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Plinioferreiraguimaraes
Plinioferreiraguimaraes
CAPARAÓ, A LEMBRANÇA
DO MEDO
Juiz de Fora
2006
PLÍNIO FERREIRA GUIMARÃES
Juiz de Fora
2006
Guimarães, Plínio Ferreira
G963 Caparaó, a lembrança do medo : a memória dos moradores da
região da Serra do Caparaó sobre o primeiro movimento de luta
armada contra a ditadura militar – a guerrilha do Caparaó / Plínio
Ferreira Guimarães. – 2006.
205f.
Muitos são aqueles que, de alguma forma, contribuíram para que este trabalho fosse
possível. Por isso, ao destacar alguns nomes, temo pelo esquecimento de outros que tenham
ajudado, mas que podem deixar de ser mencionados por uma falha minha.
UFJF, especialmente à minha orientadora, Dra. Cláudia Maria Ribeiro Viscardi, e ao ex-
pesquisa e depositou uma enorme confiança em mim, dando liberdade para que eu pudesse
disponível, nos deu todo o amparo necessário para que pudéssemos, eu e os demais colegas de
e Dra. Silvana Mota Barbosa, pelas trocas de idéias e indicações de algumas das obras que
qualificação, Dr. Marco Antônio Cabral dos Santos e Dr. Rodrigo Patto Sá Motta. Ambos,
após minuciosa leitura dos capítulos centrais que compõem esta dissertação, fizeram uma
Aos meus tios Ilta e Protino Rafael, e ao meu primo Alessandro, a minha enorme
gratidão por terem me abrigado no período de estudo na cidade de Juiz de Fora, me recebendo
toda semana, por um ano inteiro, em sua casa. À você, minha tia, a minha gratidão é mais do
que pela ajuda, e sim pela torcida. Não esquecerei o momento em que fiquei sabendo que
havia passado no Mestrado e que você e minha mãe choraram juntas, felizes por mim.
Aos amigos Adriano Ricardo dos Santos, André Luís Moreira de Souza e Giovanni
Rocha, que me apoiaram em momentos decisivos na busca por fontes e por me indicarem
algumas das pessoas que viriam a ser entrevistadas. Ao também amigo e pesquisador do tema,
Bibiano Alex Rocha, por toda a troca de informações e todo o seu empenho em colaborar com
o trabalho.
companheiro, sendo o responsável pelas transcrições das entrevistas que realizei. Além disso,
sua empolgação com a pesquisa foi um incentivo a mais na caminhada para a finalização
deste trabalho.
dificuldades e as mesmas alegrias. Além disso, vocês e os demais colegas estiveram ao meu
lado num dos momentos mais especiais de minha vida: o nascimento da Lavínia. Obrigado!
Aos meus sogros Israel e Almeirinda, por todo o suporte dado e toda a torcida para
Ao meu pai, Francisco, e às minhas irmãs, Francys e Lívia, por serem tão
importantes para mim e por também fazerem parte de minhas conquistas. Amo vocês!
Aos moradores das regiões pesquisadas, principalmente aos entrevistados, fica aqui
não só o meu agradecimento, mas a minha admiração. Mesmo sendo um desconhecido para a
grande maioria, fui recebido como se fosse “um de casa”. Quantos cafés saboreei após as
Mais do que agradecer, gostaria de dedicar este trabalho às mulheres que ajudaram a
construir o homem que sou hoje. Minha avó, Aristides, mulher de garra e serena, e que, aos
seus 95 anos, se mostra forte e atual. Minha mãe, Elza, mesmo com todo o rigor em criar a
mim e minhas irmãs, nunca deixou de mostrar o quanto nos amava. Sei também do quanto
fica feliz a cada conquista nossa. Na verdade, sabe que é uma conquista sua também! Minha
esposa, Elaine. Casados a quase 3 anos, ela é mais do que minha companheira já a mais de
doze. Com certeza, nunca teria chegado até aqui sem você. E às minhas filhas Lavínia e sua
irmã, ainda sem nome (mais já muito amada) que vem por aí. Lavínia, nascida ano passado,
Londrina. Apressadinha, não quis esperar o meu retorno para casa. Não tem problema, a
felicidade que você me trouxe compensa essa “desfeita”. Da mesma forma, aguardo o
nascimento de sua irmã e sei que ela complementará a alegria que vivo hoje.
Não poderia deixar de esquecer todos os amigos que sempre me deram força e
sempre estiveram juntos de mim nos momentos importantes e decisivos de minha vida.
O presente estudo tem como foco central a análise da memória dos moradores da
meio cultural em que estava inserida. Assim, o trabalho se propõe a fazer uma análise da
simpatia que estes desenvolveram em relação aos militares que se deslocaram para a região
This present research has as its main purpose to analyze the memories from the
common people who used to live in Serra do Caparaó region, where took place the first armed
movement against the military dictatorship established in Brazil after 1964 – The Caparaó
Guerilla. The anticommunist propaganda fully divulgated all over the country, mainly on the
sixties, was absolved and reinterpreted by the people who lived in that region, based on the
elements found on their cultural environment. In this way, this present research intends to
observe how was the anticommunist reception, identifying the elements that came from the
produced image about the communist partisan, the fear that took place inside the ones who
shared those moments and the sympathy that they felt over the soldiers who came to fight
INTRODUÇÃO..............................................................................................12
CAPÍTULO 2 – O ANTICOMUNISMO.......................................................... 56
2.1 As origens do anticomunismo........................................................................ 57
2.2 O imaginário anticomunista.......................................................................... 65
2.3 A evolução do anticomunismo no Brasil....................................................... 76
CONCLUSÃO............................................................................................ 189
BIBLIOGRAFIA......................................................................................... 193
IMAGENS ANEXADAS................................................................................202
ABREVIATURA E SIGLAS
4ª RM – 4ª Região Militar
AI – Ato Institucional
AP – Ação Popular
BI – Batalhão de Infantaria
Caparaó possui poucas informações sobre o que foi na verdade o movimento guerrilheiro que
se instalou nas proximidades do Pico da Bandeira entre 1966 e 1967. Contudo, a Guerrilha de
Caparaó ainda mexe com a mente dos moradores locais. Lembrar o movimento significa
trazer à tona momentos em que muitos viveram a angústia de serem dominados a qualquer
momento por “perigosos comunistas” que, imaginavam, viriam para escravizá-los, ou mesmo,
dirigiram à região, mostram o impacto que toda a propaganda anticomunista, apoiada em uma
série de imagens negativas construídas em torno do comunismo, teve sobre tal tipo de
população. Assim, o presente trabalho busca compreender como populações simples, como
aquela que habitava as redondezas da Serra do Caparaó na década de 1960, absorveram todo o
particular que deve ser destacado: a região havia realmente abrigado indivíduos que
pretendiam iniciar, a partir dali, um movimento armado como forma de reagir ao regime
militar estabelecido no país. Assim, mesmo existindo dúvidas sobre o real caráter do projeto
guerrilheiro, foi divulgado para os moradores que os homens que rondavam as proximidades
A gratidão que tal população nutre em relação aos militares que se deslocaram para a
foram vistos como salvadores, aqueles que libertaram o povo de todo o perigo que os supostos
comunistas representavam. Além disso, a ação promovida pela Polícia Militar de Minas
13
Gerais assistindo a população local através de médicos, dentistas, enfermeiros, dentre outras
Dessa forma, o presente estudo visa captar a Guerrilha que habita a memória
daqueles que a vivenciaram sem entender ao certo todos os acontecimentos ocorridos naquela
algumas hipóteses para o seu fracasso. Ao mesmo tempo, permite compreender o poder de
imaginário desenvolvido em torno dos males que o comunismo representava podia ganhar
país.
carga emocional colaboram para a sua fixação na mente. Entretanto, por mais lúcido e
verídico que um depoimento oral possa parecer, ele nunca será o mesmo e representará os
experiências vividas nas quais esta emoção esteve presente. Mas deve-se destacar que, dada a
ação do tempo, o medo narrado no presente nunca corresponderá de fato àquele sentido no
momento do ocorrido.
valores atuais para julgá-la. Apoiaram-se em parâmetros do presente para avaliar o ocorrido
no passado. Por mais que falem e demonstrem toda a aflição gerada pela presença de supostos
14
comunistas na Serra do Caparaó, as narrativas nunca corresponderão de fato ao medo que foi
sentido no momento em que a região foi tomada por militares na busca por guerrilheiros. O
acontecimentos da época com muito humor e grandes risadas, demonstrando que, para ele,
todo o medo vivido naquela época não passava de um exagero, fruto da simplicidade da
pensar. Assim, ao falar da Guerrilha, o seu olhar é de uma pessoa que avalia o passado a partir
de valores do presente, somando informações novas que o fizeram narrar a Guerrilha com um
ar de troça.
guerrilheiros comunistas na Serra do Caparaó seria apenas um exagero não esteve presente em
todos os depoimentos. Ainda assim, mesmo naquelas narrativas nos quais se percebe
apreensões em relação ao período da Guerrilha, não se pode afirmar que suas lembranças
refletiam valores daquela época. Por isso, a importância de se contar com outras fontes nesta
–, as quais permitiram a análise e a construção de uma interpretação daquilo que foi sentido
primeiro capítulo, será realizada uma discussão em torno de toda a trama que levou à
como estes atuaram no tumultuado governo de João Goulart, os rumos tomados após o golpe
de 1964, os aspectos que levaram a escolha do local, as dificuldades enfrentadas, indo até a
queda prematura do movimento. Na verdade, o primeiro capítulo tem como finalidade trazer
1
Depoimentos concedidos em Caparaó nos dias 29 de janeiro de 2004 e 20 de novembro de 2005.
15
ao leitor um conhecimento geral do que foi a Guerrilha de Caparaó e lançar algumas questões
marcados por uma efervescência de grupos que se notabilizaram pelo empenho em combater
O terceiro capítulo busca produzir uma outra visão da Guerrilha de Caparaó: a dos
“guerrilheiro comunista” e em relação aos militares que se deslocaram para a área com a
população estudada. Como o capítulo tem por finalidade reconstituir os momentos de angústia
que tais pessoas viveram com os boatos da presença de guerrilheiros e toda a movimentação
simpatia em relação aos militares, foi necessário primeiro analisar o próprio modo de vida da
anticomunista chegava até eles. Assim, o foco central do capítulo consiste em analisar a
revolucionário foi absorvido pelos habitantes das redondezas da Serra do Caparaó e a reação
dando ênfase às localidades de Alto Caparaó, Caparaó e a região entre Paraíso e Pedra
Menina, área situada na divisa entre os estados de Minas Gerais e Espírito Santo. Das três,
somente Caparaó já era cidade. Porém, pelas entrevistas, o seu cotidiano ainda era marcado
pelo ritmo da vida do campo. Além disso, alguns dos depoentes moravam na zona rural do
município na época da Guerrilha. Alto Caparaó constituía naquela época apenas um pequeno
propriedades nos arredores desta localidade. Já no caso de Paraíso e Pedra Menina, o primeiro
possuía algumas casas próximas, formando um povoado com proporções ainda menores que
Alto Caparaó, e o segundo era constituído de poucas residências não muito próximas umas
das outras. O trabalho também faz referência a outras localidades nas proximidades da Serra
do Caparaó, que são citadas nos documentos analisados ou através das entrevistas realizadas.
A princípio, a escolha dos depoentes ocorreu sem que critérios muito rígidos fossem
utilizados. Os primeiros contatos com a população se deram em fins de 2003 e início de 2004,
quando, através de indicações de algumas pessoas conhecidas, havia procurado moradores nas
cidades de Espera Feliz, Manhumirim, Manhuaçu e Alto Caparaó. Por não haver qualquer
pessoa conhecida em Caparaó, os primeiros contatos ali realizados ocorreram de uma forma
local sobre pessoas que viviam na localidade na época da Guerrilha e que seriam de fácil
Deve-se destacar que a negativa em se falar sobre a Guerrilha não ocorreu somente
em Caparaó. Também em Alto Caparaó algumas pessoas preferiram não dar o seu
17
movimento armado. Era comum a alegação de que “não se tinha grandes informações sobre a
Guerrilha” e, por isso, preferia-se não falar a respeito, talvez ainda um reflexo da angústia que
atormentou a população.
De acordo com Alberti (2004b, p.25), os contatos realizados pelo pesquisador com
de alguma informação e de algum conhecimento que aquele indivíduo detém, e que o próprio
pesquisador – mesmo que muito bem informado e preparado – não detém”. Assim, já nos
primeiros contatos, foi possível verificar aspectos que não se imaginava encontrar na memória
várias das entrevistas realizadas neste período não foram utilizadas na confecção do resultado
entender como a Guerrilha havia afetado a vida da população da região. Entre os depoentes
deixados de fora das análises, estão civis presos no período acusados de ligação com o grupo
guerrilheiro. Pelos indícios, tais prisões teriam sido ocasionadas por denúncias falsas
realizadas por grupos adversários na política local. Tal aspecto não foi incorporado ao
ampliando o leque dos entrevistados. Existiam também pessoas que, ao ficarem sabendo do
trabalho, sugeriram mais nomes a serem procurados. Foi dessa forma que se chegou à região
tendo se mudado para as cidades nos arredores da Serra. Além do processo de urbanização
crescente que o Brasil passou nas últimas décadas, a própria criação do Parque Nacional do
Caparaó colaborou para que tais pessoas migrassem para as zonas urbanas. Esse é o caso de
Antônio Pereira Leite2, residente atualmente de Alto Caparaó. Antônio morava numa área
conhecida como Vale Verde, hoje integrada ao Parque. Ali, cultivava frutas, criava animais e
ainda conseguia alguns recursos como guia de excursionistas que queriam visitar o Pico da
Bandeira. Com a desapropriação de suas terras, comprou uma casa e mudou-se para a cidade.
Uma das principais limitações com a qual este trabalho esbarra talvez seja não ter
conseguido estudar a fundo a própria história das localidades e a origem da população. Ainda
coletas de depoimentos. A leitura de algumas obras após a realização das entrevistas geraram
algumas indagações que, talvez, pudessem ser melhor esclarecidas através de novos contatos
com os depoentes. Esse é o caso do livro de Cândido (2001) que, ao estudar a realidade vivida
pela população caipira no interior do estado de São Paulo e o processo de transformação pela
qual esta passou em meados do século XX, poderia servir de base comparativa e alimentar
2
Depoimentos concedidos em Alto Caparaó nos dias 23 de janeiro de 2004 e 03 de outubro de 2005.
19
compreensão do modo de vida dos moradores das redondezas da Serra do Caparaó. Além
disso, fica evidente o impacto que a presença de guerrilheiros na região gerou em grande parte
pessoas. Mais do que isso, os relatos deixam transparecer a distância existente entre
determinados grupos sociais no Brasil e àqueles que se digladiavam na disputa pelo poder.
Por isso, o trabalho que se desenvolve a partir de agora é mais do que uma simples análise da
Guerrilha de Caparaó na visão dos moradores da região em torno da Serra. É, acima de tudo, a
tentativa de se construir uma história de pessoas comuns, mas não menos importantes do que
Espírito Santo, distante cerca de 330 km da capital mineira e 225 km da capital capixaba, foi o
o golpe de 1964. A Guerrilha de Caparaó – como o movimento ficou conhecido – caiu antes
redondezas do Pico da Bandeira foram denunciados pela própria população local, sendo
surpreendidos pela Polícia Militar de Minas Gerais entre fins de março e início de abril de
1967.
mobilizações em favor das reformas de base durante o governo de João Goulart. Dos presos
na região da Serra do Caparaó, apenas um era civil. Os outros nove integrantes do movimento
eram militares expurgados das Forças Armadas após o golpe de Estado, a maioria sargentos e
(MNR), organização responsável pela montagem da Guerrilha, seriam presos nos arredores da
Há uma carência de pesquisas acerca deste movimento. Ainda assim, este capítulo se
apoiará nos poucos trabalhos referentes à Guerrilha a que se teve acesso, além de contar com
algumas fontes primárias como depoimentos orais de moradores da região, jornais da época e
análise do governo Jango, localizando alguns dos personagens que, mais tarde, vieram a se
agosto de 1961, deu início a um dos períodos mais conturbados da história recente do Brasil.
presidência pelos ministros militares que o acusavam de ser herdeiro político de Getúlio
Vargas e de ter ligações com o comunismo internacional. Dessa forma, para que se cumprisse
o que mandava a Constituição, foi necessária a formação de uma ampla mobilização em favor
da legalidade, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola. Este
conseguiu o apoio do III Exército para resistir à tentativa de golpe. Por fim, legalistas e
setembro, tendo os seus poderes limitados através de uma emenda que instituiu o sistema
parlamentarista de governo.
janeiro de 1963. De acordo com Gorender (2003, p.49), Jango teria interpretado o resultado
da consulta popular como uma vitória pessoal, quando, na verdade, forças antagônicas
eleições presidenciais, marcadas para 1965. Além disso, o autor ainda levanta a hipótese de
22
que o presidente teria se entendido com frações das classes dominantes, comprometendo-se
presidenciais após o plebiscito gerava uma maior expectativa de que tais medidas fossem
público, graduados das Forças Armadas, entre outros grupos, mobilizavam-se em favor das
reformas.
Goulart, até então, buscava se equilibrar no poder na tentativa de contar com o apoio
radicalizaram. As esquerdas, sem esperança que as tão sonhadas reformas ocorressem dentro
sistema legal, o que pode ser percebido no posicionamento de Brizola que passou a defender o
integrantes das elites tradicionais, setores da classe média, membros do clero, grupos ligados
reformas, que, aliando-se a oficiais das Forças Armadas opositores de Jango, passaram a
tramar a deposição do presidente. Tais setores propagavam que o país caminhava a passos
1
O programa de reformas de base previa: a reforma urbana, voltado para o planejamento do crescimento das
cidades; a reforma bancária, buscando criar um sistema de financiamento das prioridades nacionais; a reforma
tributária, priorizando os impostos diretos, principalmente o imposto de renda progressivo; a reforma eleitoral,
concedendo o voto aos analfabetos; a reforma do estatuto do capital estrangeiro, regulando investimentos
estrangeiros e remessas de lucros para o exterior; a reforma universitária, voltando o ensino e a pesquisa para o
atendimento das necessidades sociais e nacionais; e a principal de todas as reformas, a agrária, tornando mais
justa a distribuição de terras no país (REIS, D.A., 2005, p.24).
23
largos para o comunismo, gerando intranqüilidade em boa parte da população, como será
optou por se aproximar das massas, passando a adotar um discurso aberto de defesa das
reformas de base. O sinal claro de tal posição foi o comício da Central do Brasil, do dia 13
março de 1964, onde as esquerdas se reuniram para ouvir o presidente e outros líderes, como
também indícios de tal posicionamento a anistia concedida pelo presidente aos marinheiros
sargentos no Automóvel Clube do Rio de Janeiro, ocorrida no dia 30 do mesmo mês, um dia
Deve-se destacar que boa parte da alta hierarquia das Forças Armadas já havia se
posicionado contra João Goulart antes mesmo que este chegasse à presidência, a exemplo do
que ocorreu na tentativa de impedi-lo de tomar posse no cargo em 1961. À medida que se
aproximava dos setores populares, Jango não só nutria ainda mais o ódio dos oficiais
contrários a ele, como também empurrava para a oposição muitos que haviam se definido pela
defesa da legalidade constitucional, até mesmo alguns que faziam parte de seu “dispositivo
No dia 31 de março de 1964, teve início em Juiz de Fora, tendo à frente o general
Olímpio Mourão Filho, o movimento golpista que derrubou Jango no dia seguinte. As forças
2
Jango havia nomeado vários oficiais que, acreditava, eram de sua confiança e defensores da legalidade
constitucional, para ocupar importantes postos de comando nas Forças Armadas, tendo por objetivo brecar
qualquer ação dos oficiais alinhados à trama golpista. O “dispositivo militar”, entretanto, falhou, não havendo
qualquer reação que pudesse conter o golpe em 1964.
24
civis e militares que tramaram o golpe saíram vitoriosas, jogando o país em uma ditadura de
21 anos.
Como o objetivo deste capítulo é analisar todo o processo que levou à organização
do projeto de luta armada na Serra do Caparaó, fica aqui a indagação: de que forma os atores
envolvidos com a Guerrilha teriam atuado no tumultuado período em que João Goulart esteve
no poder? A maioria dos guerrilheiros vinha do meio militar. Eram quadros subalternos que
foram expulsos das Forças Armadas logo após o golpe de Estado. Como mencionado
manifestações em prol das reformas de base. Além disso, as mobilizações tinham também um
mobilizações que incomodariam à alta hierarquia das Forças Armadas. Tudo teria se iniciado
partir daí, o processo de politização dos sargentos das três Armas se torna manifesto. Falam
3
O autor cita como benefícios conseguidos pelos sargentos as leis que permitiam o acesso ao oficialato através
de cursos exteriores às academias, estabilidade aos 10 anos de serviço e equivalência de cursos militares ao
secundário normal (SILVA, 1987, p.25-26).
25
fuzileiros navais.
inelegibilidade dos graduados das Forças Armadas. Em documento intitulado “Perguntas que
nas Assembléias, referindo-se a decisão tomada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que os
tornava inelegíveis: “Haverá Forças Ocultas atrás de tudo isso?” (SILVA, 1987, p.69).
tendo o também o título “Perguntas que os sargentos fazem ao povo”, segue a mesma linha
subalternos em relação aos oficiais das Forças Armadas: “Se os Tenentes, Capitães e
Generais podem ser Deputados, porque os Sargentos não podem, se a Constituição determina
que: Todos são iguais perante a Lei?” (KUPERMAN, 1992, p.287). Mais à frente, o
manifesto indagava se “forças ocultas” não estariam tramando um golpe contra as liberdades
Brasília no dia 12 de setembro de 1963. O levante foi logo dominado, havendo a prisão de
4
Grafia mantida como no original.
26
centenas de subalternos5. Contudo, o movimento alarmou ainda mais os altos escalões das
Forças Armadas.
subalternos: “Se os reacionários não permitem as reformas, usaremos, para realizá-las, nosso
Outro futuro guerrilheiro, Avelino Bioen Capitani, era membro da Associação dos
rebelião dos marinheiros em 25 de março de 1964, episódio que contribuiu para aumentar o
Brizola tinha grande influência entre as baixas patentes das Forças Armadas.
Quando este liderou a formação da Frente de Mobilização Popular (FMP), movimento que
reunia as principais organizações de esquerda que defendiam as reformas de base, contou com
participação nas mobilizações pró-reformas durante o governo Jango. A maioria foi expulsa
das Forças Armadas após a deposição do presidente com as edições dos Atos Institucionais no
5
Gorender (2003, p.62) afirma serem cerca de seiscentos o número de presos por envolvimento no levante.
6
Nos documentos e bibliografia analisados neste trabalho, foram encontradas grafias diferentes para o nome de
Jelcy. Bandeira (1983, p.104) grafou-o como “Gelcy”. Em sua ficha encontrada no DOPS/ MG existem três
grafias diferentes: “Jelcy”, “Gelci” e “Gelsi”.
27
Ferreira. Segundo ele, os sargentos foram as primeiras vítimas do golpe de 1964: “Os
sargentos são os inimigos dos generais, né. Era assim que eles nos enxergavam”
(CAPARAÓ, 2006).
Os civis que participaram de toda a trama da Guerrilha também tiveram algum tipo
de atuação nos movimentos em favor das reformas durante o governo Goulart. Em geral, eram
arquitetar uma reação ao golpe imposto em 1964. Caparaó seria uma das alternativas de luta.
país não alinhados ao Partido Comunista Brasileiro. Ganhou grande prestígio nacional após a
iniciativa de resistir, a partir do Rio Grande do Sul, à tentativa golpista de não empossar João
Jango, Brizola assumiu uma posição de confronto direto com as forças conservadoras.
alimentar “[...] a expectativa de que Leonel Brizola poderia se tornar um Fidel Castro
7
De acordo com Avelino Capitani (1997, p.100), o MNR teria como forças principais Brizola e os grupos dos
sargentos e marinheiros, mas contaria com o apoio também da Política Operária (POLOP), Partido Socialista
Brasileiro e Ala Vermelha.
28
brasileiro” (REIS, D.A.,1999). Até mesmo o líder comunista Luiz Carlos Prestes teria dado
declarações neste sentido (FERREIRA, 2004, p.44). Percebendo toda a trama dos grupos
conservadores em barrar a ampla mobilização dos setores populares em defesa das reformas,
pequenas células independentes contando com apenas onze homens. Estas células, os “grupos
considerável foi efetuada: “A rigor, os adeptos de Brizola limitaram-se, através das ondas da
Rádio Mayrink Veiga, a conclamar o povo a lutar contra os ‘gorilas’” (TOLEDO, 1994,
p.113). O ex-governador ainda tentou articular a resistência a partir de seu estado, o Rio
Grande do Sul. Imaginava contar com a adesão de João Goulart, instalando o governo em
Porto Alegre e iniciando um contragolpe. Jango, porém, preferiu não resistir e foi para o
exílio no Uruguai. Na impossibilidade de uma reação que realmente fizesse frente ao golpe,
organizar vários levantes, o que poderia influenciar outros grupos espalhados por todo o país a
planejavam ações a partir do Rio Grande do Sul, antes mesmo que Brizola tivesse chegado ao
Uruguai (SILVA, 1987, p.141). Porém, com a sua presença no país, todos aqueles
interessados numa reação armada contra os golpistas passaram a gravitar ao seu redor.
Um dos grupos que Brizola contava para dar início a uma reação contra o governo
militar era justamente o de sargentos coordenados por Amadeu Felipe da Luz Ferreira, Jelcy
Rodrigues Corrêa e Araken Vaz Galvão, que vieram integrar o projeto guerrilheiro de
Caparaó. Segundo José Wilson da Silva (1987, p.158), ex-tenente do Exército e membro do
29
comando montado por Brizola no Uruguai, o grupo era formado por 21 militares de baixa
patente cassados e que foram deslocados do Rio de Janeiro para Porto Alegre para tomarem
parte da resistência. Amadeu confirma o envio de homens para o Sul, mas em número maior:
entre 60 e 70 pessoas (CAPARAÓ, 2006). Araken afirma que o grupo havia entrado em
acordo com Brizola no sentido de participar do movimento pensado por este para o Rio
Grande do Sul e, em troca, receberiam recursos para a montagem de uma frente guerrilheira
(CAPARAÓ, 2006). De acordo com Amadeu Felipe, os subalternos presos após o golpe já
Mas deve-se destacar que Brizola, pelo menos a princípio, rejeitava a teoria do foco
guerrilheiro. Considerava a possibilidade de levantes populares mais eficaz do que uma luta
de guerrilhas prolongada, como será analisado mais à frente. Contudo, à medida que seus
planos de contragolpe foram se esvaindo sem ao menos terem entrado em ação, o ex-
governador não teve outra saída a não ser apostar todas as suas fichas na implantação de
guerrilhas.
Brizola já contava neste momento com o apoio de Cuba. Fidel Castro imaginava
poder exportar a revolução para toda a América Latina. A própria esquerda dos países do
continente viveram na década de 1960 uma grande euforia com a vitória dos guerrilheiros que
derrubaram a ditadura de Fulgêncio Batista na pequena ilha caribenha, tão próxima do todo
de 1964. Acreditava no potencial das Ligas Camponesas. Dessa forma, foram compradas
30
cubano. Integrantes das Ligas receberam instruções de guerrilha na ilha caribenha para poder
repassá-las nos campos aqui do Brasil. Estavam à frente da proposta de luta revolucionária
dissidentes do PCB que discordavam da via conciliatória adotada pelo partido no período. Em
havendo a prisão de alguns militantes. Com isso, a facção comprometida com a luta de
p.21-26). Uma outra organização teria contado com o apoio de Fidel ainda no governo Jango.
Brasil. Neste contexto, como afirma Gaspari (2002, p.181), “[...] saía do baralho uma nova
carta: Leonel Brizola”. De acordo com o autor, já antes do golpe, o embaixador cubano no
Rio de Janeiro acreditava ser o ex-governador o mais credenciado para liderar uma revolução
ataque aos golpistas. A ajuda internacional de Cuba seria, dessa forma, essencial para os seus
planos. Ao que tudo indica, o sociólogo Herbert José de Souza, o Betinho, também exilado no
Uruguai, teria sido o representante de Brizola nos acertos com o governo cubano8. Porém, de
acordo com José Wilson da Silva (1987, p.202), as informações que chegaram a ele levam a
crer que um deputado uruguaio, Ariel Collazo, seria o responsável pelo primeiro contato.
Flávio Tavares afirma que “[...] o apoio de Cuba é anterior à idéia da Guerrilha. É
ainda para a fase da conspiração dos quartéis” (CAPARAÓ, 2006). Porém, como Brizola
8
Gaspari (2002, p.182) afirma que Betinho teria levado uma carta de Brizola à Fidel Castro e acertou com o
comandante Manuel Piñeiro Losada as bases para o treinamento guerrilheiro na ilha. Flávio Tavares
(CAPARAÓ, 2006) também afirma que Betinho teria sido a primeira pessoa enviada à Cuba em nome de Brizola
para acertar o apoio.
