerce ação reflexiva, pela consciência da totalidade de seus atos, porém
sificado e aberto. Está livre para percorrer com autonomia o exercício da criatividade.
como os pigmentos naturais, lápis, canetas, tintas pincéis, tela, guache, aquarela, pastel,
carvão entre outros materiais que dependem da mão do artista, que executa traços, formas,
Tais considerações permitem o estudo e as pesquisas dos estilos e técnicas que foram
desenvolvidas no passado, mas que também servem de documentos preciosos no tempo pre-
sente, pois revelam os períodos históricos, os estilos de cada época, e continuam a ser uma
Sumário nos quais o homem se permitia conviver lado a lado com suas imagens
[ ] (BAITELO Jr.2000, p.9)
Da arte rupestre, com as pinturas e desenhos nas rochas e nas cavernas, passa-se a
destacar as figuras estilizadas da arte egípcia em que eram frequentes o uso dos símbolos de
grandes projeções para a figura dos faraós, ao passo que as imagens menores eram utilizadas
das representações gráficas se dava pelo esforço em apresentar a perfeição do corpo humano
e a busca pelas proporções. No entanto com a Arte Bizantina, destaca-se temas religiosos e o
obras de arte.
experimentação e a abstração.
dos da década de 70, sendo que dez anos antes, havia chegado o primeiro computador à
válvula ao Brasil. Essas inovações foram lentamente estabelecendo novas formas de relações
ram apoio para e maior patrocínio das estatais. Enquanto o cinema nacional esforçava-se na
mente por causa da TV a Cabo, que incrementou a quantidade de canais e a qualidade das
imagens.
dor; todavia, o preço desse meio ainda era um obstáculo a ser superado.
mento com técnicas manuais com o uso de papel, régua e do compasso, serviam ainda como
tempos idos, dizia: “O computador assume desde os serviços de uma máquina de escrever até
Ficha
a digitalização de imagens; ele é uma mini gráfica [...] mas o desenho feito à mão tem uma
absolutas, com vértices e agudos bem definidos” (Coletânea de portfólios, 2000, p. 60).
O computador, ainda sendo um instrumento caro, era desejado por muitos que con-
grande impacto em várias áreas laborais e culturais. Enquanto para uns a novidade trazia
pansão e a duplicação de obras originais. Esse fato fez com que muitos artistas repensaram o
Não só no Brasil, mas no mundo, não somente no passado, mas também nos dias de
hoje, foi e é nítido a presença marcante das tecnologias que impôs nesta década e nas vindou-
ras os efeitos da velocidade vertiginosa e das transformações provocadas pelas novas mídias.
Capa
Dessa visão geral depreende-se que apesar do desenvolvimento tecnológico, a evolu-
ção analógica, as quais abrangem diversas formas de mídia e técnicas de representação feitas
Ficha
à mão, ao longo do tempo continuam desempenhando uma importante forma de representa-
salvar os esboços sem necessidade de apagar a obra original por meio dos arquivos digitais. A
Arte com o aporte tecnológico, torna-se frequentemente usada para a expressão criativa em
ambientes de software, uma vez que a digitalização expandiu as possibilidades na área das
artes permitindo maior criação, difusão e interação entre artistas e obras e entre o público e
as obras.
interação criativa que vão desde as instalações, happenings ou performances dentre outras.
Do analó gi co ao digital
nológicos capazes de realizar tarefas que exigiriam grande esforço das ações humanas. Para
Capa informações como os chatbots inteligentes (assistentes virtuais como Siri da Apple, Alexa
da Amazon, Google), e outros, cujo acesso fornecem respostas para buscas de informações.
Ficha Outras Inteligências Artificiais possibilitam diversas funções comunicativas como a tradução
Sumário munidos de IA que respondem perguntas, outros auxiliam na medicina e saúde propondo
Uma vez que a busca humana por mecanismos inteligentes foi sendo conquistado,
A IA, que permite a comunicação online, sugere uma ampla facilidade na conexão
em rede, uma vez que a comunicação, quase instantânea, permite o contato entre culturas e o
em interesses comuns, o que acentua cada vez mais a individualidade exacerbada e, que pode
No entanto ao se expressar o ser humano pode manifestar seu desejo por comunicar
seu pensamento, transmitir suas ideias e estabelecer conexões interpessoais. Essa autoex-
Por meio da Arte como a música, a dança, a escrita, o desenho, dentre outras formas
Dentre tantos aspectos vastos e complexos, se lança luz sobre o avanço das técnicas
artísticas, mas também para as mudanças culturais, sociais e especialmente tecnológicas que
moldaram a maneira como as pessoas, no caso mais específico, como os artistas passaram a
tas digitais tiveram um impacto profundo no modo de agir do artista. O acesso as novas mí-
dias e técnicas permitem o acesso a ferramentas digitais que favorecem a produção de obras
Capa como arte 3D, animação, realidade virtual, além de facilitar a edição e revisão das propostas.
Ficha edição sem dizer da possibilidade de publicização das obras ou a democratização da arte que
Sumário A apreciação das obras de arte ganha visibilidade em escala global e tais fenômenos
passam a influenciar o modo de produção dos artistas. Muitos combinam mídias tradicionais
rirem na linguagem do meio digital. Por isso a informática introduziu um novo modelo em
103
relação à produção artística analógica uma vez que os programas ou softwares se interpõem
Essa prática comum na arte contemporânea, pode ocorrer de várias maneiras com
passar a utilização da caneta ou tablet gráfico, a fim de adicionar elementos digitais como
detalhes, intervenções, texturas alterando o resultado da obra. O que importa, antes do re-
sultado de uma obra, é o domínio dos programas, uma vez que tais mecanismos estão sendo
atualizados constantemente.
Um grande exemplo do uso desta prática é o artista britânico David Hockney (1937)
que aos 85 anos ainda produz obras enigmáticas com o uso de iPad. É conhecido pelo uso de
Atualmente ficou ainda mais famoso, pois sua obra Portrait of an Artist (Pool With
Two Figures) (“Retrato de um Artista, Piscina com dois vultos, em tradução livre) foi arrema-
tado no valor de mais de US$ 90 milhões (cerca de R$340 milhões) em novembro de 2018,
Capa
Ficha
Sumário
Figura 1: Portrait of an Artist (Pool With Two Figures) 1972, obra de David Hockney.
A experiência de Hockney com a tecnologia se deu no inicio dos anos 2000 e ao uti-
104
mantinha uma abordagem de pintura tradicional em suas telas em lona, conseguindo efeitos
Hockney usou aplicativos de desenho digital em seu iPad para criar cada componente
da obra “The Bigger Picture”. Esses aplicativos oferecem uma variedade de pinceis e ferra-
Cada parte da obra foi composta separadamente e as cenas muitas vezes foram fei-
tas em ar livre. A montagem composta reunia toda a série, criando uma visão expandida do
cenário.
Assim, pelo digital, conseguiu reunir vários pontos de vista da paisagem e realizar
Atualmente, David Hockney apresenta exposições que demostram sua trajetória rica
Ficha
e multifacetada como artista, que abrange um amplo espectro de mídias, desde as formas tra-
dicionais de lápis, caneta, tinta e giz de cera, até a exploração ousada da fotografia de última
Sumário
geração e o uso vanguardista do iPad. Tudo isso destacando a inovação notável e contínua
Outra artista e teórica pesquisadora da mídia, que ficou conhecida por suas obras de
arte digital é Giselle Beiguelman (1962), pioneira na interseção da arte digital e tecnologia
intelectual fundamentada em uma abordagem crítica das mídias digitais e de seus sistemas
de informação. Além disso, ela explora as estéticas da memória e faz referências a eventos
cativos para dispositivos móveis. Como pesquisadora, escreve sobre arte e tecnologia incluin-
Ao utilizar a net art, ou arte na internet como forma de expressão artística, Giselle
engloba uma gama de abordagens para criar, expor e distribuir suas obras que exploram
possibilidades representativas pelo ambiente online. “Desmemória” (Figura 3) foi uma obra
produzida em 2004 e intenta investigar a ideia de memória coletiva e a forma como as trans-
Capa
Ficha
Sumário
Figura 3. Net art de 2004. Obra de Giselle Beiguelman. Itaú cultural.
Por meio de um mapeamento digital de espaços urbanos na cidade de São Paulo que
foram submetidos a mudanças drásticas, Beiguelman captura imagens desses lugares e, por
que foi perdido no processo da urbe. Outra produção de 2004 que ilustra a net art, é “Esc for
106
que as tornam tangíveis de serem decodificadas, são inteligíveis pois os símbolos e códigos
visuais são facilmente decodificados, uma vez que tais imagens proporcionam emoções e va-
liosas informações sobre os espaços urbanos que foram destruídos com a passagem do tempo.
Figura 4. Net art de 2004. Esc for escape. Obra de Giselle Beiguelman. Itaú cultural.
Capa A proposta da artista foi pensar no tema “isolamento” em um mundo altamente co-
nectado. O título da obra sugere que muitas pessoas utilizam as redes sociais como fuga da
Ficha realidade, mas também evidencia o paradoxo entre a possibilidade de conexão, mas também
Sumário A pertinência de seu trabalho diz respeito ao gesto de colocar em contato, ou em re-
dade da vida secular sendo capaz de ativar a consciência de uma memória pessoal e coletiva.
Hockney e Beiguelman são dois exemplos, dentre tantos artistas, que frente às novas
tecnologias, se permitem o uso de diversos recursos que vão desde a manipulação de câmeras
verifica-se que atualmente são permeados por processos dinâmicos provocados pelos efeitos
de projeção no ambiente.
Então, novas formas de narrativas estão sendo desenvolvidas com uso das tecnolo-
gias e modificando o modo como a arte pode ser criada, compartilhada, preservada e aprecia-
da. Trata-se de um convite que mobiliza o receptor ao ser afetado e ao participar da criação
Neste breve ensaio percebe-se que as mudanças tecnológicas gráficas e o uso crescen-
forma que o processo analógico, mesmo se mantendo relevante nas criações artísticas, vem
pre acompanharam a humanidade, porém o que se nota atualmente é que o intervalo entre
as inovações foi se estreitando cada vez mais, e a busca pelo novo vai se transformando numa
[...] podem também estimular ou quando menos mantê-las vivas” (GOMBRICH,1995, p. 48).
Foi possível observar, neste curto espaço, alguns enfoques históricos que tangenciam
as perspectivas das pesquisas em artes. Interessou recordar as distintas formas e estilos de ex-
no formato analógico bem como evidenciou-se a incorporação dos novos formatos gráficos e
Ficha
pictóricos que se tornaram possíveis com o advento da tecnologia.
camente vivenciadas pelos artistas e seu público. Porém, evidenciou-se a potencialidade dos
Embora, de certa maneira, alguns exemplos de artistas visuais que foram citados e de
tantos outros que ficaram ausentes, denotem certo receio pelas expressões da visualidade em
109
formato digital, outros ao contrário, como David Hockney e Giselle Beiguelman, sentiram-se
motivados em refletir, praticar ou teorizar sobre a arte e a tecnologia. Ambos não se sentiram
Tais reflexões se tornam instigantes em dois momentos: primeiro, quando são apon-
tados os impasses enfrentados pelos artistas, sobretudo, o designer gráfico, que vivenciou
o dilema de optar ou não pelo uso do computador como foi o caso de Mario Cafieiro; e se-
gundo, quando são destacadas as influências tecnológicas expressas nas produções de Guto
Por isso, imaginar as possibilidades artísticas via tecnologia é ter claro uma cons-
ampliar. São tentativas humanas de permanecer no tempo, uma vez que se sabe ou não se te-
nha consciência de que “O universo dura. Quanto mais aprofundarmos a natureza do tempo,
Assim o artista vive e tende a durar no tempo a medida em que partilha a vida
pela arte.
R efer ê ncias
AUDEM, W. H. A mão do artista; trad de José Roberto O’Shea. São Paulo: Siciliano,
1993.
Capa
BAITELLO Jr. N. As imagens que nos devoram. Antropofagia e Iconofagia. Centro
interdisciplinar de semiótica da cultura e da mídia. Encontro Imagem e Violência, São Paulo,
2000.
Ficha
BENJAMIN, W. Sobre arte, técnica, linguagem e política. Lisboa: Relógio D’Água,
1992, p.100.
Sumário
BERGSON, H. Trad. Bento Prado Neto. A evolução criadora. São Paulo, SP: Martins
Fontes, 2005
MELLO, C. Lucas Bambozzi: Redes sociais e enfrentamento. Dossiê Web Arte: uma
poética do espaço. p.63
Revista Porto Arte: Porto Alegre, v. 17, Nº 28, Maio/2010. Disponível em: https://
seer.ufrgs.br/PortoArte/article/view/18789/10977. Acesso em: 18/10/2023.
Portrait of an Artist (Pool With Two Figures) 1972, obra de David Hockney. Disponível
em:https://thred.com/pt/cultura/a-nova-exposição-de-david-hockneys-é-uma-celebração-
do-futuro-das-artes/ Acesso em: 18/10/2023.
Net art de 2004. Obra de Giselle Beiguelman. Itaú cultural. Disponível em: https://
enciclopedia.itaucultural.org.br/obra63332/desmemorias. Acesso em: 18/10/2023.
Capa
Ficha
Sumário
111
a realidade social e existencial já está dada. Cabe ao sujeito descobrir e criar estratégias de
agir neste contexto. Para isso, é necessário compreender, interpretar, agir e transformar o
cotidiano.
agir, refletir, o que poderíamos sintetizar como um diálogo permanente entre o sujeito, a
realidade e seus companheiros. É uma luta permanente para combater a cultura da opressão,
que se alimenta e realimenta pelas estruturas sociais e econômicas, e também pela subjetivi-
dade.
Capa
Em cada canto e em cada pessoa, existe a dinâmica do opressor e do oprimido e,
mesmo com algumas alterações, essa dinâmica se recria. Às vezes, até podemos afirmar que
Ficha
o oprimido de hoje se torna o opressor de amanhã. Neste sentido, é necessária uma metodo-
logia de abordagem dialética ou freiriana, para levar as pessoas e sujeitos a refletirem cons-
Sumário
tantemente sobre a sua prática.
1 Neste texto atualizo a primeira versão deste artigo, a qual apresentei em 2002, no curso de
Psicopedagogia da UNISA.
112
-texto, a leitura do mundo não pode ser uma leitura dos acadêmicos
imposta às classes populares. Nem tampouco pode tal leitura reduzir-
-se a um exercício complacente dos educadores ou educadoras em que,
como prova de respeito à cultura popular, silenciem em face do saber de
experiência feito e a ele se adaptem. (FREIRE, 1992, p. 106.)
estar familiarizado ou familiarizar-se com o conhecimento e com a cultura popular, para es-
tabelecer uma síntese libertadora. A pedagogia social tem como pressuposto a defesa incon-
Uma leitura do mundo tem suas manhas e tramoias a serem depuradas no bojo das
relações sociais, econômicas e humanas. O educador social e mesmo a pedagogia social não
cultura e a educação popular são cooptadas pelo mercado e pelo Estado. As reflexões acadê-
micas e da classe dominante trazem conteúdos e processos de reificação, assim como ocorre
na cultura popular e na educação popular. Diálogo e reflexão são essenciais para desreificar a
Gramsci chama atenção para o fato de que nem sempre agimos de acordo com nossas
concepções. É com se em nós coexistissem duas perspectivas, a concepção de mundo que car-
regamos e nossas ações efetivas. Não é uma questão de má-fé, é que existe um hiato entre o
que nós pensamos e nossa forma de agir. Há necessidade de uma educação permanente para
Capa tomarmos consciência dessa contradição e buscar um jeito de superá-la. A filosofia da práxis
nas escolas? Ou a que aprendi ao longo da vida, na família, no partido, no trabalho? Ou mi-
Sumário nha concepção de mundo é a que aparece na minha prática? Como se estabelece em minha
vida a coexistência entre o racional, o cultural e o emocional? Se as coisas fossem claras nes-
ses campos, a ciência seria desnecessária, assim como o papel do intelectual orgânico. (Cf.
GRAMSCI, 1978.) A pedagogia social tem sempre em foco as seguintes questões: qual é o
sentido da vida? Qual é a direção da vida? Qual é a finalidade da vida? São questões a serem
respondidas ou desveladas no encontro com o outro e nas contradições sociais. (Cf. BOFF,
113
2018.)
viver, fazer, saber, morrer, orientada por crenças, valores e sabedoria. Com base nessa refe-
rência, a pedagogia social contém elementos para resgatar no sujeito o desejo de aprender
a aprender e de aprender a fazer, nos diferentes espaços, da escola, da família e das institui-
ções. A pedagogia social aspira ao resgate do prazer pela vida (CAMPOS, 2000), busca recu-
perar no sujeito o desejo de saber ver, esperar, conversar, abraçar (MARIOTTI, 2000). Serve,
aquisição do saber.
víduo para escolher, no seu entorno, o que há de melhor para sua vida. Por essa perspectiva, a
zagem. Tanto quanto possível, ela busca ajudá-lo a aprender a conviver com as dificuldades,
de tal forma que não impeçam a construção do saber. O campo de conhecimento da peda-
aprende a receber e a dar sentido aos acontecimentos da vida e a extrair do próprio cotidiano
Ficha trução do conhecimento pedagógico, com base no pressuposto de que a ciência e, sobretudo,
as denominadas ciências abertas, não nos oferecem certezas absolutas. Aquela que se pro-
Sumário puser a fazer isso poderá se transformar num dogma religioso ou num fanatismo de feição
a psicologia, têm uma complexidade ainda maior. Demonstram as descobertas científicas que
simples causas e efeitos. Para olhar a realidade e o mundo, é necessário saber ver e pensar.
Isto não significa a exclusão de certas leituras ou análises, mas sim a apropriação crítica
delas. É pensar o pensado, mas não ficar nele, e ultrapassá-lo. A exclusão pela exclusão
pode impedir o avanço e levar-nos a cair numa mutilação do conhecimento. Às vezes, para
Acreditamos que o pensar do conhecimento por uma perspectiva aberta deva acon-
tecer por uma visão multidimensional, na qual as hipóteses e proposições podem parecer
A questão que se coloca é que os fenômenos humanos e mesmo naturais estão li-
Sumário
gados na mesma base. Aparentemente, estão desvinculados. Mas, na sua essência, estão li-
gados. Nesse sentido, o método dialético propõe a compreensão das coisas pela perspectiva
da aparência à essência e vice-versa. Quando afirmamos que a história faz o homem e que
o homem faz a história, da aparência à essência e vice-versa, queremos deixar claro que não
estamos diante de uma soma de pressuposições, mas de um movimento. Neste ponto, reside
um problema vital para a ciência e, sobretudo, para a pedagogia social, que tem o desejo e a
115
da ciência e sua libertação só foram possíveis a partir das grandes transformações sociais,
políticas, religiosas e econômicas ocorridas nos séculos XVI e XVII. Nesse período, grandes
invenções e descobertas criaram as condições para o desabrochar das ciências, sobretudo das
ciências sociais.
to da Terra em torno do Sol, chocou-se com concepções que compreendiam a Bíblia como
Em 1637, Descartes publicou o Discurso do Método, que tem como sustentação o cogito. No
separação entre o bem e o mal, entre o corpo e a alma, entre a razão e o desejo, Shakespeare
movimento ou, como diz ele, pela ótica da correspondência e não da antinomia. As ciências,
ganha força nas revoluções de 1830 e 1848, quando são abandonadas ou reprimidas as
Locke, Rousseau, Adam Smith, Galileu e Pascal, entre outros, para salvaguardar interesses da
Ficha detentor do poder operacionalizar as suas práticas dentro da razão instrumental. Nesse sen-
tido, a razão deixa de ser uma ferramenta de libertação para satisfazer os interesses de um
A crise dos paradigmas é uma crise de hegemonia, que coloca em confronto as ten-
117
dências das ciências. À luz do pensamento de Espinosa, essa crise ganharia contornos na
tensão entre a tristeza, que significa tirania e a destruição dos corpos, e a alegria, entendida
como democracia, felicidade e prazer dos corpos. O que está em jogo é a implantação do
projeto da cultura democrática, defendida pelas forças progressistas da humanidade, cuja ân-
No Discurso sobre a Ciência e as Artes, século XVIII, aparece uma indagação sobre
menta esse questionamento, ao buscar a ligação entre ciência e virtude, fazendo a seguinte
pergunta: Como poderia a ciência colaborar para diminuir o fosso entre os que sabem e os
que não sabem, entre os detentores do poder e os que não o detêm, entre a teoria e a prática,
por outro lado, podem nos conduzir ao risco de fazer dela um novo messias, depósito da
cotidiano e da vida.
Sob esse aspecto, a pedagogia social deve se cuidar. Por se tratar de um conheci-
mento feito no fio da navalha, corre o risco de deslizar e cair para um ou outro lado. Outra
tentação que os pedagogos, como outros cientistas, devem evitar é a de transformar a rea-
Capa lidade num leito de Procusto, para que as hipóteses e os pressupostos estejam de acordo. O
que ultrapassa o paradigma deve ser excluído, assim como deve ser tracionado tudo aquilo
Ficha que não se adaptar aos limites que se impõem, ao que denominaríamos, com Lakatos (1979),
Em Questão de Método, destaca Sartre que a “[...] experiência social e histórica esca-
pa do saber” (1978, p. 123). Isto nos leva a constatar que a realidade é mais ampla e se altera
com mais celeridade do que a ciência. Por isso, chamamos atenção para a necessidade de
se revisitar e de se elaborar uma adequação dos paradigmas, para que possam responder às
questões sociais e humanas, na direção das indagações de Rousseau ou, ainda, de se refletir a
118
partir das questões colocadas por Hegel, Marx, Lukács, Popper, Feyerabend e Thomas Khun.
Isso não significa, ainda, um rompimento com o cogito cartesiano, mas que o homem
continua sujeito do universo e da história. O que se seguiu a Descartes foi uma melhor expli-
citação do cogito, pela dialética, incluindo outras dimensões da razão, que Descartes não va-
altera, Khun afirmou que à transmutação do paradigma segue-se sua perda de sustentação
ou aceitação diante da comunidade científica. Em parte, Khun tem razão, quando diz que o
paradigma necessita ser balizado e reconhecido pela comunidade científica. Segundo nossa
concepção, além desses vetores apresentados por Khun, é necessário que o paradigma apre-
sente seus critérios de verificação e veracidade, sustentados pela própria realidade social,
tendo em vista que a ciência nasce na processualidade da vida social, política e econômica.
a realidade irrompe contra as teorias que não levam em consideração a processualidade. Nos-
sa perspectiva é de que a ciência tem que ser produzida com consciência e compromisso com
a humanidade. Por esta ótica, a ciência deve estar comprometida com a vida, que é refletida
mologia não justifica a crise do paradigma apenas do ponto de vista empírico, filosófico e da
aceitação ou não da comunidade científica, mas assimila como pressuposto fundante o modo
A razão dialética está voltada para o desvelamento das relações humanas. Eis aí a
objetividade da ciência, que tem como critério de veracidade a dinâmica da própria vida.
Marx, citado por COUTINHO, 1972, p. 33, apanha esse espírito, dizendo que os indivíduos
“[...] universalmente desenvolvidos, cujas relações sociais [...] são igualmente submetidas ao
seu próprio controle comum, não são um produto da natureza, mas sim da história”.
século XIX, afirmava Hegel que o real é o pensado e o pensado é o real. Dentro da lógica
gramsciana, poderíamos afirmar que a realidade e a teoria devem conter a mesma essência.
