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A DISCIPLINA DO SERVIÇO

A partir de hoje, estudaremos mais uma disciplina da vida espiritual: a disciplina do serviço.
Para começar, tentaremos definir o que é serviço cristão. A disciplina da submissão é
fundamental para a disciplina do serviço, mas não falaremos dela.
No Reino de Deus somos servos, e é assim que precisamos nos enxergar.

Não somos trabalhadores (Rm 6.18): Pense num trabalhador, a motivação de um


trabalhador são as recompensas que ele tem, seus direitos e seu justo pagamento. Embora
nosso Deus nos presenteie com a Salvação e muitas bênçãos, o servo cristão não trabalha
para alcançar recompensas, elas existem mas são pela Graça e não trabalhamos para alcançá-
las.
Algumas pessoas se engajam num serviço cristão afim de receber elogios, aplausos,
admiração, reconhecimento ou gratidão. Pessoas assim são fáceis de identificar, pois
desanimam do serviço se não há reconhecimento público (Lebrão).
Quando nós nos reconhecemos como servos, não temos ambição de conquistar nada através
do serviço que prestamos no Reino de Deus, portanto precisamos entender que não somos
pessoas que trabalham para Deus esperando uma paga, somos servos dispostos a trabalhar
para ele aconteça o que acontecer (apesar de já sabermos que qualquer sofrimento nessa vida
não se compara a glória que nos espera).

Não somos voluntários: Ser voluntário pressupõe estar fazendo um favor e não poder ser
cobrado. Isso é muito cômodo pra quem quer fazer as coisas de qualquer jeito, portanto no
Reino de Deus não se comporte como um voluntário.
Se você lidera uma igreja ou uma equipe, lembre-se que você também está prestando um
serviço, você não é chefe de ninguém e não tem o direito de dominar sobre ninguém (Mc
10.42-45).
O voluntário faz o que quer fazer, o servo faz o que seu Senhor manda fazer. Nem sempre
somos chamados por Deus para fazer o que naturalmente gostamos. É óbvio que às vezes
isso vai acontecer, mas não é regra geral (David Wilkerson).
O voluntário trabalha quando quer (cansaço, outras prioridades), o servo está à disposição do
seu Senhor.

Nosso serviço não é imprescindível: Algumas pessoas comportam-se como se Deus


precisasse delas. Deus nunca precisou de homem nenhum para agir, Ele usa pessoas pois
esse é o método Dele, mas Ele não depende de ninguém.
Temos a tendência carnal de supervalorizar o nosso serviço e menosprezar o serviço do
outro. No fim das contas não passamos de servos inúteis (Lc 17.10).

O serviço cristão não compensa pecados: Todos nós temos tendências malignas contra os
quais lutamos, pecados diversos (lascívia, orgulho, raiva, ódio, falta de humildade,
dissensões, hipocrisia, inconstância, etc). Ao invés de reconhecer e lutar contra isso,
mergulhamos de cabeça em todo tipo de serviço cristão para compensar pecados e criamos
no nosso coração a falsa percepção de que o nossos pecados estão sendo expiados graças a
quantidade de serviço que eu presto. Isso é rebaixar a Graça e vem do diabo (Is 64.6).

Estamos estudando disciplinas, vimos que disciplina envolve perseverança e lutar contra
tendências contrárias. Por que o serviço é uma disciplina? Por que constantemente
precisamos vigiar qual é a nossa intenção ao prestar um serviço para o reino de Deus.
De tempos em tempos precisamos fazer uma autoanálise honesta e nos perguntar algumas
coisas:
- Será que eu trabalho a fim de ser reconhecido?
- Será que eu trabalho para Deus, para homens ou para mim mesmo, de modo que quando
sou contrariado eu desisto?
- Eu só faço o que gosto ou faço o que o Senhor me chamou para fazer?
- Se lidero, me comporto como chefe ou servo das pessoas?
- O serviço cristão é minha prioridade ou só faço quando não tenho nada para fazer?
- Não estou prestando serviço para fugir de confrontar meus pecados?
- Acho o meu serviço o máximo?
Que a gente repita sempre pra nós mesmos: não passo de um servo (escravo, serviçal), e
ainda por cima inútil.

O SERVIÇO FARISAICO
Na quinta-feira passada falamos um pouco sobre os fariseus. Eles eram uma classe religiosa
muito predominante nos tempos de Jesus. O povo comum admirava os fariseus, os próprios
fariseus se admiravam muito, mas Jesus não admirava os fariseus.
Seus maiores embates aqui na terra foram contra essas pessoas (junto com os saduceus). Sua
denúncia era de que o serviço deles era muito bonito por fora mas por dentro era podre, tinha
más intenções e a motivação não era a glória de Deus nem o bem-estar do próximo. O termo
“fariseu” virou sinônimo de “hipócrita religioso”.
Quando prestamos serviço no reino precisamos tomar cuidado para não cometer os mesmos
erros que esses homens cometeram, vamos ver algumas características do serviço farisaico
segundo a visão de Richard Foster.