31
não conseguiu colocar em prática seus planos de levantes a partir do Rio Grande do Sul,
Caparaó; outro em Mato Grosso, em região fronteiriça com a Bolívia; e um terceiro na divisa
Assim, o apoio cubano à tentativa de luta armada comandada por Leonel Brizola
teria ocorrido de duas formas: envio de dinheiro e treinamento guerrilheiro. Quanto à primeira
forma, existem poucas informações referentes a valores e ao uso dado aos recursos. Segundo
José Wilson da Silva (1987, p.202-203), Fidel teria enviado duas remessas no valor de 500
mil dólares. A primeira foi dividida em três partes iguais e destinadas a Jango, Darcy Ribeiro
e Brizola. A parte que coube ao último seria gasta com a manutenção de exilados, ajuda às
segunda remessa seria totalmente destinada ao planejamento de ações armadas, ficando todo o
montante sob a administração de Brizola. Parte dela teria sido gasta na estruturação da
operação na Serra do Caparaó. José Wilson ainda afirma que Fidel teria se disposto a fornecer
quatro mil toneladas de açúcar para o grupo do ex-governador vender no mercado europeu,
mas na impossibilidade de realizar tal negócio, esse tipo de ajuda não se concretizou.
Dessa forma, se torna difícil, até mesmo para os envolvidos com a Guerrilha,
estabelecer com exatidão os valores gastos com o foco de Caparaó. Brizola nunca teria
p.31). Amadeu Felipe afirma que o ex-governador não falhava nos compromissos, porém, o
envio de dinheiro “[...] sempre foi muito a conta-gotas. Ele mandava esse dinheiro, de vez em
quando, pra nós em torno de 5 mil dólares. Olha, no máximo, no máximo que pode ter sido
gasto conosco, né, 70 à 75 mil dólares” (CAPARAÓ, 2006). Bayard Demaria Boiteux (1998,
p.105), um dos membros do MNR que davam suporte aos guerrilheiros de Caparaó a partir da
9
A área do estado Goiás onde foi projetado o foco compõe atualmente o estado do Tocantins. Segundo Flávio
Tavares (1999, p.191), esse foco seria levado mais para o norte, concentrando-se nas regiões de Imperatriz, no
Maranhão, e de Marabá, já no estado do Pará.
32
cidade do Rio de Janeiro, afirma que o movimento não teria contado somente com dinheiro
proveniente de Cuba, mas também de pessoas que ele define como “patriotas brasileiros”.
Informações da Marinha (CENIMAR), Brizola teria enviado 26 homens para a ilha. Destes,
três foram para a Serra do Caparaó: os ex-marinheiros Avelino Bioen Capitani e Amaranto
MNR com treinamento em Cuba também seria preso na região, o civil Hermes Machado
sobre-valorizado. Num encontro com Leonel Brizola no Uruguai, o ex-governador teria lhe
falado sobre a proposta de estruturação dos focos guerrilheiros: “Nesse quadro, ele me
apresentou aqueles dois moços recém-chegados ‘da ilha’, tão bem treinados que já não eram
gente, ‘mas bichos como macacos, que ficam uma semana em cima de uma árvore,
país, afirma que os militantes treinados em Cuba eram revestidos de uma “[...] aura mística
10
Após a descoberta da prisão dos dois primeiros guerrilheiros na Serra do Caparaó em março de 1967, Hermes
e outros 5 integrantes do MNR foram para a região na tentativa de resgatar os possíveis remanescentes do
movimento. Acabariam todos presos pela Polícia Militar de Minas Gerais, como será visto adiante.
33
Uma guerrilha rural tinha de ser rural, mimetizar-se com a população e ser o
próprio povo da terra. O treinamento em Cuba, porém, era ideológico-
militar e eles voltavam ao Brasil com uma visão caolha da realidade
(TAVARES, 1999, p.192).
somente o da Serra do Caparaó chegou a ter um trabalho mais avançado. Ainda assim, os
militantes deslocados para a região seriam presos antes de entrarem em ação. Com a queda do
A Serra do Caparaó não era a primeira opção do grupo de Amadeu Felipe para a
prisão do ex-sargento Araken Vaz Galvão, após um conturbado episódio em que levou um
tiro da própria mulher, e a morte de um dos líderes do projeto, o também ex-sargento Manoel
Raimundo Soares, colaboraram para o aborto de uma tentativa de ação a partir do Rio Grande
do Sul. Como alternativa, o grupo tentou estruturar um foco guerrilheiro nas proximidades de
Criciúma, Santa Catarina. Chegaram a comprar uma propriedade na região, sendo enviado
cunhada. A segunda tentativa também foi abortada por terem sido presos ao serem
para a implantação de guerrilhas. Foi através de contatos com a POLOP que o grupo de
34
Amadeu Felipe optou pela região. Anivanir de Souza Leite, também sargento expurgado das
Forças Armadas após o golpe e natural de Manhumirim, município às bordas da Serra, teria
sugerido a ele o referido local. Segundo Amadeu, a escolha da área se deu por não haver
grandes corporações militares na região e pela proximidade com Rio de Janeiro e São Paulo,
permitindo o contato com a parte do MNR responsável pelo apoio à Guerrilha a partir das
que seria utilizado no Sul, inclusive armas. Teriam sido enviados para a região em torno 2,5
toneladas de equipamentos. O civil Milton Soares de Castro, responsável por uma das viagens
para o transporte do material, permaneceu no sítio para dar início à montagem da Guerrilha
(CAPARAÓ, 2006).
entanto, existem informações divergentes quanto ao número total de homens que teriam
subido a Serra. Segundo Costa, “[...] o grupo chegara a ter pouco mais de duas dezenas no
PMMG após a sua prisão, o comandante guerrilheiro afirmou que teria subido a Serra com 14
Rollemberg (2001, p.34) afirma que 14 homens teriam dado início ao treinamento
11
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
35
guerrilheiro, número que coincide com as informações existentes no diário de campanha dos
guerrilheiros12.
codinome de Amadeu Felipe, foi eleito por unanimidade para ser o comandante da frente
guerrilheira13. Afirmaria ele aos demais que “[...] a guerra de guerrilhas é o caminho mais
curto para a ascensão do povo ao lugar que lhe é devido, hoje ocupado por uma seia de
O diário de campanha, que teria sido escrito pelo ex-marinheiro Amaranto Jorge
guerrilheiros à vida no campo, às condições do terreno e ao clima frio e úmido. Mas, nos
primeiros dias de deslocamento pela Serra, os relatos são de camaradagem mútua e otimismo
entre o grupo. Num dado trecho do diário, afirma-se ter razão os teóricos sobre guerrilhas que
imaginarem que o inimigo o sentiria bem mais: “[...] consola-nos saber que o inimigo
também sofrerá, quiçás com maior intensidade por estar desprovido deste agasalho que
de dezembro de 1966, o registro no diário de campanha é que ainda não estavam preparados
para a ação. Como fonte de energia para agüentar a marcha, teriam cada um consumido uma
12
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. Consta entre os documentos do
arquivo uma cópia datilografada do diário de campanha dos guerrilheiros.
13
Diário de campanha dos guerrilheiros/ Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da
PMMG.
14
Idem.
15
Idem.
36
três entradas. Duas delas eram falsas, levando a barrancos de onde os guerrilheiros poderiam
avistar e dominar qualquer intruso. O lixo produzido ali era enterrado em buracos fundos,
onde os guerrilheiros defecavam por cima, segundo o relatório da Polícia Mineira, com o
objetivo de provocar nojo17. De acordo com o diário de campanha, as latas de conservas eram
Amadeu Felipe:
16
Diário de campanha dos guerrilheiros/ Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da
PMMG.
17
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
18
Idem.
37
de Guaçuí. O “Seu Celso” mencionado por Amadeu Felipe era o pai de Daltro Dornelas,
guerrilheiro que abandonou a Serra antes da queda do movimento. Daltro e Celso Dornelas
nunca foram presos por envolvimento com a Guerrilha. O armazém ainda funcionaria por
Entre o material encontrado com o grupo após a sua prisão, havia anotações com
entre elas Presidente Soares19, Espera Feliz, Guaçuí, Carangola, Ibitirama e outras. O
levantamento trazia dados sobre o número de policiais existentes em cada uma destas
localidades, bancos, escolas, igrejas, etc. Em alguns casos, havia também observações sobre
políticos locais.
De acordo com Rebello (1980, p.69-70), apoiado em informações dadas por Amadeu
plano de invadir uma cidade da região, tomando uma estação de rádio para leitura de um
realizar tal tipo de ação. Entretanto, Presidente Soares, a cidade escolhida segundo estes, não
19
Após uma consulta popular ocorrida na década de 1990, a cidade mineira alterou seu nome para Alto
Jequitibá.
38
ele pára, você fustiga; e quando ele recua, você ataca. Esse é o princípio
básico, o ABC da guerrilha de Mao Tse-Tung20 (CAPARAÓ, 2006).
Avelino Capitani (1997, p.110) também relata o plano de ataque a uma cidade da
região, segundo ele, “[...] provavelmente Caparaó Novo21”. O grupo ainda imaginava realizar
outras ações em rodovias e ferrovias próximas à Serra do Caparaó, tentando chamar a atenção
do país para o movimento e possibilitando uma resposta nas cidades. O projeto guerrilheiro,
contudo, cairia antes de ser realizada qualquer operação neste sentido e de qualquer trabalho
Entre fins do mês de março e início de abril de 1967, o foco guerrilheiro de Caparaó
seria desbaratado pela Polícia Militar de Minas Gerais. De acordo com Gaspari, ainda em
Janeiro de que uma guerrilha estaria sendo estruturada na região. Em fevereiro do ano
Silva, teria entregado ao presidente Castello Branco um relatório sobre a tentativa de ação
guerrilheira e a sua ligação com o grupo de exilados no Uruguai e com Cuba (GASPARI,
2002, p.204-205).
Entretanto, outras fontes levam a crer que a própria população local teria sido a
20
Depoimento de Araken Vaz Galvão.
21
A cidade Caparaó é regionalmente conhecida por “Caparaó Novo”, enquanto Alto Caparaó, emancipada desta
nos anos 90, é conhecida por “Caparaó Velho”.
39
restante dos moradores, evitavam contatos e andavam armados pelo interior do Parque
Manhuaçu. O comandante do Batalhão, coronel Jacinto Franco do Amaral Melo, afirma que
(CAPARAÓ, 2006). Ele relataria à imprensa da época que as primeiras notícias de estranhos
196622. O sargento Sebastião Rocha dos Santos, que fazia parte do grupo enviado à área para
novembro de 1966 os órgãos militares teriam recebido informes sobre estranhos que
circulavam pela Serra do Caparaó, sem especificar a fonte. A corporação teria enviado para lá
22
“A prisão do ex-subtenente Gelci deu pista para a grande caçada”. O Globo, 04/04/1967, p.10.
23
Depoimento concedido no município de Martins Soares no dia 30 de janeiro de 2004. O sargento Rocha, à
época ainda cabo, trabalhava no serviço de inteligência do 11º BI da PMMG.
40
informações24. De acordo com o sargento Rocha, entre o início dos levantamentos até a prisão
Alguns dos moradores da região entrevistados nesta pesquisa confirmam ter entrado
provavelmente, no sítio que havia sido adquirido pelo MNR para dar início ao projeto de
implantação do foco guerrilheiro. Lá foram encontradas pilhas, antenas de rádio, café solúvel,
maços de cigarro e óleo derramado pelo assoalho. De acordo com o informante, a casa teria
sido arrendada por Anivanir de Souza Leite ainda em 1965, só sendo ocupada após uns 10
meses por um parente seu. Depois, um certo “Pedro” passou a morar no local. De acordo com
o documento, o informante presumia que Pedro fosse português por falar um “português
arrastado”, afirmando ainda que este teria distribuído dinheiro aos moradores locais. Pedro
seria substituído por “Januário”, que manteve pouco contato com os moradores, e depois por
“João Santana”, que falava um “palavreado pouco compreensível”27. A suspeita de que Pedro
fosse português e o palavreado de João Santana fosse pouco compreensível poderia ser
explicada pelo fato de os guerrilheiros serem de regiões distantes, com sotaques acentuados,
principalmente aqueles originários do Sul do país. O civil Milton Soares de Castro, que teria
24
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
25
Depoimento concedido no município de Martins Soares no dia 30 de janeiro de 2004.
26
O serviço de inteligência da PMMG era conhecido pela sigla S/2.
27
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
41
permanecido por maior tempo no sítio adquirido pelo MNR para a estruturação da Guerrilha,
por exemplo, era natural do Rio Grande do Sul. É interessante ainda destacar que, de acordo
da região avistaram ou mantiveram algum tipo de contato com aquelas pessoas estranhas. Na
região de Pedra Menina, no lado capixaba da Serra, o dono de um comércio afirmou que dois
homens que falavam um “português um pouco arrastado” haviam comprado no local arroz,
toucinho e carne de porco. Ele teria estranhado o fato destas pessoas não utilizarem o café em
pó, e sim o café solúvel. Os dois ainda esqueceram uma faca de campanha no comércio.
região contribuíram para denunciá-los: “Quando a fome apertava, e havia dinheiro, éramos
pessoas desconhecidas para a vizinhança e, sem dúvida, esse procedimento atentava contra a
era maior que aquela comprada usualmente pelos moradores da região, o que aumentava as
guerrilheiros: eles teriam sido observados diversas vezes por moradores locais, inclusive
portando armas, como na ocasião em que um homem relata tê-los vistos na área conhecida
como “Terreirão” com uma arma sobre um tripé; muitas pessoas observavam novas picadas
28
Documento do 11º BI/ PMMG datado de 14/03/1967. Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu
Histórico da PMMG.
42
nas matas da região; a circulação de carros com placa do estado da Guanabara, principalmente
um Jipe, o que era incomum para a época; havia reclamações de desaparecimento de gado e
distância e chegaram a manter contato com dois integrantes do movimento, fato também
dos homens se escondeu, só retornando para junto dos demais quando eles foram embora.
Porém, ao observarem ao longe o tal homem, perceberam que se tratava do mesmo “Pedro”
que havia habitado a casa na localidade do Príncipe. O fato é destacado pelos guerrilheiros,
Além desses aspectos, a coesão e o ânimo do grupo foram afetados à medida que
permaneciam por um longo tempo na Serra sem entrar em ação. De acordo com o diário de
grupo por “problemas sociais”. Os seus codinomes eram Lino, Nemésio, Marcelo, Sérgio e
Henrique30. Amadeu Felipe afirma que a discussão sobre a permanência ou não na Serra seria
As pessoas que estavam aqui ainda, por exemplo, eu tinha vida clandestina,
mas tinham muitos que não tinham. Então, se manter aqui em cima, tinha
que entrar em ação, porque se não entra em ação e você tem pessoas que
não tem vida clandestina ainda, o quê que acontece, essas pessoas começam
a criar e desenvolver necessidade de retornar à cidade (CAPARAÓ, 2006).
29
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. As informações são encontradas no
relatório da S/2 do 11º BI do dia 28/02/1966 e no diário de campanha dos guerrilheiros.
30
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
43
Almeida Rocha, após ter retornado de uma viagem a Montevidéu, foi à Serra para levar
movimento, essa posição seria contestada. Ocorreu um racha interno que passou a opor
segurança do grupo:
por camponeses sempre que precisavam pegar os trilhos que levavam às localidades onde se
realizavam as compras. Além disso, debatiam se estariam mais seguros no interior de matas,
ex-subtenente Jelcy Rodrigues Corrêa e o ex-sargento Josué Cerejo Gonçalves. Porém, foram
presos dentro de uma barbearia na cidade mineira de Espera Feliz. Haviam perdido o trem e
resolveram cortar os cabelos enquanto aguardavam o horário do ônibus para o Rio de Janeiro.
Como forma de tentar avisar o acontecido aos homens da base do movimento, Jelcy afirmou
31
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
44
que teria uma audiência na cidade. Alguns dias depois, o grupo de apoio à Guerrilha ficaria
Gabeira (1996, p.45-46) afirma que, após as primeiras prisões, uma pessoa o teria
contatado na redação do Jornal do Brasil na tentativa de que ele conseguisse noticiar através
de uma rádio que uma pessoa havia ficado doente. Na verdade, buscava-se alertar os
guerrilheiros sobre as prisões para que estes pudessem fugir o mais rápido possível. Gabeira
teria conseguido enviar a mensagem, mas os guerrilheiros não a ouviram no alto da Serra.
ainda maiores. Alguns guerrilheiros adoeceram, sendo grave o estado de Avelino Capitani.
Como havia um encontro marcado para o dia 2 de abril com integrantes do movimento vindos
da cidade em um ponto mais baixo na Serra, o comando da Guerrilha decidiu que o grupo
descesse para um local próximo onde o encontro se realizaria, o que quebrava ainda mais a já
Jorge Rodrigues Moreira foi até a cidade de Caparaó para comprar medicamentos. A
população já estava alerta quanto à presença dos estranhos que vagavam na Serra e o próprio
farmacêutico que lhe vendera os remédios o denunciou às autoridades locais assim que este
saiu de seu estabelecimento. Amaranto foi surpreendido pela PM quando tomava o caminho
excursionista. Pelos indícios encontrados nos documentos, após a prisão dos demais,
Os sete guerrilheiros que restaram na Serra desceram, por ordem do comando, para
uma posição ainda mais próxima do local onde havia sido acertado o encontro com a base do
32
Idem.
45
Rio de Janeiro. Seriam ali avistados por outras pessoas, incluindo um homem com problemas
mentais (CAPITANI, 1997, p.116). Tal informação é também relatada por um morador da
região, o ex-agricultor Antônio Pereira Leite. Segundo ele, um primo de sua esposa teria se
mentais, teriam decidido não prendê-lo. No entanto, o homem comentou com outras pessoas
os ex-sargentos do Exército Amadeu Felipe da Luz Ferreira e Araken Vaz Galvão, o ex-
sargento da Marinha Edival Augusto de Melo, o ex-cabo da Marinha Jorge José da Silva, os
ex-marinheiros Avelino Bioen Capitani e João Jerônimo da Silva, e o civil Milton Soares de
Castro.
transferidos para Juiz de Fora, ficando em posse da 4ª Região Militar do Exército. Um outro
grupo, formado por seis pessoas, ainda seria preso na região. Ao saber da prisão de Jelcy e
Cerejo em Espera Feliz, os integrantes da base do MNR no Rio de Janeiro resolveram ir até a
Serra na tentativa de resgatar os oito remanescentes da Guerrilha. Não sabiam que estes já
haviam caído em poder da PM Mineira. Assim, foram presos também nas redondezas de
Caparaó os civis Amadeu de Almeida Rocha, Hermes Machado Neto e Gregório Mendonça, o
do MNR foram presos no Rio de Janeiro, como o professor Bayard Demaria Boiteux e o ex-
33
Antônio Pereira Leite. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
46
penas para os presos de 3 a 12 anos de reclusão. Leonel Brizola foi também julgado por seu
média dois e meio na cadeia. Avelino Capitani conseguiu fugir da penitenciária Lemos de
O civil Milton Soares de Castro foi encontrado morto em sua cela nas dependências
tem alguns aspectos intrigantes. A começar, seis destes afirmaram no interrogatório realizado
pelo 11º BI que estavam depondo as armas por acreditarem que, após a posse de Costa e
Silva, as condições do país mudariam. Imaginavam que Castello Branco daria um novo golpe,
impedindo a posse de seu sucessor. Caso isso tivesse acontecido, teriam entrado em ação de
imediato. Como o fato não se concretizou, preferiram dar um voto de confiança ao novo
Não nos foi possível, até meados de fevereiro, empreender a ação que
tínhamos planejado. De fevereiro em diante, até 15 de março, que foi a data
que terminou a ditadura de Castello, não agimos, pois, após ter feito estudos
da situação política, cheguei à conclusão de que deveríamos aguardar um
golpe do ditador que nos parecia continuar no poder. Concluí, também, que
se ele não conseguisse dar o golpe que tentava, o próximo Governo que iria
assumir o poder seria obrigado pelas circunstâncias políticas e econômicas
que o País atravessa, a fazer algumas concessões às forças populares e dar
início ao processo de redemocratização, bem como mudar a política
econômica de traição nacional, que tinha sido posta em prática pelo ditador
34
Documento intitulado “Guerrilha de Caparaó” encontrado no DOPS/ Arquivo Público Mineiro.
35
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
47
uma discussão neste sentido. Enquanto estavam no “acampamento das varejeiras”, local em
Uma outra questão importante foi levantada recentemente por Jelcy Rodrigues
Corrêa. Ele afirmou suspeitar que o comandante da Guerrilha, Amadeu Felipe, teria se
entendido com os homens da PM Mineira na região como forma de preservar a vida de todos
realiza uma série de indagações que fortalecem a mesma hipótese defendida por Jelcy,
Amadeu: ter ordenado a descida do grupo para uma região menos segura três dias antes da
data do encontro com o pessoal da base do MNR; não se importar com o movimento de
cavaleiros e outras pessoas que passavam pelas proximidades as quais falavam sobre a
permanecia deitado na rede; entre outros aspectos. Por fim, deixa a entender que Amadeu
Felipe e Araken teriam negociado com a PM a prisão de todos os militantes (1997, p.111-
122). Amadeu afirma que o grupo estava derrotado politicamente, mas nega qualquer
36
“Os guerrilheiros da Serra de Caparaó”. O Cruzeiro, 15/04/1967, p.10.
37
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
48
Assim, a Guerrilha de Caparaó caiu sem disparar um tiro sequer. Os homens que
não se realizou qualquer trabalho político junto aos moradores da região no intuito de obter a
adesão destes ao movimento. Talvez fosse esse aspecto algo impossível ou, no mínimo, algo a
ser realizado em um longo tempo, já que a população local não possuía nenhum conhecimento
político e foi ela a principal responsável pelas denúncias que levaram a queda do movimento.
Flávio Tavares afirma que Brizola ordenou a desativação do foco que era preparado na região
de divisa entre os estados de Goiás, Maranhão e Pará (TAVARES, 1999, p.203). A mesma
ordem seria dada ao foco de Mato Grosso. A Guerrilha de Caparaó, que a princípio ganhou
grande espaço nos jornais da época, seria logo esquecida. Porém, talvez tenha servido como
influência para alguns grupos que, a partir de 1968, também tomaram o rumo da luta armada
para se opor à ditadura militar, mas agora tendo as cidades como cenário para as ações.
49
Após o golpe, muitos grupos se viram sem acesso aos canais convencionais de
participação política, passando a defender a luta armada como a única forma de se opor ao
regime militar implantado no país. Entretanto, não se pode avaliar os movimentos armados
como uma mera reação à ditadura. De acordo com Daniel Aarão Reis (2005, p.8), há uma
esquerdas como vítimas e gerando a versão de que a luta armada estaria integrada num
processo de resistência à ditadura militar: “A rigor, a ditadura, sempre segundo essas versões,
fora a grande responsável pela luta armada, redimensionada como uma reação desesperada
à falta de alternativas”.
setores da esquerda ainda durante o governo de João Goulart. A Revolução Cubana foi
interpretada por muitos como um sinal de que a tomada do poder pelas classes populares seria
possível. O próprio governo da pequena ilha caribenha buscava apoiar movimentos armados
que pudessem depor o presidente Jango, como as Ligas Camponesas e o MRT, vistos
anteriormente.
Outras organizações também agiam neste sentido. A Política Operária (POLOP), por
exemplo, defendia a preparação das “[...] massas para o levante armado, para a insurreição e
(GORENDER, 2003, p.54). O Partido Comunista do Brasil (PC do B), surgido em 1962 a
partir de dissidentes do PCB, era outra organização disposta à luta armada e pregava a
50
(GORENDER, 2003, p.54). O partido chegou a enviar dez militantes para a China para
“Decolaram pensando em derrubar Jango e quando chegaram à China tinham pela frente um
osso bem mais duro de roer, uma ditadura militar” (GASPARI, 2002, p.180).
preferira lutar pela redemocratização do país no âmbito da lei, e outra radical, defensora de
uma ofensiva revolucionária (REIS, D.A., 2004, p.42-43). Essa segunda tendência iria se
definir pela luta armada à medida que a ditadura se fechava cada vez mais. As ações tomaram
vulto no segundo governo do regime militar, o do marechal Arthur da Costa e Silva. Com o
e as ações promovidas por estas: “[...] entre 1969 e 1972, desdobraram-se ações
contexto de um governo autoritário, ainda assim ela não pode ser entendida como mera reação
socialista.
Ridenti, porém, afirma que não se pode negar que a luta das esquerdas armadas
façam parte da resistência à ditadura militar. De acordo com o autor, o termo resistência tem
um sentido mais defensivo do que ofensivo. Contudo, “[...] para usar o termo com
militar: “Pode-se usar apropriadamente o termo ‘resistência’ para essas esquerdas, pois sua
luta importou mais pelo significado de combate à ditadura do que pelo intento de ofensiva
revolucionária, mas pelo sentido defensivo que ofensivo, ao contrário da intenção original
Caparaó projetado pelo MNR? Estariam os envolvidos imbuídos dos mesmos ideais que
levaram as demais organizações à luta armada algum tempo depois, ou seja, pretendiam
Analisar tal movimento é um tanto complexo, visto o envolvimento de grupos com propostas
políticas tão diversas. Rollemberg (2001, p.30-31), a partir de entrevista com o ex-assessor de
Brizola no governo do Rio Grande do Sul e membro de seu comando no Uruguai, Paulo
Schilling, chega a afirmar que o MNR não podia ser considerado uma organização, mas um
derrubada pelo golpe e da recuperação das conquistas populares”. De acordo com Rebello
(1980, p.85), o professor Bayard Demaria Boiteux teria afirmado na época de sua prisão que a
PMMG só terem optado pela luta armada pela impossibilidade de se opor ao governo militar
pela via pacífica. Além disso, demonstravam acreditar, como já destacado anteriormente neste
52
do país38.
Entretanto, mesmo com as informações aventadas até aqui, não se pode concluir que
a Guerrilha de Caparaó foi um movimento puramente de resistência. Talvez para muitos que
de esquerda que defendiam as reformas pelas vias legais, como alguns membros do PSB, a
Guerrilha tenha se configurado como um movimento que buscava apenas dar uma resposta
àqueles que haviam tomado o poder através do golpe de 1964. Mas não se pode esquecer a
posição assumida por diversos grupos que se envolveram com projeto de Caparaó, no período
ainda do governo de João Goulart. Leonel Brizola, no auge das radicalizações, afirmava que o
país passava por um processo revolucionário. Havia evoluído de uma posição de defesa das
reformas pelas vias institucionais para uma de confronto, pregando a insurreição popular caso
FMP, liderava setores diversos formados por líderes sindicais, camponeses, estudantis e dos
esquerda reconhecia o ex-governador gaúcho como líder do movimento em prol das reformas.
“Se ele era radical, tinha pregações revolucionárias e defendia a ruptura institucional, era
Assim, Brizola e os grupos sob a sua liderança adotavam uma posição ofensiva
convencê-lo a dar um golpe de Estado com o apoio das esquerdas. Por mais que se possa
defini-lo como um político nacionalista, preso aos ideais varguistas, a posição assumida por
38
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
53
ele no momento era o da defesa da reforma pela via revolucionária, mesmo que esta não
subalternos das Forças Armadas. Quando falava em revolução, imaginava contar com o apoio
ativamente das mobilizações em prol das reformas de base. Dessa forma, o movimento da
Serra do Caparaó deve ser encarado, assim como os demais que surgiram depois dele e em
ofensiva que já se estabelecia antes do golpe. Seguindo a lógica defendida por Ridenti, no
entanto, não se pode deixar de conferir a ele o caráter de resistência, pois também se insere no
Ainda assim, é difícil estabelecer os rumos que o país tomaria em caso de sucesso da
Guerrilha. De acordo com o diário de campanha dos guerrilheiros, os integrantes do MNR que
leninistas39”. O comandante do grupo, Amadeu Felipe, afirma ter familiares com militância de
esquerda e ele próprio pertenceu ao PCB (CAPARAÓ, 2006). Além das armas e
equipamentos, foram apreendidos livros de autoria de Ernesto Che Guevara, Mao Tse-Tung,
Lênin e outros40. Somando-se ainda a aproximação com o governo cubano, reúnem-se fortes
Havia uma grande discussão até mesmo em relação ao tipo de luta a ser adotado pelo
39
Diário de campanha dos guerrilheiros/ Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da
PMMG.
40
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
54
teoria do foco guerrilheiro. De acordo com Flávio Tavares (1999, p.178), houve um momento
Entretanto, o próprio Tavares (1999, p.203) avalia que Brizola “[...] nunca esteve
muito convencido da guerrilha e aceitara tudo, e assimilara tudo, na maré que invadia o
exílio uruguaio”. Para José Wilson da Silva (1987, p.171), o ex-governador necessitava dar
uma satisfação aos cubanos pela ajuda enviada. Com o fracasso das tentativas de insurreições
a partir do Sul, não teve outra alternativa, a não ser apoiar a Guerrilha. O mesmo afirma o
guerrilheiro Araken Vaz Galvão: “Ele, o Brizola, nunca teve paixão por guerrilha. Ele foi
levado pelas contingências a nos apoiar. O Amadeu Felipe era muito claro com isso. Disse:
‘nós caminhamos com ele até onde ele for. Depois ele segue um caminho e a gente segue
projeto dos focos guerrilheiros, ainda colabora para a conclusão de que realmente não existia
de Caparaó, a mesma não foi compartilhada pela repressão. Flávio Tavares (1999, p.166)
afirma que “[...] tudo aquilo com que o regime não concordava era rotulado de ‘comunista’,
55
uma forma de proscrever e jogar ao lixo qualquer idéia nova ou mesmo a tradição antiga”.
torno do comunismo. Se esse aspecto não trouxe grandes efervescências em nível nacional,
como pode deduzir-se através da análise do material publicado pela imprensa da época, o
mesmo não se pode afirmar sobre o que ocorreu na região onde se instalou a Guerrilha. Os
sentiram ameaçados a todo o tempo de caírem sob as garras dos tão perversos comunistas.
