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A IDENTIDADE DO COORDENADOR PEDAGÓGICO: UM

ESTUDO NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DA CIDADE


DO RIO DE JANEIRO*

THE IDENTITY OF THE PEDAGOGICAL COORDINATOR:


A STUDY IN MUNICIPAL PUBLIC SHOOLS FROM THE CITY
OF RIO DE JANEIRO

Jane Cordeiro de Oliveira


Pontifícia Universidade Católica PUC-Rio

Resumo Abstract
Este artigo discute a identidade do coordenador This article discusses the identity of the pedagogic
pedagógico das escolas públicas municipais coordinator of municipal public schools in Rio
da cidade do Rio de Janeiro, como resultado de Janeiro city resulting from a quality research
de pesquisa qualitativa, realizada em 2008. project, developed in 2008. First for all the article
Primeiramente apresentamos o surgimento da presents how the function was created and how
função na rede de escolas públicas e como a the Secretaria Municipal de Educação - SME
Secretaria Municipal de Educação - SME atribui (Municipal of Education Secretary) established
responsabilidades aos docentes que assumem the responsibilities for the coordinators that take
esta função. Em seguida apresentamos uma visão charge of this function. In the second part we
geral do conceito de identidade do coordenador present a general vision of the concept of identity
pedagógico do ponto de vista dos próprios from the pedagogic coordinator from the point
coordenadores, envolvendo, inclusive, suas of view of themselves, including his affable
relações afetivas com os professores. relationship with the teachers.

Palavras-chave: coordenador pedagógico, Keywords: pedagogic coordinator, pedagogic


gestão pedagógica, identidade. management, identity.

*Os dados apresentados neste artigo fazem parte da dissertação de mestrado intitulada: “Um estudo sobre o coordenador
pedagógico: sua identidade, seu trabalho e formação continuada no cotidiano escolar”, orientada pela profª Maria Inês
Marcondes, defendida em junho de 2009.
Introdução sional que organiza a gestão pedagógica da esco-
Este artigo trata da identidade do coordena- la. Alguns pré-requisitos são estabelecidos pelas
dor pedagógico da rede de escolas municipais normas da SME: primeiramente, que este profis-
da cidade do Rio de Janeiro. Esta pesquisa foi sional tenha uma experiência docente mínima de
feita em 2008 com coordenadores pedagógicos cinco anos e, através de uma indicação feita pelo
atuantes em escolas municipais nos bairros de Ja- diretor da escola, com a aprovação da Coordena-
carepaguá e Barra da Tijuca. Foram feitas 12 en- doria Regional da Educação – CRE1, e SME, o
trevistas semiestruturadas, com o consentimento professor passa a exercer a função de coordena-
dos entrevistados, onde a identidade foi um dos dor pedagógico. A criação do cargo trouxe para
temas relevantes da conversa. as escolas públicas municipais uma nova estrutu-
O primeiro momento trata-se de questões re- ra administrativa na qual a equipe técnico-peda-
lacionadas à criação da função na rede de escolas gógica passa a ter mais um membro participante.
públicas municipais da cidade do Rio de Janeiro. No ato da criação da nova função, foram de-
As bases legais e as atribuições da função são de- finidas pela mesma lei as atribuições específicas
finidas por documentos emitidos pela Prefeitura do coordenador pedagógico que são:
da Cidade do Rio de Janeiro e da Secretaria Mu- • Assessorar o diretor na coordenação
nicipal de Educação - SME. da elaboração do planejamento;
O segundo momento trata da questão da iden-
tidade do coordenador pedagógico que se apre- • Executar e avaliar o currículo esco-
senta como uma questão bastante polêmica: o co- lar e o desenvolvimento do trabalho
ordenador pedagógico é, antes de tudo, um pro- pedagógico, em consonância com
fessor que aceita assumir a função de fazer parte as diretrizes emanadas da Secretaria
da equipe gestora da escola junto com o diretor Municipal de Educação do Rio de Ja-
e o diretor-adjunto, apresentando uma diferença: neiro, de forma a atender à diversida-
o diretor e o diretor-adjunto necessitam de pas- de da escola.
sar por uma consulta à comunidade escolar, com
vistas a respeitar a autonomia e os princípios da Não se caracterizando como um aplicador
gestão democrática presentes na LDB (BRASIL, dos programas e serviços técnicos, mas com atri-
1996). O coordenador pedagógico, no entanto, buições mais ligadas à coordenação, seu traba-
fica fora desta consulta. Não há pré-requisitos de lho visa a elaboração de um trabalho pedagógico
formação profissional para que esta escolha seja contínuo e adaptado ao perfil de cada escola.
feita. Bastam a experiência docente e a aceitação A nova lei, só estabelece as linhas gerais das
da comunidade escolar, com a ratificação da Se- funções do coordenador pedagógico por isso, a
cretaria Municipal de Educação. Secretaria Municipal de Educação emite um novo
Este artigo foca os conceitos teóricos de iden- documento que regulamenta a lei, publicado pelo
tidade docente relacionadas ao coordenador pe- Departamento Geral de Educação – DGED: a Cir-
dagógico, além de tratar dos mesmos conceitos cular nº 37/98 (RIO DE JANEIRO, 1998b, p. 8-9)
apresentados pelos coordenadores entrevistados. que especifica mais detalhadamente as atribuições
Mostra também questões que envolvem o rela- e limitações da ação do coordenador pedagógico
cionamento afetivo, ao mesmo tempo conflituoso, na escola. As características da função começam
entre o coordenador e os professores da escola. a ser modeladas pelas atribuições definidas pela
Secretaria Municipal de Educação - SME.
1 A criação da função na rede Suas atribuições são, principalmente, a cons-
municipal na cidade do trução do projeto político pedagógico da escola,
Rio de Janeiro a integração dos professores, a organização junto
No final da década de 90, a rede pública mu- com o diretor das reuniões periódicas da escola
nicipal do Rio de Janeiro, mediante a reestrutu- (centros de estudos2, conselhos de classe e de-
ração dos cargos correspondentes às funções ad- mais atividades de cunho pedagógico).
ministrativas existentes na escola, foi feita atra-
vés da Lei Municipal 2.619 (RIO DE JANEIRO,
1
Órgão de representação regional que tem a finalidade de
reproduzir as diretrizes da Secretaria Municipal de Educa-
1998a, p.4-5). Com isso, foi instituído o cargo de
ção e fazer a fiscalização das unidades escolares.
coordenador pedagógico que representa o profis- 2
(RIO DE JANEIRO, 2007).

