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SINOPSE

PRÓLOGO
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Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Créditos
Alana era uma nerd e se orgulhava disso. Ela era líder do grupo de

jornalismo, vivia sempre com um livro em mãos e nutria uma paixão


secreta pelo garoto mais popular do colégio.

Matheus era o capitão do time de futebol, muito popular e sonhava

em viver profissionalmente daquilo que ele tanto amava fazer.

Duas pessoas distintas que tiveram suas vidas marcadas por um

acidente que modificou tudo aquilo que eles conheciam.

A tragédia e a dor da perda acabou os aproximando e entre trocas de

mensagens, uma amizade surgiu, dando espaço para algo mais.


Eles sempre estiveram presente na vida um do outro, mas

guardavam em segredo tudo aquilo que sentiam.

Será que eles teriam coragem de se entregar um ao outro e viver

uma paixão ou o destino iria acabar os separando outra vez?


ALANA

Hoje era aniversário da minha melhor amiga e nós iriamos


comemorar em uma casa de shows do litoral que costumávamos ir.

Karen odiava atrasos e como ela já estava me esperando, eu

precisava terminar de me arrumar logo.

Coloquei um vestido preto, um salto alto da minha mãe, porque eu

não tinha costume de usar e deixei os meus longos cabelos soltos, pois tinha
feito ondas nele. Fiz uma maquiagem mais forte do que normalmente fazia

e desci.
Me despedi rapidamente da minha família e encontrei Karen em

frente à minha casa. Ela estava linda com um conjuntinho lilás, que

definitivamente era sua cor, pois só realçava a beleza dela.

Pedimos um motorista por aplicativo e, quando chegamos ao local,

ignoramos a fila gigante, pois um amigo da família da Karen era segurança

e fomos direto para a entrada. Algumas pessoas que esperavam para entrar
praguejaram contra nós, mas entramos na festa sem problemas maiores.

Apesar do som estar tão alto a ponto de não conseguirmos conversar

direito, nós dançamos, bebemos alguns drinks e curtimos bastante.

Como sempre, o local estava repleto de conhecidos lá do colégio, a

maioria do time de futebol. Olhei atentamente entre eles para ver se o

encontrava, mas ele não estava entre os garotos.

— Ele não está ali! — Karen disse, ficando na minha frente.

— Quem não está ali? Não estou procurando ninguém. — e parei de

olhar para os garotos, encarando-a.

— Tem certeza? Você não me engana, Alana! Eu sei que está

procurando o Matheus, desconversam do mesmo jeito quando estão

olhando um para o outro. Vocês são tão parecidos, não sei por que nunca

ficaram juntos.

— Porque somos totalmente diferentes. Eu sou água e ele é óleo,

somos incompatíveis e eu não quero falar sobre isso agora. — avisei e nós
fomos ao bar pegar mais bebidas.

Assim como Matheus, o irmão dele, Alex, ainda não tinha chegado.

O que era estranho, porque ele e a Karen namoravam e viviam grudados.

Onde Karen estava o Alex estava também, e provavelmente os encontraria

aos beijos, isso era certeza.

— Achei que ia ficar de vela a noite toda, Ka! Cadê o Alex?

— Ele disse que tentaria vir, mas teve um compromisso em família.

O bom é que ele prometeu me compensar depois, disse para eu ir pensando

no que quero que ele faça para mim. Estou pensando em falar para
passarmos um fim de semana acampando na praia, o que acha?

— Eu adorei a ideia. E como o Alex é todo ligado nessas coisas de

natureza, vai adorar a sugestão.

— Também acho! Mas chega de falar dele, não quero ficar triste

caso ele não venha! — ela falou, soltando seu copo vazio no bar e me

puxou para a pista de dança — Hoje eu estou aqui para celebrar meu

aniversário com a minha irmã!

Depois de dançarmos muito, saímos da festa às três da manhã e,

como o sinal do meu celular estava péssimo em frente à casa de show,

resolvemos ir até o ponto de ônibus do outro lado da rua. Andamos até a

faixa de pedestres e Karen gritou:


— Finalmente tenho dezenove anos! — e eu comemorei junto com

ela. Estávamos muito felizes e, então, um feixe de luz branca fez nossos

olhos doerem.