Assim, o capítulo 3 deste trabalho tem como foco central a análise da memória dos moradores
das proximidades da Serra do Caparaó sobre o movimento, dando ênfase ao medo que estes
41
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
Capítulo 2 – O Anticomunismo
partir de uma ampla propaganda contra a ideologia comunista, mas sim buscar compreender o
de crise institucional, o comunismo surgiu como uma “ameaça à Nação”, justificando nesses
dois episódios a ruptura da legalidade através de golpes de Estado: o golpe do Estado Novo de
1937, em que Getúlio Vargas impôs ao país uma ditadura nos moldes fascistas, e o golpe
civil-militar de 1964, que depôs o presidente João Goulart, implantando uma ditadura que
perduraria 21 anos.
secundários nas pesquisas históricas. Motta (2002) nos mostra que, tanto no Brasil quanto no
Dessa forma, se faz necessário uma discussão mais ampla sobre o formato tomado
pelo anticomunismo no Brasil, o seu contexto histórico e a sua manipulação, uma vez que o
presente trabalho tem por finalidade a análise da recepção de toda essa propaganda que
colocava o comunismo como uma grande ameaça. O medo desenvolvido pelos moradores de
grande parte, o medo da imagem do comunista que, para estes, era uma realidade. Não há,
dessa forma, como escapar a uma discussão sobre a própria estrutura do mito do “comunista
e sim em uma frente que congrega grupos políticos e projetos diversos, preferindo, por isso,
falar em “anticomunismos”. O elo que conferiria uma identidade a tais grupos seria a recusa
do comunismo. Nos momentos de conflitos agudos estes se uniriam contra o inimigo comum,
questão é tão amplo que vai da direita para a esquerda, reunindo reacionários,
tema na conjuntura do golpe civil-militar de 1964, mostra que, mesmo entre os setores
tradicionais contra o presidente João Goulart na década de 1960. Entretanto, cada setor o
Berstein (1988, p.354) ajudaria a consolidar tal afirmativa ao trabalhar com a idéia
de “culturas políticas” também no plural. Para o autor, existe uma multiplicidade de culturas
políticas no interior de uma nação havendo, entretanto, áreas de valores partilhados: “Se, num
dado momento da história, essa área de valores partilhados se mostra bastante ampla, temos
então uma cultura política dominante que faz inflectir pouco ou muito a maior parte das
Esse aspecto, segundo o autor, é fundamental para que se possa compreender o modo de
constituição política das sociedades contemporâneas, “[...] baseadas que são nos diferentes
discursos através dos quais elas se enunciam e as pessoas, de acordo com esses modos, se
comportam”.
integração universal de uma determinada ideologia política que, através de uma linguagem
abrangente, torna-se capaz de intervir em todos os níveis e em todos os atos da vida humana,
inclusive sobre o seu sistema econômico. Mesmo trabalhando com a idéia de totalização
ideológica, o autor afirma que este poder de integração se realiza sempre com maior ou menor
sobre o sistema legal estabelecido como forma de conservarem seus privilégios. Isto não
política que inspirasse a todos sem restrição, ou afirmar que se produziu um discurso único
ocorreu de forma uniforme. Nesse contexto, Ansart (1978, p.76) afirma que a recepção da
mensagem ideológica ocorre de acordo com a cultura e atitudes próprias do receptor. Tal
questão será aprofundada no capítulo seguinte do trabalho, que tem como tema central o medo
formas. Entre fins do século XIX até a década de 1920, o anticomunismo assumiu a forma de
oposição a qualquer ideologia que articulasse a classe trabalhadora, não sendo tal combate
gradativamente o anarquismo nesse período. Vale lembrar que este tipo de anticomunismo era
partidos de esquerda.
de uma luta contra a tentativa de organização de uma sociedade governada pela classe
poder pelos movimentos revolucionários orientados por Moscou. O autor afirma que as duas
Mendes (2004, p.81) descreve ainda que, mundialmente, o anticomunismo teve várias
origens:
Motta (2002, p.17-18) afirma que, no Brasil, existem três matrizes que deram
Na verdade, a Igreja vinha adotando, desde fins do século XIX, uma posição de
crítica ao sistema capitalista, porém, rejeitava a luta de classes Por isso, antes mesmo da
medidas consistiam na ação do Estado que interviria nas relações trabalhistas, proibindo
melhorias nas condições de trabalho, defendendo, assim, que “[...] se praticasse uma fraterna
colaboração entre as classes ao invés da desastrosa luta entre elas” (PIERUCCI; SOUZA;
CAMARGO, 1997, p.348). Nesta Encíclica, o papa Leão XIII afirma que os socialistas “[...]
61
instigam nos pobres o ódio invejoso contra os que possuem” (ENCÍCLICA Rerum Novarum,
1962, p.65) e que a propriedade comum dos bens é “[...] injusta por violar os direitos
assassinato de padres e freiras durante a Guerra Civil Espanhola pelas forças republicanas,
general Franco, alarmaram ainda mais os católicos que iniciaram uma violenta campanha de
difamação dos comunistas. O caso da Espanha se tornava mais grave pelo fato de o país ser
reflexo de tal luta e traz como aspecto mais importante a ênfase dada ao combate ao inimigo.
Nesse momento, a Igreja temia também uma penetração da ideologia comunista nos círculos
católicos. O medo se devia ao fato de o Komintern ter aprovado uma resolução que priorizava
a aliança com setores de centro, incluindo católicos, na luta contra o avanço do nazi-fascismo.
Deve-se ainda destacar que, toda a campanha realizada por entidades católicas
1
Segundo Motta (2002, p.21), os atos anti-religiosos ocorridos durante a Guerra Civil Espanhola ainda são
objeto de muito debate. Alguns autores afirmariam que os atos se trataram de explosões populares, não uma ação
coordenada por alguma força política envolvida na luta. O autor ainda afirma que existem indícios que militantes
anarquistas teriam um maior envolvimento que os comunistas nas violências cometidas.
62
Comunista de 1935.
referência também ao México. Neste país, durante o governo de Calles na década de 1920, a
Igreja teria sofrido uma série de restrições. Religiosos e leigos que se opuseram às medidas
interessante perceber que, no caso do México, a perseguição à Igreja não foi realizada por
grupos ou por um Estado comunista. A relação se daria pelo fato de a Igreja condenar também
mexicana.
O medo do avanço comunista aumentaria ainda mais no país após o fim do Estado
Novo. Rodeghero (2002a, p.480) afirma que, nesse período, “[...] o anticomunismo católico
posteriores à queda de Vargas trouxeram um novo temor nas lideranças católicas de que fiéis
pudessem vir a simpatizar com o comunismo, medo este aumentado durante a década de 1960
XIX. Tal corrente de pensamento entendia a nação como um conjunto orgânico superior a
e a sua veneração à União Soviética. As posições nacionalistas tomadas pelo PCB em alguns
comunista seria um ‘nacionalista russo’ usando a bandeira nacionalista para enganar o povo
e explorar seus sentimentos patriotas” (MOTTA, 2002, p.32). Além disso, os anticomunistas
defendiam que as idéias revolucionárias teriam entrado no país através de imigrantes que
chegaram no início do século XX, apresentando, por isso, os comunistas como indivíduos
ideais patrióticos na defesa da união da Nação acima de qualquer conflito social ou interesse
comunista. O anticomunismo de matriz nacionalista teve maior receptividade por parte dos
militares, “sempre alertas quanto às ameaças vindas de Moscou que colocavam em risco a
unidade nacional”.
reconhecimento pela maioria protestante2. “Assim, para ser ao mesmo tempo bom católico e
anticomunismo assumiu um contorno diferente. Como o país possuía uma forte tradição
católica, isso por si só inibiria qualquer possibilidade de sucesso da ideologia comunista. “Ter
2
Como nos Estados Unidos a população é de maioria protestante, ser católico representava ser “diferente”,
havendo uma necessidade por parte daqueles que professavam o catolicismo em serem aceitos como integrantes
da mesma comunidade. Assim, o combate ao comunismo surgiu como uma forma dos católicos se apresentarem
como zelosos pela pátria e, conseqüentemente, serem reconhecidos como iguais pela maioria protestante
(RODEGHERO, 2002b, p.481).
64
nascido num país com tão fortes tradições católicas era uma espécie de salvaguarda contra o
‘vírus’ comunista. Dessa forma, o ‘bom brasileiro’ – que é católico – teria grandes chances
liberdade não era respeitada sendo praticado o autoritarismo político e a defesa da propriedade
estatal dos bens, o que ia contra a idéia do direito à propriedade defendida pelos liberais. No
entanto, é importante salientar a fragilidade do primeiro aspecto, uma vez que o Brasil
vivenciou regimes autoritários durante boa parte do século XX, o que explicaria o fato de
denúncias sobre “tirania” e “escravidão” na Rússia aparecerem muito mais do que o termo
“autoritarismo”.
A crise dos valores liberais durante a década de 1930 levou parte de nossas elites
nazi-fascismo após a Segunda Guerra Mundial, houve uma nova ascensão das idéias liberais,
o que pôde ser percebido com o novo regime instaurado no Brasil após a queda da ditadura
Todo aquele que se opusesse ao comunismo era visto como um democrata. “A democracia
que tão sofregamente se pretendia proteger não tinha conteúdo, seu sentido era vago. Não se
de destacar que religiosos e militares foram os dois grupos que mais atuaram na divulgação de
palavra ou pela ação. A base de sua atuação estaria centrada, portanto, numa atitude de
recusa militante ao projeto comunista” (MOTTA, 2002, p.XIX). Rodeghero também salienta
Uma definição de anticomunismo, portanto, não pode ser realizada sem antes
utilizando-se do pensamento de Max Weber, afirma que nenhuma prática social se define
somente por seus elementos materiais e físicos: “[...] toda sociedade cria um conjunto
necessidades culturais e os fins a alcançar”. Existem regras interiorizadas pelo indivíduo que
66
dão sentido a vida em grupo. Toda prática social é perpassada por tais regras, ordenando os
Para Baczko (1985), o imaginário social está inserido no vasto sistema simbólico
que toda coletividade produz e que, através dele, constrói sua identidade coletiva. Assim, essa
comuns, constrói modelos de bom comportamento, etc. O autor ainda afirma que, “[...]
ainda a formar as imagens dos inimigos e dos amigos, rivais e aliados, etc.” (1985, p.309).
Mais do que isso, o imaginário social é uma ferramenta eficaz para o controle de toda vida
como um conjunto de representações que dão sentido à vida coletiva, deve-se salientar que
existem grupos que possuem um maior poder sobre este imaginário e, a partir dele, exercem e
ampliam o poder efetivo sobre os demais. Chartier (1990, p.17) afirma que as representações
do mundo social “[...] são sempre determinadas pelos interesses de grupos que as forjam”.
Tanto Chartier, quanto Baczko e Ansart, indicam haver uma constante luta pelo controle dos
bens simbólicos e das representações. Tais lutas são, na verdade, combates pelo exercício do
poder: “As lutas de representações têm tanta importância como as lutas econômicas para
compreender os mecanismos pelos quais um grupo impõe, ou tenta impor, a sua concepção
do mundo social, os valores que são os seus, e o seu domínio” (CHARTIER, 1990, p.17).
pelo poder. Toda a propaganda divulgada contra o marxismo tinha por finalidade a
Karl Marx. Compreender o imaginário anticomunista, portanto, significa analisá-lo à luz dos
67
grupos que o produziram e os aspectos que os motivaram: a Igreja que se via ameaçada em ser
Malaguti Batista descreve como a idéia do caos é explorada pelos grupos mandantes
no intuito de perpetuar a estrutura desigual e excludente. Assim, o outro é visto como portador
da destruição, uma ameaça à ordem. “A produção imagética do terror cumpre então um papel
produz fantasias de pânico e ‘caos social’, que se ancoram nas matrizes constitutivas da
encarnaria, dessa forma, esse outro produtor do caos. As classes que viam nele um inimigo a
ser vencido a qualquer custo investiram numa ampla propaganda, criando um mito em torno
do revolucionário, de sua forma de ação e de seus verdadeiros objetivos. Vale lembrar aqui o
“mito do complô” desenvolvido por Girardet (1987). Para o autor, no centro de uma mitologia
caberia a ela tentar colocar em prática estratégias manejáveis como “ [...] a da corrupção, do
aviltamento dos costumes, da desagregação sistemática das tradições sociais e dos valores
morais” (GIRARDET, 1987, p.40), sendo o seu objetivo final a conquista do mundo. Girardet
(1987, p.38-39) ainda indica a forma como essa mitologia da conspiração é dirigida às
massas:
angústias levando a histeria. Ansart (1978, p.89) também nos mostra a força da propaganda na
conduzida de modo permanente por todos os órgãos de divulgação”. Assim, o comunismo foi
vítima de uma ampla propaganda que buscava o convencimento da população sobre o perigo
que este representava. Entretanto, entende-se como propaganda neste trabalho não somente as
mensagens veiculadas pelos meios de comunicação, mas de uma forma mais ampla, divulgada
também via religiosos, políticos, instituições educacionais e mesmo cidadãos comuns através
de missas, reuniões, encontros, comícios, festividades e até mesmo dentro do próprio convívio
social, via conversas informais. Toda essa propaganda divulgada contribuiu para a construção
como estratégia para afastar da população qualquer idéia que representasse transformação na
planos maléficos.
Dessa forma, não se pode deixar de discutir a própria noção de “bem” e “mal”
presente no imaginário anticomunista que, segundo Rosenfield (2003), também está fundada
na representação que uma sociedade em determinada época faz de si e dos outros. A grande
questão que o autor coloca em sua obra é a relação entre “mal” e “existência”. O existente é
tido como algo produzido pela relação humana, um fato prático, uma coisa feita, uma ação.
“Se muitas vezes o mal nos acompanha nas representações das coisas, ele o faz em função da
69
existência que atribuímos a elas segundo aquilo que, freqüentemente, estimamos digno de ser
valorizado” (ROSENFIEL, 2003, p.34). Sendo assim, o comunismo pode ser visto como um
mal a partir do momento que coloca em risco a própria representação de sociedade ideal para
aqueles que o temiam. Mais do que o comunismo como uma existência, é a ameaça que ele
passa a representar para aquilo que é existente. É o que demonstra, por exemplo, o trabalho de
Rodeghero (2003, p.140-141). Alguns de seus entrevistados viam no comunismo uma ameaça
como uma outra religião. Além disso, temiam a destruição da família, a perda dos bens e da
torno do comunista o responsabilizava por todo tipo de malefícios como a miséria, a fome, a
no período entre 1945 e 1964, também mostra como a distinção entre bem e mal foi explorada
por grupos que combatiam o comunismo. Este, segundo a autora, se igualava a outras
criando, assim, uma contraposição entre cristianismo e comunismo ou, como afirma Motta
mobilização anticomunista. Devido a este fato, não é de se estranhar que se tenha explorado
70
tanto essa ligação entre marxismo e demônio. Uma vez que se apresentava como um perigo à
sobrevivência da própria Igreja, o comunismo era tido como “cria de satanás”. Vale aqui
lembrar a própria construção da figura do demônio pelo cristianismo. Nogueira (2000) mostra
que a figura de satã surgiu como o inimigo implacável de Jesus, tramando sempre a ruptura da
fidelidade a Deus e pondo a perder corpos e almas dos seguidores da doutrina cristã. O bem e
o mal perpassam a vida de todos, sendo livre a escolha de cada um pelo caminho a seguir. Na
Igreja primitiva havia um otimismo em relação à vitória do bem sobre o mal. No entanto,
durante a Idade Média, esta perspectiva mudou: o mal ainda estava por ser vencido e o diabo,
mais forte do que nunca, se mostrava presente em todos os lugares (NOGUEIRA, 2000, p.46-
50). De acordo com Guimarães (1950, p.47), a religião é a responsável pela sobrevivência do
diabo por tão longo tempo. Para Nogueira (2000), afirmar que o demônio havia sido derrotado
colocaria em risco a própria existência da Igreja Católica, sendo necessário, por isso, que esta
fortalecesse a imagem de seu inimigo. Dessa forma, inicia-se uma perseguição àqueles que
estavam inseridos no seio da comunidade cristã, mas que colaboravam para aumentar o poder
do Maligno:
Assim, pode-se afirmar que o comunismo no século XX veio substituir o que antes
era representado por bruxas, feiticeiras, judeus, turcos, protestantes, etc. O próprio Nogueira
(2000, p.84) demonstra que, por causa das convulsões sociais, ocasionadas pela desigualdade
e miséria, as cidades eram tidas como “[...] território preferencial dos demônios”. O
revolucionário, assim, poderia ser a atualização dos descontentes das eras medieval e
moderna. Aparecia como a encarnação do inimigo a ser vencido pela Igreja, a nova estratégia
71
sofrimento:
De acordo com Motta (2002, p.62-66), o comunismo aparecia como um desafio aos
valores tradicionais da moral cristã. Sua tentativa em desvirtuar a “boa sociedade” era
somente mais um passo dentro do intuito maligno de destruir a própria Igreja. Portanto, os
revolucionários eram apresentados como imorais e tinham como alvo principal a destruição
do pilar básico do edifício cristão: a família. Como a encarnação do mal, o comunismo levaria
colocá-las em risco. Esse tipo de discurso dava especial destaque à União Soviética,
e econômica. O comportamento também havia passado por uma revolução. Para começar, o
casamento havia perdido o seu caráter sagrado, passando a ser um ato exclusivamente civil. A
possibilidade do divórcio também assustava os defensores da moral cristã. Além disso, houve
livrar a mulher da submissão e da função doméstica a que era imposta. A ela caberia agora o
substituído, em parte, por creches, escolas e cozinhas coletivas. Assim, o governo soviético
esvaziava a instituição familiar, rompendo com o seu sentido básico de existência, na medida
em que as crianças estariam “[...] do berço até a idade de entrar no mundo trabalho, sob os
72
cuidados do Estado” (MOTTA, 2002, p.65). Outros aspectos completariam essa exploração
da imagem dos comunistas como imorais: a permissão do aborto na URSS, a educação sexual
manifestações anticomunistas no Brasil na década de 1960, mostra bem esse tipo de ataque à
URSS. Segundo um pequeno artigo publicado na revista, a própria imprensa soviética vinha
dando grande destaque à desagregação familiar que ocorria internamente. Até mesmo jornais
ligados às Forças Armadas reclamariam que os atritos familiares vinham trazendo transtornos
e preocupações ao alto comando das tropas soviéticas. O texto trazia a imagem de um país
onde os jovens já não se interessavam mais pelo matrimônio, preferindo fazer o que
quisessem, onde casais muito novos não viviam em harmonia e que os maridos adotavam
atitudes negligentes em relação às esposas, sem especificar que negligências seriam estas.
Mais ainda, como conseqüência, o país assistia a uma onda crescente de crimes sexuais,
aumento da prostituição e que muitos só se casavam para adquirir do Estado uma casa ou
comunismo seria o conceito de bolchevismo moral e cultural criado pelo arcebispo de Porto
73
derrota da Intentona Comunista, dom Vicente utilizou o termo com o objetivo de alertar a
população para aqueles que, ao atentarem contra a moralidade e os bons costumes, abriam a
porta para o comunismo facilitando a sua vitória. Para o arcebispo, os meios utilizados por
estas pessoas seriam “[...] as estações de rádio; inúmeras revistas contendo ‘ilustrações
nos palcos; os espetáculos desonestos nos quais a nudez era a atração única e exclusiva”
protestos políticos também eram comuns por aqui, sendo reforçado, dessa forma, o “[...] ideal
de mulher submissa, caseira, recatada e alheia aos problemas de cunho político, apenas
admitindo como suas funções representar o papel de esposa, ser boa mãe e garantir a
Igreja via a mulher como mais vulnerável às investidas do demônio que o homem: “[...] sua
vítima é, por excelência, a mulher” (NOGUEIRA, 2000, p.42). Girardet (1987, p.41) também
torno dos homens do complô: “Habilmente colocada a serviço da Organização, não menos
habilmente levada para os braços dos poderosos deste mundo, é a ela que caberá a tarefa de
imaginário anti-soviético que mostrava o país como ditatorial, ateu, imoral, assassino,
diabólico e que condicionava seu povo à miséria e à exploração. Aqui vale lembrar que havia
uma verdadeira luta pela representação sobre a URSS, já que os comunistas o apresentavam
comunismo “[...] tinham presença marcante no imaginário popular, que os classificava como
hiena, a hidra, o lobo, o abutre, o dragão, entre tantos outros. Rodeghero (2003, p.36) afirma
que as características atribuídas a estes animais eram transferidas aos comunistas: “[...]
escravizados; ser astuto e falso; ser predador e disfarçar-se de inocente”, entre outros
Muito comum também era o uso de doenças e outros agentes infecciosos. A ação
revolucionária era comparada à peste, praga, bacilo, veneno, vírus, câncer, etc. Assim como
tipo de imaginário imposto pelo anticomunismo guardava certa proximidade com a idéia de
que os comunistas eram agentes estrangeiros a serviço da União Soviética, foco propagador
da “ameaça revolucionária”. Essa visão foi mais explorada durante a Guerra Fria. A partir da
década de 1960, no entanto, China e Cuba passaram também a fazer parte das denúncias de
um bloco coeso formado pelas nações socialistas, ocultando as divergências existentes entre
elas.
responsáveis por terem trazido as idéias perigosas para o Brasil, como visto anteriormente.
católicos, pela criação das idéias revolucionárias. A Ação Integralista Brasileira deu ênfase ao
75
envolvimento com as grandes revoluções que deram início à era moderna, sendo a revolução
comunista a última etapa rumo à tomada do poder em todo o mundo. A Revolução Russa de
Pode-se constatar que muitas das imagens utilizadas pelos anticomunistas para
desvalorizar o inimigo já povoavam a mente popular. Girardet (1987, p.51) afirma que, para
imaginário. Dessa forma, o diabo, a conspiração judaica, a ameaça estrangeira, enfim, vários
população, sendo apenas adaptadas ao novo inimigo que surgia. O comunismo, assim, era
representado muitas das vezes de forma exagerada e grotesca. No entanto, Motta (2002, p.87-
novamente a Girardet (1987, p.52-53), o autor afirma que nenhum mito político atua
exclusivamente no plano da fábula, tendo sempre uma base real para que possa ter sucesso.
acontecimentos, esquecida; do substrato histórico não restam mais que alguns fragmentos de
lembranças vividas, diluídas e transcendidas pelo sonho”. Além disso, Rodeghero alerta para
dois aspectos importantes: primeiramente, o fato de muitos grupos tachados como comunistas
como um perigo por ser uma ideologia capaz de articular a classe trabalhadora, o que levava
as elites dirigentes a combatê-lo, após a Revolução Russa de 1917, ele se torna uma realidade
fortalecendo uma mobilização poderosa que visava deter as suas possibilidades de avanço.
Motta (2002, p.XX) afirma que “[...] a força do comunismo, consubstanciada na expansão
No período entre 1917 e 1930, a ideologia teria sido vista como uma ameaça distante, um
problema que tinha a ver muito mais com a realidade européia e asiática do que a brasileira.
Ainda assim, temiam-se atividades revolucionárias em território brasileiro, uma vez que havia
vanguardas operárias organizadas e surtos grevistas, além da criação do PCB em 1922 que
maior mobilização comunista no país, o que trouxe em contrapartida uma onda anticomunista
um novo temor em relação a uma revolução bolchevique no Brasil. O grupo que se agregou
para tomar pelas armas o poder era muito heterogêneo3: “No interior da ampla coalizão havia
3
Alceu de Amoroso Lima demonstraria sua preocupação em relação à heterogeneidade do movimento de 1930
ao afirmar haver “[...]‘entre eles uma corrente racional, tradicional e cristã’, em oposição a uma outra
77
civis e militares, radicais e conservadores, liberais e antiliberais, este último dividido entre
pelo novo governo não eram claros e os setores antiliberais conquistaram um grande espaço, o
que gerava uma forte apreensão entre os setores conservadores da sociedade. Militantes
católicos conservadores, por exemplo, criticavam o movimento por ser uma “revolução” e por
p.72-73). Além disso, algumas medidas adotadas pelo governo provisório deram origem a
críticas de que o país rumava para o comunismo. A primeira foi a nomeação do tenente João
Alberto como interventor de São Paulo, já que este fora acusado de proteger comunistas e de
permitir o funcionamento do PCB. A segunda foi a proposta, recusada por Getúlio Vargas, de
reatar relações diplomáticas com a União Soviética4. A terceira foi a adoção de uma política
intervencionista pelo próprio Vargas, a qual propiciou o advento de críticas de que o país
rumava para o comunismo, principalmente por parte dos cafeicultores, acostumados com a
política liberal. Tais afirmações não tinham fundamento, uma vez que o próprio governo
fez com muitas pessoas passassem a enxergar no comunismo a saída para os graves
problemas brasileiros. Motta afirma que a adesão ao marxismo-leninismo por Luiz Carlos
Prestes, líder tenentista sobre o qual pairava o mito do “Cavaleiro da Esperança”, teve poder
de influenciar muitos grupos que o tinham como o maior líder popular do país (MOTTA,
ideologia.
‘demagógica, libertária, que fatalmente levaria ao materialismo comunista e à perseguição da tradição cristã’”.
(SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000, p.73).
4
O Brasil havia rompido as relações diplomáticas com a Rússia após a tomada do poder pelos bolcheviques.
78
década de 1930. De um lado, o PCB, engajado numa luta antifascista, buscava o apoio de
que combatiam um ao outro. Essa radicalização levou o Estado a adotar medidas repressivas
grupos de esquerda sob a liderança do PCB. A ANL tinha como fundamentos ideológicos a
manifestos expondo a sua causa, a organização munia o governo de argumentos para fechá-la.
Após um manifesto escrito por Prestes, em 05 de julho de 1935, onde conclamava o povo
utilizou da LSN para colocar um fim às atividades da ANL. Motta (2002, p.183) afirma que a
repressão estatal contra a ANL não decorria apenas do temor frente ao comunismo, mas sim
Além deste aspecto, o governo tinha outros dois motivos para fechar a ANL:
segundo, o fato de o PCB estar à frente do movimento. É certo que houve exagero no tom
dado às denúncias, colocando a ANL como um simples braço do PCB. No entanto, não se
anticomunista que se desenvolvia nos jornais após o início das mobilizações de esquerda.
novembro daquele ano, mais conhecido como Intentona Comunista, foi o responsável pelo
maior surto anticomunista que o país já havia visto até então. Iniciado em um quartel na
cidade de Natal e que veio a refletir em quartéis de Recife e do Rio de Janeiro, o movimento,
que não contou com uma grande participação de civis, foi vencido pouco tempo depois.
discutir o próprio caráter comunista do movimento. Como já citado, a ANL era liderada pelos
comunistas, tendo em Prestes a sua figura de maior expressão. Além disso, de acordo com
Fausto (2001, p.361), Moscou havia enviado ao Brasil alguns de seus quadros dirigentes
vários setores da esquerda que não comungavam dos mesmos ideais do PCB. Mesmo assim,
Outro aspecto que ficou marcado na construção realizada a partir da Intentona foi a
idéia de dupla traição: os revoltosos seriam traidores da corporação militar da qual eram
membros ao se levantarem em armas contra ela, e traidores da Pátria na medida que iniciaram
um movimento sob ordens de uma potência estrangeira, a União Soviética. No que tange à
traição da corporação militar, surgiram notícias de que alguns oficiais haviam sido
assassinados enquanto dormiam5, o que criava uma imagem dos revoltosos como covardes.
5
Pelos indícios, somente um oficial teria sido assassinado e, mesmo assim, em condições diferentes daquelas
exploradas pela imprensa da época (MOTTA, 2002, p.80-81).