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Ele deve conhecer as normas de gerenciamen- seu diretor-adjunto, ele permanece no cargo ou é
to e organização da escola, organizar os horários exonerado de sua função, caso não haja concor-
de aulas, acompanhar continuamente a avaliação dância ou afinidade entre o coordenador pedagó-
e o desempenho dos alunos, conhecer a progra- gico com a direção da escola.
mação da Empresa Municipal de Multimeios – No âmbito das atribuições, a Circular nº 37/98
MULTIRIO. A empresa em questão possui um (RIO DE JANEIRO, 1998b, p. 8-9) traz uma sé-
acervo de publicações que são enviadas periodi- rie de responsabilidades exclusivas do coordena-
camente às escolas a fim de promover a formação dor pedagógico enquanto gestor do processo de
continuada e a atualização do professor regente, desenvolver o fazer pedagógico da escola.
assim como dos gestores da escola. Outros são os 1- Assessorar tecnicamente a construção do
programas veiculados pela MULTIRIO em rede Projeto Político Pedagógico da escola em todas
aberta de televisão que também levantam ques- as suas etapas; elaboração, implementação e
avaliação;
tões relevantes a respeito da formação continu-
ada do professor, além de uma série de textos e 2- Promover, junto com a Direção, a integração
dos professores das diferentes disciplinas e seg-
informações presentes no sitio da empresa3, de mentos, garantindo a interdisciplinaridade e a
livre acesso na internet. Este material funciona articulação entre as diferentes séries e níveis da
como um instrumento a mais que irá auxiliá-lo Educação Básica;
na formação continuada dos professores da es- 3- Coordenar, organizar e participar, junto com a
cola, organizar os espaços e seus diferentes usos Direção, dos Centros de Estudos, Conselhos de
na instituição escolar, integrando o trabalho pe- Classe e outras atividades promovidas pela uni-
dade escolar;
dagógico a outros projetos educacionais patroci-
nados pela própria rede (Núcleos de Arte, Pólos 4- Conhecer e participar da elaboração das normas
que regulam o gerenciamento da unidade escolar;
de Educação pelo Trabalho, Clubes Escolares,
que são organizações que funcionam como es- 5- Assessorar tecnicamente a Direção na elabora-
ção dos horários da unidade escolar possibili-
paços independentes de formação complementar tando melhor atendimento ao aluno e garantindo
para o aluno4). Nestas atribuições vemos alguns a concretização do processo ensino-aprendiza-
eixos definidos de trabalho no qual o coordena- gem, de acordo com a legislação vigente;
dor pedagógico é diretamente responsável pela 6- Promover, junto à Direção, a avaliação continua-
organização e articulação do projeto político- da de todo o trabalho escolar, a partir da análise
dos quadros de desempenho e outros instrumentos
pedagógico, desempenho escolar, organização criados pela Unidade Escolar (bimestrais e final);
da escola e gerência das informações referentes
7- Orientar e acompanhar as estratégias de recupe-
à organização pedagógica da escola. ração paralela e final;
De acordo com Libâneo (2004), as funções
8- Conhecer, acompanhar e discutir e criar estraté-
do coordenador pedagógico podem ser assim gias para a utilização da programação televisiva
resumidas: veiculada pela MULTIRIO;
Planejar, coordenar, gerir, acompanhar e 9- Articular todo o trabalho da Unidade Escolar, no
avaliar todas as atividades pedagógico- que se refere à organização dos recursos dispo-
didáticas e curriculares da escola e da níveis nas Salas de Leitura e em outros espaços
atividades pedagógicas da própria escola;
sala de aula, visando atingir níveis satis-
fatórios de qualidade cognitiva e opera- 10- Integrar o trabalho pedagógico da unidade Es-
tiva das aprendizagens dos alunos, onde colar com as Salas de Leitura Pólo, Pólos de
se requer formação profissional específi- Ciências e Matemática, Pólos de Educação pelo
Trabalho, Clubes Escolares e Núcleos de Arte;
ca distinta da exercida pelos professores
(p. 221- 224). 11- Criar um fórum permanente de discussão com
todos os segmentos da comunidade escolar com
Nas escolas públicas municipais da cidade do a finalidade de garantir o êxito do aluno e sua
Rio de Janeiro, o coordenador pedagógico não permanência na escola (RIO DE JANEIRO,
1998, p. 8-9).
participa da consulta periódica à comunidade es-
colar5 que faz a escolha do diretor da escola e de
3
www.rio.rj.gov.br/multirio.
4
RIO DE JANEIRO, 1998 a, p. 4-5.
5
Compreende alunos, professores, responsáveis, funcioná-
rios e associação de moradores do bairro onde a escola está
localizada (RIO DE JANEIRO, 1998 c).

