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Emílio Fernandes (Anpuh) - Música e Ensino de História Do Ceará
Emílio Fernandes (Anpuh) - Música e Ensino de História Do Ceará
RESUMO
A presente pesquisa estuda a possibilidade do uso da Música como recurso didático em sala de
aula para o ensino de História do Ceará. Objetiva-se desenvolver um produto didático-
pedagógico sobre História do Ceará para a orientação dos discentes do Ensino Médio, tendo
como base o debate teórico-metodológico produzido pela historiografia mais recente sobre a
produção, difusão e recepção da música local. Para tanto, usaremos como referência teses e
dissertações publicadas em Programas de Pós-Graduação em História, entre os anos de 2008 a
2019. Por meio de um balanço historiográfico, observou-se que pesquisas dedicadas a investigar
a relação entre História e Música do Ceará ganharam espaço nos Programas de Pós-Graduação
do país nas últimas décadas. Ao todo iremos trabalhar com 3 teses e 9 dissertações, cujos temas
estão historicamente concentrados entre o fim do século XIX e o início dos anos 80. Em comum,
o fato de buscarem compreender a música como fonte importante para desvendar as
reelaborações culturais que se traduzem em ritmos, danças e composições de setores sociais
marginalizados dessa região.
INTRODUÇÃO
Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de
acontecimentos, sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um
“sujeito” cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio,
é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem
levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre
as diferentes estações. Os acontecimentos biográficos se definem como
colocações e deslocamentos no espaço social, isto é, mais precisamente nos
diferentes estados sucessivos da estrutura da distribuição das diferentes
espécies de capital que estão em jogo no campo considerado. (BOURDIEU,
2006, pp. 189-190).
Giovanni Levi (2006) ressalta que o sociólogo Pierre Bourdieu contribui para os estudos
biográficos quando observa que a trajetória de um indivíduo poderia refletir, em suas variantes,
características e comportamentos de um grupo. Assim, não podemos compreender uma
trajetória sem que tenhamos previamente construído os estados sucessivos do campo no qual
ela se desenrolou e, logo, o conjunto das relações objetivas que uniram o agente considerado
ao conjunto dos outros agentes envolvidos no mesmo campo e confrontados com o mesmo
espaço dos possíveis. No processo de ensino-aprendizagem é preciso reconhecer as
particularidades objetivas e materiais dos sons produzidos e sua propagação, e como eles foram
e são reelaborados pela sociedade, de diferentes modos e registros, em forma de música.
DESENVOLVIMENTO
Para a construção do conhecimento histórico a teoria exerce um papel fundamental no
direcionamento metodológico. De acordo com Jörn Rüsen (2017), situar os referenciais teóricos
no processo de seleção dos conteúdos escolares não tem como objetivo a participação em
debates acadêmicos, mas é uma necessidade para o trabalho docente que permanentemente se
realiza na escola.
Para o historiador, os documentos ou fontes são a matéria-prima de seu ofício. Ao se
debruçar sobre uma fonte, o pesquisador tem em mente que o registro que ele tem em mãos é
um objeto de produção humana e que, portanto, ele tem vários processos de elaboração e de
apropriação. Uma fonte é um indício, um registro, um elemento que nos possibilita apontar
perspectivas e possibilidades de construção dentro da pesquisa.
Na sala de aula o discente não tem domínio dessa operação historiográfica, que articula
um lugar, procedimentos e um texto. Assim, a dinâmica da Oficina em História do Ceará, que
se pauta na abordagem de reflexões teórico-metodológicas sobre Música Cearense produzidas
nos programas de Pós-Graduação em História, tem como base a utilização de fontes,
documentos de diferentes linguagens e suportes problematizados na perspectiva do Ensino
Básico.
Desse modo, as fontes históricas serão utilizadas de uma maneira diferente, com
objetivos diferentes. Partindo dessas especificidades, iremos trabalhar com eixos temáticos em
que o documento assume a condição de situação-problema. Dividida em três fases, a Oficina
em História do Ceará oferece ao aluno a possibilidade de formação da consciência histórica,
auxiliando no processo de interiorização das formas de organizar e dar sentidos às experiências
temporais individuais e coletivas.