80
Ainda foram explorados alguns fatos que, ao que tudo indica, não ocorreram: estupros,
Deve-se também lembrar que, desde a Revolução Russa em 1917 até 1935, o
comunismo ainda representava uma ameaça distante, como já discutido. A Intentona gerou
mais forte. Todo esse clima foi utilizado pelos setores conservadores da sociedade para
alarmar a população. Motta (2002, p.193) afirma que o caráter manipulador da campanha
anticomunista pós 35 deve ser relativizado, já que havia um medo sincero do comunismo e
quando denunciaram o ‘perigo comunista’. A situação era de molde a causar uma reação de
Porém, o mesmo não se pode afirmar sobre Vargas. O presidente soube manipular
toda essa apreensão ocasionada pela Intentona a seu favor. O movimento foi trabalhado de
permaneciam à espreita, esperando o melhor momento para tomar o poder. Como forma de
manter viva a lembrança do levante, o dia 27 de novembro, momento da derrota dos últimos
grupos de revoltosos, tornou-se data comemorativa oficial das Forças Armadas, havendo a
presidente. Foi construído também um monumento aos mortos na Intentona que “lutaram em
favor da ordem” no cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. “A rememoração dos fatos
ocorridos em 1935, melhor dizendo, das versões sobre eles, tornou-se uma arma importante
(MOTTA, 2002, p83-84). Pollak, utilizando um conceito de Henry Rousso, define como
“memória enquadrada” aquela construída como forma de manter a coesão interna e defender
produzir discursos organizados, tarefas muitas vezes realizadas por atores profissionalizados:
museus, bibliotecas, etc.” (POLLAK, 1989, p.10). Neste sentido, construir uma memória
sobre a Intentona não significava somente relembrar o momento em que o país quase foi
tomado pelos comunistas. Consistia, sobretudo, em mostrar que o perigo continuava próximo
e que o país deveria manter-se unido para não cair nas garras dos revolucionários. Mais ainda,
a construção de uma memória em torno do movimento de 1935 tinha por fim fortalecer a
figura de Vargas, visto como o único capaz de derrotar o comunismo. Necessitava-se, então,
de uma união nacional em torno do presidente para que este colocasse um fim definitivo ao
grupos políticos passaram por cima de suas diferenças em nome da defesa da Nação, pois se
independente da cor partidária” (MOTTA, 2002, p.196). A imprensa teve papel fundamental
fatos ocorridos durante o levante. Muitos jornais teriam, inclusive, pressionado o Estado no
exigiram um tratamento duro aos revoltos e medidas mais fortes de combate ao comunismo.
vista no país até então. Entre os presos do período estavam não só comunistas como também
Segurança Nacional, TSN. Tais grupos temiam que a justiça comum fosse branda nas
punições aplicadas aos revolucionários, e defendiam a criação de uma justiça especial para os
crimes políticos. Para garantir a sua eficiência, o TSN contava com juízes nomeados
Além das medidas repressivas adotadas pelo Estado, o período ficou marcado
agentes envolvidos em tal tarefa eram o próprio Estado, a imprensa e a Igreja Católica. “Na
ótica dos grupos conservadores, tratava-se não só de combater o inimigo pela força, mas
‘expeli-lo dos espíritos’” (MOTTA, 2002, p.210). Divulgou-se imagens dos comunistas
como forma de manter a população apreensiva. Junto aos jornais da grande imprensa e dos
principalmente na grande imprensa. Motta (2002, p.214) afirma que tal fato talvez tenha
de reprimir a ação revolucionária no país. Este sentimento de maior segurança fez com que
83
pondo um fim ao Estado de Guerra6 imposto desde a Intentona Comunista. Grupos políticos
ansiavam pela liberdade para darem início à corrida pela presidência, já que as eleições
estavam previstas para o ano de 1938. Muitas medidas sinalizavam o retorno à normalidade:
país.
tona mais uma vez o clima de medo e mobilizando as elites conservadoras do país. Dessa
armação dos comunistas: o Plano Cohen. O texto datilografado pelo então capitão Olímpio
Mourão Filho7, no Ministério da Guerra, mostrava um falso plano de revolução. Mourão foi
surpreendido e o documento foi parar nas mãos do presidente Vargas. “Cohen – um nome
judaico não por acaso, dado o anti-semitismo dos integralistas – era o autor fictício do
plano” (PILAGALLO, 2002, p.55). Neste sentido, deve-se destacar a ligação entre judaísmo e
O Plano Cohen foi divulgado pela imprensa como uma tentativa real de conspiração,
dando ao governo a justificativa que necessitava para decretar novamente o Estado de Guerra:
6
O Congresso aprovou o Estado de Sítio em 25 de novembro de 1935. Entretanto, julgando as medidas de
combate ao comunismo insuficientes, o governo elaborou um projeto que modificava a LSN e equiparava, assim,
o Estado de Sítio ao Estado de Guerra, sendo prorrogado sucessivamente até junho de 1937. (FAUSTO, 2001,
p.361).
7
Mourão Filho era adepto do integralismo. O texto datilografado pelo militar teria apenas função didática sendo,
provavelmente, utilizado pelos integralistas para discutirem estratégias em caso de uma hipotética tentativa de
revolução comunista.
84
de igrejas etc.” (FAUSTO, 2001, p.363). Vargas já dava sinais de que não queria deixar a
golpe de Estado, marcado para o dia 15 de novembro. No entanto, como já não era mais
surpresa para muita gente8, o presidente antecipou-o para o dia 10 do mesmo mês, ordenando
o cerco ao Congresso por policiais militares9 e o seu fechamento, seguido de sua dissolução.
A prova de que o golpe já havia sido preparado com bastante antecedência é que, no mesmo
O Estado Novo implantado por Vargas só foi possível em razão da angústia vivida
por parcelas da população diante da ameaça comunista que pairava no ar. O golpe contou com
total apoio de anticomunistas radicais, entre eles integralistas e católicos. O combate aos
então, que o “[...] novo regime coincidiu com a consolidação do imaginário anticomunista na
2002, p.230).
O fim do Estado Novo, porém, representou uma nova apreensão por parte de alguns
proporcionasse o avanço das esquerdas. O medo se tornaria maior após o relativo sucesso do
PCB nas eleições de 194510. Além disso, houve no país um notável crescimento dos meios de
comunicação, o que também incomodava aos líderes católicos preocupados com a sociedade
brasileira. Rodeghero (2003, p.71) afirma que a maior parte dos meios de comunicação
8
O presidente Vargas já havia avisado os governadores dos estados para garantir o apoio a seus planos golpistas.
No entanto, um apelo de Sales Oliveira para que o golpe não acontecesse fez com que ele, na verdade, fosse
precipitado (PILAGALLO, 2002, p.55).
9
O ministro da Guerra, general Dutra, se opôs à utilização de homens do Exército na ocupação do Congresso,
tendo Vargas recorrido à polícia militar (FAUSTO, 2001, p.364).
10
O PCB elegeu quatorze deputados federais, entre eles João Amazonas, Gregório Bezerra, Carlos Marighella e
Jorge Amado, e um senador, Luís Carlos Prestes.
85
passou a ser vista como “[...] porta-voz do anticristianismo, inimigos da pátria, depravadores
Guerra Mundial e o início da Guerra Fria. O crescimento da área sob influência soviética
qualquer custo, o avanço do comunismo. Assim, os Estados Unidos adotaram uma postura de
líderes do “mundo livre” e direcionaram o seu poder e riqueza para a sustentação de grupos
material” (MOTTA, 2002, p.XXI). No entanto, devemos lembrar que o Brasil tomou medidas
Gaspar Dutra iniciou a perseguição aos comunistas ainda no ano 1946, quando se deu o início
do processo contra o PCB. O partido, que havia conquistado o direito à legalidade durante a
abertura política no fim da ditadura varguista, teve o seu registro cassado pela justiça em
1947. Segundo Gorender, Prestes e outros líderes do partido passaram a defender o pacifismo
e expor sua crença nos bons propósitos da burguesia nacional, recomendando aos
No entanto, “[...] a burguesia ‘progressista’ não se impressionou tanto por semelhante boa
vontade quanto pelos êxitos eleitorais dos comunistas nas maiores cidades do País. Achou
justificativa utilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral para cassar o registro partido foi que
em caso de guerra entre Brasil e União Soviética, os membros do PCB optariam por lutar ao
lado do segundo. O argumento partiria de um depoimento de Luiz Carlos Prestes que, ao ser
interpelado no Congresso sobre a sua posição diante de uma guerra entre os dois países, teria
2002, p.68). Dessa forma, o PCB, além de ter seu registro cassado pela justiça, teve suas sedes
diplomáticas com a União Soviética no ano de 1947. Neste aspecto, o próprio governo dos
Estados Unidos considerou a atitude brasileira como precipitada, o que, segundo Motta (2002,
p.3), atesta que havia uma autonomia de nossas autoridades sobre a questão. Dutra criou
também a Escola Superior de Guerra (ESG), em fins da década de 1940. Ligada diretamente à
Guerra Fria formulada em Washington. “Não se tratava mais apenas de defesa nacional,
porém em menor escala do que a ocorrida em meados das décadas de 1930 e 1940. Neste
sentido, vale lembrar que o segundo governo Vargas e o governo de Juscelino Kubitschek não
entendiam o comunismo como uma grande ameaça, o que deu ao período um tom mais ameno
às críticas aos revolucionários. No caso de JK, deve ser lembrado que este contou com o
apoio dos comunistas em sua eleição para a presidência da República. Porém, mesmo
contando com tal apoio, JK adotou o discurso anticomunista que, segundo Rodeghero (2002a,
p.75), era voltado à opinião pública, à parte de seus apoiadores e aos opositores. O PCB teve
certa liberdade em seu governo, sendo reprimido somente em ações consideradas subversivas,
como a manifestação estudantil ocorrida em meados de 1956 contra o aumento das tarifas de
bondes no Rio de Janeiro. Nesta ocasião, o presidente teria adotado uma série de medidas
contra Luiz Carlos Prestes, que havia sido arquivado. Rodeghero (2002a, p.82-83) analisando
87
Neste sentido, o corpo diplomático entendia que os brasileiros eram tolerantes em relação ao
O anticomunismo da década de 1950, realmente, não seria tão forte quanto aquele
militar imposto contra o presidente João Goulart em 1964. Os motivos para o aumento da
Externamente, a América Latina se viu tragada por completo pelo clima da Guerra
Fria após a Revolução Cubana. A aproximação do governo de Fidel Castro com a União
Soviética alarmou os Estados Unidos, que passaram a ver a pequena ilha como um foco
natureza repressiva, propagandística e social em relação aos países da região, como forma de
(2002, p.232) afirma que, no Brasil, já havia uma tradição anticomunista consolidada, sendo a
Revolução Cubana mal recebida pelos grupos conservadores mobilizados na luta contra o
palestras, etc. Para tanto, utilizava-se da mesma estratégia dos comunistas, ou seja, agir sub-
diplomacia norte-americana:
tendência esquerdista, tiveram outro motivo para se alarmar ainda mais: o presidente Jânio
Quadros, que havia tomado posse em 1961, deu início a uma política externa independente, se
aproximando dos países não-alinhados aos Estados Unidos na Guerra Fria. Além disso, Jânio
condecorou o revolucionário Ernesto Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul e havia
Entretanto, a tensão dos anticomunistas aumentaria ainda mais: sete meses após a
posse, Jânio Quadros renunciou, abrindo caminho para João Goulart chegar à presidência.
Jango era visto com receio por grupos conservadores pela sua proximidade com setores da
89
esquerda. O PCB o havia apoiado nas duas vezes em que concorreu à vice-presidência da
República. A própria legenda do presidente, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), era vítima
de críticas dos anticomunistas, devido às posições reformistas adotadas por uma significativa
comunistas. O governo de Jango foi acusado ainda de abrigar membros do PCB em várias
esferas governamentais, entre outros fatos que levaram o presidente a ser vítima de poderosas
críticas.
Os aspectos assinalados até aqui proporcionaram uma forte reação dos grupos
destaque dado pela grande imprensa a tais assuntos. A alta hierarquia católica, empresários,
anticomunista que o país já viu, produzindo um clima de medo que proporcionou a derrubada
de Jango.
organizações mobilizaram-se para divulgar tais imagens, afirmando ser este o cenário que
radicalizações das mobilizações ocorridas no governo Jango, os jornais haviam adotado uma
dos movimentos populares, o anticomunismo passava a tomar a imprensa: “Ela foi, sem
dúvida, um dos vetores de divulgação do fantasma do comunismo, que foi utilizado como uma
em torno da tomada do poder no país por comunistas. As duas entidades atuaram não só no
candidatos anticomunistas. Segundo Motta (2002, p.242), o IBAD teria gasto milhões de
dólares na campanha eleitoral de 1962. Como não conseguiu explicar a origem de tal
(1983, p.65) vai mais longe, afirmando que tanto IBAD quanto o IPES teriam estreita relação
com a CIA, “[...] que lhes forneceu orientação, experiência e mesmo recursos financeiros,
democrático”. Segundo Mendes (2004, p.82), a Ação Democrática Parlamentar (ADP), bloco
de panfletos, revistas, jornais, etc. a atividades diversas, como manifestações públicas e, até
grupos formados por mulheres, como a Campanha da Mulher pela Democracia (CAMDE) e a
Liga da Mulher Democrata (LIMDE); por trabalhadores, como a Resistência Democrática dos
Trabalhadores Livres (REDETRAL); por estudantes como o Grupo de Ação Patriótica (GAP),
11
Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES) e Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD).
12
Motta (2002, p.155) afirma existirem poucas fontes documentais que esclareçam a estrutura e funcionamento
interno das organizações terroristas anticomunistas. Segundo o autor, havia um desinteresse da polícia em
investigar tais grupos, o que dificulta ainda mais a pesquisa sobre o tema.
91
entre outros. Muitas dessas organizações possuíam íntima ligação com a Igreja Católica,
muitas vezes tendo religiosos à frente. O trabalho de Starling destaca o Movimento por um
Mundo Cristão (MMC), de Belo Horizonte. Esta organização, criada em 1956, contava com a
liderança do padre João Botelho e tinha por objetivo a defesa dos valores morais tradicionais.
Para tanto, utilizava-se dos meios de comunicação de massa, tendo, inclusive, um programa
Inconfidência, Itatiaia e Jornal de Minas. Na década de 1960, a organização foi cooptada pelo
complexo IPES/ Novos Inconfidentes, trazendo uma alteração no foco principal de sua luta: o
efeito destruidor que este teria sobre a moral: a ‘destruição da família’, a ‘permissividade
sexual’, etc.” (STARLING, 1986, p.217). A organização fez ampla campanha em favor dos
candidatos comprometidos com o combate ao comunismo nas eleições de 1962 e teve forte
1964.
manifestações anticomunistas. Segundo Starling (1986, p.235), o padre Caio de Castro teria
“Cruzada do Rosário em Família”, comanda pelo padre norte-americano Patrick Peyton, que
conclamava os fiéis católicos a rezarem o terço como forma de barrar o avanço comunista.
Starling (1986, p.237-238) levanta a hipótese deste movimento ser articulado pelo próprio
algumas publicações católicas da década de 1960. Uma revista voltada para o auxílio de
religiosos no momento das pregações traz uma importante visão do posicionamento do clero.
92
igualdade por ela defendida ser impossível: “[...] cada um tem qualidades diferentes” (O
mandamentos:
Uma outra publicação católica do ano de 1964 traz uma série de pequenos textos
território brasileiro. O texto transpõe um trecho das palavras proferidas pelo cardeal-arcebispo
do Rio de Janeiro, dom Jaime Câmara, em seu programa de rádio “A Voz do Pastor” no dia
se referindo ao próprio presidente João Goulart. Mais à frente, o texto afirma existirem
dos Trabalhadores (CGT), Pacto de Unidade de Ação13 (PUA), Pacto de Ação Conjunta
(PAC), Fórum Sindical dos Debates e outras, haviam levado para São Paulo a luta sindical
para “[...] apunhalar o coração econômico do País” (REVISTA Eclesiástica Brasileira, 1964,
p.208).
dos Adultos, idealizado por Paulo Freire. O artigo afirma que o projeto em si não é ruim,
de São Paulo, padre Januário Baleeiro, afirmou que a intenção do governo não seria
ao “Partido Comunista mundial”, sendo uma central ideológica que busca realizar a revolução
13
O texto traz outra designação para a sigla PUA: Pacto de Unidade de Associação.
94
A mesma Revista ainda traria pelo menos outros dois pequenos artigos com críticas
ao comunismo: num deles se fala sobre o perigo de a Argélia, após 7 anos de guerra, se tornar
uma nova Cuba, e o outro, já discutido anteriormente, relata a desagregação familiar na União
Soviética.
1961-1964, Motta (2002, p.246) afirma ter havido “[...] uma espécie de ecumenismo
lugar nas mobilizações do período”. Segundo o autor, a própria hierarquia católica teria dado
que levou à deposição de João Goulart. Grande parte da alta hierarquia militar, influenciados
pela Doutrina de Segurança Nacional, via no comunismo um inimigo que havia instalado suas
era uma tentativa dos militares de teorizar as estratégias adotadas pelos comunistas para
conquistar o poder em várias nações, sobretudo do Terceiro Mundo. Estes iniciariam sua ação
através de uma guerra psicológica no intuito de obter o controle sobre as massas populares e
(MOTTA, 2004, p.300-302). Vale destacar que, de acordo com Motta (2004, p.300), os
formuladores da DSN tinham outros objetivos além do combate ao comunismo como “[...] o
fronteiras [...]”, mas que esta não pode ser compreendida adequadamente sem o seu
95
1960 não pode ser explicado somente pela DSN, e sim que este era “[...] um anticomunismo
elaboradas pelo pensamento militar no quadro da guerra fria, como Guerra Revolucionária e
participação na campanha que culminou com a deposição de João Goulart. Mendes (2004,
p.89-90) defende que, se no seu surgimento, em meados da década de 1940, a UDN se definia
aliança, capaz de unir até mesmo adversários em favor do combate às atividades consideradas
do comunismo, uma coalizão conservadora formada por militares e civis tramou a derrubada
de Jango, colocando o Brasil no sombrio cenário de uma ditadura que duraria 21 anos.
mesmo utilizando praticamente das mesmas imagens que já eram relacionadas aos
revolucionários em épocas anteriores, produz uma sensação de que o perigo desta vez era
maior e de que estariam todos prestes a serem dominados por grupos que professavam a
da Família com Deus pela Liberdade”, não podem ser entendidas somente como atos de
grupos comprometidos com combate ao comunismo, mas também como ações de pessoas que
realmente o temiam.
muitas vezes, discursos diferentes para combatê-lo. Daí a pergunta: como a população comum
dúvidas do temor que boa parte das pessoas nutria em relação a ele. Mas a reação destes, com
certeza, não se dava da mesma forma. A imagem do comunista que causava terror a um grupo
Dessa forma, o terceiro capítulo deste trabalho realiza uma discussão referente à
recepção do anticomunismo por uma população simples de interior, dando ênfase aos
aos centros urbanos, como será visto adiante, tais pessoas não deixaram de ser alvo da
militar estabelecido após o golpe de 1964, o medo toma conta da região. Os comentários de
que tais homens seriam comunistas fizeram com que os moradores das áreas pesquisadas
O capítulo seguinte, o principal deste trabalho, tem como foco a população residente
relação ao guerrilheiro e simpatia com as tropas que se locomoveram para a área, permite
analisar o poder da propaganda anticomunista sobre uma população humilde, como será
mobilizar uma grande parcela da população em função do combate a um inimigo comum, por
outro lado, não se pode ter uma melhor compreensão da força deste fenômeno se não analisar-
se a reação das pessoas em relação ao próprio comunismo. Em geral, sabe-se que a ameaça
revolucionária foi capaz de unir até mesmo grupos divergentes em campanhas que
que o anticomunismo exerceu sobre a população não basta que se estude somente esses
momentos de ruptura institucional, uma vez que tais eventos não se constituíram em levantes
constituíram em ações lideradas e executadas pelas classes privilegiadas do país com o intuito
Motta (2002, p.198-199 e 276) afirma, porém, que não se pode considerar toda a
grotescos. Entretanto, esse exagero faria parte da estratégia para aterrorizar a população e
98
criar melhores condições para reprimir os comunistas, uma vez que a própria elite social do
É nesse contexto que se insere o foco central desta pesquisa: como as camadas mais
baixas da sociedade teriam reagido diante do imenso aparato propagandístico que compunha
lembrar-se que tais camadas praticamente não aparecem nos documentos utilizados pela
anticomunista se torna, dessa forma, o centro deste estudo. Rodeghero (2002b, p.465) defende
Vale lembrar que, da mesma forma que o anticomunismo não se constitui num
fenômeno único, assumindo várias formas e tendo sido propagado por grupos distintos, a
recepção ao discurso anticomunista também não assumiu a mesma forma para toda a
Caparaó. Deve-se destacar um outro aspecto importante deste estudo, ou seja, que a análise
ocorre em um momento de trauma para tais pessoas. O período estudado se dá entre fins de
1966 e, principalmente, o início de 1967, período em que a região foi o cenário da tentativa de
Caparaó.
99
tomou grande parte dos moradores locais. Ao mesmo tempo, em algumas localidades se
região para o combate à Guerrilha. A memória, dessa forma, se torna a principal fonte para a
perigo iminente.
As emoções durante muito tempo foram rejeitadas pela historiografia. A busca por
uma análise objetiva fez com que o historiador se esquecesse de quanto o comportamento
humano é regido por sentimentos e emoções, tanto no nível de nosso convívio social
cotidiano quanto nas próprias relações políticas tramadas no interior das instituições. Assim,
homem, por saber desde cedo que irá morrer, tem no medo uma defesa essencial contra os
morte”.
100
medos que agem sobre o homem: “É ele, o criador das mais descabeladas fantasias do céu e
do inferno”.
conjunto de imagens no qual se estrutura essa emoção, em que nível a vida em sociedade é
discussão importante, aquela referente à memória. Para que o estudo do medo vivenciado pela
população naquele contexto fosse possível, a História Oral foi a principal ferramenta
metodológica utilizada. Através dos depoimentos dos moradores da região pesquisada, foi
(2002a, p.172), que também se apoiou em fontes orais para analisar o imaginário construído
Segundo Izquierdo (2004, p.37), as emoções têm forte influência sobre a memória:
“Gravamos melhor, e temos muito menos tendência a esquecer, as memórias de alto conteúdo
emocional”. Halbwachs (2004, p.35) afirma que, numa relação entre uma pessoa amada e
outra que amou, a segunda se recordará mais facilmente de eventos, declarações e promessas
do que a primeira. Esse fato se dá pelo alto teor emocional que envolveu o segundo e, no
entanto, não envolveu o primeiro da mesma forma. Assim, o autor também ressalta como a
de determinados eventos.
101
Sendo o medo uma emoção, ele tem um forte poder de impacto sobre a memória. Os
apreensão, medo ou angústia, geralmente surgem de forma mais clara à memória. Mais ainda,
enquanto uma emoção-choque, o medo pode provocar as reações mais diversas e inesperadas
em um indivíduo:
Entretanto, essa emoção-choque ao mesmo tempo em que tem um forte poder sobre a
atividade de relembrar um acontecimento, ela também pode trazer bloqueios. Por ser um
aspectos do ocorrido ou mesmo de todo o seu conteúdo, como pode trazer facilmente à tona
todas as memórias, mas ocasionar dificuldades em narrá-las tendo em vista o alto grau
aqueles que defendem o uso de documentos escritos como a única fonte na qual o historiador
deve se basear, a História Oral vem avançando e contribuindo para trazer à tona vozes de
grupos que até então estavam relegados ao esquecimento. Sabe-se, porém, que existem
limites no trato com tal tipo de fonte, uma vez que “[...] a memória é menos uma gravação do
Por mais que a memória seja uma forma de sobrevivência do passado, toda a
uma imagem a partir do conjunto de representações que povoam nossa consciência atual
(BOSI, 2004, p.55; HALBWACHS, 2004, p.32). As próprias emoções e suas formas de
A percepção que se tem das coisas se altera com o tempo, e com ela, altera-se
histórica, “[...] haja visto que sua construção está associada ao vivido, como dimensão de
inconsciente”. Esse aspecto, no entanto, não impede que a memória seja utilizada como fonte
grupos minoritários até então marginalizados. Para ele, a história da memória “[...] se
memória das mulheres, memória dos judeus” (ROUSSO, 2001, p.96). Assim, construir uma
história da memória é caminhar no sentido de desvendar uma forma toda particular de ver o
Dessa forma, torna-se possível discutir qual a visão dos residentes em torno da Serra
pessoas simples faziam dos guerrilheiros é a mesma compartilhada por aqueles que atuaram
golpe de 1964 e a conseqüente ditadura imposta através dele, vem privilegiando tal tipo de
memória? Não seriam necessários novos trabalhos que buscassem compreender o período da
ditadura militar a partir da visão de outros grupos que viveram a época sem participar
diretamente das discussões referentes aos rumos que o país tomava? Para obter-se respostas a
memória coletiva.
Halbwachs (2004) define toda memória como coletiva. Para ele, uma lembrança não
seria recordar um acontecimento da forma exata como ocorreu, mas sim compartilhar uma
acontecimentos que um indivíduo isolado presenciou se tornam coletivas, uma vez que a
compartilhada com o grupo a que este pertence: “[...] em realidade, nunca estamos sós”
Quanto maior for o grupo com o qual se compartilha uma memória, mais forte ela se
torna para todos os envolvidos. Lembranças vagas representam uma distância do indivíduo
identificados. O grupo, por sua vez, exerce uma forte pressão sobre a forma de pensar dos
indivíduos que o compõem. Se algo se apresenta nítido na memória de alguém, é porque está
Contrariando Halbwachs, Rousso (2001) afirma não existir uma memória coletiva
que abarque um grupo social mais amplo, como a memória coletiva de uma nação, por
dentro de uma coletividade: “Se o caráter coletivo de toda memória individual nos parece
evidente, o mesmo não se pode dizer da idéia de que existe uma ‘memória coletiva’, isto é,
uma presença e portanto uma representação que sejam compartilhadas nos mesmos termos
por toda uma coletividade” (ROUSSO, 2001, p.95). A memória coletiva surge, então, como
uma forma de identidade de um determinado grupo e tem por finalidade resistir às tentativas
unificadoras impostas por uma história oficial, rompendo com a idéia de uma memória
nacional.
Pollak (1989, p.9-11) segue o mesmo caminho, ao afirmar que a memória coletiva
tempo, de definir o lugar ocupado por cada grupo na sociedade. Como já discutido
anteriormente por este trabalho, Pollak (1989, p.3-4) apropria-se do pensamento de Rousso,
ao defender a existência de uma memória enquadrada no lugar de uma memória coletiva que
venha a agir em amplitude nacional. Tal memória enquadrada seria uma forma de controle da
memória individual, que se faria através da busca de um passado comum a todos. Assim, o
autor também traz importantes críticas a Halbwachs, ao afirmar que ele entende a nação como
a forma mais acabada de um grupo, e a memória nacional, como a forma mais completa de
uma memória coletiva, não percebendo nela uma forma de dominação ou violência simbólica.
105
Pollak (1989, p.12) mostra que existem várias memórias coletivas compondo uma mesma
sociedade. Assim, a História Oral seria a ferramenta imprescindível para se trazer à tona a
memória dos oprimidos. Mas uma memória subterrânea seria somente aquela que se opõe à
memória oficial imposta pelo Estado? Deve-se entender como memória subterrânea apenas
aquela de grupos minoritários reprimidos pela força de um grupo dominante? E no caso dos
moradores da região da Serra do Caparaó, não seria a sua visão da Guerrilha uma forma de
memória subterrânea, uma vez que realizam uma construção diferente daquela de grupos já
discutidos anteriormente? A produção do medo em tais moldes não seria também uma forma
de opressão? Pollak (2001, p.5) afirma que nem toda memória subterrânea “[...] nos remete
certo grau de liberdade não são somente aquelas impostas pelo Estado ou pelas classes
dominantes. Para ele, as condições sociais, econômicas e culturais vividas pelos setores
experiência cotidiana:
No caso da região em torno da Serra do Caparaó, por mais que os moradores locais
tenham absorvido o discurso das classes dominantes, ainda assim produziram uma
necessário onde quer que falte o possível recurso a uma violência imediata” (CHARTIER,
1990, p.22). A violência, dessa forma, ocorre de forma simbólica, agindo sobre a mentalidade
das pessoas e produzindo sensações de insegurança e medo. Entretanto, muito mais do que
uma ameaça à Nação ou coisa do tipo, o comunismo para tais pessoas ameaçava o seu modo
de vida simples e a idéia de liberdade que estava ligada a ela. Mais ainda, a Guerrilha se torna
o momento em que essas pessoas são reconhecidas pelo Estado pela primeira vez. Lembrar a
Guerrilha é, muitas vezes, recordar as próprias dificuldades vividas naquele período. Assim,
dos moradores, muitas vezes mais intensa do que a própria lembrança de que havia
Outras fontes como os arquivos da Polícia Militar de Minas Gerais e os jornais da época
trazem importantes informações para que seja possível produzir uma interpretação sobre a
Guerrilha com base na visão da população que viveu tais acontecimentos. Caminha-se,
portanto, para uma definição próxima daquela defendida por Rousso de uma história da
memória, já que o foco central do presente trabalho está na análise de todo o imaginário
Nacional.
expressa também em forma de memória subterrânea, uma vez que a construção realizada por
tais pessoas é diferente daquela realizada pelos militares ou pelos próprios guerrilheiros, alvos
maiores das pesquisas historiográficas. Assim, as análises que se seguem neste capítulo têm
por objetivo contribuir para os estudos referentes ao golpe de 1964 e a ditadura imposta ao
107
país através dele, porém, tomando como foco da pesquisa uma outra vertente, a das
populações simples que ficaram de fora de todas as disputas, de todos os confrontos políticos
ocorridos no período e que nem por isso deixaram de ser afetadas por eles.