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2 A identidade do coordenador lações sociais constituídas na escola e as urgên-
pedagógico em construção cias do cotidiano escolar. Lück (2006) remete à
A identidade docente do coordenador peda- identidade do coordenador pedagógico no seu
gógico vem sendo construída, ao longo dos dez papel de gestor pedagógico da escola, o trabalho
anos de existência da função na rede municipal desempenhado no cotidiano escolar e a função
do Rio de Janeiro, tanto pelos coordenadores foram destaque neste artigo.
quanto pelas políticas da SME. Sacristàn (1999) A tabela 1 apresenta o perfil dos coordenado-
e Canário (2006) tratam da identidade docente res entrevistados.
relacionada à ideia de profissionalidade, as re-
Tempo de serviço Tempo de
Coordenador Grau de Curso de
Idade na coordenação Especialização exercício no
pedagógico escolaridade Graduação
pedagógica magistério
Aline 49 3º grau 02 anos Fisioterapia --- 32 anos
Rosana 51 3º grau 10 anos Pedagogia --- 30 anos
Administração
Flávia 40 3º grau 10 anos História 20 anos
Escolar
Elisa 48 3º grau 10 anos Biologia e Direito --- 27 anos
Zélia 42 3º grau 10 anos Pedagogia --- 24 anos
Solange 48 3º grau 10 anos Jornalismo --- 29 anos
Administração e
Elza 44 3º grau 10 anos Pedagogia 23 anos
Supervisão Escolar
Psicopedagogia e
Laura 43 3º grau 10 anos Psicologia 23 anos
Marketing
Ciências
Shana 51 3º grau 06 anos Gestão Escolar 31 anos
Biológicas
Gestão Escolar
Supervisão Escolar
Elena 58 3º grau 10 anos Pedagogia 41 anos
e Orientação
Educacional
Administração
Orientação
João 47 3º grau 4 anos e Ciências 18 anos
Educacional
Contábeis
Kátia 34 3º grau 5 anos Pedagogia Psicopedagogia 14 anos
Tabela 1: Perfil dos coordenadores pedagógicos entrevistados

2.1 A identidade do coordenador O termo identidade significa o conjunto de


pedagógico características próprias de um indivíduo, durante
No que concerne a identidade profissional, o exercício de determinada função (HOUAISS;
Moita (1999, p.115-116) afirma que existem a VILLAR, 2001 p. 1565). Poderia dizer que estas
identidade pessoal e a identidade profissional. características identificam-se entre si formando
A identidade pessoal é um sistema de múltiplas uma unidade profissional.
identidades organizadas na diversidade. Ela se Nóvoa afirma que o processo “identitário7”
refere também à identidade social como cons- dos coordenadores é composto por três princí-
tituinte da identidade pessoal. A autora trata a pios: a adesão que implica na adoção de valo-
identidade profissional como uma construção que res e investimentos no seu objeto de trabalho; a
tem uma dimensão espaço-temporal iniciada no ação que implica em escolhas pelos métodos de
momento em que o coordenador assume a função trabalho, em que sucessos e insucessos acabam
até a sua exoneração6. A identidade profissional, definindo a postura e a autoconsciência que de-
na visão de Moita, é uma construção constante cide o processo reflexivo do docente diante das
a partir do conhecimento formal das atribuições mudanças da profissão (1999, p. 16).
da função exercida como também nas relações A identidade do coordenador é construída a
existentes no universo profissional. partir da sua identidade docente. O coordenador
pedagógico é, antes de tudo, um professor. Ele
6
Declínio do cargo por vontade do profissional ou proces-
so administrativo, de acordo com o artigo 59 da Lei Muni- 7
Termo utilizado pelo autor para referir-se ao processo de
cipal nº 94/79 (RIO DE JANEIRO, 1979). construção da identidade docente.