Como se tudo estivesse acontecendo em câmera lenta, vimos um

carro vindo em nossa direção. Tentei sair, mas não consegui me mover,

estava em choque, congelada.

Só pude sentir um empurrão um pouco antes da Karen ser

arremessada para longe. Ao mesmo tempo, um corpo voou através do vidro

e caiu próximo ao dela.

O carro seguiu desgovernado e bateu em um muro mais à frente.

Então eu o vi. Saindo do banco do carona estava o cara que esperei a noite

toda para ver. Matheus gritava e colocava as mãos sobre a cabeça, seu rosto

expressava puro desespero.

Minha mente rodava e percebi que, assim como o Matheus, eu

também gritava desesperadamente. Tentei me levantar, mas minhas pernas

estavam bambas.

O que era para ser um dia inesquecível, se tornou o pior dia das

nossas vidas.

Eu perdi a minha melhor amiga e Matheus perdeu o irmão dele.

Em algum momento, sirenes invadiram meus ouvidos e eu fui

levada em uma ambulância. Mal olhei para as pessoas que me examinaram


e não sabia para onde estava sendo levada, mas nada disso importava

naquele momento.

Eu não gritava mais, minha voz havia ido embora.

Mas minhas lágrimas corriam de modo silencioso pelo meu rosto e

um vazio tomava conta do meu coração.

Ainda consegui olhar para o Matheus enquanto andávamos pelo

hospital, vi em seus olhos o mesmo vazio, a mesma dor. O mesmo silêncio

que tomou conta de mim tomou conta dele.

Naquela noite, perdemos uma parte de nossas vidas e elas jamais

voltariam a ser do mesmo jeito.


ALANA

Abri meus olhos, mas não senti vontade nenhuma de me levantar.


Aquele seria o meu primeiro dia de aula depois de tudo o que aconteceu e

sinceramente, não me sentia preparada para isso.

Não queria voltar àquele colégio, mas minha mãe havia insistido e

apelado muito para que eu voltasse, porque segundo ela, eu merecia um

final decente para o meu ensino médio.

Eu mal saíra de casa naquele verão. Minha mãe e a minha avó

compreenderam e respeitaram meu luto me dando espaço e tempo. Elas não

insistiram quando eu quis largar a terapia, mas me persuadiram a voltar a


comer um pouco e a pelo menos levantar da cama por algumas horas por

dia.

Uns dias depois do acidente, a polícia fez uma investigação e, junto

com o depoimento do Matheus, foi constatado que os freios do veículo

estavam gastos e, devido à velocidade do carro, eles não funcionaram

corretamente naquele momento.

Respirei fundo e cocei meus olhos. Virando na cama, olhei para foto

que ficava na cabeceira. Nela, Karen e eu, ambas com doze anos, sorríamos

como se aquele fosse o melhor dia das nossas vidas.

E talvez tenha sido. Tínhamos ganhado ingressos para o melhor

parque aquático da região e nos divertimos como nunca. Experimentamos a

liberdade de sair sem nossos pais e provamos a adrenalina dos tobogãs.


Éramos muito jovens na foto, mas já sabíamos o que queríamos. Iríamos

nos aventurar pelo mundo, curtir a única vida que tínhamos.

Não sabia o que faria sem ela que era a minha irmã de alma, minha

melhor amiga. Esse era para ser o nosso ano, o último ano nessa cidade

antes de viajarmos pelo mundo.

Agora eu estava sozinha e não sentia mais vontade de fazer nada.

Eu sabia que minha mãe viria me chamar se eu não levantasse,

então, com certo esforço, fui até o banheiro para fazer minha higiene
matinal. Estava evitando espelhos, mas minha mãe tinha recolocado o do

meu banheiro e ao encarar meu reflexo, não me reconheci.

Havia emagrecido tanto que podia ver claramente os ossos abaixo

do meu pescoço, tinha olheiras muito fundas e estava pálida. Eu

definitivamente não era a mesma menina de alguns meses atrás.

Entrei na sala vestindo uma calça jeans que agora ficava folgada e

um casaco de moletom que quase me engolia. Apesar do calor infernal que

fazia lá fora, eu só queria estar no meu casulo.

Avistei minha mãe preparando o café da manhã. Ela parecia


cansada, como se não dormisse há dias. Dei-lhe um abraço e fiquei junto

dela, sentindo seu cafuné por um tempo.

