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22/02/2022 01:01 Sandbagging: A autonomia da vontade permite a criação de uma “carta na manga” contratual?

CM&A 12 de jan. 16 min para ler

Sandbagging: A autonomia da vontade permite a


criação de uma “carta na manga” contratual?
Atualizado: 1 de fev.

Rodrigo Fialho Borges, Analy Leal e Manoela Naquis

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22/02/2022 01:01 Sandbagging: A autonomia da vontade permite a criação de uma “carta na manga” contratual?

1. Introdução

O objetivo deste breve[1] artigo é, primordialmente, apresentar ao leitor algumas das principais discussões
que permeiam o debate sobre a origem, a admissibilidade e os efeitos da cláusula de sandbagging nos
contratos de compra e venda de participação societária (“CCVPs”). Ao longo do texto, será desenvolvido
argumento no sentido de que a eventual licitude e exequibilidade das cláusulas de sandbagging requer a
superação de etapas e o cumprimento de requisitos importantes, o que representa forte resistência à sua
admissibilidade tanto em sistemas jurídicos de tradição anglo-saxã (common law) quanto naqueles de
tradição romano-germânica (civil law). Para cumprir com tais finalidades, o artigo será estruturado da
maneira descrita a seguir.

No tópico 2, serão identificados o conceito e a origem da prática de sandbagging. Demonstrar-se-á


sinteticamente o caminho percorrido até a adoção de cláusulas de sandbagging em CCVPs assinados no
Brasil, sob regência do sistema jurídico brasileiro de civil law.

Uma vez identificados o conceito e a origem da prática, será apresentado, no tópico 3, o contexto no qual
as cláusulas de sandbagging se inserem nos CCVPs, evidenciando-se a relevância de sua conexão direta
com algumas das disposições mais relevantes de um CCVP, como as cláusulas de declarações e
garantias e de indenização.

Adiante, no tópico 4, tendo em vista a influência da prática desenvolvida nos Estados Unidos sobre as
negociações de participações societárias desenvolvidas no Brasil, verificar-se-á o entendimento de
algumas das principais cortes estadunidenses quanto à prática de sandbagging.

Por fim, no tópico 5, será analisada a eventual admissibilidade da prática de sandbagging sob a
perspectiva do sistema jurídico brasileiro, explicitando-se dificuldades adicionais decorrentes de nossa
tradição de civil law.

2. Origem e conceito: o que é a cláusula de sandbagging?

As controvérsias acerca da prática de sandbagging começam na própria origem da terminologia.


Sustenta-se que a expressão é derivada da utilização, por gangues do século XIX, de meias cheias de
areia como armas[2]. Tais artefatos, por parecerem inofensivos à primeira vista, permitiam que ataques-
surpresa fossem realizados, machucando as vítimas de forma efetiva e, em alguns casos, facilitando
roubos subsequentes ao ataque[3].

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As controvérsias acerca da prática de sandbagging começam na


própria origem da terminologia. Sustenta-se que a expressão é
derivada da utilização, por gangues do século XIX, de meias
cheias de areia como armas. Tais artefatos, por parecerem
inofensivos à primeira vista, permitiam que ataques-surpresa
fossem realizados, machucando as vítimas de forma efetiva e, em
alguns casos, facilitando roubos subsequentes ao ataque.

Com o tempo, o verbo “to sandbag” teria absorvido o significado geral de inicialmente ocultar ou minimizar
a própria posição, de forma a obter uma vantagem subsequente sobre outra pessoa com tal atitude[4]. A
incorporação de sua utilização em jogos de pôquer e golfe teria contribuído para a fixação desse
significado geral.

