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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA

Programa de Pós-Graduação em História – Mestrado

CAPARAÓ, A LEMBRANÇA
DO MEDO

Plínio Ferreira Guimarães

Juiz de Fora
2006
PLÍNIO FERREIRA GUIMARÃES

CAPARAÓ, A LEMBRANÇA DO MEDO:


A memória dos moradores da região da Serra do
Caparaó sobre o primeiro movimento de luta armada
contra a ditadura militar – a Guerrilha de Caparaó.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-


Graduação em História da Universidade Federal
de Juiz de Fora como requisito para obtenção do
título de Mestre.

Orientadora: Dra. Cláudia Maria Ribeiro Viscardi

Juiz de Fora
2006
Guimarães, Plínio Ferreira
G963 Caparaó, a lembrança do medo : a memória dos moradores da
região da Serra do Caparaó sobre o primeiro movimento de luta
armada contra a ditadura militar – a guerrilha do Caparaó / Plínio
Ferreira Guimarães. – 2006.
205f.

Orientador: Cláudia Maria Ribeiro Viscardi


Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Juiz de Fora.
Instituto de Ciências Humanas.

1. Memória – Teses 2. Imaginário – Teses 3. Anticomunismo –


Teses 4. Medo – Teses 5. Guerrilha do Caparaó – Teses I. Título II.
Viscardi, Cláudia Maria de Ribeiro III. Universidade Federal de Juiz
de Fora. Instituto de Ciências Humanas.
CDU 82-94
CDD 981.063
Plínio Ferreira Guimarães
Caparaó, a lembrança do medo: A memória dos moradores da região da
Serra do Caparaó sobre o primeiro movimento de luta armada contra a
ditadura militar – a Guerrilha de Caparaó.

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História da


Universidade Federal de Juiz de Fora como requisito para obtenção do título de
Mestre,
Juiz de Fora, 2006.

Dra. Cláudia Maria Ribeiro Viscardi (orientadora)


Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

Dr. Marco Antônio Cabral dos Santos


Universidade Federal de Juiz de Fora – UFJF

Dra. Lucilia de Almeida Neves Delgado


Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas
AGRADECIMENTOS

Muitos são aqueles que, de alguma forma, contribuíram para que este trabalho fosse

possível. Por isso, ao destacar alguns nomes, temo pelo esquecimento de outros que tenham

ajudado, mas que podem deixar de ser mencionados por uma falha minha.

Para iniciar, gostaria de agradecer ao Programa de Pós-Graduação em História da

UFJF, especialmente à minha orientadora, Dra. Cláudia Maria Ribeiro Viscardi, e ao ex-

coordenador do Mestrado, Dr. Alexandre Mansur Barata. A primeira acreditou na proposta de

pesquisa e depositou uma enorme confiança em mim, dando liberdade para que eu pudesse

explorar o tema do medo em relação ao “guerrilheiro comunista”. O segundo, sempre

disponível, nos deu todo o amparo necessário para que pudéssemos, eu e os demais colegas de

curso, desenvolver o trabalho da melhor forma possível.

Também às professoras do Programa Dra. Sônia Cristina da Fonseca Machado Lino

e Dra. Silvana Mota Barbosa, pelas trocas de idéias e indicações de algumas das obras que

foram utilizadas na confecção deste estudo.

Gostaria também de agradecer aos professores que compuseram a banca de minha

qualificação, Dr. Marco Antônio Cabral dos Santos e Dr. Rodrigo Patto Sá Motta. Ambos,

após minuciosa leitura dos capítulos centrais que compõem esta dissertação, fizeram uma

série de sugestões, em grande parte incorporadas ao texto final.

Aos meus tios Ilta e Protino Rafael, e ao meu primo Alessandro, a minha enorme

gratidão por terem me abrigado no período de estudo na cidade de Juiz de Fora, me recebendo

toda semana, por um ano inteiro, em sua casa. À você, minha tia, a minha gratidão é mais do

que pela ajuda, e sim pela torcida. Não esquecerei o momento em que fiquei sabendo que

havia passado no Mestrado e que você e minha mãe choraram juntas, felizes por mim.
Aos amigos Adriano Ricardo dos Santos, André Luís Moreira de Souza e Giovanni

Rocha, que me apoiaram em momentos decisivos na busca por fontes e por me indicarem

algumas das pessoas que viriam a ser entrevistadas. Ao também amigo e pesquisador do tema,

Bibiano Alex Rocha, por toda a troca de informações e todo o seu empenho em colaborar com

o trabalho.

À Paulo Vinícius Santana, amigo e graduando em História, foi um super

companheiro, sendo o responsável pelas transcrições das entrevistas que realizei. Além disso,

sua empolgação com a pesquisa foi um incentivo a mais na caminhada para a finalização

deste trabalho.

Aos companheiros de curso, principalmente os amigos Alexandre, Lenilson, Patrícia

e Virna. Mais do que termos cursado o Mestrado juntos, compartilhamos as mesmas

dificuldades e as mesmas alegrias. Além disso, vocês e os demais colegas estiveram ao meu

lado num dos momentos mais especiais de minha vida: o nascimento da Lavínia. Obrigado!

Aos meus sogros Israel e Almeirinda, por todo o suporte dado e toda a torcida para

que tudo desse certo.

Ao meu pai, Francisco, e às minhas irmãs, Francys e Lívia, por serem tão

importantes para mim e por também fazerem parte de minhas conquistas. Amo vocês!

Aos moradores das regiões pesquisadas, principalmente aos entrevistados, fica aqui

não só o meu agradecimento, mas a minha admiração. Mesmo sendo um desconhecido para a

grande maioria, fui recebido como se fosse “um de casa”. Quantos cafés saboreei após as

entrevistas... Falar de cada um de vocês individualmente seria impossível. Com certeza,

minha dissertação dobraria de tamanho. Muito obrigado a todos!

Mais do que agradecer, gostaria de dedicar este trabalho às mulheres que ajudaram a

construir o homem que sou hoje. Minha avó, Aristides, mulher de garra e serena, e que, aos

seus 95 anos, se mostra forte e atual. Minha mãe, Elza, mesmo com todo o rigor em criar a
mim e minhas irmãs, nunca deixou de mostrar o quanto nos amava. Sei também do quanto

fica feliz a cada conquista nossa. Na verdade, sabe que é uma conquista sua também! Minha

esposa, Elaine. Casados a quase 3 anos, ela é mais do que minha companheira já a mais de

doze. Com certeza, nunca teria chegado até aqui sem você. E às minhas filhas Lavínia e sua

irmã, ainda sem nome (mais já muito amada) que vem por aí. Lavínia, nascida ano passado,

pouco depois de eu ter apresentado minha comunicação no XXIII Simpósio da ANPUH, em

Londrina. Apressadinha, não quis esperar o meu retorno para casa. Não tem problema, a

felicidade que você me trouxe compensa essa “desfeita”. Da mesma forma, aguardo o

nascimento de sua irmã e sei que ela complementará a alegria que vivo hoje.

Não poderia deixar de esquecer todos os amigos que sempre me deram força e

sempre estiveram juntos de mim nos momentos importantes e decisivos de minha vida.

Este trabalho é de todos vocês!


“No meio da noite
no meio do medo
dos olhos insones
os fantasmas que passeiam
no canto do galo
no uivo do cão
nas vozes do vento
no galope, no relincho
no meio da solidão”

Medo mulato – Secos & Molhados


RESUMO

O presente estudo tem como foco central a análise da memória dos moradores da

região da Serra do Caparaó em relação ao primeiro movimento de luta armada contra a

ditadura militar imposta após o golpe de 1964 – a Guerrilha de Caparaó. A propaganda

anticomunista amplamente divulgada no país, principalmente na década de 1960, foi

absorvida e reinterpretada pela população a partir do conjunto de elementos que constituíam o

meio cultural em que estava inserida. Assim, o trabalho se propõe a fazer uma análise da

recepção ao anticomunismo, identificando os elementos que aparecem no imaginário

construído em torno do “guerrilheiro comunista”, o medo sentido pelos moradores e a

simpatia que estes desenvolveram em relação aos militares que se deslocaram para a região

com a finalidade de reprimir a Guerrilha.


ABSTRACT

This present research has as its main purpose to analyze the memories from the

common people who used to live in Serra do Caparaó region, where took place the first armed

movement against the military dictatorship established in Brazil after 1964 – The Caparaó

Guerilla. The anticommunist propaganda fully divulgated all over the country, mainly on the

sixties, was absolved and reinterpreted by the people who lived in that region, based on the

elements found on their cultural environment. In this way, this present research intends to

observe how was the anticommunist reception, identifying the elements that came from the

produced image about the communist partisan, the fear that took place inside the ones who

shared those moments and the sympathy that they felt over the soldiers who came to fight

against the revolutionaries.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..............................................................................................12

CAPÍTULO 1 – A GUERRILHA DE CAPARAÓ............................................ 20


1.1 Jango no poder: da crise ao golpe – onde estavam os futuros guerrilheiros
de Caparaó?.................................................................................................... 21
1.2 A articulação via Uruguai – a aproximação com Brizola e o apoio do
governo cubano............................................................................................... 27
1.3 Os guerrilheiros sobem a Serra..................................................................... 33
1.4 O fim antes do início – a queda da Guerrilha.............................................. 38
1.5 O posicionamento político dos guerrilheiros e de Brizola – seriam os
envolvidos “comunistas”?.............................................................................. 49

CAPÍTULO 2 – O ANTICOMUNISMO.......................................................... 56
2.1 As origens do anticomunismo........................................................................ 57
2.2 O imaginário anticomunista.......................................................................... 65
2.3 A evolução do anticomunismo no Brasil....................................................... 76

CAPÍTULO 3 – “TRANQUEM AS PORTAS, FECHEM AS JANELAS: OS


COMUNISTAS ESTÃO CHEGANDO!” – A POPULAÇÃO LOCAL, O MEDO DA
GUERRILHA E A SIMPATIA PELOS MILITARES.......................................... 97
3.1 A memória do medo....................................................................................... 99
3.2 O anticomunismo em regiões próximas ao Parque Nacional do
Caparaó......................................................................................................... 107
3.3 A população local e as imagens do comunismo.......................................... 119
3.4 O medo da Guerrilha – o comunismo bate a porta................................... 127
3.5 Os “Salvadores” – os militares e a conquista da simpatia popular.......... 165

CONCLUSÃO............................................................................................ 189

BIBLIOGRAFIA......................................................................................... 193

IMAGENS ANEXADAS................................................................................202
ABREVIATURA E SIGLAS

4ª RM – 4ª Região Militar

ACISO – Ação Cívico-Social

ADP – Ação Democrática Parlamentar

AI – Ato Institucional

AIB – Ação Integralista Brasileira

AMFNB – Associação dos Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil

ANL – Aliança Nacional Libertadora

AP – Ação Popular

BI – Batalhão de Infantaria

CAMDE – Campanha da Mulher pela Democracia

CENIMAR – Centro de Informações da Marinha

CGT – Comando Geral dos Trabalhadores

CIA – Central Intelligence Agency (Agência Central de Inteligência – Estados Unidos)

CNRC – Comissão Nacional de Repressão ao Comunismo

CUTAL – Central Única dos Trabalhadores da América Latina

DOPS – Departamento de Ordem Política e Social

DSN – Doutrina de Segurança Nacional

ECAS/ 67 – Exercício de Cooperação das Armas e Serviços

ESG – Escola Superior de Guerra

FAB – Força Aérea Brasileira

FMP – Frente de Mobilização Popular

GAP – Grupo de Ação Patriótica


IBAD – Instituto Brasileiro de Ação Democrática

IPES – Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais

LIMDE – Liga da Mulher Democrata

LSN – Lei de Segurança Nacional

MMC – Movimento por um Mundo Cristão

MNR – Movimento Nacionalista Revolucionário

MRT – Movimento Revolucionário Tiradentes

ONU – Organização das Nações Unidas

PAC – Pacto de Ação Conjunta

PC do B – Partido Comunista do Brasil

PCB – Partido Comunista Brasileiro

PMES – Polícia Militar do Espírito Santo

PMMG – Polícia Militar de Minas Gerais

POC – Posto de Operações Conjuntas

POLOP – Política Operária

PSB – Partido Socialista Brasileiro

PTB – Partido Trabalhista Brasileiro

PUA – Pacto de Unidade de Ação

REDETRAL – Resistência Democrática dos Trabalhadores Livres

SNI – Serviço Nacional de Informações

STF – Supremo Tribunal Federal

TSE – Tribunal Superior Eleitoral

TSN – Tribunal de Segurança Nacional

UDN – União Democrática Nacional

URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas


INTRODUÇÃO

Mesmo nos dias atuais, a população da região em torno do Parque Nacional do

Caparaó possui poucas informações sobre o que foi na verdade o movimento guerrilheiro que

se instalou nas proximidades do Pico da Bandeira entre 1966 e 1967. Contudo, a Guerrilha de

Caparaó ainda mexe com a mente dos moradores locais. Lembrar o movimento significa

trazer à tona momentos em que muitos viveram a angústia de serem dominados a qualquer

momento por “perigosos comunistas” que, imaginavam, viriam para escravizá-los, ou mesmo,

matar a todos que habitavam as proximidades.

O medo desenvolvido em relação ao guerrilheiro e a simpatia pelas tropas que se

dirigiram à região, mostram o impacto que toda a propaganda anticomunista, apoiada em uma

série de imagens negativas construídas em torno do comunismo, teve sobre tal tipo de

população. Assim, o presente trabalho busca compreender como populações simples, como

aquela que habitava as redondezas da Serra do Caparaó na década de 1960, absorveram todo o

imaginário criado em torno da figura do comunista. No caso deste estudo, há um aspecto em

particular que deve ser destacado: a região havia realmente abrigado indivíduos que

pretendiam iniciar, a partir dali, um movimento armado como forma de reagir ao regime

militar estabelecido no país. Assim, mesmo existindo dúvidas sobre o real caráter do projeto

guerrilheiro, foi divulgado para os moradores que os homens que rondavam as proximidades

eram “comunistas”, ocasionando em muitos, reações de completo desespero.

A gratidão que tal população nutre em relação aos militares que se deslocaram para a

área também contribui para se compreender a recepção à propaganda anticomunista. Estes

foram vistos como salvadores, aqueles que libertaram o povo de todo o perigo que os supostos

comunistas representavam. Além disso, a ação promovida pela Polícia Militar de Minas
13

Gerais assistindo a população local através de médicos, dentistas, enfermeiros, dentre outras

formas de atendimento, trouxe um sentimento de gratidão, explicitando o grau de pobreza e

isolamento vivido por estes.

Dessa forma, o presente estudo visa captar a Guerrilha que habita a memória

daqueles que a vivenciaram sem entender ao certo todos os acontecimentos ocorridos naquela

época. As representações elaboradas pelos habitantes da região em torno da presença dos

guerrilheiros na Serra servem, inclusive, para se analisar o próprio movimento e levantar

algumas hipóteses para o seu fracasso. Ao mesmo tempo, permite compreender o poder de

penetração da propaganda anticomunista nas camadas mais humildes da população e como o

imaginário desenvolvido em torno dos males que o comunismo representava podia ganhar

características ainda mais distorcidas do que aquelas já propagadas pelos grupos

conservadores comprometidos com o combate a qualquer idéia ou movimento que

representasse a possibilidade de transformação da estrutura social, econômica e política do

país.

A compreensão do funcionamento da memória é complexa. Fatos ocorridos sob forte

carga emocional colaboram para a sua fixação na mente. Entretanto, por mais lúcido e

verídico que um depoimento oral possa parecer, ele nunca será o mesmo e representará os

sentimentos na mesma proporção do momento em que o fato narrado realmente aconteceu. O

medo é, assim, um elemento fundamental que permite emergir facilmente na lembrança

experiências vividas nas quais esta emoção esteve presente. Mas deve-se destacar que, dada a

ação do tempo, o medo narrado no presente nunca corresponderá de fato àquele sentido no

momento do ocorrido.

Ao narrar a Guerrilha, os entrevistados nesta pesquisa o fizeram utilizando-se de

valores atuais para julgá-la. Apoiaram-se em parâmetros do presente para avaliar o ocorrido

no passado. Por mais que falem e demonstrem toda a aflição gerada pela presença de supostos
14

comunistas na Serra do Caparaó, as narrativas nunca corresponderão de fato ao medo que foi

sentido no momento em que a região foi tomada por militares na busca por guerrilheiros. O

depoimento de Welton Ferreira Lima1 é um exemplo disso. O entrevistado, atualmente

aposentado como vigilante bancário e residente na cidade de Caparaó, narra os

acontecimentos da época com muito humor e grandes risadas, demonstrando que, para ele,

todo o medo vivido naquela época não passava de um exagero, fruto da simplicidade da

população local. É facilmente perceptível toda a transformação ocorrida na sua forma de

pensar. Assim, ao falar da Guerrilha, o seu olhar é de uma pessoa que avalia o passado a partir

de valores do presente, somando informações novas que o fizeram narrar a Guerrilha com um

ar de troça.

É claro que a consciência de que o perigo representado pela presença de

guerrilheiros comunistas na Serra do Caparaó seria apenas um exagero não esteve presente em

todos os depoimentos. Ainda assim, mesmo naquelas narrativas nos quais se percebe

apreensões em relação ao período da Guerrilha, não se pode afirmar que suas lembranças

refletiam valores daquela época. Por isso, a importância de se contar com outras fontes nesta

pesquisa – principalmente os jornais do período e os documentos da PMMG sobre a Guerrilha

–, as quais permitiram a análise e a construção de uma interpretação daquilo que foi sentido

pela população local.

Para um melhor desenvolvimento, o trabalho foi dividido em três partes. No

primeiro capítulo, será realizada uma discussão em torno de toda a trama que levou à

organização de um foco guerrilheiro na Serra do Caparaó, identificando os grupos envolvidos,

como estes atuaram no tumultuado governo de João Goulart, os rumos tomados após o golpe

de 1964, os aspectos que levaram a escolha do local, as dificuldades enfrentadas, indo até a

queda prematura do movimento. Na verdade, o primeiro capítulo tem como finalidade trazer

1
Depoimentos concedidos em Caparaó nos dias 29 de janeiro de 2004 e 20 de novembro de 2005.
15

ao leitor um conhecimento geral do que foi a Guerrilha de Caparaó e lançar algumas questões

sobre o caráter comunista ou não do movimento.

O segundo capítulo discute o anticomunismo. Os períodos que antecederam os

golpes do Estado Novo de 1937 e, principalmente, o civil-militar ocorrido em 1964, foram

marcados por uma efervescência de grupos que se notabilizaram pelo empenho em combater

o comunismo. Surgidos no âmbito desta efervescência, também os governos autoritários que

emergiram do rompimento da ordem legal adotaram uma postura repressiva em relação às

idéias revolucionárias. Assim, o capítulo analisará as origens e o conjunto de elementos que

compuseram todo o imaginário anticomunista, os grupos que se destacaram na divulgação de

tal tipo de propaganda e a sua evolução no país. O objetivo é demonstrar o quanto o

anticomunismo foi peça fundamental no processo de disputa política no Brasil e como as

imagens negativas construídas em torno dos revolucionários tiveram um forte poder de

penetração na mente da população.

O terceiro capítulo busca produzir uma outra visão da Guerrilha de Caparaó: a dos

moradores das proximidades da Serra, examinando o imaginário desenvolvido em torno do

“guerrilheiro comunista” e em relação aos militares que se deslocaram para a área com a

finalidade de reprimir o movimento. O medo, elemento com presença constante nos

depoimentos, se torna essencial para a compreensão da Guerrilha que habita a memória da

população estudada. Como o capítulo tem por finalidade reconstituir os momentos de angústia

que tais pessoas viveram com os boatos da presença de guerrilheiros e toda a movimentação

de tropas na região, identificando as causas do medo e os aspectos que proporcionaram a

simpatia em relação aos militares, foi necessário primeiro analisar o próprio modo de vida da

população, ao mesmo tempo em que se procurou compreender a maneira que a propaganda

anticomunista chegava até eles. Assim, o foco central do capítulo consiste em analisar a

recepção ao anticomunismo com o intuito de perceber como o imaginário construído em torno


16

revolucionário foi absorvido pelos habitantes das redondezas da Serra do Caparaó e a reação

despertada em um momento em que se viram ameaçados pela Guerrilha.

A pesquisa priorizou a população que residia no meio rural na década de 1960,

dando ênfase às localidades de Alto Caparaó, Caparaó e a região entre Paraíso e Pedra

Menina, área situada na divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Das três,

somente Caparaó já era cidade. Porém, pelas entrevistas, o seu cotidiano ainda era marcado

pelo ritmo da vida do campo. Além disso, alguns dos depoentes moravam na zona rural do

município na época da Guerrilha. Alto Caparaó constituía naquela época apenas um pequeno

povoado pertencente a Caparaó. A maior parte dos entrevistados, no entanto, morava em

propriedades nos arredores desta localidade. Já no caso de Paraíso e Pedra Menina, o primeiro

possuía algumas casas próximas, formando um povoado com proporções ainda menores que

Alto Caparaó, e o segundo era constituído de poucas residências não muito próximas umas

das outras. O trabalho também faz referência a outras localidades nas proximidades da Serra

do Caparaó, que são citadas nos documentos analisados ou através das entrevistas realizadas.

A princípio, a escolha dos depoentes ocorreu sem que critérios muito rígidos fossem

utilizados. Os primeiros contatos com a população se deram em fins de 2003 e início de 2004,

quando, através de indicações de algumas pessoas conhecidas, havia procurado moradores nas

cidades de Espera Feliz, Manhumirim, Manhuaçu e Alto Caparaó. Por não haver qualquer

pessoa conhecida em Caparaó, os primeiros contatos ali realizados ocorreram de uma forma

um tanto “não convencional”: em uma visita à cidade, procurou-se informações no comércio

local sobre pessoas que viviam na localidade na época da Guerrilha e que seriam de fácil

acesso. Apesar de algumas recusas em se falar sobre o movimento guerrilheiro, os

depoimentos coletados na cidade foram de grande importância no andamento da pesquisa.

Deve-se destacar que a negativa em se falar sobre a Guerrilha não ocorreu somente

em Caparaó. Também em Alto Caparaó algumas pessoas preferiram não dar o seu
17

depoimento. Nestas ocasiões, a conversa fluía bem enquanto se falava do passado do

entrevistado e da localidade onde morava, mas tomava outro rumo ao se mencionar o

movimento armado. Era comum a alegação de que “não se tinha grandes informações sobre a

Guerrilha” e, por isso, preferia-se não falar a respeito, talvez ainda um reflexo da angústia que

atormentou a população.

De acordo com Alberti (2004b, p.25), os contatos realizados pelo pesquisador com

um indivíduo na tentativa de transformá-lo em entrevistado, só ocorrem devido “[...] a busca

de alguma informação e de algum conhecimento que aquele indivíduo detém, e que o próprio

pesquisador – mesmo que muito bem informado e preparado – não detém”. Assim, já nos

primeiros contatos, foi possível verificar aspectos que não se imaginava encontrar na memória

da população, como a simpatia que muitos desenvolveram em relação às tropas. Contudo,

várias das entrevistas realizadas neste período não foram utilizadas na confecção do resultado

final do trabalho. Na coleta inicial de informações, ouviu-se grupos distintos no intuito de

entender como a Guerrilha havia afetado a vida da população da região. Entre os depoentes

deixados de fora das análises, estão civis presos no período acusados de ligação com o grupo

guerrilheiro. Pelos indícios, tais prisões teriam sido ocasionadas por denúncias falsas

realizadas por grupos adversários na política local. Tal aspecto não foi incorporado ao

presente estudo, merecendo uma pesquisa complementar que vise decifrá-lo.

Muitos dos informantes do início dos levantamentos foram novamente contatados

com o desenvolvimento da pesquisa, proporcionando a realização de novas e mais

esclarecedoras entrevistas. Estes ainda indicaram outras pessoas a serem procuradas,

ampliando o leque dos entrevistados. Existiam também pessoas que, ao ficarem sabendo do

trabalho, sugeriram mais nomes a serem procurados. Foi dessa forma que se chegou à região

entre Paraíso e Pedra Menina, área a princípio não incluída no estudo.


18

Mesmo havendo algumas exceções, a maioria dos entrevistados eram proprietários

de terra ou trabalhadores rurais na época da Guerrilha. Poucos ainda permanecem no campo,

tendo se mudado para as cidades nos arredores da Serra. Além do processo de urbanização

crescente que o Brasil passou nas últimas décadas, a própria criação do Parque Nacional do

Caparaó colaborou para que tais pessoas migrassem para as zonas urbanas. Esse é o caso de

Antônio Pereira Leite2, residente atualmente de Alto Caparaó. Antônio morava numa área

conhecida como Vale Verde, hoje integrada ao Parque. Ali, cultivava frutas, criava animais e

ainda conseguia alguns recursos como guia de excursionistas que queriam visitar o Pico da

Bandeira. Com a desapropriação de suas terras, comprou uma casa e mudou-se para a cidade.

Uma das principais limitações com a qual este trabalho esbarra talvez seja não ter

conseguido estudar a fundo a própria história das localidades e a origem da população. Ainda

assim, os depoimentos coletados revelam importantes características da região. A partir dos

relatos dos moradores, tentou-se desenhar as condições vividas na época da Guerrilha. A

compreensão de tais aspectos permite analisar os fatores causadores do medo e da simpatia

pelos militares e identificar todos os elementos que surgem no imaginário construído em

torno do “guerrilheiro comunista”.

Desejava-se, ainda, ampliar o número de pessoas entrevistadas, mas o curto prazo de

tempo para a conclusão do trabalho impossibilitou a realização de novos contatos e de novas

coletas de depoimentos. A leitura de algumas obras após a realização das entrevistas geraram

algumas indagações que, talvez, pudessem ser melhor esclarecidas através de novos contatos

com os depoentes. Esse é o caso do livro de Cândido (2001) que, ao estudar a realidade vivida

pela população caipira no interior do estado de São Paulo e o processo de transformação pela

qual esta passou em meados do século XX, poderia servir de base comparativa e alimentar

2
Depoimentos concedidos em Alto Caparaó nos dias 23 de janeiro de 2004 e 03 de outubro de 2005.
19

uma série de novas perguntas, permitindo um melhor entendimento da complexa estrutura

social existente em Alto Caparaó na época, por exemplo.

Entretanto, mesmo não sendo possível a realização de novas entrevistas, os relatos

que constam nos depoimentos coletados trazem ricas informações, possibilitando a

compreensão do modo de vida dos moradores das redondezas da Serra do Caparaó. Além

disso, fica evidente o impacto que a presença de guerrilheiros na região gerou em grande parte

da população. A Guerrilha de Caparaó é, dessa forma, um marco importante na história destas

pessoas. Mais do que isso, os relatos deixam transparecer a distância existente entre

determinados grupos sociais no Brasil e àqueles que se digladiavam na disputa pelo poder.

Por isso, o trabalho que se desenvolve a partir de agora é mais do que uma simples análise da

Guerrilha de Caparaó na visão dos moradores da região em torno da Serra. É, acima de tudo, a

tentativa de se construir uma história de pessoas comuns, mas não menos importantes do que

aquelas pelas quais a historiografia geralmente se interessa.


Capítulo 1 – A Guerrilha de Caparaó

O Parque Nacional do Caparaó, situado na divisa dos estados de Minas Gerais e

Espírito Santo, distante cerca de 330 km da capital mineira e 225 km da capital capixaba, foi o

palco do primeiro movimento organizado de contestação ao governo militar implantado após

o golpe de 1964. A Guerrilha de Caparaó – como o movimento ficou conhecido – caiu antes

mesmo de entrar em ação. Os homens “barbudos” e “cabeludos” que circulavam nas

redondezas do Pico da Bandeira foram denunciados pela própria população local, sendo

surpreendidos pela Polícia Militar de Minas Gerais entre fins de março e início de abril de

1967.

A grande maioria dos envolvidos no projeto guerrilheiro havia participado de

mobilizações em favor das reformas de base durante o governo de João Goulart. Dos presos

na região da Serra do Caparaó, apenas um era civil. Os outros nove integrantes do movimento

eram militares expurgados das Forças Armadas após o golpe de Estado, a maioria sargentos e

marinheiros. Além destes, outros seis integrantes do Movimento Nacionalista Revolucionário

(MNR), organização responsável pela montagem da Guerrilha, seriam presos nos arredores da

Serra. Vários outros tiveram algum tipo de participação no movimento, principalmente

pessoas exiladas no Uruguai após a queda de Jango.

Há uma carência de pesquisas acerca deste movimento. Ainda assim, este capítulo se

apoiará nos poucos trabalhos referentes à Guerrilha a que se teve acesso, além de contar com

algumas fontes primárias como depoimentos orais de moradores da região, jornais da época e

documentos do DOPS mineiro e da PMMG.


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Para se compreender o episódio, no entanto, é necessário que se realize uma breve

análise do governo Jango, localizando alguns dos personagens que, mais tarde, vieram a se

envolver no projeto guerrilheiro.

1.1 JANGO NO PODER: DA CRISE AO GOLPE – ONDE ESTAVAM OS

FUTUROS GUERILHEIROS DE CAPARAÓ?

A inesperada renúncia de Jânio Quadros ao cargo de presidente da República, em

agosto de 1961, deu início a um dos períodos mais conturbados da história recente do Brasil.

O vice-presidente João Goulart, em viagem oficial à China, foi impedido de assumir a

presidência pelos ministros militares que o acusavam de ser herdeiro político de Getúlio

Vargas e de ter ligações com o comunismo internacional. Dessa forma, para que se cumprisse

o que mandava a Constituição, foi necessária a formação de uma ampla mobilização em favor

da legalidade, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Este

conseguiu o apoio do III Exército para resistir à tentativa de golpe. Por fim, legalistas e

golpistas recuaram em suas posições e Jango assumiu a presidência da República no dia 7 de

setembro, tendo os seus poderes limitados através de uma emenda que instituiu o sistema

parlamentarista de governo.

O presidencialismo viria a ser restituído no país após um plebiscito ocorrido em

janeiro de 1963. De acordo com Gorender (2003, p.49), Jango teria interpretado o resultado

da consulta popular como uma vitória pessoal, quando, na verdade, forças antagônicas

rejeitavam o sistema parlamentarista, principalmente aquelas que já almejavam as próximas

eleições presidenciais, marcadas para 1965. Além disso, o autor ainda levanta a hipótese de
22

que o presidente teria se entendido com frações das classes dominantes, comprometendo-se

em sanear as finanças e brecar o avanço das esquerdas.

O certo é que um amplo movimento popular se organizava e via em João Goulart a

possibilidade de implementação de reformas que viessem transformar a estrutura

socioeconômica do país, as reformas de base1. A recuperação dos plenos poderes

presidenciais após o plebiscito gerava uma maior expectativa de que tais medidas fossem

realmente colocadas em prática. Estudantes, camponeses, operários, trabalhadores do setor

público, graduados das Forças Armadas, entre outros grupos, mobilizavam-se em favor das

reformas.

Goulart, até então, buscava se equilibrar no poder na tentativa de contar com o apoio

tanto dos setores progressistas quanto dos conservadores. Entretanto, as posições se

radicalizaram. As esquerdas, sem esperança que as tão sonhadas reformas ocorressem dentro

da lei, passaram a pressionar o governo, chegando a propor a possibilidade de ruptura com o

sistema legal, o que pode ser percebido no posicionamento de Brizola que passou a defender o

fechamento do Congresso desde a aprovação da emenda parlamentarista: “Ele queria que

Goulart rompesse com o Congresso, assumisse de fato e de direito todos os poderes e se

movesse à margem ou por cima da Constituição, para realizar as reformas de base”

(BANDEIRA, 1983, p.55-56). Ao mesmo tempo, mobilizavam-se também empresários,

integrantes das elites tradicionais, setores da classe média, membros do clero, grupos ligados

a interesses econômicos externos, políticos, jornalistas, enfim, setores diversos contrários às

reformas, que, aliando-se a oficiais das Forças Armadas opositores de Jango, passaram a

tramar a deposição do presidente. Tais setores propagavam que o país caminhava a passos

1
O programa de reformas de base previa: a reforma urbana, voltado para o planejamento do crescimento das
cidades; a reforma bancária, buscando criar um sistema de financiamento das prioridades nacionais; a reforma
tributária, priorizando os impostos diretos, principalmente o imposto de renda progressivo; a reforma eleitoral,
concedendo o voto aos analfabetos; a reforma do estatuto do capital estrangeiro, regulando investimentos
estrangeiros e remessas de lucros para o exterior; a reforma universitária, voltando o ensino e a pesquisa para o
atendimento das necessidades sociais e nacionais; e a principal de todas as reformas, a agrária, tornando mais
justa a distribuição de terras no país (REIS, D.A., 2005, p.24).
23

largos para o comunismo, gerando intranqüilidade em boa parte da população, como será

discutido no segundo capítulo.

Neste contexto de radicalização e já na impossibilidade de negociações, Goulart

optou por se aproximar das massas, passando a adotar um discurso aberto de defesa das

reformas de base. O sinal claro de tal posição foi o comício da Central do Brasil, do dia 13

março de 1964, onde as esquerdas se reuniram para ouvir o presidente e outros líderes, como

Leonel Brizola. Na ocasião, Jango assinou um decreto desapropriando terras improdutivas às

margens de rodovias e ferrovias, indicando assumir o caminho do enfrentamento. Foram

também indícios de tal posicionamento a anistia concedida pelo presidente aos marinheiros

que se rebelaram no dia 25 de março, bem como o seu comparecimento à assembléia de

sargentos no Automóvel Clube do Rio de Janeiro, ocorrida no dia 30 do mesmo mês, um dia

antes do início do movimento que iria depô-lo.

Deve-se destacar que boa parte da alta hierarquia das Forças Armadas já havia se

posicionado contra João Goulart antes mesmo que este chegasse à presidência, a exemplo do

que ocorreu na tentativa de impedi-lo de tomar posse no cargo em 1961. À medida que se

aproximava dos setores populares, Jango não só nutria ainda mais o ódio dos oficiais

contrários a ele, como também empurrava para a oposição muitos que haviam se definido pela

defesa da legalidade constitucional, até mesmo alguns que faziam parte de seu “dispositivo

militar2”. O envolvimento de militares graduados nas mobilizações em defesa das reformas,

principalmente dos sargentos, ampliava o desconforto dos oficiais em relação ao governo, já

que entendiam o ato como uma afronta à disciplina e à hierarquia militar.

No dia 31 de março de 1964, teve início em Juiz de Fora, tendo à frente o general

Olímpio Mourão Filho, o movimento golpista que derrubou Jango no dia seguinte. As forças

2
Jango havia nomeado vários oficiais que, acreditava, eram de sua confiança e defensores da legalidade
constitucional, para ocupar importantes postos de comando nas Forças Armadas, tendo por objetivo brecar
qualquer ação dos oficiais alinhados à trama golpista. O “dispositivo militar”, entretanto, falhou, não havendo
qualquer reação que pudesse conter o golpe em 1964.
24

populares, talvez aguardando um posicionamento de resistência do próprio presidente, não se

mobilizaram. Jango saiu do Brasil exilando-se no Uruguai. Assim, as forças conservadoras

civis e militares que tramaram o golpe saíram vitoriosas, jogando o país em uma ditadura de

21 anos.

Como o objetivo deste capítulo é analisar todo o processo que levou à organização

do projeto de luta armada na Serra do Caparaó, fica aqui a indagação: de que forma os atores

envolvidos com a Guerrilha teriam atuado no tumultuado período em que João Goulart esteve

no poder? A maioria dos guerrilheiros vinha do meio militar. Eram quadros subalternos que

foram expulsos das Forças Armadas logo após o golpe de Estado. Como mencionado

anteriormente, durante a década de 1960, estes grupos participaram ativamente das

manifestações em prol das reformas de base. Além disso, as mobilizações tinham também um

caráter de defesa de interesses corporativos.

Segundo José Wilson da Silva (1987, p.25-26), a democratização política do pós-

1945 no Brasil teria trazido alguns benefícios para os sargentos, proporcionando um

sentimento de unidade. Entretanto, continuavam discriminados, em condições de extrema

inferioridade em relação aos oficiais, mesmo os aspirantes3.

Mas somente na década de 1960, os subalternos iriam se envolver de fato em

mobilizações que incomodariam à alta hierarquia das Forças Armadas. Tudo teria se iniciado

na tentativa golpista de barrar a posse de João Goulart na presidência da República. Sargentos

teriam se colocado a favor da legalidade constitucional, em oposição aos oficiais golpistas. “A

partir daí, o processo de politização dos sargentos das três Armas se torna manifesto. Falam

em público de reivindicações profissionais e do seu apoio ao movimento nacionalista, sem

preocupação com os regulamentos disciplinares” (GORENDER, 2003, p.53). A politização

3
O autor cita como benefícios conseguidos pelos sargentos as leis que permitiam o acesso ao oficialato através
de cursos exteriores às academias, estabilidade aos 10 anos de serviço e equivalência de cursos militares ao
secundário normal (SILVA, 1987, p.25-26).
25

alcançou também os sargentos das Polícias Militares de alguns estados e os marinheiros e

fuzileiros navais.

Entre as reivindicações profissionais defendidas pelos sargentos, estava a questão da

inelegibilidade dos graduados das Forças Armadas. Em documento intitulado “Perguntas que

os sargentos fazem ao povo”, datado de janeiro de 1963 e direcionado à população, os

sargentos indagavam sobre os motivos que os impediam de ter representantes no Congresso e

nas Assembléias, referindo-se a decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que os

tornava inelegíveis: “Haverá Forças Ocultas atrás de tudo isso?” (SILVA, 1987, p.69).

Um outro manifesto, de agosto de 1963, assinado pelo sargento Salvador de Souza e

tendo o também o título “Perguntas que os sargentos fazem ao povo”, segue a mesma linha

do anterior. Porém, o seu conteúdo demonstrava mais abertamente o descontentamento dos

subalternos em relação aos oficiais das Forças Armadas: “Se os Tenentes, Capitães e

Generais podem ser Deputados, porque os Sargentos não podem, se a Constituição determina

que: Todos são iguais perante a Lei?” (KUPERMAN, 1992, p.287). Mais à frente, o

manifesto indagava se “forças ocultas” não estariam tramando um golpe contra as liberdades

democráticas e adverte àqueles que dele participavam:

[...] quando a ameaça de um golpe tentar concretizar-se no país, aí então


iniciaremos a nossa marcha, e o rufar de nossos tambores confundir-se-á
com o martelar das oficinas, e a canção de nossa luta será inspirada no
chôro desesperado das crianças famintas do Nordeste.
Aí então, estalando no ar nossos chicotes, como autênticos domadores a
serviço do povo, faremos retornarem às jaulas os gorilas que teimam em
continuar às sôltas.
– GORILAS DE TODOS OS TIPOS... –
Vamos aguardar confiantes a decisão que o Supremo Tribunal Federal
tomará nestes dias de AGOSTO4.

Diante da negativa do STF, sargentos da Aeronáutica e Marinha se sublevaram em

Brasília no dia 12 de setembro de 1963. O levante foi logo dominado, havendo a prisão de

4
Grafia mantida como no original.
26

centenas de subalternos5. Contudo, o movimento alarmou ainda mais os altos escalões das

Forças Armadas.

Como todos os demais movimentos de origem popular, os militares de baixa patente

também caminharam rumo à radicalização e ao enfrentamento em favor das reformas. A frase

proferida pelo subtenente Jelcy Rodrigues Corrêa6, futuro guerrilheiro em Caparaó, no

período de maior efervescência do governo Jango, dava o tom da rebeldia entre os

subalternos: “Se os reacionários não permitem as reformas, usaremos, para realizá-las, nosso

instrumento de trabalho: o fuzil” (BANDEIRA, 1983, p.104).

Outro futuro guerrilheiro, Avelino Bioen Capitani, era membro da Associação dos

Marinheiros e Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB), tendo participado ativamente da

rebelião dos marinheiros em 25 de março de 1964, episódio que contribuiu para aumentar o

desgaste de Jango junto aos generais golpistas (CAPITANI, 1997).

Brizola tinha grande influência entre as baixas patentes das Forças Armadas.

Quando este liderou a formação da Frente de Mobilização Popular (FMP), movimento que

reunia as principais organizações de esquerda que defendiam as reformas de base, contou com

a adesão dos sargentos, marinheiros e fuzileiros navais através de suas associações:

A penetração da FMP entre os subalternos das Forças Armadas era algo


sem precedentes. Cálculos sugerem que, dos 40 mil sargentos na ativa, 22
mil eram brizolistas. Leonel Brizola, ao falar na televisão, muitas vezes
aparecia com dois fuzileiros navais, empunhando seus fuzis, um de cada
lado do líder (FERREIRA, 2004, p.43).

Assim, os envolvidos no projeto de luta armada na Serra do Caparaó tiveram intensa

participação nas mobilizações pró-reformas durante o governo Jango. A maioria foi expulsa

das Forças Armadas após a deposição do presidente com as edições dos Atos Institucionais no

5
Gorender (2003, p.62) afirma serem cerca de seiscentos o número de presos por envolvimento no levante.
6
Nos documentos e bibliografia analisados neste trabalho, foram encontradas grafias diferentes para o nome de
Jelcy. Bandeira (1983, p.104) grafou-o como “Gelcy”. Em sua ficha encontrada no DOPS/ MG existem três
grafias diferentes: “Jelcy”, “Gelci” e “Gelsi”.
27

1 e no 2. Alguns chegaram a ser condenados à prisão logo após o golpe, acusados de

subversão, como o próprio comandante da Guerrilha, o ex-sargento Amadeu Felipe da Luz

Ferreira. Segundo ele, os sargentos foram as primeiras vítimas do golpe de 1964: “Os

sargentos são os inimigos dos generais, né. Era assim que eles nos enxergavam”

(CAPARAÓ, 2006).

Os civis que participaram de toda a trama da Guerrilha também tiveram algum tipo

de atuação nos movimentos em favor das reformas durante o governo Goulart. Em geral, eram

membros de organizações de esquerda ou políticos nacionalistas próximos a Leonel Brizola7.

Muitos haviam se exilado no Uruguai junto com o ex-governador, de onde tentavam

arquitetar uma reação ao golpe imposto em 1964. Caparaó seria uma das alternativas de luta.

1.2 A ARTICULAÇÃO VIA URUGUAI – A APROXIMAÇÃO COM

BRIZOLA E O APOIO DO GOVERNO CUBANO

Leonel Brizola aparecia como a maior referência para os grupos progressistas do

país não alinhados ao Partido Comunista Brasileiro. Ganhou grande prestígio nacional após a

iniciativa de resistir, a partir do Rio Grande do Sul, à tentativa golpista de não empossar João

Goulart na presidência da República em 1961. No quadro de radicalização durante o governo

Jango, Brizola assumiu uma posição de confronto direto com as forças conservadoras.

Influenciados pelos rumos tomados pela Revolução Cubana, nacionalistas chegaram a

alimentar “[...] a expectativa de que Leonel Brizola poderia se tornar um Fidel Castro

7
De acordo com Avelino Capitani (1997, p.100), o MNR teria como forças principais Brizola e os grupos dos
sargentos e marinheiros, mas contaria com o apoio também da Política Operária (POLOP), Partido Socialista
Brasileiro e Ala Vermelha.
28

brasileiro” (REIS, D.A.,1999). Até mesmo o líder comunista Luiz Carlos Prestes teria dado

declarações neste sentido (FERREIRA, 2004, p.44). Percebendo toda a trama dos grupos

conservadores em barrar a ampla mobilização dos setores populares em defesa das reformas,

o ex-governador gaúcho defendeu a organização de milícias armadas por todo o país,

pequenas células independentes contando com apenas onze homens. Estas células, os “grupos

de 11”, entrariam em ação assim que os golpistas tentassem tomar o poder.

Ao contrário do que imaginava Brizola, com o advento do golpe nenhuma ação

considerável foi efetuada: “A rigor, os adeptos de Brizola limitaram-se, através das ondas da

Rádio Mayrink Veiga, a conclamar o povo a lutar contra os ‘gorilas’” (TOLEDO, 1994,

p.113). O ex-governador ainda tentou articular a resistência a partir de seu estado, o Rio

Grande do Sul. Imaginava contar com a adesão de João Goulart, instalando o governo em

Porto Alegre e iniciando um contragolpe. Jango, porém, preferiu não resistir e foi para o

exílio no Uruguai. Na impossibilidade de uma reação que realmente fizesse frente ao golpe,

Brizola seguiria o mesmo caminho que Jango pouco tempo depois.

Entretanto, mesmo exilado, o ex-governador buscou manter contatos com grupos

que permaneceram no Brasil e que estavam dispostos a um contragolpe. Tinha a intenção de

organizar vários levantes, o que poderia influenciar outros grupos espalhados por todo o país a

repetirem a ação, desorientando e minando o governo militar. Na verdade, alguns exilados já

planejavam ações a partir do Rio Grande do Sul, antes mesmo que Brizola tivesse chegado ao

Uruguai (SILVA, 1987, p.141). Porém, com a sua presença no país, todos aqueles

interessados numa reação armada contra os golpistas passaram a gravitar ao seu redor.

Um dos grupos que Brizola contava para dar início a uma reação contra o governo

militar era justamente o de sargentos coordenados por Amadeu Felipe da Luz Ferreira, Jelcy

Rodrigues Corrêa e Araken Vaz Galvão, que vieram integrar o projeto guerrilheiro de

Caparaó. Segundo José Wilson da Silva (1987, p.158), ex-tenente do Exército e membro do
29

comando montado por Brizola no Uruguai, o grupo era formado por 21 militares de baixa

patente cassados e que foram deslocados do Rio de Janeiro para Porto Alegre para tomarem

parte da resistência. Amadeu confirma o envio de homens para o Sul, mas em número maior:

entre 60 e 70 pessoas (CAPARAÓ, 2006). Araken afirma que o grupo havia entrado em

acordo com Brizola no sentido de participar do movimento pensado por este para o Rio

Grande do Sul e, em troca, receberiam recursos para a montagem de uma frente guerrilheira

(CAPARAÓ, 2006). De acordo com Amadeu Felipe, os subalternos presos após o golpe já

discutiam a possibilidade de uma guerrilha rural ainda dentro da prisão.

Mas deve-se destacar que Brizola, pelo menos a princípio, rejeitava a teoria do foco

guerrilheiro. Considerava a possibilidade de levantes populares mais eficaz do que uma luta

de guerrilhas prolongada, como será analisado mais à frente. Contudo, à medida que seus

planos de contragolpe foram se esvaindo sem ao menos terem entrado em ação, o ex-

governador não teve outra saída a não ser apostar todas as suas fichas na implantação de

guerrilhas.

Brizola já contava neste momento com o apoio de Cuba. Fidel Castro imaginava

poder exportar a revolução para toda a América Latina. A própria esquerda dos países do

continente viveram na década de 1960 uma grande euforia com a vitória dos guerrilheiros que

derrubaram a ditadura de Fulgêncio Batista na pequena ilha caribenha, tão próxima do todo

poderoso Estados Unidos:

A revolução cubana era tudo: romance, heroísmo nas montanhas, ex-líderes


estudantis com a desprendida generosidade de sua juventude – os mais
velhos mal tinham passado dos trinta –, um povo exultante, num paraíso
turístico tropical pulsando com ritmos de rumba. E o que era mais: podia ser
saudada por toda a esquerda revolucionária (HOBSBAWM, 1995, p.427).

No Brasil, Fidel tentara implantar um embrião revolucionário antes mesmo do golpe

de 1964. Acreditava no potencial das Ligas Camponesas. Dessa forma, foram compradas
30

fazendas para a organização de campos de treinamento guerrilheiro com o apoio do governo

cubano. Integrantes das Ligas receberam instruções de guerrilha na ilha caribenha para poder

repassá-las nos campos aqui do Brasil. Estavam à frente da proposta de luta revolucionária

dissidentes do PCB que discordavam da via conciliatória adotada pelo partido no período. Em

fins de 1962, entretanto, seria descoberto um campo em formação no estado de Goiás,

havendo a prisão de alguns militantes. Com isso, a facção comprometida com a luta de

guerrilhas optou por desmobilizar os demais campos remanescentes (ROLLEMBERG, 2001,

p.21-26). Uma outra organização teria contado com o apoio de Fidel ainda no governo Jango.

O Movimento Revolucionário Tiradentes imaginava implantar guerrilhas em sete estados

brasileiros, mas foi logo desbaratado (GASPARI, 2002, p.179).

Cuba, contudo, não havia desistido de alimentar um movimento revolucionário no

Brasil. Neste contexto, como afirma Gaspari (2002, p.181), “[...] saía do baralho uma nova

carta: Leonel Brizola”. De acordo com o autor, já antes do golpe, o embaixador cubano no

Rio de Janeiro acreditava ser o ex-governador o mais credenciado para liderar uma revolução

“[...] à lá Castro no Brasil” (2002, p.181).