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passa por todos os processos de construção de O professor no exercício da função de coordena-
identidade docente antes de se identificar como dor, não pertence à equipe da SME, mas, na es-
coordenador. O coordenador pedagógico cons- cola, ele assume a “voz da Secretaria” junto aos
titui-se como um professor, mas, ao assumir a professores. Lück (2006, p.35) afirma que o ges-
função de coordenador pedagógico, ele não se tor educacional possui a função de gerir a escola
sente mais como colega dos professores, mas, afinado com as diretrizes políticas e educacionais
como parte da equipe gestora da escola. É pos- públicas, na implementação das políticas educa-
sível afirmar que a identidade do coordenador cionais e projetos pedagógicos. Mate (2007, p.
pedagógico da rede municipal do Rio de Janeiro 18) aponta para a questão da territorialidade no
ainda está em construção. Para Garcia, Hipólito desempenho da função de coordenador pedagó-
e Vieira (2005, p. 47, 49) o coordenador peda- gico que se fazem num contexto de aprendiza-
gógico constitui a sua identidade resultante de gem local com indagações e buscas de respostas
suas habilidades como docente, negociada entre a problemas aos desafios do cotidiano.
as múltiplas representações tecidas nas relações O coordenador pedagógico passa a fazer par-
com o sistema escolar vindas dos discursos do te de uma equipe de gestão que tem como refe-
que se entende por identidade do coordenador. rência a sua participação no compromisso coleti-
Canário (2006, p. 22) apresenta um novo vo com os resultados educacionais cada vez mais
modelo de ofício docente para que a autonomia significativos (LÜCK, 2006, p.36-37). A visão de
supere a ação profissional tutelada reorganizan- melhora nos resultados educacionais do coorde-
do a categoria docente em torno de algumas di- nador pedagógico amplia-se da visão micro da
mensões essenciais: o professor como “analista sala de aula para a visão macro da escola e do
simbólico”, na qual a autonomia lhe permite a sistema educacional.
resolução de problemas; o professor como “arte- Sacristán (1999, p.65) refere-se às interações
são” que constrói e reconstrói permanentemente “identitárias” presentes no contexto do cotidiano
o seu saber profissional, como reiventor de práti- escolar, assim enumeradas pelo autor em: con-
cas de acordo com a especificidade de contextos texto pedagógico que vincula o trabalho do coor-
e públicos; o professor como um “profissional de denador pedagógico às ações pedagógicas da es-
relação” que ensina não só o que sabe, mas, o que cola como, por exemplo: planejamento curricu-
é. Na atividade educativa, ele investe a sua per- lar, implantação do projeto político-pedagógico,
sonalidade: o professor como construtor de sen- elaboração da proposta pedagógica. O contexto
tido voltado para as situações educativas. O co- profissional que se configura no coordenador pe-
ordenador pedagógico também se identifica com dagógico através do seu comportamento durante
este modelo de ofício docente. Porém, ele não o exercício da função assumindo ideologias, dis-
lida diretamente com os alunos, mas, a imediata cursos, amplia conhecimentos, vivencia rotinas;
resolução de problemas iminentes com práticas e o contexto sóciocultural assumindo valores e
intuitivas é um fato comum no exercício da fun- comportamentos próprios da função.
ção; ele, em sua ação formadora dos professores, O conceito de identidade perpassa pelas rela-
também demonstra a sua personalidade e expõe ções sociais entre o coordenador pedagógico e os
suas ideias, saberes, leituras e conhecimentos nos membros da comunidade escolar. O coordenador
encontros de formação continuada na escola. O estabelece relações de interação social tanto em
coordenador é um “artesão” reconstruindo per- vínculos afetivos quanto em possíveis conflitos
manentemente seus saberes, nas relações trava- que possam ocorrer no cotidiano escolar. Ele
das entre os demais membros da comunidade es- afirma que os profissionais no meio socialmente
colar. Todas estas considerações feitas são parte organizado apresentam conflitos manifestos ou
da construção da função de coordenador. latentes entre os docentes e o coordenador. Os
Segundo Arroyo (2008, p.19), o professor processos sociais ocorridos na escola facultam
constrói a sua imagem através da identidade co- aos sujeitos a resistência e/ou a negociação com
letiva fortalecida no cotidiano escolar. Entretan- as condições existentes na escola. O coordenador
to, o coordenador pedagógico, oriundo do ofício pedagógico, segundo o autor, está inserido num
docente, faz a trajetória inversa: desconstrói a sua espaço burocraticamente organizado em que es-
identidade coletiva docente para constituir-se de tão presentes diversas práticas enumeradas por
outra identidade: a de coordenador pedagógico. ele como: práticas institucionais, relacionadas