O termo teria se tornado mais popular ao ser utilizado no contexto de partidas de pôquer, referindo-se ao
jogador que aparentava possuir cartas ruins, quando, na verdade, eram boas. Por meio dessa estratégia, o
jogador visava a induzir seus oponentes a realizarem apostas maiores do que fariam caso detivessem
conhecimento sobre o real cenário da partida.[5]

Do pôquer ao golfe, a expressão, hoje, é reconhecidamente utilizada para se referir ao jogador de golfe
que finge ser pior do que realmente é, escondendo suas habilidades inicialmente, a fim de obter
vantagem posterior em torneios ou apostas.[6]

No entanto, há quem sustente que o caminho da expressão até o contexto da negociação de CCVPs teria
advindo diretamente da popularidade de sua utilização no pôquer para o M&A, sem contar com a
passagem pelo golfe. Anos depois de utilizar a expressão em seus jogos de pôquer enquanto estudante,
o advogado Richard Climan, atualmente sócio no Hogan Lovells, afirma que teria passado a utilizá-la em
treinamentos internos de escritórios de advocacia para se referir ao comprador que, sabendo da
existência de uma violação a cláusula de declaração e garantia por parte do vendedor, omite tal
informação, esperando apenas momento posterior ao fechamento da operação para pleitear indenização.
[7]

Independentemente da versão que se adote, fato é que, atualmente, a expressão é utilizada na


negociação de CCVPs para se referir justamente à prática mencionada por Richard Climan.

Assim, no contexto de uma operação de compra e venda de participação societária, entende-se que a
prática de sandbagging caracteriza-se pela conduta de um comprador que, embora tome conhecimento
de que uma garantia contratual concedida expressamente pelo vendedor está sendo violada, segue com
o fechamento da operação sem comunicar o vendedor sobre tal violação – sendo que poderia tentar uma
redução do preço ou até mesmo desistir da operação –, a fim de posteriormente iniciar demanda
indenizatória com base na violação[8].

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Assim, no contexto de uma operação de compra e venda de


participação societária, entende-se que a prática de sandbagging
caracteriza-se pela conduta de um comprador que, embora tome
conhecimento de que uma garantia contratual concedida
expressamente pelo vendedor está sendo violada, segue com o
fechamento da operação sem comunicar o vendedor sobre tal
violação (...), a fim de posteriormente iniciar demanda indenizatória
com base na violação.

Por meio de tal definição, percebe-se a conexão direta da prática de sandbagging com a cláusula de
indenização dos CCVPs, bem como com as cláusulas de declarações e garantias, que tomam boa parte
da maioria das rodadas de negociação de CCVPs. É tal contexto que será abordado no tópico 3 abaixo.

3. Contexto: declarações, garantias e indenização

É sabido que as cláusulas de declarações e garantias, recorrentemente encontradas nos CCVPs


celebrados no Brasil, são originadas das “representations and warranties” estadunidenses[9]. Tanto lá
quanto aqui, há pouco debate acadêmico sobre a natureza jurídica de tais disposições e sobre eventual
efeito prático da diferença entre declarações (representations) e garantias (warranties)[10], sendo que
muitos as consideram como sinônimos[11].[12]

É pacífico que ambas exercem importantes funções de redução de assimetria informacional[13] e de


alocação de riscos entre as partes, sendo importante recurso para o alinhamento de expectativas entre
comprador e vendedor em CCVPs. No entanto, quando se discutem a admissibilidade e os efeitos das
cláusulas de sandbagging, uma cuidadosa definição que permita a diferenciação entre os conceitos é
indispensável[14].

Nesse sentido, nos Estados Unidos, reconhece-se que cláusulas de declarações (representations)
cumprem a finalidade de “definir premissas fáticas que servem de fundamento à vontade das partes na
formação do contrato”[15], tornando expressos os pressupostos fáticos passados ou presentes com base
nos quais a participação societária é negociada.

Por outro lado, garantias (warranties) são recorrentemente definidas de acordo com o que foi sustentado
pelo Juiz Learned Hand no caso Metropolitan Coal Co. v. Howard:

“[u]ma garantia é uma certeza sobre a existência de um fato, dada por uma parte
em um contrato, na qual a outra parte possa confiar. Destina-se precisamente a
retirar da parte destinatária o ônus de determinar o fato por si própria; isso
equivale a uma promessa de indenizá-la por qualquer perda caso o fato garantido

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se prove falso, pois, por óbvio, aquele que fez a promessa não pode mais controlar
o que já está no passado.”[16]

Ou seja, no caso das cláusulas de garantia, o aspecto de definição de premissas fáticas fundamentadoras
da vontade das partes dá lugar a uma verdadeira e expressa obrigação de indenizar caso o fato garantido
venha a se provar falso ou incorreto.