No exílio, Brizola necessitava juntar o máximo de forças para iniciar um contra-

ataque aos golpistas. A ajuda internacional de Cuba seria, dessa forma, essencial para os seus

planos. Ao que tudo indica, o sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, também exilado no

Uruguai, teria sido o representante de Brizola nos acertos com o governo cubano8. Porém, de

acordo com José Wilson da Silva (1987, p.202), as informações que chegaram a ele levam a

crer que um deputado uruguaio, Ariel Collazo, seria o responsável pelo primeiro contato.

Flávio Tavares afirma que “[...] o apoio de Cuba é anterior à idéia da Guerrilha. É

ainda para a fase da conspiração dos quartéis” (CAPARAÓ, 2006). Porém, como Brizola

8
Gaspari (2002, p.182) afirma que Betinho teria levado uma carta de Brizola à Fidel Castro e acertou com o
comandante Manuel Piñeiro Losada as bases para o treinamento guerrilheiro na ilha. Flávio Tavares
(CAPARAÓ, 2006) também afirma que Betinho teria sido a primeira pessoa enviada à Cuba em nome de Brizola
para acertar o apoio.
31

não conseguiu colocar em prática seus planos de levantes a partir do Rio Grande do Sul,

aderiu ao projeto guerrilheiro. Imaginava, assim, implantar três focos: um na Serra do

Caparaó; outro em Mato Grosso, em região fronteiriça com a Bolívia; e um terceiro na divisa

dos estados de Goiás e Maranhão9.

Assim, o apoio cubano à tentativa de luta armada comandada por Leonel Brizola

teria ocorrido de duas formas: envio de dinheiro e treinamento guerrilheiro. Quanto à primeira

forma, existem poucas informações referentes a valores e ao uso dado aos recursos. Segundo

José Wilson da Silva (1987, p.202-203), Fidel teria enviado duas remessas no valor de 500

mil dólares. A primeira foi dividida em três partes iguais e destinadas a Jango, Darcy Ribeiro

e Brizola. A parte que coube ao último seria gasta com a manutenção de exilados, ajuda às

famílias de companheiros de luta e deslocamento de homens que arquitetavam o levante. A

segunda remessa seria totalmente destinada ao planejamento de ações armadas, ficando todo o

montante sob a administração de Brizola. Parte dela teria sido gasta na estruturação da

operação na Serra do Caparaó. José Wilson ainda afirma que Fidel teria se disposto a fornecer

quatro mil toneladas de açúcar para o grupo do ex-governador vender no mercado europeu,

mas na impossibilidade de realizar tal negócio, esse tipo de ajuda não se concretizou.

Dessa forma, se torna difícil, até mesmo para os envolvidos com a Guerrilha,

estabelecer com exatidão os valores gastos com o foco de Caparaó. Brizola nunca teria

prestado conta do dinheiro aos militantes ou ao governo cubano (ROLLEMBERG, 2001,

p.31). Amadeu Felipe afirma que o ex-governador não falhava nos compromissos, porém, o

envio de dinheiro “[...] sempre foi muito a conta-gotas. Ele mandava esse dinheiro, de vez em

quando, pra nós em torno de 5 mil dólares. Olha, no máximo, no máximo que pode ter sido

gasto conosco, né, 70 à 75 mil dólares” (CAPARAÓ, 2006). Bayard Demaria Boiteux (1998,

p.105), um dos membros do MNR que davam suporte aos guerrilheiros de Caparaó a partir da

9
A área do estado Goiás onde foi projetado o foco compõe atualmente o estado do Tocantins. Segundo Flávio
Tavares (1999, p.191), esse foco seria levado mais para o norte, concentrando-se nas regiões de Imperatriz, no
Maranhão, e de Marabá, já no estado do Pará.
32

cidade do Rio de Janeiro, afirma que o movimento não teria contado somente com dinheiro

proveniente de Cuba, mas também de pessoas que ele define como “patriotas brasileiros”.

Já o treinamento guerrilheiro ocorria em terras cubanas. Gaspari (2002, p.190)

afirma que, de acordo com um documento classificado como confidencial do Centro de

Informações da Marinha (CENIMAR), Brizola teria enviado 26 homens para a ilha. Destes,

três foram para a Serra do Caparaó: os ex-marinheiros Avelino Bioen Capitani e Amaranto

Jorge Rodrigues Moreira, e o ex-sargento Edval Augusto de Melo. Um outro integrante do

MNR com treinamento em Cuba também seria preso na região, o civil Hermes Machado

Neto10. Capitani (1997, p.99) descreve o treinamento da seguinte forma:

O curso durou cinco meses. Tivemos aulas teóricas na cidade e depois


fomos praticar nas montanhas. Voltamos à cidade e fomos separados em
dois grupos para estudar mais teoria de guerrilha urbana e rural. O curso
dava algumas noções sobre armamentos, explosivos, minas e bombas.

Flávio Tavares (1999, p.177-178) demonstra o quanto o treinamento em Cuba era

sobre-valorizado. Num encontro com Leonel Brizola no Uruguai, o ex-governador teria lhe

falado sobre a proposta de estruturação dos focos guerrilheiros: “Nesse quadro, ele me

apresentou aqueles dois moços recém-chegados ‘da ilha’, tão bem treinados que já não eram

gente, ‘mas bichos como macacos, que ficam uma semana em cima de uma árvore,

escondidos’”. Tavares, avaliando a tentativa de implantação do foco guerrilheiro no norte do

país, afirma que os militantes treinados em Cuba eram revestidos de uma “[...] aura mística

de salvadores [...]”, mas, na verdade,

[...] desconheciam tudo o que um camponês sabe do mato, da terra, da lua


ou da vida.

10
Após a descoberta da prisão dos dois primeiros guerrilheiros na Serra do Caparaó em março de 1967, Hermes
e outros 5 integrantes do MNR foram para a região na tentativa de resgatar os possíveis remanescentes do
movimento. Acabariam todos presos pela Polícia Militar de Minas Gerais, como será visto adiante.
33

Uma guerrilha rural tinha de ser rural, mimetizar-se com a população e ser o
próprio povo da terra. O treinamento em Cuba, porém, era ideológico-
militar e eles voltavam ao Brasil com uma visão caolha da realidade
(TAVARES, 1999, p.192).

Apesar de toda a articulação no sentido de estruturar os três focos guerrilheiros,

somente o da Serra do Caparaó chegou a ter um trabalho mais avançado. Ainda assim, os

militantes deslocados para a região seriam presos antes de entrarem em ação. Com a queda do

grupo e a falta de recursos, o comando do MNR desmobilizou os outros dois focos.

1.3 OS GUERRILHEIROS SOBEM A SERRA

A Serra do Caparaó não era a primeira opção do grupo de Amadeu Felipe para a

implantação da guerrilha rural. Pensou-se em instalar o movimento na região Sul do país. A

prisão do ex-sargento Araken Vaz Galvão, após um conturbado episódio em que levou um

tiro da própria mulher, e a morte de um dos líderes do projeto, o também ex-sargento Manoel

Raimundo Soares, colaboraram para o aborto de uma tentativa de ação a partir do Rio Grande

do Sul. Como alternativa, o grupo tentou estruturar um foco guerrilheiro nas proximidades de

Criciúma, Santa Catarina. Chegaram a comprar uma propriedade na região, sendo enviado

para o local o ex-subtenente Jelcy Rodrigues Corrêa, acompanhado de um irmão e da

cunhada. A segunda tentativa também foi abortada por terem sido presos ao serem

confundidos com ladrões de banco.

A escolha da Serra do Caparaó se daria após o fracasso das duas primeiras

tentativas. Na verdade, uma outra organização já havia realizado um levantamento do local

para a implantação de guerrilhas. Foi através de contatos com a POLOP que o grupo de
34

Amadeu Felipe optou pela região. Anivanir de Souza Leite, também sargento expurgado das

Forças Armadas após o golpe e natural de Manhumirim, município às bordas da Serra, teria

sugerido a ele o referido local. Segundo Amadeu, a escolha da área se deu por não haver

grandes corporações militares na região e pela proximidade com Rio de Janeiro e São Paulo,

permitindo o contato com a parte do MNR responsável pelo apoio à Guerrilha a partir das

cidades (CAPARAÓ, 2006).

O primeiro passo para a implantação do movimento guerrilheiro foi a compra de um

sítio nas redondezas da Serra, pertencente à família de Anivanir. Lá se instalaram os primeiros

homens, iniciando a criação de cabras (COSTA, 2004) e a transferência de todo o material

que seria utilizado no Sul, inclusive armas. Teriam sido enviados para a região em torno 2,5

toneladas de equipamentos. O civil Milton Soares de Castro, responsável por uma das viagens

para o transporte do material, permaneceu no sítio para dar início à montagem da Guerrilha

(CAPARAÓ, 2006).

O envio de pessoal só passou a ocorrer após a estruturação do movimento. No

entanto, existem informações divergentes quanto ao número total de homens que teriam

subido a Serra. Segundo Costa, “[...] o grupo chegara a ter pouco mais de duas dezenas no

auge da empolgação” (COSTA, 2004). Amadeu Felipe afirma que os integrantes do

movimento teriam se deslocado para as proximidades do Parque Nacional aos poucos,

inteirando um total de 17 pessoas quando se iniciaram as movimentações pela região

(CAPARAÓ, 2006). Porém, no interrogatório realizado pelo 11º Batalhão de Infantaria da

PMMG após a sua prisão, o comandante guerrilheiro afirmou que teria subido a Serra com 14

homens e, depois, teria buscado na cidade mais 2, somando, assim, 16 pessoas11. Já

Rollemberg (2001, p.34) afirma que 14 homens teriam dado início ao treinamento

11
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
35

guerrilheiro, número que coincide com as informações existentes no diário de campanha dos

guerrilheiros12.

O início das movimentações no interior do Parque Nacional teria se iniciado em fins

de novembro de 1966. Em reunião no alto da Serra no dia 26 daquele mês, Alexandre,

codinome de Amadeu Felipe, foi eleito por unanimidade para ser o comandante da frente

guerrilheira13. Afirmaria ele aos demais que “[...] a guerra de guerrilhas é o caminho mais

curto para a ascensão do povo ao lugar que lhe é devido, hoje ocupado por uma seia de

militares e títeres por imposição do imperialismo ianque14”.

O diário de campanha, que teria sido escrito pelo ex-marinheiro Amaranto Jorge

Rodrigues Moreira (REBELLO, 1980, p.75), demonstra as dificuldades de adaptação dos

guerrilheiros à vida no campo, às condições do terreno e ao clima frio e úmido. Mas, nos

primeiros dias de deslocamento pela Serra, os relatos são de camaradagem mútua e otimismo

entre o grupo. Num dado trecho do diário, afirma-se ter razão os teóricos sobre guerrilhas que

defendiam que os combatentes fossem homens da região, acostumados com o cotidiano e as

dificuldades naturais. Contudo, o sofrimento da preparação do movimento é amenizado por

imaginarem que o inimigo o sentiria bem mais: “[...] consola-nos saber que o inimigo

também sofrerá, quiçás com maior intensidade por estar desprovido deste agasalho que

possuímos e que se chama consciência15”.

No período de reconhecimento e adaptação ao local, os guerrilheiros se

locomoveram e acamparam em várias partes da Serra. Numa marcha noturna, ocorrida em 17

de dezembro de 1966, o registro no diário de campanha é que ainda não estavam preparados

para a ação. Como fonte de energia para agüentar a marcha, teriam cada um consumido uma

12
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. Consta entre os documentos do
arquivo uma cópia datilografada do diário de campanha dos guerrilheiros.
13
Diário de campanha dos guerrilheiros/ Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da
PMMG.
14
Idem.
15
Idem.
36

colher de leite condensado16. Na etapa de preparação, teriam também enterrado armas na

região que, suspeita-se, ainda permanecem no subsolo em algum ponto da Serra.

De acordo com os documentos da PMMG, os acampamentos encontrados possuíam

três entradas. Duas delas eram falsas, levando a barrancos de onde os guerrilheiros poderiam

avistar e dominar qualquer intruso. O lixo produzido ali era enterrado em buracos fundos,

onde os guerrilheiros defecavam por cima, segundo o relatório da Polícia Mineira, com o

objetivo de provocar nojo17. De acordo com o diário de campanha, as latas de conservas eram

enterradas para serem reaproveitadas no futuro na confecção de bombas e minas18.

Os relatos dos guerrilheiros sobre o período em que permaneceram no alto da Serra

são de momentos difíceis, tendo, inclusive, passado fome:

A fome provocava a criatividade na procura de soluções. Num momento, eu


tive que fazer bodoques para caçar tico-tico. Geralmente, comíamos os ovos
dos passarinhos e, em uma ocasião, a fome era tanta que tivemos que comê-
los já com filhotes em formação. Após dois dias sem comer, entramos numa
capoeira e descobrimos batatinhas, que eram a comida de ratos.
– Se os bichos comem, a gente pode comer também.
Fizemos uma grande sopa com água, sal e batatinhas. A dor de barriga foi
geral, mas pelo menos tínhamos matado a fome. Outra vez, foram pêssegos.
Descobrimos uma pequena área com pêssegos e colhemos durante a noite.
Também nos fizeram mal. Tínhamos uma arma 22 silenciosa, e a festa era
grande quando caçávamos um jacu. Era sagrado. Durava dois ou três dias,
porque era usado só para temperar o arroz (CAPITANI, 1997, p.104-105).

Na verdade, o abastecimento seria um dos principais problemas enfrentados. Os

guerrilheiros necessitavam realizar visitas periódicas as cidades e povoados para adquirirem

os produtos necessários para a sobrevivência no interior do Parque Nacional, como afirma

Amadeu Felipe:

16
Diário de campanha dos guerrilheiros/ Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da
PMMG.
17
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
18
Idem.
37

Nós nunca conseguimos a auto-suficiência na Serra. A cidade é que nos


reabastecia, a cada 15 dias, 20 dias, levava um mantimento. E nós íamos
buscar os mantimentos em pontos distintos. Então, aí surgiu a necessidade
de fazer com que esse reabastecimento fosse mais próximo. Então a idéia
foi montar um armazém comercial, normal, com o pai do Dornelas, Seu
Celso, tomando conta (CAPARAÓ, 2006).

Dessa forma, o MNR providenciou a montagem de um armazém na cidade capixaba

de Guaçuí. O “Seu Celso” mencionado por Amadeu Felipe era o pai de Daltro Dornelas,

guerrilheiro que abandonou a Serra antes da queda do movimento. Daltro e Celso Dornelas

nunca foram presos por envolvimento com a Guerrilha. O armazém ainda funcionaria por

algum tempo depois de ocorrida as prisões (REBELLO, 1980, p.113).

Entre o material encontrado com o grupo após a sua prisão, havia anotações com

informações sobre as cidades e distritos da região em torno do Parque Nacional do Caparaó,

entre elas Presidente Soares19, Espera Feliz, Guaçuí, Carangola, Ibitirama e outras. O

levantamento trazia dados sobre o número de policiais existentes em cada uma destas

localidades, bancos, escolas, igrejas, etc. Em alguns casos, havia também observações sobre

políticos locais.

De acordo com Rebello (1980, p.69-70), apoiado em informações dadas por Amadeu

de Almeida de Rocha, integrante da base do MNR instalada no Rio de Janeiro, existia um

plano de invadir uma cidade da região, tomando uma estação de rádio para leitura de um

manifesto de lançamento da luta armada. Amadeu Felipe e Araken confirmam a intenção de

realizar tal tipo de ação. Entretanto, Presidente Soares, a cidade escolhida segundo estes, não

possui emissora de rádio até os dias atuais:

Ocuparíamos a cidade, né, prenderíamos lá a tropa que tivesse lá, tomaria as


armas, fazia lá uns discursos e tal e voltava para esperar eles nos atacar. O
princípio básico da guerrilha é quando o inimigo ataca, você recua; quando

19
Após uma consulta popular ocorrida na década de 1990, a cidade mineira alterou seu nome para Alto
Jequitibá.
38

ele pára, você fustiga; e quando ele recua, você ataca. Esse é o princípio
básico, o ABC da guerrilha de Mao Tse-Tung20 (CAPARAÓ, 2006).

Avelino Capitani (1997, p.110) também relata o plano de ataque a uma cidade da

região, segundo ele, “[...] provavelmente Caparaó Novo21”. O grupo ainda imaginava realizar

outras ações em rodovias e ferrovias próximas à Serra do Caparaó, tentando chamar a atenção

do país para o movimento e possibilitando uma resposta nas cidades. O projeto guerrilheiro,

contudo, cairia antes de ser realizada qualquer operação neste sentido e de qualquer trabalho

político com a população local.

1.4 O FIM ANTES DO INÍCIO – A QUEDA DA GUERRILHA

Entre fins do mês de março e início de abril de 1967, o foco guerrilheiro de Caparaó

seria desbaratado pela Polícia Militar de Minas Gerais. De acordo com Gaspari, ainda em

novembro de 1966, a seção de informações do I Exército havia encontrado indícios no Rio de

Janeiro de que uma guerrilha estaria sendo estruturada na região. Em fevereiro do ano

seguinte, o chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), o general Golbery do Couto e

Silva, teria entregado ao presidente Castello Branco um relatório sobre a tentativa de ação

guerrilheira e a sua ligação com o grupo de exilados no Uruguai e com Cuba (GASPARI,

2002, p.204-205).

Entretanto, outras fontes levam a crer que a própria população local teria sido a

maior responsável pelas denúncias da presença de estranhos na região, ocasionando a prisão

20
Depoimento de Araken Vaz Galvão.
21
A cidade Caparaó é regionalmente conhecida por “Caparaó Novo”, enquanto Alto Caparaó, emancipada desta
nos anos 90, é conhecida por “Caparaó Velho”.
39

dos guerrilheiros. Os desconhecidos “barbudos” e “cabeludos”, que se vestiam diferente do

restante dos moradores, evitavam contatos e andavam armados pelo interior do Parque

Nacional, alarmaram os camponeses residentes na área. Temerosos quanto à presença dos

estranhos, os moradores contataram o 11º BI da PM Mineira, sediado no município de

Manhuaçu. O comandante do Batalhão, coronel Jacinto Franco do Amaral Melo, afirma que

obteve as informações da própria população que havia avistado os homens “cabeludos” e

“barbados”, e enviou uma diligência comandada por um oficial com 12 soldados

(CAPARAÓ, 2006). Ele relataria à imprensa da época que as primeiras notícias de estranhos

nas redondezas da Serra do Caparaó chegaram até a corporação ainda em novembro de

196622. O sargento Sebastião Rocha dos Santos, que fazia parte do grupo enviado à área para

investigar a presença de estranhos, confirma que o 11º BI obteve as informações através de

pessoas da própria região:

É, essa informação chegou através de informes, né. Informações de pessoas


residentes na região, alguns camponeses que moravam no Alto Caparaó e
que vinham a Manhuaçu procurar um médico, fazer um tratamento de
saúde, né. Então surgiam comentários nos pontos de táxi, barbearias,
rodoviária, onde ficam aglomerações de pessoas, né. E por ali nós fomos
colhendo as informações e levamos ao conhecimento de nosso comandante
na época. Então, nosso comandante determinou, assim, diligências para a
gente ir lá, entrar em contato com os camponeses da região, colher
informações, fazer um levantamento para apurar aquele comentário que
chegou até Manhuaçu23.

No relatório da 4ª Região Militar, datado de 03 de abril de 1967, afirma-se que em

novembro de 1966 os órgãos militares teriam recebido informes sobre estranhos que

circulavam pela Serra do Caparaó, sem especificar a fonte. A corporação teria enviado para lá

um “grupo de excursionistas”, contando com o apoio do 11º BI da PMMG, confirmando as

22
“A prisão do ex-subtenente Gelci deu pista para a grande caçada”. O Globo, 04/04/1967, p.10.
23
Depoimento concedido no município de Martins Soares no dia 30 de janeiro de 2004. O sargento Rocha, à
época ainda cabo, trabalhava no serviço de inteligência do 11º BI da PMMG.
40

informações24. De acordo com o sargento Rocha, entre o início dos levantamentos até a prisão

dos guerrilheiros, demorou-se “[...] uns três a quatro meses25”.

Alguns dos moradores da região entrevistados nesta pesquisa confirmam ter entrado

em contato com a PM ou com outras autoridades regionais para denunciarem a presença de

estranhos no alto da Serra. O medo da população e as denúncias realizadas à Polícia serão

discutidos mais profundamente no 3º capítulo.

O primeiro documento encontrado no arquivo da PMMG sobre as investigações

realizadas pelo serviço de inteligência26 do 11º BI data de 28 de fevereiro de 1967. Trata-se de

um relatório sobre as ações realizadas até então e os vestígios encontrados. Nele, um

informante leva os agentes da PM até uma casa na localidade do Príncipe, situada,

provavelmente, no sítio que havia sido adquirido pelo MNR para dar início ao projeto de

implantação do foco guerrilheiro. Lá foram encontradas pilhas, antenas de rádio, café solúvel,

maços de cigarro e óleo derramado pelo assoalho. De acordo com o informante, a casa teria

sido arrendada por Anivanir de Souza Leite ainda em 1965, só sendo ocupada após uns 10

meses por um parente seu. Depois, um certo “Pedro” passou a morar no local. De acordo com

o documento, o informante presumia que Pedro fosse português por falar um “português

arrastado”, afirmando ainda que este teria distribuído dinheiro aos moradores locais. Pedro

seria substituído por “Januário”, que manteve pouco contato com os moradores, e depois por

“João Santana”, que falava um “palavreado pouco compreensível”27. A suspeita de que Pedro

fosse português e o palavreado de João Santana fosse pouco compreensível poderia ser

explicada pelo fato de os guerrilheiros serem de regiões distantes, com sotaques acentuados,

que os diferenciava do modo de falar usual na área onde se projetava o movimento,

principalmente aqueles originários do Sul do país. O civil Milton Soares de Castro, que teria

24
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
25
Depoimento concedido no município de Martins Soares no dia 30 de janeiro de 2004.
26
O serviço de inteligência da PMMG era conhecido pela sigla S/2.
27
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
41

permanecido por maior tempo no sítio adquirido pelo MNR para a estruturação da Guerrilha,

por exemplo, era natural do Rio Grande do Sul. É interessante ainda destacar que, de acordo

com o documento, os policiais teriam se aproximado dos moradores da localidade

apresentando-se por funcionários do Banco do Brasil ou como compradores de gado.

As informações presentes nos demais relatórios demonstram que diversos habitantes

da região avistaram ou mantiveram algum tipo de contato com aquelas pessoas estranhas. Na

região de Pedra Menina, no lado capixaba da Serra, o dono de um comércio afirmou que dois

homens que falavam um “português um pouco arrastado” haviam comprado no local arroz,

toucinho e carne de porco. Ele teria estranhado o fato destas pessoas não utilizarem o café em

pó, e sim o café solúvel. Os dois ainda esqueceram uma faca de campanha no comércio.

Outros dois desconhecidos também teriam realizado compras na localidade vizinha do

Paraíso, tendo adquirido ali cigarros, conservas e mate28.

O guerrilheiro Avelino Capitani (1997, p.104) avalia como as compras realizadas na

região contribuíram para denunciá-los: “Quando a fome apertava, e havia dinheiro, éramos

obrigados a comprar grande quantidade de alimentos em pequenos armazéns locais. Éramos

pessoas desconhecidas para a vizinhança e, sem dúvida, esse procedimento atentava contra a

segurança da guerrilha”. A quantidade de alimentos que o grupo adquiria no comércio local

era maior que aquela comprada usualmente pelos moradores da região, o que aumentava as

suspeitas em relação aos estranhos que vagavam pela Serra.

Em geral, as informações levantadas pela PM junto à população, apontam para uma

série de acontecimentos estranhos que colaboravam para a quebra da segurança dos

guerrilheiros: eles teriam sido observados diversas vezes por moradores locais, inclusive

portando armas, como na ocasião em que um homem relata tê-los vistos na área conhecida

como “Terreirão” com uma arma sobre um tripé; muitas pessoas observavam novas picadas

28
Documento do 11º BI/ PMMG datado de 14/03/1967. Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu
Histórico da PMMG.
42

nas matas da região; a circulação de carros com placa do estado da Guanabara, principalmente

um Jipe, o que era incomum para a época; havia reclamações de desaparecimento de gado e

porcos; além disso, os agentes do Parque do Nacional do Caparaó já vinham os observando à

distância e chegaram a manter contato com dois integrantes do movimento, fato também

relatado por Capitani (1997, p.111-112).

Em uma das ocasiões em que foram surpreendidos por moradores da região, os

integrantes do MNR disseram pertencer ao Exército e que realizavam um levantamento

topográfico da Serra. Os informantes da PM afirmaram que, quando chegaram ao local, um

dos homens se escondeu, só retornando para junto dos demais quando eles foram embora.

Porém, ao observarem ao longe o tal homem, perceberam que se tratava do mesmo “Pedro”

que havia habitado a casa na localidade do Príncipe. O fato é destacado pelos guerrilheiros,

confirmando que eles teriam “dado a entender” que pertenciam ao Exército29.

Além desses aspectos, a coesão e o ânimo do grupo foram afetados à medida que

permaneciam por um longo tempo na Serra sem entrar em ação. De acordo com o diário de

campanha dos guerrilheiros, no início de janeiro de 1967, cinco integrantes abandonaram o

grupo por “problemas sociais”. Os seus codinomes eram Lino, Nemésio, Marcelo, Sérgio e

Henrique30. Amadeu Felipe afirma que a discussão sobre a permanência ou não na Serra seria

a maior dificuldade enfrentada por eles:

As pessoas que estavam aqui ainda, por exemplo, eu tinha vida clandestina,
mas tinham muitos que não tinham. Então, se manter aqui em cima, tinha
que entrar em ação, porque se não entra em ação e você tem pessoas que
não tem vida clandestina ainda, o quê que acontece, essas pessoas começam
a criar e desenvolver necessidade de retornar à cidade (CAPARAÓ, 2006).

29
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. As informações são encontradas no
relatório da S/2 do 11º BI do dia 28/02/1966 e no diário de campanha dos guerrilheiros.
30
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
43

Um dos homens da base do movimento no Rio de Janeiro, o civil Amadeu de

Almeida Rocha, após ter retornado de uma viagem a Montevidéu, foi à Serra para levar

orientações de Brizola aos guerrilheiros. O ex-governador havia recomendado que o grupo

permanecesse sem ação (CAPARAÓ, 2006).

Se a princípio, a escolha de Amadeu Felipe para o comando da frente guerrilheira

seria realizada por unanimidade, com o decorrer de todo o processo de desgaste do

movimento, essa posição seria contestada. Ocorreu um racha interno que passou a opor

sargentos e marinheiros em algumas questões referentes à montagem da Guerrilha e à

segurança do grupo:

Havia divergências sobre o nível de segurança da guerrilha. Uns achavam


que o grupo já estava detectado e todas as cidades próximas estariam
vigiadas. Outros sustentavam que havia apenas suspeitas. Outro grupo,
inclusive o comando, imaginava que não havia nada, e a guerrilha estava
segura (CAPITANI, 1997, p.112).

Em algumas anotações realizadas pelos guerrilheiros e apreendidas pela PM,

percebem-se discussões referentes à segurança. Destacavam o problema de serem avistados

por camponeses sempre que precisavam pegar os trilhos que levavam às localidades onde se

realizavam as compras. Além disso, debatiam se estariam mais seguros no interior de matas,

em áreas de menor altitude, ou no descampado no alto da Serra31.

Em março de 1967, o grupo estava reduzido a dez guerrilheiros e o cerco da PM

aumentava. No dia 23 do mesmo mês, outros dois guerrilheiros desistiram do movimento, o

ex-subtenente Jelcy Rodrigues Corrêa e o ex-sargento Josué Cerejo Gonçalves. Porém, foram

presos dentro de uma barbearia na cidade mineira de Espera Feliz. Haviam perdido o trem e

resolveram cortar os cabelos enquanto aguardavam o horário do ônibus para o Rio de Janeiro.

Como forma de tentar avisar o acontecido aos homens da base do movimento, Jelcy afirmou

31
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
44

que teria uma audiência na cidade. Alguns dias depois, o grupo de apoio à Guerrilha ficaria

sabendo de sua prisão.

Gabeira (1996, p.45-46) afirma que, após as primeiras prisões, uma pessoa o teria

contatado na redação do Jornal do Brasil na tentativa de que ele conseguisse noticiar através

de uma rádio que uma pessoa havia ficado doente. Na verdade, buscava-se alertar os

guerrilheiros sobre as prisões para que estes pudessem fugir o mais rápido possível. Gabeira

teria conseguido enviar a mensagem, mas os guerrilheiros não a ouviram no alto da Serra.

Os oito homens que permaneceram na região de Caparaó passariam por dificuldades

ainda maiores. Alguns guerrilheiros adoeceram, sendo grave o estado de Avelino Capitani.

Como havia um encontro marcado para o dia 2 de abril com integrantes do movimento vindos

da cidade em um ponto mais baixo na Serra, o comando da Guerrilha decidiu que o grupo

descesse para um local próximo onde o encontro se realizaria, o que quebrava ainda mais a já

falha segurança da Guerrilha.

Com a piora do estado de saúde de Capitani, o também ex-marinheiro Amaranto

Jorge Rodrigues Moreira foi até a cidade de Caparaó para comprar medicamentos. A

população já estava alerta quanto à presença dos estranhos que vagavam na Serra e o próprio

farmacêutico que lhe vendera os remédios o denunciou às autoridades locais assim que este

saiu de seu estabelecimento. Amaranto foi surpreendido pela PM quando tomava o caminho

de retorno ao acampamento. De acordo com os documentos da PMMG, teria se identificado

como Fernando Rosado Xavier e, no interrogatório, afirmado que era somente um

excursionista. Pelos indícios encontrados nos documentos, após a prisão dos demais,

Amaranto assumiria a verdadeira identidade32.

Os sete guerrilheiros que restaram na Serra desceram, por ordem do comando, para

uma posição ainda mais próxima do local onde havia sido acertado o encontro com a base do

32
Idem.
45

Rio de Janeiro. Seriam ali avistados por outras pessoas, incluindo um homem com problemas

mentais (CAPITANI, 1997, p.116). Tal informação é também relatada por um morador da

região, o ex-agricultor Antônio Pereira Leite. Segundo ele, um primo de sua esposa teria se

aproximado do acampamento. Os guerrilheiros, ao perceberem que ele tinha problemas

mentais, teriam decidido não prendê-lo. No entanto, o homem comentou com outras pessoas

que, por sua vez, teriam dado a localização do grupo à Polícia33.

O certo é que a prisão dos remanescentes da Guerrilha seria questão de tempo. No

amanhecer do dia 31 de março, um grupo de 12 policiais, guiado por um agente do Parque

Nacional do Caparaó, cercou o acampamento e surpreendeu os guerrilheiros. Foram presos ali

os ex-sargentos do Exército Amadeu Felipe da Luz Ferreira e Araken Vaz Galvão, o ex-

sargento da Marinha Edival Augusto de Melo, o ex-cabo da Marinha Jorge José da Silva, os

ex-marinheiros Avelino Bioen Capitani e João Jerônimo da Silva, e o civil Milton Soares de

Castro.

Enviados à sede do 11º BI da PMMG em Manhuaçu, foram interrogados e depois

transferidos para Juiz de Fora, ficando em posse da 4ª Região Militar do Exército. Um outro

grupo, formado por seis pessoas, ainda seria preso na região. Ao saber da prisão de Jelcy e

Cerejo em Espera Feliz, os integrantes da base do MNR no Rio de Janeiro resolveram ir até a

Serra na tentativa de resgatar os oito remanescentes da Guerrilha. Não sabiam que estes já

haviam caído em poder da PM Mineira. Assim, foram presos também nas redondezas de

Caparaó os civis Amadeu de Almeida Rocha, Hermes Machado Neto e Gregório Mendonça, o

ex-capitão pára-quedista do Exército Juarez Alberto de Souza Moreira, o ex-subtenente

Itamar Maximiano Gomes e o ex-sargento do Exército Deodato Fabrício. Outros integrantes

do MNR foram presos no Rio de Janeiro, como o professor Bayard Demaria Boiteux e o ex-

sargento Anivanir de Souza Leite.

33
Antônio Pereira Leite. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
46

O julgamento ocorreu nos dias 25 e 26 de setembro daquele ano, resultando em

penas para os presos de 3 a 12 anos de reclusão. Leonel Brizola foi também julgado por seu

envolvimento com a Guerrilha, recebendo uma pena de 11 anos de prisão, mais 2 de

segurança34. No entanto, o ex-governador gaúcho nunca seria detido pelo envolvimento no

episódio. As penas sofreriam reduções, tendo permanecido os envolvidos com a Guerrilha em

média dois e meio na cadeia. Avelino Capitani conseguiu fugir da penitenciária Lemos de

Brito, no Rio de Janeiro, antes do fim de seu período de reclusão, permanecendo na

clandestinidade na luta contra a ditadura.

O civil Milton Soares de Castro foi encontrado morto em sua cela nas dependências

da penitenciária de Linhares, em Juiz de Fora. Oficialmente, a 4ª RM teria dado a versão de

suicídio, contestada por muitos.

A queda do grupo dos oito remanescentes da Guerrilha na Serra do Caparaó ainda

tem alguns aspectos intrigantes. A começar, seis destes afirmaram no interrogatório realizado

pelo 11º BI que estavam depondo as armas por acreditarem que, após a posse de Costa e

Silva, as condições do país mudariam. Imaginavam que Castello Branco daria um novo golpe,

impedindo a posse de seu sucessor. Caso isso tivesse acontecido, teriam entrado em ação de

imediato. Como o fato não se concretizou, preferiram dar um voto de confiança ao novo

presidente35. Tal aspecto aparece também no depoimento de Amadeu Felipe à imprensa:

Não nos foi possível, até meados de fevereiro, empreender a ação que
tínhamos planejado. De fevereiro em diante, até 15 de março, que foi a data
que terminou a ditadura de Castello, não agimos, pois, após ter feito estudos
da situação política, cheguei à conclusão de que deveríamos aguardar um
golpe do ditador que nos parecia continuar no poder. Concluí, também, que
se ele não conseguisse dar o golpe que tentava, o próximo Governo que iria
assumir o poder seria obrigado pelas circunstâncias políticas e econômicas
que o País atravessa, a fazer algumas concessões às forças populares e dar
início ao processo de redemocratização, bem como mudar a política
econômica de traição nacional, que tinha sido posta em prática pelo ditador

34
Documento intitulado “Guerrilha de Caparaó” encontrado no DOPS/ Arquivo Público Mineiro.
35
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
47

de então. Depois da posse do Marechal Costa e Silva, decidi que


deveríamos descer a serra e aguardarmos e dar uma oportunidade ao
Governo que acabara de instalar-se. Acredito que se este Governo não puser
em prática isso que externamos, teremos o período mais conturbado,
política e militarmente, que o Brasil já atravessou. E então estaremos
dispostos a subir a próxima serra e reiniciar o trabalho que interrompemos.
Não nos foi possível descer totalmente Caparaó porque dois dos meus
homens estavam enfermos e não podiam mais locomover-se36.

De acordo com o diário de campanha, bem antes da queda do movimento, já havia

uma discussão neste sentido. Enquanto estavam no “acampamento das varejeiras”, local em

que teriam se estabelecido no dia 03 de janeiro de 1967, debateram se iniciavam as ações ou

se aguardavam a posse do novo presidente37.

Uma outra questão importante foi levantada recentemente por Jelcy Rodrigues

Corrêa. Ele afirmou suspeitar que o comandante da Guerrilha, Amadeu Felipe, teria se

entendido com os homens da PM Mineira na região como forma de preservar a vida de todos

os remanescentes do projeto guerrilheiro (CAPARAÓ, 2006). Em seu livro, Avelino Capitani

realiza uma série de indagações que fortalecem a mesma hipótese defendida por Jelcy,

destacando várias circunstâncias consideradas estranhas em relação às medidas tomadas por

Amadeu: ter ordenado a descida do grupo para uma região menos segura três dias antes da

data do encontro com o pessoal da base do MNR; não se importar com o movimento de

cavaleiros e outras pessoas que passavam pelas proximidades as quais falavam sobre a

presença de guerrilheiros no local; o fato de que, no momento em que a PM cercou o

acampamento e surpreendeu o grupo, seria a vez de Amadeu estar na guarda e este

permanecia deitado na rede; entre outros aspectos. Por fim, deixa a entender que Amadeu

Felipe e Araken teriam negociado com a PM a prisão de todos os militantes (1997, p.111-

122). Amadeu afirma que o grupo estava derrotado politicamente, mas nega qualquer

entendimento com os policiais (CAPARAÓ, 2006).

36
“Os guerrilheiros da Serra de Caparaó”. O Cruzeiro, 15/04/1967, p.10.
37
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
48

Assim, a Guerrilha de Caparaó caiu sem disparar um tiro sequer. Os homens que

subiram a Serra limitaram-se a atividades de reconhecimento da área e treinamento. Também

não se realizou qualquer trabalho político junto aos moradores da região no intuito de obter a

adesão destes ao movimento. Talvez fosse esse aspecto algo impossível ou, no mínimo, algo a

ser realizado em um longo tempo, já que a população local não possuía nenhum conhecimento

político e foi ela a principal responsável pelas denúncias que levaram a queda do movimento.

Gabeira avalia assim as falhas de Caparaó:

Como lançar um foco guerrilheiro no Brasil, onde a esquerda nunca tinha


tido contatos de importância com os camponeses? Caparaó fora uma
experiência meio a ferro e fogo, sem grandes considerações pelas pessoas
que moravam na região. Escolhera-se uma área militarmente adequada, e
tomava-se esse referencial como o mais importante (GABEIRA, 1996,
p.48-49).

Ao tudo que indica, o MNR teria se desestruturado após a queda da Guerrilha.

Flávio Tavares afirma que Brizola ordenou a desativação do foco que era preparado na região

de divisa entre os estados de Goiás, Maranhão e Pará (TAVARES, 1999, p.203). A mesma

ordem seria dada ao foco de Mato Grosso. A Guerrilha de Caparaó, que a princípio ganhou

grande espaço nos jornais da época, seria logo esquecida. Porém, talvez tenha servido como

influência para alguns grupos que, a partir de 1968, também tomaram o rumo da luta armada

para se opor à ditadura militar, mas agora tendo as cidades como cenário para as ações.
49

1.5 O POSICIONAMENTO POLÍTICO DOS GUERRILHEIROS E DE

BRIZOLA – SERIAM OS ENVOLVIDOS “COMUNISTAS”?

Após o golpe, muitos grupos se viram sem acesso aos canais convencionais de

participação política, passando a defender a luta armada como a única forma de se opor ao

regime militar implantado no país. Entretanto, não se pode avaliar os movimentos armados

como uma mera reação à ditadura. De acordo com Daniel Aarão Reis (2005, p.8), há uma

tendência nos dias atuais de se reconstruir a memória em torno do período, aparecendo as

esquerdas como vítimas e gerando a versão de que a luta armada estaria integrada num

processo de resistência à ditadura militar: “A rigor, a ditadura, sempre segundo essas versões,

fora a grande responsável pela luta armada, redimensionada como uma reação desesperada

à falta de alternativas”.

A proposta de luta revolucionária, assim, já vinha sendo discutida entre alguns

setores da esquerda ainda durante o governo de João Goulart. A Revolução Cubana foi

interpretada por muitos como um sinal de que a tomada do poder pelas classes populares seria

possível. O próprio governo da pequena ilha caribenha buscava apoiar movimentos armados

que pudessem depor o presidente Jango, como as Ligas Camponesas e o MRT, vistos

anteriormente.

Outras organizações também agiam neste sentido. A Política Operária (POLOP), por

exemplo, defendia a preparação das “[...] massas para o levante armado, para a insurreição e

a tomada do poder. No seu contexto teórico e em termos práticos, naquela conjuntura, a

palavra de ordem só podia ganhar a forma concreta de derrubada do Governo Goulart”

(GORENDER, 2003, p.54). O Partido Comunista do Brasil (PC do B), surgido em 1962 a

partir de dissidentes do PCB, era outra organização disposta à luta armada e pregava a
50

derrubada de Jango pela violência através do jornal quinzenal A Classe Operária

(GORENDER, 2003, p.54). O partido chegou a enviar dez militantes para a China para

realizar um curso político-militar às vésperas do golpe (GORENDER, 2003, p.117).

“Decolaram pensando em derrubar Jango e quando chegaram à China tinham pela frente um

osso bem mais duro de roer, uma ditadura militar” (GASPARI, 2002, p.180).

Após o golpe, as esquerdas se dividiram em duas tendências: uma moderada, que

preferira lutar pela redemocratização do país no âmbito da lei, e outra radical, defensora de

uma ofensiva revolucionária (REIS, D.A., 2004, p.42-43). Essa segunda tendência iria se

definir pela luta armada à medida que a ditadura se fechava cada vez mais. As ações tomaram

vulto no segundo governo do regime militar, o do marechal Arthur da Costa e Silva. Com o

Ato Institucional no 5, que aprofundou o estado de exceção, multiplicaram-se as organizações

e as ações promovidas por estas: “[...] entre 1969 e 1972, desdobraram-se ações

espetaculares de guerrilha urbana: expropriações de armas e fundos, ataques a quartéis,

cercos e fugas, seqüestros de embaixadores” (REIS, D.A., 2005, p.52).

Contudo, mesmo reconhecendo que a luta armada aflorou no Brasil dentro do

contexto de um governo autoritário, ainda assim ela não pode ser entendida como mera reação

ao regime militar. Na verdade, embora havendo divergências entre as organizações, a

esquerda pretendia promover a revolução no sentido de conquistar a tão sonhada sociedade

socialista.

Ridenti, porém, afirma que não se pode negar que a luta das esquerdas armadas

façam parte da resistência à ditadura militar. De acordo com o autor, o termo resistência tem

um sentido mais defensivo do que ofensivo. Contudo, “[...] para usar o termo com

propriedade a fim de pensar a resistência brasileira, importa mais o significado de combate à

ditadura do que o de ofensiva revolucionária” (2004, p.54). Nesse sentido, mesmo

reconhecendo o caráter revolucionário da luta das esquerdas, pode-se defini-la como de


51

resistência, pois fizeram parte do amplo e heterogêneo movimento de oposição ao regime

militar: “Pode-se usar apropriadamente o termo ‘resistência’ para essas esquerdas, pois sua

luta importou mais pelo significado de combate à ditadura do que pelo intento de ofensiva

revolucionária, mas pelo sentido defensivo que ofensivo, ao contrário da intenção original

dos agentes” (RIDENTI, 2004, p.57).

Tomando por base essa discussão, como interpretar o movimento da Serra do

Caparaó projetado pelo MNR? Estariam os envolvidos imbuídos dos mesmos ideais que

levaram as demais organizações à luta armada algum tempo depois, ou seja, pretendiam

implantar uma sociedade socialista? Ou seria ele um movimento de resistência à ditadura,

tendo um sentido puramente defensivo e sem qualquer intuito revolucionário de fato?

Analisar tal movimento é um tanto complexo, visto o envolvimento de grupos com propostas

políticas tão diversas. Rollemberg (2001, p.30-31), a partir de entrevista com o ex-assessor de

Brizola no governo do Rio Grande do Sul e membro de seu comando no Uruguai, Paulo

Schilling, chega a afirmar que o MNR não podia ser considerado uma organização, mas um

nome para designar o projeto de luta armada apoiado por Cuba.

Para Kuperman (1992, p.59), o movimento se definia pelo nacionalismo

democrático: “Suas concepções não iriam além da retomada da ordem constitucional

derrubada pelo golpe e da recuperação das conquistas populares”. De acordo com Rebello

(1980, p.85), o professor Bayard Demaria Boiteux teria afirmado na época de sua prisão que a

“[...] Guerrilha de Caparaó é um movimento nacionalista para derrubar o governo e

redemocratizar o país”. Alguns guerrilheiros afirmaram nos interrogatórios prestados à

PMMG só terem optado pela luta armada pela impossibilidade de se opor ao governo militar

pela via pacífica. Além disso, demonstravam acreditar, como já destacado anteriormente neste
52

trabalho, que a posse do marechal Costa e Silva representaria o caminho da redemocratização

do país38.

Entretanto, mesmo com as informações aventadas até aqui, não se pode concluir que

a Guerrilha de Caparaó foi um movimento puramente de resistência. Talvez para muitos que

se envolveram com o projeto de luta armada, principalmente aqueles pertencentes a partidos

de esquerda que defendiam as reformas pelas vias legais, como alguns membros do PSB, a

Guerrilha tenha se configurado como um movimento que buscava apenas dar uma resposta

àqueles que haviam tomado o poder através do golpe de 1964. Mas não se pode esquecer a

posição assumida por diversos grupos que se envolveram com projeto de Caparaó, no período

ainda do governo de João Goulart. Leonel Brizola, no auge das radicalizações, afirmava que o

país passava por um processo revolucionário. Havia evoluído de uma posição de defesa das

reformas pelas vias institucionais para uma de confronto, pregando a insurreição popular caso

as mudanças econômicas e sociais não ocorressem (FERREIRA, 2004, p.43). Através da

FMP, liderava setores diversos formados por líderes sindicais, camponeses, estudantis e dos

subalternos das Forças Armadas, grupos marxistas-leninistas e políticos nacionalistas. A

esquerda reconhecia o ex-governador gaúcho como líder do movimento em prol das reformas.

“Se ele era radical, tinha pregações revolucionárias e defendia a ruptura institucional, era

porque as esquerdas igualmente eram radicais, pregavam a revolução e defendiam o

rompimento com as instituições” (FERREIRA, 2004, p.44).

Assim, Brizola e os grupos sob a sua liderança adotavam uma posição ofensiva

ainda no governo Jango. Mas, ao invés de tramar a derrubada do presidente, buscava

convencê-lo a dar um golpe de Estado com o apoio das esquerdas. Por mais que se possa

defini-lo como um político nacionalista, preso aos ideais varguistas, a posição assumida por

38
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
53

ele no momento era o da defesa da reforma pela via revolucionária, mesmo que esta não

representasse exatamente o caminho para uma sociedade socialista.

O MNR refletia tal posicionamento. Brizola tinha grande influência sobre os

subalternos das Forças Armadas. Quando falava em revolução, imaginava contar com o apoio

destes. Os sargentos e marinheiros envolvidos com o projeto guerrilheiro participaram

ativamente das mobilizações em prol das reformas de base. Dessa forma, o movimento da

Serra do Caparaó deve ser encarado, assim como os demais que surgiram depois dele e em

momentos de um maior recrudescimento do regime, como a continuação de uma ação

ofensiva que já se estabelecia antes do golpe. Seguindo a lógica defendida por Ridenti, no

entanto, não se pode deixar de conferir a ele o caráter de resistência, pois também se insere no

âmbito das mobilizações de oposição à ditadura militar.

Ainda assim, é difícil estabelecer os rumos que o país tomaria em caso de sucesso da

Guerrilha. De acordo com o diário de campanha dos guerrilheiros, os integrantes do MNR que

subiram a Serra do Caparaó se declararam todos “[...] revolucionários e marxistas-

leninistas39”. O comandante do grupo, Amadeu Felipe, afirma ter familiares com militância de

esquerda e ele próprio pertenceu ao PCB (CAPARAÓ, 2006). Além das armas e

equipamentos, foram apreendidos livros de autoria de Ernesto Che Guevara, Mao Tse-Tung,

Lênin e outros40. Somando-se ainda a aproximação com o governo cubano, reúnem-se fortes

indicativos da influência do comunismo sobre o grupo que havia se instalado no interior do

Parque Nacional. Porém, ainda restam algumas indagações: constatando-se as divergências

internas entre os guerrilheiros, haveria realmente unidade no posicionamento político? E

quanto a Brizola, teria ele aderido a tais ideais?

Havia uma grande discussão até mesmo em relação ao tipo de luta a ser adotado pelo

movimento. O ex-governador gaúcho, na verdade, nunca teria se convencido de fato sobre a

39
Diário de campanha dos guerrilheiros/ Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da
PMMG.
40
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
54

teoria do foco guerrilheiro. De acordo com Flávio Tavares (1999, p.178), houve um momento

de empolgação onde Brizola fazia questão de ser chamado de “o comandante”. Rollemberg

(2001, p.29) afirma que

Provavelmente, a possibilidade de contar com o apoio do governo cubano


tenha sido decisiva para a reorientação de Brizola. Paulo Schilling acredita
que a experiência cubana tenha influenciado a sua evolução, de uma
“posição tipicamente getulista para uma posição revolucionária”. A própria
vivência do exílio contribuíra na mudança: político ativo na vida pública,
dono de inegável carisma e poder de comunicação com as massas, se viu, de
repente, sem as massas.