NACIONAL DO CAPARAÓ
algumas áreas em torno do Parque Nacional do Caparaó. Em regiões como Alto Caparaó, na
época ainda um pequeno povoado pertencente ao município de Caparaó, não foi encontrado
para lá. Na grande maioria dos povoados e pequenas cidades, o rádio era o principal veículo
de informação. Mesmo assim, este só chegou a muitas destas localidades em fins da década de
1950 e não alcançava a todos. A televisão, em meados da década de 1960, ainda não havia
chegado à maioria das cidades e onde esta já existia, podia-se contar nos dedos o número de
aparelhos. Dada a grande proporção de analfabetos nas zonas rurais da região e a dificuldade
de se obter materiais vindos das cidades, pode-se afirmar que esta população pouco tinha
contato com jornais, revistas, panfletos e outros tipos de publicações. Ainda assim, encontrou-
materiais foram produzidos nestas cidades, bem como em outras localidades, onde não foi
possível a busca de tal tipo de documento. Porém, uma outra fonte se torna fundamental para
regiões onde não existem vestígios materiais do anticomunismo. Vale ainda lembrar que o
objetivo central deste trabalho não está na análise do combate ao comunismo na região, e sim,
imaginário popular também serão trabalhadas no decorrer deste capítulo, visto que ele está
Parque Nacional do Caparaó datam de 1935, ano em que ocorreu a Intentona Comunista e
cidade. Segundo o documento, o núcleo da ANL teria sido organizado no dia 09 do mesmo
mês. Entretanto, não existem maiores detalhes a respeito e nem que medidas teriam sido
adotadas.
período e traz críticas ao prefeito municipal, Alfredo Lima, realizando também um forte
Minas Gerais, um dos responsáveis pelo manifesto afirma ter sido intimado a prestar
porquê das críticas ao prefeito municipal. Segundo o autor, Alfredo Lima abrigaria na
prefeitura alguns dos fundadores do núcleo da ANL na cidade, todos eles citados no
alguns trechos do texto, supõe-se que a mesma pessoa tenha elaborado o manifesto e a carta
Foram encontrados dois outros pequenos artigos que ampliam a discussão em torno
que nenhuma religião é capaz de trazer a real salvação e que homens se utilizariam de seitas
para ludibriarem a humanidade. No texto, que traz críticas a católicos e protestantes, Aragão
3
Arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro – Documentos sobre ação comunista em Manhumirim. Grafia
mantida como no original.
4
Pelo conteúdo da carta, o Partido Nacionalista Independente teria distribuído um outro panfleto contendo novas
denúncias de ação comunista no município. Tal documento não foi encontrado. Da mesma forma, só foi possível
ter acesso à primeira página da carta. Documento encontrado nos arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro.
5
Arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro – Documentos sobre ação comunista em Manhumirim. Grafia
mantida como no original.
110
ao primeiro, afirma que o jornal “Manhumirim” seria uma publicação maçônica “[...] com
imagens já discutidas anteriormente: homens sem fé, imorais que colocam em risco esposas e
filhas, inimigos da Pátria, enfim, utilizou-se em tão poucos documentos uma gama variada de
maçonaria. Em um outro documento sem data, exibe-se uma lista com os nomes de maçons de
Manhumirim que teriam sido divulgados no jornal oficial da prefeitura. Todos os citados
teriam algum envolvimento com a ANL. Percebe-se, dessa forma, a exploração da imagem da
6
Os dois textos pertencem ao mesmo conjunto de documentos anteriores, todos eles encontrados nos arquivos do
DOPS/ Arquivo Público Mineiro. Os artigos foram recortados sem a devida precaução de se guardar nome dos
jornais e a data. Sabe-se que o primeiro artigo, escrito por Guedes de Aragão, foi publicado no jornal
Manhumirim porque o segundo texto assim o cita. Supõe-se, pela seqüência dos documentos, que os dois textos
datem do ano de 1937 em período anterior ao golpe do Estado Novo.
111
maçonaria enquanto uma organização que fomenta conspirações e que o comunismo estaria
A defesa do Integralismo é outra questão a ser discutida, já que a AIB foi uma das
agentes propagadoras do anticomunismo na década de 1930. Mesmo não sendo a sua única
Em Manhumirim, segundo alguns indícios, chegou-se a ter uma considerável mobilização das
idéias integralistas. Investigações da polícia mineira relatam prováveis ligações do padre Júlio
direita7. Assim, o Integralismo pode ter sido uma outra fonte de idéias anticomunistas na
região.
Por último, deve-se levar em conta a questão política. Grande parte dos envolvidos
nas denúncias de algum tipo de ligação com o comunismo eram políticos locais de
importância ou pessoas ligadas a eles. Tais denúncias, dessa forma, poderiam ter dois outros
clima de medo ocasionado pela onda anticomunista e afastar destes a simpatia dos eleitores.
também traz outras denúncias do tipo. A carta, escrita por dois moradores do município de
Manhumirim que contava com um grande número de adeptos. Mais uma vez, as denúncias
7
Foram encontrados nos arquivos do DOPS/ MG alguns documentos que investigavam as atividades do padre
Júlio Maria de Lombardae no município, havendo suspeitas de sua ligação com a AIB. Pelos documentos,
publicações católicas sob a direção do padre teriam sofrido censura durante o Estado Novo. Por não pertencer ao
tema central deste trabalho, foi realizada uma análise superficial das fontes, havendo um grande número de
documentos não estudados.
8
Após uma consulta popular ocorrida na década de 1990, o município alterou seu nome para Alto Jequitibá.
112
documentos que comprovariam a existência de tal organização. Além disso, o grupo estaria
levante de 1935 projetou sobre a população o medo da ameaça revolucionária. Assim, não só
Filinto Müller, mas também o próprio presidente Vargas teriam recebido inúmeras denúncias
de atividades comunistas por todo o território nacional. O autor defende que, em muitos casos,
denunciantes” (MOTTA, 2002, p.200). Dessa forma, não se pode confirmar a real existência
anticomunismo na região. Um homem, após descobrir ter sido fichado como comunista na
cancelamento de sua ficha. Para tanto, afirma ser católico apostólico romano e
[...] com sua consciência tranqüila, dizendo a verdade, tal como pregou
Jesus Cristo, nunca fez parte do miserável partido comunista nem em
Manhuaçu ou outro qualquer lugar, podendo afirmar que, se seu nome
consta de quaisquer documentos de tão torpe partido, constituído de
elementos desequilibrados e ateus, inimigos de Deus, do Brasil e da
liberdade; trata-se, apenas, da conhecida maldade dos aludidos comunistas
que, se valendo de toda a sorte de insidia, envolveram sua assinatura em tais
documentos9.
O autor da carta justifica o seu não pertencimento ao PCB, usando como argumento a
exerceria sobre ele, um católico militante, qualquer atração. Mesmo que tal homem fosse
9
Arquivos do DOPS/ Arquivo Público Mineiro – Documentos sobre ação comunista em Manhumirim.
113
de abril de 1957, um artigo intitulado “As Nações Unidas” descreve o funcionamento da ONU
e sua divisão em seções, dentre elas, o Conselho de Segurança. Segundo o artigo, a URSS,
dá destaque à ação do país em relação à Hungria ao não permitir a sua autonomia. Assim, os
entre os povos, objetivos maiores da ONU11. A URSS sempre ocupou lugar de destaque no
Num outro artigo intitulado “Menos pombas e mais serpentes”, publicado na edição
n.o 49 de setembro do mesmo ano, compara-se as pombas ao bem e as serpentes ao mal. Entre
revolução. Utilizando-se das palavras do padre James Keller, o autor afirma que os marxistas
universidade, na função pública, nos sindicatos ou nos jornais12”. Mais à frente, o texto
afirma que “[...] os bolchevistas são heróicos na difusão do erro e nós medíocres, quando
não cobardes, na exposição da Verdade que liberta. Somos comodistas. Eles difundem as
trevas e nós escondemos a luz nos recessos de nossa alma, deixando nosso irmão às cegas13”.
O texto conclama as pessoas para uma luta sem fim em defesa dos valores cristãos. O
10
As revistas foram encontradas na biblioteca do Seminário Apostólico de Manhumirim.
11
“As Nações Unidas”. Veritas, no 46, abril de 1957, p.15.
12
“Menos pombas e mais serpentes”. Veritas, no 49, setembro de 1957, p.18.
13
Idem.
114
A revista Veritas, que contava com textos escritos por religioso, professores e alunos
do colégio Pio XI, além de alguns poemas e mensagens de terceiros, estava longe de ser uma
artigos que conclamavam os cristãos a uma vida dentro de valores morais rígidos e de
Sabe-se que tais fontes são insuficientes para demonstrar a ação de grupos
comprometidos com o combate ao comunismo na região. Por não ser este o tema central da
pesquisa, como já afirmado antes, não houve uma grande busca por indícios de atividade
anticomunista. Entretanto, a partir dos documentos analisados, pode-se perceber que a região
qualquer idéia ou movimento que representasse uma alteração na estrutura social e econômica
do país.
pesquisa se concentrou: Alto Caparaó14, Caparaó e a região entre Paraíso e Pedra Menina15.
outro tipo de fonte: a memória dos moradores destas localidades. Talvez a maior dificuldade
ao se trabalhar dessa forma seja identificar o período narrado pelo entrevistado. Com certeza,
dois momentos: 1964, momento de radicalização política que levou à derrubada de João
região.
14
Hoje município, Alto Caparaó era apenas um pequeno povoado pertencente à Caparaó em 1967.
15
As duas localidades estão inseridas numa mesma região. Paraíso pertence ao município de Espera Feliz/ MG e
Pedra Menina ao município de Dores do Rio Preto/ ES, sendo separados por um riacho. Na época da Guerrilha,
Paraíso já constituía um pequeno povoado e em Pedra Menina existiam apenas algumas casas não muito
próximas uma das outras.
115
nível nacional quanto local. Ao mesmo tempo, impor ao adversário o rótulo de comunista
eleições. Rodeghero (2003, p.111) afirma que “[...] a propaganda eleitoral pode ser
uma adesão, a uma ação específica: o voto”. Assim, na busca pelo domínio político local,
vários setores da esquerda foram tachados de comunistas como forma confundir o eleitor,
Ah, quem comentava, por exemplo, eram pessoas que naquele tempo, uns
diziam que eram chefes do Caparaó, outros eram vereadores, candidatos ou
que tinha vontade de ser candidato a prefeito, prefeito mesmo. Só esse tipo
116
Nadir ainda justifica a posição de tais líderes políticos, pois “[...] eles eram mais informados.
relata que os “chefões” sempre falavam sobre o comunismo. Quando indagado sobre quem
seriam os “chefões”, José afirma que eram “[...] os políticos do lugar, os coronéis17”.
Izac Valério, pai de Nadir e agricultor aposentado, vai mais longe ao descrever qual
seria o partido que manipulava a população local com o discurso anticomunista e a forma que
Ah, o comunismo quem atacava muito mesmo aqui era a UDN. Toda a
pessoa que fazia parte da UDN trabalhava. Via um camarada com um
papelzinho do PTB, “Ih, rapaz, queima isso. Isso é comunismo, rapaz. Você
vai botar a sua mulher na mão dos outros aí? Sua filha?” Então conforme o
que o sujeito fala o povo às vezes acredita e eles ficam todos revoltados.
Tinha camarada aqui que se você falasse com ele no PTB, ele zangava com
o sujeito: “Você não cria juízo não, rapaz? Parece que tá bêbado!”. Então
era assim, todos que pertenciam a esse partido fazia uma campanha18.
Izac afirma que até mesmo Getúlio Vargas era apresentado pelos políticos udenistas como
O povo brasileiro sempre teve medo desse negócio de Fidel Castro. Sempre
que tem uma eleição, eles (políticos) falam que esse povo é um povo que
escraviza a população. Sempre que vem a eleição eles falam que esse povo
16
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
17
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
18
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
117
como estes contribuíram, pelo menos em algumas áreas próximas do Parque Nacional do
combate ao comunismo. Como no Brasil o anticomunismo tem por base o discurso religioso,
não é de se estranhar que muitos dos relatos se refiram às igrejas, principalmente a Católica,
que a Igreja Católica toda vida foi contra o comunismo. Mas nós mesmos não sabíamos o
que era o comunismo. Eles falavam esse negócio, mas nós não sabíamos o quê que era isso,
não20”. A professora de Geografia Maria do Carmo Rocha Rezende relata que, em Espera
Feliz, “[...] a própria Igreja condenava essas conversas porque o comunismo era tido como
pecado. E como aqui era muita... noventa por cento da população era católico praticante,
então era visto como essa questão de pecado sem explicação porque que era pecado21”.
comunismo. Ao ser indagada a respeito, Nadir Tavares de Oliveira, que é pertencente à Igreja
Batista em Alto Caparaó, afirmou se lembrar que os pastores também falavam do comunismo:
19
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004. Ismael afirma que, no período da Guerrilha,
havia recém saído do Exército, tendo prestado o serviço militar na cidade do Rio de Janeiro.
20
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
21
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
22
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2004.
118
Se não é surpresa que nos relatos da população apareçam a Igreja e políticos como
serem interrogados a respeito, afirmaram nunca terem ouvido qualquer tipo de crítica ao
comunismo vindo de religiosos ou políticos. Porém, lembram-se bem do medo que a figura do
chegou através de outras pessoas comuns como eles próprios. O falar do comunismo no meio
em que viviam fortaleceu ainda mais o discurso, dando um tom maior de realidade. O
agricultor aposentado Antônio Pereira Leite relata que “Aquele povo todo falava isso. Volta e
meia um tocava nisso. Até hoje, até mesmo ainda fala, né [risos]23”. Assim, o medo do
comunismo era amplificado pelas simples conversas comuns do interior que ocorrem
geralmente em praças, varandas das casas, botecos, etc. Neste sentido, destaca o poder que os
mais velhos tinham sobre os demais como relatam o ex-agricultor Sebastião Machado de
Faria, residente em Pedra Menina, e o vigilante bancário aposentado, Welton Ferreira Lima,
residente em Caparaó. Sebastião24 relata que os jovens imaginavam os mais velhos como mais
inteligentes por eles explicarem aquilo que ouviam no rádio, como sobre o comunismo.
Welton fala da impressão que os comentários dos idosos tinham sobre os jovens:
localidades mais distantes, isoladas, e talvez por isso mesmo, mais propícias ao medo, o que
23
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
24
Depoimento concedido em Pedra Menina, município de Dores do Rio Preto/ ES, no dia 22 de novembro de
2005.
25
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
119
será analisado adiante. Em tais áreas, a inexistência de vestígios materiais sobre a ação de
do tema, mas não a impossibilita. A memória dos moradores da região investigada, por mais
vagas ou imprecisas que possam ser, fornece importantes informações para que se
compreenda quais os agentes e o tipo de ação adotada para que se convencesse tais pessoas do
em torno das representações que constituem o imaginário anticomunista na região. Viu-se que
Agora serão analisadas as imagens que aparecem com mais freqüência nos depoimentos da
referida população.
João Goulart, houve uma mobilização mais ampla, que contou com membros de outras
religiões como protestantes, judeus e espíritas. Dessa forma, os elementos ligados à religião,
principalmente católicos, aparecem com certa freqüência nos depoimentos dos moradores da
região pesquisada. Tal aspecto pode ser notado, por exemplo, no relato de Nadir Tavares de
120
lembro que eles falavam era que no comunismo era que não gostava que pregasse o
evangelho, que não falasse de Deus e tinha outras coisas26”. A professora de Geografia Maria
do Carmo Rocha Rezende, residente em Espera Feliz, relembra que o comunismo “[...] era
uma coisa do ponto de vista religioso, pecaminosa27”. Temia-se, então, o comunismo pelo
fato de ele estar ligado ao ateísmo, de proibir a existência de igrejas e de qualquer tipo de
manifestação religiosa, enfim, por ser visto como um pecado maior do qual todos deveriam
manter distância.
marxista como aquele que colocava em risco os valores tradicionais cristãos. Sua estratégia de
dominação consistia em destruir a moral e os bons costumes, sendo tachado, por isso, de
sedutor, corrupto, assassino, entre outras designações. Este é outro elemento muito presente
Alto Caparaó, as pessoas diziam que no comunismo “[...] não ia haver mais casamento, que o
pessoal ia viver à vontade28”. O “à vontade” que Antônio relata é melhor descrito por Izac
Eles falavam que no comunismo pai não manda na filha, sujeito chega em
casa apanha a filha, pode usar ela, pode usar a família do outro, que
ninguém manda em nada. “Ah, mas tinha as filhas”, arregalava os olhos. Os
maridos que tinham as mulheres arregalavam os olhos: “Deus me livre dum
partido desse!” 29.
União Soviética não havia passado por uma revolução somente nas áreas social e econômica.
Tal revolução se dava também no comportamento, buscando romper com o modelo burguês
26
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
27
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
28
Depoimento concedido em Alto Caparaó/ MG no dia 03 de outubro de 2005.
29
Depoimento concedido em Alto Caparaó/ MG no dia 04 de outubro de 2005.
121
depoimentos colhidos nas proximidades do Parque Nacional do Caparaó indicam que a idéia
defendida pelos comunistas sobre a socialização das propriedades foi explorada pelos setores
conservadores, e absorvida pela população mais simples, como algo mais amplo: os maridos
não teriam mais poderes sobre filhas e esposas, pois, no comunismo, até mesmo elas seriam
socializadas. Esta imagem aparece com bastante freqüência nos depoimentos dos moradores
das áreas investigadas. A partir de tais relatos, pode-se ter uma idéia de quanto esses aspectos
geraram apreensão em uma região onde predominava uma população humilde, na grande
maioria ligada à terra e seguidora dos mandamentos da igreja, seja ela católica ou protestante.
discutidas até aqui, afirmavam ser esta a realidade existente nos países sob o regime
socialista. A União Soviética sempre teve papel de destaque nestas representações, sendo
Cuba e China também muito utilizadas na década de 1960. Estas nações foram representadas
por grupos conservadores como portadoras de regimes opressores, nos quais a população era
escrava do Estado e prevaleciam as piores condições. Assim, tal imagem também aparece nos
relatos dos moradores da região da Serra do Caparaó. A idéia dos revolucionários como
Caparaó, relata que o comunista era visto como “[...] um pessoal, assim, carrasco. De um
outro partido que só vivia matando os outros, que era gente matador30”. Francisco, morador
da localidade de Pedra Menina, diz que imaginava que, após tomar os bens de toda a
população, o comunista iria “[...] pôr polícia pra bater em todo mundo31”. No depoimento do
30
Depoimento concedido em Caparaó/ MG no dia 20 de novembro de 2005.
31
Depoimento concedido em Pedra Menina, município de Dores do Rio Preto/ ES, no dia 21 de novembro de
2005.
122
Eram muitos valores que a pessoa tinha. Naquele tempo tinha alguém que
tinha as moedas guardadas, as coisas, né. Tinha uma arma guardada antiga,
sempre já tinha aquelas pessoas... Achava que o comunismo vinha tomava
aquilo tudo, ia pôr todo mundo debaixo do domínio deles. Mais ou menos
isso aí 32.
perder os bens, mas até mesmo os próprios filhos: “Tudo era do governo. As crianças teriam
que ficar separadas dos pais, porque quem mandava era o governo. E era uma coisa
perigosa, porque ninguém podia ter nada, ser dono de nada, porque tomava tudo33”. Todos
esses bens tomados da população ficariam sob o domínio de um chefe, um líder ao qual todos
deveriam obediência sem contestação: “Teria um chefe, um senhor num lugar, que mandava
em todo mundo, né34”. O comunismo, dessa forma, aparece como um regime injusto, violento
e desigual. A idéia de socialização das propriedades não aparece sob a forma usualmente
difundida pelos defensores do socialismo. Em seu lugar, surge um Estado saqueador, que a
todos usurpa, em nome de um chefe que seria o detentor de todo o poder e de toda a riqueza.
Mais ainda, esse Estado utilizaria todos os meios possíveis para colocar em prática o seu
plano maléfico, recorrendo às formas mais brutais de violência. No imaginário popular, essa
era a realidade das nações socialistas como a União Soviética, China e Cuba. “Em suma, além
de ser ditatorial, ateu, imoral, assassino e diabólico o comunismo também traria miséria e
exploração aos infelizes povos que caíam sob as suas garras” (MOTTA, 2002, p.75).
base em aspectos já analisados no capítulo anterior, ou seja, o comunismo surge como uma
ameaça à religião cristã, aos valores morais, à liberdade, à propriedade, como um regime
opressor, etc.
32
Francisco Protásio de Oliveira. Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
33
Depoimento concedido em Espera Feliz/ MG no dia 22 de novembro de 2005.
34
Antônio Pereira Leite. Depoimento concedido em Alto Caparaó/ MG no dia 03 de outubro de 2005.
123
comunista também aparecem no imaginário da população como tal. Izac Valério se lembra de
como o PTB e a figura de Getúlio Vargas eram constantemente identificados aos comunistas
Tinha quem apoiava a parte do Getúlio e tinha quem apoiava a parte contra
o Getúlio. Então não falava, falava assim, por fora: “Compadre, eu vi falar
que você vai votar no PTB”. “Ah, não sei não [resposta]”. “Tenha a
paciência, não vota nele não, que ele é pelo comunismo”. Então aquilo foi...
Chegou um ponto que o comunismo, o PTB tava crescendo, crescendo e
eles não tava tendo jeito. E bateram. Que esse foi o grande, o grande
governador do Brasil [Getúlio Vargas]. Então não tinha jeito, botou pra
prender esses chefes, por exemplo, que falava dele assim, que ia te
converter, me converter, esses botou pra prender eles. E foi prendendo, aqui
no Carangola mesmo, prenderam uns cinco aqui, que trabalhavam
defendendo o Getúlio. Foram presos uns cinco ali. E na Nação toda foi
preso gente35.
Para Izac, os políticos locais, em geral ligados à UDN, seriam os responsáveis pela divulgação
de tais imagens. Vale lembrar que Rodeghero (2003, p.28) afirma que, nos países capitalistas,
comunistas de fato. Este é o caso do PTB, que sofreu um imenso ataque por parte dos grupos
Percebe-se aqui, o uso da figura de Vargas, responsável pela primeira grande onda
de repressão contra os comunistas. É certo que o presidente Vargas, ao adotar uma postura
ligadas aos interesses estrangeiros. No entanto, tal postura não pode ser confundida como uma
posição de esquerda, uma vez que Vargas não propôs ou tentou realizar reformas que viessem
realmente mudar a estrutura social do país. Muito pelo contrário, seus governos foram
marcados pelo discurso conciliador que buscava mediar as relações entre burgueses e
35
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
124
Valério? Algumas hipóteses podem ser aventadas. Primeiramente, deve-se lembrar que a
UDN era um partido marcado pela posição “antigetulista” e que, em fins da década de 1950,
passou a adotar uma postura anticomunista. Tal aspecto já poderia, por si só, trazer alguma
confusão entre as populações mais simples que aceitavam como realidade os discursos
impostos pelos chefes políticos locais. Além disso, deve-se lembrar que o PTB, tachado de
comunista por grupos conservadores na década de 1960, havia sido criado por Getúlio no
PCB após o fim do Estado Novo. Um outro aspecto a ser lembrado é que a figura de Jango foi
associada ao comunismo, fato que contribuiu para a sua deposição. A professora Maria do
Carmo relata que o povo comentava que o “[...] João Goulart tinha saído porque estava com
forma, sendo o presidente Goulart afilhado político de Vargas, os grupos políticos locais,
principalmente ligados à UDN, podem ter explorado uma imagem de Getúlio também como
comunista, até mesmo devido à força que a figura do “pai dos pobres” exercia sobre a classe
trabalhadora. Mas tais aspectos ficam somente no campo das hipóteses. Deve-se destacar que
36
Maria do Carmo Rocha Rezende. Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
125
Por outro lado, Izac Valério ao denunciar as atitudes dos chefes locais ligados à
UDN, demonstra acreditar que Getúlio Vargas era realmente comunista, entendendo isto
[...] é que o Getúlio pensava assim, igualdade. Todo mudo ter direito àquilo
que uns tem e outros não tem. Era o comunismo. Tinha nada... mas criaram
umas coisas [...] É que Getúlio vai aposentar os homens. Eles falavam
assim: “Getúlio está aposentando os homens aí e está botando os homens à
toa, homem novo está à toa”. [...] Então a parte alta, por exemplo, ou seja, a
UDN, perseguiu muito o comunismo. Perseguiu o comunismo demais da
conta. Então não era comunismo de família, era comum, era comum o viver
na terra, era comum. Porque Deus quando fez a terra, Deus fez pra todos.
Fez pra três ou quatro, não. Um com mil alqueires e outro sem um litro. Ele
fez pra todos. Mas é a ambição do povo37.
local: “Brizola era tido como um revolucionário mesmo38”. Sabe-se que o ex-governador foi
alvo dos ataques dos grupos conservadores pelas atitudes tomadas durante o seu governo no
Rio Grande do Sul e de seu posicionamento radical, já discutido neste trabalho, em defesa de
reformas sociais. Entretanto, deve-se salientar que, para os moradores entrevistados, a figura
Joaquim Cândido, ao falar sobre os integrantes da Guerrilha, afirma que “Eles eram
comunistas, sim, porque eles pertenciam ao bando do Brizola lá do Rio Grande do Sul. Ah, o
Brizola é que comandava essa turma. Ele era comunista39”. Esse talvez seja o principal
motivo para que a imagem de Leonel Brizola tenha permanecido tão forte na memória da
população, sendo uma das principais referências quando falam sobre o comunismo.
comunismo para tais pessoas é algo não compreendido, mas que, mesmo assim, tem o poder
37
Depoimento concedido em Alto Caparaó em 04 de outubro de 2005.
38
Welton Ferreira Lima. Depoimento concedido em Caparaó em 20 de novembro de 2005.
39
Depoimento concedido em Caparaó em 20 de novembro de 2005.
126
de gerar medo. Nadir Tavares afirma que a única informação que possuía sobre o comunismo
Assim como Nadir, José Cortez Filho também relata não saber o que era o comunismo.
Segundo ele, a Igreja Católica realizava pregações contra o comunismo, mas a população
pouco sabia sobre a ideologia: “Eles falavam esse negócio, mas nós não sabíamos o quê que
era isso, não41”. A professora aposentada Maria Aparecida Rodrigues, moradora da região do
Paraíso, afirma que temia o comunismo, porém sem compreender o que significava: “[...] a
Mesmo aqueles que não o compreendiam, viam o comunismo como uma coisa ruim, que
traria sofrimento para toda a população. Outros aspectos ainda surgem ao caracterizar o
comunista como a cor vermelha, por exemplo: “Mas a gente achava que o comunista ele
comunista foi recebido pela população. Como os moradores da região pesquisada reagiram no
40
Depoimento concedido em Alto Caparaó em 30 de setembro de 2005.
41
Depoimento concedido em Alto Caparaó em 05 de outubro de 2005.
42
Maria Aparecida Rodrigues. Depoimento concedido em 21 de novembro de 2005.
43
Welton Ferreira Lima. Depoimento concedido em Caparaó em 20 de novembro de 2005.
127
grande parcela da população de algumas áreas em relação aos militares, serão os aspectos
Os anos de 1966 e, principalmente, 1967 foram traumáticos para boa parte dos
Numa área marcada até então pela vida humilde e tranqüila, a desconfiança passou a reinar e a
arredores do Pico da Bandeira, surgia como uma ameaça que visava tomar a região para
propagar dali a tão famigerada revolução que deveria atingir todo o território nacional.
em relação aos militares que atuaram na repressão aos integrantes do movimento, busca-se
posição ocupada na sociedade, operam segundo coações culturais, ou seja, “[...] a expressão
a entender as coisas pensando dentro de uma estrutura fornecida por nossa cultura”. Todas
as mensagens que chegam a uma pessoa são reinterpretadas e ganham uma nova significação
a partir de todo o conjunto de elementos que constituem o meio cultural no qual ela está
inserida. Assim, quando Chartier (1990, p.24) afirma ser necessário uma teoria da leitura que
estender tal afirmativa como relativa também à leitura de outras mensagens, mesmo as não
impressas: segundo Darnton (1986, p.XVI), se pode “[...] ler um ritual ou uma cidade, da
mesma maneira como se pode ler um conto popular ou um texto filosófico”. Dessa forma, ao
relação a toda a propaganda anticomunista da qual foram alvo. A sua reação diante da ameaça
Cassirer (1992, p.55) afirma que o mito surge das profundas emoções humanas.
Sendo assim, o medo, uma das mais fortes emoções que o homem experimenta durante a vida,
em torno dos guerrilheiros, ou seja, dos homens que haviam se infiltrado nas proximidades e
torno de toda angústia e apreensão vivida cotidianamente pela população. Cassirer (1992,
129
p.55) afirma que o mito não pode ser confundido com a emoção em si, sendo apenas uma
Por outro lado, Girardet (1987, p.23) alerta para o cuidado que se deve ter ao
analisar o mito do exterior e através de uma pesquisa exclusivamente objetiva: “[...] apenas
aqueles que vivem o mito na adesão de sua fé, no impulso de seu coração e no empenho de
(2001, p.120-121) segue uma noção próxima a de Girardet ao defender que um mito não é
necessariamente uma história falsa ou inventada, e sim, “[...] uma história que se torna
por uma cultura”. Sendo assim, se para o pesquisador, o mito pode se apresentar apenas como
Ansart (1978, p.23) afirma que o mito “[...] é a experiência cotidiana, o imaginário
vivido, o modo de relação dos homens consigo mesmos, com o mundo e com os outros”.
Dessa maneira, uma pesquisa que se proponha a realizar uma análise objetiva do mito nunca
conseguirá entendê-lo na sua essência, na sua real estrutura compartilhada entre aqueles que
nele acreditam. Para compreendê-lo, é necessário entender antes todo o meio cultural em que
estão inseridos aqueles que vivem o mito, que o tomam por realidade.