Adotando-se tais definições para declarações e garantias, algumas diferenças entre elas tornam-se muito
evidentes. Em primeiro lugar, fica claro que as declarações só podem se referir a fatos passados ou
presentes, já que não é possível declarar um fato futuro[17]. As garantias, diferentemente, podem ser
prestadas em relação a fatos futuros[18]. É plenamente possível, por exemplo, garantir que determinado
evento não acontecerá, de modo que, caso ocorra, a parte garantidora estará obrigada a indenizar a
beneficiária da garantia.

Ademais, conforme já introduzido, as cláusulas de declarações e garantias têm intrínseca relação com a
cláusulas de indenização também presentes nos CCVPs. Em geral, a ideia é que uma violação a uma
disposição presente na cláusula de declarações e garantias de um CCVP gere à contraparte o direito à
reparação. No entanto, quando partimos da diferenciação cuidadosa entre as declarações e as garantias,
os efeitos dessa distinção sobre eventual demanda indenizatória se tornam patentes.

Nesse sentido, em qualquer discussão acerca da indenização por violação de uma declaração, é
necessário demonstrar que (i) o declarante mentiu, pois sabia da falsidade quando declarou (ou, pelo
menos, deveria saber), e que (ii) o destinatário confiou na informação falsa. Diversamente, no caso de uma
garantia, em virtude de sua natureza objetiva, não é necessário perquirir sobre o elemento subjetivo, o real
intento ou o estado psíquico do declarante[19].

Em virtude disso, o que se verifica é que a cláusula de sandbagging está diretamente ligada às garantias
(warranties), e não às declarações (representations)[20]. Isso porque, no caso das declarações, um dos
requisitos a serem demonstrados em caso de demanda indenizatória é o de confiança, por parte do
destinatário, na veracidade da informação. Ou seja, se é necessário comprovar que o destinatário confiou
na informação falsa, não há que se falar em sandbagging, pois é da natureza de tal prática que o
destinatário tenha conhecimento sobre a violação da garantia – de modo que não poderia nela confiar – e
deliberadamente decida não a revelar previamente ao garantidor a fim de demandar indenização
posteriormente.

Configura-se aqui, portanto, uma primeira limitação – de natureza conceitual – à prática de sandbagging:
ela, diferentemente do que se poderia pensar, não está atrelada às cláusulas de declarações e garantias
genericamente consideradas, mas apenas às cláusulas de garantia. Mas essa não é a única limitação. A
admissibilidade das cláusulas de sandbagging é bastante debatida[21] tanto nos sistemas de common law
quanto nos de civil law, conforme se verificará nos tópicos 4 e 5 abaixo.

4. Como tem sido compreendida nas principais cortes dos Estados Unidos

Como mencionado anteriormente, as bases das operações de compra e venda de participações


societárias brasileiro originaram-se a partir de práticas internacionais, especialmente aquelas adotadas

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nos Estados Unidos[22]. É indispensável, portanto, verificar como as cortes estadunidenses avaliam as
cláusulas de sandbagging.

Lá, é recorrente na literatura a divisão dos Estados entre aqueles com tendência jurisprudencial pro-
sandbagging e aqueles que apresentam posicionamento anti-sandbagging. No entanto, mesmo nas
jurisdições tradicionalmente mais favoráveis ao sandbagging, a resistência é presente, como é o caso de
Nova York e Delaware[23].