Entretanto, o próprio Tavares (1999, p.203) avalia que Brizola “[...] nunca esteve

muito convencido da guerrilha e aceitara tudo, e assimilara tudo, na maré que invadia o

exílio uruguaio”. Para José Wilson da Silva (1987, p.171), o ex-governador necessitava dar

uma satisfação aos cubanos pela ajuda enviada. Com o fracasso das tentativas de insurreições

a partir do Sul, não teve outra alternativa, a não ser apoiar a Guerrilha. O mesmo afirma o

guerrilheiro Araken Vaz Galvão: “Ele, o Brizola, nunca teve paixão por guerrilha. Ele foi

levado pelas contingências a nos apoiar. O Amadeu Felipe era muito claro com isso. Disse:

‘nós caminhamos com ele até onde ele for. Depois ele segue um caminho e a gente segue

outro’ ” (CAPARAÓ, 2006).

O depoimento de Araken, além de mostrar a descrença de Brizola em relação ao

projeto dos focos guerrilheiros, ainda colabora para a conclusão de que realmente não existia

unidade no MNR. Já havia a expectativa de que, em algum momento do processo de luta

contra a ditadura militar, os interesses de Brizola e dos guerrilheiros pudessem se tornar

incompatíveis, obrigando-os a seguirem caminhos diferentes.

No entanto, se existe uma dificuldade em definir a orientação política do movimento

de Caparaó, a mesma não foi compartilhada pela repressão. Flávio Tavares (1999, p.166)

afirma que “[...] tudo aquilo com que o regime não concordava era rotulado de ‘comunista’,
55

uma forma de proscrever e jogar ao lixo qualquer idéia nova ou mesmo a tradição antiga”.

Assim, as forças militares envolvidas no desmantelamento da Guerrilha de Caparaó, desde

logo, tacharam o movimento de “comunista”. No documento da 4ª RM sobre a ação das

tropas em combate ao movimento guerrilheiro, datado de 03 de abril de 1967 e intitulado

“situação geral”, afirma-se que:

Os comunistas e elementos apeados do poder pelo MOVIMENTO


REVOLUCIONÁRIO DE 31 MAR 64, continuam se rearticulando com os
objetivos de conquistar o poder, dominar o povo e implantar,
posteriormente o credo marxista-leninista, semelhante ao ocorrido em
Cuba41.

A Guerrilha de Caparaó, movimento controverso e de difícil definição, foi

transformada pelos órgãos oficiais da ditadura em um movimento de caráter exclusivamente

comunista. Assim, os guerrilheiros absorveram toda a imagem negativa desenvolvida em

torno do comunismo. Se esse aspecto não trouxe grandes efervescências em nível nacional,

como pode deduzir-se através da análise do material publicado pela imprensa da época, o

mesmo não se pode afirmar sobre o que ocorreu na região onde se instalou a Guerrilha. Os

habitantes locais, principalmente a população rural, viveram períodos angustiantes onde se

sentiram ameaçados a todo o tempo de caírem sob as garras dos tão perversos comunistas.

Assim, o capítulo 3 deste trabalho tem como foco central a análise da memória dos moradores

das proximidades da Serra do Caparaó sobre o movimento, dando ênfase ao medo que estes

desenvolveram em relação ao “guerrilheiro comunista”. Antes, porém, a discussão se realizará

em torno da propaganda anticomunista e de todo imaginário construído em torno dela, como

será analisado a partir de agora.

41
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
Capítulo 2 – O Anticomunismo

Estudar o anticomunismo não significa somente desvendar o imaginário surgido a

partir de uma ampla propaganda contra a ideologia comunista, mas sim buscar compreender o

próprio processo de desenvolvimento da história brasileira no século XX. Em dois momentos

de crise institucional, o comunismo surgiu como uma “ameaça à Nação”, justificando nesses

dois episódios a ruptura da legalidade através de golpes de Estado: o golpe do Estado Novo de

1937, em que Getúlio Vargas impôs ao país uma ditadura nos moldes fascistas, e o golpe

civil-militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart, implantando uma ditadura que

perduraria 21 anos.

No entanto, durante muito tempo, o anticomunismo ficou relegado a papéis

secundários nas pesquisas históricas. Motta (2002) nos mostra que, tanto no Brasil quanto no

exterior, a historiografia e as ciências sociais pouco se preocuparam em pesquisar o

pensamento conservador ligado às propostas de defesa da ordem, preferindo, em seu lugar,

estudar o revolucionário e o da esquerda. As poucas pesquisas dedicadas ao tema no Brasil

geralmente trabalhavam inserindo-o no contexto do Estado Novo ou do golpe de 1964. “O

anticomunismo aparece nestes trabalhos como questão subsidiária, desdobramento analítico

operado a partir do enfoque em conjunturas históricas mais abrangentes que compõem o

centro da abordagem” (MOTTA, p 2002, p.XXII).

Dessa forma, se faz necessário uma discussão mais ampla sobre o formato tomado

pelo anticomunismo no Brasil, o seu contexto histórico e a sua manipulação, uma vez que o

presente trabalho tem por finalidade a análise da recepção de toda essa propaganda que

colocava o comunismo como uma grande ameaça. O medo desenvolvido pelos moradores de

regiões em torno do Parque Nacional do Caparaó com a presença de guerrilheiros foi, em


57

grande parte, o medo da imagem do comunista que, para estes, era uma realidade. Não há,

dessa forma, como escapar a uma discussão sobre a própria estrutura do mito do “comunista

mau” que compõe toda a propaganda divulgada no país no período.

2.1 AS ORIGENS DO ANTICOMUNISMO

É importante perceber-se a diversidade das formas que assume o anticomunismo.

Motta afirma que o sentimento anticomunista não se constitui em um movimento homogêneo,

e sim em uma frente que congrega grupos políticos e projetos diversos, preferindo, por isso,

falar em “anticomunismos”. O elo que conferiria uma identidade a tais grupos seria a recusa

do comunismo. Nos momentos de conflitos agudos estes se uniriam contra o inimigo comum,

o que daria a aparência enganosa de um movimento uniforme. “O espectro ideológico em

questão é tão amplo que vai da direita para a esquerda, reunindo reacionários,

conservadores, liberais e esquerdistas” (MOTTA, 2002, p.12). Starling (1986), ao analisar o

tema na conjuntura do golpe civil-militar de 1964, mostra que, mesmo entre os setores

conservadores, o comunismo é percebido de forma bastante diversificada. A autora afirma

que o sentimento anticomunista se constituiu em “gancho ideológico” unindo as elites

tradicionais contra o presidente João Goulart na década de 1960. Entretanto, cada setor o

articulou a um conjunto ideológico distinto:

se para as classes médias em geral o anticomunismo estava associado à


perda do mito da ascensão, para os profissionais liberais implicava na
destruição dos mecanismos de representação democrática, ao passo que aos
olhos dos grandes proprietários de terras expressava-se, publicamente, na
defesa da propriedade privada (STARLING, 1986, p.218).
58

Berstein (1988, p.354) ajudaria a consolidar tal afirmativa ao trabalhar com a idéia

de “culturas políticas” também no plural. Para o autor, existe uma multiplicidade de culturas

políticas no interior de uma nação havendo, entretanto, áreas de valores partilhados: “Se, num

dado momento da história, essa área de valores partilhados se mostra bastante ampla, temos

então uma cultura política dominante que faz inflectir pouco ou muito a maior parte das

outras culturas políticas contemporâneas”.

Rosenfield (2003, p.106) afirma existir uma multiplicidade de concepções e

representações cujo somatório constitui a representação vigente numa determinada época.

Esse aspecto, segundo o autor, é fundamental para que se possa compreender o modo de

constituição política das sociedades contemporâneas, “[...] baseadas que são nos diferentes

discursos através dos quais elas se enunciam e as pessoas, de acordo com esses modos, se

comportam”.

Ansart (1978, p.229-231) também participa da discussão ao identificar o poder de

integração universal de uma determinada ideologia política que, através de uma linguagem

abrangente, torna-se capaz de intervir em todos os níveis e em todos os atos da vida humana,

inclusive sobre o seu sistema econômico. Mesmo trabalhando com a idéia de totalização

ideológica, o autor afirma que este poder de integração se realiza sempre com maior ou menor

eficácia e com intensidade variável.

A partir do pensamento de tais autores, pode-se afirmar que, em determinados

momentos da história do país, o discurso conservador, baseado numa campanha contra o

comunismo, se torna predominante, conferindo poderes aos grupos mandantes de intervirem

sobre o sistema legal estabelecido como forma de conservarem seus privilégios. Isto não

significa dizer que o anticomunismo se transformou em uma cultura ou em uma ideologia

política que inspirasse a todos sem restrição, ou afirmar que se produziu um discurso único

em todo território nacional em virtude da “ameaça comunista”. Pode-se, ainda, discutir a


59

própria idéia de recepção da propaganda anticomunista que, muito provavelmente, não

ocorreu de forma uniforme. Nesse contexto, Ansart (1978, p.76) afirma que a recepção da

mensagem ideológica ocorre de acordo com a cultura e atitudes próprias do receptor. Tal

questão será aprofundada no capítulo seguinte do trabalho, que tem como tema central o medo

do guerrilheiro, ou seja, a apropriação da propaganda anticomunista pela população residente

em torno do Parque Nacional do Caparaó e a sua reação diante da presença na região de um

movimento revolucionário que nem mesmo entrou em ação.

Para Mendes (2004, p.79-81), o anticomunismo encontrou suas referências em duas

formas. Entre fins do século XIX até a década de 1920, o anticomunismo assumiu a forma de

oposição a qualquer ideologia que articulasse a classe trabalhadora, não sendo tal combate

exclusivamente voltado contra o comunismo. Dessa forma, a ampliação do anticomunismo

explica-se pelo aumento da influência marxista sobre o operariado, substituindo

gradativamente o anarquismo nesse período. Vale lembrar que este tipo de anticomunismo era

mais intenso em países capitalistas avançados, onde havia um crescimento acelerado de

partidos de esquerda.

A Revolução Russa de 1917 teria encadeado uma nova forma de anticomunismo: a

de uma luta contra a tentativa de organização de uma sociedade governada pela classe

trabalhadora. Mendes afirma que a ampliação de regimes anticomunistas no período entre-

guerras se deve à crença na possibilidade do avanço comunista decorrente dos graves

problemas proporcionados pela Grande Depressão e pelas tentativas frustradas de tomada do

poder pelos movimentos revolucionários orientados por Moscou. O autor afirma que as duas

formas de anticomunismo coexistiram durante o século XX, havendo, no entanto, mudanças

no grau de intensidade entre o combate contra a luta do operariado e o contra a tentativa de

organização de um Estado socialista.


60

Mendes (2004, p.81) descreve ainda que, mundialmente, o anticomunismo teve várias

origens:

As principais são: a democrática, que condena o seu caráter autoritário; a


fascista, que centra suas atenções no combate ao caráter desagregador que o
comunismo provoca na sociedade; a conservadora, que visa a manutenção
do status quo; a anticlerical, dada a antireligiosidade do comunismo; e, por
último, a liberal, em função da condenação da propriedade privada e da
livre iniciativa que o marxismo apresenta. Em muitos momentos da história
esses matizes apresentam-se interligadas e mescladas.

Motta (2002, p.17-18) afirma que, no Brasil, existem três matrizes que deram

origem ao anticomunismo: o catolicismo, o nacionalismo e o liberalismo. No caso do

catolicismo, as lideranças católicas viam no comunismo um perigo à própria sobrevivência da

Igreja, sendo ele um desdobramento no século XX dos “erros” iniciados na Renascença.

A origem do mal estaria na Reforma, que teria dado o primeiro golpe no


edifício da civilização cristã. O espírito reformador nutrira os filósofos
iluministas e os revolucionários, pois lançara a semente do questionamento
à ordem e hierarquia. A ação dos revolucionários comunistas significa uma
continuação da obra destruidora da Reforma, movida pelo mesmo desejo de
aniquilar a ‘verdadeira’ Igreja e a ordem social espelhada em seus
ensinamentos (MOTTA, 2002, p.18-19).

Na verdade, a Igreja vinha adotando, desde fins do século XIX, uma posição de

crítica ao sistema capitalista, porém, rejeitava a luta de classes Por isso, antes mesmo da

tomada do poder pelos bolcheviques na Rússia, já se posicionava contra o comunismo. A

encíclica Rerum Novarum, de 1891, já abordava o tema, propondo conjuntamente ao combate

do comunismo, medidas que diminuíssem a situação exploratória sobre os trabalhadores. Tais

medidas consistiam na ação do Estado que interviria nas relações trabalhistas, proibindo

greves e assegurando o direito de propriedade, ao mesmo tempo em que daria garantias de

melhorias nas condições de trabalho, defendendo, assim, que “[...] se praticasse uma fraterna

colaboração entre as classes ao invés da desastrosa luta entre elas” (PIERUCCI; SOUZA;

CAMARGO, 1997, p.348). Nesta Encíclica, o papa Leão XIII afirma que os socialistas “[...]
61

instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem” (ENCÍCLICA Rerum Novarum,

1962, p.65) e que a propriedade comum dos bens é “[...] injusta por violar os direitos

legítimos dos proprietários” (p.66).

Outro fator que levava os católicos a tomarem uma posição anticomunista é a

contestação dos fundamentos básicos das instituições religiosas:

A filosofia comunista opunha-se aos postulados básicos do catolicismo:


negava a existência de Deus e professava o materialismo ateu; propunha a
luta de classes violenta em oposição ao amor e à caridade cristãs; pretendia
substituir a moral cristã e destruir a instituição da família; defendia a
igualdade absoluta contra as noções de hierarquia e ordem embasadas em
Deus. No limite, o sucesso da pregação comunista levaria ao
desaparecimento da Igreja, que seria um dos objetivos dos líderes
revolucionários (MOTTA, 2002, p.20).

A perseguição às instituições religiosas pelo governo soviético e, principalmente, o

assassinato de padres e freiras durante a Guerra Civil Espanhola pelas forças republicanas,

que contava com a participação de comunistas e socialistas1 na luta contra as forças do

general Franco, alarmaram ainda mais os católicos que iniciaram uma violenta campanha de

difamação dos comunistas. O caso da Espanha se tornava mais grave pelo fato de o país ser

uma nação de predomínio católico. A Encíclica Divinis Redemptoris, editada em 1937, é

reflexo de tal luta e traz como aspecto mais importante a ênfase dada ao combate ao inimigo.

Nesse momento, a Igreja temia também uma penetração da ideologia comunista nos círculos

católicos. O medo se devia ao fato de o Komintern ter aprovado uma resolução que priorizava

a aliança com setores de centro, incluindo católicos, na luta contra o avanço do nazi-fascismo.

Deve-se ainda destacar que, toda a campanha realizada por entidades católicas

denunciando os comunistas como responsáveis pelas atrocidades ocorridas durante a Guerra

1
Segundo Motta (2002, p.21), os atos anti-religiosos ocorridos durante a Guerra Civil Espanhola ainda são
objeto de muito debate. Alguns autores afirmariam que os atos se trataram de explosões populares, não uma ação
coordenada por alguma força política envolvida na luta. O autor ainda afirma que existem indícios que militantes
anarquistas teriam um maior envolvimento que os comunistas nas violências cometidas.
62

Civil Espanhola, coincidiu no Brasil com a campanha anticomunista resultante da Intentona

Comunista de 1935.

No estudo de Rodeghero (2002a, p.183-195), não só a Espanha aparece ligada às

ações comunistas cometidas contra a Igreja Católica. Os depoimentos de padres fazem

referência também ao México. Neste país, durante o governo de Calles na década de 1920, a

Igreja teria sofrido uma série de restrições. Religiosos e leigos que se opuseram às medidas

tomadas pelo governo foram perseguidos, havendo um grande número de mortes. É

interessante perceber que, no caso do México, a perseguição à Igreja não foi realizada por

grupos ou por um Estado comunista. A relação se daria pelo fato de a Igreja condenar também

o liberalismo e afirmar que este conduziria ao socialismo e ao comunismo. Até mesmo as

encíclicas papais do período que condenavam o comunismo faziam referência a situação

mexicana.

O medo do avanço comunista aumentaria ainda mais no país após o fim do Estado

Novo. Rodeghero (2002a, p.480) afirma que, nesse período, “[...] o anticomunismo católico

se manifestava em discursos sobre os perigos que poderiam acompanhar a liberdade política

então instaurada”. O ressurgimento do PCB e o crescimento do partido nas eleições

posteriores à queda de Vargas trouxeram um novo temor nas lideranças católicas de que fiéis

pudessem vir a simpatizar com o comunismo, medo este aumentado durante a década de 1960

com o desenvolvimento de grupos católicos progressistas, defensores de reformas sociais.

A matriz nacionalista do anticomunismo tem raízes no romantismo alemão do século

XIX. Tal corrente de pensamento entendia a nação como um conjunto orgânico superior a

qualquer conflito social, defendendo a ordem, a tradição, a integração e a centralização contra

qualquer tipo de desordem. O comunismo, ao defender o conflito entre as classes,

representava, assim, uma ameaça à unidade nacional.


63

Os nacionalistas também criticavam o internacionalismo defendido pelos comunistas

e a sua veneração à União Soviética. As posições nacionalistas tomadas pelo PCB em alguns

momentos da história foram ridicularizadas pelos anticomunistas: “Na verdade, todo

comunista seria um ‘nacionalista russo’ usando a bandeira nacionalista para enganar o povo

e explorar seus sentimentos patriotas” (MOTTA, 2002, p.32). Além disso, os anticomunistas

defendiam que as idéias revolucionárias teriam entrado no país através de imigrantes que

chegaram no início do século XX, apresentando, por isso, os comunistas como indivíduos

estrangeiros infiltrados na Nação.

Durante o Estado Novo e o Regime Militar, houve campanhas de valorização dos

ideais patrióticos na defesa da união da Nação acima de qualquer conflito social ou interesse

econômico. Utilizava-se, dessa forma, o patriotismo como arma de desarticulação do discurso

comunista. O anticomunismo de matriz nacionalista teve maior receptividade por parte dos

militares, “sempre alertas quanto às ameaças vindas de Moscou que colocavam em risco a

unidade nacional”.

Rodeghero (2002b), analisando o anticomunismo católico nos Estados Unidos e

Brasil, mostra como catolicismo e nacionalismo atuavam de forma conciliada na produção de

um discurso anticomunista nos dois países. No primeiro, os católicos, sendo minoria,

assumiram uma postura de combate ao comunismo como forma de sua aceitação e

reconhecimento pela maioria protestante2. “Assim, para ser ao mesmo tempo bom católico e

bom cidadão norte-americano era preciso ser anticomunista” (RODEGHERO, 2002b,

p.481). No Brasil, entretanto, essa postura de associação entre catolicismo, patriotismo e

anticomunismo assumiu um contorno diferente. Como o país possuía uma forte tradição

católica, isso por si só inibiria qualquer possibilidade de sucesso da ideologia comunista. “Ter

2
Como nos Estados Unidos a população é de maioria protestante, ser católico representava ser “diferente”,
havendo uma necessidade por parte daqueles que professavam o catolicismo em serem aceitos como integrantes
da mesma comunidade. Assim, o combate ao comunismo surgiu como uma forma dos católicos se apresentarem
como zelosos pela pátria e, conseqüentemente, serem reconhecidos como iguais pela maioria protestante
(RODEGHERO, 2002b, p.481).
64

nascido num país com tão fortes tradições católicas era uma espécie de salvaguarda contra o

‘vírus’ comunista. Dessa forma, o ‘bom brasileiro’ – que é católico – teria grandes chances

de ser anticomunista” (RODEGHERO, 2002b, p.481). Os defensores de idéias

revolucionárias seriam traidores da Pátria e, portanto, “maus brasileiros”.

A outra vertente do pensamento anticomunista é o liberalismo. Dois pontos básicos

levavam os liberais a rejeitarem o comunismo: a acusação de que nos países comunistas a

liberdade não era respeitada sendo praticado o autoritarismo político e a defesa da propriedade

estatal dos bens, o que ia contra a idéia do direito à propriedade defendida pelos liberais. No

entanto, é importante salientar a fragilidade do primeiro aspecto, uma vez que o Brasil

vivenciou regimes autoritários durante boa parte do século XX, o que explicaria o fato de

denúncias sobre “tirania” e “escravidão” na Rússia aparecerem muito mais do que o termo

“autoritarismo”.

A crise dos valores liberais durante a década de 1930 levou parte de nossas elites

intelectuais e políticas a simpatizarem com idéias autoritárias. No entanto, com a derrota do

nazi-fascismo após a Segunda Guerra Mundial, houve uma nova ascensão das idéias liberais,

o que pôde ser percebido com o novo regime instaurado no Brasil após a queda da ditadura

“varguista” e a promulgação da Constituição de 1946. A partir desse momento, os grupos

anticomunistas passaram a explorar a idéia de contraposição entre democracia e comunismo.

Todo aquele que se opusesse ao comunismo era visto como um democrata. “A democracia

que tão sofregamente se pretendia proteger não tinha conteúdo, seu sentido era vago. Não se

tratava de afirmar a participação popular em contraposição ao autoritarismo, mas de opor a

ordem à ‘ameaça revolucionária’” (MOTTA, 2002, p.40).

Essas três matrizes, catolicismo, nacionalismo e liberalismo, atuaram de forma

conjunta na construção de imaginário anticomunista no Brasil. No entanto, não se pode deixar


65

de destacar que religiosos e militares foram os dois grupos que mais atuaram na divulgação de

uma forte campanha contra os comunistas.

2.2 O IMAGINÁRIO ANTICOMUNISTA

Motta, recorrendo a Serge Berstein e Jean-Jacques Becker, define como

anticomunistas “[...] os indivíduos e grupos dedicados à luta contra o comunismo, pela

palavra ou pela ação. A base de sua atuação estaria centrada, portanto, numa atitude de

recusa militante ao projeto comunista” (MOTTA, 2002, p.XIX). Rodeghero também salienta

a oposição ao comunismo que, segundo ela, se manifesta por meio de representações e

práticas diversas. A autora afirma ainda que

O anticomunismo é o conjunto das atividades realizadas por grupos


diversos, que constroem e se guiam por um conjunto de representações que
tem sido chamado de imaginário anticomunista. Trata-se de atividades
como produção de propaganda, controle e ação policial, estratégias
educacionais, pregações religiosas, organização de grupos ativistas e de
manifestações públicas, atuação no Legislativo, etc. (RODEGHERO,
2002b, p.464).

Uma definição de anticomunismo, portanto, não pode ser realizada sem antes

debatermos a própria idéia de imaginário ou imaginação social. Ansart (1978, p.21-22),

utilizando-se do pensamento de Max Weber, afirma que nenhuma prática social se define

somente por seus elementos materiais e físicos: “[...] toda sociedade cria um conjunto

coordenado de representações, um imaginário através do qual ela se reproduz e que designa

em particular o grupo a ele próprio, distribui as identidades e os papéis, expressa as

necessidades culturais e os fins a alcançar”. Existem regras interiorizadas pelo indivíduo que
66

dão sentido a vida em grupo. Toda prática social é perpassada por tais regras, ordenando os

comportamentos individuais e os direcionando para finalidades comuns.

Para Baczko (1985), o imaginário social está inserido no vasto sistema simbólico

que toda coletividade produz e que, através dele, constrói sua identidade coletiva. Assim, essa

coletividade estabelece uma representação de si e dos outros, exprime e impõe crenças

comuns, constrói modelos de bom comportamento, etc. O autor ainda afirma que, “[...]

designar a identidade colectiva corresponde, do mesmo passo, a delimitar o seu ‘território’ e

as suas relações com o meio ambiente, e, designadamente, com os ‘outros’; e corresponde

ainda a formar as imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados, etc.” (1985, p.309).

Mais do que isso, o imaginário social é uma ferramenta eficaz para o controle de toda vida

coletiva, permitindo o exercício da autoridade e do poder. Assim, ao trabalhar o imaginário

como um conjunto de representações que dão sentido à vida coletiva, deve-se salientar que

existem grupos que possuem um maior poder sobre este imaginário e, a partir dele, exercem e

ampliam o poder efetivo sobre os demais. Chartier (1990, p.17) afirma que as representações

do mundo social “[...] são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam”.

Tanto Chartier, quanto Baczko e Ansart, indicam haver uma constante luta pelo controle dos

bens simbólicos e das representações. Tais lutas são, na verdade, combates pelo exercício do

poder: “As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para

compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção

do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio” (CHARTIER, 1990, p.17).

Assim, ao se trabalhar com a idéia de um imaginário anticomunista deve-se encará-

lo como uma construção. O anticomunismo surge como um aspecto importante na disputa

pelo poder. Toda a propaganda divulgada contra o marxismo tinha por finalidade a

manutenção da ordem, enfraquecendo o ideário de transformação da sociedade proposto por

Karl Marx. Compreender o imaginário anticomunista, portanto, significa analisá-lo à luz dos
67

grupos que o produziram e os aspectos que os motivaram: a Igreja que se via ameaçada em ser

destruída, os proprietários que temiam a coletivização de seus bens, os governos que

necessitavam de uma justificativa para a adoção de medidas autoritárias, etc.

Malaguti Batista descreve como a idéia do caos é explorada pelos grupos mandantes

no intuito de perpetuar a estrutura desigual e excludente. Assim, o outro é visto como portador

da destruição, uma ameaça à ordem. “A produção imagética do terror cumpre então um papel

disciplinador emergencial. A ocupação dos espaços públicos pelas classes subalternas

produz fantasias de pânico e ‘caos social’, que se ancoram nas matrizes constitutivas da

nossa formação ideológica” (MALAGUTTI BATISTA, 2003, p.34). O comunismo

encarnaria, dessa forma, esse outro produtor do caos. As classes que viam nele um inimigo a

ser vencido a qualquer custo investiram numa ampla propaganda, criando um mito em torno

do revolucionário, de sua forma de ação e de seus verdadeiros objetivos. Vale lembrar aqui o

“mito do complô” desenvolvido por Girardet (1987). Para o autor, no centro de uma mitologia

da conspiração sempre aparece a imagem temida de uma Organização. Esta agiria na

clandestinidade, tendo uma rigorosa compartimentação interna hierarquicamente construída e

caberia a ela tentar colocar em prática estratégias manejáveis como “ [...] a da corrupção, do

aviltamento dos costumes, da desagregação sistemática das tradições sociais e dos valores

morais” (GIRARDET, 1987, p.40), sendo o seu objetivo final a conquista do mundo. Girardet

(1987, p.38-39) ainda indica a forma como essa mitologia da conspiração é dirigida às

massas:

à medida em que se amplifica, ao longo do último século, a imagem da


conspiração, em que um discurso cada vez mais repetitivo, em que uma
literatura cada vez numerosa a impõem à consciência das massas, o campo
atribuído à manipulação se faz, em outras palavras, multidimensional. O
aparelho político e administrativo não constitui mais sua única aposta. Esta
se expande para todos os domínios da vida coletiva, quer trate dos
costumes, da organização familiar, como também do sistema educacional
ou dos mecanismos econômicos.
68

A propaganda moderna, segundo Baczko (1985, p.314), tem condições técnicas,

culturais e políticas “[...] que permitem fabricar e manipular as emoções e imaginários

colectivos em que assenta o carisma”, sendo capaz, em certas circunstâncias, de elevar as

angústias levando a histeria. Ansart (1978, p.89) também nos mostra a força da propaganda na

formação de um imaginário: “A opinião pública, pode-se dizer paradoxalmente ‘não existe’; é

constantemente trabalhada, modelada, repartida por essa gigantesca empresa de inculcação,

conduzida de modo permanente por todos os órgãos de divulgação”. Assim, o comunismo foi

vítima de uma ampla propaganda que buscava o convencimento da população sobre o perigo

que este representava. Entretanto, entende-se como propaganda neste trabalho não somente as

mensagens veiculadas pelos meios de comunicação, mas de uma forma mais ampla, divulgada

também via religiosos, políticos, instituições educacionais e mesmo cidadãos comuns através

de missas, reuniões, encontros, comícios, festividades e até mesmo dentro do próprio convívio

social, via conversas informais. Toda essa propaganda divulgada contribuiu para a construção

de um mito em torno do revolucionário, criando uma imagem negativa do mesmo, servindo

como estratégia para afastar da população qualquer idéia que representasse transformação na

estrutura socioeconômica vigente. O comunista, então, encarnaria a figura do homem do

complô de Girardet, que agiria sorrateiramente no sentido de quebrar todas as regras

existentes, pondo um fim à ordem e desarticulando a sociedade, colocando em ação os seus

planos maléficos.

Dessa forma, não se pode deixar de discutir a própria noção de “bem” e “mal”

presente no imaginário anticomunista que, segundo Rosenfield (2003), também está fundada

na representação que uma sociedade em determinada época faz de si e dos outros. A grande

questão que o autor coloca em sua obra é a relação entre “mal” e “existência”. O existente é

tido como algo produzido pela relação humana, um fato prático, uma coisa feita, uma ação.

“Se muitas vezes o mal nos acompanha nas representações das coisas, ele o faz em função da
69

existência que atribuímos a elas segundo aquilo que, freqüentemente, estimamos digno de ser

valorizado” (ROSENFIEL, 2003, p.34). Sendo assim, o comunismo pode ser visto como um

mal a partir do momento que coloca em risco a própria representação de sociedade ideal para

aqueles que o temiam. Mais do que o comunismo como uma existência, é a ameaça que ele

passa a representar para aquilo que é existente. É o que demonstra, por exemplo, o trabalho de

Rodeghero (2003, p.140-141). Alguns de seus entrevistados viam no comunismo uma ameaça

à própria Igreja Católica e ao cristianismo de um modo geral, chegando a se referir à ideologia

como uma outra religião. Além disso, temiam a destruição da família, a perda dos bens e da

liberdade e o sofrimento. Aspectos parecidos foram encontrados entre alguns moradores da

região do Parque Nacional do Caparaó, o que será abordado no capítulo seguinte.

Os grupos conservadores que se dedicaram ao combate ao comunismo exploraram,

dessa forma, imagens da ideologia sempre ligada ao “mal”. As representações construídas em

torno do comunista o responsabilizava por todo tipo de malefícios como a miséria, a fome, a

violência, o pecado e, principalmente, a morte.

Rodeghero (2003), em sua análise do anticomunismo católico no Rio Grande do Sul

no período entre 1945 e 1964, também mostra como a distinção entre bem e mal foi explorada

por grupos que combatiam o comunismo. Este, segundo a autora, se igualava a outras

modalidades de mal como o roubo, o homicídio e o adultério. “O comunismo teria como

característica básica o ódio, em oposição ao amor cristão” (RODEGHERO, 2003, p.31)

criando, assim, uma contraposição entre cristianismo e comunismo ou, como afirma Motta

(2002, p.48), a revolução passou a ser encarada como um mal-absoluto:

“comunismo=demônio”. A própria Encíclica Divini Redemptoris definia os cristãos como

“filhos da luz” e os comunistas como “filhos das trevas”.

No caso do Brasil, os valores católicos se constituíram como a principal base de

mobilização anticomunista. Devido a este fato, não é de se estranhar que se tenha explorado
70

tanto essa ligação entre marxismo e demônio. Uma vez que se apresentava como um perigo à

sobrevivência da própria Igreja, o comunismo era tido como “cria de satanás”. Vale aqui

lembrar a própria construção da figura do demônio pelo cristianismo. Nogueira (2000) mostra

que a figura de satã surgiu como o inimigo implacável de Jesus, tramando sempre a ruptura da

fidelidade a Deus e pondo a perder corpos e almas dos seguidores da doutrina cristã. O bem e

o mal perpassam a vida de todos, sendo livre a escolha de cada um pelo caminho a seguir. Na

Igreja primitiva havia um otimismo em relação à vitória do bem sobre o mal. No entanto,

durante a Idade Média, esta perspectiva mudou: o mal ainda estava por ser vencido e o diabo,

mais forte do que nunca, se mostrava presente em todos os lugares (NOGUEIRA, 2000, p.46-

50). De acordo com Guimarães (1950, p.47), a religião é a responsável pela sobrevivência do

diabo por tão longo tempo. Para Nogueira (2000), afirmar que o demônio havia sido derrotado

colocaria em risco a própria existência da Igreja Católica, sendo necessário, por isso, que esta

fortalecesse a imagem de seu inimigo. Dessa forma, inicia-se uma perseguição àqueles que

estavam inseridos no seio da comunidade cristã, mas que colaboravam para aumentar o poder

do Maligno:

Para o fiel da religião, os adoradores do Demônio representam a total


inversão dos valores: praticam toda a sorte de costumes imorais, aberrações,
em suma, enfrentando os mandamentos de Jesus, praticam os atos mais
imundos e contrários a toda a decência. A história subseqüente do Diabo
confunde-se com as perseguições aos judeus, aos feiticeiros e a grande
“caça às bruxas” da Europa moderna (NOGUEIRA, 2000, p.50).

Assim, pode-se afirmar que o comunismo no século XX veio substituir o que antes

era representado por bruxas, feiticeiras, judeus, turcos, protestantes, etc. O próprio Nogueira

(2000, p.84) demonstra que, por causa das convulsões sociais, ocasionadas pela desigualdade

e miséria, as cidades eram tidas como “[...] território preferencial dos demônios”. O

revolucionário, assim, poderia ser a atualização dos descontentes das eras medieval e

moderna. Aparecia como a encarnação do inimigo a ser vencido pela Igreja, a nova estratégia
71

do demônio para derrotar Cristo e seus seguidores, impondo um mundo de pecado e

sofrimento:

O comunismo era um demônio semelhante e, ao mesmo tempo, diferente de


outros que a Igreja já combatera: representava a força do mal que estivera
presente no mundo desde a sua criação e do pecado original, mas tinha
características próprias e atuais, como o ateísmo e materialismo, o objetivo
de destruir a família, a propriedade privada e a pátria, de querer solapar
todas as conquistas da civilização cristã (RODEGHERO, 2003, p.34).

De acordo com Motta (2002, p.62-66), o comunismo aparecia como um desafio aos

valores tradicionais da moral cristã. Sua tentativa em desvirtuar a “boa sociedade” era

somente mais um passo dentro do intuito maligno de destruir a própria Igreja. Portanto, os

revolucionários eram apresentados como imorais e tinham como alvo principal a destruição

do pilar básico do edifício cristão: a família. Como a encarnação do mal, o comunismo levaria

ao caminho do crime e do pecado. Dessa forma, caberia aos anticomunistas defender a

preservação da moral sexual e da estrutura familiar, acusando a propaganda subversiva de

colocá-las em risco. Esse tipo de discurso dava especial destaque à União Soviética,

afirmando que no país haveria aumentado o número de estupros, incestos e orgias. Na

verdade, as transformações ocorridas no interior da URSS não se limitaram à estrutura social

e econômica. O comportamento também havia passado por uma revolução. Para começar, o

casamento havia perdido o seu caráter sagrado, passando a ser um ato exclusivamente civil. A

possibilidade do divórcio também assustava os defensores da moral cristã. Além disso, houve

a quebra do poder paterno na unidade familiar, sendo o objetivo do governo bolchevique

livrar a mulher da submissão e da função doméstica a que era imposta. A ela caberia agora o

trabalho profissional em igualdade de condições com os homens. O trabalho doméstico seria

substituído, em parte, por creches, escolas e cozinhas coletivas. Assim, o governo soviético

esvaziava a instituição familiar, rompendo com o seu sentido básico de existência, na medida

em que as crianças estariam “[...] do berço até a idade de entrar no mundo trabalho, sob os
72

cuidados do Estado” (MOTTA, 2002, p.65). Outros aspectos completariam essa exploração

da imagem dos comunistas como imorais: a permissão do aborto na URSS, a educação sexual

nas escolas, a representação dos revolucionários como sedutores, entre outros.

Uma publicação católica, a Revista Eclesiástica Brasileira, datada do auge das

manifestações anticomunistas no Brasil na década de 1960, mostra bem esse tipo de ataque à

URSS. Segundo um pequeno artigo publicado na revista, a própria imprensa soviética vinha

dando grande destaque à desagregação familiar que ocorria internamente. Até mesmo jornais

ligados às Forças Armadas reclamariam que os atritos familiares vinham trazendo transtornos

e preocupações ao alto comando das tropas soviéticas. O texto trazia a imagem de um país

onde os jovens já não se interessavam mais pelo matrimônio, preferindo fazer o que

quisessem, onde casais muito novos não viviam em harmonia e que os maridos adotavam

atitudes negligentes em relação às esposas, sem especificar que negligências seriam estas.

Mais ainda, como conseqüência, o país assistia a uma onda crescente de crimes sexuais,

aumento da prostituição e que muitos só se casavam para adquirir do Estado uma casa ou

apartamento, entre outros aspectos. O artigo, logicamente, não deixaria de desvendar o

causador de tal situação:

Perguntando-se pela causa de tal desagregação e amoralismo do matrimônio


na Rússia, o Literaturnaya Gaseta de maio de 1963 responde que a causa
principal está na incerteza que reina entre a nova geração a respeito da
continuação ou não continuação do matrimônio e da família sob o domínio
do Comunismo, e das atitudes e regras contraditórias emanadas do Partido
Comunista. Essa incerteza, por sua vez, baseia-se nas diferentes respostas
que lhes apresentam os líderes ideológicos. Assim, Engels e Marx são
citados para justificar o fim da tradição conjugal: “... a indissolubilidade do
matrimônio e o predomínio do homem no mesmo desaparecerá e também
desaparecerá a família...(REVISTA Eclesiástica Brasileira, 1964, p.224-
225).

Um exemplo de como a Igreja Católica trabalhava a idéia de imoralidade ligada ao

comunismo seria o conceito de bolchevismo moral e cultural criado pelo arcebispo de Porto
73

Alegre, dom Vicente Scherer. Em 1947, durante as comemorações do 12o aniversário da

derrota da Intentona Comunista, dom Vicente utilizou o termo com o objetivo de alertar a

população para aqueles que, ao atentarem contra a moralidade e os bons costumes, abriam a

porta para o comunismo facilitando a sua vitória. Para o arcebispo, os meios utilizados por

estas pessoas seriam “[...] as estações de rádio; inúmeras revistas contendo ‘ilustrações

berrantes e anedotas maliciosas’; a publicidade impregnada de sensualismo; a obscenidade

nos palcos; os espetáculos desonestos nos quais a nudez era a atração única e exclusiva”

(RODEGHERO, 2003, p.73).

As críticas em relação às mulheres que participavam de manifestações públicas e

protestos políticos também eram comuns por aqui, sendo reforçado, dessa forma, o “[...] ideal

de mulher submissa, caseira, recatada e alheia aos problemas de cunho político, apenas

admitindo como suas funções representar o papel de esposa, ser boa mãe e garantir a

moralidade da família” (RODEGHERO, 2003, p.68-69). Deve-se lembrar que, no passado, a

Igreja via a mulher como mais vulnerável às investidas do demônio que o homem: “[...] sua

vítima é, por excelência, a mulher” (NOGUEIRA, 2000, p.42). Girardet (1987, p.41) também

afirma que a mulher, ao lado da criança, é alvo preferencial na mitologia desenvolvida em

torno dos homens do complô: “Habilmente colocada a serviço da Organização, não menos

habilmente levada para os braços dos poderosos deste mundo, é a ela que caberá a tarefa de

destruir lares, de dilacerar as famílias”.

Além disso, os grupos conservadores investiram na construção de um verdadeiro

imaginário anti-soviético que mostrava o país como ditatorial, ateu, imoral, assassino,

diabólico e que condicionava seu povo à miséria e à exploração. Aqui vale lembrar que havia

uma verdadeira luta pela representação sobre a URSS, já que os comunistas o apresentavam

como um paraíso da igualdade.


74

As imagens de animais e monstros também foram muito utilizadas para designar os

revolucionários marxistas. Motta (2002, p.51) descreve que os seres associados ao

comunismo “[...] tinham presença marcante no imaginário popular, que os classificava como

bichos assustadores, traiçoeiros, repelentes e às vezes asquerosos”: o polvo, a serpente, a

hiena, a hidra, o lobo, o abutre, o dragão, entre tantos outros. Rodeghero (2003, p.36) afirma

que as características atribuídas a estes animais eram transferidas aos comunistas: “[...]

infestar o ambiente e prejudicar a saúde; alimentar-se de carne decomposta e dos povos

escravizados; ser astuto e falso; ser predador e disfarçar-se de inocente”, entre outros

exemplos citados pela autora.

Muito comum também era o uso de doenças e outros agentes infecciosos. A ação

revolucionária era comparada à peste, praga, bacilo, veneno, vírus, câncer, etc. Assim como

uma doença, o comunismo infiltrava no organismo social, debilitando-o internamente. Este

tipo de imaginário imposto pelo anticomunismo guardava certa proximidade com a idéia de

que os comunistas eram agentes estrangeiros a serviço da União Soviética, foco propagador

da “ameaça revolucionária”. Essa visão foi mais explorada durante a Guerra Fria. A partir da

década de 1960, no entanto, China e Cuba passaram também a fazer parte das denúncias de

tentativas de insuflar movimentos revolucionários no Brasil através do envio de agentes para

o treinamento de comunistas e de literatura subversiva. Propagava-se uma falsa imagem de

um bloco coeso formado pelas nações socialistas, ocultando as divergências existentes entre

elas.

É importante também lembrar que os imigrantes eram acusados de serem os

responsáveis por terem trazido as idéias perigosas para o Brasil, como visto anteriormente.

Entendido como uma ameaça estrangeira, o comunismo alimentou também um imaginário

anti-semita. Os judeus eram responsabilizados, principalmente pelos círculos fascistas e

católicos, pela criação das idéias revolucionárias. A Ação Integralista Brasileira deu ênfase ao
75

tema, muito provavelmente, sob inspiração do nazismo. Os semitas já eram acusados de

envolvimento com as grandes revoluções que deram início à era moderna, sendo a revolução

comunista a última etapa rumo à tomada do poder em todo o mundo. A Revolução Russa de

1917 representava, assim, o primeiro passo neste sentido.

Pode-se constatar que muitas das imagens utilizadas pelos anticomunistas para

desvalorizar o inimigo já povoavam a mente popular. Girardet (1987, p.51) afirma que, para

ter eficácia, a mensagem a ser transmitida deve corresponder a um código já inscrito no

imaginário. Dessa forma, o diabo, a conspiração judaica, a ameaça estrangeira, enfim, vários

dos aspectos presentes no imaginário anticomunista já existiriam como ameaça para a

população, sendo apenas adaptadas ao novo inimigo que surgia. O comunismo, assim, era

representado muitas das vezes de forma exagerada e grotesca. No entanto, Motta (2002, p.87-

88) afiança que muitas das representações em torno do comunismo se baseavam em

fragmentos do real, principalmente no que dizia respeito à União Soviética. Recorrendo

novamente a Girardet (1987, p.52-53), o autor afirma que nenhum mito político atua

exclusivamente no plano da fábula, tendo sempre uma base real para que possa ter sucesso.

No entanto, esse real é aumentado e distorcido: “Trata-se de uma verdadeira mutação

qualitativa: o contexto cronológico é abolido; a relatividade das situações e dos

acontecimentos, esquecida; do substrato histórico não restam mais que alguns fragmentos de

lembranças vividas, diluídas e transcendidas pelo sonho”. Além disso, Rodeghero alerta para

dois aspectos importantes: primeiramente, o fato de muitos grupos tachados como comunistas

na realidade não o serem, como o caso de membros de partidos de esquerda, militantes de

movimentos sindicais, estudantis ou outros movimentos populares (2003, p.28) e, segundo, a

importância de se analisar o contexto histórico e os ideais que inspiram a construção de um

imaginário anticomunista (2003, p.79).


76

2.3 A EVOLUÇÃO DO ANTICOMUNISMO NO BRASIL

Se entre meados do século XIX e início do século XX o comunismo era entendido

como um perigo por ser uma ideologia capaz de articular a classe trabalhadora, o que levava

as elites dirigentes a combatê-lo, após a Revolução Russa de 1917, ele se torna uma realidade

fortalecendo uma mobilização poderosa que visava deter as suas possibilidades de avanço.

Motta (2002, p.XX) afirma que “[...] a força do comunismo, consubstanciada na expansão

dos partidos e ideais comunistas, engendrou o anticomunismo”.

No Brasil, o anticomunismo teria ganhado força com o crescimento do PCB e,

principalmente, após a tentativa de tomada do poder em 1935 através da Intentona Comunista.

No período entre 1917 e 1930, a ideologia teria sido vista como uma ameaça distante, um

problema que tinha a ver muito mais com a realidade européia e asiática do que a brasileira.

Ainda assim, temiam-se atividades revolucionárias em território brasileiro, uma vez que havia

vanguardas operárias organizadas e surtos grevistas, além da criação do PCB em 1922 que

teve rápido avanço sobre os sindicatos. O anticomunismo desenvolvido neste período

concentrou seus ataques às supostas condições deploráveis da União Soviética após a

revolução bolchevique. Entretanto, durante o governo de Washington Luís, notou-se uma

maior mobilização comunista no país, o que trouxe em contrapartida uma onda anticomunista

e a adoção de medidas repressivas por parte das autoridades.

O movimento de outubro de 1930, que colocou um fim à Primeira República, trouxe

um novo temor em relação a uma revolução bolchevique no Brasil. O grupo que se agregou

para tomar pelas armas o poder era muito heterogêneo3: “No interior da ampla coalizão havia

3
Alceu de Amoroso Lima demonstraria sua preocupação em relação à heterogeneidade do movimento de 1930
ao afirmar haver “[...]‘entre eles uma corrente racional, tradicional e cristã’, em oposição a uma outra
77

civis e militares, radicais e conservadores, liberais e antiliberais, este último dividido entre

esquerdistas e simpatizantes do fascismo” (MOTTA, 2002, p.8). Os rumos a serem tomados

pelo novo governo não eram claros e os setores antiliberais conquistaram um grande espaço, o

que gerava uma forte apreensão entre os setores conservadores da sociedade. Militantes

católicos conservadores, por exemplo, criticavam o movimento por ser uma “revolução” e por

considerá-lo uma vitória do tenentismo (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000,

p.72-73). Além disso, algumas medidas adotadas pelo governo provisório deram origem a

críticas de que o país rumava para o comunismo. A primeira foi a nomeação do tenente João

Alberto como interventor de São Paulo, já que este fora acusado de proteger comunistas e de

permitir o funcionamento do PCB. A segunda foi a proposta, recusada por Getúlio Vargas, de

reatar relações diplomáticas com a União Soviética4. A terceira foi a adoção de uma política

intervencionista pelo próprio Vargas, a qual propiciou o advento de críticas de que o país

rumava para o comunismo, principalmente por parte dos cafeicultores, acostumados com a

política liberal. Tais afirmações não tinham fundamento, uma vez que o próprio governo

havia tomado uma postura de barrar o avanço dos comunistas.

É importante destacar, entretanto, que o clima político após o movimento de 1930

fez com muitas pessoas passassem a enxergar no comunismo a saída para os graves

problemas brasileiros. Motta afirma que a adesão ao marxismo-leninismo por Luiz Carlos

Prestes, líder tenentista sobre o qual pairava o mito do “Cavaleiro da Esperança”, teve poder

de influenciar muitos grupos que o tinham como o maior líder popular do país (MOTTA,

2002, p.84-85). Assim, à medida que a adesão ao comunismo aumentava, ampliava-se

também o medo e a mobilização anticomunista, surgindo várias publicações que atacavam a

ideologia.

‘demagógica, libertária, que fatalmente levaria ao materialismo comunista e à perseguição da tradição cristã’”.
(SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p.73).
4
O Brasil havia rompido as relações diplomáticas com a Rússia após a tomada do poder pelos bolcheviques.
78

O crescimento das atividades dos grupos de direita e esquerda marcou os meados da

década de 1930. De um lado, o PCB, engajado numa luta antifascista, buscava o apoio de

setores não comunistas da esquerda. De outro, a AIB utilizou-se do discurso anticomunista

também para conseguir adeptos. Assim, comunistas e integralistas se fortaleciam, na medida

que combatiam um ao outro. Essa radicalização levou o Estado a adotar medidas repressivas

através da adoção da Lei de Segurança Nacional (LSN).

No início de 1935 foi formada a Aliança Nacional Libertadora (ANL), congregando

grupos de esquerda sob a liderança do PCB. A ANL tinha como fundamentos ideológicos a

bandeira antifascista, antiimperialista e antifeudal. À medida que ganhava espaço e divulgava

manifestos expondo a sua causa, a organização munia o governo de argumentos para fechá-la.