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ao funcionamento do sistema escolar ao qual o função” no trabalho do coordenador pedagógico
coordenador faz parte; práticas organizadas re- está associado às atividades que ele exerce na es-
lacionadas ao funcionamento da escola, o traba- cola, suas atribuições e relações sociais estabele-
lho com os professores, a divisão de tempo e do cidas, juntamente com a construção histórica da
espaço escolar, abrangendo o coletivo da escola; profissão. O coordenador pedagógico não deve
práticas didáticas mais relacionadas à prática dos ser considerado como um profissional, mas um
relacionamentos sociais ligados à comunicação docente que exerce o papel de coordenador.
interpessoal, somando-se às múltiplas tarefas de- Vejamos alguns exemplos de como o coor-
sempenhadas na escola pelo coordenador peda- denador define a sua função e o seu trabalho na
gógico (1999, p.72-73). escola:
A identidade do coordenador pedagógico,
para Sacristán, constitui-se num contexto cons- Primeiramente como um “elo de ligação”
tantemente cheio de dilemas, sendo difícil acom- entre os professores, alunos e a direção, três
panhar as exigências demandadas do exercício vertentes diferentes e trabalha no meio das três,
da função. Os dilemas são resultantes das urgên- dando aquele “feedback” no todo relacionado
cias que demandam do cotidiano escolar exigin- ao planejamento, para que ele seja o melhor
do ação imediata do coordenador, muitas vezes, possível no desenvolvimento do profissional em
tendo de tomar decisões em contexto de conflito sala de aula...Aqui dentro na escola o coordena-
ou situação de insegurança tornando-se, na práti- dor fica sobrecarregado porque ele realmente é
ca, um “gestor de dilemas” (1999, p.86-87). o “elo de ligação” entre as questões pedagógi-
cas e administrativas relacionadas com o aluno.
2.1.1 O papel do coordenador Dentro de um relacionamento de sala de aula até
pedagógico na escola as questões de avaliação (João8).
Os coordenadores definem sua função de Antes de mais nada, é uma pessoa que contri-
acordo com suas vivências dentro da escola. Al- bui para o trabalho na escola, sem dúvida nenhu-
guns (3/12) demonstram em suas falas, ter co- ma é uma ponte, que ajuda administrativamente,
nhecimento da Circular E/DGED nº 37 (RIO DE é aquela que faz tudo; que ajuda ao professor,
JANEIRO, 1998b, p. 8-9) que define a papel do que ajuda ao aluno, que orienta responsável. É
coordenador pedagógico das escolas municipais, um ponto de equilíbrio, é uma pessoa realmente,
mas, colocam-se como profissionais que abra- que ajuda todas as pessoas que trabalham na es-
çam outras funções que não são propriamente cola, a comunidade escolar (Elza).
suas, mas, tendo em vista as necessidades emer- Dos 12 entrevistados, 3 autodenominaram-se
genciais da escola. Outros (9/12) assinalam que como elo, ponte, aquele que liga. Observa-se a
o seu papel é aquele representado por eles como preocupação de relacionar-se com todos os seg-
sendo a função do coordenador. O que se percebe mentos da comunidade escolar (8/12), inclusive
pelos depoimentos dos entrevistados é que a fun- os responsáveis (5/12). Como expõe a coordena-
ção é definida pelas necessidades imediatas que dora Elza, eles entendem que a função envolve
surgem na escola. implicitamente os laços afetivos entre os seg-
De acordo com Lück (2006, p.47), a gestão mentos da escola além das atribuições puramen-
moderna considera as ações interativas na escola, te pedagógicas. Os coordenadores vêem como
visando a integração de sua comunidade, a per- parte de sua função receber os professores, res-
cepção da realidade e a interdependência entre as ponsáveis e alunos. Elza ainda se coloca como
partes da equipe técnico-pedagógica. As diversas ajudadora, como a que faz tudo.
definições dadas à função do coordenador são O que pode ser observado nestas falas é que
definidas pela autora como aquele que prioriza os coordenadores pedagógicos destas escolas
o processo acima dos resultados de sua gestão, não fazem uma definição clara do seu campo de
com estratégias abertas ao diálogo e ao entendi- trabalho, terminando por atuar em todas as fren-
mento coletivo pela educação. tes. João demonstra essa indefinição da função
2.1.2 A função de coordenador dentro da escola como uma sobrecarga; Flávia
pedagógico define como uma função espinhosa, já Kátia diz
O conceito de “função” ou o “exercício da 8
Os nomes dos coordenadores pedagógicos ora apresenta-
dos neste artigo são fictícios.