Em Nova York, os tribunais entendem que o comprador não poderá pleitear indenização por violação de
declarações e garantias quando detinha essa informação e optou por não a compartilhar com o vendedor
antes do fechamento. Em outras palavras, compreende-se que, ao prosseguir com o negócio ciente da
violação existente, sem que tenha compartilhado a existência de tal violação com o vendedor, o
comprador renuncia ao direito de buscar reparação.[24]

Já em Delaware, decisão recente também veio a abrir espaço ao questionamento do entendimento pro-
sandbagging que se acreditava praticamente consolidado. No caso Eagle Force Holdings, LLC v.
Campbell[25], embora a questão não tenha sido enfrentada diretamente por se tratar de um tema lateral
ao caso, tanto o voto condutor da decisão por maioria quanto o voto vencido fizeram menção à
controvérsia sobre a admissibilidade do sandbagging quando o comprador tem conhecimento da violação
antes da assinatura (signing) do CCVP. Tal simples nota, mesmo que irrelevante para o julgamento em
questão, foi suficiente para colocar em dúvida a manutenção da tendência pro-sandbagging nas cortes de
Delaware[26].

Assim, nota-se que a admissibilidade do sandbagging é controvertida até mesmo nos Estados com mais
tendência pro-sandbagging dos Estados Unidos, onde, com base num regime de tradição anglo-saxã,
originaram-se as principais práticas que pautaram e até hoje influenciam as operações de compra e
venda de participação societária em todo o mundo. O que resta saber é se nos sistemas jurídicos de
tradição romano-germânica, como o brasileiro, a resistência à prática de sandbagging é maior ou menor e
por quais motivos. Em tais sistemas, haveria mais ou menos etapas e requisitos a cumprir para se admitir a
eventual licitude e exequibilidade de uma cláusula de sandbagging? É a esse questionamento que o
tópico 5 abaixo responderá.

Assim, nota-se que a admissibilidade do sandbagging é


controvertida até mesmo nos Estados com mais tendência pro-
sandbagging dos Estados Unidos, onde, com base num regime de
tradição anglo-saxã, originaram-se as principais práticas que
pautaram e até hoje influenciam as operações de compra e venda
de participação societária em todo o mundo.

5. Sandbagging no direito brasileiro: boa-fé objetiva vs. autonomia da vontade e a


possibilidade de uma carta na manga
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A resposta ao questionamento apresentado ao final do tópico 4 acima é simples e objetiva: os sistemas


jurídicos de civil law apresentam mais fatores de resistência à licitude e exequibilidade da cláusula
sandbagging do que os de common law. Isso se dá, principalmente, em virtude de duas características
naturais dos sistemas de tradição romano-germânica: (i) a maior relevância dada ao princípio da boa-fé
objetiva, limitando a amplitude da autonomia da vontade; e (ii) a presença da culpa como fundamento da
responsabilidade contratual.[27]

Especificamente quanto ao ordenamento jurídico brasileiro, o sandbagging levanta extensas controvérsias


interpretativas, sobretudo quando analisado pela ótica do direito civil. A importância de seu entendimento
se dá, como visto acima, principalmente, mediante a hipótese de demanda indenizatória por parte do
comprador contra o vendedor quando da violação da referida cláusula. Nesse contexto, podem ser
posicionadas, dentre outros debates sobre sandbagging, discussões sobre: a validade e eficácia da
cláusula; possíveis violações, por parte do comprador, a deveres anexos impostos pelo princípio geral da
boa-fé, como o dever de informar; reflexões acerca da limitação da autonomia da vontade das partes em
relações contratuais; abuso de direito na demanda indenizatória; além da possibilidade de configuração
de institutos como o erro e o dolo.

Dentre esses debates, é muito instigante o questionamento sobre a possibilidade de a cláusula de


sandbagging ser utilizada como uma “carta na manga” contratual ocultada do vendedor. Aqui, o embate
entre o princípio da autonomia da vontade das partes e o princípio da boa-fé objetiva é muito elucidativo.

Sabe-se que o princípio da boa-fé objetiva[28] representa um padrão comportamental esperado das
contratantes, atuando como um limitador do princípio da autonomia da vontade. Com base nele, espera-
se que as partes ajam com lealdade e probidade. Dentre as suas funções, destaca-se, para a análise aqui
empreendida, aquela conformadora de deveres anexos/laterais à obrigação principal, os quais podem
acompanhar o contrato antes, durante e após a sua vigência, conforme o caso.

Sabe-se que o princípio da boa-fé objetiva representa um padrão


comportamental esperado das contratantes, atuando como um
limitador do princípio da autonomia da vontade.