Após um manifesto escrito por Prestes, em 05 de julho de 1935, onde conclamava o povo

oprimido a lutar pela libertação da Nação, combatendo fascistas e imperialistas, o governo se

utilizou da LSN para colocar um fim às atividades da ANL. Motta (2002, p.183) afirma que a

repressão estatal contra a ANL não decorria apenas do temor frente ao comunismo, mas sim

do fato de a entidade ter apresentado grande vitalidade:

A receptividade ao programa da frente mostrava-se maior entre militares,


estudantes, intelectuais e trabalhadores. A capacidade demonstrada pela
ANL de crescer e empolgar segmentos importantes da sociedade provocava
ansiedade nos setores conservadores. [...] Num país praticamente sem
tradição de participação política popular, qualquer tentativa de mobilizar os
“de baixo” provocava tremores nas elites.

Além deste aspecto, o governo tinha outros dois motivos para fechar a ANL:

primeiramente, a força de atração que as propostas da entidade tinha sobre os militares e,

segundo, o fato de o PCB estar à frente do movimento. É certo que houve exagero no tom

dado às denúncias, colocando a ANL como um simples braço do PCB. No entanto, não se

pode negar o papel de destaque que os comunistas tinham dentro da organização. O


79

fechamento da ANL representou, por um instante, uma diminuição da campanha

anticomunista que se desenvolvia nos jornais após o início das mobilizações de esquerda.

Entretanto, a partir de fins de 1935, os grupos conservadores da sociedade deram

início a uma campanha mais forte contra o comunismo. O levante iniciado em 23 de

novembro daquele ano, mais conhecido como Intentona Comunista, foi o responsável pelo

maior surto anticomunista que o país já havia visto até então. Iniciado em um quartel na

cidade de Natal e que veio a refletir em quartéis de Recife e do Rio de Janeiro, o movimento,

que não contou com uma grande participação de civis, foi vencido pouco tempo depois.

É importante perceber, porém, como o evento colaborou para a construção de uma

imagem negativa do comunismo, o mito da “ideologia malsã”. Primeiramente, pode-se

discutir o próprio caráter comunista do movimento. Como já citado, a ANL era liderada pelos

comunistas, tendo em Prestes a sua figura de maior expressão. Além disso, de acordo com

Fausto (2001, p.361), Moscou havia enviado ao Brasil alguns de seus quadros dirigentes

estrangeiros para ajudar nos preparativos da insurreição. No entanto, a entidade congregava

vários setores da esquerda que não comungavam dos mesmos ideais do PCB. Mesmo assim,

toda a representação construída em torno do movimento o destacava como um levante

comunista chefiado pelo PCB e que teria recebido ordens do Komintern.

Outro aspecto que ficou marcado na construção realizada a partir da Intentona foi a

idéia de dupla traição: os revoltosos seriam traidores da corporação militar da qual eram

membros ao se levantarem em armas contra ela, e traidores da Pátria na medida que iniciaram

um movimento sob ordens de uma potência estrangeira, a União Soviética. No que tange à

traição da corporação militar, surgiram notícias de que alguns oficiais haviam sido

assassinados enquanto dormiam5, o que criava uma imagem dos revoltosos como covardes.

5
Pelos indícios, somente um oficial teria sido assassinado e, mesmo assim, em condições diferentes daquelas
exploradas pela imprensa da época (MOTTA, 2002, p.80-81).
80

Ainda foram explorados alguns fatos que, ao que tudo indica, não ocorreram: estupros,

saques, assassinatos, entre outros aspectos divulgados pelos anticomunistas.

Deve-se também lembrar que, desde a Revolução Russa em 1917 até 1935, o

comunismo ainda representava uma ameaça distante, como já discutido. A Intentona gerou

um clima de apreensão e, a partir de então, o medo de um movimento comunista passou a ser

mais forte. Todo esse clima foi utilizado pelos setores conservadores da sociedade para

alarmar a população. Motta (2002, p.193) afirma que o caráter manipulador da campanha

anticomunista pós 35 deve ser relativizado, já que havia um medo sincero do comunismo e

um desejo de reprimi-lo: “Os defensores da ordem não estavam exagerando totalmente

quando denunciaram o ‘perigo comunista’. A situação era de molde a causar uma reação de

temor sincero ao comunismo, considerado um inimigo ativo e perigoso”.

Porém, o mesmo não se pode afirmar sobre Vargas. O presidente soube manipular

toda essa apreensão ocasionada pela Intentona a seu favor. O movimento foi trabalhado de

forma a permanecer vivo na memória da população e alertando-a de que os comunistas

permaneciam à espreita, esperando o melhor momento para tomar o poder. Como forma de

manter viva a lembrança do levante, o dia 27 de novembro, momento da derrota dos últimos

grupos de revoltosos, tornou-se data comemorativa oficial das Forças Armadas, havendo a

realização de atos onde compareciam autoridades da República, inclusive o próprio

presidente. Foi construído também um monumento aos mortos na Intentona que “lutaram em

favor da ordem” no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. “A rememoração dos fatos

ocorridos em 1935, melhor dizendo, das versões sobre eles, tornou-se uma arma importante

da propaganda anticomunista, que, para tanto, cunhou a expressão ‘lembrai-vos de 35’”

(MOTTA, 2002, p83-84). Pollak, utilizando um conceito de Henry Rousso, define como

“memória enquadrada” aquela construída como forma de manter a coesão interna e defender

as fronteiras daquilo que um determinado grupo tem em comum através do fornecimento de


81

um quadro e de pontos referências. Isto significa reinterpretar os acontecimentos históricos e

produzir discursos organizados, tarefas muitas vezes realizadas por atores profissionalizados:

“[...] os rastros desse trabalho de enquadramento são os objetos materiais: monumentos,

museus, bibliotecas, etc.” (POLLAK, 1989, p.10). Neste sentido, construir uma memória

sobre a Intentona não significava somente relembrar o momento em que o país quase foi

tomado pelos comunistas. Consistia, sobretudo, em mostrar que o perigo continuava próximo

e que o país deveria manter-se unido para não cair nas garras dos revolucionários. Mais ainda,

a construção de uma memória em torno do movimento de 1935 tinha por fim fortalecer a

figura de Vargas, visto como o único capaz de derrotar o comunismo. Necessitava-se, então,

de uma união nacional em torno do presidente para que este colocasse um fim definitivo ao

perigo que rondava o país.

Os setores sociais amedrontados com o levante deram o seu apoio a Getúlio. Os

grupos políticos passaram por cima de suas diferenças em nome da defesa da Nação, pois se

permanecessem divididos na disputa pelo poder “[...] o comunismo destruiria a todas,

independente da cor partidária” (MOTTA, 2002, p.196). A imprensa teve papel fundamental

no processo de criação um clima de pânico no seio de alguns setores sociais, ao exagerar os

fatos ocorridos durante o levante. Muitos jornais teriam, inclusive, pressionado o Estado no

sentido de endurecer a repressão e a punição aos rebeldes. As Forças Armadas também

exigiram um tratamento duro aos revoltos e medidas mais fortes de combate ao comunismo.

Apoiado nos reclames de tais setores, o governo implementou reformas constitucionais,

ampliando o poder do executivo e dando início a maior campanha de repressão política já

vista no país até então. Entre os presos do período estavam não só comunistas como também

esquerdistas de várias tendências, desafetos políticos de algumas autoridades, além de

vagabundos e delinqüentes comuns.


82

Ainda pressionado por grupos anticomunistas, o Estado criou o Tribunal de

Segurança Nacional, TSN. Tais grupos temiam que a justiça comum fosse branda nas

punições aplicadas aos revolucionários, e defendiam a criação de uma justiça especial para os

crimes políticos. Para garantir a sua eficiência, o TSN contava com juízes nomeados

diretamente pelo presidente sendo sempre escolhidos indivíduos comprometidos com o

combate ao comunismo. O Estado ainda criaria a Comissão Nacional de Repressão ao

Comunismo, CNRC, subordinada ao Ministério da Justiça. O órgão tinha o poder de mandar

prender e de afastar de funções públicas qualquer pessoa suspeita de envolvimento em

atividades revolucionárias. Além disso, possuía também o poder de censura às publicações e

de planejar a repressão em todo território nacional.

Além das medidas repressivas adotadas pelo Estado, o período ficou marcado

também pela ampliação da campanha de propaganda contra o comunismo. Os principais

agentes envolvidos em tal tarefa eram o próprio Estado, a imprensa e a Igreja Católica. “Na

ótica dos grupos conservadores, tratava-se não só de combater o inimigo pela força, mas

‘expeli-lo dos espíritos’” (MOTTA, 2002, p.210). Divulgou-se imagens dos comunistas

baseadas em aspectos reais, porém, de maneira deformada e deturpada. Os jornais

denunciavam de forma constante a descoberta e o desmantelamento de células revolucionárias

como forma de manter a população apreensiva. Junto aos jornais da grande imprensa e dos

periódicos católicos, o rádio também mostrou-se eficaz no combate ao comunismo, sendo

amplamente utilizado pelo próprio Estado.

A partir do final de 1936, houve um retrocesso da campanha anticomunista,

principalmente na grande imprensa. Motta (2002, p.214) afirma que tal fato talvez tenha

ocorrido devido à percepção de que já se havia consolidado, na mentalidade popular, uma

imagem negativa do comunismo e já havia ocorrido o aparelhamento do Estado com o intuito

de reprimir a ação revolucionária no país. Este sentimento de maior segurança fez com que
83

muitos setores da sociedade passassem a defender o retorno à normalidade institucional,

pondo um fim ao Estado de Guerra6 imposto desde a Intentona Comunista. Grupos políticos

ansiavam pela liberdade para darem início à corrida pela presidência, já que as eleições

estavam previstas para o ano de 1938. Muitas medidas sinalizavam o retorno à normalidade:

houve a restauração da liberdade política, a soltura de alguns presos acusados de atividades

revolucionárias, a anulação ou a diminuição das penas de alguns condenados, entre outros

acontecimentos que sinalizavam uma provável abertura do regime de exceção implantado no

país.

Tais medidas, porém, foram acompanhadas de uma forte reação de grupos

anticomunistas mais radicais, entre eles os integralistas, católicos e militares. A partir de

meados de 1937, o país se viu mergulhado novamente numa onda de denúncias de

conspiração revolucionária. A imprensa direitista deu um amplo destaque ao tema, trazendo à

tona mais uma vez o clima de medo e mobilizando as elites conservadoras do país. Dessa

forma, a população já se encontrava relativamente preparada quando foi denunciada a nova

armação dos comunistas: o Plano Cohen. O texto datilografado pelo então capitão Olímpio

Mourão Filho7, no Ministério da Guerra, mostrava um falso plano de revolução. Mourão foi

surpreendido e o documento foi parar nas mãos do presidente Vargas. “Cohen – um nome

judaico não por acaso, dado o anti-semitismo dos integralistas – era o autor fictício do

plano” (PILAGALLO, 2002, p.55). Neste sentido, deve-se destacar a ligação entre judaísmo e

comunismo divulgada por alguns grupos anticomunistas.

O Plano Cohen foi divulgado pela imprensa como uma tentativa real de conspiração,

dando ao governo a justificativa que necessitava para decretar novamente o Estado de Guerra:

6
O Congresso aprovou o Estado de Sítio em 25 de novembro de 1935. Entretanto, julgando as medidas de
combate ao comunismo insuficientes, o governo elaborou um projeto que modificava a LSN e equiparava, assim,
o Estado de Sítio ao Estado de Guerra, sendo prorrogado sucessivamente até junho de 1937. (FAUSTO, 2001,
p.361).
7
Mourão Filho era adepto do integralismo. O texto datilografado pelo militar teria apenas função didática sendo,
provavelmente, utilizado pelos integralistas para discutirem estratégias em caso de uma hipotética tentativa de
revolução comunista.
84

“A insurreição provocaria massacres, saques e depredações, desrespeito aos lares, incêndios

de igrejas etc.” (FAUSTO, 2001, p.363). Vargas já dava sinais de que não queria deixar a

presidência e se utilizou do falso projeto comunista de tomada do poder para arquitetar um

golpe de Estado, marcado para o dia 15 de novembro. No entanto, como já não era mais

surpresa para muita gente8, o presidente antecipou-o para o dia 10 do mesmo mês, ordenando

o cerco ao Congresso por policiais militares9 e o seu fechamento, seguido de sua dissolução.

A prova de que o golpe já havia sido preparado com bastante antecedência é que, no mesmo

dia, foi promulgada a nova Constituição.

O Estado Novo implantado por Vargas só foi possível em razão da angústia vivida

por parcelas da população diante da ameaça comunista que pairava no ar. O golpe contou com

total apoio de anticomunistas radicais, entre eles integralistas e católicos. O combate aos

revolucionários no período continuou através de constante vigilância, havendo um

aperfeiçoamento do aparelho repressivo e, principalmente, da propaganda. Podemos afirmar,

então, que o “[...] novo regime coincidiu com a consolidação do imaginário anticomunista na

estrutura social brasileira, notadamente entre as classes médias e superiores” (MOTTA,

2002, p.230).

O fim do Estado Novo, porém, representou uma nova apreensão por parte de alguns

setores da sociedade, principalmente da Igreja. Esta temia que o clima de liberdade

proporcionasse o avanço das esquerdas. O medo se tornaria maior após o relativo sucesso do

PCB nas eleições de 194510. Além disso, houve no país um notável crescimento dos meios de

comunicação, o que também incomodava aos líderes católicos preocupados com a sociedade

brasileira. Rodeghero (2003, p.71) afirma que a maior parte dos meios de comunicação

8
O presidente Vargas já havia avisado os governadores dos estados para garantir o apoio a seus planos golpistas.
No entanto, um apelo de Sales Oliveira para que o golpe não acontecesse fez com que ele, na verdade, fosse
precipitado (PILAGALLO, 2002, p.55).
9
O ministro da Guerra, general Dutra, se opôs à utilização de homens do Exército na ocupação do Congresso,
tendo Vargas recorrido à polícia militar (FAUSTO, 2001, p.364).
10
O PCB elegeu quatorze deputados federais, entre eles João Amazonas, Gregório Bezerra, Carlos Marighella e
Jorge Amado, e um senador, Luís Carlos Prestes.
85

passou a ser vista como “[...] porta-voz do anticristianismo, inimigos da pátria, depravadores

da juventude, fontes de males e, também, ‘fios ocultos do comunismo internacional’”.

Ao mesmo tempo, o mundo vivia a apreensão ocasionada pelo fim da Segunda

Guerra Mundial e o início da Guerra Fria. O crescimento da área sob influência soviética

trouxe, em contrapartida, uma reação do governo norte-americano, empenhado em conter, a

qualquer custo, o avanço do comunismo. Assim, os Estados Unidos adotaram uma postura de

líderes do “mundo livre” e direcionaram o seu poder e riqueza para a sustentação de grupos

dispostos a enfrentarem o inimigo, “[...] oferecendo-lhes suporte ideológico, político e

material” (MOTTA, 2002, p.XXI). No entanto, devemos lembrar que o Brasil tomou medidas

anticomunistas antes mesmo que os próprios norte-americanos. O governo do general Eurico

Gaspar Dutra iniciou a perseguição aos comunistas ainda no ano 1946, quando se deu o início

do processo contra o PCB. O partido, que havia conquistado o direito à legalidade durante a

abertura política no fim da ditadura varguista, teve o seu registro cassado pela justiça em

1947. Segundo Gorender, Prestes e outros líderes do partido passaram a defender o pacifismo

e expor sua crença nos bons propósitos da burguesia nacional, recomendando aos

trabalhadores o entendimento com os patrões em prol do desenvolvimento econômico do país.

No entanto, “[...] a burguesia ‘progressista’ não se impressionou tanto por semelhante boa

vontade quanto pelos êxitos eleitorais dos comunistas nas maiores cidades do País. Achou

conveniente privar o PCB do oxigênio da legalidade” (GORENDER, 2003, p.23). A

justificativa utilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral para cassar o registro partido foi que

este consistia em uma organização internacional que professava o marxismo-leninismo e que,

em caso de guerra entre Brasil e União Soviética, os membros do PCB optariam por lutar ao

lado do segundo. O argumento partiria de um depoimento de Luiz Carlos Prestes que, ao ser

interpelado no Congresso sobre a sua posição diante de uma guerra entre os dois países, teria

afirmado lutar em favor da URSS, combatendo as forças retrógradas do Brasil (PILAGALLO,


86

2002, p.68). Dessa forma, o PCB, além de ter seu registro cassado pela justiça, teve suas sedes

lacradas e o mandato de seus representantes no Congresso também cassados, em janeiro de

1948. Os sindicatos sob influência comunista também sofreram intervenções.

O governo Dutra foi também responsável pelo rompimento das relações

diplomáticas com a União Soviética no ano de 1947. Neste aspecto, o próprio governo dos

Estados Unidos considerou a atitude brasileira como precipitada, o que, segundo Motta (2002,

p.3), atesta que havia uma autonomia de nossas autoridades sobre a questão. Dutra criou

também a Escola Superior de Guerra (ESG), em fins da década de 1940. Ligada diretamente à

presidência da República, a ESG importou o conceito de segurança nacional e a ideologia da

Guerra Fria formulada em Washington. “Não se tratava mais apenas de defesa nacional,

entendida como proteção das fronteiras; a segurança nacional abrangia sobretudo o

combate ao inimigo interno, divisado na figura do comunista” (PILAGALLO, 2002, p.68).

A década de 1950 foi igualmente palco de uma grande mobilização anticomunista,

porém em menor escala do que a ocorrida em meados das décadas de 1930 e 1940. Neste

sentido, vale lembrar que o segundo governo Vargas e o governo de Juscelino Kubitschek não

entendiam o comunismo como uma grande ameaça, o que deu ao período um tom mais ameno

às críticas aos revolucionários. No caso de JK, deve ser lembrado que este contou com o

apoio dos comunistas em sua eleição para a presidência da República. Porém, mesmo

contando com tal apoio, JK adotou o discurso anticomunista que, segundo Rodeghero (2002a,

p.75), era voltado à opinião pública, à parte de seus apoiadores e aos opositores. O PCB teve

certa liberdade em seu governo, sendo reprimido somente em ações consideradas subversivas,

como a manifestação estudantil ocorrida em meados de 1956 contra o aumento das tarifas de

bondes no Rio de Janeiro. Nesta ocasião, o presidente teria adotado uma série de medidas

repressivas, fechando organizações e gráficas ligadas aos comunistas e reabrindo o processo

contra Luiz Carlos Prestes, que havia sido arquivado. Rodeghero (2002a, p.82-83) analisando
87

despachos da diplomacia norte-americana no Brasil, levanta a hipótese de que a Igreja possa

ter influenciado o presidente na adoção de uma postura de combate aos comunistas.

A mesma autora afirma que, na década de 1950, a diplomacia norte-americana

avaliava as ações anticomunistas no Brasil como insuficientes:

O desejável seria uma política anticomunista sistemática, mas o que os


funcionários viam era apenas o preenchimento das necessidades políticas
imediatas: assim estariam agindo Liga Eleitoral Católica, certos partidos
políticos, o governo, a imprensa, a iniciativa privada. Outras instituições,
como a Polícia, no entanto, estariam falhando pelo outro lado, pelo exagero
e pela falta de cuidado em suas ações (RODEGHERO, 2002a, p.105).

Neste sentido, o corpo diplomático entendia que os brasileiros eram tolerantes em relação ao

comunismo e não compreendiam o perigo que este representava.

O anticomunismo da década de 1950, realmente, não seria tão forte quanto aquele

que se desenvolveria na década seguinte no Brasil. Os anos 60 foram marcados pelo

recrudescimento da propaganda e ação de grupos anticomunistas, o que levaria ao golpe civil-

militar imposto contra o presidente João Goulart em 1964. Os motivos para o aumento da

mobilização contra o comunismo são de ordem tanto externa quanto interna.

Externamente, a América Latina se viu tragada por completo pelo clima da Guerra

Fria após a Revolução Cubana. A aproximação do governo de Fidel Castro com a União

Soviética alarmou os Estados Unidos, que passaram a ver a pequena ilha como um foco

irradiador do comunismo para toda a América. O governo de Washington adotou medidas de

natureza repressiva, propagandística e social em relação aos países da região, como forma de

mantê-los distantes de qualquer perigo de contaminação com as idéias revolucionárias. Motta

(2002, p.232) afirma que, no Brasil, já havia uma tradição anticomunista consolidada, sendo a

Revolução Cubana mal recebida pelos grupos conservadores mobilizados na luta contra o

comunismo. Assim, “[...] a influência norte-americana convergiu e se combinou com uma

tradição anticomunista enraizada no Brasil havia décadas”.


88

Mas é importante destacar a preocupação e a influência externa. De acordo com

Rodeghero (2002a, p.127-148), o corpo diplomático norte-americano no Brasil agiu no

combate ao comunismo no país de diversas formas: através de fornecimento de material de

propaganda para grupos anticomunistas, infiltrando-se no movimento estudantil, realizando

palestras, etc. Para tanto, utilizava-se da mesma estratégia dos comunistas, ou seja, agir sub-

repticiamente. Apoiando-se na historiografia sobre o tema, a autora destaca algumas ações da

diplomacia norte-americana:

a continua preocupação em exercer influência entre os militares e as forças


policiais; as tentativas de influenciar o governo e o Congresso brasileiro
para a aprovação de uma legislação sobre o petróleo que fosse menos
nacionalista e atendesse aos interesses norte-americanos; o auxílio
financeiro a certos candidatos na eleição de 1962; o uso seletivo dos
recursos providenciados pela Aliança para o Progresso; o apoio aos grupos
que planejavam a derrubada do governo Goulart em 1964 (RODEGHERO,
2002a, p.148).

Ao mesmo tempo, internamente via-se um crescimento da esquerda com a

reestruturação do PCB e o surgimento de outras organizações como a Ação Popular (AP), as

Ligas Camponesas e a Política Operária (POLOP). Aos intelectuais e ativistas sindicais,

juntaram-se militantes católicos leigos e líderes estudantis. Os grupos conservadores, já

apreensivos com a Revolução Cubana e com a mobilização interna de movimentos de

tendência esquerdista, tiveram outro motivo para se alarmar ainda mais: o presidente Jânio

Quadros, que havia tomado posse em 1961, deu início a uma política externa independente, se

aproximando dos países não-alinhados aos Estados Unidos na Guerra Fria. Além disso, Jânio

condecorou o revolucionário Ernesto Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul e havia

rumores sobre o reatamento de relações diplomáticas com a União Soviética.

Entretanto, a tensão dos anticomunistas aumentaria ainda mais: sete meses após a

posse, Jânio Quadros renunciou, abrindo caminho para João Goulart chegar à presidência.

Jango era visto com receio por grupos conservadores pela sua proximidade com setores da
89

esquerda. O PCB o havia apoiado nas duas vezes em que concorreu à vice-presidência da

República. A própria legenda do presidente, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), era vítima

de críticas dos anticomunistas, devido às posições reformistas adotadas por uma significativa

parcela de seus integrantes. As reformas defendidas pelo PTB, segundo os grupos

anticomunistas, permitiriam o fortalecimento e a conseqüente tomada do poder pelos

comunistas. O governo de Jango foi acusado ainda de abrigar membros do PCB em várias

esferas governamentais, entre outros fatos que levaram o presidente a ser vítima de poderosas

críticas.

Os aspectos assinalados até aqui proporcionaram uma forte reação dos grupos

conservadores comprometidos com o combate ao comunismo, principalmente depois do

destaque dado pela grande imprensa a tais assuntos. A alta hierarquia católica, empresários,

militares, setores da classe média, grandes proprietários, parlamentares, defensores do

interesse norte-americano, enfim, muitos foram os grupos mobilizados na maior campanha

anticomunista que o país já viu, produzindo um clima de medo que proporcionou a derrubada

de Jango.

O combate ao comunismo se deu através de imagens já utilizadas nas outras

campanhas anticomunistas: mostrava-se o inferno soviético e cubano, este segundo ganhando

especial relevo no período; o comunismo ligado à imagem do mal, do demônio e de doenças;

o comunista como imoral, entre outras tantas representações já exploradas. Várias

organizações mobilizaram-se para divulgar tais imagens, afirmando ser este o cenário que

esperava o Brasil, por conta da escalada comunista que tomava o país.

Deve-se destacar o papel da grande imprensa, principalmente os jornais, que

abraçaram a causa e contribuíram para gerar o clima de instabilidade. Antes das

radicalizações das mobilizações ocorridas no governo Jango, os jornais haviam adotado uma

postura de defesa da legalidade constitucional. Entretanto, à medida que Jango se aproximava


90

dos movimentos populares, o anticomunismo passava a tomar a imprensa: “Ela foi, sem

dúvida, um dos vetores de divulgação do fantasma do comunismo, que foi utilizado como uma

das principais justificativas para derrubada do governo” (ABREU, 2004, p.15).

O complexo IPES/ IBAD11 também teria contribuído muito na construção do medo

em torno da tomada do poder no país por comunistas. As duas entidades atuaram não só no

sentido de garantir suporte ideológico, mas também no financiamento de outras organizações

comprometidas com o combate ao comunismo, havendo, inclusive, o apoio financeiro a

candidatos anticomunistas. Segundo Motta (2002, p.242), o IBAD teria gasto milhões de

dólares na campanha eleitoral de 1962. Como não conseguiu explicar a origem de tal

montante, consolidaram-se as suspeitas de que a entidade recebia ajuda estrangeira. Bandeira

(1983, p.65) vai mais longe, afirmando que tanto IBAD quanto o IPES teriam estreita relação

com a CIA, “[...] que lhes forneceu orientação, experiência e mesmo recursos financeiros,

abundantemente, no esforço de corrupção e de intrigas, para influir nas eleições, impor

diretrizes ao Congresso, carcomer os alicerces do Governo e derrocar o regime

democrático”. Segundo Mendes (2004, p.82), a Ação Democrática Parlamentar (ADP), bloco

suprapartidário que congregava parlamentares comprometidos com o combate à atividade

revolucionária, teria contado também com o suporte do IBAD.

Outros grupos anticomunistas se mobilizaram, indo da simples propaganda através

de panfletos, revistas, jornais, etc. a atividades diversas, como manifestações públicas e, até

mesmo, atentados terroristas12. Tais organizações congregavam setores diversos, havendo

grupos formados por mulheres, como a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE) e a

Liga da Mulher Democrata (LIMDE); por trabalhadores, como a Resistência Democrática dos

Trabalhadores Livres (REDETRAL); por estudantes como o Grupo de Ação Patriótica (GAP),

11
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD).
12
Motta (2002, p.155) afirma existirem poucas fontes documentais que esclareçam a estrutura e funcionamento
interno das organizações terroristas anticomunistas. Segundo o autor, havia um desinteresse da polícia em
investigar tais grupos, o que dificulta ainda mais a pesquisa sobre o tema.
91

entre outros. Muitas dessas organizações possuíam íntima ligação com a Igreja Católica,

muitas vezes tendo religiosos à frente. O trabalho de Starling destaca o Movimento por um

Mundo Cristão (MMC), de Belo Horizonte. Esta organização, criada em 1956, contava com a

liderança do padre João Botelho e tinha por objetivo a defesa dos valores morais tradicionais.

Para tanto, utilizava-se dos meios de comunicação de massa, tendo, inclusive, um programa

semanal na TV Itacolomi e outros programas radiofônicos transmitidos pelas rádios

Inconfidência, Itatiaia e Jornal de Minas. Na década de 1960, a organização foi cooptada pelo

complexo IPES/ Novos Inconfidentes, trazendo uma alteração no foco principal de sua luta: o

MMC agora se dedicaria ao combate ao comunismo. O discurso estava baseado no “[...]

efeito destruidor que este teria sobre a moral: a ‘destruição da família’, a ‘permissividade

sexual’, etc.” (STARLING, 1986, p.217). A organização fez ampla campanha em favor dos

candidatos comprometidos com o combate ao comunismo nas eleições de 1962 e teve forte

participação nas mobilizações anticomunistas ocorridas em Belo Horizonte antes do golpe de

1964.

A mesma autora ainda fornece outros exemplos de liderança de religiosos em

manifestações anticomunistas. Segundo Starling (1986, p.235), o padre Caio de Castro teria

liderado as mulheres da LIMDE que invadiram o auditório da Secretaria da Saúde em Belo

Horizonte e impediram um comício de Leonel Brizola em fevereiro de 1964. Houve, ainda, a

“Cruzada do Rosário em Família”, comanda pelo padre norte-americano Patrick Peyton, que

conclamava os fiéis católicos a rezarem o terço como forma de barrar o avanço comunista.

Starling (1986, p.237-238) levanta a hipótese deste movimento ser articulado pelo próprio

Departamento de Estado dos Estados Unidos.

O envolvimento da Igreja na campanha anticomunista fica claro ao se analisar

algumas publicações católicas da década de 1960. Uma revista voltada para o auxílio de

religiosos no momento das pregações traz uma importante visão do posicionamento do clero.
92

O combate ao comunismo é realizado através de acusações de a ideologia ser imoral e a

igualdade por ela defendida ser impossível: “[...] cada um tem qualidades diferentes” (O

MARXISMO, 1962, p.15). A publicação, originalmente editada na Itália e depois traduzida

para o português, afirma existir um pseudo-decálogo comunista baseado nos seguintes

mandamentos:

1.o Odiar Deus.


2.o Amaldiçoar e blasfemar o seu nome.
3.o Profanar os dias santos. Luta despiedada contra a religião e tudo que
mantém entre os povos a idéia de Deus.
4.o Emancipação do pai e da mãe.
5.o Não recuar diante do crime: a violência e o ódio são a alavanca da
revolução.
6.o Nenhum freio aos instintos sexuais: satisfazer as próprias
“necessidades”.
7.o Também o furto lícito, quando necessário para a revolução.
8.o Dissimular, fingir, mentir, conquanto se alcance o poder.
9.o Amor-livre: muito mais liberdade para desejar a mulher dos outros.
10.o Revolução e extromissão violenta à “burguesia” dos seus bens (O
MARXISMO, 1962, p.14).

Uma outra publicação católica do ano de 1964 traz uma série de pequenos textos

com teor anticomunista. Em um dos artigos, se denuncia a ação de revolucionários em

território brasileiro. O texto transpõe um trecho das palavras proferidas pelo cardeal-arcebispo

do Rio de Janeiro, dom Jaime Câmara, em seu programa de rádio “A Voz do Pastor” no dia

24 de janeiro de 1964. Segundo o artigo, dom Jaime teria afirmado que

“[...] uma onda vermelha avassaladora se precipita sobre o País”. Analisa


então a presente conjuntura nacional e afirma que, se “o comunismo ainda
não tomou em armas, já mobilizou, contudo, muita gente para o combate,
mediante uma doutrinação anticristã, antibrasileira, nitidamente absolutista
e totalitária. Com lógica férrea – prossegue o Cardeal Câmara – continua o
comunismo em seus intentos prejudiciais ao povo, que não tem como se
defender, já que tudo isso se passa sob as vistas complacentes das
autoridades” (REVISTA Eclesiástica Brasileira, 1964, p.207).
93

É interessante perceber que o cardeal condena também as autoridades, muito provavelmente

se referindo ao próprio presidente João Goulart. Mais à frente, o texto afirma existirem

“esquerdistas” infiltrados no governo e que entidades clandestinas como o Comando Geral

dos Trabalhadores (CGT), Pacto de Unidade de Ação13 (PUA), Pacto de Ação Conjunta

(PAC), Fórum Sindical dos Debates e outras, haviam levado para São Paulo a luta sindical

para “[...] apunhalar o coração econômico do País” (REVISTA Eclesiástica Brasileira, 1964,

p.208).

Um outro texto presente na revista condena a Campanha Nacional de Alfabetização

dos Adultos, idealizado por Paulo Freire. O artigo afirma que o projeto em si não é ruim,

entretanto, havia suspeitas de má fé entre os instrutores. O Secretário da Educação do Estado

de São Paulo, padre Januário Baleeiro, afirmou que a intenção do governo não seria

alfabetizar o povo e sim “politizar as massas”, acrescentando a frente: “[...] Bolchevizar o

povo brasileiro por intermédio de uma falsa campanha de alfabetização” (REVISTA

Eclesiástica Brasileira, 1964, p.210).

Na revista, a Central Única de Trabalhadores da América Latina (CUTAL), cujo

congresso de criação foi realizado em Brasília, é apresentada como um organismo pertencente

ao “Partido Comunista mundial”, sendo uma central ideológica que busca realizar a revolução

socialista. A prova disso seria a presença de delegados da “Rússia e Checoslováquia” no

encontro. O texto ainda dá destaque para as mobilizações ocorridas no Rio de Janeiro e,

principalmente, em Belo Horizonte onde a

[...] edilidade desta cidade, no entanto, se insurgiu contra tal decisão e o


Deputado Athos Vieira de Andrade requereu junto à Câmara a coibição do
Congresso. Dom João Rezende da Costa, Arcebispo-Coadjutor de Belo
Horizonte, enviou um telegrama ao Governador do Estado Sr. Magalhães
Pinto, pedindo que tomasse providências necessárias para impedir um
congresso “de caráter nitidamente comunista” (REVISTA Eclesiástica
Brasileira, 1964, p.209).

13
O texto traz outra designação para a sigla PUA: Pacto de Unidade de Associação.
94

A mesma Revista ainda traria pelo menos outros dois pequenos artigos com críticas

ao comunismo: num deles se fala sobre o perigo de a Argélia, após 7 anos de guerra, se tornar

uma nova Cuba, e o outro, já discutido anteriormente, relata a desagregação familiar na União

Soviética.

Apesar do lugar de destaque ocupado pela Igreja Católica na campanha do período

1961-1964, Motta (2002, p.246) afirma ter havido “[...] uma espécie de ecumenismo

anticomunista. Igrejas cristãs reformadas, judeus, espíritas e até umbandistas ocuparam

lugar nas mobilizações do período”. Segundo o autor, a própria hierarquia católica teria dado

declarações onde conclamava uma união das religiões contra o comunismo.

Deve-se salientar, ainda, a importância que militares e políticos da União

Democrática Nacional (UDN) tiveram no processo de criar o clima de medo e instabilidade

que levou à deposição de João Goulart. Grande parte da alta hierarquia militar, influenciados

pela Doutrina de Segurança Nacional, via no comunismo um inimigo que havia instalado suas

bases em território brasileiro e preparava uma “guerra revolucionária”, ameaçando as

instituições, a lei e a ordem (MENDES, 2004, p.86). O conceito de “guerra revolucionária”

era uma tentativa dos militares de teorizar as estratégias adotadas pelos comunistas para

conquistar o poder em várias nações, sobretudo do Terceiro Mundo. Estes iniciariam sua ação

através de uma guerra psicológica no intuito de obter o controle sobre as massas populares e

criar condições para a revolução. No entendimento da alta hierarquia militar envolvida no

golpe de 1964, o movimento representou a derrota da “guerra revolucionária” no Brasil

(MOTTA, 2004, p.300-302). Vale destacar que, de acordo com Motta (2004, p.300), os

formuladores da DSN tinham outros objetivos além do combate ao comunismo como “[...] o

combate ao subdesenvolvimento, a ocupação dos territórios despovoados e a defesa das

fronteiras [...]”, mas que esta não pode ser compreendida adequadamente sem o seu
95

fundamento anticomunista. O autor ainda afirma que o anticomunismo militar da década de

1960 não pode ser explicado somente pela DSN, e sim que este era “[...] um anticomunismo

tradicional, construído em torno das narrativas sobre a ‘Intentona’, e novas conceituações

elaboradas pelo pensamento militar no quadro da guerra fria, como Guerra Revolucionária e

Doutrina de Segurança Nacional” (MOTTA, 2004, p.302).

Liderados pelo governador da Guanabara, Carlos Lacerda, os udenistas tiveram forte

participação na campanha que culminou com a deposição de João Goulart. Mendes (2004,

p.89-90) defende que, se no seu surgimento, em meados da década de 1940, a UDN se definia

pelo “antigetulismo”, em fins da década de 1950, o partido teria assumido a bandeira do

anticomunismo. Os udenistas se aproximaram da alta hierarquia militar anticomunista na

trama do golpe de Estado.

Se já existia no Brasil uma tradição anticomunista desde meados da década de 1930,

o início dos anos 60 representou o momento em que o combate ao comunismo se radicalizou

no país. O fracasso do Plano Trienal e a aproximação do presidente dos movimentos

populares alarmaram os setores conservadores, que se mobilizaram formando uma imensa

aliança, capaz de unir até mesmo adversários em favor do combate às atividades consideradas

revolucionárias. Em nome da ordem, da democracia, dos valores cristãos contra os malefícios

do comunismo, uma coalizão conservadora formada por militares e civis tramou a derrubada

de Jango, colocando o Brasil no sombrio cenário de uma ditadura que duraria 21 anos.

Assim, a década de 1960 vê a “ameaça comunista” ganhar corpo, deixando grande

parte da população temerosa de que ocorresse uma revolução. O anticomunismo do período,

mesmo utilizando praticamente das mesmas imagens que já eram relacionadas aos

revolucionários em épocas anteriores, produz uma sensação de que o perigo desta vez era

maior e de que estariam todos prestes a serem dominados por grupos que professavam a

ideologia. Manifestações, como aquelas organizadas pelo MMC e a LIMDE ou as “Marchas


96

da Família com Deus pela Liberdade”, não podem ser entendidas somente como atos de

grupos comprometidos com combate ao comunismo, mas também como ações de pessoas que

realmente o temiam.

Como discutido até aqui, a variedade de setores opositores ao comunismo adotava,

muitas vezes, discursos diferentes para combatê-lo. Daí a pergunta: como a população comum

reagiu diante desta diversidade de imagens construídas em torno do comunismo? Não há

dúvidas do temor que boa parte das pessoas nutria em relação a ele. Mas a reação destes, com

certeza, não se dava da mesma forma. A imagem do comunista que causava terror a um grupo

poderia não ser a mesma que amedrontava outro.

Dessa forma, o terceiro capítulo deste trabalho realiza uma discussão referente à

recepção do anticomunismo por uma população simples de interior, dando ênfase aos

moradores de áreas rurais. Mesmo vivendo em condições de relativo isolamento em relação

aos centros urbanos, como será visto adiante, tais pessoas não deixaram de ser alvo da

propaganda anticomunista. Assim, quando as redondezas da Serra do Caparaó se tornam

palco da tentativa de implantação de um movimento guerrilheiro em oposição ao governo

militar estabelecido após o golpe de 1964, o medo toma conta da região. Os comentários de

que tais homens seriam comunistas fizeram com que os moradores das áreas pesquisadas

experimentassem a apreensão diante do comunismo em seu limite máximo.

O capítulo seguinte, o principal deste trabalho, tem como foco a população residente

em torno da Serra do Caparaó. Sua memória a respeito da Guerrilha, demonstrando medo em

relação ao guerrilheiro e simpatia com as tropas que se locomoveram para a área, permite

analisar o poder da propaganda anticomunista sobre uma população humilde, como será

realizado a partir de agora.


Capítulo 3 – “TRANQUEM AS PORTAS, FECHEM AS

JANELAS: OS COMUNISTAS ESTÃO CHEGANDO!” – A

POPULAÇÃO LOCAL, O MEDO DA GUERRILHA E A

SIMPATIA PELOS MILITARES

Se, por um lado, o anticomunismo se transformou num fenômeno capaz de

mobilizar uma grande parcela da população em função do combate a um inimigo comum, por

outro lado, não se pode ter uma melhor compreensão da força deste fenômeno se não analisar-

se a reação das pessoas em relação ao próprio comunismo. Em geral, sabe-se que a ameaça

revolucionária foi capaz de unir até mesmo grupos divergentes em campanhas que

culminaram com a quebra da legalidade constitucional. No entanto, para se entender a força

que o anticomunismo exerceu sobre a população não basta que se estude somente esses

momentos de ruptura institucional, uma vez que tais eventos não se constituíram em levantes

propriamente populares. Os golpes de 1937 e 1964, que tiveram no comunismo a sua

justificativa, não foram movimentos surgidos de baixo para cima. Ao contrário, se

constituíram em ações lideradas e executadas pelas classes privilegiadas do país com o intuito

de arrefecer qualquer mobilização de cunho popular que representasse uma mudança na

estrutura socioeconômica em vigor.

Motta (2002, p.198-199 e 276) afirma, porém, que não se pode considerar toda a

mobilização em função do combate ao comunismo como mera manipulação de grupos

conservadores. É fato que a imagem do comunista foi deturpada ganhando contornos

grotescos. Entretanto, esse exagero faria parte da estratégia para aterrorizar a população e
98

criar melhores condições para reprimir os comunistas, uma vez que a própria elite social do

país temia realmente ação dos revolucionários.

É nesse contexto que se insere o foco central desta pesquisa: como as camadas mais

baixas da sociedade teriam reagido diante do imenso aparato propagandístico que compunha

imaginário construído em torno do comunista? Tal indagação se torna mais importante ao

lembrar-se que tais camadas praticamente não aparecem nos documentos utilizados pela

maioria dos historiadores que pesquisam o anticomunismo. A recepção da propaganda

anticomunista se torna, dessa forma, o centro deste estudo. Rodeghero (2002b, p.465) defende

a necessidade de tal pesquisa para ser possível analisar

[...] como o fenômeno do anticomunismo poderia ser entendido a partir


daqueles indivíduos e grupos que foram alvo das ou que foram atingidos
pelas campanhas anticomunistas. Nesta direção, estaria o reconhecimento
das defasagens e transformações ocorridas ao longo do processo de
produção, circulação e recepção do anticomunismo e também das
possibilidades de apreensões e “leituras” diversas sobre o mesmo
fenômeno, por grupos diferentes.

Vale lembrar que, da mesma forma que o anticomunismo não se constitui num

fenômeno único, assumindo várias formas e tendo sido propagado por grupos distintos, a

recepção ao discurso anticomunista também não assumiu a mesma forma para toda a

população. No caso em questão, o estudo se concentrará nos moradores de regiões em torno

do Parque Nacional do Caparaó, dando uma maior ênfase à análise do comportamento da

população rural ou moradora de pequenas comunidades e cidades como Alto Caparaó e

Caparaó. Deve-se destacar um outro aspecto importante deste estudo, ou seja, que a análise

ocorre em um momento de trauma para tais pessoas. O período estudado se dá entre fins de

1966 e, principalmente, o início de 1967, período em que a região foi o cenário da tentativa de

implantação de um movimento de luta armada contra a ditadura militar, a Guerrilha de

Caparaó.
99

O guerrilheiro, encarnando a imagem do comunista tão divulgada por agentes

diversos, foi o responsável pelo desenvolvimento de um clima de apreensão e medo que

tomou grande parte dos moradores locais. Ao mesmo tempo, em algumas localidades se

desenvolveu um sentimento de simpatia pelas tropas militares que se locomoveram para a

região para o combate à Guerrilha. A memória, dessa forma, se torna a principal fonte para a

compreensão da recepção da propaganda anticomunista e a reação da população em vista do

perigo iminente.

3.1 A MEMÓRIA DO MEDO

As emoções durante muito tempo foram rejeitadas pela historiografia. A busca por

uma análise objetiva fez com que o historiador se esquecesse de quanto o comportamento

humano é regido por sentimentos e emoções, tanto no nível de nosso convívio social

cotidiano quanto nas próprias relações políticas tramadas no interior das instituições. Assim,

ao se propor um estudo da população residente em torno do Parque Nacional do Caparaó no

contexto de emergência de um movimento guerrilheiro, busca-se incluir nas análises deste

importante evento político, uma forma de emoção: o medo.

Delumeau (1989, p.19) afirma que o medo é inerente a todas as pessoas. Os

indivíduos isolados e as coletividades mantêm um diálogo constante com essa emoção. O

homem, por saber desde cedo que irá morrer, tem no medo uma defesa essencial contra os

perigos, “[...] um reflexo indispensável que permite ao organismo escapar provisoriamente à

morte”.
100

Segundo Guimarães (1950, p.3), o medo da morte é o mais terrível de todos os

medos que agem sobre o homem: “É ele, o criador das mais descabeladas fantasias do céu e

do inferno”.

Assim, o estudo do medo leva em consideração, entre outras coisas, as análises do

conjunto de imagens no qual se estrutura essa emoção, em que nível a vida em sociedade é

afetada por ela e quais os agentes com poder de manipulá-la.

No entanto, o estudo do medo na presente pesquisa é acompanhado de uma outra

discussão importante, aquela referente à memória. Para que o estudo do medo vivenciado pela

população naquele contexto fosse possível, a História Oral foi a principal ferramenta

metodológica utilizada. Através dos depoimentos dos moradores da região pesquisada, foi

possível identificar o medo da população em relação ao “guerrilheiro comunista”. Rodeghero

(2002a, p.172), que também se apoiou em fontes orais para analisar o imaginário construído

em torno do comunismo, afirma que

[...] o estudo baseada nessas fontes permite adentrar em campos do


imaginário que não poderiam ser alcançados com o uso de outras fontes.
Permite, por exemplo, levantar crenças que parecem estranhas a um
discurso anticomunista lógico e letrado, mas que são partilhadas e que
ajudam a dar sentido a esse grande desconhecido que causa medo, “esse tal
de comunismo”.

Segundo Izquierdo (2004, p.37), as emoções têm forte influência sobre a memória:

“Gravamos melhor, e temos muito menos tendência a esquecer, as memórias de alto conteúdo

emocional”. Halbwachs (2004, p.35) afirma que, numa relação entre uma pessoa amada e

outra que amou, a segunda se recordará mais facilmente de eventos, declarações e promessas

do que a primeira. Esse fato se dá pelo alto teor emocional que envolveu o segundo e, no

entanto, não envolveu o primeiro da mesma forma. Assim, o autor também ressalta como a

entrega e o envolvimento, os sentimentos e as emoções, influenciam o processo de recordação

de determinados eventos.
101

Sendo o medo uma emoção, ele tem um forte poder de impacto sobre a memória. Os

relatos de acontecimentos onde os depoentes estiveram envolvidos em alguma forma de

apreensão, medo ou angústia, geralmente surgem de forma mais clara à memória. Mais ainda,

enquanto uma emoção-choque, o medo pode provocar as reações mais diversas e inesperadas

em um indivíduo:

Como toda emoção, o medo pode provocar efeitos contrastados segundo os


indivíduos e as circunstâncias, ou até reações alternadas em uma mesma
pessoa: a aceleração dos movimentos do coração ou sua diminuição; uma
respiração demasiadamente rápida ou lenta; uma contração ou uma
dilatação dos vasos sangüíneos; uma hiper ou uma hipo secreção das
glândulas; constipação ou diarréia, poliúra ou anúria, um comportamento de
imobilização ou uma exteriorização violenta. [...] Ao mesmo tempo
manifestação externa e experiência interior, a emoção do medo libera,
portanto, uma energia desusada e a difunde por todo o organismo. Essa
descarga é em si uma reação utilitária de legítima defesa, mas que o
indivíduo, sobretudo sob o efeito das agressões repetidas de nossa época,
nem sempre emprega com discernimento (DELUMEAU, 1989, p.23).

Entretanto, essa emoção-choque ao mesmo tempo em que tem um forte poder sobre a

atividade de relembrar um acontecimento, ela também pode trazer bloqueios. Por ser um

momento de trauma, o medo vivido pode ser acompanhado do esquecimento de determinados

aspectos do ocorrido ou mesmo de todo o seu conteúdo, como pode trazer facilmente à tona

todas as memórias, mas ocasionar dificuldades em narrá-las tendo em vista o alto grau

emocional das imagens que surgem na mente.

Diante de tais obstáculos, as fontes orais poderiam ser dispensadas? Contrariando

aqueles que defendem o uso de documentos escritos como a única fonte na qual o historiador

deve se basear, a História Oral vem avançando e contribuindo para trazer à tona vozes de

grupos que até então estavam relegados ao esquecimento. Sabe-se, porém, que existem

limites no trato com tal tipo de fonte, uma vez que “[...] a memória é menos uma gravação do

que um mecanismo seletivo, e a seleção, dentro de certos limites, é constantemente mutável”

(HOBSBAWM, 1998, p.221).


102

Por mais que a memória seja uma forma de sobrevivência do passado, toda a

memória sofre alterações com o tempo. Lembrar um acontecimento é, na verdade, construir

uma imagem a partir do conjunto de representações que povoam nossa consciência atual

(BOSI, 2004, p.55; HALBWACHS, 2004, p.32). As próprias emoções e suas formas de

expressão sofrem transformações no decorrer da vida do indivíduo (ROAZZI; FEDERICCI;

WILSON, 2001, p.58). A memória, dessa forma, é sempre do presente:

um indivíduo, quer fale espontaneamente de seu passado e de sua


experiência (publicando, por exemplo, suas memórias), quer seja
interrogado por um historiador (tornando-se assim testemunha ou ator da
história), não falará senão do presente, com as palavras de hoje, com sua
sensibilidade do momento, tendo em mente tudo quanto possa saber sobre
esse passado que ele pretende recuperar com sinceridade e veracidade. Essa
versão é não só legítima, devendo como tal ser reconhecida (pode um
historiador impedir alguém de exprimir-se sobre o seu passado?), como
também indispensável para todo historiador do tempo presente (ROUSSO,
2001, p.98).