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que é estressante e cansativa, mas, ao mesmo dos professores, dos pais, dos alunos e até
tempo muito boa; Zélia define como uma função da própria direção. Porque tem momentos
complexa, difícil de ser exercida, mas, ao mes- em que eles são solitários. Então esse coor-
mo tempo, muito gratificante porque é o trabalho denador veio como elemento agregador. É
que eu mais gosto de fazer, Elena já se coloca o que a gente acha que seja. A gente espera
como uma sofredora e para Solange é um traba- que essa pessoa seja um elemento agrega-
lho exaustivo. Neste caso, verifica-se uma con- dor. Aquele que deve ter um jogo de cintu-
tradição nestas falas, revelando que a função é ra. E tem momentos que a gente diz: “Meu
um desafio constante para estes professores que Deus!” A gente respira. Tem que ter um jogo
se deparam diariamente com os conflitos nas re- de cintura. Todo mundo cai. Mas, nós somos
lações interpessoais entre os diversos segmentos os últimos a entregar os pontos, não é? Eu
da comunidade escolar. acho que o coordenador pedagógico tem
João também chama a atenção para o fato que ser assim. Ele tem que acertar. Ele deve
do coordenador ser o responsável pelo bom de- mostrar entusiasmo. Se ele entrar numa de
senvolvimento dos alunos na sala de aula, mes- fazer parte daquele grupo que está conta-
mo que isso implique numa relação indireta do minado, está descrente de tudo, não ele tem
profissional com o corpo discente. Sua fala em que acreditar, sempre estudando, até porque
relação a ser responsável direto pelo trabalho pe- a gente passa por processo de mudanças.
dagógico do professor também é vista por Sha- Muita gente não acredita, mas, a gente tem
na como uma forma de acompanhar o trabalho que estar em consonância com a secretaria.
pedagógico através da observação em sala de E a gente tem que passar aquilo de uma for-
aula. A visão de João em relação à função do co- ma que o professor veja que vai beneficiá-lo.
ordenador, também, expressa uma preocupação Tem os prós e os contras. Mas vamos tentar
com o aluno, mais do que os professores, com tirar o melhor daquilo que está acontecen-
os quais trabalha diretamente. Sacristàn amplia o do. Eu sou muito otimista. Estes dez anos,
conceito da função docente como “uma profissão para mim, foram tentando acertar. Eu acho
confusa” (1999, p.75) no que se refere à amplia- que o coordenador é essa figura de articula-
ção do âmbito da profissionalidade docente, onde dor, de gente que gosta de lidar com gente se
o coordenador assume várias tarefas no decorrer não for assim não tem razão de ser.
do seu cotidiano.
Ela descreve o coordenador pedagógico
Dentro da função seria estar olhando, ob- como um elemento agregador da comunidade es-
servando as dificuldades que os professo- colar. O profissional que se integra às atividades
res tem ao vivo e a cores, eu procuro ir às e os segmentos da escolar, bem semelhante ao
salas durante a semana, fico um pouqui- elo ou ponte. A sobrecarga do trabalho do coor-
nho, não. Fico muito tempo não, fico de denador é ligada à solidão do cargo descrita por
15 a 20 minutos, dentro da turma, e fico ela. Suas angústias são demonstradas pela ex-
observando. Observo aquelas crianças pressão: somos os últimos a entregar os pontos.
que tem dificuldades, que são citadas nos A escola de Rosana, no meio do ano letivo, re-
centros de estudos e conselhos de classe. cebeu alunos oriundos de outra unidade escolar
Acompanho os projetos, para ver se estão que estava extinguindo o terceiro turno. O prédio
sendo encaminhadas as atividades do pro- tem capacidade física para receber o quantitati-
jeto. Eu acho que a função do coordenador vo esperado, mas, a escola sofreu um impacto
pedagógico é estar acompanhando o peda- com a chegada dos novos alunos. Rosana, assim
gógico da escola (Shana). como os demais, destaca que a função tem uma
Rosana amplia a definição da função através responsabilidade de unir a escola pelo viés afe-
do seu relato: tivo e pedagógico unindo a comunidade escolar.
Ela chama atenção que o seu trabalho deve estar
O professor que articula tudo que vai acon- em consonância com a Secretaria, referindo-se
tecer na escola. Eu acho que nesse momen- às suas atribuições, enquanto coordenadora pe-
to, as escolas estavam precisando dessa dagógica, que tem a responsabilidade de repassar
função para ser o catalisador das angústias as políticas da SME nos horários de formação

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continuada aos professores (RIO DE JANEIRO, a coordenação para exercer o seu papel.
1998b, p.8-9). Então é importante que a escola deixe o
O termo mediador também surge como defi- coordenador praticando a sua função, que é
nição da função do coordenador pedagógico. O esse elo entre o fazer e o acontecer, não ficar
significado de mediador, no dicionário é descrito desviando os papéis porque quando você vai
como aquele que acerta o processo pacífico em ver no final do dia, muitas vezes em muitas
situação de conflitos, onde, a solução é suge- escolas, quando você vai fazer a avaliação
rida e não imposta entre as partes (HOUAISS; do seu dia, você vai ver e no pedagógico
VILLAR, 2001 p. 1876). Dos entrevistados, 3/12 você praticamente não fez nada. E aqui na
descreveram o coordenador como mediador de escola eu tenho essa liberdade do meu dia
aprendizagens (Eliza); mediador entre todos os ser destinado dedicar praticamente cem por
segmentos da escola (Solange) e (Laura). No cento do meu dia ao pedagógico.
caso elas utilizam o termo como “aquele que está
no meio”. Veja o que é dito a respeito da media- No relato acima, Aline conceitua o seu papel
ção como ação integradora na resolução de con- como o articulador do pedagógico e, também, faz
flitos, define bem o que os entrevistados pensam críticas às escolas que desviam o coordenador de
a respeito de sua função: sua função, quando diz: não ficar desviando os
papéis. Ela analisa este desvio como nocivo ao
Sendo que, acredito que a mediação, trabalho pedagógico desenvolvido na escola. Ou-
como técnica alternativa – extrajudi-
cial – de resolução de conflitos, venha
tros entrevistados também se colocam de outras
a ser uma engrenagem fundamental na formas a respeito do desvio da função.
construção cidadã dos direitos humanos, Eu acho que poderia ter um tempo maior
através da humanização nos procedi- para fazer realmente o pedagógico (Elza);
mentos de resolução de controvérsias,
o meu sonho na coordenação seria poder
levando em conta o sentimento das par-
tes com supremacia sobre os seus con- trabalhar na coordenação mesmo, ficar só
flitos, colocando em primeiro plano as no pedagógico (Shana); a gente faz o tra-
pessoas e seus sentimentos, visando, as- balho de assistente social, além do traba-
sim, a preservação dos relacionamentos lho da coordenação (Kátia).
interpessoais (EGGER, 2008).
Outro fator que dificulta o exercício da fun-
Outro termo utilizado pelos entrevistados foi ção é a sobrecarga do trabalho, causada pela fal-
o de articulador. Este termo surgiu em 3 das 12 ta de pessoal na escola sobrecarregando os que
entrevistas é definido pelo sentido de planejar nela trabalham.
de arrumar de organizar o trabalho pedagógico Solange define bem o que acontece em sua
na escola. Para Laura e Elena este verbete sur- escola:
ge como sinônimo de mediador. O articulador é
A falta de estrutura é que atrapalha o tra-
definido como via de facilitação do processo de
balho, a falta de pessoal. Essa falta de
aprendizagem. Neste sentido, Rosana diz que ele
professor mexeu no meu trabalho, mexeu
é o professor que articula tudo o que vai aconte-
no trabalho da sala de leitura, e no traba-
cer na escola. Isto quer dizer que o coordenador
lho da diretora-adjunta que também está
pedagógico é o organizador do trabalho pedagó-
pegando a turma, e complica tudo, atrasa
gico feito pela escola.
tudo, a gente tem que trabalhar mais horas
O sentido etimológico da palavra “articula-
para poder dar conta dos dois recados.
dor” é o que promove a união das articulações,
ou seja, unir pelas articulações (CUNHA, 1997, A falta de professor na escola obriga aos pro-
p.509), portanto, o sentido colocado pela Rosana fissionais da equipe gestora a assumir também a
é que o coordenador pedagógico promove a união função de regente, não deixando de fazer as obri-
das atividades pedagógicas, assim como dos seg- gações concernentes aos seus respectivos cargos.
mentos que trabalham e usufruem na escola. A sobrecarga de trabalho que, consequentemente
Aqui na escola nós colocamos muito recai sobre estes profissionais gera cansaço e de-
em prática: a gestão é uma gestão sânimo em relação á profissão.
pedagógica, mas, ela deixa muito à vontade Este ano, dos dez anos que eu estou na fun-