Um dos principais deveres anexos/laterais é justamente o dever de informar, muito relevante à análise da
prática de sandbagging. Trata-se de um dever que consubstancia uma justa expectativa das partes quanto
ao mútuo e recíproco fornecimento de informações sobre todos os aspectos relevantes ao vínculo
contratual. Sob esse aspecto, o dever de informar decorrente do princípio da boa-fé objetiva parece
limitar a autonomia da vontade das partes de fecharem uma operação escondendo informações
relevantes ao negócio entabulado e à possibilidade de cumprimento do contrato.

No tópico 4 acima, verificou-se que, em Nova York, uma jurisdição de tradição anglo-saxã vista como
favorável ao sandbagging, já se entendeu que o comprador não pode pleitear indenização por violação de
declarações e garantias quando detinha informação sobre a violação e optou por não a compartilhar com

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o vendedor antes do fechamento. Trazendo a mesma situação para um sistema jurídico de civil law, onde
é dada mais relevância ao princípio da boa-fé objetiva, de fato, parece evidente a impossibilidade de
utilização do sandbagging como uma “carta na manga” contratual[29].

Assim, percebe-se que além de só se ligar à violação de garantias (warranties), e não de declarações
(representations), em sistemas jurídicos como o brasileiro, a eventual licitude e exequibilidade das
cláusulas de sandbagging requer a superação de mais etapas e o cumprimento de mais requisitos do que
no common law, como é o caso da maior relevância dada ao princípio da boa-fé objetiva.

Rodrigo Fialho Borges é Doutor em Direito Comercial (2020) e bacharel (2013) pela Universidade de São
Paulo – Largo São Francisco. Pesquisador visitante na University of Pennsylvania Law School (2018-2019).
Professor da Graduação e do Mestrado Profissional da FGV Direito SP. Coordenador do Grupo de Estudos
em Fusões e Aquisições (GEM&A) da FGV Direito SP. Advogado no PGLaw.

Analy Leal Moura é Graduanda em direito pela FGV-SP. Team Head no Center for M&A Studies.
Cofundadora do Grupo de Estudos em Fusões e Aquisições (GEM&A) e ex-coordenadora do Grupo de
Estudos em Direito Societário e Mercado de Capitais, ambos da FGV Direito SP.

Manoela Bruno Morales Naquis é Graduanda em direito pela FGV-SP. Team Head no Center for M&A
Studies responsável pelo CM&A Insights. Cofundadora do Grupo de Estudos em Fusões e Aquisições
(GEM&A) e ex-coordenadora do Grupo de Estudos em Direito Societário e Mercado de Capitais, ambos da
FGV Direito SP.

Quaisquer opiniões veiculadas nessa publicação não necessariamente refletem e não vinculam o Center for
M&A Studies ou a FGV Direito SP, tendo propósito meramente educacional e informativo, não devendo ser
compreendidas como aconselhamento jurídico.