Passa pelo esforço humano: Claro que precisamos empreender esforço no serviço que
prestamos para o Reino.
O pregador precisa estudar o texto; o músico precisa ensaiar; alguém que presta um socorro
precisa sacrificar tempo livre para isso... enfim esforço da nossa parte é necessário para
prestar o serviço. Isso se torna prejudicial quando passamos a entender que os resultados
dependem do nosso esforço.
Um bom teste é quanto tempo passamos em oração respeito do nosso serviço. Tome como
exemplo um estudo bíblico a dar. A lógica diz que para ser bem sucedido é preciso ler muito,
estudar a fundo, talvez treinar a oratória, entonação de voz, etc... tudo isso é necessário e
importante para fazer bem feito, porém a oração é fundamental, pois quando eu oro eu estou
admitindo que eu não posso fazer meu serviço sozinho. Aos olhos humanos orar é perder
tempo que poderia ser gasto com esforço, mas aos olhos de Deus essa dependência é o que
diferencia o serviço farisaico (puro esforço humano) do serviço cristão (Lc 10.41,42).

Se deslumbra com as coisas grandiosas: O fariseu não tem prazer em serviços sem
destaque. Ele precisa ensinar pra muita gente (afinal de contas seria um desperdício ensinar
pouca gente); ele precisa ter uma plateia grande para “louvar”; precisa ajudar vários
moradores de rua senão nem começa, pois apenas um não faz diferença; ele precisa
evangelizar em outro país para ser um missionário de verdade (coreografia, Lloyd-Jones).
No fundo o fariseu está a serviço de si mesmo, pois não está disposto a servir aonde o Senhor
chamar, mas somente onde sente que está fazendo algo destacado, já o servo cristão está
disposto a fazer tudo pois sabe que, por menor que seja, toda obra no Reino é grandiosa (Mc
9.41).

Vive a expectativa de recompensas externas: Já vimos um pouco desse aspecto. O fariseu


necessita de uma recompensa imediata pelo serviço que presta. Um reconhecimento público,
um elogio, um aplauso, ser apontado como exemplo a ser seguido ou pelo menos ouvir um
obrigado. Se não tiver isso, o serviço não vale a pena para o fariseu (foi exatamente por isso
que eles odiavam tanto Jesus, porque Ele não os elogiava).
Faça o seu serviço com todas as suas forças, mesmo que você não receba nada em troca ou
até mesmo que você receba mal em troca. Lembre-se que na eternidade sua recompensa será
entregue pelo próprio Senhor (Mt 6.1).

Tem extrema preocupação com resultados: O fariseu precisa ver o fruto do seu trabalho e
depressa. Se não consegue ver os resultados rápido, ele desanima. Isso é um problema
porque geralmente o método de Deus não envolve pressa. Normalmente é necessário muita
perseverança, anos de oração e trabalho duro para que um serviço dê fruto (claro que há
exceções) (Lautenschlager).
O fariseu também mede o sucesso de uma obra segundo padrões mundanos: sua igreja
precisa ser grande e rica, ele quer evangelizar grandes massas em grandes eventos, só quer
ensinar muita gente, resolver o problema da pobreza no Brasil, acabar com a fome na
África... Enfim, se o resultado não for grandioso aos seus olhos o serviço não vale a pena.
Frequentemente a motivação para o trabalho é orgulho e inveja.
O serviço cristão persevera em fazer o que é correto e deixa o resultado nas mãos de Deus
(Gl 6.9).

Escolhe a quem servir: Isso ficou especialmente claro no último culto que o Daniel pregou
a respeito da parábola do Bom Samaritano. O sacerdote e o levita não pararam para socorrer
aquele homem necessitado, sabemos que se trata de uma parábola (aqueles personagens não
eram reais), mas podemos pensar em alguns motivos pelos quais eles não ajudaram: (1) esse
não era o chamado deles. O serviço deles era no templo e não poderiam parar para ajudar
aquele homem senão perderiam o foco. Às vezes damos muito valor ao nosso chamado
individual e desprezamos as pessoas e suas necessidades bem debaixo do nosso nariz [pastor
administrador]. (2) e se for um aproveitador? Nosso coração egoísta pode criar justificativas
pra não servir. Por exemplo, alimentamos o mito de que o pobre escolheu ser pobre e que
não temos obrigação de “sustentar vagabundo”. (3) o que eu ganho com isso? ele só quer
servir pessoas que podem trazer algum tipo de retorno, seja uma influência ou mesmo
financeiro.
O serviço cristão não escolhe a quem servir (Gl 5.13).