A crise dos paradigmas, segundo nosso entendimento, é aquela para a qual Marx e
Ficha os marxistas acenaram, ao afirmarem a importância da unidade entre teoria e prática. Pela
ferentes aspectos, para se evitar uma queda numa “[...] abstração sem sentido”.
Entendemos que a crise não tem sua gênese nos paradigmas, mas nos desdobra-
unidade entre teoria e prática, para que os paradigmas possam ser reinventados e abarcar a
realidade de forma permanente. Esta é uma das características da dialética como ciência do
120
não teria nenhuma finalidade. Na pedagogia social, a fenômeno estudado deve ser conduzido
a sua essência, uma vez que a dificuldade do aprendizado é apenas um sinal que pode revelar
uma multiplicidade de outros fatores. Afirmava Marx (1980, p. 352) que toda ciência “[...]
seria supérflua se a essência das coisas e a sua forma fenomênica coincidissem imediatamen-
te”. A construção do conhecimento vai da aparência à essência. Por esse caminho, vale dizer
que há níveis de realidade. Cada vez que elaboramos uma síntese, descrevemos um desses
níveis. Uma vez que a pedagogia social, como outros conhecimentos, trabalha com o sujeito,
gumas categorias, para poder compreendê-lo melhor. As categorias não podem ser vistas
por uma perspectiva hierárquica que acaba tendo uma primazia sobre o fenômeno, mas
devem ser sempre uma ferramenta de ajuda para desvendar a realidade apresentada. É uma
ingenuidade negar a importância das categorias, pois são elementos de uma arquitetura do
conhecimento. Entretanto, cada uma delas está num nível da realidade e nunca constitui a
realidade total. Neste sentido, devem sempre ser reinventadas, para que não se perca a com-
experiência da vida e na vida, como a pedagogia social. Suas categorias são dinâmicas, pois
Capa A primeira perspectiva é no sentido de que o conhecimento sempre tende a emergir de uma
experiência prática, por meio da qual se pode entrar em contato com uma realidade mais am-
Ficha pla. Exemplo: o professor, no processo de ensino e aprendizagem, observa certa dificuldade
do aluno, que pode levá-lo a uma descoberta mais ampla da dificuldade como tal.
Sumário Um segundo aspecto é que nos descobrimos sempre nas relações com o outro e com a
natureza. Nenhum indivíduo sabe quem ele é por si mesmo. Necessita do outro para sua des-
coberta. Assim, o homem se descobre na mulher, o filho no pai, o feio no bonito, e vice-versa.
suas várias tendências, entre as quais aparece a dialética. Concebemos este método como
um movimento, pois a realidade é dinâmica e contraditória e isto faz com que ela se modi-
fique permanentemente. A vida e a história são impulsionadas pela força das contradições,
perspectiva pela qual Heráclito considerava a luta como a mãe de todas as coisas. O método
superado não deixa de existir, mas é conduzido a um outro patamar. Por isso se diz que a
dialética é a negação da negação. Ela nega, mas não exclui totalmente, uma vez que alcança
Nesse sentido, falar que Descartes não deu conta suficientemente da questão do desejo e da
Ficha
emoção não significa que o excluímos totalmente. A perspectiva é de incorporá-lo, numa
linha de superação, e assumir tanto o desejo quanto a razão como fontes de conhecimento.
Sumário
A superação não tem por finalidade o escamoteamento ou a amortização das dife-
presente, na busca de deixar emergir o novo. Nessa direção, Marx explicita que não devemos
deixar que os mortos dominem o cérebro dos vivos. E acrescentamos: que os vivos saibam
dialogar com os mortos e com os fantasmas do passado e do presente, para melhor conduzir
122
suas vidas dentro do palco das contradições. Estas colocam a história a céu aberto, como um
e superado, podemos inferir, para a pedagogia social, a categoria transfazer. O sujeito não
nega sua história passada, mas a ultrapassa, vai além dela. Apropriando-se dos contextos e
do enredo de sua história, confere-lhe novos sentidos, o que facilita a articulação entre a ex-
a realização pessoal.
O sujeito não é compreendido de maneira linear, mas sim pela ótica da dialeticidade,
na qual ele é autor e resultado de sua própria história. Este movimento está circunscrito em
determinado contexto. “As pessoas negam sua história, mas não podem excluí-la, quando,
o mundo de modo confuso, ambíguo e incerto. Esta percepção não lhe permite visualizar as
Ficha
estratégias que estão no cerne das contradições e dos conflitos. A adversidade se lhe apresen-
ta como algo inevitável e intransponível. Daí, sua dificuldade para transformar o seu mundo.
Sumário
Aprendizagem é aprender a apropriar-se da história e nela superar a condição de ser apenas
vida, para poder transfazê-los. O conhecimento lhe permite refletir por uma perspectiva de
suas e do coletivo. O sujeito começa a transformar a vida, quando aprende a dar sentido ao
123
que sabe e se apropria de alternativas. Esta perspectiva nos remete à idéia de superação, pre-
sente na obra marxista. Na obra marxiana, o conhecimento deve dar prioridade à busca da
Após essa digressão, gostaria de retomar alguns aspectos que servem de apontamen-
tos da análise marxista, para serem aplicados na pedagogia social. O primeiro princípio é
que a realidade é uma síntese de múltiplas determinações. Esta afirmação pode nos levar à
vem deve ser apanhada não por um único fator, mas por uma constelação de fatores, desde a
história do próprio indivíduo, ao desejo, ao meio ambiente, às relações afetivas, aos aspectos
biológicos. Entre esses fatores, podemos evidenciar um fator determinante, tomando o cuida-
do de não transformar o educador num objeto das nossas convicções teóricas, na perspectiva
do leito de Procusto.
Outro princípio é de que o homem faz a história e a história faz o homem. Portanto,
se o homem é resultado da história, não é menos verdade que ele a produz. Esses dois pres-
supostos não devem ser compreendidos como uma soma, nem como uma via de mão dupla.
Há entre eles uma correspondência que provoca transformações permanentes. Nesse sentido,
O terceiro princípio é de que não basta conhecer a realidade, mas é preciso trans-
formá-la. Neste sentido, o conhecimento se torna importante para o sujeito, à medida que
Capa e do espaço em que está inserido. O conhecimento não é apenas uma abstração, mas uma
ferramenta que facilita o viver bem e melhor. Finalmente, um quarto princípio diz respeito à
Ficha ação e reação humana sobre a natureza e os outros homens. Esta relação permite ao homem
se descobrir.
Sumário A pedagogia social contribui para que o sujeito possa aprender a negociar sua sub-
sujeito saudável e maduro tem que saber articular essas duas dimensões. Ressalte-se que o
homem é sapiente e demente. Às vezes, necessita deixar-se conduzir um pouco pelo mundo
externo. Outras vezes, deve irromper contra ele. Sempre numa perspectiva de correspondên-
124
cia.
Aqui não podemos fazer um julgamento do que é bom e do que é mau, mas sim do
sapiens. Essa dialética entre a consciência e a inconsciência é que impulsiona o sujeito a rom-
per com a paralisação e o conformismo, a encontrar sentidos para a vida, que correspondam
a seus anseios.
No cenário do século XXI, ganharam forças novos sujeitos e novas vozes, evidencia-
desumanização e a exploração. A par com essa situação, a política de direitos contém uma
face ambígua, estende um braço protetor para o sujeito e outro para o mercado.
emerge uma educação para a subserviência das classes subalternas. A pedagogia social atua
Capa
no campo da consciência e da construção de sentidos, pressupõe a desconstrução das práticas
soal e da comunidade, o que faz da educação social uma necessidade imperativa. Ela respon-
Sumário
de à exigência de uma consciência planetária, comprometida com o bem da humanidade e
da natureza.
A pedagogia social é uma teoria que busca explicar as múltiplas formas de práticas
R efer ê ncias
ADORNO, T. HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar,
1991
BERMAN, M. Tudo que é sólido desmancha no ar. Companhia das Letras, 1990
BOFF, C. O livro do sentido: qual é, afinal, o sentido da vida? Vol. II. São Paulo:
Paulus, 2018
uma força poderosa que alimenta a inovação, promove a inclusão e impulsiona o progresso
social, lançando luz sobre o potencial transformador que reside no fato de abraçarmos e ce-
de de culturas e hábitos (DaMatta, 1984). Ainda de acordo com o autor, o país possui grupos
Sumário
distintos em sua convivência, modo de pensar e se portar, além de suas diferentes crenças.
Por muito tempo no Brasil imperava o mito do triângulo racial, composto por três
matrizes étnicas: indígena, africana e europeia (DaMatta, 1984). Barros (1996) em seu tra-
balho, fortalece tal ideia de que os traços culturais, regionais, entre todas as características
128
do povo brasileiro, estão nas raízes da nossa história, geografia, formação étnica, entre outros
elementos.
ção dos senhores e seus escravos – no período colonial, em que até outro dia o país torturava
diversidade e inclusão de grupos minoritários como sendo efetivos nesse processo de mão de
obra?
Barbosa (2006) acrescenta que o nosso sistema tão marcado por esse trabalho es-
cravo, onde as relações entre patrões e empregados eram definitivamente relacionadas por
laços pessoais de simpatia e amizade se confundindo e sobressaindo as leis, o que nos dias
atuais pode ser observado como um processo que ainda se constitui em muitas culturas or-
ganizacionais.
e rentabilidade (Sekkel, 2005), (Sant’ Ana, 2005) (Silveira, 2006), surge então o questiona-
mento: quais seriam os possíveis entraves para que esse processo ocorra?
De acordo com os estudos de Hofstade são apontadas quatro áreas básicas de pro-
blemas representados através de dimensões das culturas. Para ele, dimensão é um aspecto de
uma cultura que pode ser medido em relação a outras culturas, podendo ser apresentado em
maior ou menor intensidade, fator esse que pode impactar na criação de um ambiente em
Outro termo elucidado por Barbosa (2006) e que pode interferir nesse processo de
surge como o vetor através do qual a sociedade brasileira estabelece uma igualdade e uma
129
justiça social, ou seja, se expressa por uma hierarquia de necessidades que desconhece de-
Para continuarmos essa linha de raciocínio, é fundamental que alguns termos sejam
C ultura organizacional
Muitos são os estudos sobre o tema cultura organizacional, como consequência, di-
Reilly (2016) defendem a concepção de que se trata de “normas que caracterizam um grupo
multifacetado, ou seja, não pode ser reduzida a uma frente específica, mas sim toda uma
Ficha
engrenagem de aprendizado e esforços, em que deve ser levado em consideração que não
D i versidade
lhanças, sejam elas visíveis ou invisíveis, que tornam as pessoas únicas conforme sua perso-
130
nalidade, etnia, gênero, raça, região, entre outros. Esty, Griffin e Schorr-Hirsh (1995) vão
aceitação e valorização das diferenças entre as pessoas com relação à idade, classe, raça, et-
gerar maior criatividade e inovação, pois, quando pessoas de diferentes origens e experiên-
cias trabalham juntas, elas podem abordar problemas de maneiras únicas, o que pode levar
a soluções mais eficazes (Kochan, 2003). Entretanto, o autor clarifica que o contrário pode
atrapalhar toda uma gestão de equipe, afinal, quando não há espaço para o diferente, a orga-
nização tende a ter pouco espaço para inovar e desenvolver novas habilidades entre equipes.
da equipe, pois, quando as pessoas trabalham com outras de diferentes origens e experiên-
cias, elas podem aprender sobre diferentes culturas e pontos de vista, o que pode levar a um
nação no local de trabalho, criando um ambiente mais inclusivo e acolhedor (Farns, 2002).
ram revisados 106 estudos publicados em 75 revistas no período de 1997 a 2021. Com base
na análise desses estudos, foram identificados três temas emergentes, entre eles a necessida-
de de uma definição mais clara da diversidade cultural, uma vez que a mesma pode ser ma-
nifestada de diferentes formas, como raça, etnia, nacionalidade, idioma e origem geográfica.
Capa cultural, destacando a necessidade de definições claras e uma compreensão aprofundada dos
mecanismos teóricos, pois, essas informações podem contribuir para o avanço da pesquisa
Ficha nessa área e ajudar as organizações a melhor gerenciar a diversidade cultural em suas equi-
Sumário
I n c lusão
acima, a inclusão é igualmente importante, pois, consiste em criar um ambiente em que cada
indivíduo se sinta respeitado, valorizado e ouvido (Carvalho, 2007). Ainda de acordo com a
131
autora, o processo de inclusão envolve a promoção de uma cultura que abraça as diferenças,
incentiva o diálogo aberto e busca ouvir de forma ativa as vozes diversas, podendo assim
Sekkel (2003), Sant’ Ana (2005) e Silveira (2006) convergem ao salientarem que a
inclusão além de pressupor que alguém passe a habitar um local, também possibilita a criação
transformadoras, ou seja, a inclusão não se reduz as aos grupos tidos como minoritários,
mas se apresenta como um novo paradigma e olhar sobre todas as esferas de uma cultura de
Emílio (2004) aponta que se no primeiro momento a inclusão desses grupos apa-
realizado com seriedade e ética poderá propiciar a todas as pessoas participantes do mesmo
Para que isso aconteça Ainscow (1997) acrescenta a necessidade de pensar na cons-
Capa partir da fala de pessoas colaboradores de uma organização, se a cultura organizacional pode
Ficha atual e desejado, além de compreender como as pessoas entendem o termo diversidade e
Sumário Tal pesquisa, buscou trazer contribuições através de um material teórico baseado no
contexto cultural de uma organização a partir da fala das pessoas colaboradoras, possibilitan-
de uma pesquisa exploratória para compreender uma possível relação entre cultura organi-
da Matriz de Amarração.
qualquer tipo de desconforto, a pessoa poderia interromper sua participação sem que isto
acarretasse nenhum risco para a mesma. Os nomes de todas as pessoas participantes não
foram revelados, utilizando um nome ficticio. A divulgação de resultados terá apenas fins de
pesquisa científica.
R esultados e discussão
e 33,3 em Recursos Humanos. O tempo de atuação na empresa atual é 66,6% inferior a 1ano.
Sumário pessoas entrevistas a ideia de que uma cultura ideal tem relação direta com segurança em
diversidade e inclusão, pois ela está em fase de construção dentro da organização. Tal visão,
corrobora, com (Schein, 2009) ao trazer o conceito de cultura como um fenômeno multidi-
mensional e multifacetado, ou seja, que não pode ser reduzida a uma frente específica, mas
sim toda uma engrenagem de aprendizado e esforços, em que deve ser levado em considera-
133
através de falas como “importante para que os problemas possam ser revolvidos por diferen-
tes perspectivas, que possamos ser quem realmente somos, se expor sem julgamentos (segu-
rança psicológica).”, o que vai de encontro com a ideia da diversidade trazer perspectivas e
ideias diferentes para a equipe, podendo gerar maior criatividade e inovação, pois, quando
pessoas de diferentes origens e experiências trabalham juntas, elas podem abordar proble-
mas de maneiras únicas, o que pode levar a soluções mais eficazes (Kochan, 2003).
mento, compreensão, aceitação e valorização das diferenças entre as pessoas com relação à
idade, classe, raça, etnia, gênero, deficiências etc. relaciona com a fala da entrevista 2 sobre
permitir que as pessoas vivam 100% a sua identidade sem medo de exclusão, preconceito ou
cada indivíduo se sinta respeitado, valorizado e ouvido (Carvalho, 2007), conforme trazido
pela autora, o processo de inclusão envolve a promoção de uma cultura que abraça as dife-
renças, incentiva o diálogo aberto e busca ouvir de forma ativa as vozes diversas, podendo
que estimula a colaboração e maior produtividade, o que vai de encontro com as falas das
pessoas entrevistadas “a inclusão é dar voz, dar espaço e lugar a essas pessoas para que elas
Capa se sintam seguras para viverem sua integralidade.”; “oportunidade dar espaço para as mais
Sumário
C onsideraç ões finais
Para isso, foram realizadas três entrevistas nas pessoas participantes e como resulta-
dos apontados na discussão acima, foi possível categorizar as respostas em três constructos:
134
O presente estudo, apresentou através do material coletado nas entrevistas que exis-
te certa relação na cultura organizacional, seus valores, comportamentos, regras ditas e não
dela.
Pelas entrevistas, pôde se observar que a cultura organizacional das três pessoas
não se reduz apenas aos grupos minoritários, e sim, como um novo paradigma, um novo
quaisquer naturezas.
Aqui, é importante salientar que para tal processo se faz necessário superar o precon-
ceito, este que de acordo com Crochík (1995) é uma generalização baseada em experiências
reflexão, fazendo com que o indivíduo tenha uma ação predisposta a certos grupos. Ainda de
de maiores discussões, mas não apenas de discussões teóricas, e sim da prática, do cotidiano
Ficha das organizações, do que realmente tem dado certo bem como dos fracassos, pois a falta de
contato com a realidade dentro das organizações pode ser um dos entraves para a prática de
Adorno (1995) apresenta que é mais fácil anular grupos e minorias sociais, segre-
gando-os, do que questionar valores sociais já impostos, além de apontar que é preciso ter
atenção ao efeito trazido quando a competição é colocada em primeiro lugar, pois, perde se
dentro da mesma organização, para maior fidedignidade dos dados e corroboração nos re-
sultados apresentados, além da possibilidade de investigar dois tipos de culturas: uma que
facilita o processo de diversidade e inclusão – como aqui apresentada, e, uma segunda que
dificulta esse processo, assim gerando elementos para entendimento das variáveis que impac-
O tempo para realização da pesquisa também propiciou uma lacuna que impactou
na possibilidade de uma investigação mais aprofundada, que poderia lançar luz sobre tal en-
tendimento e melhor clareza e riqueza dos dados, como exemplo, maior número de pessoas
entrevistas. Tal ponto, pode ser desenvolvido na continuação deste mesmo trabalho e de
Por fim, mesmo com o número limitado de pessoas respondentes, é possível inferir
conforme apontado por Alvesson (2002) de que a cultura organizacional vista como um
“fenômeno mental de como os indivíduos de um grupo específico pensa e valoriza tal situa-
ção”, mediante as respostas durante as entrevistas realizadas, é notória durantes suas falas, o
quanto dos seus pensamentos e valorização, o grupo deu para a cultura organizacional como
R efer ê ncias
ADORNO, T. Educação e emancipação. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1995.
AINSCOW, M. Educação para todos: torná-la uma realidade. In: Ainscow, M., Porter,
G. E Wang, M. Caminhos para as escolas inclusivas. Lisboa: Instituto de Inovação Educacional,
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Ficha REIS. J. As identidades do Brasil: de Varnhagem a FHC. Rio de Janeiro: FGV, 2005.
Capa
Ficha
Sumário
138
lher Brasileira (CMB) e sua relevância diante da história cultural no Brasil. O movimento que
nasceu e perdurou na ditadura militar brasileira, período que deixou os movimentos sociais
cada vez mais ocultos, a repressão e a perseguição desses movimentos ditos de esquerda
revolucionária, que possuíam ideologias e lutas pela democracia, pela liberdade, pela equi-
dade e por diretos com muita resistência e organização. Ainda que entre 1976 a 1985 tenha
sido considerada a década da mulher em todo o mundo pela Organização das Nações Unidas
não apenas dos militares no poder, mas também daqueles que eram seus companheiros de
Capa
luta. O movimento influenciou diretamente outros grupos e até mesmo jornais e publicações
sobre o movimento feminista. Criando um jornal, NÓS MULHERES, com sua primeira edição
Ficha
em Junho de 1976 e que trazia em seus editoriais, diversas pautas e reivindicações feministas
da segunda onda, ou mesmo simplesmente das necessidades básicas das mulheres em seu
Sumário
cotidiano, principalmente nas periferias brasileiras ou de mães solo que buscavam o básico
Figura 01: 1º edição Revista Nós Mulheres – Junho/76 - Acervo: Fundação Carlos
Chagas .:FCC:.
do a falta de direitos, sejam eles políticos ou civis, muitas mulheres foram duramente perse-
guidas e torturadas, sendo que dada as suas condições de MULHERES, tiveram suas torturas
políticas. Com esse cenário de terror, unir-se em pequenos grupos “camuflados” em bares,
Ficha
bibliotecas, entre outros, era um risco durante a censura. Tendo em vista que mesmo dentro
de grupos revolucionários que lutavam pela democracia e pelo fim da ditadura, existia um
Sumário
machismo latente, as mulheres eram enviadas para tarefas consideradas “menos” importan-
tes ou com menos relevância. Dessa forma, essa análise busca responder de forma ampla o
e preconceito.
140
da hoje olha para as mulheres, ditas revolucionárias que lutaram não apenas por diretos e
equidade de gênero, mas que buscavam a liberdade do país e a democracia, já que apenas
por meio dela é possível debater as pautas feministas. A história cultural pode nos ajudar na
análise de todo contexto brasileiro da história das mulheres e como a construção social nos
ensina durante a nossa vida, entender o que de fato é ser mulher no Brasil, esse que possui
um feminismo com características próprias, que foram se desenvolvendo sobre uma perspec-
entender quais avanços o movimento teve nas conquistas feministas em nossa sociedade.
assim como ao longo da história em diversas civilizações, sejam eles pais, maridos, irmãos,
filhos, ou seja, não tinham direitos ou mesmo oportunidades e durante um longo período do
Brasil colônia a única função feminina era de ser filha, esposa ou mãe e ainda que algumas
mais baixa e outras muitas vezes trabalham como costureiras ou em fábricas para sustentar
suas famílias.
Durante o período do Império, uma mulher tem seu nome em destaque, Nísia Flo-
resta fundou uma escola para meninas, desta forma a educadora possibilitou as meninas ao
Capa ambiente público, já que as mulheres estavam restritas ao privado. Podemos então identificar
que historicamente a educadora Dionísia Gonçalves Pinto (Nísia Floresta), iniciou o primeiro
Ficha “movimento feminista” brasileiro, trazendo algo que hoje consideramos básico na vida de
Sumário Em 1907 a greve das costureiras, e em 1917 com inspirações sindicalistas de imi-
grantes, iniciava-se a busca por melhores condições de trabalho para as mulheres, proibição
de trabalho noturno e melhores salários. No século XX volta e pauta o debate sobre a par-
Feminino foi fundada, com objetivo principal o voto feminino. Apenas em 1928 o primeiro
Bertha Lutz que na década de 1920 estava ligada as causas femininas e exerceu ine-
gável liderança (PINTO, 2003, p. 13). Foi à segunda mulher a entrar no serviço público brasi-
leiro. Após muitas campanhas e a criação da Liga para a Emancipação Intelectual da Mulher,
que foi embrião da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino (FBPF)1. Finalmente em
1932 o governo Getúlio Vargas concede o sufrágio feminino após muita luta das mulheres.