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[1] A extensão deste trabalho não permite o aprofundamento de diversas questões relevantes
relacionadas à prática de sandbagging, as quais demandariam testes de hipóteses de pesquisa
específicas com a respectiva adoção das metodologias demandadas por tais testes. Assim, o objetivo
geral é muito mais modesto que qualquer elaboração teórica inovadora. O texto se destina principalmente
àqueles que estão tendo os seus primeiros contatos com a temática aqui abordada, não sendo de muito
proveito a quem busca aprofundamento.
[2] Glenn D. West e Kim M. Shah, “Debunking the Myth of the Sandbagging Buyer: When Sellers Ask
Buyers to Agree to Anti- Sandbagging Clauses, Who Is Sandbagging Whom?”, The M&A Lawyer 11, no 1
(janeiro de 2007): 1.
[3] “Sandbag”, in Merriam-Webster (Merriam-Webster), acessado 1o de julho de 2022,
https://www.merriam-webster.com/dictionary/sandbag; West e Shah, “Debunking the Myth of the
Sandbagging Buyer”, 1.
[4] “Sandbag”; West e Shah, “Debunking the Myth of the Sandbagging Buyer”.
[5] Charles K. Whitehead, “Sandbagging: Default Rules and Acquisition Agreements”, Delaware Journal of
Corporate Law 36 (2011): 1081–1115; Brent Kelley, “How Did ‘Sandbagger’ Become a Golf Term?”, Liveabout,
26 de julho de 2018, seç. Sports and Athletics, https://www.liveabout.com/origin-of-the-term-
sandbagger-1564484; “Sandbag”, in Online Etymology Dictionary (Online Etymology Dictionary), acessado
1o de julho de 2022, https://www.etymonline.com/search?q=sandbag; “Sandbag”.
[6] Kelley, “How Did ‘Sandbagger’ Become a Golf Term?”; West e Shah, “Debunking the Myth of the
Sandbagging Buyer”.
[7] Whitehead, “Sandbagging”, n. 4.
[8] Cf. Ibidem, 1081; Mariana Pargendler e Carlos Portugal Gouvêa, “As Diferenças Entre Declarações e
Garantias e Os Efeitos Do Conhecimento Do Adquirente (Sandbagging)”, SSRN Electronic Journal, 2020, 23,
https://doi.org/10.2139/ssrn.3668391.
[9] “É fato conhecido que as cláusulas de declarações e garantias foram incorporadas à prática doméstica
com a expansão das operações societárias no [p]aís a partir do processo de liberalização econômica,
iniciado após a transição para o regime democrático. A estrutura de contrato de compra e venda de
participações societárias hoje adotada internacionalmente, em que essas cláusulas são centrais, teve
origem em países anglo-saxões, sobretudo nos Estados Unidos da América, onde tal contrato passou a
ser conhecido como stock purchase agreement ou share purchase agreement. Com a integração
econômica global e o avanço das macroempresas transnacionais, esses modelos contratuais, conhecidos
no mercado pela sua sigla, ‘SPA’, passaram a ser utilizados para aquisições em múltiplas jurisdições,
muitas vezes de forma simultânea.” Cf. Pargendler e Portugal Gouvêa, “As Diferenças Entre Declarações e
Garantias e Os Efeitos Do Conhecimento Do Adquirente (Sandbagging)”, 10.
[10] Cf. Ibidem, 9–11.
[11] Cf. Glenn D. West e W. Benton Lewis Jr., “Contracting to Avoid Extra-Contractual Liability – Can Your
Contractual Deal Ever Really Be the ‘Entire’ Deal?”, The Business Lawyer 64 (agosto de 2009): 1008.
[12] Para um aprofundado estudo sobre as cláusulas de declarações e garantias, v. Giacomo Grezzana, A
Cláusula de Declarações e Garantias em Alienação de Participação Societária (São Paulo: Quartier Latin,
2019).
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[13]Como demonstrado por Akerlof, o processo de seleção adversa decorrente da assimetria