— Preparada para hoje? — sua voz soou branda.

— Não, mas já que não tenho escolha...

— Não é bem assim, Alana. Você sabe que só quero seu bem, minha

filha. Ver a minha garotinha nesse estado me dói tanto... — ela disse e eu vi

as lágrimas em seus olhos.

— Eu sei mãe, desculpa. Prometo que vou me esforçar hoje. —

respondi, tentando ser compreensiva. Minha mãe fazia muito por mim e eu

mal retribuía.

Comi todo o café da manhã para deixá-la mais tranquila, apesar de

não estar com muita fome, e fui caminhando até o colégio.


Quando cheguei no portão, eu parei. Era um colégio grande e,

depois de tanto tempo, eu me senti um pouco intimidada, parecia que as

lembranças iriam me sufocar. Tentei engolir o choro e precisei me encostar


no muro para me acalmar e então eu o vi.

Matheus caminhava de cabeça baixa em minha direção e eu não o

via desde o enterro de Alex. Ele também tinha emagrecido e seu rosto ainda

estava bem abatido.

Apesar de não nos darmos muito bem, o que tinha acontecido

naquela noite havia criado cicatrizes profundas em nós dois.

Como se sentisse que eu o observava, ele olhou em minha direção e

levou um susto ao me ver. Acho que ambos tínhamos sido obrigados a

enfrentar o último ano.

Ele não falou nada e eu não aguentei encará-lo naquele momento,

entrei no colégio sem parar, falar ou cumprimentar ninguém. Sabia onde era

minha sala e fui até ela, levei minhas coisas até as últimas cadeiras da sala,

sentei e abaixei minha cabeça.

Ainda estava com sono, então fechei os olhos e tentei tirar um

cochilo antes da entrada da professora, mas a sensação de ser observada foi

muito incômoda, então levantei minha cabeça e vi alguns rostos conhecidos

olhando para mim.


Fingi não dar importância e peguei o meu diário, onde fiquei

fazendo alguns rabiscos até a professora começar a aula e todos focarem em

outra coisa.

Olhei para o Matheus, sentado algumas cadeiras à minha frente,

encarava o caderno, evitando fazer contato visual com nossos colegas. Eu

tinha um palpite que, assim como eu, ele não conseguiria focar nas aulas

daquele dia.
ALANA

Esperei o intervalo para ir até a diretoria cancelar minhas aulas

extracurriculares. Eu mal tinha energia para as aulas regulares, então fiz


outros planos para minhas tardes. Planos que envolviam deitar na minha

cama e esperar pela manhã seguinte.

Passei pelos corredores atraindo alguns olhares, então comecei a

andar bem rápido para não falar com ninguém. Quando entrei na sala, a

diretora Núbia estava conversando com o Matheus e, pela cara dos dois, a
conversa era bem séria.
Ao me ver, ela me chamou e me mandou sentar na cadeira ao lado

do Matheus, que não olhou para mim.

— Oi, Alana. Chamei o Matheus aqui para conversar sobre as notas

dele, foi bom que você apareceu porque nós precisamos ter a mesma

conversa. Como sabem, todo o colégio foi muito compreensivo com a

situação de vocês, respeitamos o luto, mas precisamos completar as notas


do histórico, então, até a metade do ano vocês farão matérias

complementares para organizarmos as notas do ano passado. — ela

explicou e eu me desesperei vendo meus planos irem por água abaixo.

— É obrigatório fazermos isso? Não poderemos fazer as aulas

extracurriculares? — Matheus perguntou e, pela cara dele, vi que também


não estava satisfeito com as aulas extras.

— Sim, é obrigatório. Eu já conversei com seus pais e eles pediram

para que eu os comunicasse.

— Ah, é que eu estava pensando em voltar para o time, por isso

questionei sobre as aulas. Não terei tempo para o futebol com as aulas da

tarde. — Matheus se justificou, mas era fácil perceber que ele só estava

tentando fugir das aulas extras.

Os pensamentos dele deveriam ser os mesmos que os meus, e no

momento eu só pensei que também precisava arrumar uma desculpa.


— E eu também, diretora Núbia. Quero voltar para o jornal do

colégio. Tive muito tempo extra para praticar minha escrita. — expliquei e

ela me encarou com um quê de pena, sabendo que eu estava mentindo.