É afetado por humores e caprichos: O fariseu coloca o seu humor acima do serviço. Se ele
não está num dia bom, seu serviço também não será. Isso é péssimo em qualquer tipo de
serviço cristão.
Pense em alguém que aconselha, é preciso ser muito paciente para ouvir, lidar com falhas,
orar e sempre se por à disposição. Uma pessoa governada pelo seu humor não tem a menor
condição de exercer esse ministério, pois uma hora pode tratar mal aquele a quem aconselha
e ser um mau exemplo.
Uma pessoa pode não estar afim de fazer o seu serviço num determinado dia por algo que
aconteceu, ou simplesmente porque não está com vontade. Lembre-se que somos servos e
um servo não trabalha apenas quando tem vontade (1Co 15.58).

É temporário: Já falamos um pouco sobre isso. O fariseu começa um serviço muito


empolgado, mas desanima se não ver os resultados que espera, de maneira rápida.
Geralmente Deus não faz o que esperamos, como esperamos e nem quando esperamos. O
fariseu não está disposto a perseverar.
Pense numa pessoa que tem um ministério de intercessão, esse ministério exige muita
perseverança, pois parece que nunca vai acontecer o que oramos, vamos orar por uma pessoa
e a pessoa parece que vai estar pior, todas as circunstâncias dizem que essa intercessão não
será respondida, porém o intercessor persevera.
Perseverança é fundamental para qualquer serviço cristão (Tg 5.11).

É insensível: O fariseu não sabe ser sensível, para ele é tudo preto no branco. Pessoas são
estúpidas com as outras em nome do serviço cristão, e ainda citam versículos dizendo que
têm muito zelo pela obra do Senhor.
A insensibilidade geralmente é fruto de ignorância. Ignorância no sentido de não saber o que
acontece com outro, prejulgamos (Anna, homem no trem). Uma boa dose de diálogo,
compreensão e humildade evitaria muitas contendas.
Pense sempre na regra de ouro de Jesus: façam aos outros o que vocês não saíram que eu
quisesse vocês. Todos gostamos quando as pessoas são pacientes conosco, quando relevam
as nossas falhas e nos dão uma segunda (várias) chance. Vamos fazer isso com os outros (Mt
7.12).

Causa rupturas na comunidade: Os fariseus criaram uma casta religiosa de modo que
ficaram totalmente separados do resto do povo, o serviço cristão não faz isso.
Eles se achavam muito melhores que os outros, portanto concluíam que não precisavam da
companhia dos outros, inclusive a companhia dos outros poderia prejudicar a sua santidade.
O serviço cristão envolve a comunidade, não exclui ela (Jo 7.49).

PRÁTICA
É possível trabalhar duro na obra de Deus, mas com objetivos que não sejam a glória de
Deus. Autopromoção, promover uma denominação ou uma pessoa, lucro, religiosidade... O
serviço cristão pode ser resumido em trabalhar para que o nome de Deus seja glorificado.
Há muitas e muitas maneiras de fazer isso, algumas delas ligadas com a igreja local e outras
não. Vamos citar algumas delas.

O ministério da Palavra é muito amplo. Além de pregar nos cultos da sua igreja ou de forma
itinerante.
Você pode dar aulas para cristãos leigos (adultos, crianças, jovens, adolescentes, etc).
Pode ser mais acadêmico e dar aulas numa faculdade cristã. Você pode também escrever
livros ou produzir material na internet.
Você pode também ser um aconselhador, isso vai abrir um leque muito grande: casais,
homens, mulheres, jovens, adolescentes, crianças, obreiros, novos convertidos, pessoas em
luto, vítimas de violência, etc. Cada tipo de pessoa precisa de orientações específicas.
Essa pessoa pode também se aprofundar em um assunto específico da Bíblia, esse leque é
infinito: Novo Testamento, Antigo Testamento, Escatologia, Epístolas, Evangelhos,
homossexualismo, racismo, história da igreja, etc. Uma pessoa com esse tipo de
especialização é muito útil para a igreja.

O ministério do louvor também geralmente é exercido na igreja local. Você pode se dedicar
a um instrumento musical, cantar ou compor hinos de louvor. Algumas pessoas exercem-no
de forma itinerante.
O grande segredo desse ministério é que ele não é apenas produzir boa música, mas é
exteriorizar o que a pessoa sente por Deus e levar a congregação a fazer o mesmo, por isso
quem exerce esse ministério precisa ter uma vida devocional regular perante Deus, o
momento do louvor é apenas um reflexo da vida do adorador.