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ção, é a primeira vez que eu não entro em gerado nas relações de poder entre os professores
turma para substituir professor, eu só tenho e o coordenador pedagógico como mostra os de-
uma matrícula, eu estou cansada, exausta. poimentos a seguir.
Teve época de substituir professor por dois
meses. Teve um ano que ficamos com quatro Um pouco conselheira, um pouco mãe, au-
turmas sem professor, entrava eu, a diretora, toritária , vem aquele (professor) que pre-
a diretora-adjunta, todas nós com uma ma- cisa, e vem, reclama e aí você dá aquela
trícula. Este ano, eu disse: não vou entrar palavra amiga. Você tem que estar sempre
porque eu não estou aguentando (Solange). cativando. É o pai que vem, ainda mais
neste momento em que estou vivendo ago-
Nota-se que a falta de professores, tanto ra, tem que ser de paz, mas tem hora que
quanto a de outros profissionais que trabalham precisa daquela mãe mais severa, que diz:
na escola é muito comum nas escolas da rede. tem que ser assim. E o tempo todo tentando
Ao expor que a escola de Elena ficou alguns me- ajudar (Rosana).
ses, sem diretor-adjunto mostra que este tipo de Às vezes, eu trato como mãe, dou bronca,
problema, não é resolvido de forma imediata. tem umas (professoras) da minha idade,
As escolas da rede pública possuem autonomia mas tem umas mais novinhas aí eu dou
pedagógica (BRASIL, 1996), mas não possuem bronca, eu brigo mesmo [risos] (Solange).
autonomia financeiro-administrativa para contra-
tação de recursos humanos dependendo de deci- Nos casos acima, as relações afetivas envolve
sões executivas dos governantes para movimen- alguns conflitos entre as coordenadoras pedagó-
tação dos funcionários. O sistema público age gicas e as professoras. Nesses relatos, as relações
de forma mais lenta do que as necessidades das de poder são evidentes, mas, na opinião delas,
escolas, que, muitas vezes, não são contempla- são suavizadas quando comparam suas relações
das. A localização das escolas também influencia profissionais com as familiares, em que o papel
no quadro de necessidades de pessoal. Escolas exercido pelo coordenador é o da mãe, aquela
situadas em comunidades violentas ou distantes que manda, mas que dá carinho e os professores
dos bairros mais povoados ou com dificuldade fazem o papel de “filhos”. Quando não cumprem
de deslocamento estão constantemente com fal- suas tarefas, recebem “bronca” de suas “mães-
ta de profissionais. A questão salarial, também, é coordenadoras”. Neste caso, elas se utilizam da
um fato agravante para a falta de profissionais na afetividade como meio de conseguir das profes-
rede. Deve-se considerar que, além de professo- soras as ações pedagógicas esperadas, talvez por
res, outros profissionais são necessários para que isso, comparam a sua relação com as docentes
a escola possa funcionar de forma devida. Como, como “mães severas”.
por exemplo, o agente educador, que promove a
Eu contei com a parte do afetivo, o acolhi-
organização externa do espaço escolar. Sem es-
mento, então eu acolhi o meu grupo [de pro-
tes profissionais na escola o próprio coordenador
fessores].
pedagógico passa a exercer também esta função.
Aline relata sua experiência de trazer novas
3 As relações afetivas entre o
propostas de trabalho pedagógico para a escola e
coordenador pedagógico e os
buscou ser aceita pelo grupo de professores. Em
professores
resposta ela disse que acolheu o grupo. Esse aco-
A maioria (8/12) dos entrevistados destaca as lhimento, de acordo com Sadalla e Azzi (2004, p.
relações afetivas da equipe gestora com os demais 2), apresenta-se como resultante dos sentimentos
segmentos da comunidade escolar como sendo emergentes entre o coordenador pedagógico e o
parte integral da função. Como parte da equipe da grupo de professores envolvendo além dos sen-
direção da escola, os coordenadores pedagógicos timentos do grupo, os seus próprios sentimentos
exercem a função de liderança no espaço em que desde que seja respeitada a alteridade entre eu/ou-
trabalham, junto à comunidade escolar: alunos e tro, isto é, entre o coordenador e o professor. Esse
professores. Porém, o foco do trabalho do coor- papel de “mãe” dos professores envolve também
denador é participar das atividades pedagógicas, o tempo em que o coordenador trabalha na mes-
planejando-as e executando-as junto com eles. ma unidade escolar, gerando vínculos comparados
Há indícios de que haja algum tipo de conflito aos familiares, fazendo com que Solange e Rosana