Ainda que o feminismo brasileiro seja distinto em muitas pautas e debates, uma
característica bastante comum com os outros países é de fato quem são as mulheres mais
da classe média, que possuem acesso a estudos e livros, ou seja, acesso ao conhecimento,
às ideias. E principalmente porque tem a oportunidade de viajar para países europeus, que
iniciaram debates acerca do feminismo com bastante antecedência. Para além das viagens e
elites é a educação, o estudo histórico e filosófico que possibilita o senso critico. Ou mesmo o
tão conhecido dos filósofos gregos, o ócio criativo. Ainda que as mulheres mais pobres tives-
sem acesso ao trabalho, algumas aos sindicatos, pois o trabalho era extremamente necessário
para contribuir na renda familiar, essas mulheres tinham pouco ou quase nenhum acesso ao
situação da mulher na sociedade, não era de fato um assunto pertinente ou mesmo importan-
te). Esses assuntos chegaram primeiro às mulheres que tinham acesso as universidades, que
traziam tal pensamento crítico. Já as mulheres de classes mais baixas, tinham a oportunidade
Capa de conhecer sobre o feminismo em sindicatos trabalhistas, aonde podiam se reunir e muitas
vezes questionar o papel da mulher no trabalho e em suas casas, já que essas sofriam a dupla
Como a questão de gênero é uma construção social, pois é a sociedade que nos apre-
Sumário senta como “devemos” ser, Simone de Beauvoir deixa bastante claro em seu livro o segundo
sexo, na frase “Não se nasce mulher, torna-se”, onde nos traz a condição de ser mulher ou
homem, como uma construção da identidade de gênero e essa é transmitida por nossos pais e
mães, e para além dessa identidade temos também as questões sociais, pois muitas das nossas
relações sociais são pautadas pelas nossas relações econômicas e o sistema capitalista, essa
divisão de classes apresentada por Marx em suas obras é também observada nas relações de
1 Bertha Lutz — Senado Notícias
142
gênero, na divisão do trabalho e na relação de poder entre homens e mulheres. Sendo o tra-
balho da produção reservado aos homens, pois geram valor e o da reprodução as mulheres,
No livro “A Mística feminina” da autora Betty Friedan, que nos apresenta um contexto
histórico das décadas de 1950 e 1960, onde as mulheres tinham sua posição social definida,
sendo a mulher aquela que limpa a casa, cuida do marido e dos filhos, abordando questões
significativas com o abandono dos estudos por meninas e mulheres, para poderem casar e
serem donas de seus lares. As indústrias vendiam a vida perfeita, com os eletros domésticos
perfeitos para melhorar a vida da dona de casa, o verdadeiro sonho americano. Essa propa-
ganda de uma vida como dona de casa, chega ao Brasil, pois esse também seria o “papel” da
mulher na sociedade brasileira. Não apenas com a expansão do capitalismo americano, mas
são, assim como a sociedade patriarcal também já tinha estabelecido tal posição.
A grande virada de chave para as mulheres na história foi à maciça entrada de mu-
na vida acadêmica segundo RAGO3 em seu artigo “As mulheres na historiografia brasileira”,
pois forçou a quebra de silêncio das historiadoras. Assim, com a quebra de paradigmas da
história, o olhar feminista tornou-se uma saída para muitas mulheres que buscavam construir
um novo discurso histórico sobre o papel da mulher na história social e na história cultural.
Capa Esse que buscamos incansavelmente e as muitas mulheres que estavam durante um período
Ficha O Movimento feminista brasileiro é bastante peculiar, já que podemos dividi-lo em eta-
pas, segundo Céli Pinto, inicialmente o feminismo era “bem comportado”, que tinha o foco sufrá-
Sumário gio liderado por Bertha Lutz, que mantinha um caráter conservador e não questionava a opressão
feminina. Já a segunda tendência é o feminismo “mal comportado” que era mais heterogêneo
com mulheres intelectuais, anarquistas, líderes operárias, que falavam da opressão da mulher, da
dominação masculina e outros temas dados como tabu, como sexualidade e divórcio.
2 MORAIS, Letícia Viana de. Assim sobrevivemos: narrativas de militantes presas políticas no
Presídio Tiradentes (1969 – 1976). 2022. 112f. Dissertação (Mestrado em História Social) Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2022.
3 Microsoft Word - As mulheres na historiografia brasileira.doc (mpbnet.com.br)
143
da mulher e o seu avanço social.” Durante a conferência participarão 133 delegações, des-
tas 113 eram lideradas por mulheres. Dentre as discussões, algumas pautas sobressaíram
pação e contribuição plena das mulheres para a paz mundial. Ficou estabelecido que o ano
seguinte fosse iniciado à década das mulheres, entre 1976 e 1985, para que os governos
campos sociais, como a educação, política, ao trabalho, direitos civis e nas atividades do-
mésticas.
feminismo possibilitou que em muitos países o debate sobre o feminismo fosse iniciado,
possibilitando e influenciando a ONU para decretar que em 1975 fosse o Ano da Mulher.
Com as diversas ditaduras militares implantadas na América Latina, como a que entrou em
nos ditatoriais impossibilitou que muitas mulheres pudessem se reunir e se organizar para
debates feministas. Portanto, o debate na Organização das Nações Unidas foi fundamental,
para que as mulheres pudessem iniciar um debate, ainda que fosse em âmbito doméstico,
ou mesmo em reuniões organizadas por grupos de mulheres, longe dos olhos da censura
militar.
Capa
A I conferência Mundial para as Mulheres de fato foi um grande passo para a dis-
sociedade. Para muitos conservadores é necessário manter o status quo e permanecer uma
Sumário
sociedade desigual. Manter as mulheres submissas, cuidando apenas da casa, do marido e
dos filhos, esse é o lugar da mulher para muitos. Os ideais feministas e a luta por essa igual-
dade é de fato um desafio, ainda atualmente. Mas o Ano Internacional das Mulheres forta-
leira – CMB, esse movimento que traria efetivamente as pautas feminista para o Brasil, ainda
em outros países. O CMB foi à primeira organização feminista no país. Portanto, tinham di-
patriarcal é bastante latente desde a formação colonial, sendo a mulher o outro, assim como
Após a ONU estabelecer em 1975 o ano da Mulher e como a pauta feminista já estava
fervilhando a segunda onda. Muitas autoras estavam publicando livros sobre a questão da
mulher, as mulheres estavam nas universidades e estavam nos meios de produção, desta for-
ma elas iniciaram estudos e questionamentos sobre qual a condição da mulher na vida social,
Capa
e quais são os papeis da mulher nessa nova sociedade que se formava.
com dez pessoas, muitas pessoas não participaram por medo da repressão, ainda com um
documento assinado pela ONU, e que também em alguns debates foram incluídos homens,
já que havia uma necessidade de um público misto, pois era impensável não ser misto esse
debate naquele período, segundo Maria Luiza “Inventamos o nome pomposo de ‘Pesquisa so-
bre o Papel e o Comportamento da Mulher Brasileira’ para não usar o termo ‘feminista’, que
para um debate, e criaram “Grupos de reflexão”, desta forma acreditavam que teriam mais
liberdade para a conversa longe de uma organização. Mas, logo os debates e as reflexões
Como em 1975 no Brasil, a ditadura militar ainda estava bastante fortalecida assim
como a censura e a repressão, os grupos e organizações viam como pauta de urgência a luta
pelo fim da ditadura, portanto, o foco era a discussão contra a ditadura, organização social
lares” (PEDRO, 2012, p. 247). Introduzir as mulheres de classes populares era essencial para
o debate, pois a temática central era a mulher no mundo do trabalho, para que o enfoque
-leninista (SOIHET, 2007, p. 243), por este motivo a luta de classes e a politização de mulhe-
Ficha
res trabalhadoras é bastante difundida e a ameaça de repressão era constante. Estar inserida
na vida politica partidária era fundamental para muitas mulheres, pois, nesses ambientes a
Sumário
figura masculina é muito presente, e a mudança era necessária dentro de partidos e outras
organizações, pois estes descriminavam a presença feminina, ainda que revolucionários. Nes-
ses partidos a liderança pertencia aos homens. O feminismo não fazia parte das pautas dos
grupos e partidos de esquerda brasileiros, o tema era considerado muito burguês, além de
ser considerado um tema “importado” de outros países, principalmente dos países europeus.7
Assuntos como luta pela liberdade e fim das ditaduras, educação, saúde e trabalho da
mulher foram os iniciais para as reflexões, no inicio a temática feminista foi pouco abordada.
Portanto, havia duas tendências de pautas dentro da CMB, já que muitas mulheres queriam
abordar de forma mais ampla questões feministas como sexualidade, liberdade, aborto, pra-
zer, contracepção, entre outros temas muito relevantes, que estavam sendo debatidos ao
redor do mundo pelas mulheres. Mas a militância feminista da época sofria uma observação
atenta dos grupos de esquerda, já que a luta pela ditadura militar brasileira tinha como prio-
ridade a luta de classes e/ou a luta pela democracia (PINTO, 2003, p.58), desta maneira,
podemos dizer que o grupo tinha uma opressão por dois polos, pelo regime ditatorial de um
lado e pelos grupos de esquerda de outro, pois havia uma oposição da esquerda quanto ao
feminismo, o grupo desta forma não era unitário, já que a contradição esta dentro do próprio
centro.
cismas de quais pautas de fato eram relevantes para a sociedade brasileira, diferenças que
foram percebidas principalmente por mulheres que haviam participado de movimentos femi-
nistas na Europa, que abordavam temas como violência doméstica, que ainda era um tema
ainda longe das pautas aqui no Brasil, dentro da CMB havia contradições externas e internas
-leninista. Algumas com natureza mais política que abordavam as condições coletivas, com
Capa exceção das radicais. As marxistas tinham como pensamento central a luta de classes, as
Ficha de mulher no centro do debate. Portanto esse cisma de pautas, como já mencionado acima,
dificultava o grupo a entrar em um consenso. Para Pinto (2003), outros fatores também con-
Sumário tribuíram para que a segunda onda feminista tivesse grande dificuldade de entendimento no
A participação politica partidária era de fato necessária mesmo longe do CMB, era
uma maneira de inserção na vida política e pública de muitas mulheres, relembrando que
na sociedade patriarcal, as mulheres devem estar restritas ao privado, portanto, essa vida
7 MARQUES, Ana Maria ; ZATTONI, Andreia Marcia. Feminismo e Resistência: 1975 – O Centro
da Mulher Brasileira e a revista Veja. Hist. R., Goiânia, v. 19, n. 2, 2014
147
politica era necessária para o debate político, e mais ainda para debater pautas feministas. A
aproximação de classes populares também foi intensificada pelo CMB, mulheres trabalhado-
ras deveriam trazer suas pautas, participar e também deviam ser introduzidas ao feminismo,
já que este precisa debater a camada mais numerosa, mais popular e a mais atingida pelo
sistema patriarcal e capitalista, assim como apresentado por Moema Toscano: “Vamos levar
Ainda que a maior parte dos debates não fosse especificamente feminista, pois em
sua maioria e como já analisado, traziam em sua agenda a luta pela democracia, fim da dita-
dura, liberdades democráticas e temas como saúde, educação e trabalho da mulher. Nenhum
abordados por uma pequena parte do grupo, que entendiam que essas eram pautas que já
estavam sendo debatidas em todo mundo, com a ajuda de grandes escritoras como Simone
de Beauvoir na França e Betty Friedan nos Estados Unidos, que abordavam assuntos rele-
lugar a uma perspectiva de gênero. Essas diferenças entre as discussões sobre feminismo e a
mulher são bastante claras quando apresentamos uma perspectiva estrangeira e brasileira, e
Segundo Moema Toscano que fez parte do CMB ao longo de seus 25 anos de existên-
cia (1975 a 2000), ela enxergava a questão da mulher como um problema social que seria
resolvido paralelamente à resolução dos problemas gerais, pensando o trabalho das mulheres
mais sofriam com essa realidade: as trabalhadoras urbanas e rurais.8 Uma visão feminista so-
Ficha bre as mulheres e a questão das mulheres, não apenas no Brasil. Moema apresenta ao artigo
ANPUH, que teve um grande encorajamento de seus pais em trilhar novos caminhos, por-
Sumário tanto o casamento e a maternidade não seriam uma predestinação da mulher. Pensamento
e caminho completamente diferentes de muitas mulheres do período. Moema era uma das
integrantes que acreditavam que os debates feministas dentro do CMB eram fundamentais.
Em 1985 chega ao fim a Ditadura Militar, que deixou várias marcas econômicas,
leira menos machista, menos patriarcal e menos desigual. Durante os 21 anos dos militares
no poder, as pautas femininas foram abafadas, mas as mulheres ainda estavam de pé para a
luta. Simone de Beauvoir diz “Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou
religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados” (BEAUVOIR, 1949)
O CMB sobreviveu aos longos anos da ditadura militar, ainda com suas diferenças
ideológicas acerca do feminismo, sobreviveu até os anos 2000, e essas mulheres estavam
reunidas no grupo que iniciou para necessárias reflexões, e que foi essencial para entender e
discutir a mulher na sociedade brasileira. Sem sombra de dúvidas a criação do CMB foi à por-
questionar a predestinação feminina, esse destino já traçado para as mulheres, que era estar
vezes nem ao menos tinham direitos, como durante os períodos da Idade Antiga, na Grécia e
em Roma, que nem cidadania essas mulheres tinham. As mulheres buscavam ser compreen-
didas como seres humanos9, cidadãs ativas, integrantes de uma sociedade ou mesmo de uma
luta social. Num período nebuloso, como a ditadura militar brasileira, essas guerreiras que-
Ainda que a luta pela democracia e a luta contra o machismo fosse tão latentes e
permanentes ao longo do percurso histórico, quando falamos e pensamos sobre o direito das
mulheres só o ato de unir-se é extremamente importante. Quando somos mulheres que bus-
camos direitos, até mesmo as nossas diferenças nos unem pelo desejo da igualdade.
Capa
Sumário mo. Há ainda muito a ser feito no campo da história cultural sobre as mulheres e movimentos
sociais que buscavam e buscam igualdade. Portanto é de grande relevância buscar dentro
deste campo, as diversas autoras, análises e pontos de vista sobre um tema ainda tão atual.
um período bastante turbulento em nossa história, durante um tempo que debater e discutir
9 1947 com a Comissão Sobre a Condição da Mulher (ONU) e em 1948 com a Declaração de
Direitos Humanos.
149
quaisquer pautas dadas como subversivas era impensável. Mas, foi exatamente neste momen-
to em que muitas mulheres decidiram entender quais eram as correntes que lhes prendiam,
como sair da posição de outro, de objeto e de submissão. O debate no mundo inteiro possibi-
litou que grandes mulheres escrevessem e pensassem o feminismo. Esse movimento de fato
abriu as portas do feminismo brasileiro e iniciou uma busca por direitos e por equidade já
era necessária há muitos anos. Muitas mulheres não se contentavam mais em receber ordens,
serem apenas mães e esposas, ou apenas uma empregada com dupla jornada de trabalho,
era necessário estourar a bolha social e debater com todas as outras mulheres as necessi-
dades, que eram de fato inúmeras, pois não tem como estar satisfeita sendo aquilo que os
outros querem que você seja. Mais significativo ainda é enfrentar uma ditadura militar, em
um contexto histórico que já retrocedia direitos civis e torturava pessoas. O CMB tinha inú-
meras rupturas internas, e muitas diferenças ideológicas o que acabou atrasando discussões
necessárias. E para além das divergências a grande influência externa de outros grupos pela
democracia, pois naquele momento essa era a luta principal. Ademais era necessária para
além do cisma de pauta estabelecida, a luta pela democracia no país, para que de fato todos
ainda hoje estamos em constante busca por direitos. Muitos dos debates iniciados a partir dos
anos 50 e 60, ainda estão em pauta, muitas discussões são questionadas e quando falamos do
feminismo no Brasil ainda há certo tabu. Vivemos ainda com a sombra da ditadura militar, e
com o medo de declarar-se feminista. Das pautas que eram relevantes no inicio do CMB, ain-
Ficha Muitas conquistas foram realizadas ao longo dos anos, mas ainda há muito pelo que
Sumário VID-19 tivemos números alarmantes, o feminicídio é uma realidade, a participação politica
dentro dos partidos é um espaço que esta sendo conquistado aos poucos, portanto, ainda é
Mas afinal, o que o CMB apresentou para a história das mulheres brasileiras, quais
os avanços feministas? Esses foram vários é inegável que os debates iniciados em 1975 foram
essenciais para muitas conquistas, hoje temos muitas pautas essenciais sendo debatidas em
150
diversos grupos, dentro da política, nas escolas, em nossas casas. Não delimitamos esses de-
bates, hoje temos uma diversidade de feminismos que devem ser escutados, “Mais de quatro
décadas depois, ocupamos o mesmo espaço, agora como mulheres, negras, trans, faveladas,
Apresentar nosso lugar na história, lutar por nossos direitos, pela nossa posição como
agentes ativos. As demandas dos movimentos e lutas feministas desde seu inicio é tirar as
pode nos contar com muita base bibliográfica e oral sobre as conquistas que ainda são tão
necessárias alcançarmos. E podemos concluir que para as feministas brasileiras o CMB foi
essencial, a criação de um movimento feminista que de fato trouxesse os assuntos mais temi-
dos e mais necessários paras as mulheres brasileiras, foi graças à criação da CMB que tantos
R efer ê ncias
BEAUVOIR, S. O segundo sexo. São Paulo – SP. Editora Nova Fronteira, 2020.
PINSKY, C (org.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012.
PINTO, C. Uma História do Feminismo no Brasil. São Paulo – SP. Fundação Perseu
REZZUTTI, P. Mulheres do Brasil_A história não contada. São Paulo – SP. LeYa, 2018.
tadora Nacional). São Paulo – SP. Alameda Editorial, 2022. RIDENTI, Marcelo. O fantasma da
nos anos 1970 e 1980. In: FERREIRA, J; REIS, D. (org.). Revolução e democracia (1964...).
TELES, M. Breve História do Feminismo no Brasil. São Paulo – SP. Brasiliense, 1993.
Ficha (Coleção Tudo é História)
res, reside uma essência que não se pode tocar, mas que se sente em cada canto da escola: a
afetividade. Como os rios silenciosos que fluem entre a Amazônia, a afetividade serpenteia
entre as raízes da aprendizagem, dando vida a cada folha do saber, a cada flor da curiosidade.
Este capítulo não é meramente um compilado de ideias, mas uma alegoria àquilo que, embo-
o conectar.
não apenas entender, mas sentir a trajetória da afetividade. Assim como uma melodia que
ressoa em diferentes e inúmeros instrumentos, cada área do conhecimento traz sua própria
escala, sua própria cor e tonalidade, ao vasto mosaico da sociedade brasileira. Ao adentrar
Capa
os territórios da afetividade escolar, você não apenas verá conceitos, mas será convidado a
dançar na cadência das emoções que permeiam nosso ser e nossa busca pelo conhecimento,
Ficha
enxergando em si e em sua história, os fios da afetividade que lhe trouxeram até aqui.
No fervente espaço de uma sala de aula, onde o giz deixa vestígios de pensamentos e
Sumário
simbolismo nas lousas e o riso infantil ecoa como uma melodia eterna, há algo mais profun-
do, um pulsar invisível, um choro em pedido de socorro que clama por ser ouvido, que une
corações e mentes em uma dança silenciosa: a afetividade. Ela não é apenas um conjunto de
emoções, mas a seiva que alimenta da raiz às folhas da aprendizagem, que nutre cada ramo
do saber.
Visualize uma vasta tapeçaria, ricamente bordada com fios de algodão, em cores
153
vibrantes. Cada fio representa um sentimento, uma emoção, uma conexão. Estes fios, en-
trelaçados, formam imagens e padrões que contam histórias, refletem culturas e capturam
essências. Assim é a escola: uma tapeçaria viva de afetividade, onde cada criança, professor
evolução. Mas como toda tessitura, também contém tensões, rebentos, remendos e fiapos em
forma de emoções delicadas, e por vezes fortes, que se não dadas a devida atenção ameaçam
diversificados. Dos salões empoeirados onde Paulo Freire sonhava com uma Pedagogia dos
Sonhos Possíveis, aos escritórios silenciosos onde Piaget e Vygotsky debatiam o ballet da
mente e emoção. Viajaremos explorando como a afetividade foi percebida pelos olhos da his-
tória e refletida nas lentes da filosofia. Cada parágrafo, uma jornada; cada página, um novo
território.
No entanto, esta não é uma mera viagem acadêmica. É uma peregrinação do sentir.
Porque, ao falar de afetividade, tocamos na essência do que significa ser humano. Somos
seres que sentem, amam, sofrem, sonham e se conectam. E é essa conexão que desejamos
apenas pensar, mas sentir. A mergulhar nas águas profundas das emoções e emergir com
uma compreensão mais rica de como elas tencionam, influenciam e enriquecem a experiência
educacional.
Capa
Sumário do conteúdo e da avaliação, um pensador audacioso, Paulo Freire, surgiu do coração pul-
sante do Brasil para redefinir a essência do ensino. Freire não apenas desafiou os métodos
pedagógicos convencionais, mas também lançou luz sobre o componente vital muitas vezes
nos despir das noções tradicionais de ensino. Imagine uma escola não como um lugar onde
154
como um ato profundamente humano, uma troca que ocorre não apenas no nível intelectual,
informações nos estudantes. Ao invés disso, ele vê a educação como um diálogo, um processo
colaborativo em que alunos e professores aprendem juntos. Esta perspectiva rompe com a
é apenas sobre o que é ensinado, mas sobre como é ensinado e, mais profundamente, sobre
A afetividade, sob a lente de Freire, não é um mero acessório, mas uma força vital
que impulsiona a aprendizagem. Ele acredita que a educação só pode ser transformado-
ra quando reconhece e valoriza a humanidade de cada indivíduo. Isso implica não apenas
entender os contextos culturais e sociais dos alunos, mas também suas emoções, desejos e
medos. Afinal, como ele frequentemente afirmava, a educação é, em sua essência, um ato de
amor(FREIRE, 2019).
Freire via a afetividade como uma ponte entre o educador e o educando. Essa pon-
Capa significativa.
O diálogo é o encontro amoroso dos homens, mediatizados pelo mundo, para pro-
Ficha nunciá-lo, e não se esgotaria, portanto, na relação eu-tu.” (FREIRE, 1991, p 91).
Sumário de considerar o coração tanto quanto a mente. Em um mundo que muitas vezes prioriza
educação ocorre quando tocamos a alma da criança, quando reconhecemos e honramos sua
territórios da afetividade escolar, que possamos carregar conosco a lição valiosa de Freire: a
cologia que exploraram os labirintos complexos da interação entre emoção e cognição: Lev
cada um, à sua maneira, lançou uma luz única sobre como as emoções interagem com a
aprendizagem.
enraizado em seu contexto social e cultural. Ele introduziu o conceito de “zona de desenvol-
vimento proximal” (ZDP), referindo-se ao espaço entre o que uma criança pode fazer sozinha
e o que ela pode fazer com a ajuda de um adulto ou de um colega mais capaz. Este espaço,
sky entendia a afetividade como um componente essencial deste processo. A emoção, para
ele, não era separada da cognição, mas sim uma parte integrante dela. Em suas palavras, “a
de pensar”. E essa forma de pensar é moldada, em grande parte, por nossas emoções e pela
Capa
Enquanto Vygotsky enfatizava o social, Jean Piaget mergulhou nas profundezas do
indivíduo. Seu interesse estava nas estruturas cognitivas, como elas se formam e como se
Ficha
adaptam ao longo do tempo. Ele introduziu o conceito de equilibração, descrevendo como as
Mas, novamente, a afetividade não estava ausente. Piaget argumentava que as emo-
desafio, a frustração e a satisfação são todas emoções que impulsionam a criança a explorar,
adaptar e crescer. Para Piaget, emoção e razão são inseparáveis no processo de construção do
156
Piaget, embora diferentes em suas abordagens, nos ensinam uma lição valiosa: que o “cora-
cas e religiosas. As grandes civilizações da Mesopotâmia, Grécia, Egito e China, por exem-
plo, atribuíam emoções a deuses ou forças cósmicas. Platão, na Grécia antiga, conceituava a
emoção e a razão como duas entidades separadas, muitas vezes em conflito. Ele via a paixão
como potencialmente perigosa, se não estivesse sob o controle da razão (PLATÃO, 2017).
vistas predominantemente através de uma lente moral. Pecado, virtude, tentação e redenção
Capa
eram termos centrais na discussão sobre afetividade. A introspecção tornou-se uma prática
mano como protagonista. As emoções começaram a ser vistas como expressões genuínas da
a emoção era central para a experiência humana, muitas vezes valorizando-a acima da razão
afetividade. Com o advento da psicologia como ciência, as emoções começaram a ser es-
psíquicas que alteram a saúde biológica humana e que apresentam em sonhos como retratos
biológicos, com pesquisas examinando a neuroquímica das emoções e o papel do sistema lím-
bico no cérebro. Mostrando como a neurofisiologia de todo o corpo humano está diretamente
liberdade e a autenticidade. O século XX viu surgir uma nova corrente filosófica que colocou
ser humano.