Interceder é um mistério importantíssimo. Cremos nisso? Quando oramos por uma pessoa,
por uma situação, por um país cremos que a oração fará a diferença?
Esse é um ministério que demanda muita perseverança, pois muitas vezes os resultados não
serão imediatos, e às vezes nem serão sentidos, mas a oração feita por um justo pode muito
em seus efeitos, porque o poder não está no intercessor e sim Naquele que ouve a
intercessão.

Existem pequenos serviços exercidos na igreja local que podem não ser notados por
homens, mas são notados por Deus. Um recepcionista que atende as pessoas com um sorriso,
os irmãos que trabalham com mídia, alguém que varre a calçada antes do culto começar,
alguém que troca os papéis higiênicos dos banheiros.
São trabalhos a respeito dos quais ninguém escreverá biografias, mas Deus certamente tem
uma recompensa para cada um deles.

Evangelismo. Esse é um trabalho que todo cristão é convocado a fazer, mas há muitas
formas de fazê-lo.
Existe o evangelismo pessoal, onde você vai trabalhar uma pessoa. Se aproximar, conversar,
aconselhar e quando for possível falar abertamente de Cristo.
Tem o evangelismo em massa, onde você prega para várias pessoas de uma vez. Isso pode
ser num ponto de pregação, culto familiar, um culto no horário de almoço da empresa ou
qualquer ambiente fora da igreja que se tenha a pregação da Palavra.
Tem irmãos que simplesmente puxam assunto com estranhos e evangelizam.
Temos o missionário que vai deixar a sua terra para se dedicar a evangelizar outro lugar.
Tem também o missionário transcultural que vai deixar o seu país para imergir em uma
cultura diferente da sua (comida, costumes, idioma, etc.).

Existem ministérios que chamamos de obras sociais, são pessoas chamadas para servir o
próximo das formas mais variadas.
Existem pessoas chamadas para servir os pobres e necessitados. É óbvio que socorrer o
pobre não é apenas pra quem foi chamado (se todos os cristãos brasileiros socorressem ao
menos uma família pobre por mês, creio que não haveria mais fome no Brasil), mas tem
irmãos que tem um chamado especial para isso (Terence Lester).
Temos pessoas dedicadas a causa dos órfãos (George Müller) de vítimas de abuso ou tráfico
sexual, trabalhos com viciados em drogas e álcool (David Wilkerson), cuidadores de idosos,
alfabetização, cuidar de doentes (Madre Teresa), cuidar das demandas da igreja perseguida
(Portas Abertas), etc.
O ser humano é caído, mas ainda possui a Imagem de Deus e precisa ser tratado com
dignidade.

Pequenas coisas que fazemos no dia a dia pode fazer a diferença na vida de alguém. Uma
carona, fazer compras para um idoso, emprestar os ouvidos para alguém que precisa
desabafar, brincar com uma criança, dar atenção para alguém que é marginalizado,
compartilhar uma palavra pelo whatsapp ou uma poesia na caixa de correio...
Às vezes nossa ânsia de demonstrar autossuficiência estamos muito dispostos a servir, mas
não gostamos de ser servidos. Ser servido é sinal de fraqueza e gostamos de demonstrar que
não precisamos de ajuda. Geralmente usando a falsa humildade de Pedro recusando que
Jesus lave seus pés.
Você pedir ajuda para alguém, e fazer essa pessoa ser útil, também é um serviço.

ESCRAVOS DE ORELHAS FURADAS


Em Êxodo 21.1-6 encontramos uma das aplicações mais bonitas do AT.
Já estudamos as leis que falavam a respeito da escravidão. Deus criou maneiras de evitar que
houvesse desigualdade no meio do seu povo, a cada 7 anos todo hebreu que por algum
motivo precisou se vender como escravo era liberto automaticamente.
Porém havia uma cláusula muito interessante: se algum escravo passasse a amar ao seu
senhor e tivesse prazer em servi-lo a ponto de não desejar ser libertado, deveria declarar isso
a ele. Então o seu senhor o levaria para ter as orelhas furadas, isso seria um sinal visível de
que agora ele era um escravo para a vida toda.
A aplicação é bem óbvia. Somos escravos do Senhor por que o amamos e temos prazer em
servi-lo. Se você ainda não pediu, peça para que ele fure as suas orelhas. Se já, pode adorá-lo
declarando que ama ser servo Dele!

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