Imediatamente desviei o olhar.

— As aulas não vão atrapalhar as aulas extracurriculares, até aprovo

que vocês façam. Assim talvez as coisas voltem ao normal. — ela

comentou sutilmente e eu me enfureci.

— As coisas nunca, nunca vão voltar ao normal! É tão insensível


dizer isso. Ela não está mais aqui e a minha vida não vai mais ser a mesma.

— gritei, me levantando e saí da sala, batendo a porta atrás de mim.

Lágrimas escorriam do meu rosto enquanto eu tentava rapidamente

limpá-las.

A porta da diretoria se abriu e o Matheus parou na minha frente. Por

um momento, pensei que ele iria me dizer algo, mas ele apenas suspirou e

seguiu seu caminho sem falar nada. Ainda bem, porque tudo o que eu não

precisava era piorar ainda mais aquele dia.


ALANA

Passei todo o intervalo no banheiro feminino, tentando ler alguma

coisa no meu celular enquanto me escondia do mundo. Enquanto tentava


me fazer de invisível, pude escutar algumas meninas falando sobre mim.

— Alana voltou tão estranha, né? Quer dizer, ela já era estranha, o

que a deixava um pouco normal era a Karen, uma pena que ela se foi. —

reconheci o falso lamento da Mirela. Ela era uma antipática.

— Olha, para te falar a verdade, sempre achei a Karen uma


oferecida e ladra de namorado dos outros. — falou outra garota do meu ano,

a Paloma.
E mais uma vez naquele dia, eu perdi a paciência. Saí do box do

banheiro e, ao me ver, as duas levaram um susto.

— A única ladra de namorados aqui é você, Paloma, que não

aguentou ver a felicidade da Karen com o Alex e armou aquele showzinho

para ficar com ele. — levantei a voz, partindo para cima dela e coloquei o

dedo em sua cara, ela se retraiu, parecendo amedrontada pela minha reação
— Tenha respeito pelos mortos, sua ridícula! — peguei a minha mochila e

saí em direção à sala de aula.

O resto das aulas foram muito cansativas. Os professores ficavam

surpresos ao encontrar eu e o Matheus na sala. Acho que nunca tivemos

tanta atenção quanto naquele dia, afinal, desde o acidente eu evitava sair de
casa. Não sabia do Matheus, mas imaginava que ele tinha feito o mesmo.

Eu era a única que entendia a dor dele. Ambos havíamos pedido

uma pessoa muito importante naquela noite e o tempo não reparava isso.

Era uma dor eterna.

E eu sabia que ele era o único que me entendia, mas mal aguentava

olhar para ele. As lembranças que ele me trazia eram muito dolorosas.

Quando cheguei em casa, minha mãe estava preparando o almoço.

Dom, meu cachorrinho de terapia recomendado pela minha psicóloga, veio

até mim para que eu o acariciasse. Ele era muito fofinho e manhoso. Deitei
com ele no meu colo e, enquanto ele lambia meu rosto, minha mãe me viu.
— Boa tarde, mocinha. Como foi seu primeiro dia?

— Exaustivo. Acho que nunca fui tão encarada em toda minha vida.

— Isso passa, em breve eles esquecem.

— Duvido. Eu queria sumir do colégio, mas hoje a diretora me

contou das aulas extras e vou voltar para o clube do jornal, então só

chegarei em casa quase na hora do jantar.

— Desculpe por não falar sobre as aulas. Achei melhor que a

diretora comunicasse isso a você. Eu e a Lúcia iremos dividir os custos

com os professores, já que essas aulas vão ser só para você e para o
Matheus.

— Nossa, que ótimo! Mal posso esperar. — falei com sarcasmo em

minha voz, tirando Dom do colo, me levantei e minha mãe me seguiu.

— Filha, eu sei que você não está feliz, mas é para o seu futuro. E

você ainda vai ter tempo para fazer as coisas que você gosta, como o jornal.

Eu sei o quanto você gosta de escrever e de estar com a equipe, você é tão

boa escritora.