Capa Para Sartre, a emoção não é um mero acidente ou um subproduto de nossa biologia;
é, em vez disso, um modo fundamental de existir. Em sua obra “Esboço de uma teoria das
Ficha emoções”, Sartre argumenta que as emoções surgem como respostas a situações nas quais os
Sumário de lidar com o mundo, transformando-o magicamente para se adaptar às nossas necessidades
A Liberdade e a Angústia
Esta liberdade, no entanto, é acompanhada por uma profunda angústia. Reconhecer nossa
liberdade significa reconhecer nossa responsabilidade pelo que somos e pelo que escolhemos
158
ser. As emoções, nesse contexto, muitas vezes surgem como uma tentativa de fugir dessa
liberdade esmagadora, uma maneira de nos perdermos em um mundo que parece menos
A Autenticidade e o Outro
tre afirmava que nos tornamos plenamente conscientes de nós mesmos apenas quando somos
vistos pelo outro. “O inferno são os outros”, escreveu ele, destacando como a visão do outro
pode aprisionar e definir nosso ser. No entanto, as emoções também desempenham um papel
vital na formação de nossa relação com o outro. Através das emoções, nos conectamos, con-
2022).
funda interligação entre nossa existência e nossa afetividade. Sartre, com sua abordagem
penetrante, nos mostra que as emoções não são apenas reações passageiras, mas elementos
constitutivos de nosso ser no mundo. Em nossa busca por significado, autenticidade e cone-
A passagem do tempo não se dá somente nos relógios ou nas sombras que se movem
Capa
com a posição do sol; ela se desenha e redescobre nos espaços que habitamos. Na paisagem
da escola, cada tijolo, cada corredor, cada sala, torna-se uma crônica viva da afetividade em
Ficha
formação, da aprendizagem que flui como rios de conhecimento, das interações que se entre-
ciada tanto pela materialidade das paredes quanto pelos sentimentos e emoções que elas aco-
lhem. Os pensadores, em sua busca eterna por compreensão, contemplaram essas dinâmicas
dialogam.
Henri Lefebvre, com sua análise aguçada do espaço, nos desafia a entender que o
159
espaço não é apenas um mero contêiner. Ele vive, respira, e tem ritmos. E esses ritmos não
são só de cimento e tijolo; eles são compostos de risos, lágrimas, silêncios e vozes. São mol-
dados pelas interações, pelas pedagogias, pelas memórias e, principalmente, pela afetividade
(LEFEBVRE, 2020).
tem uma função, uma contribuição à vida do todo. As salas de aula são o coração pulsante
Os corredores são as artérias, levando os alunos de uma experiência a outra, enquanto o pá-
Mas o espaço não é apenas uma construção física; ele é construído e reconfigurado
pelas emoções e experiências que abriga. Uma sala de aula pode ser apenas quatro paredes,
ou pode ser um santuário de descobertas, um lugar onde mentes curiosas se encontram para
mas também em sua capacidade de influenciar e ser influenciado pela afetividade. Em cada
esquina da escola, em cada olhar lançado pela janela, em cada riso que ecoa nos corredores,
pois é aqui que o cenário para todas as outras interações é definido, é aqui que o palco para
Capa
Sumário
Nas profundezas da espacialidade escolar, nos deparamos com um aspecto que fre-
quentemente é tratado de forma secundária, mas que em sua essência carrega o poder de
moldar as experiências: a forma. A forma não se resume apenas a paredes e telhados; ela é a
sintaxe visual que tece a linguagem do espaço. Ela é a poesia silenciosa que fala aos sentidos,
que toca a alma, e que, muitas vezes, determina a maneira como nos sentimos em um deter-
Wright, que acreditava que a arquitetura era “a mãe de todas as artes”. Ele compreendia que
um edifício não era apenas um abrigo, mas uma entidade viva que se comunicava com seus
habitantes. Esse diálogo silencioso, muitas vezes, tem o poder de inspirar ou reprimir, de
maior. Imagine uma sala de aula com janelas amplas que permitem a entrada de luz natural,
banhando o espaço com uma luminosidade suave que convida à introspecção e à criativida-
de. Contraste isso com uma sala fechada, escura, cujas paredes parecem se fechar sobre si
mesmas. O impacto na afetividade dos alunos, nas suas disposições para aprender, é tangível
(MAXWELL,1996).
para facilitar a interação, para permitir que as crianças se movam, explorem e descubram.
Aqui, os ensinamentos de Maria Montessori brilham com clareza. Ela via a sala de aula como
um ambiente preparado, onde cada elemento, desde os móveis até os materiais, tinha um
Em nosso mergulho nos territórios da forma, é vital compreender que cada escolha
arquitetônica, cada detalhe de design, não é apenas estético. Eles são declarações pedagógi-
cas, são manifestações físicas de uma filosofia, e têm o poder de influenciar profundamente
Capa 2015).
Ficha
2.2. T erritórios da S o c iab il idade : R el açõ es entre pares , c om os
definidas pelo espaço. Neste território da sociabilidade, cada riso compartilhado, cada olhar
de compreensão e cada conflito são como marcas indeléveis no tecido do ambiente escolar.
tância das relações e interações sociais para a coesão e integridade da estrutura social. E a
escola, como microcosmo da sociedade, não é diferente. Aqui, as dinâmicas de poder, os laços
afetivos entre pares e a relação com figuras autoritárias ganham vida e forma, influenciando
empatia e indiferença. Lev Vygotsky, com sua ênfase na aprendizagem social, nos ensinou
que a cognição é construída e moldada nas interações com os outros. Assim, uma escola que
promove interações positivas e saudáveis entre os alunos está também promovendo um am-
mento da afetividade escolar. A teoria do apego, proposta por John Bowlby, sugere que as
primeiras relações afetivas de uma criança podem moldar suas futuras interações. No contex-
alunos pode se tornar uma âncora emocional, um porto seguro em meio às tempestades da
muitas escolas, a estrutura hierárquica é rígida e claramente definida, com pouco espaço para
Freire, têm argumentado a favor de uma abordagem mais horizontal, onde o poder é compar-
tilhado e onde os alunos têm voz ativa, em salas organizadas em círculos e não enfileirados
Capa como linhas de produção, em espaços em que o olhar de um alcança à todos (FREIRE, 1975).
Ficha apenas o que é ensinado, mas também como as pessoas se relacionam e interagem no espaço
escolar.
Sumário
Não apenas como a afetividade é vivenciada, mas como é ensinada, reconhecida e integrada
Neste vasto território, a sabedoria de Paulo Freire serve mais uma vez como uma bús-
sola. Em sua visão de educação como prática da liberdade, Freire enfatizava a importância
to. Neste processo, a afetividade não é uma mera espectadora, mas uma participante ativa,
de Freire nos convida a ver o currículo não apenas como um conjunto de conteúdos a serem
transmitidos, mas como um espaço vivo de interação, questionamento e, acima de tudo, ex-
mas plural, então também devemos reconhecer que a afetividade tem múltiplas vias de ex-
pressão no currículo. Seja através da inteligência intrapessoal, onde o aluno reflete sobre
ções são compartilhadas; a afetividade se torna uma força motriz do processo de aprendiza-
Capa algumas pistas. Para Montessori, cada elemento do ambiente educacional - desde os mate-
riais até o design do espaço - deveria ser pensado para promover a autonomia, a curiosidade
Ficha e, crucialmente, a expressão afetiva, isso significa que a disposição de mesas e cadeiras e do
lugar de cada indivíduo importa para promover compartilhamento afetivo adequado e rele-
reimaginar o que significa ensinar e aprender. Ao trazer a afetividade para o centro do cur-
rículo, não apenas reconhecemos sua importância, mas também abraçamos sua capacidade
transformadora, permitindo que ela ilumine cada aspecto da jornada educacional e prepare
crianças e educadores para lidar com as emoções da vida, com a dor, a solidão, o medo, a
163
navegarmos por esses mares, devemos abraçar uma Pedagogia da Emoção, que transcende o
Rudolf Steiner, o fundador da Pedagogia Waldorf, percebeu este interjogo entre sen-
timento e aprendizado. Ele propôs um ensino que ressoasse com a alma da criança, reconhe-
cendo que cada etapa do desenvolvimento humano possui suas próprias necessidades afeti-
vas. Assim, ao invés de um currículo rígido e uniforme, Steiner imaginou um currículo fluido,
é uma postura, uma abordagem que vê a emoção não como um obstáculo, mas como um
aliado na jornada educacional. A emoção é o sopro que dá vida ao aprendizado, a chama que
Nelson Mandela afirmou que “a educação é a arma mais poderosa que você pode
usar para mudar o mundo”. No entanto, para que esta arma tenha seu potencial pleno, ela
Capa deve ser carregada com a pólvora da afetividade. Isso requer que os educadores se tornem
Sumário tórias e narrativas que ressoem emocionalmente com os alunos, a promoção de atividades
não é punido, mas visto como uma oportunidade de crescimento. Aqui, o educador torna-se
São as emoções que ligam o educador às crianças e aos familiares e apenas é possível
164
educar através de uma ligação afetiva bem desenvolvida. Para se desenvolver um vínculo
afetivo genuinamente capaz de servir de fio condutor das práticas pedagógicas, é necessário
que o educador se importe com o que famliares e crianças sentem, em como vivem, em o que
enfrentam, em o que lhes acontece dentro e fora do ambiente escolar, à que tipo de violên-
cias estão expostos e em intervir diante dessas emoções fornecendo experiências e saberes
que lhes permitam encarar essas realidades sociais com instrumentos teóricos já contruídos
entretenimento e dos estudos, mas assume papel de repertório emocional para as gerações, e
estrutura ao fluido mundo das emoções. No coração deste território, repousa uma pergunta
fundamental: como podemos avaliar o que sentimos e como isso impacta nossa capacidade
de aprender?
Lev Vygotsky nos fornece um ponto de partida. Ele reconheceu que a aprendizagem
é, em sua essência, uma atividade social e afetiva. A partir desta perspectiva, avaliar o de-
Mas como dar forma a essa avaliação? Como criar métricas que capturem a complexi-
Ficha dade e nuance das emoções? Daniel Goleman, em seu trabalho sobre inteligência emocional,
Sumário podem ser avaliadas e desenvolvidas. Portanto, o primeiro passo no território da avaliação é
ser encontrada em práticas como as “rodas de emoção”, onde os alunos são encorajados a
identificar e discutir suas emoções. Diários afetivos, onde os alunos registram e refletem
sobre suas experiências emocionais, também oferecem insights valiosos. Estas ferramentas,
165
embora qualitativas, fornecem uma janela para o mundo interior do aluno, permitindo aos
educadores adaptar sua abordagem de acordo com o que se notar necesssário (MCCLOUD,
2015).
Entretanto, é crucial lembrar que neste território, a jornada é tão importante quanto
o destino. A avaliação emocional não deve ser vista como um fim em si mesma, mas como
um meio para compreender e apoiar os alunos em sua trajetória educacional. Como Antoine
neste território, o desafio é tornar visível o invisível, dando voz e valor ao mundo emocional
dos alunos, para que eles possam brilhar com todo o seu potencial (SAINT-EXUPÉRY, 2022).
-On e a Escala de Ansiedade Infantil de Spence também são cruciais, analisando a consciência
dores considerem construir suas próprias métricas, levando em conta os critérios e formas de
avaliação sugeridos por esses instrumentos estabelecidos, para capturar a complexidade das
Ficha No entrelaçar complexo da vida cotidiana brasileira, onde o convívio com a angústia,
o luto, a solidão e as adversidades muitas vezes surge como uma trama persistente, o am-
Sumário biente escolar se configura como um refúgio, uma terra fértil para acolher, entender e trans-
Anna Freud, filha de Sigmund Freud e proeminente psicanalista infantil, nos ensina
que as primeiras relações familiares - com pais, irmãos, avós e tios - moldam as experiên-
cias iniciais de uma criança e a formação de seu ego (FREUD, 2018). As marcas do medo,
166
da violência doméstica ou da pobreza, que infelizmente são realidades para muitas famílias
brasileiras, não são somente marcas individuais, mas coletivas. Elas ecoam nas salas de aula,
Paulo Freire, lumiar da pedagogia crítica, argumentava que a educação jamais pode
ser neutra. Deve servir como ferramenta de libertação ou de opressão. Neste território de
empatia, a educação precisa se posicionar como agente transformador, que acolhe as vivên-
que atravessam toda a vida humana. Ele nos lembra que crises, como a perda de um ente
mas etapas de um contínuo desenvolvimento. No território escolar, estas etapas podem ser
reconhecidas, compreendidas e integradas, não como barreiras, mas como pontos de partida
A abordagem de Carl Rogers sobre empatia e escuta ativa se faz vital aqui. Educado-
res, neste cenário, não são apenas transmissores de conteúdo, mas tornam-se ouvintes aten-
dores que, por vezes, permanecem invisíveis, e de criar um ambiente onde cada estudante,
Neste território de empatia, a escola não é apenas um espaço de ensino, mas uma
comunidade de cuidado. Uma comunidade onde as feridas são reconhecidas, onde as mãos
Capa estendidas encontram outras mãos dispostas a segurar e onde, juntos, famílias, educadores e
Ficha
cional dos educadores. Esses profissionais, muitas vezes percebidos apenas em suas funções
didáticas, carregam consigo uma bagagem repleta de traumas, mágoas e desafios, que vão
167
vel de uma criança (WINNICOTT, 1999). No entanto, como pode um educador proporcionar
tal ambiente se ele próprio está imerso em turbulências internas, agravadas pela falta de
Freud, em suas reflexões sobre o inconsciente, nos lembra que muitas de nossas
reações e comportamentos são influenciados por traumas e conflitos não resolvidos (FREUD,
sala de aula, afetando suas interações e decisões pedagógicas. E é um ciclo cruel, pois a pres-
são para ser um pilar constante de força e estabilidade, mesmo em meio ao caos interno, só
Junto a isso, temos as famílias, cuja interação com o universo escolar é frequente-
mente limitada a eventos esporádicos, como festas juninas ou apresentações de fim de ano. A
desconexão entre pais e escola é profunda. Muitos pais, enfrentando suas próprias batalhas
diárias - sejam elas financeiras, emocionais ou sociais, raramente veem a escola como um
refúgio ou como um espaço de diálogo e apoio. Paulo Freire, em sua pedagogia do oprimido,
RE, 1975). A escola, mais do que um espaço de ensino, deve ser um território de acolhimento,
Capa onde pais se sintam não apenas visitantes, mas parceiros essenciais na jornada educacional.
Ficha entendendo suas vulnerabilidades e oferecendo espaço para diálogo, apoio e construção co-
letiva. Oferecer encontros menais de familiares em forma de grupos de diálogo apenas com
Sumário familiares, para ouvi-los e incluílos das ações escolares. Somente assim poderemos transfor-
mar o território escolar em um espaço genuinamente afetivo, onde todos se sintam vistos,
ouvidos e acolhidos.
ra em Toledo, Paraná, onde minha iniciativa pioneira buscou tecer o emocional delicado de
tivação por trás desse projeto surgiu da compreensão crítica de que o bem-estar emocional
dos da escola.
gurados de aprendizagem com 4 turmas de crianças, duas turmas do 4º ano do Ensino Funda-
mental e duas turmas do 5º ano, cada turma com seu horário semanal específico e individual.
Assim que eu entrava em sala para iniciar o projeto eu substituía o modelo obsoleto de fileiras
onde cada estudante não apenas aprendia, mas também se sentia visto e ouvido. Neste espa-
ço seguro, os contos do livro “A Mais Bela de Todas: A História da Rainha Má” serviram como
espelhos emocionais, refletindo as lutas internas muitas vezes silenciadas, permitindo que os
viam não apenas como espectadores, mas como participantes ativos, identificando-se com as
nuances do sofrimento, abandono e resiliência. Foi uma jornada de descoberta coletiva, onde
Uma etapa vital deste processo terapêutico envolvia as crianças articulando suas
apenas reconheciam suas emoções mas também as legitimavam, construindo assim um vo-
Ficha cabulário interno para entender e expressar seus sentimentos, um passo fundamental para o
amadurecimento emocional.
diões dessas crianças - os pais. Eles foram convidados a participar de grupos de discussão,
ecoando a dinâmica estabelecida com seus filhos. Aqui, em círculos de confiança, guiava-os
através de labirintos parentais complexos, utilizando a ciência como nossa bússola, garan-
filosóficos sólidos.
169
res. Era essencial imergi-los em uma experiência similar, desencadeando uma introspecção
profunda que muitas vezes resgatava emoções cristalizadas desde a infância e que influencia-
força, culminando na criação de materiais didáticos que serviam como pontes entre os educa-
ampliar esta iniciativa, vi uma oportunidade não apenas para semear estas práticas em terras
mais amplas, mas também para enfrentar os terrenos mais áridos de escolas em contextos de
vulnerabilidade intensa.
Aqui, o projeto foi desafiado a se adaptar e responder, não apenas como um suporte
emocional, mas como um catalisador para mudança social. Acompanhando essa expansão,
assegurei que cada adaptação fosse sensível e receptiva às nuances dessa comunidade, bus-
Essa jornada, desde suas raízes até sua adoção institucional, reafirmou minha cren-
ça na educação como uma ferramenta não apenas para o crescimento mental, mas também
manidade em cada estudante, criando uma sociedade mais consciente, empática e, em última
Capa
R efer ê ncias
AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus (De Civitate Dei). Rio de Janeiro: Editora
Ficha Vozes, 2013.
FREIRE, Paulo. Educação como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro: Paz & Terra,
1967.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 74. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2019.
FREUD, Sigmund. A Interpretação dos Sonhos. São Paulo: Companhia das Letras,
2019. Tradução de Paulo César de Souza.
MCCLOUD, Carol. Have You Filled a Bucket Today?: A Guide to Daily Happiness for
Ficha Kids. [S.l.]: Bucket Fillers, 2015.
SARTRE, Jean-Paul. Esboço para uma Teoria das Emoções. Porto Alegre: Editora
L&PM, 2006.
STEINER, R. Educação para a Liberdade. São Paulo: Escola Waldorf Rudolf Steiner,
2006.
Capa
Ficha
Sumário
172
vida com o Mestrado em História da África, da Diáspora e dos Povos Indígenas. Eu sou filha
única de uma mãe solo, mesmo casada, em que com um ano de idade precisou sair de casa
e lutar por si e por mim. Eu sou uma estudante multidisciplinar, que percorreu caminhos de
pesquisando a temática negra, ora na concepção dos pontos turísticos em São Paulo, que não
tem a representação negra em sua arquitetura e narrativas, seguida por uma imersão em uma
vador) por quase 2 anos vivenciando o cotidiano da casa, da roça, da feira e as perspectivas
histórico da negritude partindo do território de meu avô Joao e minha avó Therezinha para
Ficha
compor a tese, desde a investigação bibliográfica, documental e o trabalho de campo virtual/
presencial com a minha mãe para conhecer, viver e experimentar a localidade com os olhos
Sumário
de hoje, articulando com o passado das raízes e gerações que ali habitaram. A formação aca-
dêmica foi fruto de uma tradição familiar que os estudos vinham em primeiro lugar, com a ar-
ticulação com o trabalho, iniciado aos 13 anos de idade, meio período entre o contraturno es-
novas culturas, ouvir as narrativas e as histórias das pessoas, escrever e sentir que a vida é
para deixar um legado por onde você passa, e que possa transmitir toda a alegria e a empatia
de entender que estamos e somos as nossas melhores versões a cada dia, contribuindo com a
formação de si e do outro no dia a dia, em cada momento com as oportunidades que surgem
pelo caminho, seguindo a trajetória mesmo que desconhecida, mas que conduziram a muitas
Começo este texto de reflexão da pesquisa acadêmica, da vida e das trajetórias e seus
caminhos que não são delineados como um calendário com tempo marcado para iniciar e de-
da Cultura também não o foi pensando que já ingresso em meio a pandemia mundial no ano
de 2020.
O nosso mundo e contato exterior (só que não) eram pelas telas do computador, no-
meio a anúncios do Youtube, dos Pop-Up, do Google Ads e tantos outros recursos da inteli-
gência artificial e dos algoritmos da internet. Processo quase semelhante ao processo seletivo
do Mestrado em História da África, da Diáspora e dos Povos indígenas, que tenho o conhe-
cimento pela rede social do Facebook, ou algo semelhante ao final de 2016, nunca cogitei a
possibilidade de sair de São Paulo, mas, a minha ancestralidade abriu os caminhos para os
O trabalho de campo que seria de uma semana tornou-se uma residência temporá-
Capa ria com laços afetivos e de amizade que permanecem, de 2017 até hoje, como as relações
Sumário Doutorado, a minha intenção e pensamentos eram de que todas e todos que participassem
da pesquisa seriam os indivíduos enviados pela ancestralidade, não estava preocupada com
do território. Uma cidade que tinha memórias das férias, da infância na casa e no quintal, da
ficara registrada por um sumiço de meu avô João em pleno dia de seu aniversário.
174
para todos, de perto e de longe. Mas, essa história ainda reverbera na pesquisa, isso porque,
ninguém nunca questionou ou perguntou a ele, o porquê de ter retornado a sua cidade natal,
com qual intenção? O que estaria buscando? O que estava à procura? Será que encontrou as
respostas que ele esperava? Ou também, em dado momento ficou frustrado como fiquei ao
não encontrar nenhum parente em sua cidade, por não evoluir e avançar na árvore genea-
lógica para além dos dados e documentações que já obterá no trabalho de campo única e
Soares – e Pelotas – Família Souza, ambas a genealogia materna que nascidos no estado do
Rio Grande do Sul e, hoje aquilombados em Pelotas, Rio Grande, Porto Alegre, Florianópolis
e São Paulo. A primeira família é de meu avô João dos Santos Soares, o meu mais velho e que
origina a pesquisa acadêmica, como ponto de partida a sua história na cidade canguçuense,
se estivesse vivo este ano de 2023 completaria 101 anos de idade, mas, permaneceu conosco
até seus 84 anos. Assim como, a minha avó Therezinha Souza Soares, que atravessou o véu1
com 81 anos de idade, mas, antes disso, consegui fazer uma festa reunindo toda a família em
taram pesquisar, estudar, ler e ouvir as histórias dos outros, as narrativas negras do Turismo
Capa lombo na Bahia e, agora o doutorado é a oportunidade de pesquisar sobre a minha própria
Ficha presente narrado do território negro gaúcho do estado do Rio Grande do Sul.