Diante de tais colocações acerca dos mitos, analisar a recepção dos habitantes locais
ameaçadas.
Segundo Ansart (1978, p.76), a recepção de uma mensagem ocorre de acordo com o
nível cultural e das atitudes próprias do grupo que está sendo atingido por ela. Guimarães
44
No original: “es una emoción convertida en imagen”.
130
(1950, p.33), em seu estudo sobre as crenças que povoam o imaginário da população no
interior do Brasil, afirma que “[...] toda lenda que troca de lugar se transforma, para se
adaptar às condições etnográficas do novo meio”. Por isso, para se entender o que o
comunismo representava para a população estudada, deve-se, antes de tudo, discutir a própria
Caparaó: Caparaó, Alto Caparaó e a região entre Paraíso e Pedra Menina. Na época, tais
localidades eram marcadas pela predominância de pessoas simples, pobres, com pouco ou
presentes em sua cultura. Outras localidades serão citadas no trabalho como Iúna,
e uma maior proximidade com o Parque Nacional do Caparaó, as análises se concentrarão nas
A partir dos relatos colhidos, pode-se ter uma noção de como era a vida na região.
As dificuldades vividas pela população são sempre narradas pelos moradores, principalmente
aproximavam daquelas definidas por Cândido (2001, p.108) como de uma “cultura caipira”,
talvez apenas a 6 não apareça de forma clara nas entrevistas realizadas neste trabalho, o que
não significa que esta não ocorresse na região. Entretanto, notam-se alguns aspectos ligados
terras e o trabalho doméstico. Algumas formas de solidariedade, que será abordada mais à
comercial era pouco praticada, quase não havia circulação de dinheiro. As pessoas
realizavam trocas naturais ou pagavam mercadorias em serviços, como afirma José Cortez
Era um pessoal muito pobre, né. Nós tínhamos que ajudar muito as pessoas,
por exemplo, da região aqui que morava perto. Era muito pobre. Não tinha
jeito de ganhar de dinheiro naquela época, não tinha dinheiro, então nós
trocávamos mantimento a troco de serviço deles. Eles trabalhavam, nós
trocávamos feijão, gordura, fubá, trocava com eles pra eles trabalharem pra
nós. Não tinha outro jeito deles sobreviverem. [...] O pessoal vivia mais, por
exemplo, assim, do trabalho em troco de comidas assim, porque dinheiro,
não existia dinheiro, não existia dinheiro. Nós, pra fazermos um
dinheirozinho pra cumprir algum dever, eram os capados que nós
levávamos pro Manhumirim, queijo... de quinze em quinze dias tinha que
levar. Aí tirava um pouquinho de dinheiro lá, mas já trocava num
mantimento e já trazia pra cá45.
Izac Valério também relata a troca de serviços por alimentos: “O sujeito vinha,
chegava aqui. Ele não tinha dinheiro, não tinha nada que vender, então ele trabalhava
praquela pessoa. Mas recebia só a manutenção pra ele. Trabalhava aí, só pela comida. Se
sobrasse, era por um acaso era até pra uma roupa46”. Através de seu depoimento percebe-se
que a dificuldade não estava somente do lado daqueles que necessitavam trabalhar para obter
comida. O proprietário, na maioria das vezes, também não tinha dinheiro para poder pagar
pela mão-de-obra: “[...] era muito difícil a vida. Não existia dinheiro. Quando eles
arranjavam uma pessoa pra trabalhar, eles tinham que ter café em coco pra vender pra eles
(...) É o café em coco, ou se não, pra torrar, pra beber, tinha que socar no pilão47”.
Neste sentido, vale a afirmação de Cândido (2001, p.23) que, nas sociedades
45
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
46
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
47
Idem.
132
para quem precisava vender a sua mão-de-obra, muitas das vezes, também ocorriam para
fator essencial para a compreensão da organização dos sistemas sociais. Segundo ele,
Dessa forma, nota-se que, nas áreas até aqui analisadas, eram adotadas formas de
tinham dinheiro para pagar, e os trabalhadores obtinham os alimentos que, ou não possuíam
terras para cultivá-los e não tinham dinheiro para adquiri-los, ou, mesmo sendo pequeno
proprietário, também não conseguiam suprir suas necessidades por não terem condições
Vivia aqui de feijão, milho e... batatinha e madeira. Serrar madeira, tirar
dormente pra levar pra Leopoldina [Companhia Ferroviária]. Esse dormente
era conduzido primeiro no lote de burro, depois já veio o carro de boi, já foi
uma condução melhor. [...] Aí a gente, era uma luta bem difícil. O pessoal, a
133
nos depoimentos orais. Daí uma primeira dificuldade: datar o período em que tais condições
ocorreram. Os entrevistados narram tais aspectos sem definir datas em que teriam ocorrido,
sempre se referindo ao passado. Porém, pelos relatos dos próprios moradores e através dos
artigos de jornais, como será visto adiante, se tem indícios que tais condições ainda se
Guerrilha.
Deve-se ainda destacar que, a maior parte dos moradores era analfabeta ou havia
principal veículo de comunicação citado nos depoimentos era o rádio. Entretanto, poucos
possuíam o aparelho. Por isso, muitos moradores iam até a casa de um conhecido para
ouvirem o rádio, como afirma Nadir Tavares de Oliveira, residente em Alto Caparaó: “[...] a
comunicação que tinha era só um rádio que tinha um senhor lá da roça. Então, a gente tirava
dia pra ir lá ouvir esse rádio49”. José Cortez Filho também relata a existência de poucos
rádios no lugar e só ter acesso ao aparelho através de pessoas conhecidas que o possuíam:
48
Francisco Protásio de Oliveira. Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
49
Nadir Tavares de Oliveira. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
50
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
134
É interessante perceber que até mesmo dentro na cidade de Caparaó existiam poucos
rádios, como afirma Joaquim Cândido da Silva: “O meio de comunicação era o rádio. Tinha
o telefone, mas era só da Leopoldina, comunicava com as estações. Mas, no mais, era só o
rádio mesmo. E poucos ainda, nem todo mundo tinha51”. Segundo Welton Ferreira Lima,
ainda no fim da década de 1960, dois moradores da cidade chegaram a adquirir a televisão.
Aqui, mais uma vez se esbarra com a dificuldade em se definir o período em que os
moradores narram a falta de acesso à informação. Izac Valério, por exemplo, ao falar da
existência de poucos rádios na localidade de Alto Caparaó, afirma que também ia na casa de
um conhecido para escutar o rádio: “E nós vínhamos todo sábado, todo sábado numa hora
assim: _ ‘Não precisa dar café nós não. Nós estamos aqui pra nós vermos o rádio’. Então
tava na guerra, na época da guerra da Alemanha com a Rússia. Então nós sabíamos daquilo
tudo52”. Através deste depoimento, pode-se definir o período entre fins da década de 1930 e
primeira metade da década de 1940, período marcado pela Segunda Guerra Mundial.
Entretanto, outros depoimentos mostram que tal costume permaneceu ainda por muitos anos.
É o que se pode definir pelo depoimento de Nadir Tavares, filha de Izac Valério e nascida em
conhecido para ouvir o rádio. Assim, pode-se deduzir que durante as décadas de 1950 e 1960,
obter informação. Em seu depoimento, ocorrido em outubro de 2005, ele afirmava ter 45 anos
de casado com sua esposa, Maria Horst Cortez, ou seja, teria se casado com ela por volta de
1960, e que nessa época ainda existiriam poucos rádios na região: “Faz quarenta e cinco anos
51
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
52
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
53
José Cortez Filho. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
135
também fornece um dado que permite concluir a desinformação da população. Segundo ele,
na tentativa de manter contato com alguns habitantes da região, visitou a casa de dois
camponeses: “Com o segundo, consegui ter uma conversa descontraída e perguntei se sabia o
nome do Presidente da República. Disse que não e que não sabia nem o nome do governador
do seu estado”.
Caparaó contava com uma estação ferroviária e, pelos relatos e conversas informais, existiam
alguns automóveis na cidade. Porém, em Alto Caparaó e Paraíso, somente através do cavalo,
circunstâncias, havia uma grande dificuldade para transportar um doente ou para realizar
compras nas cidades, por exemplo. Existiam poucas estradas e em péssimas condições,
algumas delas feitas para a circulação somente do carro de boi e de animais. Além disso, não
existiam veículos que pudessem transportar a população com rapidez para uma cidade em
caso de enfermidade. Izac Valério relata que os moradores da região de Alto Caparaó
Remédio era quase sempre assim: não existia farmácia, existia muita
“bensição”, existia muita “bensição”, muito chá, muitas pessoas experientes
que sabiam fazer o chá, como a minha mãe. Minha mãe foi benzedeira e
fazia o chá. E então, tinha aquelas pessoas experientes, tratadores. As
mulheres ficavam grávidas, não faziam o pré-natal, não. Não tinha médico,
não tinha hospital. [...] Era assim, nascia sempre num córrego, nascia uma
pessoa que tinha coragem. Então, essa pessoa ficava com a mulher, recebia
a criança, cortava o umbigo... cortava o umbigo, ela levava um nome:
parteira54.
54
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
136
Francisco Protásio afirma que em Pedra Menina existia um tratador55 em um córrego próximo
e que os doentes eram levados até ele a cavalo para serem cuidados. Mais tarde, farmacêuticos
em Espera Feliz e Caparaó passaram a medicar alguns doentes que conseguiam ter acesso a
estas cidades, e um médico passou a visitar a região quando alguma família o requisitava:
“Depois aí veio o doutor Othon. O doutor Othon vinha ver doente aqui, ele vinha a cavalo.
Tinha que levar um cavalo, chegava lá ele montava naquele cavalo e vinha. Vinha ver o
doente como é que estava56”. Muitos moradores destas localidades viviam de forma isolada,
Nadir Tavares57, por exemplo, se orgulha ao dizer que foi nascida e criada dentro da Igreja
Batista de Alto Caparaó. Antônio Leite, pertencente à Igreja Adventista do Sétimo Dia, afirma
que a localidade “[...] sempre teve igreja Batista, Presbiteriana, a Católica e depois veio a
Adventista. [...] E aqui é um povo muito religioso. Você não vê ninguém aqui com faca na
cintura, não vê com revólver, não vê com nada. O pessoal daqui, a arma deles é a Bíblia58”.
Em Caparaó e na região do Paraíso, os relatos levam a crer que a Igreja Católica tinha uma
presença mais forte em tais localidades. A professora aposentada Maria Aparecida Rodrigues,
residente no Paraíso, demonstra o poder que a Igreja tinha ao definir quem são os seus únicos
[...] porque eu sempre, quando os outros dizem que vão confessar, eu nunca
disse que vou me confessar, eu vou fazer um desabafo. Um problema sério,
então eu vou chorar lá no ouvido dele no confessionário, né. Quer dizer, é
55
Pessoa que, segundo a crença popular, tem o poder de cura de determinadas doenças e males através de
orações e soluções a base de raízes, ervas, e coisas do tipo.
56
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
57
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
58
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
137
Outra característica dos habitantes das áreas pesquisadas que merece ser discutida se
aspectos que geravam temores em boa parte dos habitantes. Francisco Protásio descreve tais
Caparaó, a população temia a existência de tais seres imaginários. Joaquim relata que o povo
do lugar acreditava nessas “[...] lendas de lobisomem, assombração, e... outras coisas que
existem até hoje em dia, muito [...] Ah, o pessoal é supersticioso demais da conta61”. Em seu
depoimento, Welton relata não só as crenças do povo do lugar como também demonstra que
ele próprio tinha medo de tanto ouvir tais histórias quando criança:
então saía aquela... não tem aquela estação em Taquaruna? Então, entrava
ali, era mais ou menos uns 8 quilômetros pra Taquaruna Preta e a gente
sempre ia à noite. Mas eu ia travado na minha avó, que eu tinha medo de
encontrar com a mula-sem-cabeça [risos]. Então, sinceramente que eu tinha
medo62.
outros relatos. José Cortez Filho afirma que, em seu pensamento, o mundo se estendia
somente até onde seus olhos pudessem enxergá-lo: “Igual eu pensava que este mundo era
assim: o céu parece que encostou ali, aqui [mostra pontos opostos no céu]. Esse mundo é só
isso aqui na mente da gente. [...] Aí, depois que a gente começou a viajar para um lado, para
o outro, o mundo vai abrindo, foi voando63”. Já Nadir Tavares se lembra da primeira vez que
Inclusive, quando viram a primeira vez que avião que passou, passou esses
a jato que soltava dois caminhos de fumaça, nossa! A primeira vez que
viram aquilo acharam que o mundo estava acabando porque tinha dividido o
céu. Porque estava ventando, ficou aquela risca de fumaça de um canto no
outro, e aquela risca vai, né, o vento vai tocando, ela vai cortando, e aquilo
o povo ficou todo... uma coisa, nossa senhora! Ah, o mundo estava
acabando, que aquilo era uma divisão que deu no céu, que o céu ia abrir,
que não sei o quê, que eles foram logo comentando64.
entrevistados também faz referência à aparição de um avião e que este seria o sinal do “fim do
mundo”. Segundo a autora, a relação feita pelo entrevistado entre o avião que traria o “fim do
mundo” e o comunismo seria, provavelmente, uma forma deste demonstrar a falta de cultura
letrada, sem maiores conhecimentos “[...] sobre as coisas que aconteciam no mundo além da
comunidade rural onde eles moravam” (RODEGHERO, 2002a, p.233). Ela ainda interpreta
que, ao falar do comunismo, o entrevistado traz à tona lembranças de outros medos sentidos
62
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
63
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
64
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
139
mesma relação entre outros medos sentidos e o comunismo. Por outro lado, ao narrar sua
dificuldades vividas no momento em que ocorreu a Guerrilha, fato que concorreu para que
Assim, numa população de maioria pobre, isolada, sem nenhum tipo de assistência
por parte do poder público, analfabeta ou tendo cursado apenas os primeiros anos do antigo
ensino primário, sem informação, apegada à religião e cujo imaginário era habitado por
diversos seres fantasiosos, não é de se estranhar que toda a imagem construída em torno do
reações de desespero. Guimarães (1950) demonstra em seu estudo que a população rural do
atormentada pelo medo da morte. Delumeau (1989, p.64) também afirma que o homem do
passado, principalmente aquele que habitava o universo rural, “[...] vivia cercado por um
meio hostil onde apontava a todo instante a ameaça de malefícios”. Assim, vivendo rodeados
meio cultural.
Além desses aspectos, deve-se destacar que a população fala do passado com certo
por exemplo, afirma que havia uma grande união entre o povo de Caparaó: “Nós éramos uma
família65”. Segundo José Cortez, em Alto Caparaó as pessoas se ajudavam havendo uma
colaboração daqueles que tinham uma condição melhor em relação aos mais pobres ou
65
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
140
aqueles que estivessem doentes: “O meu pai assim, o negócio de ter muita gente pobre e
passando muita falta na época, o meu pai tirava da nossa propriedade pra ajudar o pessoal
mais pobre66”.
descrito por Cândido (2001, p.87-89) numa sociedade caipira. O autor afirma que o mutirão,
prática adotada pelos caipiras paulistas para sanar os problemas de falta de mão-de-obra, seria
uma das principais características desta sociedade. Os depoimentos dos habitantes da Serra do
Caparaó não fazem qualquer referência a mutirões nos moldes descritos por Cândido, mas
existem referências de solidariedade a pessoas em dificuldade, como aquela narrada por José
Cortez anteriormente. Izac Valério também salienta não só ter havido uma maior
Ah, não, a amizade era muito grande. Muito maior do que hoje. O amor era
muito grande. Ninguém podia ver a planta do outro morrer no mato, não.
Juntavam os outros tudo e aqui era a pobreza... aqui... ninguém tinha
dinheiro. Aqui era uma zona pobre, mas pobre mesmo. Então, aquele que já
estava mais arribado um pouquinho, mais arribado um pouquinho, fazia um
aviso, como lá na igreja, fazia um aviso: “Oh, fulano de tal está doente, a
roça dele está no mato, está tampando ela. Vai morrer no mato e como é que
ele vai comer depois?” [...] Então, todo tempo houve honestidade.
Documento era um fio de barba. Arrancava um fio de barba. “Quer dizer
que aquele córrego pra lá é meu, né? Vou até fazer um valo lá”. Não tinha
dinheiro pra comprar arame, fazia um rego no chão. [...] Então, ali ocorria o
fio de barba (troca de fios da própria barba entre aqueles que realizaram o
acordo). Não tinha documento, não tinha cartório, não tinha nada67.
aspecto. Se entre a população do lugar havia uma forte união e confiança, com pessoas que
não pertenciam à localidade ocorria um processo contrário. Percebe-se nos depoimentos uma
desconfiança e receio em lidar com pessoas estranhas ou com atitudes diferentes do grupo
instalado na região. José Cortez relata que os moradores do lugar não permitiam a
66
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
67
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
141
aqui, esse pessoal daqui corria atrás... fosse preto, então. [...] Esse canto de roça igual esse
aqui, o pessoal tinha medo demais [de estranhos] 68”. Izac já afirma que aconteceram alguns
assassinatos de pessoas estranhas que apareceram na região. Segundo ele, em todos os casos,
os “homens de bem” da comunidade se juntavam para poder matar aqueles que colocavam em
Mas no princípio não tinha delegado. O princípio não era assim. Os homens
de bem não podiam deixar nenhuma pessoa que invadisse o outro que é de
bem, eles ajuntavam tudo. Ou ele tinha que sumir dali ou morria. “Mas nós
vamos te dar um prazo. Sai daí”. Existia. Então morreu alguém aí, vários
desse jeito. Não eram os homens que eram brabos, não... [eram] os homens
defendendo os “homens de bem”69.
Nos depoimentos de José Cortez e Izac Valério, percebe-se que existia uma
desconfiança dos moradores de Alto Caparaó em relação às pessoas que não pertenciam ao
seu convívio. Delumeau, (1989, p.54) analisando a Europa da Idade Média e Renascença,
afirma que todo o imaginário construído em relação às terras distantes, com relatos da
ou seja, o medo “[...] de tudo que pertence a um universo diferente”. Neste sentido, o autor
afirma que o forasteiro era temido e sobre ele recaía a culpa de todos os males. Em Alto
Caparaó, da mesma forma, os moradores viam nas pessoas estranhas uma ameaça ao seu
lugar.
68
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
69
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
142
falando de forma diferente do usual na região, os integrantes do MNR foram avistados por
habitantes das proximidades da Serra do Caparaó, principalmente por aqueles que lidavam
com gado no “campo70”. Por isso, antes de surgirem notícias sobre a existência de
na região do Vale Verde71, afirma que seu filho trabalhava no Pico da Bandeira e avistou
homens no campo que andavam armados “[...] com metralhadora e com roupa de polícia e
dormia para um lado, outra hora ia pro outro canto72”. Antônio, por sua vez, teria
comunicado a presença dos estranhos a um oficial da PMMG que era seu conhecido: “[...] a
gente tinha muita intimidade com esse capitão Zezinho, aqui do Batalhão de Manhuaçu,
contamos para ele a história, aí ele resolveu investigar, ver o quê que era aquilo73”.
Dalbino José dos Santos, que na época morava em Alto Caparaó e trabalhava como
retireiro para um fazendeiro da região, afirma ter avistado um homem estranho no alto da
Serra, cabeludo e armado de um revólver 38. Os dois teriam conversado e, segundo ele, o
homem teria pedido para que não comentasse de sua presença no local a ninguém da região:
queria que o Sr. me fizesse um favor. Eu estou aqui, estou esperando umas
pessoas aqui, mas estou indo embora já e eu não queria que o Sr. contasse
para ninguém que me viu aqui, não.”. Eu falei “não, tudo bem!” Aí eu desci,
continuei minha viagem. Quando eu cheguei cá em baixo, é claro que eu fui
procurar as pessoas responsáveis que eram os guardas (agentes do Parque
Nacional) lá que tinha na época, que comandava lá74.
guerrilheiros se deslocavam na Serra nas proximidades de sua casa e muitos habitantes locais
um agente do Parque Nacional do Caparaó comunica à polícia ter encontrado dois homens
armados no alto da Serra. O mesmo agente afirma que um colega teria avistado um grupo de
dez pessoas na mesma região. Nesse mesmo documento, existem informações de intensa
movimentação de pessoas próxima ao Rio Claro77, o que estaria fazendo a população ficar
alarmada.
74
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
75
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
76
O serviço secreto de investigações da PMMG era conhecido na época por “S/2”.
77
Segundo documento do 11o BI da PMMG de Manhuaçu, haveria uma movimentação de “mais de 200 pessoas”
na região. No entanto, o número total de integrantes do MNR presos nas redondezas da Serra do Caparaó foi de
apenas 16 pessoas.
144
Outra fonte que demonstra a apreensão dos moradores com a presença de estranhos
na Serra do Caparaó são os jornais do período. Segundo o Estado de Minas, do dia 18 de abril
de 1967, a prisão dos guerrilheiros só foi possível após a PM ter recebido denúncias dos
Nacional79. O jornal O Globo, de 03 de abril de 1967, afirma que há pelo menos quatro meses
antes da prisão dos guerrilheiros já existiam denúncias realizadas por lavradores que residiam
nas proximidades sobre a circulação de pessoas diferentes80. No dia seguinte, o mesmo jornal
trouxe informações que, desde novembro de 1966, os fazendeiros da região já haviam notado
Um artigo escrito por Carlos Drummond de Andrade para o jornal Estado de Minas
talvez traduza melhor o que foi a reação da população ao ficar apreensiva com a presença de
78
O pequeno povoado de Caparaó Velho é hoje a cidade de Alto Caparaó.
79
“Operação Guerrilha na serra do Caparaó chega ao fim sem vítimas”. Estado de Minas, 18/04/1967, p.13.
80
“Guerrilheiros capturados em Minas Gerais pelo Exército e PM”. O Globo, 03/04/1967, p.4.
81
“A prisão do ex-subtenente Gelci deu pista para a grande caçada”. O Globo, 04/04/1967, p.10.
82
“Caparaó”. Estado de Minas, 07/04/1967, 3.a Seção.
145
desconhecidos dos habitantes, mas que se distinguiam deles pela aparência e modo de se
vestir, além de serem muitas vezes vistos portando armas pesadas, trouxe o medo que
O momento em que os guerrilheiros foram vistos, porém, não foi aquele em que a
população sentiu-se mais ameaçada. Nem todos sabiam da existência de pessoas estranhas no
alto da Serra. Tão pouco havia chegado a notícia de que estes homens seriam “perigosos
guerrilheiros na região. Mas foi a chegada das forças de repressão a principal responsável pela
Delumeau (1989, p.155) afirma que os rumores estão intimamente ligados ao medo.
Para o autor, um rumor é uma fina camada emersa de um mito que, quando existente em
histéricos que atravessam barreiras de idade, classes sociais e sexo: “Passando do estatuto de
‘diz-se’ ao de certeza, o rumor é uma acusação que denuncia culpados acusados de crimes
nunca imaginada pelas populações humildes, veio lhes confirmar que a ameaça era real.
chegada das tropas em Alto Caparaó: “[...] a gente viu na hora que começaram a chegar os
carros do Exército e o comentário surgiu que tinha uma guerrilha no campo...83”. Segundo
Dalbino José dos Santos, a chegada das tropas na mesma localidade teria causado um grande
83
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 23 de janeiro de 2004.
146
[...] teve uma prima minha mesmo que desmaiou, mesmo. Desmaiou de ver
aquela chegada, daquele policiamento chegando e se fosse uma polícia
comum, né! Mas assim parece que dá mais pavor, um pouco, é o Exército
chegando, e caminhão e mais caminhão, ônibus...84.
informações sobre a presença de guerrilheiros na escola: “A professora falou que era para nós
tomarmos muito cuidado que havia um povo aí fazendo... rondando aí muito bem armado. E
que eram barbudos, bigodudos e aquela coisa toda. E eram muito perigosos, que eles
estavam ao redor por aí e coisa e tal85”. Entretanto, a chegada das tropas é que teria
chegaram, né, chegaram aqui na cidade. Pra nós foi uma novidade muito grande. [...] Então,
se o povo (guerrilheiros) está por aqui, nós temos que realmente nos resguardar86”.
deixando em pânico muitos moradores locais. A chegada das tropas, munidas de todo o
aparato que seria utilizado na busca por mais guerrilheiros, indicava para a população que o
perigo era real. A imagem dos estranhos barbudos e cabeludos ganharia um outro contorno: a
do guerrilheiro comunista que vinha para dominar a região, tomar as terras e escravizar os
moradores locais. Visto, até então, como uma ameaça distante, o comunismo batia agora a
porta da população e ameaçava dominá-la, iniciando pela região de Caparaó os seus planos
84
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
85
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
86
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
147
O medo, que até então ocorria de forma moderada, disseminado entre os poucos que
entrou em pânico: “Foi pânico, né. Foi pânico que deu. O pessoal entrou em pânico aí e
deu... e deu muita coisa. Choravam as crianças daqui e dali87”. Ele se recorda do desespero
da diretora da única escola existente na época na cidade, ao entrar um dia em sala de aula
guerrilheiros iriam atacar Caparaó, ela teria entrado em estado de choque ao avistar homens
no alto da Serra:
residente na zona rural de Caparaó na época da Guerrilha. Segundo ela, os alunos teriam
“Sabia que eles [guerrilheiros] estavam descendo para a rua, saíram os alunos tudo de
galope. Fechava logo o colégio e saía com medo. Eles iam atacar o comércio de Caparaó89”.
surgiram rumores de que a estação ferroviária de Caparaó teria recebido uma ligação da
87
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
88
Idem.
89
Zózima Martins de Souza. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 21 de janeiro de 2004.
90
Localidade situada entre os municípios de Caparaó e Alto Jequitibá, onde existia uma estação da ferroviária.
148
“Aquele dia também foi um pânico, mas muito grande. Ah não, aí a polícia botou o pessoal
todo mundo pra casa, ‘não sai ninguém’, e pediu: ‘Não sai mesmo, não. Fica todo mundo em
casa que, quem aparecer aqui, nós somos obrigados a atirar91’”. Segundo Welton Ferreira
Lima, a população ficou tão apavorada com a notícia da Guerrilha que muitos moradores não
abriam as portas ou janelas: “[...] uma população medrosa. Janelas e portas fechadas,
entendeu?92”. Ele ainda afirma que, quando surgiam rumores que os guerrilheiros estavam
próximos à cidade, todos eram dispensados da escola. A sua reação neste instante era correr
sinceramente. Eu escondia. Dava vontade de esconder debaixo da cama, mas a cama era
muito fria por baixo. Ficava por cima, mas cabeça coberta. Isso não adiantava nada [risos]
93
”.
também permaneceram trancados no interior de suas casas e choraram com medo da presença
de guerrilheiros comunistas na região: “A reação deles era chorar, ficar dentro de casa.
Muitos não queriam sair94”. O depoimento de Dalbino José dos Santos demonstra o quanto o
[...] eu, para mim, eu sinto, foi apavorante! E não é só eu, é muita gente,
pessoas. E outra coisa, a gente às vezes tava deitado, tranqüilo, e de repente
a sirene começava a tocar e aí começava... a gente não podia estar na rua até
tarde. Antes, a gente não tinha hora para andar, né. Eu não andava, porque
não tinha esse costume mesmo, mas era um lugar tranqüilo. Então, esse
período foi mesmo um período apavorante. Todo mundo tinha medo95.
moradores que não circulassem pela região à noite. Ainda segundo Dalbino, muitos
91
Joaquim Cândido da Silva. Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
92
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
93
Idem.
94
Nadir Tavares de Oliveira. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
95
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
149
moradores levaram as mulheres e filhos para outras cidades. Ele próprio levou a sua esposa
Em Pedra Menina, a reação foi a mesma. Francisco Protásio afirma que muitos
moradores também deixaram de sair de casa: “Tinha algum que deixava de sair de medo,
medo. Topar com esses homens, que é uns homens estranhos, né96”.
região. Segundo o Estado de Minas, de 07 de abril de 1967, a população local estava cada vez
mais alarmada com os boatos propagados por pessoas da própria da região, como o do
informou que os professores das escolas de Presidente Soares pretendiam suspender as aulas
cidade e seus familiares, “[...] porque as cartas, em sua totalidade, continham notícias
alarmantes e pediam aos pais que fôssem buscar os filhos99“. A professora de Geografia,
Maria do Carmo Rocha Rezende, moradora de Espera Feliz, afirma que na cidade as aulas
a ação dos guerrilheiros. Tal informação pode ser comprovada através de documentos do
arquivo da PMMG que relatam a formação de postos de observação e patrulhas a cavalo nas
fazendas no interior da Serra do Caparaó. Tais patrulhas, segundo o relatório da PM, eram
96
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
97
“Tropas do Exército e da Polícia Militar recebidas a tiros em Caparaó: novas prisões e diversos feridos”.
Estado de Minas, 07/04/1967, p.10.
98
“Cêrco aos guerrilheiros será fechada amanhã em 3 estados”. Jornal do Brasil, 09-10/04/1967, 1a página.
99
“Tropas trocam alimento por simpatia: Caparaó”. Correio da Manhã, 12/04/1967, p.11.
100
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
150
custeadas pelos próprios fazendeiros, que se sentiam mais seguros com a presença policial na
região.