informacional pode levar, em última análise, ao desaparecimento de determinados mercados. O exemplo
mais paradigmático usado pelo autor é o do mercado de carros usados, no qual existem carros de
qualidade boa e ruim (“lemons”). Nesse mercado, como em muitos outros, os vendedores têm mais
informação sobre a qualidade dos produtos vendidos do que os potenciais compradores, de modo que os
vendedores de lemons tentam fazê-los passar por carros bons. Sabendo da possibilidade de serem
enganados, os compradores tendem a precificar todos os carros num patamar médio entre o que
estariam dispostos a pagar pelos carros bons e o que estariam dispostos a pagar pelos carros ruins. Diante
de tal precificação média, os vendedores de carros bons decidem sair do mercado, pois não estão
dispostos a venderem seus carros por tal preço, o que faz com que nele restem apenas os lemons,
caracterizando-se uma seleção adversa. Cf. George A. Akerlof, “The Market for ‘Lemons’: Quality
Uncertainty and the Market Mechanism”, The Quarterly Journal of Economics 84, no 3 (agosto de 1970): 488,
https://doi.org/10.2307/1879431.
[14] Para maiores aprofundamentos sobre as diferenças entre declarações e garantias tanto nos sistemas
de tradição anglo-saxã quanto nos de tradição romano-germânica, v. Pargendler e Portugal Gouvêa, “As
Diferenças Entre Declarações e Garantias e Os Efeitos Do Conhecimento Do Adquirente (Sandbagging)”.
[15] Cf. Ibidem, 14.
[16] No original: “[a] warranty is an assurance by one party to a contract of the existence of a fact upon
which the other party may rely. It is intended precisely to relieve the promisee of any duty to ascertain the
fact for himself; it amounts to a promise to indemnify the promisee for any loss if the fact warranted proves
untrue, for obviously the promisor cannot control what is already in the past.” Cf. Metropolitan Coal Co. v.
Howard, 155 F.2d 780 (2d Cir. 1946).
[17] Cf. Pargendler e Portugal Gouvêa, “As Diferenças Entre Declarações e Garantias e Os Efeitos Do
Conhecimento Do Adquirente (Sandbagging)”, 12.
[18] Cf. Ibidem, 17.
[19]Aqui, percebe-se que os interesses tutelados são também diversos. No caso da declaração, tutela-se o
chamado “interesse negativo”: a quantificação da indenização deve objetivar o restabelecimento da parte
lesada à posição que estaria caso a declaração falsa não tivesse existido. Por outro lado, quando há
garantia, tutela-se o “interesse positivo”: a quantificação da indenização deve objetivar colocar a parte
lesada na situação em que estaria se o fato garantido se revelasse realmente verdadeiro. Cf. Ibidem, 12, 17.
[20] Cf. Ibidem, 26.
[21] Cf. Whitehead, “Sandbagging”, 1081.
[22] V. nota 12 acima.
[23] Cf. Whitehead, “Sandbagging”, n. 22.
[24] Nesse sentido, v. Gusmao v. GMT Group, Inc., 2008 WL 2980039 (S.D.N.Y. Aug. 1, 2008) e Galli v. Metz,
973 F.2d 145 (2d Cir. 1992).
[25] Cf. Eagle Force Holdings, LLC v. Campbell, No. 399, 2017 (Del. Supr., May 24, 2018).
[26] Cf. Sarah G. Duran e Sacha Jamal, “Possible Shift in Delaware Law: Buyer’s Silence on Sandbagging Is
Not Golden”, Business Law Today, 28 de setembro de 2018, seç. Mergers & Acquisitions,
https://businesslawtoday.org/2018/09/possible-shift-delaware-law-buyers-silence-sandbagging-not-
golden/.; Daniel E. Wolf, “Sandbagging in Delaware”, Harvard Law School Forum on Corporate Governance,
20 de junho de 2018, https://corpgov.law.harvard.edu/2018/06/20/sandbagging-in-delaware/.
[27]Pargendler e Portugal Gouvêa, “As Diferenças Entre Declarações e Garantias e Os Efeitos Do
Conhecimento Do Adquirente (Sandbagging)”, 25; Rúben Kraiem, “Leaving Money on the Table: Contract
Practice in a Low-Trust Environment”, Columbia Journal of Transactional Law 42, no 3 (2004 de 2003): 748.
[28] Para aprofundamentos sobre o princípio da boa-fé objetiva e suas funções, v., principalmente, Judith
Martins-Costa, A Boa-fé no Direito Privado: critérios para a sua aplicação, 2a ed (São Paulo: Saraiva, 2018);

https://www.cmnausp.com/post/sandbagging-a-autonomia-da-vontade-permite-a-criação-de-uma-carta-na-manga-contratual 10/12
Electronic copy available at: https://ssrn.com/abstract=4112650
22/02/2022 01:01 Sandbagging: A autonomia da vontade permite a criação de uma “carta na manga” contratual?

António M. da R. e Menezes Cordeiro, Da Boa-fé no Direito Civil, Teses de Doutoramento (Almedina, 2017);
Fernando Noronha, O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais: autonomia privada, boa-fé,
justiça contratual (São Paulo: Saraiva, 1994).
[29]Pargendler e Portugal Gouvêa, “As Diferenças Entre Declarações e Garantias e Os Efeitos Do
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