O passado não como estão atrelados ao livro didático somente ao contexto da escra-
Sumário vização, mas do passado de resistência, de lutas e sobrevivência com os deslocamentos para
melhores condições de vida a si e as seus. Histórias que se repetem de meu avô à minha mãe,
que saíram de casa e de sua cidade natal para trabalhar e nunca mais retornaram as suas
origens territoriais.
Isto posto, a articulação do presente texto tem o enfoque nas seguintes temáticas:
1 O conceito de atravessar o véu é evidenciado pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos
Dias para representar a passagem do familiar da vida terrena para a vida eterna.
175
Capa
Ficha
Sumário
Analisando-se o mapa mental da construção teremos um fluxo contínuo e uma via
de mão dupla, se ler de cima para baixo terá um contexto do coletivo, caso contrário, se ler
de cima para baixo, o enfoque para o indivíduo. Logo representa que, a história da pesquisa
não é exclusiva da pesquisadora que a escreve neste momento, mas de toda a ancestralida-
de que carrego comigo, que me impulsiona e me motiva a seguir em frente. Das mulheres e
176
dos homens que nasceram antes de mim e, da descendência que terei para a perpetuação e
infância, adolescência à vida adulta. Das festas de final de ano que esperávamos ansiosamen-
te a meia noite, quando era o momento de cumprimentar a todos, fazer o brinde e degustar
da ceia que já estava posta a mesa, no caso do ano novo todos ficavam do lado de fora da
casa, em frente a gruta de Nossa Senhora Aparecida para entrar com o pé direito em casa no
primeiro dia do ano e, a festividade continuava seja em casa quando criança ou na adoles-
cência com os bailes nos clubes sociais, como o Fica Ahí para Ir Dizendo2. Este era um ritual
sagrado da Família Souza Soares e, que hoje, só eu e minha mãe preservamos em nosso lar,
por isso, “a casa onde se desenvolve uma criança é povoada de coisas preciosas que não tem
pesquisadora e mulher negra a ocupar essa posição em toda a geração de meus ancestrais, de
o cabelo das mulheres com pente quente3, mãe de seis filhos e dona de casa) e minha mãe
2 O clube social Fica Ahí para Ir Dizendo é um dos clubes negros tradicionais na cidade de
Pelotas, em que as atrações iniciavam por volta de uma hora da manhã e, acabavam ao amanhecer
com bandas de sambas, grupos da cidade e entre outras atrações. Lembro-me de dançar a noite toda
Capa e, claro a diversão era o ponto alto da festa, primeiro o sagrado e o tradicional com a ceia familiar e,
em seguida, o profano (mas nem tanto, assim) com o baile. Inclusive, no trabalho de campo estive no
clube para relembrar estes tempos áureos na memória, já que não tenho registros fotográficos ou outros
documentos dessa época, situação muito comum da população negra no passado, em que uma fotogra-
Ficha fia exigia um custo muito alto com a revelação ou os equipamentos fotográficos, logo, eram ocasiões
especiais, como casamento, em um único registro muitas vezes, dos noivos em frente ao bolo e uma
garrafa grande de espumante e, um bolo retangular gigante coberto com merengue branco e decorados
com bicos diferentes para a sua modelagem. Todos (ou quase todos) os registros fotográficos familiares
Sumário
mais antigos são deste momento em família, exceto um que retrata o carnaval, uma com a coroação
da rainha – minha tia avó Maria do Carmo e, a outra o tio avô Guaraci com seus colegas trajados de
mulher, algo cultural e típico dos carnavais na cidade de Pelotas.
3 O pente quente é um objeto de recordação e lembrança que o guardo comigo, do mesmo jeito
que a minha avó o mantinha, enrolado em um tecido de chita colorido e amarrado com uma fita, finali-
zando com um nó. Seu hábito era tudo que tinha era laçado com um para finalizar, assim como, os seus
fuxicos que tinham mais linhas emaranhadas de fios, do que tecido. Isso representa que, “o objeto ou é
biográfico, ou é signo de status, e, como tal, entraria para a esfera de uma “intimidade”, entre aspas,
ostensiva e publicável, que já fez parte da História das Ideologias e das Mentalidades. [...] E existem,
além desses, aqueles objetos perdidos e desparceirados que a ordenação racional do espaço tanto despre-
za (BOSI, 2003, p. 28). Em minha família estes objetos relembro, o armário de cozinha vermelho que
177
Contudo são essas mulheres que me propiciaram estar e continuar com a formação
acadêmica, a ancestralidade que abriu o caminho e o programa com a bolsa de estudos, uma
única vaga e ela foi destina a mim, por todo o percurso acadêmico, a trajetória de pesquisa e
relevância do trabalho para a instituição de ensino, o que antes era um sonho de adolescência
Grau (E.E.P.S.G) Caetano de Campos para a unidade do Serviço Social do Comércio (SESC)
Consolação, saindo da Praça Franklim Roosevelt para a Rua Dr. Vila Nova, dizia: - Eu vou es-
tudar nessa universidade. Agora, os pensamentos e vibrações mudaram alcancei um dos pa-
tamares mais altos da formação acadêmica, pendente somente o Pós Doc (em breve), então,
quem sabe um dia circularei pelo Campus com o cordão, o crachá e o guarda-chuva vermelho
intitulada “A Marcha das Mulheres Negras contra o Racismo, a Violência e pelo Bem Viver:
Jovens e Adultos no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP),
Capa logo, nem imaginava que seria aluna do programa de pós-graduação, mas foi publicado exa-
tamente em maio de 2017 -, período em que estava completando dois meses de residência
combinava com a geladeira na mesma tonalidade, do sofá forte de gramado, das poltronas marrons que
Sumário
serviram muitas vezes de cama quando pequena, da bacia de alumínio que era uma brincadeira a parte
tomar banho, do quintal com o pé de limão, a parreira e a areia que eram meu passatempo de criança
a tarde toda – não precisava lagartear no sol como na adolescência, porque o brincar sem pretensão
aumentava substancialmente a melanina e a vitamina D no corpo em pleno verão. Não posso esquecer
da gruta de Nossa Senhora Aparecida na lateral da porta de entrada, em que todas as noites meu avó
acendia para iluminar a casa – eu acho – porque nunca nos perguntamos o porque deste ritual, visto
que não tinha por hábito frequentar a igreja aos domingos ou outras festividades religiosas, mas sempre
recebia no final do ano a santinha da rua com o seu manto azul e branco guardada em uma capela de
vidro e sua base de madeira que tinha uma gaveta ou uma abertura na parte superior para a colocação
dos donativos a igreja comunitária do bairro mantida por seu Antônio (hoje, com 91 anos de idade) e
dona Cândida (in memoriam – falecida este ano).
178
Todas essas mulheres que não conheci, mas que estou em busca das minhas ori-
gens e raízes me possibilitaram estar aqui e agora, elas abriram os caminhos da terra e dos
céus para mim, elas estão me orientando em cada passo, elas me guiam e encaminham cada
pessoa que cruza em meu caminho (e me afasta de outras) e, principalmente estão me pro-
sobre os processos de formação do ser humano, por intermédio de uma narrativa coletiva e
ideológica, com “imagens, sentimentos, ideias e valores que dão identidade àquela classe”
(ibidem). Assim sendo, essa “memória social também tem seus desvios, seus preconceitos,
sua inautenticidade”. Isso porque, as histórias são fatos e situações narradas por diferentes
como se deu a incidência do fato histórico no quotidiano das pessoas. Dos traços que deixou
Sumário a época seria classificada como “àquela classe” se extrair exatamente o termo referendado
ser humano, que não tinha um tratamento digno em sua singularidade, mas compreendia-se
180
como interlocutores, narradores e atores sociais do trabalho acadêmico. Sem elas e eles não
desde a valorização de uma conjunção de saberes, como via de mão dupla, elas e eles coadu-
nam com a pesquisa e a, pesquisa interrelaciona com o cotidiano. A vida é afetada por um ser
do trabalho de campo.
O tempo presente é a referência do hoje, que não poderá se confundir com o “pre-
sente ávido pelo passado”, como o próprio nome já o diz e evidência, passou. Ele não voltará
Capa
a ser como antes e, o antes não poderá ser reproduzido no hoje, por mais que se tentem, a
apropriação e o olhar de hoje não conseguirão captar todas as singularidades dos tempos
Ficha
remotos. Todas as circunstâncias se tornaram outras, não somente a localidade geográfica, a
A memória é algo que se perpassa de geração em geração, senão, pelo menos deveria
cionado na citação. Isso significa que, este enraizamento nada mais é do que as memórias fa-
miliares construírem suas raízes em nossas lembranças, formando o tronco linear e resistente
do ser humano, com suas ramificações em galhos para todos os lados, assim como o Baobá
transformação e carregando consigo diferentes narrativas que por ali passaram, assim como,
a minha família.
processo este que já advêm do sistema escravagista, em que era permitido a sua locomoção
e movimentação com a autorização dos seus proprietários e senhores, caso contrário, fica-
ram restritos as grandes propriedades e seus trabalhos forçados nas mais diferentes funções.
Com a minha família não foi diferente, viviam no centro da cidade de Pelotas em um grande
terreno em que residiam três ou quatro gerações, das bisavós até meus tios, mas que por
conhecida como Três Vendas, em que casas populares foram vendidas com o pagamento a
perder de vista. A perder mesmo, pode o imóvel que foi adquirido em meados dos anos 50,
foi quitado eu estava na fase de pré-adolescência ou próximo disso, vale lembrar que eu nasci
Capa
em 1984, logo é só fazer as contas.
Este movimento de expulsão negra é oriundo desde a formação da cidade e, hoje está
Ficha
latente com o Passo dos Negros e o Parque Una (mas, este tema é uma outra narrativa a ser
construída, em um futuro breve, quem sabe?). Processo iniciado com a nova denominação
Sumário
das ruas, o que hoje, acontece com bairros inteiros, Cohab Tablada – Três Vendas, Passos dos
gra no território pelotense intitulo e apresento o relato poético “A família negra do Centro”:
Ficha família do coração e de afeto, isso porque muitos laços não são criados
pelo sangue que corre em não nossas veias, mas no processo de idas e
vindas, de caminhos e descaminhos que a vida nos ocasiona. Alguns
Sumário
são bons, outros nem tanto, mas de algum modo se tira uma lição,
como diz a música.
familiar como tema de pesquisa acadêmica, não meramente um objeto ou sujeito, mas o pro-
vivências e processos que não são individuais e exclusivos da pesquisadora que vos escreve,
mas de uma geração de mulheres e homens negros que foram apagados da história, muitas
vência acadêmica não foi só de rosas e um mar de flores, mas de espinhos, que foram um a
um (e ainda estão sendo tirados) extraídos delicadamente, com alguns arranhões, outros ma-
chucados e cravados no dedo, no coração, na alma e nas lagrimas derramadas para conquis-
tar o tão sonhado diploma, não como um troféu a ser emoldurado e pendurado na parede
da sala de estar, mas um reconhecimento que levarei onde quer que esteja, que abrirá portas
pelo caminho na formação acadêmica e profissional, que me fará galgar territórios e países
não imaginados, com carimbos e mais carimbos em meu passaporte (hoje, vazio, mas em
breve, muitas experiencias pelo mundo afora e nos diferentes continentes). Então, concluo
Capa lorizar a Si, aos Seus e aos Outros. Letramento de mundo é compreen-
der que podemos e somos merecedores de ocuparmos todos os bancos
escolares e universitários do Brasil e do exterior. Letramento de mundo
Ficha
é reconhecer a ancestralidade, aos antepassados e a sua própria histó-
ria, que o (re)constituiu e o (re)constituirá sempre como um Indivíduo.
Sumário
Para finalizar essa produção acadêmica, o fundante é compreender que o letramento
de mundo nos é dado em diferentes perspectivas, impactado pelo contexto em que vivemos,
nas relações que estabelecemos, nas pessoas que são colocadas em nosso caminho (as chamo,
de anjos de Deus), nos lugares que frequentamos (ou somos permitidas adentrar), nas for-
mações acadêmicas que cursamos ao longo da fase escolar e universitária, nos percursos que
185
são diversos, como labirintos e que só é possível enxergar o primeiro passo, porque os demais
Encerro essa reflexão da pesquisa acadêmica não com uma conclusão e fechamento da
pesquisa (que ainda, não é o ponto final), mas um ponto e vírgula ou três pontinhos, ou quem
sabe um paragrafo e travessão. O passado que não tem resposta. As hipóteses que não são en-
contradas. As perguntas e respostas que ficarão no tempo. LS, 16 10 2023 às 22h39. Muitas
perguntas foram levadas nas bagagens ao trabalho de campo, quando digo no plural é que real-
mente as foram (cinco ou mais) com muitas memórias, histórias, dúvidas e questionamentos
que não foram respondidos a contento. A contento de quem? Do que? E para quem? Obtive as
respostas que estavam ao meu alcance naquele momento. Foram respondidas as perguntas que
deveriam ter respostas. Ocultaram-se as histórias que precisam por um tempo serem dissolvi-
das nas lembranças e trazidas à tona em um futuro breve ou distante. Permanecem esquecidas
e distanciadas(os) os familiares que não foram encontrados, por algum motivo ou outro. Dife-
rentes tentativas foram realizadas, desde a pesquisa no campo até as rádios públicas da cidade
programa da rádio FM, que circula na sede e centro urbano). A pesquisa não se encerra com
o artigo, a tese ou este ano é uma descoberta para a vida. Isso me faz lembrar a conversa no
Centro do Family Search em São Paulo, quando um dos membros conta que está pesquisando a
Capa sua arvore genealógica há vinte anos, então, eu ainda sou um bebê e uma criança só estou pes-
quisando efetivamente há dois ou três anos. Muitos fios negros foram revelados nessa trajetória
Ficha pelo território gaúcho do Rio Grande do Sul, mas outras pontas ainda não entrelaçaram para
finalizar este fuxico, quem sabe até o final teremos uma colcha ao final.
Sumário
R efer ê ncias
BOSI, Ecléa. A substância social da memória. In: O tempo vivo da memória: ensaios
de Psicologia Social. São Paulo: Ateliê Editorial, 2003. Disponível em: https://bit.ly/3sx9VnW
SILVA, Lilian Soares da. Poesia pra quem? Caderno Sisterhood. Vol. 2, n. 1 (maio,
2017) Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB, Grupo de Estudos e Pesquisas
em Gênero, Raça e Saúde – NEGRAS, 2017.
186
sociais e de todos que pertencem às estruturas do poder, seja qual for a sua manifestação, as
quais destacamos o poder político e o poder econômico tanto em sua dimensão ética como
em sua superexaltação e transtornos que dela decorrem. Nesse contexto, observa-se facil-
mente o quanto a Comunicação Social tem importância longeva não só para a manutenção
da vida em sociedade, mas, também para a transmissão das informações que propiciam a
trajetória acadêmica e do pós-graduação stricto sensu desde os anos 2000 e traz a identidade
mento do período autoritário que a antecedeu de 1964 a 1985. Trata-se de referencial maior
Ficha
da cidadania e dignidade humanas com inspiração na Declaração Universal dos Direitos Hu-
lócus da Constituição, o que inclui tanto o Estado com deveres expressos, a Sociedade e cada
de manifestação do pensamento quando externadas, seja pela expressão, pela criação, pela
informação, em regra não encontram limitações nem devem ser alvo de censura de natureza
política e ideológica, mas devem observância à Constituição, seja por meio da liberdade de
informação jornalística que recebe tratamento diferenciado e preferencial por ser sustentácu-
e, na atualidade, pela entrega de conteúdos nos meios eletrônicos que repetem em qualquer
tempo e hora os conteúdos derivados dos outros meios entre outros que passam a utilizar
tório da Comunicação Social, mas apresentar como limitação maior a observância à Consti-
tuição no que diz respeito às missões do Estado brasileiro que destacamos a justiça social, a
criminação que exclua e o dever de todos os que estão na entrega de conteúdos com o olhar
para a Educação que mandamento expresso nos princípios da radiodifusão que também se
Católica de São Paulo, PUC – SP, em 2009, aqueles que se utilizam dos meios de comunicação
massiva devem a informação correta, verdadeira e que tenha especialmente a função educa-
Ficha
1 - O T erritó rio da C o m unic ação S o c ial encon t ra m o ldura
social justa e fundada em sistema normativo fundamental que informa a Supremacia Cons-
titucional. Ou seja, a Constituição Federal de 1988 estrutura e limita o poder dos que estão
nos atos de governo, enaltece e dá voz à vontade popular e não a de indivíduos ou grupos de
A inspiração na Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, veio tardia, mas
deriva de compromissos assumidos que posteriormente foram ratificados por diversos tra-
trinta e cinco anos, sem dúvidas, depende do Território da Comunicação Social para que sua
Administração Pública, em todos os níveis da federação e das esferas de poder, bem como
impõe a todos, com o afastamento de toda forma de censura ou licença de natureza política
ou ideológica.
formação jornalística como direito preferencial aos demais direitos fundamentais, pois é sus-
tentáculo da democracia e viabiliza que todos, por meio de noticias e críticas, possam viver
Capa 2012)
rativa do Brasil em seu Artigo 3º e implicam em realização de diversas políticas públicas que
Sumário
1 A primeira referência da descentralização de poder político e territorial se deram com o advento
da República e a Constituição de 1891 que afirmou o federalismo e autonomia de cada ente da feder-
ação, com personalidade jurídica de direito público, com competências administrativas ou gerenciais,
legislativa e para instituir e arrecadar impostos. A segunda referência da descentralização será admin-
istrativa, com a criação, por lei, de pessoas jurídicas de direito público, destaque-se as autarquias e as
fundações públicas, e, autorização por lei de pessoas jurídicas de direito privado, as estatais, ou toda
sociedade civil empresarial que o Estado tenha o controle das ações, com referência no Decreto Lei nº
200/1967. Recente, houve a edição de Lei das Estatais, Lei 13.303/2016.
2 Adota-se no presente estudo o conceito de finalidade social proposto pelo Papa João XXXIII, na
Encíclica “Pacem in Terris”, qual seja, a busca pelo bem comum: “o conjunto de todas as condições sociais
que permitam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana”.
189
sejam capazes de realizar a justiça social, a redução das desigualdades e o afastamento das
Pública às informações públicas, qual seja, o dever da informação pública que deriva tanto
do princípio da publicidade, como encontra nos direitos fundamentais guarida pelo acesso
à informação ser assegurado a todos, em direito subjetivo público fundamental que só pode
sociedade, conforme expresso no Artigos 37, caput e §1º cc Art. 5º, inc. XXXIII da Constitui-
constitucionais expressos no Artigo 220, §1º, todos se encontram no elenco dos direitos e
garantias fundamentais, com destaque aos incisos IV, V, X, XIII e XIV do Artigo 5º, todos da
Capa dos os atos que realizamos por meio da manifestação do pensamento, o direito de resposta
proporcional ao agravo além da indenização por dano material e dano moral, ao lado do
personalidade, o livre exercício de trabalho, ofício e profissão, bem como o acesso à informa-
Sumário ção resguardado pelo sigilo das fintes que indispensável em diversas situações para passar a
informação.
As discussões atuais foram ampliadas com o advento da internet, pois toda infor-
Rádio e TV, a partir de 2002, com a Emenda Constitucional nº 36, traz para o elenco também
Houve uma alteração importante no sistema de normas constitucionais que não pre-
mundo, e que, tardiamente, no Brasil passarão a ser discutidas, em 2014 com o Marco Civil
com a referida Emenda Constitucional, também aos meios de comunicação social eletrônica
Existem deveres expressos a todos os que utilizam dos veículos de comunicação mas-
Sumário
2 – R ádio , TV e I n ternet e o im perati vo do A rtigo 221 da
sos outros lócus constitucionais, se identifica o Direito de Comunicação que envolve a infor-
pela programação e produção de Rádio e Televisão, o que se estende também aos meios ele-
trônicos a partir de 2002, pela Emenda Constitucional nº 36, que têm a obrigatoriedade de
como agentes educacionais, problema central da tese, o que se realiza pelo imperativo do art.
pois território indispensável para a manutenção da vida em sociedade, seja ela nos aspectos
individuais ou coletivos. Portanto, todas as vezes que temos a utilização por concessioná-
rias Rádio e Televisão os parâmetros são muito cuidadosos e detalhados pelos princípios da
radiodifusão, vez que temos particulares em nome do Estado em uma delegação negocial,
prestando serviço público, não exclusivo do Estado, mas com inúmeras obrigações e deveres
das ondas sonoras de sons e de imagens e sua delegação por meio de concessão ou permissão
cia, pessoas LGBT, idosos, entre outros, destaque-se, na contramão da Constituição e dos
cação Social com a Educação na Constituição de 1988, com destaque ao artigo 221, que traça
Sumário
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exer-
cício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Grifo nosso)
4 Em 2005, criou-se campanha para afastar a baixaria na programação de TV, e a data foi 05 de
outubro, com
193
nharem atividade típica estatal em substituição e, por meio de orientação expressa de princí-
sociais da pessoa e da família5. Este é o problema central da tese e surge da grande parcela
diária de presença e convivência dos veículos de comunicação massiva na vida dos cidadãos,
em qualquer lugar que estejam, hoje com a predominância da Internet em conjugação com a
Ademais dos meios eletrônicos desde 2002 também terem as mesmas responsabili-
dades e deveres estabelecidos nos princípios da radiodifusão, vez que prestam serviços co-
imperativo ético, constitucionalizado também pelo artigo 221 e consequente olhar para a
pessoa humana como valor maior de nosso Estado, se iniciaram muito tardiamente e os pro-
blemas são maiores que os anteriores, pois nos defrontamos desde o descumprimento a limi-
tes expressos à informação jornalística, qual seja, a vedação do anonimato nas manifestações
do pensamento o que traz, inúmeras vezes, a irresponsabilidade por conteúdo dos que se
utilizam de tal suporte. Somente em 2011 com a Lei do Acesso à Informação, em 2014 com
o Marco Civil da Internet e, muito recente, com as discussões sobre a proteção de dados e
legislação de 20186, LGPD e sua difícil implementação, é que se atentou para a multiplicidade
Capa Reconhece-se a grande importância dos avanços científicos e tecnológicos que antes
eram somente tratados pela ficção, mas hoje são realidade concreta de ordem mundial que
Ficha veio para o plano da implementação de forma acelerada em virtude dos efeitos da pandemia
do Covid-19 e tornou-se meio inafastável da vida atual, uma vez que além de permitir o con-
Sumário tato entre as pessoas, mesmo no isolamento, pode viabilizar missão constitucional e principal
nacional, também com origem e inspiração na Declaração Universal dos Direitos Humanos,
com destaque aos artigos 17 e 19 que afirmam como direitos humanos a informação e a ex-
pressão, bem como a não discriminação, ambos ancorados nos considerandos pela educação.
vez que somente por meio da tecnologia o acesso a mais pessoas ocorrerá e a missão educa-
tiva da informação e o respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família, ancorados
também pelos objetivos do desenvolvimento sustentável -ODS, Agenda 2030, poderão ser
riedade.
plano internacional, reforçado pela tese e missão educacional de toda manifestação do pen-
samento que se utiliza dos meios de comunicação massiva, Rádio, TV e Internet, ter a ên-
fase dos Direitos Humanos como intrínseco à sua utilização, como forma de promover a
tentável .