Dessa forma, a população passa a viver um clima de angústia constante, a espera dos
moradora de Alto Caparaó, afirma que temia os comunistas que estavam no alto da Serra, pois
os comentários levavam todos a acreditar “[...] que o Caparaó ia desabar. Que havia
confronto, que eles iam tomar as terras, que eles iam matar todo mundo aqui, ou o pessoal
tinha que desocupar o Alto Caparaó, deixar por conta deles101”. Aspecto parecido pode ser
Souza, moradores da zona rural de Caparaó. Ela afirma que “[...] eles queriam tomar à cidade
[...]102”, sendo complementada pelo marido: “[...] aquele negócio de tomar a cidade, vai
por ele ser comunista e pretender tomar as cidades e as terras da população local. A idéia de
escravidão estava relacionada à tomada das propriedades, como se pode notar no relato de
É, naquela época falava-se que a missão deles era realmente tomar o Pico
da Bandeira, né. [...] Que eles iam montar uma base no Pico da Bandeira
porque era bem localizado. Então, nós tínhamos, realmente, era isso que a
gente sabia, achar que eles iam tomar o Pico da Bandeira e tomar essa
região toda nossa aqui. [...] Tomar a cidade e ainda nos fazer de escravos,
101
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
102
Zózima Martins de Souza. Depoimento concedido no dia 21 de janeiro de 2004.
103
Genésio Moreira de Souza. Depoimento concedido no dia 21 de janeiro de 2004.
151
tá. Nos fazer de escravos pra trabalhar pra eles, aquela coisa toda. Então, o
que eu lembro, não é lendo, não, isso eu lembro mesmo que aconteceu isso:
“agora estamos perdidos, porque nós vamos ter é que trabalhar pra esse
povo, né. Esse povo vai tomar Caparaó, Alto Caparaó, Manhumirim, é
Manhuaçu, Carangola, nós vamos ser escravos desse povo”, é isso que a
gente lembra104.
revolução com o intuito de expandi-la para todo o país foram considerações que também
O que se falava aqui é que eles queriam tomar o Caparaó. O caso deles era
fazer revolta no país, que segundo soube, eles eram da revolução de
sessenta e quatro, né. Aquela turma do Brizola e tudo. Então eles foram
mandados embora... segundo eu soube, eram todos militares. Tinham
perdido o cargo deles lá e vieram para cá... então, o caso deles era
revolucionar o país. Iam tomar essa cidade aqui, que se chegassem e
acampassem aqui, aí ia tomar a cidade, ia causar pânico na população. Aí as
autoridades de fora iam ficar... querer, assim, chegar para acudir o povo,
qualquer coisa105.
opositores à ditadura implantada após o golpe de 1964, contavam com o apoio de Brizola e
imaginavam iniciar um movimento com o intuito de expandi-lo para todo o País. Entretanto,
mesmo nas informações com base na realidade, surgem distorções. Através do relato de
tais rumores:
104
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
105
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
106
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 21 de novembro de 2005.
152
Sebastião Machado de Faria afirma que todos comentavam que o guerrilheiro vinha
para matar todo mundo, mas antes “[...] eles iam descer com livrão para nós assinarmos os
papéis naquele livrão deles, que o nosso Brasil ia ser do outro país107”. Portanto, a imagem
do comunista como um indivíduo sem pátria que age no intuito de entregar o Brasil ao
domínio de uma outra nação que adote o regime, principalmente a União Soviética, aparecem
Brizola e tinham por intuito entregar o Brasil a uma outra nação. Porém, o seu depoimento
deixa transparecer que ele não sentiu tanto medo quanto o restante da população: “[...]
naquela época a gente era tudo rapaz e não ligava muito para essas coisas108”. Outros
afirmando que não desenvolveram a mesma emoção. É o que se pode perceber também no
depoimento de Izac Valério. Quando indagado se teria permanecido em casa como outras
tantas pessoas que assim o fizeram temendo a ação dos guerrilheiros, ele afirmou que, mesmo
com todos os boatos e a região cercada por tropas, manteve a sua vida normal, inclusive,
continuando a circular pelas redondezas à noite: “Não, eu andava muito aí. Ia lá em cima (na
A filha de Izac, Nadir Tavares de Oliveira, também demonstra em seus relatos que
não teve medo da Guerrilha. No entanto, em seu depoimento percebe-se que o medo narrado
se refere muito mais aos policiais do que em relação ao guerrilheiro em si: “[...] logo em
seguida que deu aquela Guerrilha, todo mundo ficou com medo. Muito medo porque veio
muita polícia. Mas eu não tive muito medo não, porque eu entrosei com aquele povo
107
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 22 de novembro de 2005.
108
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 21 de novembro de 2005.
109
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
153
[policiais]110”. O medo também em relação às tropas será analisado mais à frente. Neste
momento, o que importa é perceber que nem todos os entrevistados afirmam ter sentido medo.
Ao narrarem esta emoção, falam do medo sentido por outras pessoas e não referindo a si
próprios.
temiam que a água fosse envenenada pelos comunistas, matando toda a população e
facilitando a tomada das terras. Segundo Izac Valério, toda a água consumida pelas fazendas e
em Alto Caparaó vem do alto da Serra. Assim, se fosse colocado algum produto na nascente
ocasionou medo e transtorno aos moradores da região. A princípio, sem saber se os aparelhos
110
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
111
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
112
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 22 de novembro de 2005.
154
Ah, o helicóptero pra época era coisa do outro mundo. Eu sei dizer que o
helicóptero desceu aqui no campo, o antigo campo velho que hoje é novo
[risos]. Então, aquele negócio rapaz, foi uma coisa muito interessante, viu.
A gente nunca tinha... a gente até falava “aeroscópio”, a gente falava
“aeroscópio”, não era helicóptero, não. Então, veio aquele negócio
descendo, se eu não me engano foi até um tenente-coronel, parece que
desceu, não lembro, mas eu sei que aquele negócio do helicóptero descer no
campo, aquilo foi chapéu que voou para tudo quanto é lado, porque tem,
não é, a pressão era muito forte e chapéu voava. Só via gente correndo, todo
mundo correndo. Isso aqui virou que, cheio de gente pra ver o helicóptero.
Mas também, daquele tipo, né, podia ser polícia, mas podia ser guerrilheiro
também. Eu sinceramente, ele desceu no meio do campo. Eu comecei a ver
na trave do gol. Foi o lugar que eu comecei a ver. Depois fui chegando mais
para perto até esbarrar a mão nele eu esbarrei. Mas, para mim foi coisa do
outro mundo. Uma festa. Até hoje quando desce helicóptero aqui é uma
festa113.
Dalbino José dos Santos relata, de forma apreensiva, que trabalhava num local próximo à Alto
Todo o medo ocasionado por aviões e helicópteros produz relatos que, se hoje
por exemplo, relatam o pânico de uma mulher na região do Paraíso que se escondeu depois de
fritava um porco em seu terreiro no momento, e quando retornou a sua casa, a carne estava
113
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
114
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 26 de janeiro de 2004.
115
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 22 de novembro de 2005.
116
Depoimento concedido em Paraíso no dia 21 de novembro de 2005.
155
torrada. Maria Aparecida ainda recorda o desespero do irmão, que havia saído para buscar
uma vaca no pasto, quando viu o avião pela primeira vez: “Veio o avião tão baixinho, que
meu irmão saiu correndo lá pro pasto a fora. Achou que aquilo ia pegar ele e fez uma
‘gritaiada’ lá no alto117”.
área reagiu quando viu pela primeira vez os aparelhos. O Jornal do Brasil, do dia 08 de abril
de 1967, afirma que os habitantes de Alto Caparaó deixaram o almoço de lado para
mesmo jornal afirma que a população de uma outra localidade da região, Santa Marta,
também teria ficado impressionada com o helicóptero, apelidando-o de “[...] cró-có-có com
um papavento na corcunda119”.
ainda mais para ampliar a angústia dos residentes em torno do Parque Nacional: surgiram
comentários, publicados até mesmo pelos jornais da época, que a região seria bombardeada
pelos aviões da FAB. O Jornal do Brasil, do dia 12 de abril de 1967, trouxe em primeira
página a notícia de que os fazendeiros locais seriam avisados pelas tropas sobre o bombardeio
da região. Tal fato se daria pelas dificuldades encontradas na Serra do Caparaó pelas tropas da
PM e Exército na busca por mais guerrilheiros120. O Estado de Minas do mesmo dia também
traz informações sobre boatos de que a região seria bombardeada, demonstrando a apreensão
117
Idem.
118
“Exército procura mais 300 guerrilheiros em Caparaó”. Jornal do Brasil, 08/04/1967, p.3.
119
“Operação-Pente Fino começou ontem em Caparaó”. Jornal do Brasil, 15/04/1967, p.11.
120
“Aeronáutica bombardeará guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 12/04/1967, 1a página.
156
Na mesma reportagem, porém, o jornal afirma ter ouvido um oficial, que negava
notícia. Os jornais do dia seguinte informam que Exército e Aeronáutica haviam emitido uma
Na verdade, não se pode confirmar se houve ou não tal tipo de ação. Boiteux (1998,
p.91), que era integrante do MNR, afirma que pilotos da Aeronáutica “[...] com dezenas de
aviões, bombardearam Caparaó e cercanias”. Porém, este nunca esteve em Caparaó, “[...]
para a manutenção dos homens no alto da serra” (REBELLO, 1980, p.168). Hermes
Guerrilha, que se pensava, ainda não teriam sido presos, também afirma que ouviu o barulho
de bombas jogadas pelos aviões da FAB (CAPARAÓ, 2006). Segundo Faria (2002, p.34),
existiriam crateras no pé da serra formadas pelas bombas jogadas no local. Entretanto, não foi
Brasil, do dia 15 de abril de 1967, um capitão da corporação mineira afirma que todas as
Guerrilha, datado do dia 18 de abril, confirma a ação, sendo utilizadas bombas de gás em
por estas bombas e os tiros de metralhadora disparados pelas forças militares também
deixaram a população muito intranqüila, por não saber o que estava ocorrendo: “Agora,
121
“Tropas vasculham território capixaba”. Estado de Minas, 12/04/1967.
122
“Operação-Pente Fino começou ontem em Caparaó”. Jornal do Brasil, 15/04/1967, p.11.
123
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
157
tiroteio nós escutamos muito. Isso foi muitas vezes mesmo. Um dia, eu estava almoçando, mas
Deus me livre... você às vezes nunca viu, mas igual fogo no taquaral, e aí começou124”.
denúncias e prisões de civis ocorridas em toda a região. Os jornais do período trazem várias
referências a moradores que afirmavam ter avistado pessoas estranhas e tê-las denunciado à
estranhos ou focos luminosos na área interditada pelas tropas. De acordo com os mesmos
jornais e documentos da Polícia Mineira, um grande número de prisões foi realizado nas
Fervedouro, entre outras: “Outra conseqüência dos fatos é a suspeita generalizada que se
criou em torno das pessoas estranhas que chegam às cidades, ocasionando prisões em
grande número, pois a qualquer indício os militares entram em ação127”. Pessoas foram
presas até mesmo em cidades distantes da região como Governador Valadares, Ponte Nova,
Raul Soares e Ipatinga128. A grande maioria foi liberada pouco tempo depois por não se
a qualquer momento poderia descer da Serra, moradores viveram intranqüilos, tendo seu
124
Dalbino José dos Santos. Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
125
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
126
Estado de Minas: “Tropas em operação admitem presença de outros homens em armas na região”,
11/04/1967; “Soldados da PM vasculham grutas à procura de guerrilheiros em Caparaó”, 13/04/1967; “Limpeza
em Caparaó chega ao fim e PM não confirma mortes de guerrilheiros”, 14/04/1967. O Globo: “Matança de gado
denunciou guerrilheiros do Caparaó”, 08/04/1967; “Presos 36 implicados na ação de guerrilhas na serra do
Caparaó”, 14/04/1967. Jornal do Brasil: “Guerrilheiros metralham um trem da Leopoldina em Minas”,
06/04/1967; “Novos guerrilheiros obrigam a FAB a solicitar reforços”, 11/04/1967.
127
“Tropas trocam alimento por simpatia: Caparaó”. Correio da Manhã, 12/04/1967, p.12.
128
“Tropas estão lutando com os guerrilheiros na Serra do Caparaó”. O Globo, 06/04/1967, 1a página.
158
denúncias em relação aos estranhos que apareciam na região, enfim, todos os sinais de medo
indicam como a Guerrilha abalou emocionalmente tais pessoas. Ademais, houve um elemento
que ampliou essa angústia: os próprios militares. Pelos relatos da população, documentos da
PMMG e mesmo os artigos publicados nos jornais, as tropas agiram no sentido de “orientar a
população sobre os perigos que o guerrilheiro comunista representava para ela”. José Cortez
Filho, por exemplo, afirma que manteve contato com alguns dos guerrilheiros no alto da
Serra, mas sem se importar com a presença destes: “[...] eles nunca prejudicaram a gente em
nada129”. Porém, com a chegada das tropas, a situação mudou. Os militares “avisaram” a
população sobre o perigo que corriam com a presença de guerrilheiros comunistas: “Esses
O Jornal do Brasil, do dia 17 de abril de 1967, afirma que, até as primeiras prisões
A posição conservadora adotada pelo jornal na matéria traz embutida a ação dos
guerrilheiros comunistas.
132
Em um bilhete enviado ao Posto de Operações Conjuntas (POC) , o capelão da
PMMG relata todas as ações de auxílio à população realizadas pelas tropas na Serra do
129
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
130
Idem.
131
“Caça a guerrilheiros termina hoje com Operação-Pente Fino”. Jornal do Brasil, 17/04/1967, p.22.
132
Estabelecido na cidade de Espera Feliz, o POC era uma central de comando de toda a operação de combate à
Guerrilha sob a chefia de oficiais do Exército.
159
Caparaó, o que será visto mais à frente. Entre vacinações, consultas, recreações com as
Feliz, oficiais do Exército realizaram palestras na escola. O tema central das conferências: o
comunismo.
ocasionar um clima de angústia, já distorcido e aumentado pela própria cultura dos moradores
da região, a ação dos militares proporcionou que o medo fosse ampliado ainda mais. Basta
notar que algumas das reações e medos da população tinham conexão direta com as pregações
realizadas pelas tropas. Welton Ferreira Lima e Joaquim Cândido da Silva afirmam que, em
Caparaó, os militares pediam que todos ficassem em casa: “Não sai mesmo, não. Fica todo
mundo em casa que, quem aparecer, nós somos obrigados a atirar135”. Welton recorda que as
tropas pediam aos moradores que mantivessem as portas e janelas bem fechadas, porque “[...]
133
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. O conteúdo do bilhete é citado na
íntegra no relatório fornecido ao Estado Maior da PMMG datado de 10/04/1967.
134
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
135
Joaquim Cândido da Silva. Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
160
o perigo estava realmente... o pessoal estava por aí e toda a precaução seria bem-vinda136”.
Dessa forma, se muitos se trancaram em casa, em parte, se explica pela própria ação das
também pode ser relacionado com a ação dos militares. O Jornal do Brasil, de 06 de abril de
1967, informa que grupos de soldados armados de metralhadora vigiavam a estrada na região
população.
Nos depoimentos do casal Dalbino José dos Santos e Marta Zainote dos Santos
aparece ainda um outro boato, o de que os guerrilheiros haviam invadido a casa de alguns
moradores da Serra. Dalbino afirma que “[...] eles [guerrilheiros] começaram a descer e,
também, não foi assim atacar as pessoas, mas forçar as pessoas a fazer uma comida pra eles
e coisa e tal138”. Porém, nenhum documento consultado nesta pesquisa ou pessoa entrevistada
Cabe ainda lembrar que, outros aspectos foram causadores de transtorno para os
moradores. Para entrar ou sair de várias localidades, as pessoas eram obrigadas a se identificar
aos militares presentes139. Em outras áreas, eram necessárias senhas, caso contrário, as tropas
tinham autorização para atirar140. Dalbino José dos Santos afirma que, em determinadas
locais, era necessário andar sinalizado: “Até teve um colega meu, o Genésio, ele só deixou a
136
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
137
“Guerrilheiros metralham um trem da Leopoldina em Minas”. Jornal do Brasil, 06/04/1967, p.3.
138
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de novembro de 2004.
139
“Guerrilheiros do ex-sargento Amadeu adquiriam alimentos em Caparaó Velho”. Estado de Minas,
07/04/1967.
140
“Novos guerrilheiros obrigam a FAB a solicitar reforços”. Jornal do Brasil, 11/04/1967.
161
blusa que estava um pouquinho em cima da pedra e saiu um pouquinho. Eles ameaçaram
atirar nele, porque ele não estava com a roupa sinalizada para fazer aquilo141”. A interdição
de estradas pelas tropas teria ocasionado o atraso, e mesmo, a interrupção de linhas de ônibus
que ligavam diversas localidades nas proximidades da Serra do Caparaó142. Segundo o Jornal
mineira e um ônibus teria sido revistado: “Todos os passageiros foram obrigados a descer e
abrir suas malas143”. Dessa forma, toda a operação anti-guerrilha implantada na região foi
Tal aspecto pode ser notado tanto nos depoimentos quanto nos documentos da PMMG. Toda
a movimentação militar na região teria durado até o dia 18 de abril de 1967. Depois dessa
data, apenas um pelotão do 11º BI da PMMG permaneceu em Alto Caparaó com o objetivo de
sobre o pouso de um helicóptero e sobre disparos de arma de fogo nas proximidades do Pico
da Bandeira.
investigações, após denúncias feitas por criadores de gado sobre a movimentação de estranhos
de gado, residente em Espera Feliz, teria afirmado não retornar mais a região por estar com
141
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de novembro de 2004.
142
“Soldados vasculham grutas a procura de guerrilheiros em Caparaó”. Estado de Minas, 13/04/1967.
143
“Exército assume o comando da ação contra os guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 07/04/1967, p.3.
162
medo. O mesmo relatório traz ainda a prisão de um homem em Pedra Menina “[...] que estava
maltrapilho, descalço e com a barba bastante grande144”. Após ter mentido várias vezes para
os policiais que o interrogaram, o homem foi levado para Alto Caparaó, não sendo mais
investigações na região até fins da década de 1970, após denúncias dos moradores da zona
rural da Serra do Caparaó, sobre a presença de pessoas estranhas. Na maioria delas, a Polícia
Militar teria concluído que os estranhos eram turistas que praticavam camping no interior do
Parque Nacional. Porém, os documentos que poderiam confirmar tais relatos não constam no
da ameaça comunista permaneceu. Se por um lado, a saída das tropas representava que os
guerrilheiros haviam sido derrotados, de outro, ficava sempre a dúvida se alguns destes não
teriam conseguido se esconder dos militares, ou se não retornariam à região novamente para
colocar em prática os seus planos. Segundo Welton Ferreira Lima, os moradores de Caparaó
A gente saía, mas com pé adiante e o outro atrás. A gente tranqüilo, sim.
“Acabou!” Mas a gente ainda ficava precavido, porque você sabe como é
povo da roça – nesse tempo isso era uma roça – é bem assim, agarrado as
coisas, entendeu? Eu estou para te dizer com toda a sinceridade, que foi em
mil novecentos e sessenta e poucos, por aí... hoje, ainda é capaz de ter gente
com medo de guerrilheiro aqui em Caparaó, você está entendendo? 146
Joaquim Cândido da Silva também relata que a população permaneceu com medo
por algum tempo: “Essa onda, assim, de guerrilheiro ficou, porque aí, de vez em quando,
144
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
145
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
146
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
163
proibia, assim... a ida no pico com medo de ter mais algum por lá. [...] se chegasse uma
Oliveira, os moradores da localidade preferiam não manter contato com os estranhos recém-
chegados. Várias visitas foram realizadas pela polícia com o intuito de investigar os novatos
Muito tempo, por muito, muito tempo a população ficou assim, assustada
com os guerrilheiros. Então, qualquer pessoa diferente achava que era
guerrilheiro. Já ligava, já ia ligar para a polícia, para Polícia Militar. E
qualquer coisa que via diferente já achava que era Guerrilha: “Liga para a
polícia!”. As pessoas que já começavam a falar... aí já foi passando o
tempo, né. Aí já era vista como comunista. Tudo que... durante muitos anos
o xingamento era comunista. Guerrilheiro, chamar um de guerrilheiro era...
como hoje falar maconheiro149.
Até mesmo o trabalho com o gado pode ter sido afetado, já que a maior parte dos
criadores mantinha os animais soltos no alto da Serra. Dessa forma, com medo da
permanência de guerrilheiros, muitos deixaram de ir até o local: “Tinha muitas pessoas que
iam no campo. Aí diminuiu o povo um ‘mucado’ na época, porque cismaram que eles podiam
o momento em que estiveram próximos de serem dominados pelo tão famigerado comunismo.
no alto da Serra, trouxe à tona e ampliou o maior de todos os medos sentidos pelo homem: o
147
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
148
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
149
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2005.
150
José Cortez Filho. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
164
grupos conservadores, foi absorvida e reinterpretada a partir da carga cultural que tais pessoas
população estudada não foi mera transposição de imagens, uma redução simplista
pelos rumores tenebrosos que rapidamente se espalhavam pela região e a ação dos militares,
que contribuíram para ampliar ainda mais o medo vivido por estes.
por uma causa desconhecida, mas que era entendida como maléfica, os moradores da Serra do
é construída somente em torno da angústia sentida pela população por causa da presença de
presença das tropas e de toda a ação assistencialista desenvolvida por estas no intuito de
SIMPATIA POPULAR
movimento que havia ali se instalado; a segunda, a conquista da simpatia popular, evitando,
assim, que os guerrilheiros a conquistassem antes. Dessa forma, se por um lado, os militares
responsáveis pelo auxílio à população nas áreas que esta mais necessitava. Por isso mesmo, a
também em torno dos médicos, dos dentistas, dos enfermeiros, dos veterinários que visitaram
são vistos por boa parte da população como aqueles que vieram, corajosamente, enfrentar os
imagem de pessoas amigas, simpáticas e caridosas, que tinham por principal objetivo auxiliar
os habitantes locais.
Porém, existem alguns aspectos sobre a memória dos moradores em relação aos
militares que devem ser analisados. Primeiramente, alguns depoimentos deixam transparecer
que havia medo também em relação às tropas. Para tais pessoas, a polícia representava a
violência em seu maior grau, tendo o poder de exercê-la sobre qualquer um, independente de
ter este alguém cometido, ou não, um crime. É o que demonstra, por exemplo, José Cortez
Filho. Em seu relato, José afirma que, quando jovem, policiais pediam animais emprestados a
seu pai para utilizar nas buscas de foragidos. Nestas circunstâncias, viu várias vezes os
militares retornarem com pessoas presas, amarradas pelas mãos à traseira de um cavalo, sendo
obrigados a andar enormes distâncias dessa forma até serem levados a uma cidade,
166
Vocês não sabem o quê que é vida de militar. Vida de militar são as piores.
O sujeito, assim, deve, não deve. Se ele não dever, eles apertam tanto o
sujeito, fala, acabando devendo.[...] Deus me livre! Nós tínhamos
companheiros que trabalhavam com nós, não tinham nada com a polícia,
quando a polícia batia em algum lugar aqui, eles pegavam e falavam: “Olha
a polícia passando lá”. Eles subiam no meio daquela samambaia e enfiava
debaixo e sumia. Rapava fora dali, ficava lá no meio do mato, de medo. E
não devia nada. Mas tinha medo. Eles falavam que a polícia vinha buscar de
qualquer maneira152.
ficaram assustados com a presença de tantos policiais na região. Segundo ela, a população não
era acostumada com os militares, os quais só viam quando iam a uma cidade próxima para
realizar as compras153. Francisco Protásio de Oliveira também afirma que a população não era
acostumada com policiais, o que justificaria toda a apreensão: “Naquele tempo, ninguém
conhecia policial de cara a cara, assim. Um monte de polícia de uma vez. Por acaso, vinha
uma polícia fazer vigilância aí. Mas por acaso. Pessoal ficava cismado, pessoal ficava sem
sair de noite154”.
em lidar com as tropas presentes na região. Izac Valério se recorda que, muitos daqueles que
se trancaram em casa, o fizeram com medo de serem interrogados pelos militares presentes na
região:
151
José Cortez Filho morava na zona rural de Manhumirim antes de se mudar, ainda na infância, para Alto
Caparaó.
152
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005. Segundo José Cortez Filho, as
violências policiais que presenciou teriam acontecido numa área na zona rural de Manhumirim, onde residiu na
sua infância antes de se mudar para Alto Caparaó.
153
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
154
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
167
[...] quem ficou com medo nem com, nem com... não saía de casa pra não,
pra não ser entrevistado com a polícia. Que a polícia entrevistava todo
mundo que passava ali. “Ah, eu não sei o que é que eu vou falar com eles.
Às vezes os homens vão imaginar que até eu também sou culpado” 155.
que os guerrilheiros eram comunistas, porém, boa parte dos moradores não sabia ao certo o
que significava a palavra, pois quase todos temiam se aproximar dos militares para conseguir
mais informações a respeito: “Só que eles falavam em comunismo e a gente não sabia o quê
que era. E a gente também não aprofundava no assunto, que a gente tinha muito medo da
polícia156”.
traz um outro aspecto em seu depoimento, o medo de ser encontrado portando armas:
Provavelmente, Genésio temia ser confundido com guerrilheiros por portar armas.
Na continuação do depoimento, ele afirma que temia que a Polícia viesse o desarmar ou até
mesmo prendê-lo. Deve-se destacar que, pelos relatos dos moradores da região, era comum
possuir algum tipo de arma de fogo, como se pode notar na fala de Nadir Tavares:
155
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
156
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
157
Genésio Moreira de Souza. Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 21 de janeiro de 2004. Genésio,
que atualmente reside no referido município, morava na zona rural de Caparaó no período da Guerrilha.
168
Ah, aqui era assim, sempre tinha aquelas garruchinhas, do tempo antigo,
garruchinha de dois canos. Inclusive, numa época a minha mãe tinha uma
de um cano. Papai tinha uma em casa, porque papai limpava café e passava
a noite fora, e nós morávamos num sítio fora da rua indo aqui para Alto
Jequitibá, no alto aqui quando vai virar, num sítio do lado de baixo, a gente
morava ali. Então mamãe com os filhos todos pequenos, e ela ficava
sozinha, então o papai sempre deixava essa garruchinha com ela pra
qualquer coisa, animal ou qualquer coisa, ela atirar para espantar158.
Assim, parte da população temia que os policiais, sem critérios para diferenciarem
qualquer outro fato. Por isso, evitavam uma maior proximidade com os militares.
As prisões de inocentes ocorridas na região podem ter colaborado para ampliar ainda
mais a apreensão de muitos em relação aos militares. Algumas das matérias divulgadas pelos
jornais da época mostram o nome de pessoas da região presas por suspeita de envolvimento
grande número de denúncias contra tais pessoas, realizadas pela própria população local, pode
temor de que as tropas pudessem estar agindo sem critérios, reprimindo e prendendo qualquer
Oliveira afirma que foi obrigado a guiar militares em sua busca por acampamentos
que fazia o trajeto contrário, se apropriando do fubá que ele transportava a cavalo e
158
Nadir Tavares de Oliveira. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
159
“Onze guerrilheiros teriam sido mortos pela Polícia de Minas”. Jornal do Brasil, 13/04/1967, 1ª página.
“Presos 36 implicados na ação de guerrilhas na serra do Caparaó”. O Globo, 14/04/1967, p.8.
169
obrigando-o também a seguir nas buscas pelos guerrilheiros. Quando se aproximaram do local
onde o acampamento havia sido avistado, os militares fizeram com que o homem seguisse na
frente:
vizinho:
Aconteceu com filho do Luís de Oliveira. O rapaz, não sei porque cargas
d’água, foi acusado de ser guerrilheiro, e sofreu o diabo. Foi torturado a
golpes de tijolo, pisado, queimado com cigarro, queriam a todo custo que
ele falasse. Ele não sabia de nada. A família dele ficou tão descorçoada que
acabou mudando daqui (REBELLO, 1980, p.120).
O envolvimento das Forças Armadas nas buscas por guerrilheiros também merece
uma maior atenção na presente pesquisa. Primeiramente, as notícias que o Exército estaria
Dalbino José dos Santos: “Aí já não era mais, a gente começou a sentir que não era mais nem
só para a Polícia Militar, e coisa e tal. Já era, precisava do Exército também porque tava
Entretanto, aqui ocorre um importante questionamento sobre a real ação das Forças
160
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
161
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
170
realmente ocorreu, sendo confirmado por notas dirigidas à imprensa por oficiais da
Mas não se pode certificar através das fontes analisadas se houve participação ou
não de forças do Exército nas buscas nas redondezas da Serra do Caparaó. É certo que o
comando de toda a operação na região ficou por conta de oficiais da 4ª Região Militar de Juiz
de Fora, instalados na cidade de Espera Feliz. De acordo com muitos depoimentos dos
época, o Exército também teria participado das ações no alto da Serra. Chegou-se a cogitar o
Polícia Militar162. As informações dão conta da presença das Forças Armadas em Alto
Rebello (1980) e Boiteux (1998) também defendem que houve utilização de homens das
Forças Armadas nas buscas por guerrilheiros. Porém, pelas informações contidas nos
documentos da PMMG, todas as ações no interior do Parque Nacional teriam sido executadas
exclusivamente por tropas das polícias militares do Espírito Santo e, principalmente, Minas
homens das Forças Armadas para a região constituiu em apenas uma “medida preventiva166”,
162
“Exército desloca 3 mil homens para Caparaó – boliviano confirma que ‘Che’ Guevara organiza guerrilhas”.