A percepção que se tem das coisas se altera com o tempo, e com ela, altera-se

também as lembranças. Assim, o ato de recordar um acontecimento do passado se faz a partir

de valores e juízos do momento em que são narrados.

Para Montenegro (2003, p.20), o tempo da memória é diferente da temporalidade

histórica, “[...] haja visto que sua construção está associada ao vivido, como dimensão de

uma elaboração da subjetividade coletiva e individual, associada a toda uma dimensão do

inconsciente”. Esse aspecto, no entanto, não impede que a memória seja utilizada como fonte

para o trabalho historiográfico.

Neste sentido, Rousso (2001) traz importantes contribuições ao romper com a

diferenciação entre história e memória. O autor defende a construção de uma história da

memória, ou seja, propõe uma contraposição à história oficial ao se recuperar a memória de

grupos minoritários até então marginalizados. Para ele, a história da memória “[...] se

debruçou sobre a memória de grupos diretamente sensibilizados pela questão do passado e


103

de seu papel na formação e manutenção de uma identidade coletiva: memória do operariado,

memória das mulheres, memória dos judeus” (ROUSSO, 2001, p.96). Assim, construir uma

história da memória é caminhar no sentido de desvendar uma forma toda particular de ver o

mundo, compreender a importância que a lembrança de um acontecimento tem para um grupo

e entender a significação que este grupo faz de si próprio e dos outros.

Dessa forma, torna-se possível discutir qual a visão dos residentes em torno da Serra

do Caparaó em relação ao movimento guerrilheiro que se instalou na região. A imagem que as

pessoas simples faziam dos guerrilheiros é a mesma compartilhada por aqueles que atuaram

na repressão à Guerrilha ou daqueles que dela participaram? E a historiografia recente sobre o

golpe de 1964 e a conseqüente ditadura imposta através dele, vem privilegiando tal tipo de

memória? Não seriam necessários novos trabalhos que buscassem compreender o período da

ditadura militar a partir da visão de outros grupos que viveram a época sem participar

diretamente das discussões referentes aos rumos que o país tomava? Para obter-se respostas a

tais indagações torna-se necessário aprofundar a discussão a respeito da construção da

memória coletiva.

Halbwachs (2004) define toda memória como coletiva. Para ele, uma lembrança não

seria recordar um acontecimento da forma exata como ocorreu, mas sim compartilhar uma

visão comum daquele fato com um grupo de pessoas. Mesmo as lembranças de

acontecimentos que um indivíduo isolado presenciou se tornam coletivas, uma vez que a

representação que se constrói do acontecido é estruturada a partir de uma visão que é

compartilhada com o grupo a que este pertence: “[...] em realidade, nunca estamos sós”

(HALBWACHS, 2004, p.30).

Quanto maior for o grupo com o qual se compartilha uma memória, mais forte ela se

torna para todos os envolvidos. Lembranças vagas representam uma distância do indivíduo

em relação ao grupo no qual aquela memória o vincula. Assim, uma lembrança só se


104

consolida dentro de um quadro de ligação com um grupo no qual os atores se sentem

identificados. O grupo, por sua vez, exerce uma forte pressão sobre a forma de pensar dos

indivíduos que o compõem. Se algo se apresenta nítido na memória de alguém, é porque está

nítido também na memória dos demais integrantes do grupo ao qual se pertence.

Contrariando Halbwachs, Rousso (2001) afirma não existir uma memória coletiva

que abarque um grupo social mais amplo, como a memória coletiva de uma nação, por

exemplo. Ao contrário, o autor defende que devemos respeitar a dimensão do indivíduo

dentro de uma coletividade: “Se o caráter coletivo de toda memória individual nos parece

evidente, o mesmo não se pode dizer da idéia de que existe uma ‘memória coletiva’, isto é,

uma presença e portanto uma representação que sejam compartilhadas nos mesmos termos

por toda uma coletividade” (ROUSSO, 2001, p.95). A memória coletiva surge, então, como

uma forma de identidade de um determinado grupo e tem por finalidade resistir às tentativas

unificadoras impostas por uma história oficial, rompendo com a idéia de uma memória

nacional.

Pollak (1989, p.9-11) segue o mesmo caminho, ao afirmar que a memória coletiva

nacional age de forma opressora e destruidora em relação às memórias subterrâneas. Dessa

forma, o passado é reinterpretado no intuito de se criar um sentimento de coesão e, ao mesmo

tempo, de definir o lugar ocupado por cada grupo na sociedade. Como já discutido

anteriormente por este trabalho, Pollak (1989, p.3-4) apropria-se do pensamento de Rousso,

ao defender a existência de uma memória enquadrada no lugar de uma memória coletiva que

venha a agir em amplitude nacional. Tal memória enquadrada seria uma forma de controle da

memória individual, que se faria através da busca de um passado comum a todos. Assim, o

autor também traz importantes críticas a Halbwachs, ao afirmar que ele entende a nação como

a forma mais acabada de um grupo, e a memória nacional, como a forma mais completa de

uma memória coletiva, não percebendo nela uma forma de dominação ou violência simbólica.
105

É necessário lembrar que, apesar da opressão, as memórias subterrâneas sobrevivem.

Pollak (1989, p.12) mostra que existem várias memórias coletivas compondo uma mesma

sociedade. Assim, a História Oral seria a ferramenta imprescindível para se trazer à tona a

memória dos oprimidos. Mas uma memória subterrânea seria somente aquela que se opõe à

memória oficial imposta pelo Estado? Deve-se entender como memória subterrânea apenas

aquela de grupos minoritários reprimidos pela força de um grupo dominante? E no caso dos

moradores da região da Serra do Caparaó, não seria a sua visão da Guerrilha uma forma de

memória subterrânea, uma vez que realizam uma construção diferente daquela de grupos já

discutidos anteriormente? A produção do medo em tais moldes não seria também uma forma

de opressão? Pollak (2001, p.5) afirma que nem toda memória subterrânea “[...] nos remete

forçosamente à oposição entre Estado dominador e sociedade civil”. Montenegro segue a

mesma linha de pensamento, ao defender que as representações em uma sociedade com um

certo grau de liberdade não são somente aquelas impostas pelo Estado ou pelas classes

dominantes. Para ele, as condições sociais, econômicas e culturais vividas pelos setores

subalternos fazem que construam as suas representações e, o seu imaginário, baseados na

experiência cotidiana:

A cultura popular é aqui tomada como a produção de uma parcela da


população marcada pela radicalidade de sua condição, representando e
instituindo um imaginário do mundo a sua volta que, em alguns momentos,
descobre-se ‘o mesmo’ dos demais segmentos da sociedade, mas
constantemente se descobre ‘outro’(MONTENEGRO, 2003, p.36).

No caso da região em torno da Serra do Caparaó, por mais que os moradores locais

tenham absorvido o discurso das classes dominantes, ainda assim produziram uma

representação toda particular da Guerrilha e de todos os demais acontecimentos da época. A

figura do guerrilheiro que a população construiu é fruto de toda a propaganda anticomunista

da qual foram alvo: “Assim deturpada, a representação transforma-se em máquina de fabrico


106

de respeito e submissão, num instrumento que produz constrangimento interiorizado, que é

necessário onde quer que falte o possível recurso a uma violência imediata” (CHARTIER,

1990, p.22). A violência, dessa forma, ocorre de forma simbólica, agindo sobre a mentalidade

das pessoas e produzindo sensações de insegurança e medo. Entretanto, muito mais do que

uma ameaça à Nação ou coisa do tipo, o comunismo para tais pessoas ameaçava o seu modo

de vida simples e a idéia de liberdade que estava ligada a ela. Mais ainda, a Guerrilha se torna

o momento em que essas pessoas são reconhecidas pelo Estado pela primeira vez. Lembrar a

Guerrilha é, muitas vezes, recordar as próprias dificuldades vividas naquele período. Assim,

todo o assistencialismo realizado pelos militares em determinadas áreas próximas ao Parque

Nacional do Caparaó, no contexto da Guerrilha, também permaneceu presente na memória

dos moradores, muitas vezes mais intensa do que a própria lembrança de que havia

comunistas no alto da Serra.

A reconstrução do período não se fará somente através da memória de tais pessoas.

Outras fontes como os arquivos da Polícia Militar de Minas Gerais e os jornais da época

trazem importantes informações para que seja possível produzir uma interpretação sobre a

Guerrilha com base na visão da população que viveu tais acontecimentos. Caminha-se,

portanto, para uma definição próxima daquela defendida por Rousso de uma história da

memória, já que o foco central do presente trabalho está na análise de todo o imaginário

desenvolvido em torno da Guerrilha de Caparaó pelos moradores da região próxima ao Parque

Nacional.

Ao mesmo tempo, entende-se que a memória dos moradores da região pesquisada se

expressa também em forma de memória subterrânea, uma vez que a construção realizada por

tais pessoas é diferente daquela realizada pelos militares ou pelos próprios guerrilheiros, alvos

maiores das pesquisas historiográficas. Assim, as análises que se seguem neste capítulo têm

por objetivo contribuir para os estudos referentes ao golpe de 1964 e a ditadura imposta ao
107

país através dele, porém, tomando como foco da pesquisa uma outra vertente, a das

populações simples que ficaram de fora de todas as disputas, de todos os confrontos políticos

ocorridos no período e que nem por isso deixaram de ser afetadas por eles.

3.2 O ANTICOMUNISMO EM REGIÕES PRÓXIMAS AO PARQUE

NACIONAL DO CAPARAÓ

Existem algumas dificuldades para se analisar a propaganda anticomunista em

algumas áreas em torno do Parque Nacional do Caparaó. Em regiões como Alto Caparaó, na

época ainda um pequeno povoado pertencente ao município de Caparaó, não foi encontrado

qualquer indício de material anticomunista produzido no local ou levado de outra localidade

para lá. Na grande maioria dos povoados e pequenas cidades, o rádio era o principal veículo

de informação. Mesmo assim, este só chegou a muitas destas localidades em fins da década de

1950 e não alcançava a todos. A televisão, em meados da década de 1960, ainda não havia

chegado à maioria das cidades e onde esta já existia, podia-se contar nos dedos o número de

aparelhos. Dada a grande proporção de analfabetos nas zonas rurais da região e a dificuldade

de se obter materiais vindos das cidades, pode-se afirmar que esta população pouco tinha

contato com jornais, revistas, panfletos e outros tipos de publicações. Ainda assim, encontrou-

se algum material anticomunista referente às cidades de Manhumirim, Manhuaçu e Alto

Jequitibá, situadas nas proximidades da Serra do Caparaó. Muito provavelmente, outros

materiais foram produzidos nestas cidades, bem como em outras localidades, onde não foi

possível a busca de tal tipo de documento. Porém, uma outra fonte se torna fundamental para

entendermos a força da propaganda anticomunista: a memória popular. Dessa forma, há a


108

possibilidade de se recuperar, em parte, alguns agentes e o tipo de propaganda divulgado em

regiões onde não existem vestígios materiais do anticomunismo. Vale ainda lembrar que o

objetivo central deste trabalho não está na análise do combate ao comunismo na região, e sim,

na recepção da população à propaganda anticomunista em um momento de trauma, o que será

explorado mais à frente. As representações construídas em torno do comunista através do

imaginário popular também serão trabalhadas no decorrer deste capítulo, visto que ele está

intimamente ligado ao medo que os moradores locais sentiram com a existência de um

movimento guerrilheiro nas proximidades.

Os primeiros vestígios de anticomunismo encontrados nas cidades próximas ao

Parque Nacional do Caparaó datam de 1935, ano em que ocorreu a Intentona Comunista e

que, conseqüentemente, desencadeou a primeira onda de medo em relação às atividades

revolucionárias no Brasil. Em um documento de 14 de julho do referido ano, o Delegado

Especial de Polícia1 de Manhumirim comunicou ao Chefe de Polícia em Belo Horizonte ter

tomado providências em relação a um núcleo da Aliança Nacional Libertadora existente na

cidade. Segundo o documento, o núcleo da ANL teria sido organizado no dia 09 do mesmo

mês. Entretanto, não existem maiores detalhes a respeito e nem que medidas teriam sido

adotadas.

Dois anos mais tarde, em um panfleto do Partido Nacionalista Independente2,

denuncia-se novamente a existência de um núcleo da ANL em Manhumirim. O documento,

datado de 10 de outubro de 1937, é assinado por figuras políticas importantes do município no

período e traz críticas ao prefeito municipal, Alfredo Lima, realizando também um forte

ataque aos comunistas:


1
Não constam os nomes do delegado especial de Manhumirim e do Chefe de Polícia em Belo Horizonte.
Arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro – Documentos sobre ação comunista em Manhumirim.
2
Arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro – Documentos sobre ação comunista em Manhumirim. O
panfleto era intitulado “Partido Nacionalista Independente – Manifesto ao povo do Município de Manhumirim”.
De acordo com o documento, os nomes que assinaram o manifesto contariam com o apoio do governador de
Minas Gerais, Benedicto Valladares, e conclamava a população local a se unir em torno do nome de José
Américo de Almeida à presidência da República nas eleições de 1938, o que não veio a acontecer devido ao
golpe do Estado Novo.
109

O povo em peso, da cidade e dos districtos, nos acompanhará: 99% dos


Manhumirienses tem uma FÉ EM DEUS, para defender. Só não a tem OS
COMMUNISTAS DOS QUAES DEVEMOS DEFENDER A HONRA
DE NOSSAS ESPOSAS E FILHAS. E elles existem entre nós! Os
elementos que aqui fundaram o núcleo da malfadada ALLIANÇA
NACIONAL LIBERTADORA ahi estão: É SÓ OLHAR!!! A elles
opporemos uma barreira para que não vingue em nosso Manhumirim, o
COMMUNISMO SCELERADO E BESTIAL3.

Em uma carta direcionada ao major Ernesto Dornelles, Chefe de Polícia do Estado

Minas Gerais, um dos responsáveis pelo manifesto afirma ter sido intimado a prestar

esclarecimentos sobre os panfletos4 divulgados na cidade. Através desta carta entendemos o

porquê das críticas ao prefeito municipal. Segundo o autor, Alfredo Lima abrigaria na

prefeitura alguns dos fundadores do núcleo da ANL na cidade, todos eles citados no

documento. Além disso, a carta denuncia o delegado local que

[...] NÃO TOMOU PROVIDENCIA ALGUMA. Ao contrário, PROTEGE


OS COMMUNISTAS e apesar, da ordem de FECHAMENTO DAS LOJAS
MAÇONICAS, “fócos de communismo”, assistiu hontem á reunião da loja
local, donde se póde concluir que, muito possivelmente, é maçon e
communista5.

Pelo estilo de escrever, com a utilização de letras maiúsculas em determinadas palavras em

alguns trechos do texto, supõe-se que a mesma pessoa tenha elaborado o manifesto e a carta

direcionada ao Chefe de Polícia.

Foram encontrados dois outros pequenos artigos que ampliam a discussão em torno

do comunismo na região. No primeiro, Guedes de Aragão afirma no jornal “Manhumirim”

que nenhuma religião é capaz de trazer a real salvação e que homens se utilizariam de seitas

para ludibriarem a humanidade. No texto, que traz críticas a católicos e protestantes, Aragão

3
Arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro – Documentos sobre ação comunista em Manhumirim. Grafia
mantida como no original.
4
Pelo conteúdo da carta, o Partido Nacionalista Independente teria distribuído um outro panfleto contendo novas
denúncias de ação comunista no município. Tal documento não foi encontrado. Da mesma forma, só foi possível
ter acesso à primeira página da carta. Documento encontrado nos arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro.
5
Arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro – Documentos sobre ação comunista em Manhumirim. Grafia
mantida como no original.
110

ataca o Integralismo ao qual classifica de “enovação tola”. Um segundo texto6, em resposta

ao primeiro, afirma que o jornal “Manhumirim” seria uma publicação maçônica “[...] com

idéias francamente communistas”. Juntamente às críticas realizadas à Aragão, o artigo faz

uma defesa aberta do integralismo:

Depois deste arranco de communismo, o chronista se lança sobre o


Integralismo e exclama: Não serve!... Não serve!... Devia ter dito: Não
serve para mim, pois o Integralismo só aceita em suas fileiras homens
briosos, patriotas, honrados, e exclue energicamente os de má vida, os
communistas e maçons que são elementos que servem nas fileiras do
bolchevismo.
Que snr. Guedes será talvez Communista?
Catholico não é!
Protestante não é!
Integralista não é!
Só sendo Communista!
A sua lama, meu Aragão, não alcança Deus, nem suja a camisa verde dos
Integralistas.
Deus é grande demais para ser atingido, e o Integralismo, brioso demais
para ser desmoralizado por um homem da sua categoria.

Em relação ao conjunto de documentos citados até aqui, devem ser realizadas

algumas considerações. Primeiro, deve-se analisar como o comunismo aparece ligado a

imagens já discutidas anteriormente: homens sem fé, imorais que colocam em risco esposas e

filhas, inimigos da Pátria, enfim, utilizou-se em tão poucos documentos uma gama variada de

características maléficas dos revolucionários.

Outro aspecto importante de se notar é a ligação realizada entre comunismo e

maçonaria. Em um outro documento sem data, exibe-se uma lista com os nomes de maçons de

Manhumirim que teriam sido divulgados no jornal oficial da prefeitura. Todos os citados

teriam algum envolvimento com a ANL. Percebe-se, dessa forma, a exploração da imagem da

6
Os dois textos pertencem ao mesmo conjunto de documentos anteriores, todos eles encontrados nos arquivos do
DOPS/ Arquivo Público Mineiro. Os artigos foram recortados sem a devida precaução de se guardar nome dos
jornais e a data. Sabe-se que o primeiro artigo, escrito por Guedes de Aragão, foi publicado no jornal
Manhumirim porque o segundo texto assim o cita. Supõe-se, pela seqüência dos documentos, que os dois textos
datem do ano de 1937 em período anterior ao golpe do Estado Novo.
111

maçonaria enquanto uma organização que fomenta conspirações e que o comunismo estaria

intimamente ligado a ela.

A defesa do Integralismo é outra questão a ser discutida, já que a AIB foi uma das

agentes propagadoras do anticomunismo na década de 1930. Mesmo não sendo a sua única

bandeira, o combate ao comunismo ocupou um espaço central nas discussões da organização.

Em Manhumirim, segundo alguns indícios, chegou-se a ter uma considerável mobilização das

idéias integralistas. Investigações da polícia mineira relatam prováveis ligações do padre Júlio

Maria de Lombardae, importante líder religioso do período na cidade, com a organização de

direita7. Assim, o Integralismo pode ter sido uma outra fonte de idéias anticomunistas na

região.

Por último, deve-se levar em conta a questão política. Grande parte dos envolvidos

nas denúncias de algum tipo de ligação com o comunismo eram políticos locais de

importância ou pessoas ligadas a eles. Tais denúncias, dessa forma, poderiam ter dois outros

sentidos: o simples teor de repressão, numa tentativa de intimidar os adversários políticos, ou

uma tentativa de colocar sobre os opositores a pecha de revolucionários, aproveitando-se do

clima de medo ocasionado pela onda anticomunista e afastar destes a simpatia dos eleitores.

Um outro documento, uma carta direcionada ao Chefe de Polícia Filinto Müller,

também traz outras denúncias do tipo. A carta, escrita por dois moradores do município de

Presidente Soares8 em janeiro de 1937, relata a existência de uma organização comunista em

Manhumirim que contava com um grande número de adeptos. Mais uma vez, as denúncias

faziam referências a pessoas infiltradas na prefeitura da cidade, alegando que existiam

7
Foram encontrados nos arquivos do DOPS/ MG alguns documentos que investigavam as atividades do padre
Júlio Maria de Lombardae no município, havendo suspeitas de sua ligação com a AIB. Pelos documentos,
publicações católicas sob a direção do padre teriam sofrido censura durante o Estado Novo. Por não pertencer ao
tema central deste trabalho, foi realizada uma análise superficial das fontes, havendo um grande número de
documentos não estudados.
8
Após uma consulta popular ocorrida na década de 1990, o município alterou seu nome para Alto Jequitibá.
112

documentos que comprovariam a existência de tal organização. Além disso, o grupo estaria

fortemente armado com fuzis, adquiridos durante a Revolução Constitucionalista de 1932.

Motta afirma que, o impacto da propaganda anticomunista no período posterior ao

levante de 1935 projetou sobre a população o medo da ameaça revolucionária. Assim, não só

Filinto Müller, mas também o próprio presidente Vargas teriam recebido inúmeras denúncias

de atividades comunistas por todo o território nacional. O autor defende que, em muitos casos,

as pessoas pretendiam mostrar o seu empenho anticomunista e colaborar com as autoridades

no trabalho de repressão, entretanto, “[...] é difícil saber ao certo se os denunciados eram

efetivamente comunistas, supostamente comunistas, ou simplesmente desafetos dos

denunciantes” (MOTTA, 2002, p.200). Dessa forma, não se pode confirmar a real existência

de uma organização comunista infiltrada na prefeitura de Manhumirim.

Na década de 1950, foram encontrados outros indícios da influência do

anticomunismo na região. Um homem, após descobrir ter sido fichado como comunista na

delegacia de Manhuaçu, envia uma carta ao Delegado de Ordem Pública pedindo o

cancelamento de sua ficha. Para tanto, afirma ser católico apostólico romano e

[...] com sua consciência tranqüila, dizendo a verdade, tal como pregou
Jesus Cristo, nunca fez parte do miserável partido comunista nem em
Manhuaçu ou outro qualquer lugar, podendo afirmar que, se seu nome
consta de quaisquer documentos de tão torpe partido, constituído de
elementos desequilibrados e ateus, inimigos de Deus, do Brasil e da
liberdade; trata-se, apenas, da conhecida maldade dos aludidos comunistas
que, se valendo de toda a sorte de insidia, envolveram sua assinatura em tais
documentos9.

O autor da carta justifica o seu não pertencimento ao PCB, usando como argumento a

contraposição do partido à sua religião. O comunismo, ideologia inimiga de Deus, não

exerceria sobre ele, um católico militante, qualquer atração. Mesmo que tal homem fosse

9
Arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro – Documentos sobre ação comunista em Manhumirim.
113

realmente um integrante do PCB, ou simples admirador da ideologia, a sua carta de defesa

utilizou imagens apropriadas pelos grupos conservadores para referenciar o comunismo.

Também durante a década de 1950, foram encontradas algumas referências ao

comunismo na revista Veritas, do colégio católico Pio XI de Manhumirim10. Na edição n.o 46

de abril de 1957, um artigo intitulado “As Nações Unidas” descreve o funcionamento da ONU

e sua divisão em seções, dentre elas, o Conselho de Segurança. Segundo o artigo, a URSS,

membro permanente do Conselho, estaria entravando iniciativas de utilidade mundial. O texto

dá destaque à ação do país em relação à Hungria ao não permitir a sua autonomia. Assim, os

interesses imperialistas soviéticos estariam impedindo a propagação da paz e a igualdade

entre os povos, objetivos maiores da ONU11. A URSS sempre ocupou lugar de destaque no

imaginário anticomunista. Assim, realizar críticas ao país, significava criticar também a

própria ideologia comunista.

Num outro artigo intitulado “Menos pombas e mais serpentes”, publicado na edição

n.o 49 de setembro do mesmo ano, compara-se as pombas ao bem e as serpentes ao mal. Entre

as coisas más, o autor do texto descreve a bomba atômica, o comunismo, a greve e a

revolução. Utilizando-se das palavras do padre James Keller, o autor afirma que os marxistas

buscam sempre ocupar posições no sentido de influenciar as massas, “[...] seja na

universidade, na função pública, nos sindicatos ou nos jornais12”. Mais à frente, o texto

afirma que “[...] os bolchevistas são heróicos na difusão do erro e nós medíocres, quando

não cobardes, na exposição da Verdade que liberta. Somos comodistas. Eles difundem as

trevas e nós escondemos a luz nos recessos de nossa alma, deixando nosso irmão às cegas13”.

O texto conclama as pessoas para uma luta sem fim em defesa dos valores cristãos. O

comunismo ganhava espaço divulgando o erro e deveria ser contido.

10
As revistas foram encontradas na biblioteca do Seminário Apostólico de Manhumirim.
11
“As Nações Unidas”. Veritas, no 46, abril de 1957, p.15.
12
“Menos pombas e mais serpentes”. Veritas, no 49, setembro de 1957, p.18.
13
Idem.
114

A revista Veritas, que contava com textos escritos por religioso, professores e alunos

do colégio Pio XI, além de alguns poemas e mensagens de terceiros, estava longe de ser uma

publicação dedicada à propaganda anticomunista. Entretanto, encontram-se na revista muitos

artigos que conclamavam os cristãos a uma vida dentro de valores morais rígidos e de

patriotismo, dois aspectos muito utilizados nas campanhas de combate ao comunismo.

Sabe-se que tais fontes são insuficientes para demonstrar a ação de grupos

comprometidos com o combate ao comunismo na região. Por não ser este o tema central da

pesquisa, como já afirmado antes, não houve uma grande busca por indícios de atividade

anticomunista. Entretanto, a partir dos documentos analisados, pode-se perceber que a região

não escapou à campanha disseminada pelos setores conservadores no sentido de inviabilizar

qualquer idéia ou movimento que representasse uma alteração na estrutura social e econômica

do país.

Ao mesmo tempo, os documentos não trazem menção direta às áreas onde a

pesquisa se concentrou: Alto Caparaó14, Caparaó e a região entre Paraíso e Pedra Menina15.

Assim, para alcançar o objetivo de se compreender a forma que o discurso conservador,

baseado no combate ao comunismo, chegava até as populações estudadas, será utilizado um

outro tipo de fonte: a memória dos moradores destas localidades. Talvez a maior dificuldade

ao se trabalhar dessa forma seja identificar o período narrado pelo entrevistado. Com certeza,

a maioria destes se lembra das mensagens divulgadas na década de 1960, principalmente em

dois momentos: 1964, momento de radicalização política que levou à derrubada de João

Goulart, e 1967, período em que foi desmantelado um projeto de implantação de guerrilha na

região.

14
Hoje município, Alto Caparaó era apenas um pequeno povoado pertencente à Caparaó em 1967.
15
As duas localidades estão inseridas numa mesma região. Paraíso pertence ao município de Espera Feliz/ MG e
Pedra Menina ao município de Dores do Rio Preto/ ES, sendo separados por um riacho. Na época da Guerrilha,
Paraíso já constituía um pequeno povoado e em Pedra Menina existiam apenas algumas casas não muito
próximas uma das outras.
115

Os depoimentos dos moradores da região em torno do Parque Nacional do Caparaó

deixam transparecer serem dois os maiores agentes de divulgação da propaganda

anticomunista: políticos locais e religiosos. Em relação aos primeiros, o comunismo aparecia

como uma arma eleitoral. Apresentar-se como um combatente incansável do bolchevismo

representava conquistar a simpatia do povo, temeroso do avanço da ameaça revolucionária.

Assim, muitos foram os candidatos que empunharam a bandeira do anticomunismo, tanto em

nível nacional quanto local. Ao mesmo tempo, impor ao adversário o rótulo de comunista

significava afastá-lo desta mesma população, reduzindo a sua probabilidade de sucesso em

eleições. Rodeghero (2003, p.111) afirma que “[...] a propaganda eleitoral pode ser

entendida como representação e ação, ao mesmo tempo em que o anticomunismo é utilizado

como filtro de explicação da realidade, pretende instigar os eleitores a um posicionamento, a

uma adesão, a uma ação específica: o voto”. Assim, na busca pelo domínio político local,

determinados grupos buscaram incentivar a adesão de parcelas significativas da população

através de um discurso baseado na campanha de combate ao comunismo. Nacionalmente,

vários setores da esquerda foram tachados de comunistas como forma confundir o eleitor,

amedrontando-o e conquistando o seu apoio. Motta (2002, p.163-164) afirma que

[...] a aplicação indiscriminada da expressão comunista aos adversários


pertencentes aos diversos matizes de esquerda, praticada de maneira mais
freqüente pelos anticomunistas conservadores e reacionários, tinha como
objetivo desacreditar todo e qualquer processo de mudança social.

Na região pesquisada, os políticos são referenciados por vários moradores como

propagadores do discurso anticomunista. É o que podemos notar, por exemplo, no

depoimento da ex-agricultora, Nadir Tavares de Oliveira, moradora de Alto Caparaó:

Ah, quem comentava, por exemplo, eram pessoas que naquele tempo, uns
diziam que eram chefes do Caparaó, outros eram vereadores, candidatos ou
que tinha vontade de ser candidato a prefeito, prefeito mesmo. Só esse tipo
116

de gente que comentava, a gente ficava espantado de ouvir, não é, porque


era pouca informação e a gente nem sabia direito o que eles estavam
dizendo. Só isso que eu me lembro16.

Nadir ainda justifica a posição de tais líderes políticos, pois “[...] eles eram mais informados.

Eles é que viajavam, eles é que tinham informação sobre isso”.

O agricultor aposentado e morador de Alto Caparaó José Cortez Filho, também

relata que os “chefões” sempre falavam sobre o comunismo. Quando indagado sobre quem

seriam os “chefões”, José afirma que eram “[...] os políticos do lugar, os coronéis17”.

Izac Valério, pai de Nadir e agricultor aposentado, vai mais longe ao descrever qual

seria o partido que manipulava a população local com o discurso anticomunista e a forma que

se dava o processo de convencimento:

Ah, o comunismo quem atacava muito mesmo aqui era a UDN. Toda a
pessoa que fazia parte da UDN trabalhava. Via um camarada com um
papelzinho do PTB, “Ih, rapaz, queima isso. Isso é comunismo, rapaz. Você
vai botar a sua mulher na mão dos outros aí? Sua filha?” Então conforme o
que o sujeito fala o povo às vezes acredita e eles ficam todos revoltados.
Tinha camarada aqui que se você falasse com ele no PTB, ele zangava com
o sujeito: “Você não cria juízo não, rapaz? Parece que tá bêbado!”. Então
era assim, todos que pertenciam a esse partido fazia uma campanha18.

Izac afirma que até mesmo Getúlio Vargas era apresentado pelos políticos udenistas como

comunista, como será analisado adiante.

Em outro depoimento, Ismael Gripp de Oliveira, trabalhador autônomo, relata que,

em Caparaó, os políticos também exploravam o imaginário anticomunista. A figura de Fidel

Castro e a idéia de escravidão recebem destaque em seu depoimento:

O povo brasileiro sempre teve medo desse negócio de Fidel Castro. Sempre
que tem uma eleição, eles (políticos) falam que esse povo é um povo que
escraviza a população. Sempre que vem a eleição eles falam que esse povo

16
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
17
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
18
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
117

é perigoso. Então o pessoal tem muito medo, e se os líderes do lugar falam


assim, o pessoal vota tudo contra, e a favor do pessoal que tá dando a
informação19.

Dessa forma, percebe-se o poder de manipulação exercido pelos políticos locais e

como estes contribuíram, pelo menos em algumas áreas próximas do Parque Nacional do

Caparaó, para a construção de um imaginário anticomunista entre a população.

Vários depoimentos também relatam o papel desempenhado por religiosos no

combate ao comunismo. Como no Brasil o anticomunismo tem por base o discurso religioso,

não é de se estranhar que muitos dos relatos se refiram às igrejas, principalmente a Católica,

ao se lembrarem do combate às atividades revolucionárias. José Cortez Filho afirma “[...]

que a Igreja Católica toda vida foi contra o comunismo. Mas nós mesmos não sabíamos o

que era o comunismo. Eles falavam esse negócio, mas nós não sabíamos o quê que era isso,

não20”. A professora de Geografia Maria do Carmo Rocha Rezende relata que, em Espera

Feliz, “[...] a própria Igreja condenava essas conversas porque o comunismo era tido como

pecado. E como aqui era muita... noventa por cento da população era católico praticante,

então era visto como essa questão de pecado sem explicação porque que era pecado21”.

Entretanto, não se pode afirmar que só a Igreja Católica se empenhou no combate ao

comunismo. Ao ser indagada a respeito, Nadir Tavares de Oliveira, que é pertencente à Igreja

Batista em Alto Caparaó, afirmou se lembrar que os pastores também falavam do comunismo:

Normalmente, o pastor pregava, que as pessoas orassem na hora de votar


por causa do comunismo e falava do comunismo. Na forma que eu, na
época eu não sabia o quê que era. Então pedia muito para não trazer o
comunismo para o nosso lugar, pra não deixar o comunismo crescer,
entendeu, e daí por diante22.

19
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004. Ismael afirma que, no período da Guerrilha,
havia recém saído do Exército, tendo prestado o serviço militar na cidade do Rio de Janeiro.
20
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
21
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
22
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2004.
118

Se não é surpresa que nos relatos da população apareçam a Igreja e políticos como

divulgadores do discurso anticomunista, um outro agente propagador também aparece entre

os habitantes da região: o próprio convívio social. Muitos dos moradores entrevistados, ao

serem interrogados a respeito, afirmaram nunca terem ouvido qualquer tipo de crítica ao

comunismo vindo de religiosos ou políticos. Porém, lembram-se bem do medo que a figura do

comunista proporcionava a praticamente todos. Para estes, a propaganda anticomunista

chegou através de outras pessoas comuns como eles próprios. O falar do comunismo no meio

em que viviam fortaleceu ainda mais o discurso, dando um tom maior de realidade. O

agricultor aposentado Antônio Pereira Leite relata que “Aquele povo todo falava isso. Volta e

meia um tocava nisso. Até hoje, até mesmo ainda fala, né [risos]23”. Assim, o medo do

comunismo era amplificado pelas simples conversas comuns do interior que ocorrem

geralmente em praças, varandas das casas, botecos, etc. Neste sentido, destaca o poder que os

mais velhos tinham sobre os demais como relatam o ex-agricultor Sebastião Machado de

Faria, residente em Pedra Menina, e o vigilante bancário aposentado, Welton Ferreira Lima,

residente em Caparaó. Sebastião24 relata que os jovens imaginavam os mais velhos como mais

inteligentes por eles explicarem aquilo que ouviam no rádio, como sobre o comunismo.

Welton fala da impressão que os comentários dos idosos tinham sobre os jovens:

As pessoas mais antigas, entendeu? Então, as pessoas mais antigas, igual o


senhor Ném Paulino mesmo, que já faleceu, pai da Zezé, ele falava muito:
“O comunismo está vindo aí, vai arrasar com esse Caparaó nosso aí!” [fala
imitando a voz do senhor]. Então era esse tipo de coisa assim, sabe? E você
menino, você escutava o idoso falando... “Gente, que coisa perigosa!” 25.

O anticomunismo constituiu, assim, um imaginário capaz de alcançar até as

localidades mais distantes, isoladas, e talvez por isso mesmo, mais propícias ao medo, o que

23
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
24
Depoimento concedido em Pedra Menina, município de Dores do Rio Preto/ ES, no dia 22 de novembro de
2005.
25
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
119

será analisado adiante. Em tais áreas, a inexistência de vestígios materiais sobre a ação de

grupos empenhados na divulgação da propaganda anticomunista torna mais difícil a análise

do tema, mas não a impossibilita. A memória dos moradores da região investigada, por mais

vagas ou imprecisas que possam ser, fornece importantes informações para que se

compreenda quais os agentes e o tipo de ação adotada para que se convencesse tais pessoas do

perigo representado pelo comunismo.

3.3 A POPULAÇÃO LOCAL E AS IMAGENS DO COMUNISMO

Antes de se analisar o medo em relação ao guerrilheiro, será realizada uma discussão

em torno das representações que constituem o imaginário anticomunista na região. Viu-se que

os principais agentes propagadores do anticomunismo nas localidades pesquisadas eram

políticos, religiosos e a própria população comum que reforçava as imagens construídas em

torno do revolucionário, nas conversas informais dentro da comunidade em que viviam.

Agora serão analisadas as imagens que aparecem com mais freqüência nos depoimentos da

referida população.

Como o anticomunismo no Brasil se ergueu sobre uma base religiosa,

principalmente católica, não só o clero, mas também organizações de leigos se articularam no

combate ao comunismo. Na década de 1960, na campanha que culminou com a deposição de

João Goulart, houve uma mobilização mais ampla, que contou com membros de outras

religiões como protestantes, judeus e espíritas. Dessa forma, os elementos ligados à religião,

principalmente católicos, aparecem com certa freqüência nos depoimentos dos moradores da

região pesquisada. Tal aspecto pode ser notado, por exemplo, no relato de Nadir Tavares de
120

Oliveira, moradora de Alto Caparaó: “Então, quando falavam em comunismo, o que eu me

lembro que eles falavam era que no comunismo era que não gostava que pregasse o

evangelho, que não falasse de Deus e tinha outras coisas26”. A professora de Geografia Maria

do Carmo Rocha Rezende, residente em Espera Feliz, relembra que o comunismo “[...] era

uma coisa do ponto de vista religioso, pecaminosa27”. Temia-se, então, o comunismo pelo

fato de ele estar ligado ao ateísmo, de proibir a existência de igrejas e de qualquer tipo de

manifestação religiosa, enfim, por ser visto como um pecado maior do qual todos deveriam

manter distância.

Dessa forma, a propaganda anticomunista explorou a imagem do revolucionário

marxista como aquele que colocava em risco os valores tradicionais cristãos. Sua estratégia de

dominação consistia em destruir a moral e os bons costumes, sendo tachado, por isso, de

sedutor, corrupto, assassino, entre outras designações. Este é outro elemento muito presente

no imaginário da população da área estudada. Segundo Antônio Pereira Leite, residente em

Alto Caparaó, as pessoas diziam que no comunismo “[...] não ia haver mais casamento, que o

pessoal ia viver à vontade28”. O “à vontade” que Antônio relata é melhor descrito por Izac

Valério. Ele afirma que:

Eles falavam que no comunismo pai não manda na filha, sujeito chega em
casa apanha a filha, pode usar ela, pode usar a família do outro, que
ninguém manda em nada. “Ah, mas tinha as filhas”, arregalava os olhos. Os
maridos que tinham as mulheres arregalavam os olhos: “Deus me livre dum
partido desse!” 29.

Temia-se, dessa forma, a liberdade sexual e a desestruturação da família. Como já discutido, a

União Soviética não havia passado por uma revolução somente nas áreas social e econômica.

Tal revolução se dava também no comportamento, buscando romper com o modelo burguês

26
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
27
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
28
Depoimento concedido em Alto Caparaó/ MG no dia 03 de outubro de 2005.
29
Depoimento concedido em Alto Caparaó/ MG no dia 04 de outubro de 2005.
121

de família, transformando-se, assim, em campo fértil para a propaganda anticomunista. Os

depoimentos colhidos nas proximidades do Parque Nacional do Caparaó indicam que a idéia

defendida pelos comunistas sobre a socialização das propriedades foi explorada pelos setores

conservadores, e absorvida pela população mais simples, como algo mais amplo: os maridos

não teriam mais poderes sobre filhas e esposas, pois, no comunismo, até mesmo elas seriam

socializadas. Esta imagem aparece com bastante freqüência nos depoimentos dos moradores

das áreas investigadas. A partir de tais relatos, pode-se ter uma idéia de quanto esses aspectos

geraram apreensão em uma região onde predominava uma população humilde, na grande

maioria ligada à terra e seguidora dos mandamentos da igreja, seja ela católica ou protestante.

Os grupos anticomunistas, que se empenharam na propagação destas imagens

discutidas até aqui, afirmavam ser esta a realidade existente nos países sob o regime

socialista. A União Soviética sempre teve papel de destaque nestas representações, sendo

Cuba e China também muito utilizadas na década de 1960. Estas nações foram representadas

por grupos conservadores como portadoras de regimes opressores, nos quais a população era

escrava do Estado e prevaleciam as piores condições. Assim, tal imagem também aparece nos

relatos dos moradores da região da Serra do Caparaó. A idéia dos revolucionários como

homens violentos transparece nos depoimentos do funcionário público aposentado Joaquim

Cândido da Silva e do agricultor Francisco Protásio de Oliveira. Joaquim, residente em

Caparaó, relata que o comunista era visto como “[...] um pessoal, assim, carrasco. De um

outro partido que só vivia matando os outros, que era gente matador30”. Francisco, morador

da localidade de Pedra Menina, diz que imaginava que, após tomar os bens de toda a

população, o comunista iria “[...] pôr polícia pra bater em todo mundo31”. No depoimento do

segundo percebe-se também a questão da ameaça à propriedade:

30
Depoimento concedido em Caparaó/ MG no dia 20 de novembro de 2005.
31
Depoimento concedido em Pedra Menina, município de Dores do Rio Preto/ ES, no dia 21 de novembro de
2005.
122

Eram muitos valores que a pessoa tinha. Naquele tempo tinha alguém que
tinha as moedas guardadas, as coisas, né. Tinha uma arma guardada antiga,
sempre já tinha aquelas pessoas... Achava que o comunismo vinha tomava
aquilo tudo, ia pôr todo mundo debaixo do domínio deles. Mais ou menos
isso aí 32.

No depoimento da professora Maria do Carmo, aparece não só o temor da população em

perder os bens, mas até mesmo os próprios filhos: “Tudo era do governo. As crianças teriam

que ficar separadas dos pais, porque quem mandava era o governo. E era uma coisa

perigosa, porque ninguém podia ter nada, ser dono de nada, porque tomava tudo33”. Todos

esses bens tomados da população ficariam sob o domínio de um chefe, um líder ao qual todos

deveriam obediência sem contestação: “Teria um chefe, um senhor num lugar, que mandava

em todo mundo, né34”. O comunismo, dessa forma, aparece como um regime injusto, violento

e desigual. A idéia de socialização das propriedades não aparece sob a forma usualmente

difundida pelos defensores do socialismo. Em seu lugar, surge um Estado saqueador, que a

todos usurpa, em nome de um chefe que seria o detentor de todo o poder e de toda a riqueza.

Mais ainda, esse Estado utilizaria todos os meios possíveis para colocar em prática o seu

plano maléfico, recorrendo às formas mais brutais de violência. No imaginário popular, essa

era a realidade das nações socialistas como a União Soviética, China e Cuba. “Em suma, além

de ser ditatorial, ateu, imoral, assassino e diabólico o comunismo também traria miséria e

exploração aos infelizes povos que caíam sob as suas garras” (MOTTA, 2002, p.75).

As pessoas entrevistadas neste trabalho mostram um imaginário construído com

base em aspectos já analisados no capítulo anterior, ou seja, o comunismo surge como uma

ameaça à religião cristã, aos valores morais, à liberdade, à propriedade, como um regime

opressor, etc.

32
Francisco Protásio de Oliveira. Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
33
Depoimento concedido em Espera Feliz/ MG no dia 22 de novembro de 2005.
34
Antônio Pereira Leite. Depoimento concedido em Alto Caparaó/ MG no dia 03 de outubro de 2005.
123

Mas é importante notar que personagens e partidos não alinhados à ideologia

comunista também aparecem no imaginário da população como tal. Izac Valério se lembra de

como o PTB e a figura de Getúlio Vargas eram constantemente identificados aos comunistas

pelo povo local:

Tinha quem apoiava a parte do Getúlio e tinha quem apoiava a parte contra
o Getúlio. Então não falava, falava assim, por fora: “Compadre, eu vi falar
que você vai votar no PTB”. “Ah, não sei não [resposta]”. “Tenha a
paciência, não vota nele não, que ele é pelo comunismo”. Então aquilo foi...
Chegou um ponto que o comunismo, o PTB tava crescendo, crescendo e
eles não tava tendo jeito. E bateram. Que esse foi o grande, o grande
governador do Brasil [Getúlio Vargas]. Então não tinha jeito, botou pra
prender esses chefes, por exemplo, que falava dele assim, que ia te
converter, me converter, esses botou pra prender eles. E foi prendendo, aqui
no Carangola mesmo, prenderam uns cinco aqui, que trabalhavam
defendendo o Getúlio. Foram presos uns cinco ali. E na Nação toda foi
preso gente35.

Para Izac, os políticos locais, em geral ligados à UDN, seriam os responsáveis pela divulgação

de tais imagens. Vale lembrar que Rodeghero (2003, p.28) afirma que, nos países capitalistas,

o comunismo é associado a todos os partidos e movimentos de esquerda, mesmo não sendo

comunistas de fato. Este é o caso do PTB, que sofreu um imenso ataque por parte dos grupos

anticomunistas, principalmente na década de 1960.

Percebe-se aqui, o uso da figura de Vargas, responsável pela primeira grande onda

de repressão contra os comunistas. É certo que o presidente Vargas, ao adotar uma postura

nacionalista, principalmente em seu segundo governo, desagradou setores da elite nacional

ligadas aos interesses estrangeiros. No entanto, tal postura não pode ser confundida como uma

posição de esquerda, uma vez que Vargas não propôs ou tentou realizar reformas que viessem

realmente mudar a estrutura social do país. Muito pelo contrário, seus governos foram

marcados pelo discurso conciliador que buscava mediar as relações entre burgueses e

proletários no intuito de inibir o conflito entre as classes:

35
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
124

O populismo inaugurado por Getúlio Vargas se definiu pela associação


íntima entre trabalhismo e projeto de industrialização. O trabalhismo como
promessa de proteção dos trabalhadores por um Estado paternalista no
terreno litigioso entre patrões e empregados. O projeto de industrialização
como interesse comum entre burgueses e operários. O populismo foi a
forma da hegemonia ideológica por meio da qual a burguesia tentou – e
obteve em elevado grau – o consenso da classe operária para a construção
da nação burguesa. A liderança carismática e sem mediações formalizadas,
adequada a massas de baixo nível de consciência de classe, constituiu a
expressão peculiar do populismo. Não sua essência, concentrada nas idéias
de colaboração de classes e paz social (GORENDER, 2003, p.18).

Mas como interpretar, então, o aparecimento de Vargas no depoimento de Izac

Valério? Algumas hipóteses podem ser aventadas. Primeiramente, deve-se lembrar que a

UDN era um partido marcado pela posição “antigetulista” e que, em fins da década de 1950,

passou a adotar uma postura anticomunista. Tal aspecto já poderia, por si só, trazer alguma

confusão entre as populações mais simples que aceitavam como realidade os discursos

impostos pelos chefes políticos locais. Além disso, deve-se lembrar que o PTB, tachado de

comunista por grupos conservadores na década de 1960, havia sido criado por Getúlio no

intuito de captar o apoio da classe trabalhadora e fazer frente a um provável crescimento do

PCB após o fim do Estado Novo. Um outro aspecto a ser lembrado é que a figura de Jango foi

associada ao comunismo, fato que contribuiu para a sua deposição. A professora Maria do

Carmo relata que o povo comentava que o “[...] João Goulart tinha saído porque estava com

relacionamentos comunistas. Estava querendo implantar o comunismo no Brasil36”. Dessa

forma, sendo o presidente Goulart afilhado político de Vargas, os grupos políticos locais,

principalmente ligados à UDN, podem ter explorado uma imagem de Getúlio também como

comunista, até mesmo devido à força que a figura do “pai dos pobres” exercia sobre a classe

trabalhadora. Mas tais aspectos ficam somente no campo das hipóteses. Deve-se destacar que

em nenhum outro depoimento a figura do presidente Vargas aparece ligada ao comunismo.

36
Maria do Carmo Rocha Rezende. Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
125

Por outro lado, Izac Valério ao denunciar as atitudes dos chefes locais ligados à

UDN, demonstra acreditar que Getúlio Vargas era realmente comunista, entendendo isto

como um aspecto positivo:

[...] é que o Getúlio pensava assim, igualdade. Todo mudo ter direito àquilo
que uns tem e outros não tem. Era o comunismo. Tinha nada... mas criaram
umas coisas [...] É que Getúlio vai aposentar os homens. Eles falavam
assim: “Getúlio está aposentando os homens aí e está botando os homens à
toa, homem novo está à toa”. [...] Então a parte alta, por exemplo, ou seja, a
UDN, perseguiu muito o comunismo. Perseguiu o comunismo demais da
conta. Então não era comunismo de família, era comum, era comum o viver
na terra, era comum. Porque Deus quando fez a terra, Deus fez pra todos.
Fez pra três ou quatro, não. Um com mil alqueires e outro sem um litro. Ele
fez pra todos. Mas é a ambição do povo37.

A figura de Leonel Brizola também aparece muito nos depoimentos da população

local: “Brizola era tido como um revolucionário mesmo38”. Sabe-se que o ex-governador foi

alvo dos ataques dos grupos conservadores pelas atitudes tomadas durante o seu governo no

Rio Grande do Sul e de seu posicionamento radical, já discutido neste trabalho, em defesa de

reformas sociais. Entretanto, deve-se salientar que, para os moradores entrevistados, a figura

de Brizola é ligada ao comunismo por um outro aspecto: o seu envolvimento com os

guerrilheiros que se instalaram na Serra do Caparaó entre 1966 e 1967.