Para Jörn Rüsen (2010), a História tem uma função didática de formar a consciência
histórica, na perspectiva de fornecer elementos para uma orientação, interpretação (para dentro
– apropriação de identidades, e para fora – fornecendo sentidos para ação na vida humana
prática). A oficina parte da inquietação sobre as Histórias e Historiografias que narram o Ceará,
refletindo sobre ausência (s) ou intervenções de debates sobre o Ceará que administram nossas
sensibilidades e consciências históricas, não somente no espaço da sala de aula, mas nos
diversos espaços sociais; percebendo que as questões tocantes ao Ceará não estão deslocadas
da conjuntura nacional.
A primeira fase da oficina compreende as pesquisas que se debruçaram sobre o fim do
século XIX e início do XX, a saber: Entre o Piano e o Violão: A Modinha e os Dilemas da
Cultura Popular em Fortaleza (1888-1920), de Ana Luiza Rios Martins; Música, Sociedade e
Política: Alberto Nepomuceno e a República Musical; de Avelino Romero Pereira; Ramos
Cotoco e seus “Cantares Bohêmios”: trajetórias (re) compostas em verso e voz (1888 – 1916),
de Francisco Weber dos Anjos; Banda de música da força policial militar do Ceará: uma
história social de práticas e identidades musicais (1850-1930), de Inez Beatriz de Castro
Martins; Festas de negros em Fortaleza: territórios, sociabilidades e reelaborações (1871-
1900), de Janote Pires Marques e O piano na praça: “música ligeira” e práticas musicais no
Ceará (1900-1930), de Lucila Pereira da Silva Basile.
Por meio do levantamento realizado nas teses e dissertações sobre esse período o
conteúdo programático dessa etapa se concentra no pós-abolição e a inserção do negro na
sociedade cearense; remodelação urbana e conflitos sociais em Fortaleza; a seca, o trabalho e
os movimentos sociais; gênero, corpo e controle social. A produção do material didático-
pedagógico nesse momento passa pelo uso e problematização de imagens e sons, a apresentação
do disco de cera e do gramofone, o reconhecimento de instrumentos, práticas e gêneros
musicais, além das disputas pelos espaços de lazer.
A segunda fase da oficina compreende as pesquisas que se dedicam à análise do período
em que o rádio, a relativa profissionalização dos artistas, a lógica dos espetáculos e a imprensa
especializada despontavam, a saber: “Música nordestina” e as memórias em disputa: o
balanceio de Lauro Maia (1940-1960), de Ana Luiza Rios Martins; “Um som meio fanhoso,
mas meio gostoso de ouvir”: radiofonia e cultura musical em Fortaleza (1932-1944), de Emy
Maia Neto Falcão e Luiz Assunção: A trajetória musical de um talento esquecido, de Vanessa
Nascimento de Souza.
Nessa etapa o conteúdo programático se dedica a debater a construção de identidades,
poder e território; a memória e a oralidade; a religião e a religiosidade; tempos de guerra,
cotidiano e costumes. O produto didático-pedagógico da segunda fase da oficina resulta do uso
de fontes da imprensa escrita e do rádio. As manifestações das culturas populares urbanas
presentes na cidade tiveram papel importante nesta nova realidade histórica que despontava no
início da década de 1930. O quadro de permanente extensão das formas de entretenimento
popular e urbano vinculados à música popular, principalmente com a expansão da indústria
radiofônica e com a profissionalização dos artistas populares, criou um cenário sociocultural
bastante fragmentado e de múltiplas caraterísticas.
E finalmente a terceira fase, reunindo pesquisas que estão concentradas entre o início de
1970 e início dos anos de 1980, a saber: Mas é do artista ser contraditório": as construções
identitárias de Antônio Carlos Belchior na indústria fonográfica brasileira (1971 - 1979), de
Bruno Rodrigues Costa; O fazer musical de Rodger Rogério: o singular e o plural do Pessoal
do Ceará, de Jordianne Moreira Guedes; "É a Alma dos Nossos Negócios”: Indústria
Fonográfica, Mercado e Memória Sob a Perspectiva Profissional de Raimundo Fagner na
Gravadora CBS (1976-1981), de Stênio Ronald Mattos Rodrigues e No tom da canção
cearense: do rádio e TV, dos lares e bares na era dos festivais (1963-1979), de Wagner José
Silva de Castro.