O Globo, 05/04/1967, 1ª página. “Caparaó: três mil em ação”. Correio da Manhã, 08/04/1967, 1ª página.
163
“Exército assume o comando da ação contra os guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 07/04/1967, p.3.
164
“Tropas fecham cêrco sôbre guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 08/04/1967, 1ª página.
165
“Tropas regulares travam luta com guerrilheiros em Caparaó”. O Globo, 06/04/1967, p.8 – 2º caderno.
166
“Mais tropas do Exército desembarcam em Manhuaçu”. O Globo, 07/04/1967, p.8.
171
existiria um efetivo de 920 homens em ação nas proximidades da Serra do Caparaó, sendo
10 de abril para organizar o esquema de comunicação das forças que atuavam nas buscas por
guerrilheiros, sendo esta a única menção sobre a presença de integrantes desta corporação no
locais onde, de acordo com os indícios, só atuaram forças da Polícia Militar Mineira, como
Alto Caparaó e Caparaó. Pode-se notar tal fato em vários depoimentos: Dalbino José dos
Santos168 e Nadir Tavares de Oliveira169, por exemplo, relatam toda a apreensão vivida pela
população com a chegada dos homens do Exército. Welton Ferreira Lima afirma que, apesar
do medo, as pessoas se sentiram mais seguras “[...] porque o Exército aí está pra nos
defender170”. Para José Cortez Filho, a população só passou a ter noção do perigo que corria
com a presença de guerrilheiros no alto da Serra após serem informados pelo Exército171.
nas buscas por guerrilheiros no interior do Parque Nacional poderia até ser contestada, sendo
interpretada como uma estratégia para diminuir o impacto perante a opinião pública nacional
argumento de que não teriam sido utilizadas tropas federais nas ações no interior da Serra.
Todas as referências às Forças Armadas, excluindo-se a FAB, responsável pelo apoio aéreo às
buscas por guerrilheiros, dão conta apenas da troca de informações ou ordens enviadas ao
167
“Presos 36 implicados na ação de guerrilhas na serra do Caparaó”. O Globo, 14/04/1967, p.8.
168
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
169
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 23 de janeiro de 2004.
170
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
171
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
172
dos moradores da região? Alguns aspectos devem ser analisados para que se possibilite
compreender tal ocorrência. Primeiramente, deve-se destacar que, por ordem do Estado Maior
policiais mineiros poderiam aparentar para a população local serem integrantes das Forças
Armadas em campo de batalha, como pode ser comprovado por diversas fotografias
além dos oficiais da corporação que coordenavam todas as ações na região, estariam presentes
alguns subalternos que davam cobertura ao POC. Tal fato pode ter gerado comentários e
colaborado para que a população identificasse os policiais militares como membros das
Forças Armadas. Deve-se lembrar ainda que, segundo muitos depoimentos, os moradores das
localidades estudadas também ficaram apreensivos diante das tropas que se instalaram na
região, havendo um distanciamento inicial entre a população e a PM, fato que colaboraria
exemplo, afirma que as primeiras investigações foram realizadas por policiais militares. Logo
em seguida, no entanto, chegaram tropas do Exército e ocuparam toda a área. Francisco teria
depoimento, não existem evidências suficientes para atestar a atuação de tropas federais no
Espírito Santo. Existem algumas notícias divulgadas em jornais da época que relatam a ação
172
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
173
Ver imagens 4 e 5 da p.203.
174
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
173
do Exército em auxílio à PMES175. Porém, assim como ocorreu com as informações sobre a
ação de forças federais no lado mineiro do Parque Nacional do Caparaó, nenhum documento
utilizado nesta pesquisa pôde comprovar se homens do Exército teriam atuado ou não no lado
capixaba da Serra.
PMMG montou uma enorme estrutura para assistir a população nas áreas que esta mais
presentes na região.
mesmo da prisão dos guerrilheiros. O Estado Maior da PMMG, em março de 1967, ordenou a
formação de equipes de reconhecimento que atuaram desde a Serra do Caparaó até municípios
distantes como Ponte Nova, Ouro Preto, Juiz de Fora e Leopoldina. No mesmo documento, as
autoridades militares ordenaram que fosse avaliado a atitude da população local “[...] face a
ordenou-se que a região fosse isolada, capturando todo material e pessoal suspeito de
cooperação com os guerrilheiros. Porém, o comando da operação, mais uma vez, mostrou-se
conquistar a simpatia popular177”. Assim, foi montada uma grande estrutura para
175
“Tropas fecham cêrco sôbre guerrilheiros”. Jornal do Brasil, 08/04/1967, 1ª página.
176
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
177
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG.
174
com o relatório diário enviado ao Estado Maior da PMMG, somente entre os dias 11 e 14 de
abril teriam sido realizadas 560 consultas médicas, 39 curativos, 460 extrações dentárias, 47
obturações provisórias, 12 limpezas de tártaro, entre várias outras ações como distribuição de
assistencialistas aos moradores de regiões mais distantes no alto da Serra. Além dos
recém-nascidos:
178
“Presos 36 implicados na ação de guerrilhas na serra do Caparaó”. O Globo, 14/04/1967, p.8.
179
“Tropas trocam alimento por simpatia: Caparaó”. Correio da Manhã, 12/04/1967, p.11.
175
As crianças tiveram atenção especial nas ações da PM. De acordo com Ismael Gripp,
pessoas verem que não tem nada a ver, que a polícia é para dar apoio à população e dar
importância da educação física e sobre higiene, jogos, festas infantis, distribuição de balas e
em Caparaó. Segundo os documentos da PM, uma outra sessão ocorreria em Alto Caparaó,
mas foi cancelada por falta de energia elétrica. Um jornal da época chegou a divulgar uma
comunismo, como já analisado anteriormente, constava das pregações dos religiosos enviados
Uma matéria publicada no Jornal do Brasil, dos dias 15 e 16 de abril, demonstra que
também a imprensa, mesmo reconhecendo as verdadeiras intenções dos militares por trás de
todas as ações assistencialistas, era simpática às tropas da PMMG. Segundo o jornal, a Polícia
do estado. A matéria ainda traz outras ações que não constam nos relatórios diários enviados
180
Depoimento concedido em Caparaó no dia 29 de janeiro de 2004.
181
Jornal do Brasil, 15/04/1967. Ver imagem 13 da p.205.
176
dos moradores locais demonstram que havia um medo inicial em relação às tropas presentes
dessa forma, uma das imagens mais fortes que constituem a memória da Guerrilha para os
os militares foi dando lugar à simpatia. Segundo ela, com as ações assistencialistas, a
Foi uma coisa, de certa forma, boa, porque eles vieram com muitos
medicamentos, vieram com muitas provisões, então eles atenderam até a
população. Se eu não me engano, a avó dela mesmo [aponta para a filha a
seu lado] foi com os meninos, foi atendida, que eles não tinham, assim,
muito posto de saúde, aquela coisa era uma coisa muito rara. Então, eles
atenderam a população muito bem. Então, foi até benéfico. De certa forma,
foi um mal que trouxe um bem. Então, foi... atenderam muito bem. E eles
182
“PM mineira já sabia o que esperava”. Jornal do Brasil, 15 e 16/04/1967, p.22.
183
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
177
eram pessoas muito educadas. O pessoal ali... apesar de que a gente tinha
medo deles também. Porque a gente era muito ignorante. Era meio criado,
meio assim... coisa e tal. Mas fomos aproximando, aproximando... soldado
passava a mão na cabeça, até que nós acostumamos. Mas um pouco ainda,
como diz o outro, ressabiado184.
Assim, toda a ação promovida pela PM mineira permaneceu viva na memória dos
tinham muito médico da polícia. Deram socorro pro pessoal daqui. Deram muitos remédios
pra eles185”.
Joaquim Cândido da Silva afirma que, com a presença das tropas em Caparaó, a
população se sentiu mais protegida contra os ataques dos guerrilheiros comunistas. Além
Ah, tranqüilizou mais, porque tinha muita polícia, não é? Eles eram em
quantidade grande e eles tinham, assim, polícia para... tinha o capelão que
ficava celebrando missa, né, conversando com o povo. E tinha o sargento
Zé Maria e outros também para atrair a criançada, passavam filmes e
brincavam com as crianças, atraindo as crianças. E tinha... veio dentista,
veio médicos e começaram a dar remédios, né, consultar o pessoal. Davam
remédios de graça e tudo. Então... o pessoal sentiu mais tranqüilo, né.
Protegido, né186.
O mesmo sentimento de simpatia pelas tropas foi percebido até mesmo em Espera
Feliz. A cidade, sede do centro de comando da operação anti-guerrilha, foi ocupada por forças
população local, a princípio, também teria ficado apreensiva inicialmente com a presença das
tropas: “Rapaz, você sabe que no começo o pessoal assustou. Ficou assustado, mas que
nunca tinha visto, não é, aquele monte de pessoal do Exército aqui. Mas depois eles ficaram
tão enturmados com a gente que o pessoal nem esquentava muito mais não187”. Segundo
184
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
185
José Cortez Filho. Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
186
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
187
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 21 de novembro de 2001.
178
Adilson, muitos militares fizeram amizade com a população, tendo participado, inclusive, de
partidas de futebol.
Aí, também tinha festa, eles plantaram árvores, eles fizeram, é... baile,
aqueles bailes da rainha da FAB. Eles iam na escola dar palestras, dar
panfletos, falavam sobre anticomunismo... comunismo... falavam sobre o
comunismo, mas contra e... do papel que eles estavam fazendo aqui.
Vacinaram todo mundo de febre amarela e de varíola. De primeiro, vacina
era uma coisa, assim, limitada a crianças, assim, escolares. Aí, vacinou todo
mundo. [...] promoveu esse negócio de festa e levava a gente para esse
campo de aviação para dar volta de helicóptero, de avião, aqueles teco-
tecos. [...] Assim, num tempo, Espera Feliz ficou numa situação de pânico.
De medo, tanto do Exército quanto dos guerrilheiros188.
qualquer ação desse tipo ocorrida no lado capixaba da Serra. No entanto, são os moradores de
Alto Caparaó e Caparaó que demonstram uma maior gratidão em relação às tropas. Por serem
formadas por uma população mais humilde, sem qualquer assistência por parte do poder
público, o auxílio prestado pela PM teve um impacto maior sobre as pessoas dessas
localidades. É o que se pode perceber no depoimento de Izac Valério, que define os militares
que atuaram em Alto Caparaó como um “povo bom e educado”. Segundo ele, em
contrapartida às ações em benefício da população, as tropas eram agraciadas com frutas como
dispostos a ajudar os militares na luta contra os guerrilheiros. Izac ainda afirma que o povo do
lugar muitas vezes é ingrato ao não homenagear o comando das tropas com presentes por tê-
188
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 22 de novembro de 2001.
179
Comandante, eu trouxe pro senhor uma leitoa ou, eu trouxe pro senhor um
cabrito gordo, que o senhor nos deu uma tranqüilidade muito grande. Não
tem. O sujeito às vezes não faz. Sujeito sai daqui pra ir à Juiz de Fora, pra
chegar lá e procurar o comandante lá: “Ah, seu comandante, nós estamos
libertos lá, viemos cá dar um abraço no senhor e pedir a Deus pro senhor,
Deus dar muita vida ao senhor”. Mas o sujeito não faz isso189.
militares da região. Welton Ferreira Lima, por exemplo, afirma que a saída das tropas
representou uma tranqüilidade para boa parte da população por achar que a área estava livre
definitivamente dos guerrilheiros. Porém, por outro lado, muitos ficaram tristes sem a
presença dos militares: “[...] para nós foi uma tranqüilidade e, sinceramente, até uma
saudade. [...] Então, para mim, sinceramente, quando eles foram embora foi uma tristeza190”.
entrosar com a população e tiveram por ela um grande carinho. Assim, ao deixar a localidade,
as tropas teriam ocasionado a tristeza dos moradores locais: “Isso ficou gravado na mente e
no coração do povo, porque, quando... é a mesma coisa quando você nunca teve um carinho
de ninguém, de um amigo, de uma pessoa qualquer, você tem um carinho, aquilo fica
guardado191”. Segundo Nadir, muitos moradores teriam chorado, tristes com a partida das
tropas. Um oficial reformado da PMMG192 que atuou na região de Alto Caparaó, confirma o
depoimento de Nadir. Ele afirma que o local era muito pobre e sem nenhuma estrutura, e que
muitas famílias não tinham nem alimentos. Assim, com a saída das tropas e,
também demonstram a simpatia popular em relação às tropas. No dia 13 de abril de 1967, por
189
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
190
Depoimento concedido em Caparaó no dia 20 de novembro de 2005.
191
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 30 de setembro de 2005.
192
O oficial da PMMG não permitiu a gravação de seu depoimento, autorizando informalmente a utilização dos
dados fornecidos por ele. Preferiu-se, por causa disso, manter o seu nome no anonimato.
180
exemplo, o relatório traz informações sobre o apoio dos fazendeiros no interior da Serra do
Caparaó às forças de repressão à Guerrilha. Tal fato, segundo o documento, teria acontecido
PMMG, sediado em Barbacena, relata-se a partida das tropas da cidade de Caparaó. Em tom
193
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. Grafia e grifo mantidos como no
original.
181
Um outro aspecto ainda aparece de forma muito forte nos depoimentos: a imagem
dos militares como salvadores. Para muitos, além de toda a assistência prestada, a gratidão às
tropas também se deve ao fato de terem salvado a região da Serra do Caparaó dos perigosos
guerrilheiros comunistas. De acordo com Izac Valério, os policiais presentes na região ali
estavam para garantir a segurança do povo do lugar: “Houve aqui uma garantia do Caparaó,
que nós temos que respeitar muito [os batalhões da PMMG] Manhuaçu e Juiz de Fora195”.
também estava, em parte, ligada ao medo. O militar surge como aquele que livrou a região, e
Aí o pessoal comentou que nem pediu o dono dos bois, mas era uma ordem
do Exército. O dono do boi nem nunca procurou, porque estava vendo que o
Exército estava defendendo a Nação. Então, já que estava defendendo a
Nação, nada mais que o povo do lugar também ajudar naquilo que puder,
que puder. Porque o povo daqui não deixou de ajudar o pessoal. Às vezes
levava alguma coisa de casa. Não que o Exército pedisse, porque eles
andam muito bem preparado196.
Caparaó, afirma que muitos de seus vizinhos em Pedra Menina, assustados com a
movimentação militar na região, o indagavam se ele não tinha medo de participar das buscas
194
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. Grafia e grifo mantidos como no
original. Grafia mantida como no original.
195
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 04 de outubro de 2005.
196
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 22 de novembro de 2005.
182
aos guerrilheiros. Em resposta, afirmava estar colaborando com a Nação: “Mas, eu estou
Através dos relatos, percebe-se que a população, mesmo tendo receio em lidar com
os militares, via a necessidade de sua presença na região, uma vez que o País corria o risco de
cair em domínio comunista. O medo do guerrilheiro surge, então, como um fator que
contribui para a simpatia popular em relação às tropas. Isso fica mais nítido ao se analisar os
dois últimos depoimentos citados. Tanto Sebastião quanto Francisco são moradores da região
entre Pedra Menina e Paraíso, área que não foi atendida pela ACISO. Os documentos da
PMMG afirmam que os postos montados em Caparaó e Alto Caparaó deveriam estender o
recorda de tais ações promovidas por militares. Conseqüentemente, infere-se que a simpatia
pelas tropas se deve ao medo que se sentiu em relação à presença de guerrilheiros comunistas
interior do Parque Nacional não representava qualquer ameaça à Nação justamente por não
destituído de maior importância198”. Analistas militares, segundo o Jornal do Brasil dos dias
197
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 21 de novembro de 2005.
198
“Mais tropas do Exército desembarcam em Manhuaçu”. O Globo, 07/04/1967, p.8.
183
de contato. Francisco Protásio afirma que os primeiros homens estranhos que surgiram na
aquele pessoal das comunidades pra dar remédio, pra criança aguada. Naquele tempo tinha
muita criança raquítica, né, e não tinha médico, não tinha nada. Então, eles pegaram a fazer
(1980, p.119) também trazem informações sobre a presença de supostos médicos que teriam
José Marques afirmou ao autor que hospedou em sua casa um “Dr. Juvenal” e que este havia
receitado remédios a sua cunhada enferma. Amadeu Rocha, um dos envolvidos com o projeto
de Guerrilha, confirmou que Milton Soares de Castro se passava por médico e adotava este
nome. Entretanto, não foram encontrados outros indícios de contatos dos guerrilheiros e a
população local.
guerrilheiros, como no caso de José Cortez Filho202, Antônio Pereira Leite203 e Dalbino José
dos Santos204. Porém, foram contatos casuais, onde os integrantes do MNR são, na maioria
das vezes, surpreendidos com a presença de pessoas residentes nas proximidades. Esse tipo de
199
“Buscas em Caparaó acabam hoje”. Jornal do Brasil, 15 e 16/04/1967.
200
Arquivo da Guerrilha da Serra do Caparaó. Museu Histórico da PMMG. Constam nos documentos do
arquivo, cópias datilografadas do diário de campanha e de cadernetas de anotações apreendidas com os
guerrilheiros na serra do Caparaó.
201
Depoimento concedido em Pedra Menina no dia 20 de novembro de 2005.
202
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 05 de outubro de 2005.
203
Depoimento concedido em Alto Caparaó no dia 03 de outubro de 2005.
204
Depoimento concedido em Espera Feliz no dia 26 de janeiro de 2004.
184
Capitani (1997). Não há, assim, nenhum indício de trabalho político ou qualquer outra ação
conquistar os moradores da região. Sabiam que o apoio popular era primordial para o sucesso
tinha por objetivo anular algum trabalho que pudesse ter sido ou que viesse a ser realizado
futuramente pelos guerrilheiros. Por isso o empenho das forças de repressão, através da
nas garras dos famigerados comunistas, por outro lado, também marcou por toda a atenção
recebida dos militares que se locomoveram até a região para combater os guerrilheiros. O
medo do comunismo, por si só, já era fator suficiente para que os habitantes das proximidades
da Serra do Caparaó desenvolvessem uma certa simpatia pelas tropas. Ademais, toda a ação
assistencialista teve um grande impacto sobre a população, talvez até maior do que as
pela primeira vez, enxergadas pelo Estado. Até então isoladas, sem qualquer assistência do
poder público, a ação dos militares representava algo novo, desconhecido. A situação de
miséria que muitos moradores viviam, já analisada neste capítulo, facilitou a ação da PM. A
Carlos Drummond de Andrade, mais uma vez, conseguiu interpretar melhor do que
ninguém o que ocorria em Caparaó na época. A partir das informações divulgadas de que
alguns guerrilheiros estariam doentes, contaminados pela peste bubônica, Drummond realiza
185
uma crítica à ação do próprio Estado, demonstrando existirem males que ainda causavam o
trauma, concorreu para denunciar o estado de isolamento e miséria vivido pelos habitantes das
mineira foi entendida por tais pessoas como uma ajuda, uma caridade realizada pela
corporação, já que não possuíam a consciência das obrigações do poder público com a
comunistas que vagavam no interior do Parque Nacional do Caparaó, assim, divide espaço na
Guerrilha.
A defesa de Rousso (2001) por uma “história da memória” se faz mais do que
residente em áreas rurais na época da Guerrilha, mostra uma visão toda particular do
movimento ocorrido no interior do Parque Nacional do Caparaó: este seria o momento em que
estiveram próximos do tão famigerado comunismo e, ao mesmo tempo, a primeira vez que
foram reconhecidos pelo Estado, mostrando-se eternamente gratos pelas “benesses” trazidas
através da PM mineira.
205
“Caparaó”. Estado de Minas, 07/04/1967, 3.a Seção.
186
Se tal perspectiva não é exatamente uma oposição à memória oficial, também não se
pode considerá-la como derivada dela. Dessa forma, o conceito de memória subterrânea de
Pollak (1989) talvez seja o que melhor se encaixe na definição da construção realizada em
torno da Guerrilha pela população estudada. Mesmo não sendo uma memória de grupos
oprimidos pela violência direta do aparelho repressor do Estado, aspecto que pode ser notado
Araguaia (SOUSA, 2005; GORENDER, 2003, p.236), tal construção se torna subterrânea por
não ser acessível senão através da memória de tais pessoas. Por mais que esta pesquisa tenha
recorrido aos jornais e aos arquivos da PMMG, foi através dos depoimentos de indivíduos que
vivenciaram o período que se pôde construir uma interpretação mais próxima daquilo que os
salientado, o anticomunismo assumiu várias formas, sendo propagado por grupos diversos.
Porém, mais do que a variedade de discursos, talvez se encontre uma maior diversidade de
apropriações deste. Diferentemente dos resultados obtidos por Rodeghero (2002a, p.372) em
sua pesquisa no interior do Rio Grande do Sul, onde a autora afirma que havia um “[...] medo
responsáveis pela destruição da representação de modo de vida que tal população tinha como
ideal. O “guerrilheiro comunista”, assim, agindo em função dos mandos de uma outra nação,
região. Através de sua cultura, marcada pelo isolamento, pela simplicidade em seu modo de
vida, pelo pouco acesso à informação e a pouca escolaridade, pela religiosidade e pelas suas
crenças, o morador da região se viu atormentado por um perigo que era antes considerado
como algo distante, impróprio à sua realidade. A tais aspectos, deve-se somar a ação das
atuaram no sentido de ampliar o medo que estas sentiam em relação ao comunismo. Assim,
mostraram aos moradores locais o “grande perigo” que o guerrilheiro representava não só
Ainda se deve levar em conta o impacto que a chegada dos militares e todo o seu
aparato bélico tiveram sobre essas mesmas pessoas. Localidades como Alto Caparaó e a
região entre Pedra Menina e Paraíso, raramente eram visitadas por policiais. Dessa forma, a
presença das tropas, de todo o armamento pesado, do uso de aviões e helicópteros, contribuiu
para que tais pessoas acreditassem que realmente estavam correndo um sério perigo de serem
população investigada como uma construção particular de tal grupo, abre-se uma nova
contestação da ditadura militar implantada no país após o golpe de 1964, aparecendo muito
mais como um período em que a população se viu ameaçada de ser dominada por
guerrilheiros comunistas e pelo momento em que pela primeira vez são assistidos pelo Estado,
fica clara a necessidade de novos estudos que enfatizem grupos que ficaram à margem das
disputas políticas em nível nacional. De acordo com Daniel Aarão Reis (2005, p.71), após o
188
sociedade brasileira como opositora à ditadura, fazendo desaparecer os setores que não se
manifestaram, ou mesmo, aqueles que foram favoráveis ao golpe e ao regime militar. Como
os moradores da Serra do Caparaó, outros setores da sociedade passaram por este período da
história recente do Brasil sem se importar com o que ocorria no país e sem participar de
qualquer debate neste sentido. Nem por isso, tais pessoas deixaram de ser afetadas pelo
governo militar e suas ações. Daí a necessidade de outras pesquisas que visem reconstituir o
Este estudo, dessa forma, tem como objetivo não apenas a análise da recepção à
privilegiar camadas da população que geralmente passam “invisíveis” pela História, mas que
também são agentes históricos. Que novas pesquisas neste sentido sejam realizadas e que
outras visões sobre a ditadura militar e sobre os diversos eventos relacionados a ela venham à
tona.
CONCLUSÃO
Antes da existência do movimento armado na região, tais pessoas já eram alvos do discurso
próprio convívio social. Dessa forma, o comunismo já aparecia como um fantasma que
atormentava a população, mas o fazia de longe. Até então, ainda não representava qualquer
agir e do mal que era portador, eram compartilhadas pelos habitantes da área pesquisada.
Portanto, quando a região foi o cenário do projeto guerrilheiro, o medo que tomou conta de
grande parte da população ocorreu pelo fato de já existir todo um conjunto de representações
ateísmo, morte, etc. – fizeram com que muitos perdessem o controle das emoções por
completo, produzindo várias situações de pânico observadas nas narrativas dos entrevistados.
De acordo com Glassner, o sucesso deste estado de nossas emoções não depende
somente de quão bem ele é expresso, mas também, “[...] de quão bem ele expressa
podem ser entendidos ao se analisar as próprias condições vividas por tais pessoas. Por
maiores que fossem as dificuldades cotidianas, os moradores das áreas rurais em torno da
190
Serra entendiam o seu modo de vida como ideal. Sua condição de isolamento em relação às
zonas urbanas propiciava uma maior proximidade entre os vizinhos e, conseqüentemente, uma
maior solidariedade. Ao mesmo tempo, eram donos de suas terras ou de sua própria força de
trabalho, o que significava liberdade. Era esse modo de vida, simples e rude, que a população
ameaça à sociedade ideal imaginada por tais pessoas. Mal sabiam que a vida simples não seria
Não se pode deixar de avaliar o impacto que a ação das tropas teve sobre a
importante papel exercido pelas Forças Armadas e Polícias Militares no combate ao tão
“famigerado” comunismo. Mas também contribuíram para ampliar o medo sem querer.
Nenhuma palavra ou palestra teria o mesmo impacto sobre a população do que o da chegada
aviões e helicópteros. A presença das tropas e de todo esse aparato bélico indicava que a
situação era séria e que estavam realmente prestes a serem dominados pelos comunistas. Mal
sabiam que os tão perigosos guerrilheiros – por fim, reduzidos a um grupo de 8 homens – já
estavam todos presos. Outros dois haviam sido presos dias antes e mais seis seriam presos
dos entrevistados neste trabalho, aparece uma profunda simpatia em relação às tropas. Tal fato
ACISO da Polícia mineira. Ademais, percebe-se que, mesmo em áreas onde não ocorreram as
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Talvez isso se explique pelo fato das forças de repressão terem apresentado como salvadoras
não só da população local, como também de toda a nação. Assim, as tropas deslocadas para a
área foram vistas por muitos como portadoras de toda a valentia e virtude, na luta contra os
malfeitores comunistas.
região, a pesquisa trouxe à tona uma outra versão do movimento armado ocorrido nos
arredores do Pico da Bandeira. Poucos entrevistados mencionaram que aqueles homens que
subiram a Serra eram opositores do regime militar imposto após o golpe civil-militar de 1964.
Aqueles que ainda demonstraram possuir alguma informação sobre o movimento relataram,
Brizola”. A Guerrilha que surge nos depoimentos é aquela referente ao medo dos comunistas
que pretendiam tomar toda a região e/ou aquela em que a população foi agraciada pelas
benesses trazidas pela Polícia Militar de Minas Gerais que, além de tudo, ainda os livraram de
residente nas redondezas da Serra do Caparaó, pode-se voltar a análise para a própria gênese
luta armada, não levaram em conta um aspecto essencial para o sucesso de qualquer luta de
detrimento de um exame mais detalhado sobre o potencial de adesão das pessoas simples da
região. Numa população isolada, sem informação, sem grandes conflitos por causa da terra e
sem se importar com os acontecimentos políticos que ocorriam a nível nacional, tornava-se
difícil obter qualquer apoio na luta contra a ditadura militar. Pelo contrário, os moradores dos
arredores da Serra se assustaram com a presença dos homens estranhos que vagavam
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Polícia Mineira. Mais ainda, se mostraram não só simpáticos às tropas que vieram garantir a
“liberdade da região”, como até colaboraram guiando os militares nas expedições pelo interior
diferente daquele que os raros trabalhos historiográficos sobre o tema tentam desvendar.
Longe de compreender o movimento como uma forma de luta contra um governo que havia se
simpatia em relação aos militares são os aspectos mais fortes que vêem à tona nos
comuns e que pouco, ou em nada, se envolveram nas disputas de poder em nível nacional,
mas que, mesmo assim, não deixaram de ser influenciadas por elas.
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(Coleção Tudo é História)
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ENTREVISTAS
Antônio Pereira Leite. Alto Caparaó – MG, 23 de janeiro de 2004 e 03 de outubro de 2005.
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Dalbino José dos Santos e Marta Zainote dos Santos, Espera Feliz – MG, 21 de janeiro de
2004.
Francisco Protásio de Oliveira. Pedra Menina/ Dores do Rio Preto – ES, 21 de novembro de
2005.
Genésio Moreira de Souza e Zózima Martins de Souza. Espera Feliz, 21 de janeiro de 2004.
Maria do Carmo Rocha Rezende. Espera Feliz – MG, 21 de janeiro de 2004 e 22 de novembro
de 2005.
Sebastião Machado de Faria. Pedra Menina/ Dores do Rio Preto – ES, 22 de novembro de
2005.
Sebastião Rocha dos Santos, sargento da PMMG. Martins Soares/ MG, 30 de janeiro de 2004.
Imagem 2: Guerrilheiros presos no 11o BI/ PMMG de Manhuaçu. Da esquerda para direita:
Amadeu Felipe, Edival Mello, Jorge José, João Jerônimo, Amaranto Jorge, Araken Vaz
Galvão, Avelino Capitani e Milton Soares.
Fonte: Antônio Pereira Leite
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Imagem 3: Charge ironizando o grande número de homens e equipamentos utilizados pelas tropas
na região em vista dos poucos guerrilheiros presos.
Fonte: Jornal Estado de Minas, 09/04/1967.
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