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se autodenominem “mães” de suas professoras. Considerações finais
O pessoal daqui é muito bacana, tem suas A criação da função de coordenador pedagógi-
dificuldades porque lidar com ser huma- co teve a finalidade de implantar dentro da escola
no é muito complicado; porque é melhor mais uma “voz da Secretaria Municipal de Edu-
lidar com criança do que com adulto, mas, cação”, além do diretor. Com a diferença que este
as meninas [professoras] daqui são muito docente estará mais próximo, a fim de facilitar o
bacanas então isso facilita. Eu acho que repasse das políticas da SME aos professores.
elas conseguem ver em mim não uma che- Quanto à identidade os dados revelaram que
fe autoritária, mandona, mas, uma colega, os entrevistados ainda estão construindo a sua
uma companheira. A gente divide coisas e identidade como coordenador pedagógico. Os
quando necessário, a gente partilha tam- dados mostraram uma ambiguidade no exercício
bém algumas ordens que eu preciso que da função do coordenador pedagógico trabalha
elas cumpram a tempo. Então, a parceria na escola, pois, como oriundo do corpo docente,
é boa. E também a direção, sala de leitura muitas vezes de sua própria escola, ao assumir a
é muito bom o trabalho. A gente se entende função de coordenador pedagógico, ele perde a
muito bem. Então isso facilita as dificulda- identificação com seus colegas professores para
des do dia a dia. assumir e implantar as políticas da Secretaria
Municipal de Educação na escola. A mediação
Zélia assume o papel de companheira das aparece como uma categoria básica de relação
professoras. Segundo ela, isso facilita a constru- entre os diversos segmentos da comunidade es-
ção das relações sociais em sua escola. Ela busca colar: coordenador/professor, coordenador/dire-
não formar uma barreira hierárquica, que, em sua ção da escola, coordenador/SME, coordenador/
opinião, a impediria de construir uma relação de responsável e coordenador/aluno. Junto com a
amizade profissional com as colegas professoras. mediação, surge também a figura do articulador,
Horta (2007, p.15) chama de “estranhamento” no definição dada pelos entrevistados, com defini-
que refere à mudança de função: de professora ções semelhantes aos da mediação.
para coordenadora pedagógica. Zélia, no entanto, A estrutura organizacional das escolas, mui-
procura evitar este “estranhamento” colocando- tas das vezes bastante precária, não permite que
se como “uma colega, uma companheira”, como o coordenador pedagógico tenha clareza do papel
uma pessoa do grupo, que ainda mantém os mes- que desempenha no exercício da sua função fa-
mos laços de afetividade social. O que pode ser zendo com que ele assuma diversas tarefas que
percebido é que Zélia abre mão da função “fisca- não deveriam estar sob a sua responsabilidade
lizadora” ou de “cobradora das tarefas pedagógi- como, por exemplo, substituir os professores e
cas” para tornar-se colega das docentes. Rosana funcionários que faltam nas escolas. A fala dos
e Solange, ao contrário, assumem sua posição entrevistados revela que as tarefas executadas
hierárquica nas suas relações profissionais e afe- por eles, que não se caracterizam como sua atri-
tivas com as professoras. buição, sobrecarrega o coordenador.
Tardif e Lessard (2007, p.27-28) demonstram As relações afetivas entre os coordenadores
que a hierarquização do trabalho na escola levou pedagógicos e os professores se mostram con-
a mesma a se tornar um local de conflitos e ne- flituosas devido ao seu papel de fiscalizador das
gociações sobre os espaços de intervenção. Para ações docentes. Os relatos também revelam a
Lück (2006, p.89) a burocratização dos sistemas presença de relações hierárquicas entre o coorde-
de ensino dificulta as relações entre aqueles que nador e os professores.
trabalham na escola, gerando estruturas hierárqui- Concluímos que a função de coordenador
cas tanto verticais quanto horizontais. Zélia quer pedagógico demanda uma complexidade de re-
evitar este distanciamento gerado pelas relações lações internas e externas onde, as relações in-
hierárquicas, negociando com os professores o ternas são que demandam da própria escola e as
seu espaço de atuação, a contrário de Solange e externas da CRE e SME. Faz-se necessário uma
Rosana que assumem sua posição de aproximação infraestrutura presente nas escolas que favoreça
afetiva, mas, mantendo o distanciamento em rela- o exercício da função do coordenador de forma
ção aos docentes com os quais atuam. a cumprir o seu papel de dinamizador das ações
pedagógicas realizadas na escola.

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