R efer ê ncias
BETTINI, Lúcia Helena Polleti. Rádio e Televisão como Agentes Educacionais: o
imperativo do Art. 221 da Constituição e a ética da responsabilidade social. Tese de Doutorado
– Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2009.
BRASIL. Lei no. 12.527/2011. Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII
do art. 5º , no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera
a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005,
e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Disponível
195
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm.
DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do Estado. São Paulo: Editora
Saraiva, 2002.
Capa
Ficha
Sumário
196
Narrativa em par:
uma análise de histórias e percursos
ção, Artes e História da Cultura foi impactante. Lembro-me que esse era um campo do qual
O presente capítulo versa sobre duas memórias recorrentes que entrelaçam arte/
ensino primário, e a professora entregou para cada aluno um desenho mimeografado para
pintar. Provavelmente, era época de Páscoa, pois o desenho continha a imagem de um ovo
de Páscoa, bem grande. Dona Nair, a professora na ocasião, sentou-se em sua cadeira e ficou
aguardando todos pintarem, já bastante desacelerada das atividades em sala de aula, visto
que era final de turno e logo bateria o sinal para todos irem embora.
Capa
Quando eu já havia começado a pintar meu desenho, olhei para os lados para ver
como os colegas estavam fazendo os seus. A partir deste momento em que me virei, começou
Ficha
o meu desespero! Achei, não sei por qual parâmetro, que todos os desenhos estavam me-
lhores do que o meu, ainda que seus pintores já os tivessem finalizado. Então, me levantei
Sumário
da carteira e disse para os colegas que estavam mais próximos a mim: - Vocês pensam que o
meu desenho vai ficar assim?, apontando para a minha folha. Repeti essa frase algumas vezes
do ovo de Páscoa, rabisquei formando um feixe. A folha quase rasgou! O ovo ficou da cor
“Flicts”, uma cor que até então eu não conhecia, mas que hoje já sei nomear. A conheci atra-
vés do escritor Ziraldo e do seu livro de nome Flicts. O desenho ficou horrível, pelo menos na
197
minha imediata avaliação! E tinha certeza que seria também na avaliação de todos. Enfim,
a aula terminou e nunca mais tive notícia da obra, porém, não esqueci o episódio e sempre
caderno com desenhos de datas comemorativas, porém a professora jamais orientou como
deveríamos construir nossos desenhos. O meu caderno não foi concluído, pois sempre justifi-
cava para ela que ainda faria algo para melhorá-lo, inclusive, afirmei essa promessa até o dia
da entrega do caderno, quando encerrou a disciplina. Pela proposta da professora, posso ver
hoje sua fundamentação pautada em modelos e o uso da arte apenas como recurso decorati-
vo, da mesma forma que o desenho para colorir no fim de um dia de aula. Tristes percepções!
O valor das minhas experiências, ou a falta delas, tem sido renegado por aquelas
análise dos modos de perceber e sentir o mundo, que se alteram a partir de transformações
A partir dessas duas experiências problematizo o ensino da arte com base na con-
Ficha cepção de Robert Wiliam Ott (2005, p.123) no texto “Ensinando crítica nos museus”, que
ajuda a refletir sobre tal importância, na medida em que conceitua o modo em que isso deve
Sumário acontecer:
No contato com a disciplina de “Teoria e Críticas das Artes”, com o Professor Doutor
Marcos Rizolli, no curso já citado, pude me reencontrar com minha parte criativa e me lancei
aos desafios provocados em suas aulas. As propostas claras e precisas, dadas após as aulas
Realizei obras que me orgulham muito e como uma perfeita iniciante deslumbrada,
divulguei meus trabalhos por toda parte, sem restrição. Até os colegas do meu trabalho fica-
ram reféns das minhas exibições, além da família, é claro! Mas, todos me acolheram carido-
Entre outras proposições, aprofundo aqui a proposta de trabalhar com pares de ima-
tiva textual. Os pares fotográficos criados por todos os participantes da disciplina foram apre-
sentados e lidos por todos e ampliados pela fundamentação teórica (ROLDÁN, 2016, p. 70).
Capa
Ficha
Sumário
Fig. 1. Autor desconhecido – Miriam Marcolino dos Santos na Escola Estadual Professo-
Fig. 2 - Élcio Siqueira - Escola Estadual Dona Suzana de Campos (1971) – Localizada
acima foi resgatada de uma coleção de fotos de família, arquivadas na minha residência e que
Capa A imagem de baixo consta arquivada no Centro de Memória dos Queixadas1 de Perus
(CMQ), um local de grande acervo acerca da história de luta dos trabalhadores da antiga Fá-
Ficha brica de Cimento Portland de Perus, tema da minha pesquisa de mestrado “Os significados da
De acordo com Roldán (2016), um par fotográfico são duas fotografias que consti-
tuem uma nova unidade visual. As duas fotos escolhidas reforçam a perspectiva de um am-
biente escolar, com elementos próprios desse universo, tais como o mapa-múndi, um caderno
e um lápis (na imagem do Sr. Élcio) e na outra imagem, um livro, considerados símbolos
escolares, e a bandeira do Brasil, somada às mãos juntas e sobrepostas, além da postura ereta
1 Site do Centro de Memória dos Queixadas – Acessado em 06/06/2021 - https://cmqueixadas.com.br/
200
que completam um cenário controlador. Nesta perspectiva, faz-se mister trazer Lopes, (1997,
e compromisso, dada aos alunos, que esboçam doçura, disciplina e conformidade. A partir
dessa análise é possível encontrar uma confluência nas palavras do educador Miguel Arroyo,
(2014, p.48):
Os registros fotográficos, ora narrados, não nos permitem verificar a similaridade dos
espaços sociais dos quais as crianças das imagens são advindas. As fotografias lhes conferem
uma unidade visual que não revelam suas verdadeiras histórias, que nesse caso, encontram-
-se invisibilizadas. No entanto, de acordo com ROLDÁN, (2016, p.70): “Duas fotos juntas
201
reforçam uma a outra para contar uma história ou para se tornar uma metáfora visual.”2
É possível que as imagens unidas tenham criado uma narrativa de crianças, aquelas
matriculadas em escolas públicas, nas décadas de 1970 e 80, que se apresentam em duas
filho do Sr. Roque Siqueira, trabalhador sem especialização, que foi operário a serviço da
Fábrica de Cimento Portland de Perus. Seu tio Mané era “Queixada”3, nome dado aos tra-
balhadores que participaram da greve de 7 anos ocorrida no bairro de Perus, entre 1962 e
1969. Seu pai era “Queixada” da geração mais recente. Sua mãe era a Sra. Maria de Lourdes
Siqueira, cozinheira em duas Santas Casas de: Taubaté e depois de São Paulo. Meus pais são
o Sr. Wilson Moisés Marcolino, motorista de transporte, aposentado e a Sr. Maria Joana Moi-
vivenciadas no bairro de Perus desde que nasceu. É graduado em História pela Universidade
de São Paulo (USP), mestre em Economia pela UNESP de Araraquara, onde desenvolveu
a dissertação “Companhia Brasileira de Cimento Portland Perus: Contribuição para uma história
2009). Em sua publicação encontrada no Centro de Memória dos Queixadas, Élcio inclui em
seus relatos as histórias e memórias de seus pais, que eram trabalhadores que foram forçados
Capa a vir da roça, do Interior, para São Paulo. Conta, ainda, que em Perus, o casal se instalara
Ficha dos “novos” (os ingressados após a greve de 1962) para substituir os grevistas, impedidos de
voltar ao trabalho. Ele conta que seu pai fazia três turnos de trabalho, o que quer dizer que –
Sumário a cada dez dias – tinha que mudar do turno da noite (22:00 às 06:00) para o turno seguinte
(06:00 às 14:00) e, dez dias adiante, para o das 14:00 às 22:00. A consequência direta diz,
era que seu pai sempre estava em casa de manhã ou à tarde (ainda que dormindo), enquanto
2 Texto original em Espanhol: Dos fotografias juntas se refuerzan mutuamente para contar una
historia o para convertirse en uma Metafora Visual.
3 Significado do termo “Queixadas” - Porco do mato de mesmo nome que se uniam para, juntos,
enfrentarem o perigo iminente. https://movimentofabricaperus.files.wordpress.com/2013/12/livro-que-
ixadas.pdf - Acessado em 06/06/2021.
202
sua mãe saía de casa às 05:00 da manhã para só estar de volta, considerando o tempo em
condução, às 19 horas. Quando o pai estava no turno de 06:00 às 14:00, cabia a ele, Élcio,
levar-lhe uma marmita protegida com pano na hora do almoço (11h00), ocasião em que se
sempre deixava dominar pelo fascínio que o poderio da fábrica exercia nele. Isso acabou
quando ingressou na escola, aos sete anos, por conta do horário das aulas.
Quanto a mim, filha caçula de três irmãs, tinha como cuidadoras muitas mulhe-
res: minha irmã mais velha, com quatro anos a mais que eu, minha avó paterna, que morava
no mesmo quintal que minha família e a minha irmã do meio com 9 anos a mais que eu.
Ambas as irmãs mais velhas, apesar das tenras idades, começaram a trabalhar bem cedo e
a se responsabilizar pela casa e por mim, a irmã mais nova. Meus pais trabalhavam muito,
e por isso eu nem sempre conseguia estar com eles. Hoje com 51 anos dedico-me ao estudo
do Movimento dos “Queixadas” em sua relação com a área da Educação no bairro de Perus,
uma peculiaridade encontrada nos interesses de pesquisa também do Sr. Élcio. Esse fato me
impulsionou a tratar o par. Porém, além dessa motivação, as imagens escolares capturadas
da Fábrica de Cimento de Perus com a área da Educação naquele bairro está fortemente liga-
sejam nas décadas de 1970 ou 80, períodos em que as imagens foram produzidas, ou mesmo
Sumário nos dias de hoje, em outros formatos. Será interessante verificar como estão configurados e
inseridos dentro da minha pesquisa, verificando seus usos e suas novas representações.
artes, algo que interfere na criação artística ou na interpretação de uma imagem. Assim, não
é possível gerar de forma superficial uma arte desvinculada de uma história de vida (expe-
203
riência) ou mesmo propor uma criação que apenas reproduza conceitos arcaicos, ditados fora
do contexto.
invenção, precisa se contar com a interação de elementos que não são os do viés da imposi-
ção. Quando é gerada uma oportunidade artística importa que essa seja inteira, sem consi-
derar o sujeito neutro e ter a sua vivência respeitada, a ponto de evitar que o próprio autor
“morra” dentro de sua própria arte ou no uso de sua imagem. Se faz necessário, portanto,
cultivar o senso crítico do sujeito para que o mesmo não seja explorado ou minimizado na
sua humanidade.
Quanto às reflexões sobre a importância de uma boa formação na área das artes, em
todos os níveis escolares, reitero a necessidade deste diálogo diuturnamente dentro das escolas
e mesmo dentro dos museus, locais que muitas vezes se caracterizam como lugares de acesso
privilegiado, e distante de muitas pessoas. Outro debate que se faz muito necessário é a ques-
tão do respeito às formas de expressão dos alunos. Para além das expressões artísticas as artes
também podem revelar questões afetivas, muitas vezes invisibilizadas no núcleo escolar.
Outro ponto importante é o alcance das formações artísticas para além das técnicas,
considerando que somos sujeitos integrais e temos diversas dimensões envolvidas no momento
da construção da arte. Por fim, reforço a importância da formação crítica na apreciação da arte,
pois muitas narrativas visuais podem conter elementos que forjam o entendimento da realidade.
R efer ê ncias
Capa
AQUINO, J. O conceito de experiência no pensamento benjaminiano. Cadernos
Walter Benjamin. v. 13, p. 46-56, 2014.
Ficha
ARROYO, M. Imagens quebradas: trajetórias e tempos de alunos e mestres. 8. ed.
Petrópolis: Vozes, 2014.
Sumário LOPES, J. Tristes escolas: práticas culturais estudantis no espaço escolar urbano.
Porto: Afrontamento, 1997
OTT, R. Ensinando crítica nos museus. In: BARBOSA, Ana Mae (org.). Arte Educação
Leitura no subsolo. São Paulo: Cortez, 2005.
Mirtes de Moraes
da maternidade se deu há mais de dez anos quando foi desenvolvido no doutorado, nele, foi
centrada uma pesquisa com a proposta de mapear um conjunto de práticas discursivas res-
ponsáveis pela construção de uma concepção ideal de mulher que se alcançaria através do
século XX, momento em que se assistiu a uma grande preocupação médica com a mortalida-
de infantil, que aguardava uma política pública eficiente, capaz de reduzi-la a um patamar
Capa
aceitável por uma sociedade que se pretendia civilizada.
entre o serviço das amas de leite e o alto índice da mortalidade de recém-nascidos. Dessa
Sumário
forma, construía-se um nexo causal entre a baixa qualidade do leite fornecido pelas amas o
Ao mesmo tempo em que o olhar médico projetava desconfianças variadas sobre o tra-
balho das amas, ia-se fortalecendo um discurso de exaltação da mulher enquanto mãe, a quem
se destinava a importante missão de cuidar das crianças. Entre esses cuidados, a amamentação
do recém-nascido pela própria mãe passou a ser identificada como uma prática essencial.
205
enunciados que iam sendo tecidos continuamente a partir de uma mescla de considerações
e foi sendo modelada por uma trama discursiva que reservava ao feminino o papel prepon-
derante de ser mãe, com todas as implicações políticas e sociais que esse fato pôde acarretar
para as mulheres.
Vale ressaltar que o enfoque teórico metodológico ganhou tamanha importância para
por meio da teoria buscou-se entender as extensões mais sutis do poder, suas dimensões me-
Capa Neste sentido, Corpos, gestos e subjetividades começaram a fazer parte do núcleo
buscando por meio do embasamento teórico metodológico do pensador, perceber como estão
Sumário conectados os jogos de poder na constituição de um sujeito social, no caso, como os discursos
Esse trabalho busca refletir sobre os impactos dos movimentos feministas na expe-
riência da maternidade e a inflexão dos mesmos nos estudos socioculturais, para tanto, a me-
todologia aplicada para a execução da pesquisa será realizada uma revisão nas referências bi-
Ter ou não filhos, ser ou não ser mãe, ou então, como ser uma boa mãe, são questões
pensadas por várias mulheres, podendo ser traduzidas como uma permanência na história.
publicou em 1949, a obra “O Segundo Sexo”, nela, a célebre frase, “não se nasce mulher,
mas torna-se mulher”, pode ser articulada a um olhar crítico sobre o determinismo biológico
sobre os papeis reservado às mulheres, assim como o lugar em que a maternidade ocupava
no social, dessa forma, a questão da maternidade começava então a ser compreendida como
uma construção social, que designava um lugar próprio para as mulheres, confinando-as por
Com base nesta evidência, a crítica feminista que se fortaleceu nos anos posteriores,
ção masculina. Essa discussão pode ser observada com mais força entre as décadas de 1960
teorias: estudos culturais e gênero. Nelas, se busca questionar os paradigmas tradicionais por
lisa três grupos sociais, classificados como periféricos pelas antigas fontes e metodologia, a
Ficha
estudiosa vai observar outros sujeitos na história que sofrem um processo de marginalização
aquelas que teriam sido silenciadas pela história, dentre elas, destacam-se operárias, prosti-
tutas, lavadeiras e donas de casa, sem escolaridade, que, para ganhar um sustento para si e
sua família, faziam pequenos bicos, trabalhavam como camelôs. Dessa forma, a obra ilumina
não apenas a maneira como o poder se desdobra de modo pragmático e simbólico, mas tam-
bém a resistência e rebeldia de grupos marginalizados ao sistema. O livro foi organizado pela
207
historiadora Maria Stella Martins Bresciani e pode ser pensado como uma referência para
Essa questão da invisibilidade dos grupos marginalizados pode ser atrelado aos es-
tudos feministas. No que se refere ao tema maternidade, é possível observar no campo das
publicado em 1963, O livro foi resultado de anos de pesquisa da autora, que entrevistou
mulheres que seguiam os preceitos dos anos 1940 e 1950, nos quais as atividades femininas
ficaram restritas à atuação como donas-de-casa, sua obra buscou mostrar que o trabalho fora
uma reflexão sobre como o sentido da maternidade não pode ser enquadrado como natural
busca refletir sobre as associações estabelecidas entre “amor” e “maternidade” tidos como
que culpava a mãe por tudo. A antropóloga defende por meio dos estudos que era melhor
para as crianças terem várias pessoas cuidando delas do que apenas a mãe. (MEAD, 2020)
Inserido nesse contexto, pode-se articular que uma das palavras de ordem do mo-
vimento feminista dos anos 70 foi o lema “o privado é político”. Essa chamada feminista
sublinha que a subordinação feminina não é mantida apenas no âmbito das instituições e na
O tema do trabalho, aparece como sentido de libertação nessa discussão sobre ma-
Ficha ternidade. Articulando essa temática com o contexto histórico pode-se observar a entrada da
pílula para uso contraceptivo. Com isso, pela primeira vez na história, as mulheres passaram
Sumário a deter o controle sobre a natalidade. Contribuindo para o fortalecimento dessa forma de
pensamento.
A luta pela livre escolha da maternidade buscava romper com a equação que asso-
ciava de forma direta a equação mulher, igual a maternidade. Essa luta pode ser considerada
fundamental para libertar as mulheres do lugar em que ocupavam na vida privada. Segundo
Norberto Bobbio, a grande novidade desta luta é que ela introduzia, do ponto de vista dos
208
E era em nome desta identidade, Mulher, que firmou nesse momento, vários grupos
compostos somente por mulheres, discutiam questões relacionadas ao corpo feminino e suas
Por outro lado, o movimento feminista sofreu um questionamento por parte de mu-
lheres negras, mestiças, pobres e trabalhadoras. Muitas, não se identificavam com o discurso
feminista que se proclamava, não consideravam que as reivindicações desse grupo “Mulher”,
as incluíam, o trabalho, visto como “libertação”, para essas mulheres, o trabalho tinha um
Com esse fragmento extraído do livro “Mulheres, Raça e Classe”, de Ângela Davis é
possível perceber que a pauta de reivindicações de algumas mulheres, não era necessaria-
mente a pauta de outras. Dessa forma, pode-se concluir que as sociedades possuem as mais
Capa
diversas formas de opressão, e o fato de ser uma mulher não a torna igual a todas as demais.
Esse questionamento fez com que a categoria “Mulher” passasse a ser substituída por “Mulhe-
Ficha
res”, no intuito de respeitar o pressuposto das múltiplas diferenças que se observavam dentro
da diferença.
Sumário
No final dos anos 80, Joan Scott, historiadora feminista americana informa a neces-
1 Alguns pensadores colocam essa noção de “ondas” como sinônimo do aparecimento de momen-
tos de maior fortalecimento do movimento feminista, tendo a “primeira onda” teria se desenvolvido no
final do século XIX e centrado na reivindicação dos direitos políticos – como o de votar e ser eleita –, nos
direitos sociais e econômicos – como o de trabalho remunerado, estudo, propriedade, herança.
209
Deste modo, Scott sinaliza que as relações de gênero são construções definidas por
por meio das relações de poder. Essa estrutura de pensamento recebeu importantes contribui-
estudos de gênero procuram mostrar que as referências culturais são sexualmente produzi-
das, por símbolos e discursos, pela linguagem, jogos de significação, cruzamentos de concei-
inscritas nas referências cotidianas nas estruturas mentais e nos corpos (a maneira de fazer
possível abordar a maternidade em suas múltiplas facetas, por um lado, é possível observá-la
ral e politicamente, resultado das relações de poder e dominação. Esta abordagem contribuiu
Ficha
para a compreensão da maternidade no contexto cada vez mais complexo das sociedades
vistas femininas dos anos 80 e 90 em que a palavra “culpa” assume a grande protagonista do
210
cotidiano das mulheres e o trabalho que ora fora vista como um discurso libertador passa a
Reforçando esse discurso, pode-se encontrar algumas produções fílmicas que centra-
lizam a figura da babá como algo danoso, na década de 90 é possível perceber esse sentido
em dois longas-metragens, em 1992, a mão que balança o berço, a narrativa no gênero sus-
pense, conta a história de um casal que busca por uma babá para cuidar dos seus filhos, aca-
bam encontrando uma babá que superam os pré-requisitos do casal, porém ela se torna uma
figura possessiva e nociva, no ano seguinte é lançado uma babá quase perfeita, do gênero
comédia dramática retrata a história de um pai que é impedido pela ex-esposa de passar mais
tempo com os filhos, para driblar, o pai se veste como uma senhora idosa e tenta conseguir
o cargo de babá no seu antigo lar. Pode-se perceber uma crítica a essa mãe que trabalha fora
associando-a a uma pessoa fria e egoísta, por não ter dedicação exclusiva aos filhos.
Vale observar que uma das características da geração de crianças que nasceram após
a década de 80 se situa pelo estabelecimento de estar ocupada, tanto no que se refere aos
esportes, como em línguas estrangeiras e até atividades voluntárias. Nesse sentido, o papel
de dedicação integral das mães esteve muito vinculado ao ir e vir das crianças para a escola,
assim como às aulas de inglês, natação, balé e também outras atividades como grupos de
escoteiro
Num mundo extremamente competitivo a mãe será cobrada pelo sucesso ou fracasso
do seu filho. Nesse sentido, essa dinâmica social vai gerir uma mãe controladora que preza
211
pelo espaço individual, com consequências de uma progressiva individualização das relações
na sociedade, que se fizeram sentir de maneira mais aguda nas camadas urbanas da popula-
Pode-se perceber uma articulação desses valores da sociedade capitalista que se des-
dobra nas ideias neoliberais, marcado pelas relações de concorrência entre mercados priva-
dos. Um dos efeitos desse processo é transformar a sociedade ativa, competitiva, regida pela
ótica do trabalho. Desse modo, tanto a criança com o adolescente devem ser preparados
para entrar nesse mercado competitivo. Pode-se articular a esse contexto, o pensamento do
pensador defende que na sociedade atual existe um esquema positivo de poder, presente no
inconsciente social, por meio desse poder há uma cobrança social de sucesso que é reforçada
Desse modo, o discurso neoliberal promove um novo sujeito social: ativo e provido de ego.
(HAN, 2017)
“Young Urban Professional” termo cunhado no início dos anos 80 para se referir a jovens
profissionais urbanos que possuem entre 20 e 40 anos de idade, geralmente têm formação
Desse modo, pode-se perceber dois processos que se completam na sociedade con-
lista e a experiência de maternidade passa a ser administrada também pelo exercício da pa-
Capa ternidade. Um novo modelo de família se institui ancorado em valores como o afeto, atenção
Ficha forma complementar, especialistas nas áreas de psicologia começam a trabalhar juntamente
dagens se conferia um grande valor aos aspectos subjetivos das relações e ao desenvolvimen-
to da individualidade, estabelecendo que já não era mais possível pensar o papel materno
nas últimas décadas, aliado às transformações do papel da mulher na sociedade, tem trazido
dade. Na contemporaneidade, a mulher pode tornar-se mãe sem depender da presença con-
das técnicas de fertilização assistida. Aliadas a esses avanços, também é possível perceber
ças. Esse cenário contribuiu para uma na organização familiar gerindo novos sentimentos
formas de maternar, conhecidas como redes de apoio: escolas com tempo integral, creches
públicas, babás, escolinhas especializadas, vizinhas que dão uma olhadinha e avós solícitos.