Joaquim Cândido, ao falar sobre os integrantes da Guerrilha, afirma que “Eles eram

comunistas, sim, porque eles pertenciam ao bando do Brizola lá do Rio Grande do Sul. Ah, o

Brizola é que comandava essa turma. Ele era comunista39”. Esse talvez seja o principal

motivo para que a imagem de Leonel Brizola tenha permanecido tão forte na memória da

população, sendo uma das principais referências quando falam sobre o comunismo.

Percebe-se igualmente que muitos dos entrevistados temiam o desconhecido. O

comunismo para tais pessoas é algo não compreendido, mas que, mesmo assim, tem o poder

37
Depoimento concedido em Alto Caparaó em 04 de outubro de 2005.
38
Welton Ferreira Lima. Depoimento concedido em Caparaó em 20 de novembro de 2005.
39
Depoimento concedido em Caparaó em 20 de novembro de 2005.
126

de gerar medo. Nadir Tavares afirma que a única informação que possuía sobre o comunismo

é o que se refere ao ateísmo, sendo que ela:

Não tinha conhecimento de nada, não é. Porque comunismo uma parte é


isso, mas tem outras coisas muito além, não é. E, até hoje, a gente não
entende, eu pelo menos. Às vezes outras pessoas até entendiam porque
tinham mais informação sobre isso. Mas eu não entendia, o que eu entendia
era só isso40.

Assim como Nadir, José Cortez Filho também relata não saber o que era o comunismo.

Segundo ele, a Igreja Católica realizava pregações contra o comunismo, mas a população

pouco sabia sobre a ideologia: “Eles falavam esse negócio, mas nós não sabíamos o quê que

era isso, não41”. A professora aposentada Maria Aparecida Rodrigues, moradora da região do

Paraíso, afirma que temia o comunismo, porém sem compreender o que significava: “[...] a

gente não saiba o quê que era42”.

Assim, o comunismo no imaginário do povo local absorveu grande parte das

representações tão propagadas pelos grupos que se mobilizaram no combate à ideologia.

Mesmo aqueles que não o compreendiam, viam o comunismo como uma coisa ruim, que

traria sofrimento para toda a população. Outros aspectos ainda surgem ao caracterizar o

comunista como a cor vermelha, por exemplo: “Mas a gente achava que o comunista ele

vestia de vermelho [...] de vermelho, e vinha para matar43”.

É importante analisar como esse imaginário construído em torno da figura do

comunista foi recebido pela população. Como os moradores da região pesquisada reagiram no

momento em que sentiram estarem próximos de serem dominados pelos revolucionários. O

medo em relação ao guerrilheiro e, conseqüentemente, a simpatia desenvolvida por uma

40
Depoimento concedido em Alto Caparaó em 30 de setembro de 2005.
41
Depoimento concedido em Alto Caparaó em 05 de outubro de 2005.
42
Maria Aparecida Rodrigues. Depoimento concedido em 21 de novembro de 2005.
43
Welton Ferreira Lima. Depoimento concedido em Caparaó em 20 de novembro de 2005.
127

grande parcela da população de algumas áreas em relação aos militares, serão os aspectos

explorados a partir de agora.

3.4 O MEDO DA GUERRILHA – O COMUNISMO BATE A PORTA

Os anos de 1966 e, principalmente, 1967 foram traumáticos para boa parte dos

residentes em torno do Parque Nacional do Caparaó. O medo ocasionado pela presença de

guerrilheiros no alto da Serra provocou reações de desespero e transtorno em muitas pessoas.

Numa área marcada até então pela vida humilde e tranqüila, a desconfiança passou a reinar e a

intervir nas relações entre os moradores e, principalmente, no trato com estranhos. O

comunista, representado pela figura do guerrilheiro cabeludo e barbudo que rondava os

arredores do Pico da Bandeira, surgia como uma ameaça que visava tomar a região para

propagar dali a tão famigerada revolução que deveria atingir todo o território nacional.

Os setores conservadores da sociedade que se dedicaram à campanha de combate ao

comunismo no Brasil produziram um conjunto de imagens para designar o revolucionário

comunista. Este imaginário, entretanto, pode sofrer alterações, diminuindo ou aumentando as

distorções, adicionando novas imagens ou eliminando algumas delas, provocando reações

diversas em grupos diferentes e em períodos distintos. Daí se justificar a realização de uma

análise da recepção de toda essa propaganda anticomunista divulgada no país.

Ao levar-se em conta o medo do guerrilheiro e, ao mesmo tempo, a simpatia popular

em relação aos militares que atuaram na repressão aos integrantes do movimento, busca-se

analisar a recepção da população local a toda a propaganda anticomunista divulgada no país

durante vários anos.


128

Darnton (1986, p.XVII) afirma que todas as pessoas, independente da origem e da

posição ocupada na sociedade, operam segundo coações culturais, ou seja, “[...] a expressão

individual ocorre dentro de um idioma geral, de que aprendemos a classificar as sensações e

a entender as coisas pensando dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura”. Todas

as mensagens que chegam a uma pessoa são reinterpretadas e ganham uma nova significação

a partir de todo o conjunto de elementos que constituem o meio cultural no qual ela está

inserida. Assim, quando Chartier (1990, p.24) afirma ser necessário uma teoria da leitura que

articule o mundo do texto ao mundo do sujeito, possibilitando compreender como o leitor se

apropria dos discursos conduzindo-o a uma nova compreensão de si e do mundo, pode-se

estender tal afirmativa como relativa também à leitura de outras mensagens, mesmo as não

impressas: segundo Darnton (1986, p.XVI), se pode “[...] ler um ritual ou uma cidade, da

mesma maneira como se pode ler um conto popular ou um texto filosófico”. Dessa forma, ao

se estudar o medo em relação ao guerrilheiro, desenvolvido pela população da região da Serra

do Caparaó, caminha-se no sentido de desvendar a “leitura” realizada por tais pessoas em

relação a toda a propaganda anticomunista da qual foram alvo. A sua reação diante da ameaça

propicia a análise da recepção dos moradores às mensagens propagadas contra o comunismo

e, de como foi construído o mito em torno do guerrilheiro.

Cassirer (1992, p.55) afirma que o mito surge das profundas emoções humanas.

Sendo assim, o medo, uma das mais fortes emoções que o homem experimenta durante a vida,

é um elemento fundamental na compreensão da constituição dos mitos. A imagem construída

em torno dos guerrilheiros, ou seja, dos homens que haviam se infiltrado nas proximidades e

trabalhavam sorrateiramente para implantar o famigerado comunismo, se desenvolveu em

torno de toda angústia e apreensão vivida cotidianamente pela população. Cassirer (1992,
129

p.55) afirma que o mito não pode ser confundido com a emoção em si, sendo apenas uma

expressão desta: “[...] é uma emoção convertida em imagem44”.

Por outro lado, Girardet (1987, p.23) alerta para o cuidado que se deve ter ao

analisar o mito do exterior e através de uma pesquisa exclusivamente objetiva: “[...] apenas

aqueles que vivem o mito na adesão de sua fé, no impulso de seu coração e no empenho de

sua sensibilidade se encontrariam em condição de exprimir sua realidade profunda”. Portelli

(2001, p.120-121) segue uma noção próxima a de Girardet ao defender que um mito não é

necessariamente uma história falsa ou inventada, e sim, “[...] uma história que se torna

significativa na medida em que amplia o significado de um acontecimento (factual ou não),

transformando-o na formalização simbólica e narrativa das auto-representações partilhadas

por uma cultura”. Sendo assim, se para o pesquisador, o mito pode se apresentar apenas como

uma imagem, para quem o vive, o mito é realidade.

Ansart (1978, p.23) afirma que o mito “[...] é a experiência cotidiana, o imaginário

vivido, o modo de relação dos homens consigo mesmos, com o mundo e com os outros”.

Dessa maneira, uma pesquisa que se proponha a realizar uma análise objetiva do mito nunca

conseguirá entendê-lo na sua essência, na sua real estrutura compartilhada entre aqueles que

nele acreditam. Para compreendê-lo, é necessário entender antes todo o meio cultural em que

estão inseridos aqueles que vivem o mito, que o tomam por realidade.

Diante de tais colocações acerca dos mitos, analisar a recepção dos habitantes locais

a toda a propaganda anticomunista da qual foram alvo possibilita a compreensão da imagem

construída em torno do guerrilheiro e as atitudes de tais pessoas quando se sentiram

ameaçadas.

Segundo Ansart (1978, p.76), a recepção de uma mensagem ocorre de acordo com o

nível cultural e das atitudes próprias do grupo que está sendo atingido por ela. Guimarães

44
No original: “es una emoción convertida en imagen”.
130

(1950, p.33), em seu estudo sobre as crenças que povoam o imaginário da população no

interior do Brasil, afirma que “[...] toda lenda que troca de lugar se transforma, para se

adaptar às condições etnográficas do novo meio”. Por isso, para se entender o que o

comunismo representava para a população estudada, deve-se, antes de tudo, discutir a própria

condição vivida por ela.

A pesquisa se concentrou em três áreas nas redondezas do Parque Nacional do

Caparaó: Caparaó, Alto Caparaó e a região entre Paraíso e Pedra Menina. Na época, tais

localidades eram marcadas pela predominância de pessoas simples, pobres, com pouco ou

nenhum acesso à informação, religiosas e que acreditavam em diversos seres imaginários

presentes em sua cultura. Outras localidades serão citadas no trabalho como Iúna,

Manhumirim, Espera Feliz e Presidente Soares. Porém, devido às características da população

e uma maior proximidade com o Parque Nacional do Caparaó, as análises se concentrarão nas

áreas citadas primeiramente.

A partir dos relatos colhidos, pode-se ter uma noção de como era a vida na região.

As dificuldades vividas pela população são sempre narradas pelos moradores, principalmente

de Alto Caparaó e da região do Paraíso. As condições existentes nestas localidades se

aproximavam daquelas definidas por Cândido (2001, p.108) como de uma “cultura caipira”,

ou seja, caracterizada por “[...] 1) isolamento; 2) posse de terras; 3) trabalho doméstico; 4)

auxílio vicinal; 5) disponibilidade de terras; 6) margem de lazer”. Das características citadas,

talvez apenas a 6 não apareça de forma clara nas entrevistas realizadas neste trabalho, o que

não significa que esta não ocorresse na região. Entretanto, notam-se alguns aspectos ligados

às demais características da cultura caipira, podendo se destacar o isolamento, a posse de

terras e o trabalho doméstico. Algumas formas de solidariedade, que será abordada mais à

frente, também podem ser enquadradas como um tipo de auxílio vicinal.


131

Em tais áreas a economia era quase que de subsistência. Como a agricultura

comercial era pouco praticada, quase não havia circulação de dinheiro. As pessoas

realizavam trocas naturais ou pagavam mercadorias em serviços, como afirma José Cortez

Filho, morador de Alto Caparaó:

Era um pessoal muito pobre, né. Nós tínhamos que ajudar muito as pessoas,
por exemplo, da região aqui que morava perto. Era muito pobre. Não tinha
jeito de ganhar de dinheiro naquela época, não tinha dinheiro, então nós
trocávamos mantimento a troco de serviço deles. Eles trabalhavam, nós
trocávamos feijão, gordura, fubá, trocava com eles pra eles trabalharem pra
nós. Não tinha outro jeito deles sobreviverem. [...] O pessoal vivia mais, por
exemplo, assim, do trabalho em troco de comidas assim, porque dinheiro,
não existia dinheiro, não existia dinheiro. Nós, pra fazermos um
dinheirozinho pra cumprir algum dever, eram os capados que nós
levávamos pro Manhumirim, queijo... de quinze em quinze dias tinha que
levar. Aí tirava um pouquinho de dinheiro lá, mas já trocava num
mantimento e já trazia pra cá45.

Izac Valério também relata a troca de serviços por alimentos: “O sujeito vinha,

chegava aqui. Ele não tinha dinheiro, não tinha nada que vender, então ele trabalhava

praquela pessoa. Mas recebia só a manutenção pra ele. Trabalhava aí, só pela comida. Se

sobrasse, era por um acaso era até pra uma roupa46”. Através de seu depoimento percebe-se

que a dificuldade não estava somente do lado daqueles que necessitavam trabalhar para obter

comida. O proprietário, na maioria das vezes, também não tinha dinheiro para poder pagar

pela mão-de-obra: “[...] era muito difícil a vida. Não existia dinheiro. Quando eles

arranjavam uma pessoa pra trabalhar, eles tinham que ter café em coco pra vender pra eles

(...) É o café em coco, ou se não, pra torrar, pra beber, tinha que socar no pilão47”.

Neste sentido, vale a afirmação de Cândido (2001, p.23) que, nas sociedades

rústicas, “[...] é acentuada a homogeneidade dos indivíduos”. Assim, proprietários e

trabalhadores não possuíam um padrão de vida muito diferente. As dificuldades existentes

45
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
46
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
47
Idem.
132

para quem precisava vender a sua mão-de-obra, muitas das vezes, também ocorriam para

aqueles que dela necessitavam. Os entrevistados narram um período de pobreza e grandes

dificuldades vividas pela população, marcada pela necessidade de trabalho e de conseguir

alimentos. Recorrendo novamente a Cândido, o autor demonstra o quanto a alimentação é

fator essencial para a compreensão da organização dos sistemas sociais. Segundo ele,

[...] os meios de subsistência de um grupo não podem ser compreendidos


separadamente do conjunto das “reações culturais”, desenvolvidas sob o
estímulo das “necessidades básicas”. Em nenhuma outra parte vemos isto
melhor que na alimentação, que é o recurso vital por excelência. Com
efeito, há necessidades inadiáveis que não encontram correspondente na
organização social, como a respiração; e outras que se processam conforme
padrões definidos, mas cuja satisfação pode ser suspensa sem acarretar
cessação da vida, como o impulso do sexo. A fome, todavia, se caracteriza
por exigir satisfação constante e requerer organização social adequada
(CÂNDIDO, 2001, p.35).

Dessa forma, nota-se que, nas áreas até aqui analisadas, eram adotadas formas de

organização baseadas no suprimento de suas necessidades básicas. A falta de recursos, tanto

de proprietários quanto dos trabalhadores, resultava numa estratégia em que ambos

satisfaziam tais necessidades: os proprietários conseguiam a mão-de-obra pela qual não

tinham dinheiro para pagar, e os trabalhadores obtinham os alimentos que, ou não possuíam

terras para cultivá-los e não tinham dinheiro para adquiri-los, ou, mesmo sendo pequeno

proprietário, também não conseguiam suprir suas necessidades por não terem condições

financeiras e braços suficientes para tocar a terra.

As dificuldades existentes em Alto Caparaó são também percebidas na região entre

Paraíso e Pedra Menina, como afirma Francisco Protásio:

Vivia aqui de feijão, milho e... batatinha e madeira. Serrar madeira, tirar
dormente pra levar pra Leopoldina [Companhia Ferroviária]. Esse dormente
era conduzido primeiro no lote de burro, depois já veio o carro de boi, já foi
uma condução melhor. [...] Aí a gente, era uma luta bem difícil. O pessoal, a
133

sobrevivência do povo aqui era um boizinho, uma vaquinha. Cada um tirava


um leitinho pouco, quase que pra despesa48.

A análise do modo de vida dos moradores de tais localidades se baseou unicamente

nos depoimentos orais. Daí uma primeira dificuldade: datar o período em que tais condições

ocorreram. Os entrevistados narram tais aspectos sem definir datas em que teriam ocorrido,

sempre se referindo ao passado. Porém, pelos relatos dos próprios moradores e através dos

artigos de jornais, como será visto adiante, se tem indícios que tais condições ainda se

reproduziam, pelo menos em parte, na década de 1960, no momento em que ocorreu a

Guerrilha.

Deve-se ainda destacar que, a maior parte dos moradores era analfabeta ou havia

freqüentando poucos anos de escola. O acesso às informações também se tornava difícil. O

principal veículo de comunicação citado nos depoimentos era o rádio. Entretanto, poucos

possuíam o aparelho. Por isso, muitos moradores iam até a casa de um conhecido para

ouvirem o rádio, como afirma Nadir Tavares de Oliveira, residente em Alto Caparaó: “[...] a

comunicação que tinha era só um rádio que tinha um senhor lá da roça. Então, a gente tirava

dia pra ir lá ouvir esse rádio49”. José Cortez Filho também relata a existência de poucos

rádios no lugar e só ter acesso ao aparelho através de pessoas conhecidas que o possuíam:

Eu saía daquele canto lá em cima [região mais ao alto da Serra em relação à


Alto Caparaó] onde nós morávamos. Eu vinha aqui, onde morou o Antônio
Leite, ali é que tinha um rádio, ali é que tinha um rádio. Aí nós chegávamos
ali para assistir o rádio, aí o pessoal fazia medo em nós. Falava assim: “Oh,
tem uns homens presos por trás daqueles caixotes ali, e aqueles homens são
brabos. Se eles escapulirem dali, eles correm em cima do sujeito e mata o
sujeito”. Nós ficávamos longe [risos]50.

48
Francisco Protásio de Oliveira. Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
49
Nadir Tavares de Oliveira. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
50
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
134

É interessante perceber que até mesmo dentro na cidade de Caparaó existiam poucos

rádios, como afirma Joaquim Cândido da Silva: “O meio de comunicação era o rádio. Tinha

o telefone, mas era só da Leopoldina, comunicava com as estações. Mas, no mais, era só o

rádio mesmo. E poucos ainda, nem todo mundo tinha51”. Segundo Welton Ferreira Lima,

ainda no fim da década de 1960, dois moradores da cidade chegaram a adquirir a televisão.

Aqui, mais uma vez se esbarra com a dificuldade em se definir o período em que os

moradores narram a falta de acesso à informação. Izac Valério, por exemplo, ao falar da

existência de poucos rádios na localidade de Alto Caparaó, afirma que também ia na casa de

um conhecido para escutar o rádio: “E nós vínhamos todo sábado, todo sábado numa hora

assim: _ ‘Não precisa dar café nós não. Nós estamos aqui pra nós vermos o rádio’. Então

tava na guerra, na época da guerra da Alemanha com a Rússia. Então nós sabíamos daquilo

tudo52”. Através deste depoimento, pode-se definir o período entre fins da década de 1930 e

primeira metade da década de 1940, período marcado pela Segunda Guerra Mundial.

Entretanto, outros depoimentos mostram que tal costume permaneceu ainda por muitos anos.

É o que se pode definir pelo depoimento de Nadir Tavares, filha de Izac Valério e nascida em

fins da década de 1940. Como já citado, Nadir também se lembra de ir à casa de um

conhecido para ouvir o rádio. Assim, pode-se deduzir que durante as décadas de 1950 e 1960,

ainda existiriam poucos aparelhos na região.

O relato de José Cortez Filho, também contribui para se definir a dificuldade de se

obter informação. Em seu depoimento, ocorrido em outubro de 2005, ele afirmava ter 45 anos

de casado com sua esposa, Maria Horst Cortez, ou seja, teria se casado com ela por volta de

1960, e que nessa época ainda existiriam poucos rádios na região: “Faz quarenta e cinco anos

que nós casamos, tinha muito pouco rádio aqui53”.

51
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
52
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
53
José Cortez Filho. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
135

Um dos integrantes do movimento guerrilheiro, Avelino Capitani (1997, p.109),

também fornece um dado que permite concluir a desinformação da população. Segundo ele,

na tentativa de manter contato com alguns habitantes da região, visitou a casa de dois

camponeses: “Com o segundo, consegui ter uma conversa descontraída e perguntei se sabia o

nome do Presidente da República. Disse que não e que não sabia nem o nome do governador

do seu estado”.

Além da falta de informação, os meios de transporte também eram precários.

Caparaó contava com uma estação ferroviária e, pelos relatos e conversas informais, existiam

alguns automóveis na cidade. Porém, em Alto Caparaó e Paraíso, somente através do cavalo,

burro ou do carro de boi, é que a população conseguia se locomover. Devido a estas

circunstâncias, havia uma grande dificuldade para transportar um doente ou para realizar

compras nas cidades, por exemplo. Existiam poucas estradas e em péssimas condições,

algumas delas feitas para a circulação somente do carro de boi e de animais. Além disso, não

existiam veículos que pudessem transportar a população com rapidez para uma cidade em

caso de enfermidade. Izac Valério relata que os moradores da região de Alto Caparaó

praticamente não tinham contato com médicos e remédios:

Remédio era quase sempre assim: não existia farmácia, existia muita
“bensição”, existia muita “bensição”, muito chá, muitas pessoas experientes
que sabiam fazer o chá, como a minha mãe. Minha mãe foi benzedeira e
fazia o chá. E então, tinha aquelas pessoas experientes, tratadores. As
mulheres ficavam grávidas, não faziam o pré-natal, não. Não tinha médico,
não tinha hospital. [...] Era assim, nascia sempre num córrego, nascia uma
pessoa que tinha coragem. Então, essa pessoa ficava com a mulher, recebia
a criança, cortava o umbigo... cortava o umbigo, ela levava um nome:
parteira54.

54
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
136

Francisco Protásio afirma que em Pedra Menina existia um tratador55 em um córrego próximo

e que os doentes eram levados até ele a cavalo para serem cuidados. Mais tarde, farmacêuticos

em Espera Feliz e Caparaó passaram a medicar alguns doentes que conseguiam ter acesso a

estas cidades, e um médico passou a visitar a região quando alguma família o requisitava:

“Depois aí veio o doutor Othon. O doutor Othon vinha ver doente aqui, ele vinha a cavalo.

Tinha que levar um cavalo, chegava lá ele montava naquele cavalo e vinha. Vinha ver o

doente como é que estava56”. Muitos moradores destas localidades viviam de forma isolada,

mantendo pouco contato com as cidades da região.

A religiosidade do povo é outro aspecto a ser analisado. No caso de Alto Caparaó, a

maior parte da população é protestante, já existindo várias igrejas no período da Guerrilha.

Nadir Tavares57, por exemplo, se orgulha ao dizer que foi nascida e criada dentro da Igreja

Batista de Alto Caparaó. Antônio Leite, pertencente à Igreja Adventista do Sétimo Dia, afirma

que a localidade “[...] sempre teve igreja Batista, Presbiteriana, a Católica e depois veio a

Adventista. [...] E aqui é um povo muito religioso. Você não vê ninguém aqui com faca na

cintura, não vê com revólver, não vê com nada. O pessoal daqui, a arma deles é a Bíblia58”.

Em Caparaó e na região do Paraíso, os relatos levam a crer que a Igreja Católica tinha uma

presença mais forte em tais localidades. A professora aposentada Maria Aparecida Rodrigues,

residente no Paraíso, demonstra o poder que a Igreja tinha ao definir quem são os seus únicos

amigos verdadeiros, citando Deus, os pais, médico e os padres da paróquia:

[...] porque eu sempre, quando os outros dizem que vão confessar, eu nunca
disse que vou me confessar, eu vou fazer um desabafo. Um problema sério,
então eu vou chorar lá no ouvido dele no confessionário, né. Quer dizer, é

55
Pessoa que, segundo a crença popular, tem o poder de cura de determinadas doenças e males através de
orações e soluções a base de raízes, ervas, e coisas do tipo.
56
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
57
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
58
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
137

um amigo que sabe um pouco. Quando eu tinha que fazer um desabafo,


falava um pouco da minha vida59.

Outra característica dos habitantes das áreas pesquisadas que merece ser discutida se

refere ao imaginário e à cultura popular. De acordo com alguns depoimentos, os moradores

locais acreditavam na existência de seres como mula-sem-cabeça, lobisomem e assombrações,

aspectos que geravam temores em boa parte dos habitantes. Francisco Protásio descreve tais

crenças na região de Pedra Menina:

Hoje já melhorou bem, mas antigamente tinha aquela história: “Ah, no


Córrego tal tem uma assombração que faz isso. Lá tem mula-sem-cabeça”.
Tinha, tinha esses... hoje não, hoje você quase não vê falar, o lobisomem. O
sujeito vira lobisomem. Tinha superstição. É tinha, coisa, eu nunca acreditei
nisso. Eu não acredito, compreendeu? Eu não acredito que existia
assombração. Assombração pode ser um de nós atentando o outro, né? Eu
acho que mexe com o outro e... é uma tentação. O que eu acho é isso. Um
capeta, eu nunca vi capeta, e nunca quero ver e não acredito em capeta.
Quero só Deus, só Deus pode dominar. Deus é sobre tudo60.

Welton Ferreira Lima e Joaquim Cândido da Silva relatam que, também em

Caparaó, a população temia a existência de tais seres imaginários. Joaquim relata que o povo

do lugar acreditava nessas “[...] lendas de lobisomem, assombração, e... outras coisas que

existem até hoje em dia, muito [...] Ah, o pessoal é supersticioso demais da conta61”. Em seu

depoimento, Welton relata não só as crenças do povo do lugar como também demonstra que

ele próprio tinha medo de tanto ouvir tais histórias quando criança:

Aqui em Caparaó já teve muita coisa relacionada ao boi-pintadinho, mula-


sem-cabeça, essas coisas, foi sim. Hoje ainda tem, mas pouco. Mas
antigamente era bem... era coisa muito... era assíduo mesmo. Qualquer coisa
é o boi-pintadinho, é a mula-sem-cabeça, é o que mais... era muita coisa que
se usava. [...] Eu, quando ia para Taquaruna, para a casa do meu bisavô,
59
Depoimento concedido em Paraíso, município de Espera Feliz, no dia 21 de novembro de 2005. Segundo
Maria Aparecida, ela teria cursado até o 3º ano do ensino fundamental (o antigo “primário”). No entanto, com a
falta de professores formados na região, se tornou professora, iniciando um trabalho de alfabetização de crianças
da localidade.
60
Depoimento concedido em Pedra Menina, município de Dores do Rio Preto, no dia 21 de novembro de 2005.
61
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005
138

então saía aquela... não tem aquela estação em Taquaruna? Então, entrava
ali, era mais ou menos uns 8 quilômetros pra Taquaruna Preta e a gente
sempre ia à noite. Mas eu ia travado na minha avó, que eu tinha medo de
encontrar com a mula-sem-cabeça [risos]. Então, sinceramente que eu tinha
medo62.

Pode-se perceber a simplicidade dos moradores da região pesquisada a partir de

outros relatos. José Cortez Filho afirma que, em seu pensamento, o mundo se estendia

somente até onde seus olhos pudessem enxergá-lo: “Igual eu pensava que este mundo era

assim: o céu parece que encostou ali, aqui [mostra pontos opostos no céu]. Esse mundo é só

isso aqui na mente da gente. [...] Aí, depois que a gente começou a viajar para um lado, para

o outro, o mundo vai abrindo, foi voando63”. Já Nadir Tavares se lembra da primeira vez que

um avião a jato sobrevoou a região de Alto Caparaó:

Inclusive, quando viram a primeira vez que avião que passou, passou esses
a jato que soltava dois caminhos de fumaça, nossa! A primeira vez que
viram aquilo acharam que o mundo estava acabando porque tinha dividido o
céu. Porque estava ventando, ficou aquela risca de fumaça de um canto no
outro, e aquela risca vai, né, o vento vai tocando, ela vai cortando, e aquilo
o povo ficou todo... uma coisa, nossa senhora! Ah, o mundo estava
acabando, que aquilo era uma divisão que deu no céu, que o céu ia abrir,
que não sei o quê, que eles foram logo comentando64.

No trabalho de Rodeghero (2002a, p.233), que avalia a recepção de católicos em

regiões do interior do Rio Grande do Sul à propaganda anticomunista, um de seus

entrevistados também faz referência à aparição de um avião e que este seria o sinal do “fim do

mundo”. Segundo a autora, a relação feita pelo entrevistado entre o avião que traria o “fim do

mundo” e o comunismo seria, provavelmente, uma forma deste demonstrar a falta de cultura

letrada, sem maiores conhecimentos “[...] sobre as coisas que aconteciam no mundo além da

comunidade rural onde eles moravam” (RODEGHERO, 2002a, p.233). Ela ainda interpreta

que, ao falar do comunismo, o entrevistado traz à tona lembranças de outros medos sentidos

62
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
63
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
64
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
139

na infância. No caso dos entrevistados da região da Serra do Caparaó, não se percebeu a

mesma relação entre outros medos sentidos e o comunismo. Por outro lado, ao narrar sua

simplicidade e suas crenças, tais pessoas buscavam reconstituir o isolamento, a pobreza e as

dificuldades vividas no momento em que ocorreu a Guerrilha, fato que concorreu para que

viessem a desenvolver uma profunda simpatia pelos militares após o assistencialismo

realizado por estes, como será analisado adiante.

Assim, numa população de maioria pobre, isolada, sem nenhum tipo de assistência

por parte do poder público, analfabeta ou tendo cursado apenas os primeiros anos do antigo

ensino primário, sem informação, apegada à religião e cujo imaginário era habitado por

diversos seres fantasiosos, não é de se estranhar que toda a imagem construída em torno do

revolucionário comunista tenha adquirido um contorno mais exagerado e proporcionado

reações de desespero. Guimarães (1950) demonstra em seu estudo que a população rural do

interior do país é mais propícia ao desenvolvimento de crenças, por ser constantemente

atormentada pelo medo da morte. Delumeau (1989, p.64) também afirma que o homem do

passado, principalmente aquele que habitava o universo rural, “[...] vivia cercado por um

meio hostil onde apontava a todo instante a ameaça de malefícios”. Assim, vivendo rodeados

por medos cotidianos, os moradores da região da Serra do Caparaó absorveram a propaganda

anticomunista e moldaram a imagem do guerrilheiro a partir dos temores já existentes no seu

meio cultural.

Além desses aspectos, deve-se destacar que a população fala do passado com certo

saudosismo, mesmo reconhecendo todas as dificuldades enfrentadas. Welton Ferreira Lima,

por exemplo, afirma que havia uma grande união entre o povo de Caparaó: “Nós éramos uma

família65”. Segundo José Cortez, em Alto Caparaó as pessoas se ajudavam havendo uma

colaboração daqueles que tinham uma condição melhor em relação aos mais pobres ou

65
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
140

aqueles que estivessem doentes: “O meu pai assim, o negócio de ter muita gente pobre e

passando muita falta na época, o meu pai tirava da nossa propriedade pra ajudar o pessoal

mais pobre66”.

O sistema de solidariedade narrado pelos moradores não chega a se encaixar naquele

descrito por Cândido (2001, p.87-89) numa sociedade caipira. O autor afirma que o mutirão,

prática adotada pelos caipiras paulistas para sanar os problemas de falta de mão-de-obra, seria

uma das principais características desta sociedade. Os depoimentos dos habitantes da Serra do

Caparaó não fazem qualquer referência a mutirões nos moldes descritos por Cândido, mas

existem referências de solidariedade a pessoas em dificuldade, como aquela narrada por José

Cortez anteriormente. Izac Valério também salienta não só ter havido uma maior

solidariedade no passado, mas que as pessoas eram também mais honradas:

Ah, não, a amizade era muito grande. Muito maior do que hoje. O amor era
muito grande. Ninguém podia ver a planta do outro morrer no mato, não.
Juntavam os outros tudo e aqui era a pobreza... aqui... ninguém tinha
dinheiro. Aqui era uma zona pobre, mas pobre mesmo. Então, aquele que já
estava mais arribado um pouquinho, mais arribado um pouquinho, fazia um
aviso, como lá na igreja, fazia um aviso: “Oh, fulano de tal está doente, a
roça dele está no mato, está tampando ela. Vai morrer no mato e como é que
ele vai comer depois?” [...] Então, todo tempo houve honestidade.
Documento era um fio de barba. Arrancava um fio de barba. “Quer dizer
que aquele córrego pra lá é meu, né? Vou até fazer um valo lá”. Não tinha
dinheiro pra comprar arame, fazia um rego no chão. [...] Então, ali ocorria o
fio de barba (troca de fios da própria barba entre aqueles que realizaram o
acordo). Não tinha documento, não tinha cartório, não tinha nada67.

Porém, os depoimentos de José Cortez e Izac Valério deixam transparecer um outro

aspecto. Se entre a população do lugar havia uma forte união e confiança, com pessoas que

não pertenciam à localidade ocorria um processo contrário. Percebe-se nos depoimentos uma

desconfiança e receio em lidar com pessoas estranhas ou com atitudes diferentes do grupo

instalado na região. José Cortez relata que os moradores do lugar não permitiam a

66
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
67
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
141

permanência de estranhos, principalmente de negros: “Se aparecesse uma pessoa estranha

aqui, esse pessoal daqui corria atrás... fosse preto, então. [...] Esse canto de roça igual esse

aqui, o pessoal tinha medo demais [de estranhos] 68”. Izac já afirma que aconteceram alguns

assassinatos de pessoas estranhas que apareceram na região. Segundo ele, em todos os casos,

os “homens de bem” da comunidade se juntavam para poder matar aqueles que colocavam em

risco a tranqüilidade do lugar:

Mas no princípio não tinha delegado. O princípio não era assim. Os homens
de bem não podiam deixar nenhuma pessoa que invadisse o outro que é de
bem, eles ajuntavam tudo. Ou ele tinha que sumir dali ou morria. “Mas nós
vamos te dar um prazo. Sai daí”. Existia. Então morreu alguém aí, vários
desse jeito. Não eram os homens que eram brabos, não... [eram] os homens
defendendo os “homens de bem”69.

Em conversas informais na localidade de Alto Caparaó, outras pessoas confirmam as mortes

ocorridas dessa forma e alguns chegam a afirmar a sua participação.

Nos depoimentos de José Cortez e Izac Valério, percebe-se que existia uma

desconfiança dos moradores de Alto Caparaó em relação às pessoas que não pertenciam ao

seu convívio. Delumeau, (1989, p.54) analisando a Europa da Idade Média e Renascença,

afirma que todo o imaginário construído em relação às terras distantes, com relatos da

existência de seres monstruosos e fantásticos, na verdade, era um reflexo do “medo do outro”,

ou seja, o medo “[...] de tudo que pertence a um universo diferente”. Neste sentido, o autor

afirma que o forasteiro era temido e sobre ele recaía a culpa de todos os males. Em Alto

Caparaó, da mesma forma, os moradores viam nas pessoas estranhas uma ameaça ao seu

modo de vida. As expulsões e os assassinatos de forasteiros, que apareciam nas redondezas,

eram justificados pela preservação da união e da tranqüilidade entre os “homens de bem” do

lugar.

68
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
69
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
142

O guerrilheiro, assim, antes mesmo de representar uma ameaça por trazer os

malefícios do comunismo, aparecia como um perigo por ser um forasteiro, um elemento

diferente que rondava as proximidades. Sempre armados, barbudos, cabeludos e vestindo-se e

falando de forma diferente do usual na região, os integrantes do MNR foram avistados por

habitantes das proximidades da Serra do Caparaó, principalmente por aqueles que lidavam

com gado no “campo70”. Por isso, antes de surgirem notícias sobre a existência de

guerrilheiros comunistas no alto da Serra, alguns moradores já estavam apreensivos com a

presença de estranhos, tendo, inclusive, denunciado tal situação à Polícia Militar.

Em vários depoimentos, os moradores das localidades pesquisadas afirmam ter

avistado os guerrilheiros e comunicado às autoridades. Antônio Leite, que na época morava

na região do Vale Verde71, afirma que seu filho trabalhava no Pico da Bandeira e avistou

homens no campo que andavam armados “[...] com metralhadora e com roupa de polícia e

dormia para um lado, outra hora ia pro outro canto72”. Antônio, por sua vez, teria

comunicado a presença dos estranhos a um oficial da PMMG que era seu conhecido: “[...] a

gente tinha muita intimidade com esse capitão Zezinho, aqui do Batalhão de Manhuaçu,

contamos para ele a história, aí ele resolveu investigar, ver o quê que era aquilo73”.

Dalbino José dos Santos, que na época morava em Alto Caparaó e trabalhava como

retireiro para um fazendeiro da região, afirma ter avistado um homem estranho no alto da

Serra, cabeludo e armado de um revólver 38. Os dois teriam conversado e, segundo ele, o

homem teria pedido para que não comentasse de sua presença no local a ninguém da região:

E aí nós conversamos um pouco, e ele só me fez um pedido. Ele falou


comigo: “olha Sr. – não pediu meu nome nem nada, ele só falou assim – eu
70
Denominação dada pelos moradores locais à região no interior no Parque Nacional do Caparaó. A área é
formada por campos de altitude, por isso a sua utilização na criação de gado. Alguns entrevistados afirmaram
que, apesar das dificuldades do lugar, o gado crescia saudável e sem grandes despesas para os criadores.
71
Área hoje localizada no interior do Parque Nacional do Caparaó. Antônio Pereira Leite teve suas terras
desapropriadas para a criação do Parque, mudando-se para Alto Caparaó.
72
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
73
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 23 de janeiro de 2004.
143

queria que o Sr. me fizesse um favor. Eu estou aqui, estou esperando umas
pessoas aqui, mas estou indo embora já e eu não queria que o Sr. contasse
para ninguém que me viu aqui, não.”. Eu falei “não, tudo bem!” Aí eu desci,
continuei minha viagem. Quando eu cheguei cá em baixo, é claro que eu fui
procurar as pessoas responsáveis que eram os guardas (agentes do Parque
Nacional) lá que tinha na época, que comandava lá74.

Segundo Arydes Grimalde, agricultor e morador da zona rural de Caparaó, os

guerrilheiros se deslocavam na Serra nas proximidades de sua casa e muitos habitantes locais

estavam em alerta com relação à movimentação de estranhos nas redondezas:

Olha, no princípio, sempre passando umas pessoas estranhas que subiam,


voltavam e aquilo, assim, passavam fora da estrada, pelos pastos, lá pelos
matos e a gente vendo e as pessoas foram cismando com aquilo, falando:
“está passando gente demais pra baixo, pra cima, de vez em quando”.
Então, as pessoas foram um pouco cismando com aquilo e foi quando as
pessoas que mexiam com o gado, punham gado lá em cima... então, eles
subiram e encontraram pessoas descendo a Serra, né. Aí já, também, já
estava, assim, um pouco cismado, e eles quando voltaram à tarde, quando
eles desceram lá em baixo na beira da estrada, já saindo na barra da Serra,
eles viram a fumacinha ao lado da estrada dentro do mato, e quando eles
desceram e avisaram à polícia que estavam vendo isso e tal... 75.

O arquivo da PMMG sobre a Guerrilha de Caparaó também traz informações sobre

o medo e as denúncias realizadas pela população da região. Em documento do 11º Batalhão

de Infantaria, datado de 06 de março de 1967, sobre a ação do seu serviço de inteligência76,

um agente do Parque Nacional do Caparaó comunica à polícia ter encontrado dois homens

armados no alto da Serra. O mesmo agente afirma que um colega teria avistado um grupo de

dez pessoas na mesma região. Nesse mesmo documento, existem informações de intensa

movimentação de pessoas próxima ao Rio Claro77, o que estaria fazendo a população ficar

alarmada.

74
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
75
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
76
O serviço secreto de investigações da PMMG era conhecido na época por “S/2”.
77
Segundo documento do 11o BI da PMMG de Manhuaçu, haveria uma movimentação de “mais de 200 pessoas”
na região. No entanto, o número total de integrantes do MNR presos nas redondezas da Serra do Caparaó foi de
apenas 16 pessoas.
144

O mesmo órgão do 11º BI teria investigado a presença de estranhos no lado capixaba

da Serra. Em documento datado de 28 de fevereiro de 1967, investigadores da PMMG teriam

entrado em contato com as autoridades policiais do município de Iúna, os quais já possuíam

informações sobre estranhos no interior do Parque Nacional. As autoridades capixabas

também afirmaram que a população local estaria alarmada.

Outra fonte que demonstra a apreensão dos moradores com a presença de estranhos

na Serra do Caparaó são os jornais do período. Segundo o Estado de Minas, do dia 18 de abril

de 1967, a prisão dos guerrilheiros só foi possível após a PM ter recebido denúncias dos

moradores de Caparaó Velho78 sobre a existência de “barbudos” no interior do Parque

Nacional79. O jornal O Globo, de 03 de abril de 1967, afirma que há pelo menos quatro meses

antes da prisão dos guerrilheiros já existiam denúncias realizadas por lavradores que residiam

nas proximidades sobre a circulação de pessoas diferentes80. No dia seguinte, o mesmo jornal

trouxe informações que, desde novembro de 1966, os fazendeiros da região já haviam notado

“[...] a presença de elementos estranhos, que não cumprimentavam ninguém, sempre um ou

dois sozinhos e que nada perguntavam81”.

Um artigo escrito por Carlos Drummond de Andrade para o jornal Estado de Minas

talvez traduza melhor o que foi a reação da população ao ficar apreensiva com a presença de

estranhos e denunciá-los às autoridades policiais. De acordo com Drummond:

Mineiro, se vê cara estranha no caminho de caras rigorosamente catalogadas


durante anos e anos, desconfia. Aquêles camaradas magros, barbudos,
enfraquecidos, que desciam da montanha e se esgueiravam entre sombras,
intrigavam os moradores das margens do Manhuaçu82.

78
O pequeno povoado de Caparaó Velho é hoje a cidade de Alto Caparaó.
79
“Operação Guerrilha na serra do Caparaó chega ao fim sem vítimas”. Estado de Minas, 18/04/1967, p.13.
80
“Guerrilheiros capturados em Minas Gerais pelo Exército e PM”. O Globo, 03/04/1967, p.4.
81
“A prisão do ex-subtenente Gelci deu pista para a grande caçada”. O Globo, 04/04/1967, p.10.
82
“Caparaó”. Estado de Minas, 07/04/1967, 3.a Seção.
145

A presença de estranhos na Serra do Caparaó, homens que não eram somente

desconhecidos dos habitantes, mas que se distinguiam deles pela aparência e modo de se

vestir, além de serem muitas vezes vistos portando armas pesadas, trouxe o medo que

ocasionou as denúncias e permitiram que os guerrilheiros fossem capturados mais facilmente.

O momento em que os guerrilheiros foram vistos, porém, não foi aquele em que a

população sentiu-se mais ameaçada. Nem todos sabiam da existência de pessoas estranhas no

alto da Serra. Tão pouco havia chegado a notícia de que estes homens seriam “perigosos

guerrilheiros comunistas”. Foi após a prisão dos integrantes do Movimento Nacionalista

Revolucionário que começaram a surgir os primeiros rumores sobre a presença de

guerrilheiros na região. Mas foi a chegada das forças de repressão a principal responsável pela

grande onda de medo que tomou conta de algumas localidades.

Delumeau (1989, p.155) afirma que os rumores estão intimamente ligados ao medo.

Para o autor, um rumor é uma fina camada emersa de um mito que, quando existente em

nosso inconsciente e trazido à tona, se propaga rapidamente e é acompanhado de processos

histéricos que atravessam barreiras de idade, classes sociais e sexo: “Passando do estatuto de

‘diz-se’ ao de certeza, o rumor é uma acusação que denuncia culpados acusados de crimes

odiosos”. Assim, quando surgem os primeiros comentários sobre a prisão de comunistas na

região, é que se pode identificar um medo em grande escala, a proporcionar reações

exageradas. A chegada de um enorme contingente de militares, trazendo uma grande estrutura

nunca imaginada pelas populações humildes, veio lhes confirmar que a ameaça era real.

Nadir Tavares relata que só soube da existência de “homens no campo” após a

chegada das tropas em Alto Caparaó: “[...] a gente viu na hora que começaram a chegar os

carros do Exército e o comentário surgiu que tinha uma guerrilha no campo...83”. Segundo

Dalbino José dos Santos, a chegada das tropas na mesma localidade teria causado um grande

83
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 23 de janeiro de 2004.
146

alvoroço na população. A vinda de um grande contingente de militares provocou uma onda de

desespero, ocorrendo, inclusive, alguns desmaios:

[...] teve uma prima minha mesmo que desmaiou, mesmo. Desmaiou de ver
aquela chegada, daquele policiamento chegando e se fosse uma polícia
comum, né! Mas assim parece que dá mais pavor, um pouco, é o Exército
chegando, e caminhão e mais caminhão, ônibus...84.

Em Caparaó, Welton Ferreira Lima se recorda de ter ouvido as primeiras

informações sobre a presença de guerrilheiros na escola: “A professora falou que era para nós

tomarmos muito cuidado que havia um povo aí fazendo... rondando aí muito bem armado. E

que eram barbudos, bigodudos e aquela coisa toda. E eram muito perigosos, que eles

estavam ao redor por aí e coisa e tal85”. Entretanto, a chegada das tropas é que teria

ocasionado um maior impacto sobre a população: “[...] quando os carros do Exército

chegaram, né, chegaram aqui na cidade. Pra nós foi uma novidade muito grande. [...] Então,

se o povo (guerrilheiros) está por aqui, nós temos que realmente nos resguardar86”.

Com as prisões ocorridas no interior do Parque Nacional do Caparaó, os rumores

sobre a presença de estranhos e a sua ligação com o comunismo começaram a se espalhar,

deixando em pânico muitos moradores locais. A chegada das tropas, munidas de todo o

aparato que seria utilizado na busca por mais guerrilheiros, indicava para a população que o

perigo era real. A imagem dos estranhos barbudos e cabeludos ganharia um outro contorno: a

do guerrilheiro comunista que vinha para dominar a região, tomar as terras e escravizar os

moradores locais. Visto, até então, como uma ameaça distante, o comunismo batia agora a

porta da população e ameaçava dominá-la, iniciando pela região de Caparaó os seus planos

maléficos que visavam tomar todo o Brasil.

84
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
85
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
86
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
147

O medo, que até então ocorria de forma moderada, disseminado entre os poucos que

sabiam da existência de estranhos no interior do Parque Nacional, se apodera de quase todos e

produz reações desesperadas. Segundo Joaquim Cândido da Silva, a população de Caparaó

entrou em pânico: “Foi pânico, né. Foi pânico que deu. O pessoal entrou em pânico aí e

deu... e deu muita coisa. Choravam as crianças daqui e dali87”. Ele se recorda do desespero

da diretora da única escola existente na época na cidade, ao entrar um dia em sala de aula

chorando e dispensando todos os alunos. Impressionada com os rumores de que os

guerrilheiros iriam atacar Caparaó, ela teria entrado em estado de choque ao avistar homens

no alto da Serra:

Aí foi um pânico mesmo. Aí, aquela turma de mocinha e rapaz desceu


correndo aqui desesperados, chegaram em casa: “O quê que foi? Ah, é
porque tem guerrilheiro ali em cima”. Aí ligaram... aí foram na estação e
ligou. Dentro de poucas horas apareceu polícia aqui, polícia do batalhão
[11o BI]. Aquilo ferveu de polícia, aí foram ver era gente daqui mesmo que
estava andando em cima ali, não era guerrilheiro nada88.

Tal fato aparece também no depoimento da ex-agricultora Zózima Martins de Souza,

residente na zona rural de Caparaó na época da Guerrilha. Segundo ela, os alunos teriam

entrado em pânico ao chegar a informação de que os guerrilheiros se dirigiam à cidade:

“Sabia que eles [guerrilheiros] estavam descendo para a rua, saíram os alunos tudo de

galope. Fechava logo o colégio e saía com medo. Eles iam atacar o comércio de Caparaó89”.

Joaquim ainda se recorda de um outro momento em que a população entrou em

pânico, já com a presença de um grande contingente de policiais na cidade. Nesta ocasião,

surgiram rumores de que a estação ferroviária de Caparaó teria recebido uma ligação da

estação de Taquaruna90, avisando que vinte guerrilheiros seguiam em direção à cidade:

87
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
88
Idem.
89
Zózima Martins de Souza. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 21 de janeiro de 2004.
90
Localidade situada entre os municípios de Caparaó e Alto Jequitibá, onde existia uma estação da ferroviária.
148

“Aquele dia também foi um pânico, mas muito grande. Ah não, aí a polícia botou o pessoal

todo mundo pra casa, ‘não sai ninguém’, e pediu: ‘Não sai mesmo, não. Fica todo mundo em

casa que, quem aparecer aqui, nós somos obrigados a atirar91’”. Segundo Welton Ferreira

Lima, a população ficou tão apavorada com a notícia da Guerrilha que muitos moradores não

abriam as portas ou janelas: “[...] uma população medrosa. Janelas e portas fechadas,

entendeu?92”. Ele ainda afirma que, quando surgiam rumores que os guerrilheiros estavam

próximos à cidade, todos eram dispensados da escola. A sua reação neste instante era correr

para casa e se esconder: “A gente corria mesmo. Eu ia para debaixo do cobertor,

sinceramente. Eu escondia. Dava vontade de esconder debaixo da cama, mas a cama era

muito fria por baixo. Ficava por cima, mas cabeça coberta. Isso não adiantava nada [risos]
93
”.