O conteúdo programático selecionado para a última etapa consiste em discutir os
dilemas entre a tradição e a modernidade; a ditadura militar, os movimentos sociais e a
contracultura; movimentos migratórios; o neoliberalismo e a sociedade globalizada. A década
de 1970 consistiu um período de expansão do mercado fonográfico brasileiro e ao mesmo tempo
de recrudescimento da censura, que provocou a ausência daqueles considerados ícones da
música no País. Foi justamente nessa época que os compositores cearenses foram inseridos no
cenário nacional. A elaboração do produto didático-pedagógico dessa terceira fase consiste em
fazer uso dos principais veículos midiáticos do período: o disco e a televisão.
O modelo de aula chamado aula-oficina, que norteia essa pesquisa, surgiu a partir dos
estudos de Isabel Barca (2018), segundo a autora, organizados em 1999 como parte das aulas
que ministrava na Universidade do Minho, região norte de Portugal. A pesquisadora indicou
que, nesse modelo, a aula de História deveria ser organizada seguindo alguns passos:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sobre o uso de fontes como um dos passos da aula-oficina, que serão norteados pelos
dados obtidos com a investigação dos conhecimentos prévios dos alunos, observa-se a
necessidade de não garantir apenas uma variedade das mesmas, como considerar a perspectiva
de cada uma e planejar momentos diferentes para estudá-las. Assim, ao oferecer para os alunos
o estudo com fontes que apresentam perspectivas diferentes sobre um personagem ou um fato
histórico, optamos por fazer a análise em momentos diferentes para, a partir disso, buscar as
semelhanças e diferenças oportunizando, aos alunos, perceber os distintos pontos de vista.
Sobre o processo de construção do conhecimento, Cainelli (2012) aponta que a opção
pela pesquisa em Educação Histórica revela a preocupação em compreender elementos do
pensamento histórico e formação da consciência histórica de crianças e jovens. A Educação
Histórica é assim um campo de estudo e investigação voltado para a teoria do ensino e
aprendizagem da história, fomentado, especialmente, pelo pensamento sobre consciência
histórica/didática da história. As perspectivas da Educação Histórica têm desse modo, como
fonte, objeto e objetivo, compreender as ideias históricas e os significados sociais da construção
do saber histórico escolar.
Ensinar e aprender História significa desenvolver competências pautadas no
conhecimento histórico. Nesse sentido, leva-se em consideração na construção da aula-oficina
para o ensino de História do Ceará que um aluno pode compreender a História como uma
ciência particular, que admite a existência de múltiplas explicações ou narrativas sobre o
passado, contudo, sem aceitar o relativismo de todas as explicações sobre o passado e o
presente, mas, pelo contrário, entender a objetividade dos processos históricos.
O ensino de História Local tem como objetivo, desenvolver a noção de pertencimento,
social e cultural, à determinadas localidades, sendo defendido nas DCRC, como metodologia
que possibilita a construção do conhecimento histórico pelo aluno, como aponta o documento.
Ainda nesse sentido, Schmidt e Cainelli (2004, p. 113), apontam que “como estratégia de
aprendizagem, a História Local pode garantir uma melhor apropriação do conhecimento
histórico baseado em recortes selecionados do conteúdo, os quais serão integrados no conjunto
do conhecimento”.
Compreende-se que existe uma tensão entre a consciência histórica e as identidades dos
jovens escolarizados acerca do pertencimento ao seu lugar de origem. Contudo, como
professor-investigador, estima-se pela realização da atividade didático-pedagógico prevista,
considerando a aula-oficina como aula em que se investiga, se analisa e se critica as fontes, o
que resulta na identificação por parte dos alunos de questões que muitas vezes não são debatidas
nos livros didáticos convencionais.
BIBLIOGRAFIA
LEVI, Giovanni. Usos da biografia. In.: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta de Moraes.
Usos e abusos da história oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006, pp. 189-190.
MORAES, José Geraldo Vinci de. História e música: canção popular e conhecimento
histórico. Rev. bras. Hist. vol.20 n.39 São Paulo, 2000.
RÜSEN, Jörn. O livro didático ideal. In: MARTINS, Estêvão; SCHMIDT, Maria Auxiliadora
(Orgs.). Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Ed. da UFPR, 2010. pp. 109-127.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora. Jörn Rüsen e sua contribuição para a didática da História.
Intelligere, Revista de História Intelectual, vol. 3, nº 2, out.2017, pp. 60-76.
SCHMIDT, Maria Auxiliadora; CAINELLI, Marlene. Ensinar história. São Paulo: Scipione,
2004.