E, por outro lado, é possível perceber nas redes sociais uma forte forma de representar a ma-
ce uma abordagem mais conservadora e de outro, é possível perceber também uma aborda-
Capa situa por meio um ideal de maternidade, e por outro, busca-se um lugar de defesa em que os
limites de gênero não sejam determinantes. Assim, percebe-se uma forma de maternidade
Este modelo performativo da filósofa pode ser articulado a forma plural de materni-
dade que se esboça na sociedade contemporânea, manifestado por uma variedade de tipos de
litários”
Quero sugerir que, assim como nos anos 90, os estudos sobre
sociologia política e da comunicação descobriram a importância da
vídeo-política, devemos prestar agora mais atenção a outros modos de
informar-se, comunicar-se e participar socialmente que se situam nos
novos cenários digitais da leitura. Assim como as políticas culturais
não podem ser tão somente gutenberguianas, deslocadas em relação
aos lugares e meios onde a maioria se informa e se entretêm, não é
possível centrar o debate sobre a democratização social somente na
comunicação escrita. Nem tampouco na manipulação televisiva. Uma
mirada voltada para os novos modos de ler e de comunicar revela que
não se lê tão pouco, nem menos que no passado. Vendem-se revistas em
Capa menor quantidade, mas centenas de milhares as consultam diariamen-
te na internet. Diminuem as livrarias – há que se preocupar e elaborar
Ficha políticas mais eficazes para lhes dar sustentabilidade, sobretudo às es-
pecializadas – mas aumentaram os cibercafés e os meios portáteis de
mensagens escritas e audiovisuais. (CANCLINI, 2015, 68)
Sumário
Assim, como observa Canclini deve-se prestar atenção a outros modos de informação
e comunicação. Atrelado a esse pensamento de Canclini pode-se observar uma rede de con-
maternidade ideal.
214
esses aparelhos tornaram-se companheiros inseparáveis das pessoas, isso pode ser notado
nas ruas, em pontos de ônibus, dentro dos transportes públicos e também nos lugares fecha-
dos como shoppings, restaurantes e até mesmo, em museus. Nessa convivência, novas formas
comunicação e o indivíduo.
dual, ela também pode produzir um caráter coletivo, ou seja, é possível perceber um cresci-
mento nas redes sociais de grupos que buscam canalizar e difundir informações. Fazer uma
doação, confirmar presença em algum protesto, são alguns tipos de ações em que o acesso ao
Deste modo, as novas tecnologias podem ser pensadas como um novo e complexo
R efer ê ncias
2002
Dossiê: Feminismo em Questão, Questões do Feminismo .Cad. Pagu (16) 2001. https://
SCOTT, J. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Educação & Realidade,
Capa
Ficha
Sumário
216
pois seu olhar se faz sob a interpretação de seus valores e avaliações. É importante lembrar
que isto não implica em anacronismo, que é ler uma imagem a partir de conhecimentos e va-
lores que não havia na época, mas por entender que o estudo do passado nos leva, em última
presente. Entre o tempo do fato ocorrido e seu estudo pode haver lacunas demasiado ex-
imaginadas numa combinação de referências documentais de alguém que olha este material
Ficha
com cores e tonalidades de seu próprio tempo. Neste capítulo, abordaremos a ligação entre
a materialidade de uma imagem e seu efeito sobre a criação de imagens mentais, imateriais,
Sumário
em um movimento dialético capaz de construir a realidade em um fluxo contínuo entre o
indivíduo e a sociedade. O imaginário não é a realidade, mas pode criá-la, a partir do olhar
que interpretamos o real, podemos escolher ações que transformam a realidade. O modo
como interpretamos o mundo é particular a cada indivíduo, nossa interpretação dos fatos
e situações é uma maneira de tornar familiar o que nos é estrangeiro. Podemos dizer que
pólis, na sociedade.
mentais. O que entendemos por realidade é sempre uma representação filtrada pela nossa
percepção do real, que fica em uma zona fronteiriça que flerta com a nossa capacidade de
criação e com nossas defesas e pode criar ficções. Para dar um exemplo que torna mais cla-
ro o que estou dizendo, podemos pensar em alguém que diz que o mundo está sempre nos
pregando peças e do qual sempre temos que nos defender. Esta forma de entender o mundo
Imagens do real impactam e criam novas imagens. Elas podem nos deslocar no
camente.
anímica diz respeito às representações interiores, que tem um caráter imaterial e a imagem
segundo Jung (1954/2003), são padrões estruturais, encontrados em todas as culturas. Este
Capa padrão arquetípico não tem acesso à consciência, mas se manifesta por meio de imagens,
que se apresentam na roupagem da cultura. Um arquétipo quando não está ativado por uma
Ficha demanda da consciência, não possui forma pré-estabelecida, mas configura-se apenas como
uma possibilidade.
Sumário Cada época fará a leitura de uma imagem de modo diverso, sempre haverá novos
olhares e perspectivas sobre um mesmo fenômeno estudado (PAIVA, 2015). Quem conta uma
história, a conta a partir de seu lugar, no ditado popular, um ponto de vista é a vista de um
ponto, ao qual muitos outros podem ser acrescentados. A história narrada por meio de ima-
gens tem como matéria prima a subjetividade de quem a produziu, mas esta subjetividade
tem algo de coletivo, pois contém os valores de uma época. Há um intercâmbio entre o que
218
O historiador de arte Abraham (Aby) Warburg discorreu sobre este fenômeno, ten-
tando construir um corpo de conhecimento por meio de imagens que mapeavam aspectos
psicológicos da cultura (WARBURG, 2010). Em sua biblioteca, Warburg, colocou uma placa
na qual estava escrito Mnemósyne, referindo-se à deusa grega da memória, seu objetivo era
mostrar que certas formas sobrevivem ao longo do tempo criando um patrimônio coletivo. As
imagens carregariam uma memória coletiva que é reatualizada em diferentes contextos his-
tóricos, é a memória que mantém vivo o passado tornando-o sobrevivente (TAVARES, 2012).
Segundo Warburg, antigas imagens que refletem movimento e que haviam desaparecido na
universais, que ele chamou de Pathosformel ou “fórmulas da emoção” (SERVA, 2020 p. 39).
cia destes elementos na cultura (SERVA, 2020). A presença de um passado sobrevivente nas
culturas se aproxima da noção de arquétipo de Jung (1954/2003), que são potenciais para
formação de imagens herdadas pelo humano, sendo que estas imagens se atualizam em no-
Para Jung (2003), o inconsciente possui duas camadas, uma mais superficial, que ele
denomina inconsciente pessoal e uma mais profunda e inata que ele denomina inconsciente
coletivo, que seria constituído de um substrato que é comum a todos os seres humanos. O
Capa conteúdo do inconsciente pessoal seriam os complexos, formados a partir da vivência do in-
Ficha chamados de arquétipos. Estes conteúdos universais podem assumir formas e imagens diver-
Sumário
Por seu lado, Jung introduzia a idéia de estruturas arcaicas
que presidiam a capacidade humana constitutiva de imagens, a que ele
deu o nome de arquétipos. Formas dinâmicas, instauradoras do imagi-
nário coletivo, os arquétipos funcionavam como permanências mentais
socializadas e re- atualizadas ao longo do tempo. Ou seja, surgia todo
um pensamento centrado no universo simbólico, sem que, porém, fosse
ainda apropriado pelos historiadores (PESAVENTO, 2003 p. 23 e 24)
219
conceito de arquétipo. Foi Fritz Saxl – colaborador de Warburg -, o primeiro a fazer esta cor-
relação e, mais tarde, Gombrich (1992), em sua biografia sobre Warburg. Para estes autores,
Jung e Warburg se debruçaram sobre o estudo e o impacto da imagem, além do interesse pelo
A ci ên cia e o i maginário
A ciência procura definir fenômenos, mas como criar uma metodologia que estude o
imaginário sem reduzi-lo? Se uma imagem que possui materialidade, como uma obra de arte,
cria ou nos remete a outra figura imaginal dentro de nós, podemos dizer que uma imagem
pode nos levar a lugares que estão ausentes em sua representação. A imagem é, portanto,
mais do que mostra, não se reduz ao que é visto, mas ao que pode ser pensado e deduzido
(TAVARES, 2012).
As ciências chamadas duras sempre partem de dados objetivos em suas análises dos
que define e caracteriza o humano que é a atribuição de significados. Esta atribuição de sig-
nificados, pode dar às situações, pessoas ou objetos algo que os transcende, que avança para
além de sua materialidade e utilidade, ganhando um tecido simbólico que é invisível, mas
Durand, eles são autores que atribuem legitimidade ao exercício imaginativo do humano.
Ficha
As imagens devem, de fato, ser estudadas por outras imagens...
No lugar de sintetizar uma vasta cultura erudita tirada de leituras (so-
Sumário bre as mitologias religiosas, os casos patológicos etc.) Bachelard quer
experimentar por ele mesmo, senão sobre ele mesmo, as imagens, seja
dentro dos devaneios espontâneos, seja na leitura atenta, para reencon-
trar fenomenologicamente os processos da imaginação criadora (PIT-
TA, 2017 p. 42)
Gaston Bachelard (1884-1962) tem sua obra dividida em dois momentos, nomeados
220
por ele, em diurno e noturno. Na primeira fase da sua obra, ele escreve sobre epistemologia e
ciência – momento diurno – e a partir de 1938 passa a escrever sobre a imaginação por meio
de investigação e pesquisa filosófica, utilizando como método os quatro elementos: água, ar,
fogo e terra - momento noturno. Bachelard encontrou na obra de Jung um lugar de interlocu-
ção. Em seu livro Tipos Psicológicos (1921/ 1991), Jung afirma que psique é imagem e que a
psique cria realidade todos os dias por meio da imaginação. Para Bachelard (1994), a imagi-
nação precede a percepção, o que nos faz perceber a realidade desta ou daquela maneira. De
acordo com o entendimento destes dois pensadores – Bachelard e Jung - há um grande salto
no entendimento da epistemologia da psique, uma vez que ele eleva a imaginação à categoria
angústia existencial. Opera de modo a organizar a experiencia do real, para este autor, que
também tem seus fundamentos na fonte junguiana, os mitos são as fontes simbólicas do ima-
ginário (CARVALHO, 2019). Segundo Durand, o homem é um produtor de imagens, por meio
das quais pensa e cria, “Conhecer as imagens que estruturam o homem é conhecer as ima-
gens que estruturam todas as suas obras, mesmo as obras científicas...” (PITTA, 2017 p.90).
A nosso modo, cada um de nós, é um artista da realidade experienciada, uma vez que
podemos pintar imaginativamente a realidade, que no momento que pode ser representada,
A i magem da ob ra de art e
Capa
O que diferencia um bom desenho ou pintura de uma obra de arte? Além da avalia-
Ficha ção daqueles que são expertises das artes, a permanência no tempo, o fato da obra atravessar
Sumário pendente da época em que foram realizadas, talvez outorgue a ela este valor.
O artista por meio do seu talento, cria diferentes fontes de linguagem que expressam
sua leitura sobre o mundo. A fonte criativa parte do percurso do artista no que diz respeito
ao seu caminho pessoal e àquilo que foi internalizado pela cultura. Segundo Buoro (2002 p.
A memória da cultura veiculada por meio das obras de arte são fundamentais. Assim
221
como temos porta-retratos de família em nossas casas, as obras de arte podem funcionar
como porta-retratos da cultura de uma época. Escolhemos por meio das obras qual história
será contada. A cada nova visita que se faz ao passado novos “porta-retratos” podem ser esco-
lhidos e assim nossa consciência coletiva sobre a cultura se amplia. Poderíamos compreender
ao passado nos transportando a outros lugares e nos fornecendo dados, costumes e valores.
É importante ter crítica sobre as imagens analisadas como fonte documental, observar por
imagem. Mas ainda que pareça idealizada é, ainda assim, uma informação sobre a sociedade
e os desejos de uma época (BURKE, 2016). A análise das obras deve ir para além do óbvio, é
VA, 2015).
Uma imagem carrega consigo uma historicidade, portanto, uma obra de arte deve
Capa
sempre ser examinada com cuidado, pois nem sempre a representação de uma época é fiel
à realidade, podendo conter idealizações. Quando olhamos uma obra de arte é sempre im-
Ficha
portante fazermos uma série de questionamentos: “Quando? Onde? Quem? Para quem? Para
quê? Por quê? Como?”. Lembrando que aquilo que está ausente também pode gerar signifi-
Sumário
cados (PAIVA, 2015 p. 18).
Obras realizadas sob encomenda, por exemplo, podem ter uma série de intenções
não expressas que vinculam a história que se pretende contar aos fatos (PAIVA, 2015).
Mas mesmo obras que são realizadas com uma intenção, não devem ser descartadas como
documento histórico, pois podem carregar elementos que fogem do controle da consciên-
cia coletiva de sua época, são elementos que se impõe à revelia da escolha consciente. Ao
222
analisarmos uma imagem ou uma obra de arte é necessário que se olhe para uma série de
relações que a transcendem. O Papa Gregório I, quando permitiu o uso de imagens para
difusão e ensinamento do cristianismo por meio de pinturas aos ágrafos, talvez não ti-
vesse ideia de que seu alcance iria muito além daqueles que não sabiam ler (GOMBRICH,
1972).
tempo, uma espécie de fóssil que materializa de onde viemos e aonde chegamos. A ima-
gem se constitui como uma erupção vulcânica no tempo que com suas lavas quentes,
imagens. Benjamin (2006), chama de aura, uma espécie de atributo e poder da imagem
alteridade.
Segundo Isabelle Anchieta (2021), as imagens carregam consigo tantas outras, for-
mando uma polimagem, uma espécie de história da imagem, uma sociogênese. Neste sen-
tido, tal como nas expectativas de Warburg (2010), as imagens podem se consolidar como
documento histórico e fonte de uma construção científica realizada por meio do estudo de
série de imagens. As imagens vão agregando sentidos ao longo de sua existência, e carre-
gam consigo uma potência que podem refletir as transformações sociais de determinado
período (WARBURG, 2010). Podemos observar a potência das imagens na pesquisa de dou-
torado de Leão Serva (2017), seu trabalho discorre sobre o impacto das imagens de guerra.
Capa poupariam os combatentes virtuais, mas não é isso que tem se verificado, estes profissionais
Ficha também sofriam os mesmos níveis de estresse pós-traumático que os fotógrafos no front.
Isto indica que a imagem carrega consigo uma carga de energia capaz de impactar de modo
nos leva a crer que a imagem possui uma permeabilidade na psique que o texto escrito,
por ser mediado pela razão, não possui. O alcance das imagens são motores sociais, pois
Na década de 30, a jornalista judia Charlotte Beradt, percebeu uma intensidade emo-
cional no conteúdo dos seus sonhos e investigou se isto estaria acontecendo com pessoas à
sua volta. Na época ela coletou 300 sonhos, no período de 1933 a 1939, ano em que conse-
guiu fugir da Alemanha. Ela escreveu em 1943 um artigo e em 1966 um livro chamado Os
sonhos do terceiro Reich. As imagens oníricas por ela coletadas pareciam trazer o movimento
ainda não explicito do que aconteceria no período do nazismo. É como se as imagens dos
sonhos pudessem criar uma linguagem metafórica para aquilo que ainda não encontra uma
várias universidades na qual foram coletados 900 sonhos, os mesmos traziam imagens do
processo adaptativo que todos estávamos passando, o isolamento físico, o temor da contami-
nação e o medo da morte (DUNKER et al.,2021). Estudos como estes mostram que os sonhos
que enfrentamos uma situação nova, velhos padrões podem não atender às novas demandas
e isto implica em um aumento do trabalho psíquico para darmos conta das transformações,
uma espécie de costura simbólica no tecido social. Estudos como estes mostram o quanto
os sonhos são importantes para além das questões pessoais do sonhador, são também um
(DUNKER et al.,2021).
Imagens formam territórios que dentro de cada um nós encontram um campo por
Capa
meio do qual batalhas possam ser encenadas e saídas possam ser vislumbradas neste inter-
das pela psique e neste movimento conjunto criam realidade. O arquiteto Juhani Pallasmaa
(2013), nos lembra que nos dias atuais as imagens são produzidas para todos os fins, da
autor nos lembra que antes do desenvolvimento da escrita, as imagens e gestos eram a forma
de comunicação e que, atualmente, mesmo nos países mais desenvolvidos houve um declí-
nio das habilidades de linguagem. Seria um retrocesso em meio a tanto avanço tecnológico?
Com a leitura na internet, por meio de textos rápidos, talvez seja cada vez mais difícil de nos
embrenharmos em um livro de 300 páginas, há uma urgência que nos leva a textos curtos e
fragmentários e para Pallasmaa (2013), nem sempre conectados entre si, criando uma expe-
riência de descontinuidade. A observação das redes sociais em seu contínuo fluxo de imagens
Vivemos em uma era de muitas imagens, mas que de algum modo, exatamente pelo
volume é algo que nos soterra e é minimizado o encontro dialético que alimenta o imaginá-
rio. As imagens são consumidas sem serem digeridas, criam um mundo com muita informa-
Sumário não conseguem ser transformadas em conhecimento, nos leva a uma banalização das expe-
riencias. A atenção que não “pousa”, se mantém sempre em vôo, subtrai a profundidade do
como nossa capacidade de pensar criticamente sobre um assunto, o que aumenta nossa vul-
uso político e de consumo, são as imagens colonizadoras, para o autor, estas imagens “con-
literatura e artes em geral. São imagens que abrem, convidam, incomodam, estimulam e
fora, vivemos o imaginário nos jogos, no metaverso. Compramos o imaginário, ele virou
consumo.
Assistimos a vida alheia nas redes sociais e não vivemos a nossa própria vida. A
diástole, introversão e extroversão, mergulho e vôo. Nunca foi tão importante sermos seleti-
vos, estabelecermos uma curadoria de imagens, para que o imaginário possa ser instigado a
R efer ê ncias
ANCHIETA, I. Imagens da Mulher no Ocidente Moderno. Vol. 1 Bruxas e Tupinambás
Canibais. São Paulo: Edusp, 2021.
Ficha BERADT, C. Sonhos no Terceiro Reich. São Paulo: Três Estrelas, 2017.
BUORO, A. Olhos que pintam – a leitura da imagem e o ensino da arte. São Paulo:
Sumário EDUC; Cortez Editora, 2002.
DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 1998.
226
JUNG, C. O espírito na arte e na ciência (O.C. v 15). Rio de Janeiro: Vozes, 1987.
Sumário
227
tados por mulheres brasileiras com deficiência física no âmbito educacional e compreender a
partir das experiencias de uma mulher nessas condições, seu percurso trilhado para alcançar
dencias, que possibilitem caminhos para a desconstrução das diversas barreiras enfrentadas
por essa população. Pretende-se aqui investigar o que a história nos diz sobre as questões de
gênero e a deficiência física, e como isso interfere na vida dessas mulheres, além de analisar
as barreiras atitudinais enfrentadas por mulheres com deficiência física na área da educação.
Conferência Mundial Sobre a Mulher, a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiên-
Capa
cia e seu Protocolo Facultativo, ratificado pelo Brasil (2008) e a Lei Brasileira de Inclusão da
Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) (2015), assim como os teóricos
Ficha
Paul Thompson e Gabriele Rosenthal que falam sobre as lentes da história de si, que guiará
tória são carregadas de estigmas e preconceitos e quando há a intersecção com gênero isso é
potencializado.
Destacamos aqui que muitos fatores que vão desde questões como amparo familiar,
fundamental para o desenvolvimento de filhos com deficiência física, as crenças desses pais,
recursos dos mais variados, e o grau da deficiência, irão refletir no futuro da educação dessas
mulheres.
foi assinalada inicialmente por eliminação e exclusão, que “deixaram marcas e rótulos asso-
ciados as pessoas com deficiência, muitas vezes tidas como incapazes e/ou doentes crônicas”
(GARCIA, 2011). Com o passar do tempo, a mudança do Modelo Médico para o Modelo So-
debates que resultaram na criação de leis para proteger e amparar essas minorias. Nesse
sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, ratificado pelo Bra-
sil (2008) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com
Deficiência) (2015), trouxeram direitos civis, políticos, sociais e econômicos a esse grupo
populacional. Destacamos aqui que entre o grupo de deficientes, as mulheres são tidas como
que afirma entre outras coisas que,” […] são considerados especialmente vulneráveis [...] a
mulher [...], com deficiência, que deve ser protegida de toda forma de negligência, discrimi-
Capa gênero e deficiência, quando isso acontece mulheres deficientes sentem o efeito do duplo
estigma potencializando sua exclusão, situação que fica mais complexa quando ela se inclui
Ficha em outras categorias como classe, raça/ etnia. Fatos que ainda hoje trazem reflexos negativos
novos grupos, levando em consideração novos interesse, ao que Pesavento (2014) chama de
olhar sobre minorias como as mulheres e os deficientes, assunto dessa dissertação. Sob o
a partir da História Cultural, estudada por Pesavento, 2014, que a define como um modo
tema, reflexões sobre Políticas públicas e por meio do relato da pesquisadora, pela técnica da
Identificar quais são os obstáculos enfrentados por mulheres com deficiência física
Pesquisar quais são os obstáculos comuns enfrentados por mulheres brasileiras com
Direitos da Pessoa com Deficiência da Organização das Nações Unidas e a Plataforma de Ação
a Mulher e a Convenção sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência e seu Protocolo Facul-
tativo, ratificado pelo Brasil (2008) e a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência
(Estatuto da Pessoa com Deficiência) (2015), assim como os teóricos P. Thomson e Gabriele
Rosenthal que falam da história de si além das publicações dos autores: Elcie Masini, Lúcia
Capa
A (I n ) V isibi lidade da P essoa C o m D efi c iê nc ia
eliminação por diversos motivos, a depender do tempo e época histórica. Tema das ciências
Sumário sociais, o processo de exclusão e inclusão das pessoas com deficiência na sociedade tem sido
tante, em especial nas áreas médica e educacional, delineando diferentes atitudes sociais que
ensino especial feito de forma segregada. Segundo Aranha, 2003, ‘A compreensão sobre a
230
deficiência, em geral, bem como a compreensão sobre as pessoas com deficiência, em parti-
cular, tem se modificado no decorrer da História’ (p.10). Para o autor, isso é um processo em
Quando se fala da pessoa com deficiência física na escola e sua inclusão, a de se ob-
servar uma série de aspectos necessários para que a sua integração e desenvolvimento escolar
gia Assistiva direcionada à vida escolar. Segundo Bersch, 2007, fazer Tecnologia Assistiva na
escolar,
Capa dos com deficiência física, possibilitam sua autonomia, ampliação da comunicação, e segu-
Ficha
do a fora foi a mudança na relação entre gêneros, onde as mulheres passaram a figurar e
atuar na política, artes, ciências, trabalho e escola. Mas isso nem sempre foi assim, da luta
no século XVIII, foram fruto de uma série de inquietações das mulheres. Chegado ao Brasil
231
no século XIX, o movimento de mulheres pela conquista dos seus direitos foi uma construção
obscurantismo de sua época, onde as mulheres eram educadas para os afazeres do lar, cuidar
do esposo, dos filhos e da casa, sem direitos só deveres. Isso denúncia como as meninas e as
mulheres eram tratadas naquela época, e como as relações entre homens e mulheres eram
conduzidas, Nísia jogava luz a assuntos sensíveis. Na crença de que através da educação as
feminista prosseguia. Nessa época a formação intelectual não era considerada importante,
principalmente a educação para as meninas e mulheres. Em seu livro, Floresta, 2019, desa-
sempre que brilha um novo dia, e que nos bate à porta o jornal,
apoderamo-nos com solicitude dessa folha e avidamente percorremos a
cessão das Câmaras do dia antecedente em procura do assunto que te-
mos escrito no coração e no espírito – a educação da mulher brasileira
–, e dobramos a folha desconsolados e aguardamos o dia seguinte, que
se escoa na mesma expectativa, no mesmo desengano! Tem- se tratado
de muitas coisas menos disso; disso que merece incontestavelmente a
mais circunspecta atenção dos homens pensadores. Um dia raiará mais
propício para nós, em que os escolhidos da nação Brasileira se dignem
de achar a educação da mulher um objeto importante para dele ocupa-
Capa rem-se, com a circunspecção que merece. Entretanto lancemos os olhos
para o que se acha atualmente feito pelo governo em favor do ensino
Ficha primário das nossas meninas. (FLORESTA,2019, p.65).