De acordo com relatos dos entrevistados, em Alto Caparaó muitos moradores

também permaneceram trancados no interior de suas casas e choraram com medo da presença

de guerrilheiros comunistas na região: “A reação deles era chorar, ficar dentro de casa.

Muitos não queriam sair94”. O depoimento de Dalbino José dos Santos demonstra o quanto o

medo tomou conta de algumas pessoas:

[...] eu, para mim, eu sinto, foi apavorante! E não é só eu, é muita gente,
pessoas. E outra coisa, a gente às vezes tava deitado, tranqüilo, e de repente
a sirene começava a tocar e aí começava... a gente não podia estar na rua até
tarde. Antes, a gente não tinha hora para andar, né. Eu não andava, porque
não tinha esse costume mesmo, mas era um lugar tranqüilo. Então, esse
período foi mesmo um período apavorante. Todo mundo tinha medo95.

Apesar de não ter havido um toque de recolher, as tropas aconselhavam aos

moradores que não circulassem pela região à noite. Ainda segundo Dalbino, muitos

91
Joaquim Cândido da Silva. Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
92
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
93
Idem.
94
Nadir Tavares de Oliveira. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
95
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
149

moradores levaram as mulheres e filhos para outras cidades. Ele próprio levou a sua esposa

para Espera Feliz, retornando sozinho para Alto Caparaó.

Em Pedra Menina, a reação foi a mesma. Francisco Protásio afirma que muitos

moradores também deixaram de sair de casa: “Tinha algum que deixava de sair de medo,

medo. Topar com esses homens, que é uns homens estranhos, né96”.

Os jornais, da mesma forma, fazem referência sobre o medo dos habitantes da

região. Segundo o Estado de Minas, de 07 de abril de 1967, a população local estava cada vez

mais alarmada com os boatos propagados por pessoas da própria da região, como o do

desaparecimento de militares no alto da Serra97. O Jornal do Brasil, dos dias 09 e 10 de abril,

informou que os professores das escolas de Presidente Soares pretendiam suspender as aulas

no município devido à situação98. O Correio da Manhã, do dia 12 de abril, traz informações

sobre a suspensão das correspondências entre os alunos de um colégio interno da mesma

cidade e seus familiares, “[...] porque as cartas, em sua totalidade, continham notícias

alarmantes e pediam aos pais que fôssem buscar os filhos99“. A professora de Geografia,

Maria do Carmo Rocha Rezende, moradora de Espera Feliz, afirma que na cidade as aulas

também foram suspensas no período de maior movimentação por causa da Guerrilha100.

A mesma reportagem do Correio da Manhã do dia 12 de abril ainda informava que

os fazendeiros locais só se movimentavam em suas propriedades sob escolta policial, temendo

a ação dos guerrilheiros. Tal informação pode ser comprovada através de documentos do

arquivo da PMMG que relatam a formação de postos de observação e patrulhas a cavalo nas

fazendas no interior da Serra do Caparaó. Tais patrulhas, segundo o relatório da PM, eram

96
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
97
“Tropas do Exército e da Polícia Militar recebidas a tiros em Caparaó: novas prisões e diversos feridos”.
Estado de Minas, 07/04/1967, p.10.
98
“Cêrco aos guerrilheiros será fechada amanhã em 3 estados”. Jornal do Brasil, 09-10/04/1967, 1a página.
99
“Tropas trocam alimento por simpatia: Caparaó”. Correio da Manhã, 12/04/1967, p.11.
100
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
150

custeadas pelos próprios fazendeiros, que se sentiam mais seguros com a presença policial na

região.

Dessa forma, a população passa a viver um clima de angústia constante, a espera dos

guerrilheiros que podiam atacar a qualquer instante, provocando em muitos reações

desesperadas: “Coletivo, o medo pode ainda conduzir a comportamentos aberrantes e

suicidas, dos quais a apreciação correta da realidade desapareceu” (DELUMEAU, 1989,

p.20). Mas qual seria o objetivo do guerrilheiro no imaginário da população? O que os

moradores da região estudada temiam na verdade? Maria Horst Cortez, ex-agricultora e

moradora de Alto Caparaó, afirma que temia os comunistas que estavam no alto da Serra, pois

os comentários levavam todos a acreditar “[...] que o Caparaó ia desabar. Que havia

confronto, que eles iam tomar as terras, que eles iam matar todo mundo aqui, ou o pessoal

tinha que desocupar o Alto Caparaó, deixar por conta deles101”. Aspecto parecido pode ser

observado na fala do casal de agricultores Genésio Moreira de Souza e Zózima Martins de

Souza, moradores da zona rural de Caparaó. Ela afirma que “[...] eles queriam tomar à cidade

[...]102”, sendo complementada pelo marido: “[...] aquele negócio de tomar a cidade, vai

matar todo mundo [risos]103”.

De acordo com a maior parte dos depoimentos, o medo do guerrilheiro se justificava

por ele ser comunista e pretender tomar as cidades e as terras da população local. A idéia de

escravidão estava relacionada à tomada das propriedades, como se pode notar no relato de

Welton Ferreira Lima:

É, naquela época falava-se que a missão deles era realmente tomar o Pico
da Bandeira, né. [...] Que eles iam montar uma base no Pico da Bandeira
porque era bem localizado. Então, nós tínhamos, realmente, era isso que a
gente sabia, achar que eles iam tomar o Pico da Bandeira e tomar essa
região toda nossa aqui. [...] Tomar a cidade e ainda nos fazer de escravos,

101
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
102
Zózima Martins de Souza. Depoimento concedido no dia 21 de janeiro de 2004.
103
Genésio Moreira de Souza. Depoimento concedido no dia 21 de janeiro de 2004.
151

tá. Nos fazer de escravos pra trabalhar pra eles, aquela coisa toda. Então, o
que eu lembro, não é lendo, não, isso eu lembro mesmo que aconteceu isso:
“agora estamos perdidos, porque nós vamos ter é que trabalhar pra esse
povo, né. Esse povo vai tomar Caparaó, Alto Caparaó, Manhumirim, é
Manhuaçu, Carangola, nós vamos ser escravos desse povo”, é isso que a
gente lembra104.

As ligações dos guerrilheiros com Leonel Brizola e a tentativa de se iniciar uma

revolução com o intuito de expandi-la para todo o país foram considerações que também

apareceram nos depoimentos, como o de Joaquim Cândido:

O que se falava aqui é que eles queriam tomar o Caparaó. O caso deles era
fazer revolta no país, que segundo soube, eles eram da revolução de
sessenta e quatro, né. Aquela turma do Brizola e tudo. Então eles foram
mandados embora... segundo eu soube, eram todos militares. Tinham
perdido o cargo deles lá e vieram para cá... então, o caso deles era
revolucionar o país. Iam tomar essa cidade aqui, que se chegassem e
acampassem aqui, aí ia tomar a cidade, ia causar pânico na população. Aí as
autoridades de fora iam ficar... querer, assim, chegar para acudir o povo,
qualquer coisa105.

Neste sentido, os boatos até tinham um fundo de verdade, pois os guerrilheiros,

opositores à ditadura implantada após o golpe de 1964, contavam com o apoio de Brizola e

imaginavam iniciar um movimento com o intuito de expandi-lo para todo o País. Entretanto,

mesmo nas informações com base na realidade, surgem distorções. Através do relato de

Adilson Antônio de Moraes, residente em Espera Feliz, percebe-se os exageros em relação a

tais rumores:

Na época eles diziam que era... pessoal do comunismo. Pessoal do Brizola.


Naquele tempo era assim. O pessoal do Brizola querendo entregar o Brasil
pra Cuba, pra Rússia, sei lá... o comentário era isso, a gente era tudo
rapazinho, sentia aquela influência de... igual hoje que tem aquela... mas,
naquela época a gente era tudo rapaz e não ligava muito para essas coisas.
Mas o comentário era esse: que os comunistas estavam a fim de entregar o
Brasil para os [países] comunistas. Que o Brizola estava enfiado nesse
meio, e não sei o que lá... 106

104
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
105
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
106
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 21 de novembro de 2005.
152

Sebastião Machado de Faria afirma que todos comentavam que o guerrilheiro vinha

para matar todo mundo, mas antes “[...] eles iam descer com livrão para nós assinarmos os

papéis naquele livrão deles, que o nosso Brasil ia ser do outro país107”. Portanto, a imagem

do comunista como um indivíduo sem pátria que age no intuito de entregar o Brasil ao

domínio de uma outra nação que adote o regime, principalmente a União Soviética, aparecem

nos depoimentos dos moradores entrevistados.

É importante, antes de se prosseguir a análise sobre o medo ocasionado pela

Guerrilha, prestar a atenção em um trecho do depoimento de Adilson Antônio. Segundo ele,

as informações davam conta de que os guerrilheiros comunistas agiam em nome de Leonel

Brizola e tinham por intuito entregar o Brasil a uma outra nação. Porém, o seu depoimento

deixa transparecer que ele não sentiu tanto medo quanto o restante da população: “[...]

naquela época a gente era tudo rapaz e não ligava muito para essas coisas108”. Outros

entrevistados narraram o medo da população, mas sempre se referindo aos demais e

afirmando que não desenvolveram a mesma emoção. É o que se pode perceber também no

depoimento de Izac Valério. Quando indagado se teria permanecido em casa como outras

tantas pessoas que assim o fizeram temendo a ação dos guerrilheiros, ele afirmou que, mesmo

com todos os boatos e a região cercada por tropas, manteve a sua vida normal, inclusive,

continuando a circular pelas redondezas à noite: “Não, eu andava muito aí. Ia lá em cima (na

Serra), andava de noite109”.

A filha de Izac, Nadir Tavares de Oliveira, também demonstra em seus relatos que

não teve medo da Guerrilha. No entanto, em seu depoimento percebe-se que o medo narrado

se refere muito mais aos policiais do que em relação ao guerrilheiro em si: “[...] logo em

seguida que deu aquela Guerrilha, todo mundo ficou com medo. Muito medo porque veio

muita polícia. Mas eu não tive muito medo não, porque eu entrosei com aquele povo

107
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 22 de novembro de 2005.
108
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 21 de novembro de 2005.
109
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
153

[policiais]110”. O medo também em relação às tropas será analisado mais à frente. Neste

momento, o que importa é perceber que nem todos os entrevistados afirmam ter sentido medo.

Ao narrarem esta emoção, falam do medo sentido por outras pessoas e não referindo a si

próprios.

Retornando à análise do medo da Guerrilha, percebe-se que os moradores também

temiam que a água fosse envenenada pelos comunistas, matando toda a população e

facilitando a tomada das terras. Segundo Izac Valério, toda a água consumida pelas fazendas e

em Alto Caparaó vem do alto da Serra. Assim, se fosse colocado algum produto na nascente

da água que abastecia a localidade, todos morreriam111. O ex-agricultor Sebastião Machado de

Faria, residente em Paraíso na época da Guerrilha, também se lembra de comentários sobre o

perigo de contaminação da água. Entretanto, os poderes maléficos dos comunistas ganham

uma maior proporção em seu depoimento:

Ah, o comunismo... pregava uma coisa muito ruim do comunismo.


Comunismo era a pior coisa do mundo. Nem sei se é, mas eles pregavam
assim. O povo aqui tinha muito medo dos tais guerrilheiros. Porque o
povo... porque tinha uma lenda de falar de envenenar as águas. Que podia
essas pessoas acostumarem aqui e envenenar a água na nascente. E da
nascente matar nós todos aqui dentro... Punha de noite, e de manhã cedo nós
estávamos todos mortos. Um veneno, um remédio explosivo que...
explosivo que eles falam essa tal de bomba atômica no outro país, que é
uma coisa à toa, pequenininho, que faz muito efeito mesmo. Efeito mortal.
Mata no ar, mata dentro d´água, do jeito que vier. Uma pequena coisa mata
todo mundo. Aí nós ficamos com medo demais112.

A utilização pelas forças militares de aviões e, principalmente, de helicópteros

ocasionou medo e transtorno aos moradores da região. A princípio, sem saber se os aparelhos

pertenciam aos guerrilheiros ou às tropas, a população experimentou um misto de pânico e

surpresa diante da novidade, como aparece no depoimento de Welton Ferreira Lima:

110
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
111
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
112
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 22 de novembro de 2005.
154

Ah, o helicóptero pra época era coisa do outro mundo. Eu sei dizer que o
helicóptero desceu aqui no campo, o antigo campo velho que hoje é novo
[risos]. Então, aquele negócio rapaz, foi uma coisa muito interessante, viu.
A gente nunca tinha... a gente até falava “aeroscópio”, a gente falava
“aeroscópio”, não era helicóptero, não. Então, veio aquele negócio
descendo, se eu não me engano foi até um tenente-coronel, parece que
desceu, não lembro, mas eu sei que aquele negócio do helicóptero descer no
campo, aquilo foi chapéu que voou para tudo quanto é lado, porque tem,
não é, a pressão era muito forte e chapéu voava. Só via gente correndo, todo
mundo correndo. Isso aqui virou que, cheio de gente pra ver o helicóptero.
Mas também, daquele tipo, né, podia ser polícia, mas podia ser guerrilheiro
também. Eu sinceramente, ele desceu no meio do campo. Eu comecei a ver
na trave do gol. Foi o lugar que eu comecei a ver. Depois fui chegando mais
para perto até esbarrar a mão nele eu esbarrei. Mas, para mim foi coisa do
outro mundo. Uma festa. Até hoje quando desce helicóptero aqui é uma
festa113.

Dalbino José dos Santos relata, de forma apreensiva, que trabalhava num local próximo à Alto

Caparaó quando viu o helicóptero pela primeira vez:

Eu estava trabalhando, estava trabalhando em cima com mais quatro


companheiros. Eu nunca tinha visto um helicóptero, eu vou dizer a verdade,
e nós éramos quatro pessoas trabalhando. Aí, de repente, por trás duma
montanha apontou aquele helicóptero e parou por cima de nós. Até eu
estava com um colega, coitado, ele chegou a ajoelhar no chão de tanto
medo! Ele falou: “Oh, não vou ver mais a mamãe!” Então ele ficou mesmo
apavorado, e não ele, mas como todo mundo, até o filho do patrão que
estava junto. E logo nós até largamos mais cedo “mucadinho”114.

Todo o medo ocasionado por aviões e helicópteros produz relatos que, se hoje

parecem engraçados, quando analisados dentro do contexto vivido pela população

demonstram a angústia gerada pelos rumores da existência de guerrilheiros no interior do

Parque Nacional do Caparaó. Sebastião Machado de Faria115 e Maria Aparecida Rodrigues116,

por exemplo, relatam o pânico de uma mulher na região do Paraíso que se escondeu depois de

um sobrevôo rasante de um avião da FAB. De acordo com os dois depoimentos, a mulher

fritava um porco em seu terreiro no momento, e quando retornou a sua casa, a carne estava

113
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
114
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 26 de janeiro de 2004.
115
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 22 de novembro de 2005.
116
Depoimento concedido em Paraíso no dia 21 de novembro de 2005.
155

torrada. Maria Aparecida ainda recorda o desespero do irmão, que havia saído para buscar

uma vaca no pasto, quando viu o avião pela primeira vez: “Veio o avião tão baixinho, que

meu irmão saiu correndo lá pro pasto a fora. Achou que aquilo ia pegar ele e fez uma

‘gritaiada’ lá no alto117”.

Os jornais também demonstram o misto de surpresa e medo com que a população da

área reagiu quando viu pela primeira vez os aparelhos. O Jornal do Brasil, do dia 08 de abril

de 1967, afirma que os habitantes de Alto Caparaó deixaram o almoço de lado para

observarem, surpresos, a chegada do helicóptero na localidade118. Na edição do dia 15, o

mesmo jornal afirma que a população de uma outra localidade da região, Santa Marta,

também teria ficado impressionada com o helicóptero, apelidando-o de “[...] cró-có-có com

um papavento na corcunda119”.

No entanto, a utilização das aeronaves proporcionou um outro rumor que contribuiu

ainda mais para ampliar a angústia dos residentes em torno do Parque Nacional: surgiram

comentários, publicados até mesmo pelos jornais da época, que a região seria bombardeada

pelos aviões da FAB. O Jornal do Brasil, do dia 12 de abril de 1967, trouxe em primeira

página a notícia de que os fazendeiros locais seriam avisados pelas tropas sobre o bombardeio

da região. Tal fato se daria pelas dificuldades encontradas na Serra do Caparaó pelas tropas da

PM e Exército na busca por mais guerrilheiros120. O Estado de Minas do mesmo dia também

traz informações sobre boatos de que a região seria bombardeada, demonstrando a apreensão

da população diante de tal situação:

Moradores da região estão alarmados com a onda de boatos, deixando os


fazendeiros da região interditada pelo Exército em sobressalto. Helicóptero
da FAB desceu em várias fazendas no sopé da montanha para o
levantamento da região. Surgiram notícias contraditórias sobre aquela

117
Idem.
118
“Exército procura mais 300 guerrilheiros em Caparaó”. Jornal do Brasil, 08/04/1967, p.3.
119
“Operação-Pente Fino começou ontem em Caparaó”. Jornal do Brasil, 15/04/1967, p.11.
120
“Aeronáutica bombardeará guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 12/04/1967, 1a página.
156

procedência. A notícia surgiu em poucos minutos em toda a zona: a FAB


iria bombardear a Serra do Caparaó para desalojar os guerrilheiros121.

Na mesma reportagem, porém, o jornal afirma ter ouvido um oficial, que negava

qualquer intuito de bombardear a área, responsabilizando os “boateiros da região” pela

notícia. Os jornais do dia seguinte informam que Exército e Aeronáutica haviam emitido uma

nota negando qualquer possibilidade de bombardeio da Serra do Caparaó.

Na verdade, não se pode confirmar se houve ou não tal tipo de ação. Boiteux (1998,

p.91), que era integrante do MNR, afirma que pilotos da Aeronáutica “[...] com dezenas de

aviões, bombardearam Caparaó e cercanias”. Porém, este nunca esteve em Caparaó, “[...]

limitando suas atividades em contatos com políticos e na obtenção de recursos financeiros

para a manutenção dos homens no alto da serra” (REBELLO, 1980, p.168). Hermes

Machado Neto, que se dirigiu para a região na tentativa de resgatar os remanescentes da

Guerrilha, que se pensava, ainda não teriam sido presos, também afirma que ouviu o barulho

de bombas jogadas pelos aviões da FAB (CAPARAÓ, 2006). Segundo Faria (2002, p.34),

existiriam crateras no pé da serra formadas pelas bombas jogadas no local. Entretanto, não foi

encontrado qualquer documento oficial que confirmasse o bombardeio. O que se pode

assegurar é que as tropas da PM utilizaram bombas de efeito moral na tentativa de desalojar

qualquer guerrilheiro que pudesse se manter escondido em cavernas ou matas. No Jornal do

Brasil, do dia 15 de abril de 1967, um capitão da corporação mineira afirma que todas as

grotas da região foram bombardeadas dessa forma122. O relatório da 1a Companhia Anti-

Guerrilha, datado do dia 18 de abril, confirma a ação, sendo utilizadas bombas de gás em

locais considerados inacessíveis que pudessem abrigar guerrilheiros123. O barulho ocasionado

por estas bombas e os tiros de metralhadora disparados pelas forças militares também

deixaram a população muito intranqüila, por não saber o que estava ocorrendo: “Agora,

121
“Tropas vasculham território capixaba”. Estado de Minas, 12/04/1967.
122
“Operação-Pente Fino começou ontem em Caparaó”. Jornal do Brasil, 15/04/1967, p.11.
123
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
157

tiroteio nós escutamos muito. Isso foi muitas vezes mesmo. Um dia, eu estava almoçando, mas

Deus me livre... você às vezes nunca viu, mas igual fogo no taquaral, e aí começou124”.

Muitos moradores afirmaram temer um confronto entre militares e guerrilheiros, que

resultasse em prejuízos para a comunidade, como afirma Nadir Tavares de Oliveira125.

O medo em relação ao guerrilheiro pode ser notado igualmente pelo número de

denúncias e prisões de civis ocorridas em toda a região. Os jornais do período trazem várias

referências a moradores que afirmavam ter avistado pessoas estranhas e tê-las denunciado à

polícia126. Os documentos da PMMG trazem denúncias de pessoas que teriam avistado

estranhos ou focos luminosos na área interditada pelas tropas. De acordo com os mesmos

jornais e documentos da Polícia Mineira, um grande número de prisões foi realizado nas

cidades próximas à Serra do Caparaó como Espera Feliz, Manhumirim, Carangola,

Fervedouro, entre outras: “Outra conseqüência dos fatos é a suspeita generalizada que se

criou em torno das pessoas estranhas que chegam às cidades, ocasionando prisões em

grande número, pois a qualquer indício os militares entram em ação127”. Pessoas foram

presas até mesmo em cidades distantes da região como Governador Valadares, Ponte Nova,

Raul Soares e Ipatinga128. A grande maioria foi liberada pouco tempo depois por não se

confirmar qualquer envolvimento com a Guerrilha.

O medo do guerrilheiro, portanto, tomou várias formas. À espera do comunista, que

a qualquer momento poderia descer da Serra, moradores viveram intranqüilos, tendo seu

cotidiano alterado. Os rumores que surgiam e se espalhavam rapidamente, produziam reações

de desespero nunca sentidos. Os choros, os desmaios, as pessoas que se trancaram em casa, as

124
Dalbino José dos Santos. Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
125
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
126
Estado de Minas: “Tropas em operação admitem presença de outros homens em armas na região”,
11/04/1967; “Soldados da PM vasculham grutas à procura de guerrilheiros em Caparaó”, 13/04/1967; “Limpeza
em Caparaó chega ao fim e PM não confirma mortes de guerrilheiros”, 14/04/1967. O Globo: “Matança de gado
denunciou guerrilheiros do Caparaó”, 08/04/1967; “Presos 36 implicados na ação de guerrilhas na serra do
Caparaó”, 14/04/1967. Jornal do Brasil: “Guerrilheiros metralham um trem da Leopoldina em Minas”,
06/04/1967; “Novos guerrilheiros obrigam a FAB a solicitar reforços”, 11/04/1967.
127
“Tropas trocam alimento por simpatia: Caparaó”. Correio da Manhã, 12/04/1967, p.12.
128
“Tropas estão lutando com os guerrilheiros na Serra do Caparaó”. O Globo, 06/04/1967, 1a página.
158

denúncias em relação aos estranhos que apareciam na região, enfim, todos os sinais de medo

indicam como a Guerrilha abalou emocionalmente tais pessoas. Ademais, houve um elemento

que ampliou essa angústia: os próprios militares. Pelos relatos da população, documentos da

PMMG e mesmo os artigos publicados nos jornais, as tropas agiram no sentido de “orientar a

população sobre os perigos que o guerrilheiro comunista representava para ela”. José Cortez

Filho, por exemplo, afirma que manteve contato com alguns dos guerrilheiros no alto da

Serra, mas sem se importar com a presença destes: “[...] eles nunca prejudicaram a gente em

nada129”. Porém, com a chegada das tropas, a situação mudou. Os militares “avisaram” a

população sobre o perigo que corriam com a presença de guerrilheiros comunistas: “Esses

homens são da Guerrilha. Vocês estão correndo muito perigo130”.

O Jornal do Brasil, do dia 17 de abril de 1967, afirma que, até as primeiras prisões

em Espera Feliz, a população dava pouca importância à presença de estranhos no local. No

entanto, a situação veio a se modificar:

Depois da prisão, porém, os soldados revelaram que procuravam


guerrilheiros que iriam tomar seus lares e fazê-los levar uma vida sem
ordem social, situação que habitantes da região não concebem em hipótese
alguma, mesmo os mais humildes, todos presam a liberdade, a família e a
religião131.

A posição conservadora adotada pelo jornal na matéria traz embutida a ação dos

militares no sentido de evitar o desenvolvimento de qualquer simpatia da população pelos

guerrilheiros comunistas.
132
Em um bilhete enviado ao Posto de Operações Conjuntas (POC) , o capelão da

PMMG relata todas as ações de auxílio à população realizadas pelas tropas na Serra do

129
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
130
Idem.
131
“Caça a guerrilheiros termina hoje com Operação-Pente Fino”. Jornal do Brasil, 17/04/1967, p.22.
132
Estabelecido na cidade de Espera Feliz, o POC era uma central de comando de toda a operação de combate à
Guerrilha sob a chefia de oficiais do Exército.
159

Caparaó, o que será visto mais à frente. Entre vacinações, consultas, recreações com as

crianças, o religioso relata o combate ao comunismo:

Assistência religiosa à população e ensinando o papel das Forças Armadas e


das Polícias Militares mostrando a união que existe entre elas, como por
exemplo: a ação conjunta agora, fazendo ver o trabalho dos comunistas para
a destruição do Brasil e de vigilância do Governo para a felicidade de nossa
Pátria, tudo orientando para que a população saiba se defender contra as
doutrinas que tentam dividir os brasileiros133.

A professora de Geografia, Maria do Carmo Rocha Rezende afirma que, em Espera

Feliz, oficiais do Exército realizaram palestras na escola. O tema central das conferências: o

comunismo.

Na palestra na escola, sempre que eles falavam do comunismo, eles diziam


assim, dessa questão primeiro do Fidel Castro, de Cuba e da Rússia. Era as
duas coisas mais tomadas como, como... exemplo, era a Rússia. Então os
russos que são pessoas más, nessa questão do comunismo. [...] Que seria...
que a gente perder toda a liberdade134.

Assim, se existia um imaginário construído em torno do comunista suficiente para

ocasionar um clima de angústia, já distorcido e aumentado pela própria cultura dos moradores

da região, a ação dos militares proporcionou que o medo fosse ampliado ainda mais. Basta

notar que algumas das reações e medos da população tinham conexão direta com as pregações

realizadas pelas tropas. Welton Ferreira Lima e Joaquim Cândido da Silva afirmam que, em

Caparaó, os militares pediam que todos ficassem em casa: “Não sai mesmo, não. Fica todo

mundo em casa que, quem aparecer, nós somos obrigados a atirar135”. Welton recorda que as

tropas pediam aos moradores que mantivessem as portas e janelas bem fechadas, porque “[...]

133
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. O conteúdo do bilhete é citado na
íntegra no relatório fornecido ao Estado Maior da PMMG datado de 10/04/1967.
134
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
135
Joaquim Cândido da Silva. Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
160

o perigo estava realmente... o pessoal estava por aí e toda a precaução seria bem-vinda136”.

Dessa forma, se muitos se trancaram em casa, em parte, se explica pela própria ação das

tropas, que aconselhavam a população que assim o fizesse.

Um outro medo que aparece nos depoimentos, o do envenenamento da água,

também pode ser relacionado com a ação dos militares. O Jornal do Brasil, de 06 de abril de

1967, informa que grupos de soldados armados de metralhadora vigiavam a estrada na região

de Presidente Soares. Segundo o comandante do 11o BI da PMMG, tal providência se dava

com a finalidade de evitar qualquer tipo de “[...] sabotagens em pontes, reservatórios de


137
água, etc. ”. Esse seria, talvez, o causador do rumor que se espalhou pela região de que os

guerrilheiros tinham a intenção de envenenar a água das nascentes que abasteciam a

população.

Nos depoimentos do casal Dalbino José dos Santos e Marta Zainote dos Santos

aparece ainda um outro boato, o de que os guerrilheiros haviam invadido a casa de alguns

moradores da Serra. Dalbino afirma que “[...] eles [guerrilheiros] começaram a descer e,

também, não foi assim atacar as pessoas, mas forçar as pessoas a fazer uma comida pra eles

e coisa e tal138”. Porém, nenhum documento consultado nesta pesquisa ou pessoa entrevistada

traz qualquer referência a este fato.

Cabe ainda lembrar que, outros aspectos foram causadores de transtorno para os

moradores. Para entrar ou sair de várias localidades, as pessoas eram obrigadas a se identificar

aos militares presentes139. Em outras áreas, eram necessárias senhas, caso contrário, as tropas

tinham autorização para atirar140. Dalbino José dos Santos afirma que, em determinadas

locais, era necessário andar sinalizado: “Até teve um colega meu, o Genésio, ele só deixou a

136
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
137
“Guerrilheiros metralham um trem da Leopoldina em Minas”. Jornal do Brasil, 06/04/1967, p.3.
138
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de novembro de 2004.
139
“Guerrilheiros do ex-sargento Amadeu adquiriam alimentos em Caparaó Velho”. Estado de Minas,
07/04/1967.
140
“Novos guerrilheiros obrigam a FAB a solicitar reforços”. Jornal do Brasil, 11/04/1967.
161

blusa que estava um pouquinho em cima da pedra e saiu um pouquinho. Eles ameaçaram

atirar nele, porque ele não estava com a roupa sinalizada para fazer aquilo141”. A interdição

de estradas pelas tropas teria ocasionado o atraso, e mesmo, a interrupção de linhas de ônibus

que ligavam diversas localidades nas proximidades da Serra do Caparaó142. Segundo o Jornal

do Brasil, do dia 07 de abril, as estações ferroviárias foram fortemente ocupadas pela PM

mineira e um ônibus teria sido revistado: “Todos os passageiros foram obrigados a descer e

abrir suas malas143”. Dessa forma, toda a operação anti-guerrilha implantada na região foi

causadora de transtornos e constrangimentos. Sobre uma população humilde, pode-se

imaginar o impacto causado por todos esses acontecimentos.

É importante destacar que, após o fim de toda operação anti-guerrilha, a população

ainda permaneceu receosa quanto à existência de guerrilheiros no interior do Parque Nacional.

Tal aspecto pode ser notado tanto nos depoimentos quanto nos documentos da PMMG. Toda

a movimentação militar na região teria durado até o dia 18 de abril de 1967. Depois dessa

data, apenas um pelotão do 11º BI da PMMG permaneceu em Alto Caparaó com o objetivo de

tranqüilizar a população. No entanto, as denúncias referentes à movimentação de estranhos na

região continuaram. Em telegrama enviado ao comandante do 11º BI datado de 10 de maio de

1967, o comandante do destacamento da PM de Espera Feliz afirma ter recebido informações

sobre o pouso de um helicóptero e sobre disparos de arma de fogo nas proximidades do Pico

da Bandeira.

No mês de novembro do mesmo ano, o serviço de inteligência do 11º BI realizou

investigações, após denúncias feitas por criadores de gado sobre a movimentação de estranhos

no interior da Serra do Caparaó. Segundo as informações contidas no documento, um

helicóptero foi avistado na área e existiriam diversos vestígios de acampamentos. Um criador

de gado, residente em Espera Feliz, teria afirmado não retornar mais a região por estar com

141
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de novembro de 2004.
142
“Soldados vasculham grutas a procura de guerrilheiros em Caparaó”. Estado de Minas, 13/04/1967.
143
“Exército assume o comando da ação contra os guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 07/04/1967, p.3.
162

medo. O mesmo relatório traz ainda a prisão de um homem em Pedra Menina “[...] que estava

maltrapilho, descalço e com a barba bastante grande144”. Após ter mentido várias vezes para

os policiais que o interrogaram, o homem foi levado para Alto Caparaó, não sendo mais

mencionado nos documentos.

Segundo relatos informais de alguns integrantes da PM mineira, ocorreram várias

investigações na região até fins da década de 1970, após denúncias dos moradores da zona

rural da Serra do Caparaó, sobre a presença de pessoas estranhas. Na maioria delas, a Polícia

Militar teria concluído que os estranhos eram turistas que praticavam camping no interior do

Parque Nacional. Porém, os documentos que poderiam confirmar tais relatos não constam no

arquivo da PMMG sobre a Guerrilha de Caparaó.

Os depoimentos dos moradores também deixam transparecer que a angústia diante

da ameaça comunista permaneceu. Se por um lado, a saída das tropas representava que os

guerrilheiros haviam sido derrotados, de outro, ficava sempre a dúvida se alguns destes não

teriam conseguido se esconder dos militares, ou se não retornariam à região novamente para

colocar em prática os seus planos. Segundo Welton Ferreira Lima, os moradores de Caparaó

ainda permaneceram com receio em relação a estranhos que apareciam na cidade,

principalmente se estes usassem barba, cabelos compridos e mochilas145:

A gente saía, mas com pé adiante e o outro atrás. A gente tranqüilo, sim.
“Acabou!” Mas a gente ainda ficava precavido, porque você sabe como é
povo da roça – nesse tempo isso era uma roça – é bem assim, agarrado as
coisas, entendeu? Eu estou para te dizer com toda a sinceridade, que foi em
mil novecentos e sessenta e poucos, por aí... hoje, ainda é capaz de ter gente
com medo de guerrilheiro aqui em Caparaó, você está entendendo? 146

Joaquim Cândido da Silva também relata que a população permaneceu com medo

por algum tempo: “Essa onda, assim, de guerrilheiro ficou, porque aí, de vez em quando,

144
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
145
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
146
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
163

proibia, assim... a ida no pico com medo de ter mais algum por lá. [...] se chegasse uma

pessoa estranha e ficasse por aí, eles [a polícia] identificavam147”.

A compra de propriedades por pessoas vindas do Rio de Janeiro nas proximidades

de Pedra Menina também alarmou a população. De acordo com Francisco Protásio de

Oliveira, os moradores da localidade preferiam não manter contato com os estranhos recém-

chegados. Várias visitas foram realizadas pela polícia com o intuito de investigar os novatos

na região148, provavelmente, denunciadas pelos próprios vizinhos.

Mesmo na cidade de Espera Feliz, o medo em relação aos estranhos permaneceu,

como afirma Maria do Carmo Rocha Rezende:

Muito tempo, por muito, muito tempo a população ficou assim, assustada
com os guerrilheiros. Então, qualquer pessoa diferente achava que era
guerrilheiro. Já ligava, já ia ligar para a polícia, para Polícia Militar. E
qualquer coisa que via diferente já achava que era Guerrilha: “Liga para a
polícia!”. As pessoas que já começavam a falar... aí já foi passando o
tempo, né. Aí já era vista como comunista. Tudo que... durante muitos anos
o xingamento era comunista. Guerrilheiro, chamar um de guerrilheiro era...
como hoje falar maconheiro149.

Até mesmo o trabalho com o gado pode ter sido afetado, já que a maior parte dos

criadores mantinha os animais soltos no alto da Serra. Dessa forma, com medo da

permanência de guerrilheiros, muitos deixaram de ir até o local: “Tinha muitas pessoas que

iam no campo. Aí diminuiu o povo um ‘mucado’ na época, porque cismaram que eles podiam

voltar outra vez. Mas nunca mais150”.

Para os moradores das áreas próximas ao Pico da Bandeira, a Guerrilha de Caparaó é

o momento em que estiveram próximos de serem dominados pelo tão famigerado comunismo.

O guerrilheiro, barbudo e cabeludo, que se locomovia sorrateiramente pelos campos e matas

no alto da Serra, trouxe à tona e ampliou o maior de todos os medos sentidos pelo homem: o
147
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
148
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
149
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
150
José Cortez Filho. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
164

medo da morte. A imagem do comunista, construída através de mensagens propagadas por

grupos conservadores, foi absorvida e reinterpretada a partir da carga cultural que tais pessoas

carregavam. Assim sendo, a representação construída em torno do integrante do MNR pela

população estudada não foi mera transposição de imagens, uma redução simplista

compreendendo guerrilheiro e comunista como sinônimos. A figura do “guerrilheiro

comunista” mescla a propaganda anticomunista à simplicidade da população, o trauma vivido

pelos rumores tenebrosos que rapidamente se espalhavam pela região e a ação dos militares,

que contribuíram para ampliar ainda mais o medo vivido por estes.

Esperando, a qualquer momento, serem atingidos por bombas ou rajadas de

metralhadora, terem a água envenenada ou perderem a liberdade, sendo forçados a trabalhar

por uma causa desconhecida, mas que era entendida como maléfica, os moradores da Serra do

Caparaó vivenciaram um clima constante de ameaça. No entanto, a memória da Guerrilha não

é construída somente em torno da angústia sentida pela população por causa da presença de

comunistas no interior do Parque Nacional. A memória da Guerrilha, principalmente para os

moradores de Alto Caparaó e Caparaó, é construída também em torno da lembrança sobre a

presença das tropas e de toda a ação assistencialista desenvolvida por estas no intuito de

conquistar a simpatia popular, o que será analisado agora.

3.5 OS “SALVADORES” – OS MILITARES E A CONQUISTA DA

SIMPATIA POPULAR

As estratégias adotadas pelas tropas com o objetivo de vencer os guerrilheiros que,

se imaginava, ainda se encontravam na Serra do Caparaó, foram compostas de duas ações

distintas: a primeira, o cerco da região e o combate direto no intuito de colocar um fim ao


165

movimento que havia ali se instalado; a segunda, a conquista da simpatia popular, evitando,

assim, que os guerrilheiros a conquistassem antes. Dessa forma, se por um lado, os militares

se equiparam de armamento pesado e subiram a Serra, por outro, mantiveram grupos

responsáveis pelo auxílio à população nas áreas que esta mais necessitava. Por isso mesmo, a

memória dos moradores de algumas localidades da região sobre a Guerrilha é construída

também em torno dos médicos, dos dentistas, dos enfermeiros, dos veterinários que visitaram

as fazendas, da distribuição de alimentos e remédios, e de todas as demais ações

assistencialistas realizadas pelas tropas em algumas áreas da Serra do Caparaó. Os militares

são vistos por boa parte da população como aqueles que vieram, corajosamente, enfrentar os

guerrilheiros instalados no interior do Parque Nacional, defendendo o país da ameaça

representada pelo “perigoso comunismo”. Ao mesmo tempo, devido a todo o

assistencialismo praticado em algumas localidades, as tropas passaram a encarnar também a

imagem de pessoas amigas, simpáticas e caridosas, que tinham por principal objetivo auxiliar

os habitantes locais.

Porém, existem alguns aspectos sobre a memória dos moradores em relação aos

militares que devem ser analisados. Primeiramente, alguns depoimentos deixam transparecer

que havia medo também em relação às tropas. Para tais pessoas, a polícia representava a

violência em seu maior grau, tendo o poder de exercê-la sobre qualquer um, independente de

ter este alguém cometido, ou não, um crime. É o que demonstra, por exemplo, José Cortez

Filho. Em seu relato, José afirma que, quando jovem, policiais pediam animais emprestados a

seu pai para utilizar nas buscas de foragidos. Nestas circunstâncias, viu várias vezes os

militares retornarem com pessoas presas, amarradas pelas mãos à traseira de um cavalo, sendo

obrigados a andar enormes distâncias dessa forma até serem levados a uma cidade,
166

geralmente, Manhumirim151. Segundo ele, muitas pessoas se escondiam em Alto Caparaó

quando notavam a chegada de militares nas redondezas:

Vocês não sabem o quê que é vida de militar. Vida de militar são as piores.
O sujeito, assim, deve, não deve. Se ele não dever, eles apertam tanto o
sujeito, fala, acabando devendo.[...] Deus me livre! Nós tínhamos
companheiros que trabalhavam com nós, não tinham nada com a polícia,
quando a polícia batia em algum lugar aqui, eles pegavam e falavam: “Olha
a polícia passando lá”. Eles subiam no meio daquela samambaia e enfiava
debaixo e sumia. Rapava fora dali, ficava lá no meio do mato, de medo. E
não devia nada. Mas tinha medo. Eles falavam que a polícia vinha buscar de
qualquer maneira152.

Maria Aparecida Rodrigues afirma que os moradores da região de Pedra Menina

ficaram assustados com a presença de tantos policiais na região. Segundo ela, a população não

era acostumada com os militares, os quais só viam quando iam a uma cidade próxima para

realizar as compras153. Francisco Protásio de Oliveira também afirma que a população não era

acostumada com policiais, o que justificaria toda a apreensão: “Naquele tempo, ninguém

conhecia policial de cara a cara, assim. Um monte de polícia de uma vez. Por acaso, vinha

uma polícia fazer vigilância aí. Mas por acaso. Pessoal ficava cismado, pessoal ficava sem

sair de noite154”.

Os moradores, dessa forma, pelo menos a princípio, demonstraram um grande receio

em lidar com as tropas presentes na região. Izac Valério se recorda que, muitos daqueles que

se trancaram em casa, o fizeram com medo de serem interrogados pelos militares presentes na

região:

151
José Cortez Filho morava na zona rural de Manhumirim antes de se mudar, ainda na infância, para Alto
Caparaó.
152
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005. Segundo José Cortez Filho, as
violências policiais que presenciou teriam acontecido numa área na zona rural de Manhumirim, onde residiu na
sua infância antes de se mudar para Alto Caparaó.
153
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
154
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
167

[...] quem ficou com medo nem com, nem com... não saía de casa pra não,
pra não ser entrevistado com a polícia. Que a polícia entrevistava todo
mundo que passava ali. “Ah, eu não sei o que é que eu vou falar com eles.
Às vezes os homens vão imaginar que até eu também sou culpado” 155.

Da mesma forma, Maria Aparecida Rodrigues se recorda que os policiais afirmavam

que os guerrilheiros eram comunistas, porém, boa parte dos moradores não sabia ao certo o

que significava a palavra, pois quase todos temiam se aproximar dos militares para conseguir

mais informações a respeito: “Só que eles falavam em comunismo e a gente não sabia o quê

que era. E a gente também não aprofundava no assunto, que a gente tinha muito medo da

polícia156”.

Genésio Moreira de Souza também demonstra apreensão diante de tantos militares e

traz um outro aspecto em seu depoimento, o medo de ser encontrado portando armas:

A cidade era polícia pura. Em Caparaó [Novo] ficou lotado de carro de


polícia. Nossa, às vezes à noite a gente ia lá. Daqui um “mucadinho” eles
começavam a chegar. Vinham aquelas filas de carro. A gente ficava: “Como
é que pode gente, tanta polícia assim!” Aí na hora de ir embora, a gente
descansava um pouquinho, montava a cavalo e “rapava” para lá para cima.
Aí quando a gente ia para casa, que aí todos os carros que você via, que
vinha lá “lumiando o farol”, aí você já nem esperava chegar perto. Tirava as
armas e botava... na estrada tem uns barrancos, né? “Apariava” os cavalos,
encostava no coisa [barranco] assim, marcava mais ou menos e ia
devagarzinho. Aí os carros passavam, voltava lá e pegava157.

Provavelmente, Genésio temia ser confundido com guerrilheiros por portar armas.

Na continuação do depoimento, ele afirma que temia que a Polícia viesse o desarmar ou até

mesmo prendê-lo. Deve-se destacar que, pelos relatos dos moradores da região, era comum

possuir algum tipo de arma de fogo, como se pode notar na fala de Nadir Tavares:

155
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
156
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
157
Genésio Moreira de Souza. Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 21 de janeiro de 2004. Genésio,
que atualmente reside no referido município, morava na zona rural de Caparaó no período da Guerrilha.
168

Ah, aqui era assim, sempre tinha aquelas garruchinhas, do tempo antigo,
garruchinha de dois canos. Inclusive, numa época a minha mãe tinha uma
de um cano. Papai tinha uma em casa, porque papai limpava café e passava
a noite fora, e nós morávamos num sítio fora da rua indo aqui para Alto
Jequitibá, no alto aqui quando vai virar, num sítio do lado de baixo, a gente
morava ali. Então mamãe com os filhos todos pequenos, e ela ficava
sozinha, então o papai sempre deixava essa garruchinha com ela pra
qualquer coisa, animal ou qualquer coisa, ela atirar para espantar158.

Assim, parte da população temia que os policiais, sem critérios para diferenciarem

entre os culpados e os inocentes, distribuíssem violência gratuitamente a todas as pessoas que

demonstrassem insegurança ao serem interrogadas ou fossem consideradas suspeitas por

qualquer outro fato. Por isso, evitavam uma maior proximidade com os militares.

As prisões de inocentes ocorridas na região podem ter colaborado para ampliar ainda

mais a apreensão de muitos em relação aos militares. Algumas das matérias divulgadas pelos

jornais da época mostram o nome de pessoas da região presas por suspeita de envolvimento

com a Guerrilha159. Os documentos da PMMG também fornecem informações sobre as

prisões de civis em diversas localidades nas proximidades do Parque Nacional do Caparaó. O

grande número de denúncias contra tais pessoas, realizadas pela própria população local, pode

ser interpretado como decorrente, em parte, do medo em relação ao guerrilheiro. Porém, à

medida que ocorriam prisões envolvendo pessoas conhecidas da comunidade, aumentava o

temor de que as tropas pudessem estar agindo sem critérios, reprimindo e prendendo qualquer

um, culpado ou não de envolvimento com a Guerrilha.

Um outro aspecto que reforçava o medo da população em relação às tropas eram

algumas denúncias de violência realizada contra a população local. Francisco Protásio de

Oliveira afirma que foi obrigado a guiar militares em sua busca por acampamentos

guerrilheiros no alto da Serra. Enquanto subiam, os policiais abordaram um conhecido seu

que fazia o trajeto contrário, se apropriando do fubá que ele transportava a cavalo e

158
Nadir Tavares de Oliveira. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
159
“Onze guerrilheiros teriam sido mortos pela Polícia de Minas”. Jornal do Brasil, 13/04/1967, 1ª página.
“Presos 36 implicados na ação de guerrilhas na serra do Caparaó”. O Globo, 14/04/1967, p.8.
169

obrigando-o também a seguir nas buscas pelos guerrilheiros. Quando se aproximaram do local

onde o acampamento havia sido avistado, os militares fizeram com que o homem seguisse na

frente:

“Passa pra frente, homem!”. Aí começaram a fazer absurdo: deram um


chute na bunda dele [...] E o homem não tinha culpa de nada. É só porque
os homens estavam escondidos, amoitados perto da casa dele, ué. Chegaram
na casa dele, deram uma busca na casa do homem. Fiquei com muita dó,
com muita vergonha. Aquelas casas pobrinhas, né, gente pobre. Eles
entraram dentro da casa dele e seguraram ele. Reviraram tudo o que ele
tinha aqui, colchão pra ver se tinha alguma coisa guardada, não tinha nada.
Aí subiram pra mata 160.

Depoimentos coletados por Rebello na região também fazem referência à violência

de militares contra a população. Em seu livro, um fazendeiro local narra a tortura de um

vizinho:

Aconteceu com filho do Luís de Oliveira. O rapaz, não sei porque cargas
d’água, foi acusado de ser guerrilheiro, e sofreu o diabo. Foi torturado a
golpes de tijolo, pisado, queimado com cigarro, queriam a todo custo que
ele falasse. Ele não sabia de nada. A família dele ficou tão descorçoada que
acabou mudando daqui (REBELLO, 1980, p.120).

O envolvimento das Forças Armadas nas buscas por guerrilheiros também merece

uma maior atenção na presente pesquisa. Primeiramente, as notícias que o Exército estaria

presente na região, trazendo armamentos pesados, aviões e helicópteros, significavam para a

população que a situação era realmente perigosa, como demonstram os depoimentos de

Dalbino José dos Santos: “Aí já não era mais, a gente começou a sentir que não era mais nem

só para a Polícia Militar, e coisa e tal. Já era, precisava do Exército também porque tava

tratando de mais quantidade de pessoas [...]161”.

Entretanto, aqui ocorre um importante questionamento sobre a real ação das Forças

Armadas na operação anti-guerrilha. O apoio da FAB às buscas por integrantes do MNR

160
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
161
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
170

realmente ocorreu, sendo confirmado por notas dirigidas à imprensa por oficiais da

corporação e pelos documentos da PMMG. Os aviões e helicópteros foram utilizados não só

para localizar possíveis guerrilheiros remanescentes em regiões de difícil acesso, como

também, no envio de suprimentos para as tropas em solo.

Mas não se pode certificar através das fontes analisadas se houve participação ou

não de forças do Exército nas buscas nas redondezas da Serra do Caparaó. É certo que o

comando de toda a operação na região ficou por conta de oficiais da 4ª Região Militar de Juiz

de Fora, instalados na cidade de Espera Feliz. De acordo com muitos depoimentos dos

moradores entrevistados para a presente pesquisa e com matérias divulgadas em jornais da

época, o Exército também teria participado das ações no alto da Serra. Chegou-se a cogitar o

emprego de 3 mil homens na operação, compostos por forças do Exército, Aeronáutica e

Polícia Militar162. As informações dão conta da presença das Forças Armadas em Alto

Caparaó163, Pedra Menina164 e outras localidades na Serra do Caparaó. Os trabalhos de

Rebello (1980) e Boiteux (1998) também defendem que houve utilização de homens das

Forças Armadas nas buscas por guerrilheiros. Porém, pelas informações contidas nos

documentos da PMMG, todas as ações no interior do Parque Nacional teriam sido executadas

exclusivamente por tropas das polícias militares do Espírito Santo e, principalmente, Minas

Gerais. Autoridades do Exército divulgaram notas na imprensa negando a participação da

corporação em tais ações. Todos os acontecimentos da Serra do Caparaó, de acordo com o

Ministério do Exército, seriam “[...] um problema tipicamente policial165”. O envio de

homens das Forças Armadas para a região constituiu em apenas uma “medida preventiva166”,

ficando estacionados em Espera Feliz. Segundo o jornal O Globo, de 14 de abril de 1967,

162
“Exército desloca 3 mil homens para Caparaó – boliviano confirma que ‘Che’ Guevara organiza guerrilhas”.
O Globo, 05/04/1967, 1ª página. “Caparaó: três mil em ação”. Correio da Manhã, 08/04/1967, 1ª página.
163
“Exército assume o comando da ação contra os guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 07/04/1967, p.3.
164
“Tropas fecham cêrco sôbre guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 08/04/1967, 1ª página.
165
“Tropas regulares travam luta com guerrilheiros em Caparaó”. O Globo, 06/04/1967, p.8 – 2º caderno.
166
“Mais tropas do Exército desembarcam em Manhuaçu”. O Globo, 07/04/1967, p.8.
171

existiria um efetivo de 920 homens em ação nas proximidades da Serra do Caparaó, sendo

apenas 43 deles integrantes do Exército167. De acordo com o arquivo da Polícia Mineira,

homens do Exército especializados em transmissão teriam subido o Pico da Bandeira no dia

10 de abril para organizar o esquema de comunicação das forças que atuavam nas buscas por

guerrilheiros, sendo esta a única menção sobre a presença de integrantes desta corporação no

interior do Parque Nacional.

Entretanto, grande parte dos moradores da região fala na presença do Exército em

locais onde, de acordo com os indícios, só atuaram forças da Polícia Militar Mineira, como

Alto Caparaó e Caparaó. Pode-se notar tal fato em vários depoimentos: Dalbino José dos

Santos168 e Nadir Tavares de Oliveira169, por exemplo, relatam toda a apreensão vivida pela

população com a chegada dos homens do Exército. Welton Ferreira Lima afirma que, apesar

do medo, as pessoas se sentiram mais seguras “[...] porque o Exército aí está pra nos

defender170”. Para José Cortez Filho, a população só passou a ter noção do perigo que corria

com a presença de guerrilheiros no alto da Serra após serem informados pelo Exército171.

A negativa das autoridades militares em reconhecer a atuação das Forças Armadas

nas buscas por guerrilheiros no interior do Parque Nacional poderia até ser contestada, sendo

interpretada como uma estratégia para diminuir o impacto perante a opinião pública nacional

do evento ocorrido nas redondezas de Caparaó. No entanto, o fato de os documentos sigilosos

da PMMG não mencionarem a presença do Exército nas localidades pesquisadas fortalece o

argumento de que não teriam sido utilizadas tropas federais nas ações no interior da Serra.

Todas as referências às Forças Armadas, excluindo-se a FAB, responsável pelo apoio aéreo às

buscas por guerrilheiros, dão conta apenas da troca de informações ou ordens enviadas ao

comando das polícias militares mineira e capixaba.

167
“Presos 36 implicados na ação de guerrilhas na serra do Caparaó”. O Globo, 14/04/1967, p.8.
168
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
169
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 23 de janeiro de 2004.
170
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
171
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
172

Diante de tais constatações, como explicar a forte presença do Exército na memória

dos moradores da região? Alguns aspectos devem ser analisados para que se possibilite

compreender tal ocorrência. Primeiramente, deve-se destacar que, por ordem do Estado Maior

da PMMG172, os homens da corporação enviados para a Serra do Caparaó portavam

equipamentos de guerra, utilizando armas pesadas, mochilas e capacetes. Dessa forma, os

policiais mineiros poderiam aparentar para a população local serem integrantes das Forças

Armadas em campo de batalha, como pode ser comprovado por diversas fotografias

divulgadas em jornais da época173.

Deve-se levar em consideração, ainda, a presença de homens do Exército em Espera

Feliz devido à instalação do centro de comando da operação anti-guerrilha na cidade. Assim,

além dos oficiais da corporação que coordenavam todas as ações na região, estariam presentes

alguns subalternos que davam cobertura ao POC. Tal fato pode ter gerado comentários e

colaborado para que a população identificasse os policiais militares como membros das

Forças Armadas. Deve-se lembrar ainda que, segundo muitos depoimentos, os moradores das

localidades estudadas também ficaram apreensivos diante das tropas que se instalaram na

região, havendo um distanciamento inicial entre a população e a PM, fato que colaboraria

para que ocorresse a eventual confusão.

Em Pedra Menina, localidade situada no lado capixaba da Serra, os moradores

também relataram a presença de homens do Exército. Francisco Protásio de Oliveira, por

exemplo, afirma que as primeiras investigações foram realizadas por policiais militares. Logo

em seguida, no entanto, chegaram tropas do Exército e ocuparam toda a área. Francisco teria

guiado as duas corporações no interior do Parque Nacional174. Em que pese o presente

depoimento, não existem evidências suficientes para atestar a atuação de tropas federais no

Espírito Santo. Existem algumas notícias divulgadas em jornais da época que relatam a ação

172
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
173
Ver imagens 4 e 5 da p.203.
174
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
173

do Exército em auxílio à PMES175. Porém, assim como ocorreu com as informações sobre a

ação de forças federais no lado mineiro do Parque Nacional do Caparaó, nenhum documento

utilizado nesta pesquisa pôde comprovar se homens do Exército teriam atuado ou não no lado

capixaba da Serra.

A ação dos militares na região não se concentrou somente no cerco e busca de

possíveis remanescentes da Guerrilha na Serra do Caparaó. Ao lado das ações de repressão, a

PMMG montou uma enorme estrutura para assistir a população nas áreas que esta mais

necessitava. Assim, os moradores das proximidades do Parque Nacional, principalmente de

Alto Caparaó e Caparaó, desenvolveram um forte sentimento de simpatia em relação às tropas

presentes na região.

Na verdade, as forças militares já se preocupavam com a população local antes

mesmo da prisão dos guerrilheiros. O Estado Maior da PMMG, em março de 1967, ordenou a

formação de equipes de reconhecimento que atuaram desde a Serra do Caparaó até municípios

distantes como Ponte Nova, Ouro Preto, Juiz de Fora e Leopoldina. No mesmo documento, as

autoridades militares ordenaram que fosse avaliado a atitude da população local “[...] face a

esse pessoal suspeito 176”.

De acordo com o documento enviado no dia 03 de abril de 1967 pela 4ª RM às

polícias mineira e capixaba, já após a prisão do primeiro grupo de integrantes do MNR,

ordenou-se que a região fosse isolada, capturando todo material e pessoal suspeito de

cooperação com os guerrilheiros. Porém, o comando da operação, mais uma vez, mostrou-se

preocupado com os habitantes, recomendando que as tropas tivessem empenho em atender as

necessidades da população através da ACISO (Ação Cívico-Social) “[...] como forma de

conquistar a simpatia popular177”. Assim, foi montada uma grande estrutura para

atendimento de moradores da região nas localidades de Alto Caparaó e Caparaó. De acordo

175
“Tropas fecham cêrco sôbre guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 08/04/1967, 1ª página.
176
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
177
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
174

com o relatório diário enviado ao Estado Maior da PMMG, somente entre os dias 11 e 14 de

abril teriam sido realizadas 560 consultas médicas, 39 curativos, 460 extrações dentárias, 47

obturações provisórias, 12 limpezas de tártaro, entre várias outras ações como distribuição de

medicamentos, vacinação e até mesmo cirurgias. Os jornais do período deram ampla

cobertura à ação assistencialista da PM mineira. A intenção de conquistar a simpatia popular

também aparece nas matérias de jornais:

Essas equipes, integradas por médicos, dentistas, enfermeiros, veterinários e


elementos entendidos em relações públicas, têm a finalidade atrair a
população civil através de assistência médico-dentária, tratamento da
criação e ajuda na lavoura, além da distribuição de roupas, calçados,
guloseimas e brinquedos para as crianças, neutralizando, assim, qualquer
trabalho que no mesmo sentido tenha sido feito pelos guerrilheiros. Equipes
da ACISO já atuam na região. Essa prática faz parte do treinamento anti-
guerrilha que vem sendo dado à tropa178.

Patrulhas volantes com a presença de enfermeiros estenderam as ações

assistencialistas aos moradores de regiões mais distantes no alto da Serra. Além dos

atendimentos convencionais e da distribuição de medicamentos, a patrulha, segundo os

documentos da PMMG, teria até mesmo auxiliado em um parto com complicações.

Constam ainda no relatório diversas outras ações praticadas pela PM mineira.

Médicos veterinários realizaram palestras nas localidades, visitas a fazendas e orientaram os

moradores acerca de enfermidades animais como brucelose, aftosa e doenças de bezerros

recém-nascidos:

O trabalho de amaciamento estende-se ao campo, onde veterinários se


oferecem aos fazendeiros, inclusive para distribuição de vacinas e remédios.
No setor urbano os moradores – pela primeira vez em sua vida – receberam
doações de alimentos, leite em pó, víveres, medicamentos, especialmente
vermífugos e até mesmo brinquedos para as crianças179.

178
“Presos 36 implicados na ação de guerrilhas na serra do Caparaó”. O Globo, 14/04/1967, p.8.
179
“Tropas trocam alimento por simpatia: Caparaó”. Correio da Manhã, 12/04/1967, p.11.
175

As crianças tiveram atenção especial nas ações da PM. De acordo com Ismael Gripp,

os militares passaram a “[...] chamar as crianças para brincadeiras, adulavam para as

pessoas verem que não tem nada a ver, que a polícia é para dar apoio à população e dar

segurança180”. Dessa forma, foram promovidas várias modalidades de brincadeiras,

piqueniques, um concurso de redação com o tema “A Polícia Militar”, palestras sobre a

importância da educação física e sobre higiene, jogos, festas infantis, distribuição de balas e

biscoitos, doação de uniformes esportivos e bolas de futebol, e uma sessão cinematográfica

em Caparaó. Segundo os documentos da PM, uma outra sessão ocorreria em Alto Caparaó,

mas foi cancelada por falta de energia elétrica. Um jornal da época chegou a divulgar uma

fotografia onde crianças se amontoavam sobre um carro da PM181.

O relatório ainda se refere à assistência religiosa prestada pelos capelães da PMMG,

ocorrendo missas, palestras, visitas a enfermos e conferências com os pais. O combate ao

comunismo, como já analisado anteriormente, constava das pregações dos religiosos enviados

às localidades em que funcionou a ACISO.

Uma matéria publicada no Jornal do Brasil, dos dias 15 e 16 de abril, demonstra que

também a imprensa, mesmo reconhecendo as verdadeiras intenções dos militares por trás de

todas as ações assistencialistas, era simpática às tropas da PMMG. Segundo o jornal, a Polícia

mineira estava se aprimorando intelectualmente para ser um dos fatores de desenvolvimento

do estado. A matéria ainda traz outras ações que não constam nos relatórios diários enviados

ao Estado Maior da PMMG:

Desta forma, a PM passou a ajudar os fazendeiros ou os moradores das


cidades, consertando pontes e estradas, dando conselhos técnicos sobre o
plantio, prestando assistência médica aos enfermos, e até, enviando uma
equipe especializada no trato com as crianças, para as quais conta histórias e
ensina jogos infantis [...] Na guerra de Caparaó, a parte mais visível da
atuação da PM foi justamente junto à população: diariamente médicos e

180
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
181
Jornal do Brasil, 15/04/1967. Ver imagem 13 da p.205.
176

dentistas tratavam de pequenos, moços e velhos; as crianças nunca se


divertiram tanto, ouvindo histórias de soldados e passeando nas viaturas
militares, sem contar a facilidade com que os meninos conseguiam dos
militares explicações pacientes sobre o funcionamento de uma ou de outra
arma182.

O assistencialismo praticado pela PM mineira obteve sucesso. Se os depoimentos

dos moradores locais demonstram que havia um medo inicial em relação às tropas presentes

na região, após receberem todo o tipo de atendimento, a maioria da população aproximou-se

dos militares. A simpatia em relação às forças de repressão ao movimento guerrilheiro é,

dessa forma, uma das imagens mais fortes que constituem a memória da Guerrilha para os

habitantes de Caparaó e Alto Caparaó.

O depoimento de Nadir Tavares de Oliveira demonstra como o receio em lidar com

os militares foi dando lugar à simpatia. Segundo ela, com as ações assistencialistas, a

população foi perdendo o medo aos poucos e se aproximando das tropas:

[...] montaram consultório dentário extraíram dente da população tudo,


ninguém... aqui ficou assim de gente (faz movimento com as mãos
demonstrando um grande número de pessoas). Aí, com todo mundo
morrendo de medo, aí o pessoal (militares) começou a entrosar com todo
mundo, muitos consultaram, muitos extraíram... eu mesmo extraí meus
dentes com eles. Extraí dezesseis dentes com eles na época. Aí, perderam o
medo deles...183

Welton Ferreira Lima também demonstra como os militares foram conquistando a

simpatia dos moradores de Caparaó:

Foi uma coisa, de certa forma, boa, porque eles vieram com muitos
medicamentos, vieram com muitas provisões, então eles atenderam até a
população. Se eu não me engano, a avó dela mesmo [aponta para a filha a
seu lado] foi com os meninos, foi atendida, que eles não tinham, assim,
muito posto de saúde, aquela coisa era uma coisa muito rara. Então, eles
atenderam a população muito bem. Então, foi até benéfico. De certa forma,
foi um mal que trouxe um bem. Então, foi... atenderam muito bem. E eles

182
“PM mineira já sabia o que esperava”. Jornal do Brasil, 15 e 16/04/1967, p.22.
183
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
177

eram pessoas muito educadas. O pessoal ali... apesar de que a gente tinha
medo deles também. Porque a gente era muito ignorante. Era meio criado,
meio assim... coisa e tal. Mas fomos aproximando, aproximando... soldado
passava a mão na cabeça, até que nós acostumamos. Mas um pouco ainda,
como diz o outro, ressabiado184.

Assim, toda a ação promovida pela PM mineira permaneceu viva na memória dos

moradores: “Tinha dentista aí na época e, se fosse preciso um tratamento qualquer, eles

tinham muito médico da polícia. Deram socorro pro pessoal daqui. Deram muitos remédios

pra eles185”.

Joaquim Cândido da Silva afirma que, com a presença das tropas em Caparaó, a

população se sentiu mais protegida contra os ataques dos guerrilheiros comunistas. Além

disso, ele se recorda das diversas ações realizadas na localidade:

Ah, tranqüilizou mais, porque tinha muita polícia, não é? Eles eram em
quantidade grande e eles tinham, assim, polícia para... tinha o capelão que
ficava celebrando missa, né, conversando com o povo. E tinha o sargento
Zé Maria e outros também para atrair a criançada, passavam filmes e
brincavam com as crianças, atraindo as crianças. E tinha... veio dentista,
veio médicos e começaram a dar remédios, né, consultar o pessoal. Davam
remédios de graça e tudo. Então... o pessoal sentiu mais tranqüilo, né.
Protegido, né186.

O mesmo sentimento de simpatia pelas tropas foi percebido até mesmo em Espera

Feliz. A cidade, sede do centro de comando da operação anti-guerrilha, foi ocupada por forças

da PMMG e do Exército. De acordo com o depoimento de Adilson Antônio de Morais, a

população local, a princípio, também teria ficado apreensiva inicialmente com a presença das

tropas: “Rapaz, você sabe que no começo o pessoal assustou. Ficou assustado, mas que

nunca tinha visto, não é, aquele monte de pessoal do Exército aqui. Mas depois eles ficaram

tão enturmados com a gente que o pessoal nem esquentava muito mais não187”. Segundo

184
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
185
José Cortez Filho. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
186
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
187
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 21 de novembro de 2001.
178

Adilson, muitos militares fizeram amizade com a população, tendo participado, inclusive, de

partidas de futebol.

Maria do Carmo Rocha Rezende, além de demonstrar o medo existente em relação

às tropas, descreve uma série de ações realizadas por elas:

Aí, também tinha festa, eles plantaram árvores, eles fizeram, é... baile,
aqueles bailes da rainha da FAB. Eles iam na escola dar palestras, dar
panfletos, falavam sobre anticomunismo... comunismo... falavam sobre o
comunismo, mas contra e... do papel que eles estavam fazendo aqui.
Vacinaram todo mundo de febre amarela e de varíola. De primeiro, vacina
era uma coisa, assim, limitada a crianças, assim, escolares. Aí, vacinou todo
mundo. [...] promoveu esse negócio de festa e levava a gente para esse
campo de aviação para dar volta de helicóptero, de avião, aqueles teco-
tecos. [...] Assim, num tempo, Espera Feliz ficou numa situação de pânico.
De medo, tanto do Exército quanto dos guerrilheiros188.

No caso de Espera Feliz, pelos indícios, as ações teriam sido promovidas em

conjunto entre PMMG e Forças Armadas. Os documentos analisados não mencionam

qualquer ação desse tipo ocorrida no lado capixaba da Serra. No entanto, são os moradores de

Alto Caparaó e Caparaó que demonstram uma maior gratidão em relação às tropas. Por serem

formadas por uma população mais humilde, sem qualquer assistência por parte do poder

público, o auxílio prestado pela PM teve um impacto maior sobre as pessoas dessas

localidades. É o que se pode perceber no depoimento de Izac Valério, que define os militares

que atuaram em Alto Caparaó como um “povo bom e educado”. Segundo ele, em

contrapartida às ações em benefício da população, as tropas eram agraciadas com frutas como

mamão e banana. Além disso, em caso de necessidade, os moradores do lugar estariam

dispostos a ajudar os militares na luta contra os guerrilheiros. Izac ainda afirma que o povo do

lugar muitas vezes é ingrato ao não homenagear o comando das tropas com presentes por tê-

los “libertado” do perigo dos guerrilheiros:

188
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2001.
179

Comandante, eu trouxe pro senhor uma leitoa ou, eu trouxe pro senhor um
cabrito gordo, que o senhor nos deu uma tranqüilidade muito grande. Não
tem. O sujeito às vezes não faz. Sujeito sai daqui pra ir à Juiz de Fora, pra
chegar lá e procurar o comandante lá: “Ah, seu comandante, nós estamos
libertos lá, viemos cá dar um abraço no senhor e pedir a Deus pro senhor,
Deus dar muita vida ao senhor”. Mas o sujeito não faz isso189.

Vários depoimentos demonstram a tristeza dos moradores após a partida dos

militares da região. Welton Ferreira Lima, por exemplo, afirma que a saída das tropas

representou uma tranqüilidade para boa parte da população por achar que a área estava livre

definitivamente dos guerrilheiros. Porém, por outro lado, muitos ficaram tristes sem a

presença dos militares: “[...] para nós foi uma tranqüilidade e, sinceramente, até uma

saudade. [...] Então, para mim, sinceramente, quando eles foram embora foi uma tristeza190”.

Nadir Tavares de Oliveira afirma que, em Alto Caparaó, os militares buscaram se

entrosar com a população e tiveram por ela um grande carinho. Assim, ao deixar a localidade,

as tropas teriam ocasionado a tristeza dos moradores locais: “Isso ficou gravado na mente e

no coração do povo, porque, quando... é a mesma coisa quando você nunca teve um carinho

de ninguém, de um amigo, de uma pessoa qualquer, você tem um carinho, aquilo fica

guardado191”. Segundo Nadir, muitos moradores teriam chorado, tristes com a partida das

tropas. Um oficial reformado da PMMG192 que atuou na região de Alto Caparaó, confirma o

depoimento de Nadir. Ele afirma que o local era muito pobre e sem nenhuma estrutura, e que

muitas famílias não tinham nem alimentos. Assim, com a saída das tropas e,

consequentemente, o fim de todas as ações de auxílio à população, os moradores de Alto

Caparaó se viam mais uma vez jogados a própria sorte.

Os relatórios produzidos diariamente, direcionados ao Estado Maior da PMMG,

também demonstram a simpatia popular em relação às tropas. No dia 13 de abril de 1967, por

189
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
190
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
191
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
192
O oficial da PMMG não permitiu a gravação de seu depoimento, autorizando informalmente a utilização dos
dados fornecidos por ele. Preferiu-se, por causa disso, manter o seu nome no anonimato.
180

exemplo, o relatório traz informações sobre o apoio dos fazendeiros no interior da Serra do

Caparaó às forças de repressão à Guerrilha. Tal fato, segundo o documento, teria acontecido

após as ações da ACISO na região:

Vale ressaltar que os Postos de Observação e patrulha a cavalo estão


instalados nos locais mencionados, sem qualquer despesa para a PM, pois
os fazendeiros fazem questão de fornecer ABRIGO, ALIMENTAÇÃO e
ANIMAIS, para os nossos homens, além de se oferecerem para acompanhá-
los nas patrulhas em busca dos guerrilheiros. Graças aos trabalhos
desenvolvidos pelas equipes de ACISO, e pela Ação Cívico-Social feita
pelas nossas patrulhas volantes, que vêm distribuindo medicamentos, tais
como, vermífugos, fortificantes, anti-bióticos, curativos, drenagens etc,
pelos seus enfermeiros e orientando os fazendeiros no setor de higiene e
educação sanitária, em seu próprio lar (fazenda) criou-se na região, um
clima de confiança e camaradagem entre tropas da P.M. e a população civil
da região, principalmente no meio rural.
Podemos afirmar que cada fazenda existente na borda da serra, se
transformou em sentinela avançada das tropas que operam na região.
Anteriormente, receberam elementos estranhos dando-lhes alimentação e
pousada por uma questão de hospitalidade e por ignorarem o objetivo da
sua presença na região. Hoje esses elementos serão recebidos por esses
fazendeiros com as armas nas mãos, conscientes do dever de preservar a
ordem legal. Atualmente, impera na região um clima de ordem e confiança
nas autoridades193.

Em um outro documento, ao que tudo indica produzido por integrantes do 9º BI da

PMMG, sediado em Barbacena, relata-se a partida das tropas da cidade de Caparaó. Em tom

poético, o relatório final narra a emoção compartilhada entre tropas e população:

Cumpri-me ressaltar rapidamente a referida partida da tropa naquele local,


que a meu ver foi realmente tocante:
Tropa formada, com elevada moral e bem humorada, foi batida fotos da
mesma; logo depois fotos dos Oficiais e em seguida tropa embarcada, tendo
antes, em voz vibrante sido cantado o Hino do 9º BI que arrancou calorosos
aplausos de quantos lá se postavam para assistir, condoídos, a partida.
Votos de boa viagem, de felicidade e breve regresso e desta feita, para um
agradável passeio; lágrimas que rolavam de negros olhos em faces
cômodas, mãos que agitavam e lenços multicores eram incontáveis. A tropa
parte num misto de dor e alegria. Todas as viaturas com seus faroletes
acesos e fazendo ouvir ao longe o som das businas e intercalado pelos

193
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. Grafia e grifo mantidos como no
original.
181

soluços, ouvimos, tomados até mesmo de espanto, uma canção à tropa


oferecida pela população estudantil local – em coro com todos os outros...194

Um outro aspecto ainda aparece de forma muito forte nos depoimentos: a imagem

dos militares como salvadores. Para muitos, além de toda a assistência prestada, a gratidão às

tropas também se deve ao fato de terem salvado a região da Serra do Caparaó dos perigosos

guerrilheiros comunistas. De acordo com Izac Valério, os policiais presentes na região ali

estavam para garantir a segurança do povo do lugar: “Houve aqui uma garantia do Caparaó,

que nós temos que respeitar muito [os batalhões da PMMG] Manhuaçu e Juiz de Fora195”.

Percebe-se que a simpatia que a população desenvolveu em relação às tropas

também estava, em parte, ligada ao medo. O militar surge como aquele que livrou a região, e

o restante do país, da ameaça comunista e manteve a tranqüilidade de todos. É o que

demonstra o depoimento de Sebastião Machado de Faria. Segundo ele, militares teriam

matado um boi na serra sem a autorização do proprietário. Entretanto, ninguém podia

reclamar, pois os militares prestavam um serviço à Nação:

Aí o pessoal comentou que nem pediu o dono dos bois, mas era uma ordem
do Exército. O dono do boi nem nunca procurou, porque estava vendo que o
Exército estava defendendo a Nação. Então, já que estava defendendo a
Nação, nada mais que o povo do lugar também ajudar naquilo que puder,
que puder. Porque o povo daqui não deixou de ajudar o pessoal. Às vezes
levava alguma coisa de casa. Não que o Exército pedisse, porque eles
andam muito bem preparado196.

Da mesma forma, Francisco Protásio de Oliveira, tendo guiado tropas na Serra do

Caparaó, afirma que muitos de seus vizinhos em Pedra Menina, assustados com a

movimentação militar na região, o indagavam se ele não tinha medo de participar das buscas

194
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. Grafia e grifo mantidos como no
original. Grafia mantida como no original.
195
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
196
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 22 de novembro de 2005.
182

aos guerrilheiros. Em resposta, afirmava estar colaborando com a Nação: “Mas, eu estou

fazendo uma coisa pra defesa do nosso próprio País197”.

Através dos relatos, percebe-se que a população, mesmo tendo receio em lidar com

os militares, via a necessidade de sua presença na região, uma vez que o País corria o risco de

cair em domínio comunista. O medo do guerrilheiro surge, então, como um fator que

contribui para a simpatia popular em relação às tropas. Isso fica mais nítido ao se analisar os

dois últimos depoimentos citados. Tanto Sebastião quanto Francisco são moradores da região

entre Pedra Menina e Paraíso, área que não foi atendida pela ACISO. Os documentos da

PMMG afirmam que os postos montados em Caparaó e Alto Caparaó deveriam estender o

atendimento até a localidade do Paraíso. No entanto, entre os entrevistados, ninguém se

recorda de tais ações promovidas por militares. Conseqüentemente, infere-se que a simpatia

pelas tropas se deve ao medo que se sentiu em relação à presença de guerrilheiros comunistas

no interior do Parque Nacional do Caparaó.

As tropas envolvidas na operação anti-guerrilha atuaram onde os guerrilheiros

falharam. Os integrantes do MNR aproximaram-se poucas vezes da população, sendo raros os

sinais de contato. Segundo o jornal O Globo, de 07 de abril de 1967, as autoridades

envolvidas nas ações na Serra do Caparaó afirmaram que a presença de guerrilheiros no

interior do Parque Nacional não representava qualquer ameaça à Nação justamente por não

contar com o apoio da população, classificando a Guerrilha como um movimento “[...]

destituído de maior importância198”. Analistas militares, segundo o Jornal do Brasil dos dias

14 e 15 de abril, explicam o insucesso do movimento guerrilheiro também pela não

aproximação com populares:

Os analistas militares em Caparaó, segundo eles mesmos afirmam,


perceberam que a ação dos rebeldes foi quase toda desenvolvida com erros

197
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
198
“Mais tropas do Exército desembarcam em Manhuaçu”. O Globo, 07/04/1967, p.8.
183

– e o principal foi não tentar conquistar a ajuda da população civil – mas


também trouxe novos ensinamentos, pois suas picadas e ciladas estavam
muito bem montadas199.

De acordo com o diário de campanha200, os próprios guerrilheiros evitavam a

aproximação com os camponeses. Os planos de reconhecimento da região até previam a ida a

casas de moradores, alimentando-se e dormindo nestas. No entanto, existem poucos indícios

de contato. Francisco Protásio afirma que os primeiros homens estranhos que surgiram na

região teriam se apresentado como médicos e distribuído remédios à população: “Juntava

aquele pessoal das comunidades pra dar remédio, pra criança aguada. Naquele tempo tinha

muita criança raquítica, né, e não tinha médico, não tinha nada. Então, eles pegaram a fazer

aquelas reuniões e distribuir os comprimidos201”. Os depoimentos coletados por Rebello

(1980, p.119) também trazem informações sobre a presença de supostos médicos que teriam

atendido a população residente entre as localidades de Paraíso e Pedra Menina. O fazendeiro

José Marques afirmou ao autor que hospedou em sua casa um “Dr. Juvenal” e que este havia

receitado remédios a sua cunhada enferma. Amadeu Rocha, um dos envolvidos com o projeto

de Guerrilha, confirmou que Milton Soares de Castro se passava por médico e adotava este

nome. Entretanto, não foram encontrados outros indícios de contatos dos guerrilheiros e a

população local.

Em outros depoimentos, moradores da região chegam a afirmar ter conversado com

guerrilheiros, como no caso de José Cortez Filho202, Antônio Pereira Leite203 e Dalbino José

dos Santos204. Porém, foram contatos casuais, onde os integrantes do MNR são, na maioria

das vezes, surpreendidos com a presença de pessoas residentes nas proximidades. Esse tipo de

199
“Buscas em Caparaó acabam hoje”. Jornal do Brasil, 15 e 16/04/1967.
200
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. Constam nos documentos do
arquivo, cópias datilografadas do diário de campanha e de cadernetas de anotações apreendidas com os
guerrilheiros na serra do Caparaó.
201
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 20 de novembro de 2005.
202
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
203
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
204
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
184

contato é também percebido nos documentos da PMMG e na obra do ex-guerrilheiro Avelino

Capitani (1997). Não há, assim, nenhum indício de trabalho político ou qualquer outra ação

realizada pelos guerrilheiros que pudesse permitir a conquista da simpatia popular.

As tropas envolvidas na ação anti-guerrilha, por sua vez, agiram no intuito de

conquistar os moradores da região. Sabiam que o apoio popular era primordial para o sucesso

de qualquer movimento de guerrilha. Dessa forma, toda a assistência prestada à população

tinha por objetivo anular algum trabalho que pudesse ter sido ou que viesse a ser realizado

futuramente pelos guerrilheiros. Por isso o empenho das forças de repressão, através da

ACISO, em auxiliar os moradores de localidades da região da Serra do Caparaó.

Assim, se a Guerrilha marcou a população pela angústia vivida, temerosos de caírem

nas garras dos famigerados comunistas, por outro lado, também marcou por toda a atenção

recebida dos militares que se locomoveram até a região para combater os guerrilheiros. O

medo do comunismo, por si só, já era fator suficiente para que os habitantes das proximidades

da Serra do Caparaó desenvolvessem uma certa simpatia pelas tropas. Ademais, toda a ação

assistencialista teve um grande impacto sobre a população, talvez até maior do que as

autoridades militares imaginavam.

A Guerrilha de Caparaó contribuiu para que os habitantes daquela região fossem,

pela primeira vez, enxergadas pelo Estado. Até então isoladas, sem qualquer assistência do

poder público, a ação dos militares representava algo novo, desconhecido. A situação de

miséria que muitos moradores viviam, já analisada neste capítulo, facilitou a ação da PM. A

atenção dada à população gerou em contrapartida a gratidão, fazendo com muitos se

oferecessem até mesmo para ajudar nas buscas aos guerrilheiros.

Carlos Drummond de Andrade, mais uma vez, conseguiu interpretar melhor do que

ninguém o que ocorria em Caparaó na época. A partir das informações divulgadas de que

alguns guerrilheiros estariam doentes, contaminados pela peste bubônica, Drummond realiza
185

uma crítica à ação do próprio Estado, demonstrando existirem males que ainda causavam o

sofrimento das populações miseráveis, isoladas no interior do país:

Os guerrilheiros de Caparaó foram vencidos pelos ratos, em sinistro e


silencioso combate, antes de o serem pelas tropas da legalidade, e com isso,
imprevistamente, fizeram alguma coisa além do gesto de desespero
romanesco: serviram para contar, ou para lembrar, que a peste continua
afligindo populações do interior. Não o Conselho de Segurança nem os
tribunais militares, a meu ver, devem prestar atenção nesses homens que
voltam vencidos de Caparaó; melhor será que sejam entrevistados pelo
Departamento Nacional de Endemias Rurais205.

A Guerrilha de Caparaó, ao mesmo tempo em que se constituiu em um momento de

trauma, concorreu para denunciar o estado de isolamento e miséria vivido pelos habitantes das

áreas pesquisadas. A assistência prestada pelos grupos especializados da Polícia Militar

mineira foi entendida por tais pessoas como uma ajuda, uma caridade realizada pela

corporação, já que não possuíam a consciência das obrigações do poder público com a

população. O medo proporcionado por todos os rumores referentes aos guerrilheiros

comunistas que vagavam no interior do Parque Nacional do Caparaó, assim, divide espaço na

memória da população com as ações assistencialistas realizadas pelas tropas de repressão à

Guerrilha.

A defesa de Rousso (2001) por uma “história da memória” se faz mais do que

necessária nesta pesquisa. A construção realizada pelos moradores entrevistados, a maioria

residente em áreas rurais na época da Guerrilha, mostra uma visão toda particular do

movimento ocorrido no interior do Parque Nacional do Caparaó: este seria o momento em que

estiveram próximos do tão famigerado comunismo e, ao mesmo tempo, a primeira vez que

foram reconhecidos pelo Estado, mostrando-se eternamente gratos pelas “benesses” trazidas

através da PM mineira.

205
“Caparaó”. Estado de Minas, 07/04/1967, 3.a Seção.
186

Se tal perspectiva não é exatamente uma oposição à memória oficial, também não se

pode considerá-la como derivada dela. Dessa forma, o conceito de memória subterrânea de

Pollak (1989) talvez seja o que melhor se encaixe na definição da construção realizada em

torno da Guerrilha pela população estudada. Mesmo não sendo uma memória de grupos

oprimidos pela violência direta do aparelho repressor do Estado, aspecto que pode ser notado

em um outro importante movimento de contestação à ditadura militar, a Guerrilha do

Araguaia (SOUSA, 2005; GORENDER, 2003, p.236), tal construção se torna subterrânea por

não ser acessível senão através da memória de tais pessoas. Por mais que esta pesquisa tenha

recorrido aos jornais e aos arquivos da PMMG, foi através dos depoimentos de indivíduos que

vivenciaram o período que se pôde construir uma interpretação mais próxima daquilo que os

moradores locais sentiram em relação à existência de um movimento guerrilheiro na região.

Todo o imaginário construído em torno do comunismo e propagado por diversos

agentes desenvolveu características particulares na região da Serra do Caparaó. Como antes

salientado, o anticomunismo assumiu várias formas, sendo propagado por grupos diversos.

Porém, mais do que a variedade de discursos, talvez se encontre uma maior diversidade de

apropriações deste. Diferentemente dos resultados obtidos por Rodeghero (2002a, p.372) em

sua pesquisa no interior do Rio Grande do Sul, onde a autora afirma que havia um “[...] medo

do comunismo sem comunistas”, através das entrevistas colhidas para o desenvolvimento

deste trabalho, o comunista “existia” e aparece incorporado na figura do guerrilheiro. Seriam

os homens “cabeludos” e “barbudos” que rondavam os arredores do Parque Nacional os

responsáveis pela destruição da representação de modo de vida que tal população tinha como

ideal. O “guerrilheiro comunista”, assim, agindo em função dos mandos de uma outra nação,

ocuparia cidades, tomaria as propriedades e escravizaria toda a população, ou mesmo, a

mataria para pôr em prática os seus planos de dominação de todo o Brasil.


187

A imagem do guerrilheiro comunista da Serra do Caparaó é, assim, uma construção

desenvolvida a partir da recepção dos moradores às pregações anticomunistas ocorridas na

região. Através de sua cultura, marcada pelo isolamento, pela simplicidade em seu modo de

vida, pelo pouco acesso à informação e a pouca escolaridade, pela religiosidade e pelas suas

crenças, o morador da região se viu atormentado por um perigo que era antes considerado

como algo distante, impróprio à sua realidade. A tais aspectos, deve-se somar a ação das

tropas. Os homens da PM mineira especializados no contato com tal tipo de população,

atuaram no sentido de ampliar o medo que estas sentiam em relação ao comunismo. Assim,

mostraram aos moradores locais o “grande perigo” que o guerrilheiro representava não só

para eles, mas também para o restante do país.

Ainda se deve levar em conta o impacto que a chegada dos militares e todo o seu

aparato bélico tiveram sobre essas mesmas pessoas. Localidades como Alto Caparaó e a

região entre Pedra Menina e Paraíso, raramente eram visitadas por policiais. Dessa forma, a

presença das tropas, de todo o armamento pesado, do uso de aviões e helicópteros, contribuiu

para que tais pessoas acreditassem que realmente estavam correndo um sério perigo de serem

dominados pelos guerrilheiros comunistas.

Para finalizar, ao interpretar a Guerrilha de Caparaó a partir das lembranças da

população investigada como uma construção particular de tal grupo, abre-se uma nova

perspectiva em relação a um importante evento de nossa história recente. Assim, se para a

maioria dos moradores da região, o movimento guerrilheiro é menos um ato político de

contestação da ditadura militar implantada no país após o golpe de 1964, aparecendo muito

mais como um período em que a população se viu ameaçada de ser dominada por

guerrilheiros comunistas e pelo momento em que pela primeira vez são assistidos pelo Estado,

fica clara a necessidade de novos estudos que enfatizem grupos que ficaram à margem das

disputas políticas em nível nacional. De acordo com Daniel Aarão Reis (2005, p.71), após o
188

processo de Anistia iniciado em 1979, houve uma reconstrução da memória, reconfigurando a

sociedade brasileira como opositora à ditadura, fazendo desaparecer os setores que não se

manifestaram, ou mesmo, aqueles que foram favoráveis ao golpe e ao regime militar. Como

os moradores da Serra do Caparaó, outros setores da sociedade passaram por este período da

história recente do Brasil sem se importar com o que ocorria no país e sem participar de

qualquer debate neste sentido. Nem por isso, tais pessoas deixaram de ser afetadas pelo

governo militar e suas ações. Daí a necessidade de outras pesquisas que visem reconstituir o

período também através da experiência destas pessoas.

Este estudo, dessa forma, tem como objetivo não apenas a análise da recepção à

propaganda anticomunista pela população residente em torno da Serra do Caparaó em um

momento traumático, ocasionado pela existência de guerrilheiros na região. Busca-se também

privilegiar camadas da população que geralmente passam “invisíveis” pela História, mas que

também são agentes históricos. Que novas pesquisas neste sentido sejam realizadas e que

outras visões sobre a ditadura militar e sobre os diversos eventos relacionados a ela venham à

tona.
CONCLUSÃO

Ao se buscar compreender a Guerrilha na ótica dos moradores dos arredores da

Serra do Caparaó, este trabalho caminhou no sentido de desvendar todo o conjunto de

representações que compõe o imaginário construído em torno do “guerrilheiro comunista”.

Antes da existência do movimento armado na região, tais pessoas já eram alvos do discurso

anticomunista, propagado principalmente por religiosos e políticos e reforçado através do

próprio convívio social. Dessa forma, o comunismo já aparecia como um fantasma que

atormentava a população, mas o fazia de longe. Até então, ainda não representava qualquer

incômodo aos moradores locais.

Mesmo assim, todas as imagens negativas em torno do comunista, de sua forma de

agir e do mal que era portador, eram compartilhadas pelos habitantes da área pesquisada.

Portanto, quando a região foi o cenário do projeto guerrilheiro, o medo que tomou conta de

grande parte da população ocorreu pelo fato de já existir todo um conjunto de representações

negativas em relação ao comunismo. Todos os males que, de acordo com a propaganda

divulgada pelos grupos conservadores, esta ideologia representava – escravidão, miséria,

ateísmo, morte, etc. – fizeram com que muitos perdessem o controle das emoções por

completo, produzindo várias situações de pânico observadas nas narrativas dos entrevistados.

De acordo com Glassner, o sucesso deste estado de nossas emoções não depende

somente de quão bem ele é expresso, mas também, “[...] de quão bem ele expressa

ansiedades culturais mais profundas” (GLASSNER, 2003, p.329). Assim, o medo

desenvolvido em relação ao guerrilheiro e todas as reações desesperadas da população só

podem ser entendidos ao se analisar as próprias condições vividas por tais pessoas. Por

maiores que fossem as dificuldades cotidianas, os moradores das áreas rurais em torno da
190

Serra entendiam o seu modo de vida como ideal. Sua condição de isolamento em relação às

zonas urbanas propiciava uma maior proximidade entre os vizinhos e, conseqüentemente, uma

maior solidariedade. Ao mesmo tempo, eram donos de suas terras ou de sua própria força de

trabalho, o que significava liberdade. Era esse modo de vida, simples e rude, que a população

pretendia resguardar. O comunista, representado na figura do guerrilheiro, surgia como uma

ameaça à sociedade ideal imaginada por tais pessoas. Mal sabiam que a vida simples não seria

destruída pelo comunismo, e sim, pelo avanço do próprio sistema capitalista.

Não se pode deixar de avaliar o impacto que a ação das tropas teve sobre a

população estudada. Primeiramente, contribuiu para a ampliação do medo ao propagar por

toda a região a ameaça que os guerrilheiros representavam. Fez-se isto intencionalmente,

através de palestras e de conversas com os moradores da região. Nelas, demonstravam o

importante papel exercido pelas Forças Armadas e Polícias Militares no combate ao tão

“famigerado” comunismo. Mas também contribuíram para ampliar o medo sem querer.

Nenhuma palavra ou palestra teria o mesmo impacto sobre a população do que o da chegada

de um grande número de militares portando equipamentos de guerra e contando com o uso de

aviões e helicópteros. A presença das tropas e de todo esse aparato bélico indicava que a

situação era séria e que estavam realmente prestes a serem dominados pelos comunistas. Mal

sabiam que os tão perigosos guerrilheiros – por fim, reduzidos a um grupo de 8 homens – já

estavam todos presos. Outros dois haviam sido presos dias antes e mais seis seriam presos

alguns dias depois do grupo principal.

Mas se os militares contribuíram com a ampliação do medo da população em relação

ao guerrilheiro comunista, um segundo aspecto deve ser destacado. Na memória da maioria

dos entrevistados neste trabalho, aparece uma profunda simpatia em relação às tropas. Tal fato

foi proporcionado, principalmente, pelas ações assistencialistas promovidas pelos homens da

ACISO da Polícia mineira. Ademais, percebe-se que, mesmo em áreas onde não ocorreram as
191

ações assistencialistas, os moradores também demonstram simpatia em relação aos militares.

Talvez isso se explique pelo fato das forças de repressão terem apresentado como salvadoras

não só da população local, como também de toda a nação. Assim, as tropas deslocadas para a

área foram vistas por muitos como portadoras de toda a valentia e virtude, na luta contra os

malfeitores comunistas.

Assim, ao analisar a Guerrilha de Caparaó presente na memória dos moradores da

região, a pesquisa trouxe à tona uma outra versão do movimento armado ocorrido nos

arredores do Pico da Bandeira. Poucos entrevistados mencionaram que aqueles homens que

subiram a Serra eram opositores do regime militar imposto após o golpe civil-militar de 1964.

Aqueles que ainda demonstraram possuir alguma informação sobre o movimento relataram,

no máximo, que os guerrilheiros eram gente da “época do João Goulart” ou “homens do

Brizola”. A Guerrilha que surge nos depoimentos é aquela referente ao medo dos comunistas

que pretendiam tomar toda a região e/ou aquela em que a população foi agraciada pelas

benesses trazidas pela Polícia Militar de Minas Gerais que, além de tudo, ainda os livraram de

todo o mal representado pelos guerrilheiros.

Dessa forma, ao identificar o impacto que a Guerrilha teve sobre população

residente nas redondezas da Serra do Caparaó, pode-se voltar a análise para a própria gênese

do movimento. Os integrantes do MNR, ao optarem pela região para a instalação do foco de

luta armada, não levaram em conta um aspecto essencial para o sucesso de qualquer luta de

guerrilhas: o apoio da população. Valorizaram-se as condições geográficas do local em

detrimento de um exame mais detalhado sobre o potencial de adesão das pessoas simples da

região. Numa população isolada, sem informação, sem grandes conflitos por causa da terra e

sem se importar com os acontecimentos políticos que ocorriam a nível nacional, tornava-se

difícil obter qualquer apoio na luta contra a ditadura militar. Pelo contrário, os moradores dos

arredores da Serra se assustaram com a presença dos homens estranhos que vagavam
192

barbudos e cabeludos, se vestiam diferente e portavam armas pesadas, denunciando-os à

Polícia Mineira. Mais ainda, se mostraram não só simpáticos às tropas que vieram garantir a

“liberdade da região”, como até colaboraram guiando os militares nas expedições pelo interior

do Parque Nacional do Caparaó.

O significado que a Guerrilha de Caparaó tem para a população estudada é, assim,

diferente daquele que os raros trabalhos historiográficos sobre o tema tentam desvendar.

Longe de compreender o movimento como uma forma de luta contra um governo que havia se

instalado através de um golpe de Estado e que cerceava as liberdades democráticas, a

Guerrilha foi para estas pessoas um momento de angústia. O medo do comunismo e a

simpatia em relação aos militares são os aspectos mais fortes que vêem à tona nos

depoimentos, demonstrando a necessidade de se realizar novos estudos referentes às pessoas

comuns e que pouco, ou em nada, se envolveram nas disputas de poder em nível nacional,

mas que, mesmo assim, não deixaram de ser influenciadas por elas.
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Revista Veritas – publicação do Colégio Pio XI de Manhumirim. Vários números.

ENTREVISTAS

Adilson Antônio de Moraes. Espera Feliz – MG, 21 de novembro de 2005.

Antônio Pereira Leite. Alto Caparaó – MG, 23 de janeiro de 2004 e 03 de outubro de 2005.
201

Arydes Grimalde. Caparaó – MG, 29 de janeiro de 2004.

Dalbino José dos Santos e Marta Zainote dos Santos, Espera Feliz – MG, 21 de janeiro de
2004.

Francisco Protásio de Oliveira. Pedra Menina/ Dores do Rio Preto – ES, 21 de novembro de
2005.

Genésio Moreira de Souza e Zózima Martins de Souza. Espera Feliz, 21 de janeiro de 2004.

Ismael Gripp de Oliveira. Caparaó – MG, 29 de janeiro de 2004.

Izac Valério. Alto Caparaó – MG, 23 de janeiro de 2004 e 04 de outubro de 2005.

Joaquim Cândido da Silva. Caparaó – MG, 29 de janeiro de 2004 e 20 de novembro de 2005.

José Cortez Filho. Alto Caparaó – MG, 05 de outubro de 2005.

Maria Aparecida Rodrigues, Paraíso/ Espera Feliz – MG, 21 de novembro de 2005.

Maria do Carmo Rocha Rezende. Espera Feliz – MG, 21 de janeiro de 2004 e 22 de novembro
de 2005.

Maria Horst Cortez. Alto Caparaó – MG, 05 de outubro de 2005.

Nadir Tavares de Oliveira. Alto Caparaó – MG, 23 de janeiro de 2004 e 30 de setembro de


2005.

Sebastião Machado de Faria. Pedra Menina/ Dores do Rio Preto – ES, 22 de novembro de
2005.

Sebastião Rocha dos Santos, sargento da PMMG. Martins Soares/ MG, 30 de janeiro de 2004.

Welton Ferreira Lima. Caparaó – MG, 29 de janeiro de 2004 e 20 de novembro de 2005.


Imagens anexadas

Figura 1: Pico da Bandeira/ Parque Nacional do Caparaó.


Fonte: Plínio Ferreira Guimarães

Imagem 2: Guerrilheiros presos no 11o BI/ PMMG de Manhuaçu. Da esquerda para direita:
Amadeu Felipe, Edival Mello, Jorge José, João Jerônimo, Amaranto Jorge, Araken Vaz
Galvão, Avelino Capitani e Milton Soares.
Fonte: Antônio Pereira Leite
203

Imagem 3: Charge ironizando o grande número de homens e equipamentos utilizados pelas tropas
na região em vista dos poucos guerrilheiros presos.
Fonte: Jornal Estado de Minas, 09/04/1967.

Imagem 4: PMMG com equipamento de guerra: capacetes, mochilas e armas pesadas.


Fonte: Jornal Estado de Minas, 11/04/1967.

5
6

Imagem 5: Homens da PMMG em ação na região.


Fonte: Jornal do Brasil, 08/04/1967.

Imagem 6: Helicóptero utilizado no apoio às buscas por guerrilheiros.


Fonte: Jornal Estado de Minas, 11/04/1967.
204

7 6
5

Imagem 7: Campo de pouso e acampamento das tropas.


Fonte: Jornal do Brasil, 12/04/1967.

8 9

Imagens 8 e 9: Homens da PMMG entre a população de Alto Caparaó.


Fonte: Jornal do Brasil, 08/04/1967 (8) e 12/04/1967 (9).

11

10

Imagem 10: PM em conversa com mulheres da região.


Fonte: Jornal Diário da Tarde, 10/04/1967.

Imagem 11: Populares observam a ação das tropas do alto de um barranco.


Fonte: Jornal do Brasil, 05/04/1967.
205

12

Imagem 12: PMMG distribui leite em pó para a população de Caparaó.


Fonte: Jornal Correio da Manhã, 12/04/1967.

13

Imagem 13: Crianças brincam em carro da PMMG.


Fonte: Jornal do Brasil, 15/04/1967.

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