Além de algumas publicações, entre seus feitos também está a fundação em fevereiro
Sumário
de 1838, no Rio de Janeiro, do colégio para moças e meninas. Sua proposta ousada revo-
lucionou a educação feminina. Sua trajetória foi permeada de atitudes firmes e corajosas,
Podemos citar aqui outras feministas brasileiras Josephina Álvares de Azevedo, nas-
cida em 5 de maio de 1851, que era jornalista, escritora que fundou em 1888 em São Paulo,
Em 1852 Joana Paula Manso de Noronha, uma argentina radicada no Rio de Janeiro,
lança o Jornal das Senhoras, em seu primeiro exemplar no edital, Noronha, expressa firme-
mente o intuito de que as mulheres busquem melhorias sociais e emancipação moral. Esse
pioneiro jornal, contava com a colaboração de outras mulheres anônimas em suas edições,
bém podemos citar a escritora e editora Júlia de Albuquerque Sandy Aguiar, do periódico O
Belo Sexo, que foi publicado no Rio de Janeiro, em 1862, onde se declara em seu primeiro
número que acredita na capacidade intelectual das mulheres. A inovação desse periódico é
que suas colaboradoras eram incentivadas a assinar seus trabalhos. E nos anos seguintes o
aumento do número de jornais e revistas feitos por feministas ajudaram a fortificar o movi-
mento feminista. Nos anos seguinte, até os dias atuais, muitas foram e são as mulheres que
contra a mulher, levando a uma nova visão da sexualidade e valorização da mulher, reduzin-
não podemos deixar de registrar que, estudos feministas sobre deficiência, falam a respeito
sentem o efeito do duplo estigma potencializando sua exclusão, situação que fica mais com-
Capa plexa quando ela se inclui em outras categorias como classe, raça/ etnia. Fatos que ainda hoje
Ficha
B arreiras at it udinais
Sumário
O que são? Desmembrando o termo barreiras e atitudinal, separadamente, vemos
O termo barreiras é:
dos bem próximos entre si; estacada. Nos acessos de cidade ou de po-
voação, posto fiscal que controla o trânsito ou cobra taxas de entrada
de gêneros, mercadorias etc. Em vias públicas ou no acesso de proprie-
dades, qualquer obstáculo que visa impedir a passagem de pessoas ou
veículos. Porção de terra que cai à margem de estrada ou caminho, e
que pode impedir o trânsito. Escarpa sem vegetação à beira de um rio.
Grande obstáculo; dificuldade, empecilho.
E atitudinal:
atitudinais, assim unidas, levam a compreensão de que são atitudes que limitam de alguma
maneira. Isso aplicado ao relacionamento com pessoas com deficiente, essas barreiras são
conceito para com as pessoas com deficiência. Essas barreiras estigmatizam e rotulam, fragili-
zando pessoas nessas condições, afetando sua autoestima, sua identidade de pessoa humana.
diferente, frágil e incapaz de viver plenamente a vida dentro das suas limitações.
Ficha Sobre barreiras, a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Nº 13.146,
de 6 de julho de 2015, (Estatuto da Pessoa com Deficiência), no artigo 3º inciso IV, discorre
Sumário sobre várias delas, e nesse mesmo inciso, na letra “e” sobre as barreiras atitudinais,
Art. 3º Para fins de aplicação desta Lei, consideram-se:
IV – barreiras: qualquer entrave, obstáculo, atitude ou com-
portamento que limite ou impeça a participação social da pessoa, bem
como o gozo, a fruição e o exercício de seus direitos à acessibilidade,
à liberdade de movimento e de expressão, à comunicação, ao acesso à
informação, à compreensão, à circulação com segurança, entre outros,
234
classificadas em:
a) barreiras urbanísticas: as existentes nas vias e nos espaços
públicos e privados abertos ao público ou de uso coletivo;
b) barreiras arquitetônicas: as existentes nos edifícios públicos
e privados;
c) barreiras nos transportes: as existentes nos sistemas e meios
de transportes;
d) barreiras nas comunicações e na informação: qualquer en-
trave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossi-
bilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por
intermédio de sistemas
de comunicação e de tecnologia da informação;
e) barreiras atitudinais: atitudes ou comportamentos que im-
peçam ou prejudiquem a participação social da pessoa com deficiência
em igualdade de condições e oportunidades com as demais pessoas;
f) barreiras tecnológicas: as que dificultam ou impedem o aces-
so da pessoa com deficiência às tecnologias;
Diante da lista de barreiras acima e das que se arrolam a seguir, confesso que pude
lembrar de cada uma delas, nas diversas fases da minha vida, muitas delas na área educa-
cional. Partindo desse pressuposto o relato por meio da História de Si, permitirá a exposição
dessa vivência por parte de uma mulher com deficiência física no âmbito educacional. O que
seja, a ignorância de quem realmente ele é e de suas capacidades; o medo de receber alunos
Sumário ou profissionais com deficiência e não saber como lidar com eles ou o receio de fazer ou falar
alguma coisa errada; a recusa por parte de alunos, familiares ou funcionários dá escola de
interagir com a pessoa com deficiência, rejeitar; fazer uma sub avaliação do aluno com defi-
que o deficiente não acompanhará os demais colegas, acreditando distorcidamente que todos
tem o mesmo ritmo de aprendizagem, se esquecendo que cada pessoa tem o seu ritmo pró-
235
prio mesmo todos recebendo o mesmo conteúdo e passando pelas mesmas avaliações; o sen-
que os colegas de classe ajam da mesma maneira; a consideração do deficiente como sendo
e coragem frente aos colegas exaltando-o como modelo para os demais; percepção generali-
pensar que a deficiência de um aluno tem efeito de propagação (ou expansão), ou seja que
ra positiva ou negativa, estereotipando a pessoa com deficiência; acreditar que o aluno com
aluno com deficiência com outros, desconsiderando seus ganhos ou progressos; acreditar que
o aluno com deficiência só poderá aprender em escola especial com profissionais preparados,
segregando-o; deteriorar a identidade do aluno com deficiência por adjetivação, como “len-
to”, “agressivo”, “preguiçoso”...; Afirmar, particularizando o aluno, de que ele está evoluído a
sua maneira e que só aprenderá com outros na mesma condição; crença de baixa expectativa,
de que o aluno não aprenderá e que deve ser submetido a atividades escolares sem desafios,
não permitindo que o aluno aflore suas inteligências, competências e habilidades múltiplas;
Supor que dois alunos com a mesma deficiência irão aprender da mesma forma, no mesmo
Capa ritmo, chegando a compara-los, fazendo generalização; Nivelar os alunos com deficiência e
agrupa-los, de modo a padronizar, com atividade mais simples, que requerem baixa habilida-
Ficha de, julgando que para eles, basta estar integrados na escola, não incluídos; o assistencialismo
e superproteção é mais uma das barreiras citadas pelos autores, onde, o medo e insegurança
Sumário do professor, impedem que o aluno faça algumas atividades, por receio de frustrá-lo ou que
se machuque.
Das barreiras atitudinais citadas acima, muitas foram as enfrentado pela pesquisa-
dora em vários momentos durante o seu percurso escolar, algumas foram vistas e sentida,
outras não, mas no geral, funcionam como o nome mesmo diz: barreiras.
com deficiência física ou qualquer outra limitação, impedem o desenvolvimento desses, como
as no âmbito educacional, limitando não só o ir e vir à escola, mas sua atuação como cidadão
pensante, com opinião e direitos. As barreiras atitudinais contribuem para uma sociedade
mais excludente. É necessário conhecer, identificar e quebrá-las para assim formar uma so-
essa população devido a uma série de fatores, que iam desde o olhar místico a rejeição do
da humanidade essas pessoas, assim como outras minorias alcançaram direitos de igualdade,
mas que na prática nem sempre funcionam. Pois barreiras não só arquitetônicas como atitudi-
nais ainda persistem, fazendo com que por exemplo, o percurso trilhado para alcançar certos
níveis de educação sejam muito penosos. E quando se trata da intersecção deficiência e mu-
lher isso se torna quase inatingível, questão que deve ser pensada e refletida dentro das leis
e das conquistas já alcançadas, para que isso possa ser atingido de maneira mais igualitária e
R efer ê ncias
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Sobre a autora:
Sumário
239
Estima-se que no mundo haja 240 milhões de crianças com algum tipo de deficiência
igualitária. Mas que mundo temos para essas crianças, o que as espera, o que podemos lhes
oferecer? Como desenvolver todo o potencial desses pequenos, dentro de suas limitações?
A construção do hoje para eles, envolve inúmeras questões que perpassam em muito as da
siderando que a infância é o tempo mais importante e precioso na vida de uma pessoa e que
nessa fase os princípios e valores aprendidos são perpetuados por toda vida, Santos (2020),
afirma que há a necessidade de se pensar sobre os espaços e oportunidades que estão sendo
dados às crianças, que são sujeitos de direitos e carecem de respeito dentro do seu processo
Capa
de aprendizagem.
Diante dos múltiplos processos de aprendizagem a que uma criança está exposta,
Ficha
aqui faremos um recorte, para abordar um deles de extrema importância na vida de qualquer
criança, o brincar, que precisa ser encarado como vital, não só para as com deficiência física,
Sumário
mas para todas. Sobre isso, Winnicott (1975), declara que,
com alcance profundo na vida dos brincantes, estreitaremos um pouco mais esse universo. Os
brinquedos que representam figuras humanas estão carregadas de estereótipos, observáveis
a olho nu, que falam sem falar, mas que refletem em si, a cultura e sociedade que os produz.
Testemunhamos diariamente o desfile nas vitrines de lojas, shoppings, catálogos, TV, internet,
a promoção de bonecos com corpos perfeitos, longos e finos, bem desenhados, cabelos lisos e
olhos claros. Mas será que todas às crianças se sentem representadas? E como isso afeta sua
Brasil, 1988, Convenção sobre os Direitos da Criança, 1990, Estatuto da Criança e do Adoles-
Capa
cente, 1990, Marco Legal da Primeira Infância 2016), inclusive o de brincar como as demais,
tenta que,
Sumário
[...] à boneca serve [...] de ocasião para à criança reviver sim-
bolicamente a sua própria existência, de uma parte para melhor as-
similar os seus diversos aspectos e, de outra parte, para liquidar os
conflitos cotidianos e realizar o conjunto de desejos que ficaram por
saciar. Assim, podemos estar certos de que todos os eventos, alegres ou
aborrecidos, que ocorrem na vida da criança repercutir-se-ão nas suas
241
119), afirma que “A criança também se projeta nos bonecos comprados, mas estes possuem
limitações, [...]”, que levam os pequenos por vezes, a acrescentar ou retirar dos seus bonecos
Dessa forma, buscamos aqui abordar questões sobre brinquedo (bonecos) e exclu-
precariedade na oferta de bonecos com deficiência física e singulares, sejam eles de plástico,
vinil ou pano, que contemplem crianças nessas condições, que possam representá-las. Tam-
bém abordaremos a produção artesanal de bonecos (as) de tecido, que consigam em parte
suprir essa lacuna de maneira mais imediata, expondo as etapas de criação e produção das
discorram sobre brinquedos, sua relevância para às crianças, à criança com deficiência física
e teóricos como Winnicott e Piaget e Benjamin, que falam sobre à criança e o brinquedo e
Capa Ostrower, Salles e Silveira que discorre sobre processos de criação.
Ficha
D esenvolvi men to
ram sobre temas como: a criança e o brinquedo, criança com deficiência e o brincar, dentre
outros relacionados, assim como sobre processo de criação. Após a leitura e fichamento dos
textos, iniciou-se a escrita dos capítulos, que se encontra em andamento. Para responder a
242
AACD, como possibilidade de manter um diálogo com quatro profissionais da área da saúde
que atuem ali junto às crianças deficientes físicas. O instrumento utilizado será um questioná-
corpos estereotipados em relação a beleza clássica imposta pela sociedade, com cabelos lisos,
olhos claros, corpo magro e saudável e os bonecos artesanais com deficiência física acompa-
confecção dos bonecos. Produziremos 12 bonecos com necessidades especiais, os quais serão
doados a uma instituição que atenda crianças com deficiência física. Após um tempo com o
ponder sobre a reação de crianças com deficiência física e quais foram os impactos sentidos
nos espaços de convivência das mesmas após o ato do brincar com os novos bonecos.
A retomada na confecção dos bonecos com deficiência física permeia pesquisa e refle-
xão sobre essas questões que imprimem reforço a estereótipos e a exclusão de crianças nessas
S ob re o T e ma
Capa O interesse nesse tema surgiu há alguns anos, devido a uma experiência vivida pela
autora. Minha filha é uma pessoa com deficiência física e devido a necessidade de acompa-
Ficha nhamento médico e terapêutico, tivemos por anos a Associação de Assistência a Criança De-
ficiente (AACD), como local de frequência constante. Em uma dessas idas, enquanto aguar-
Sumário dava minha filha que estava em uma sessão de arteterapia, busquei uma revista para ler – era
comum deixarem-nas nos espaços de espera. Folheando essa revista, encontrei uma pequena
matéria que falava sobre a necessidade de crianças negras terem bonecas negras para brincar,
benefícios. Nesse momento me passou na mente uma preocupação muito grande, e as nossas
crianças deficientes físicas, precisariam desses recursos também? Nesse momento tive a cer-
243
teza que sim. Elas assim como outras minorias também passavam por marginalização social.
desses pequenos que teriam que conviver com preconceitos, portas fechadas, descredito nas
suas capacidades? Então surgiu a ideia de fazer bonecos artesanais, representando crianças
com deficiência física, que pudessem atuar como mediadores em terapias, onde crianças ou
não, tivessem a oportunidade de estarem diante de um lúdico parecido com elas, oportuni-
zando assim caminhos para se robustecerem emocionalmente. O intuito de seguir nessa di-
reção foi se fortalecendo, sendo elaborado por alguns dias, e de experiencias anteriores com
em papel foi necessário, até chegar a um satisfatório. Os moldes criados foram traçados em
feltro e recortados, as costuras eram feitas a mão e o preenchimento das peças com algodão.
As feições eram desenhadas com expressões alegres, pois assim eram às crianças vistas circu-
lando por aquela instituição. As muletas, andadores e bengalas, foram feitos de palitos finos
de madeira, cortados e colados para essas representações. Para a confecção das cadeiras de
rodas, um pequeno carrinho de bonecas, de plástico, foi recortado e ajustado. Esses materiais
Passados alguns anos, a necessidade de escrever sobre esse assunto e seus desdobra-
mentos levou a esse artigo. Pois evidenciamos poucos trabalhos acadêmicos que discorressem
em parte sobre o tema, não em sua totalidade, também a visível debilidade na produção
Capa de brincar das crianças, a inclusão e exclusão dos diferentes/iguais nas diversas esferas so-
ciais e seus direitos, possam suscitar debates e discussões sobre o assunto, despertando uma
Ficha maior vigilância no cumprimento das leis, indicando providências que permitam amenizar
Sumário possa ser um recurso para suprir a lacuna existente no mercado de maneira mais rápida para
essas crianças.
pleta da singularidade dos pequenos, ao sujeito de direitos dos nossos tempos. Baseado em
estudos da arte medieval, isso por volta do século XII, Aires (1978), relata que as crianças não
tinham espaço nesse momento histórico, sendo vistos e tratadas como adultos em miniatura,
introduzidos na mais tenra idade em atividades, brincadeiras e jogos próprios dos adultos,
deixando sua infância e juventude para trás. Ainda segundo o autor, baseado no mesmo cri-
Hoje, brincar é um direito garantido por lei. A Declaração dos Direitos da Criança
(1959), no Princípio 7º, afirma que, “A criança terá́ ampla oportunidade para brincar e di-
e autoridades públicas para que o façam cumprir. Esse e outros direitos das crianças fo-
ram consolidados pela Convenção dos Direitos da Criança (1989), cujo Brasil é signatário.
(1990), e o Marco Legal da Primeira Infância (2016), afiançam esses direitos, trazendo aos
pequenos, a liberdade de serem o que são, seres brincantes. Para Benjamin (2002, p.85),
[...] Não há dúvida que brincar significa sempre libertação. Rodeadas por um mundo de gi-
gantes, as crianças criam para si, brincando, o pequeno mundo próprio; [...]. Brincar é parte
essencial para o desenvolvimento pleno das crianças. Sobre esse assunto, Winnicott (1975,
p.79), sugere categoricamente que “[...] o brincar facilita o crescimento e, portanto, a saúde;
o brincar conduz aos relacionamentos grupais; o brincar pode ser uma forma de comunicação
[...]”. Dentro dessa esfera, os brinquedos são tidos como ferramentas que dão voz e vazão as
emoções das crianças e também se comunicam com elas sobre aspectos sociais, por exemplo.
À vista disso, a brincadeira com bonecas (os) permite à criança criar representação
mental sobre como seu corpo é valorizado e visto na sociedade. A esse respeito, Silva (2020),
afirma que a
245
(as) que quebrem estereótipos, que imprimam novo sentido e valor positivo aqueles que mes-
mo sem querer e merecer os carregam, pois os estereótipos foram produzidos pela sociedade
e resistem com o passar do tempo, mas também sabemos que podem ser mudados.
Crianças tidas como minoria, precisam ser fortalecidas, precisam construir histórias
de superação, de sucesso, ter espaço, precisam se ver e ser vistas não debaixo da borracha
social que as quer invisibilizar, apagar, ao menos deixar traços pouco nítidos de quem são e
do seu valor como ser humano, se esquecendo que participam de iguais direitos como todos.
P rocesso de C riação
mos aqui que, no decorrer de todo processo entre criação e produção dos bonecos, por conta
de praticidade ou por não encontrar mais um determinado material a venda, outros ajustes
Capa
foram feitos. Falando de criação, Ostrower, 2023, nos contempla com a seguinte arguição,
Ficha Criar é, basicamente, formar. É poder dar uma forma a algo
novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se, nesse
“novo”, de novas coerências que se estabelecem para a mente humana,
Sumário
fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos no-
vos. O ato criador abrange, portanto, a capacidade de compreender; e
esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar. (OS-
TROWER, 2023, p. 9)
Com os desenhos dos moldes prontos, os bonecos foram traçados sobre tecido, no
246
início apenas sobre feltro, depois de testes, também passamos a se fazer uso de um tecido
mais macio, chamado plumante. As costuras das peças que eram exclusivamente a mão, pas-
saram a ser parte à máquina. O enchimento dos bonecos é feito em algodão sintético antialér-
gico, que dá maciez e ao mesmo tempo firmeza. Quanto ao desenho das feições dos bonecos,
seguem o mesmo padrão dos anteriores, alegres, pois essa é a referência observada no rosto
pequenos tubos de plástico, palitos de madeira roliços e planos, antes de se chegar ao resul-
tado desejado para compor as muletas e andadores. Dessa forma, continuamos a usar palitos
roliços de madeira para compor a estrutura do andador, muletas axial e canadense, cada
peça recebe ajustes conforme modelo e fim, retalhos de feltro e cola serão usados em todas
e massa epóxi para compor um apoio de antebraço e mãos, próprios da muleta canadense. O
uso de goteira ortopédica, muito comum para algumas crianças com paralisia cerebral, será
Capa
Ficha
Sumário
Figura 1 - Fonte: Revista Projetos Escolares de Educação Infantil, nº 15
rinho de bonecas industrializado de plástico, que eram recortados com estilete, precisaram
ser repensadas, pois não foi mais encontrado esse material. A nova versão dessa peça, será
desenvolvida a partir de pequenas caixas recicláveis recortadas. Para finalizar, será forrada
247
Capa
Ficha
Figura 3 - Fonte: Revista Projetos Escolares de Educação Infantil, nº 10 e nº 15
Sumário As roupas como calças, shorts e vestidos e alguns acessórios (fitas para o cabelo das
misetas serão em malha de algodão, com cores mais neutras. Também, haverá bonecos com
ou doença. Pois essas crianças também precisavam que não lhes seja negado esse lugar no
Bonecos com ataduras nas mãos e braços e/ou nos pés serão produzidos para sinali-
zar cirurgia naqueles membros, também muito comum na vida dessas crianças.
fundamentação dessa dissertação e também a confecção dos bonecos com deficiência física.
C onsideraç ões
Brincar é inerente às crianças, vital, não só para as deficientes físicas, mas para to-
das, porém, fazendo um recorte dentro desse maravilhoso mundo lúdico, observamos que
sociedade que os produz, excluindo figuras humanas que não se pareçam com elas. Den-
tre estas, crianças com deficiência física, que não se encontram espelhadas nessa produção,
privadas de representação para seu exercício de faz de conta tão importante no trabalho de
diversas questões, como socialização, autoestima e identidade entre outras. Dessa forma,
essa dissertação contribui de maneira relevante não só na produção de texto acadêmico, mas
esse público de maneira mais rápida. Tendo como primordial o intuito de despertar a socieda-
estereótipos, que imprimam novo sentido e valor positivo aqueles que mesmo sem querer e
merecer, na tenra idade, carregam fardo tão cruel. Crianças tidas como minoria, precisam ser
Capa se ver e ser vistas não debaixo da borracha social que as quer invisibilizar, desconsiderando
seu valor como ser humano, se esquecendo que participam de iguais direitos como todos.
Ficha Sabemos que a brincadeira com bonecos (as), não é o único contexto que beneficia esses
Sumário Também ressaltamos aqui, que uma maior investigação e produção científica sobre o brincar
para crianças com deficiência física os trará mais perto, serão menos estranhos e excluídos.
R efer ê ncia
AIRES, P. Tradução: FLAKSMAN, Dora. História Social da Criança e da Família. 2ª
edição. Rio de Janeiro; Editora Guanabara, 1986.
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Projetos Escolares de Educação Infanti, Edição 10, ano 1 – Editora On Line – IBC –
Instituto Brasileiro de Cultura Ltda. Cx. Postal 61085 – São Paulo – SP.
Sumário
Projetos Escolares de Educação Infanti, Edição 15, ano 2 – Editora On Line – IBC –
Instituto Brasileiro de Cultura Ltda. Cx. Postal 61085 – São Paulo – SP
SALLES, C.. Processo de criação como práticas geradas por complexas redes
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