— É, eu gosto. — finalizei a conversa ligando a televisão e me

sentei no sofá. Encaramos um comercial juntas por alguns minutos, então

ela casualmente perguntou:

— Você viu o Matheus? Lúcia me falou que ele voltava hoje

também. — a encarei, tamanha que foi a minha surpresa com essa


novidade.

— Você conversa com a mãe do Matheus?

— Claro, Alana. Depois de tudo aquilo, ela precisa de apoio. E

apesar do que a mãe da Karen diz, a Lúcia e o Matheus não são pessoas

ruins. Você não queria que eu mantivesse contato com eles?

— Não, mãe. A senhora fala com quem quiser, eu só estou surpresa.

— Está bem então. Todos nós precisamos superar nossas dores e às

vezes precisamos de ajuda. Falando nisso, como está seu apetite?

Eu não sentia a menor fome e meu estômago embrulhou um pouco à

menção de comida, mas sabia que precisava comer para não preocupar a

mamãe.

— Vou tomar banho e desço para almoçar. — avisei, andando até

meu quarto. Comecei a me despir, mas antes de entrar no chuveiro o meu

celular apitou.

Reli a mensagem duas vezes e não reconheci o número. Senti uma

pontada de gratidão no estômago. Seja quem fosse e qual fosse a sua


intenção em me mandar aquela mensagem, minha mãe estava certa: Todos
precisamos de apoio, e saber que alguém se preocupava o suficiente para

mandar aquela mensagem me fez bem.


ALANA

Levou uns três dias até as aulas extras começarem. Tanto eu, quanto

o Matheus almoçávamos no colégio e, depois de comermos, íamos para


uma sala reservada onde tínhamos aulas com alguns dos nossos professores.

Ficar constantemente na presença dele me incomodava um pouco, mas eu

tentava me acostumar.

Na segunda-feira seguinte, estávamos sozinhos na sala, aguardando

o professor que demorava a chegar e o silêncio entre nós estava tão


desconfortável que pus os fones de ouvido e aumentei o volume do meu

celular para o máximo.


Matheus não olhou para mim, como de costume. Eu tentava não o

observar, mas pelo canto do olho eu o notei tirando o casaco e por um

momento de pura fraqueza, encarei os músculos de seu braço. Antes de

poder me repreender, notei uma nova tatuagem abaixo do seu bíceps.

Tirei meus fones e encarei com mais atenção, agora sem nenhum

pudor. Em letras finas e garrafais, havia uma frase em inglês e uma data.
Era letra de uma música que se tornou uma das minhas favoritas depois

daquele dia: The Scientist, do Coldplay.

Quando li a data, lágrimas embaçaram minha visão, limpei-as e

respirei fundo. Era tão lindo o que ele tinha feito.

— Você os gravou em sua pele. — minha voz soou embargada.

Quantas vezes eu tinha desejado fazer o mesmo?

Ele me olhou pela primeira vez em dias, surpreso por eu estar me

dirigindo a ele. Então, seguiu meu olhar para a tatuagem e a acariciou com

tristeza.

— Eles são parte de mim. Sempre serão.

— Queria fazer uma, mas não consegui... Foi difícil sair de casa

durante esses meses.

— Então é por isso que o seu cabelo está tão grande? — ele

perguntou, puxando a ponta do meu cabelo.


— É, digamos que minha mãe não é a melhor com tesouras. —

respondi, dando um sorriso fraco.

— Sua mãe foi lá em casa algumas vezes, minha mãe se tornou

muito amiga dela e eu sempre agradeço quando ela vai lá, isso nos ajudou

bastante.

— Descobri há alguns dias que ela mantinha contato com vocês e...

— fui interrompida pela porta, que se abriu para revelar o professor de

matemática. Matheus assentiu com a cabeça para mim e foi para o lugar
dele.

Assistimos a aula. Como eram aulas praticamente particulares, eu

não tinha escolha a não ser prestar atenção. Matemática não era meu forte,

mas o professor era bastante paciente. Quando ele nos dispensou mais cedo,

devido às aulas extracurriculares que faríamos, eu senti que entendia mais

do que normalmente entenderia numa aula comum.

Levantei-me e caminhei pelo corredor com o Matheus, novamente

silencioso ao meu lado. Chegamos na saída para a quadra e eu continuei

meu caminho para a sala do jornal, mas quando não ouvi a porta se abrir,

olhei para trás e vi Matheus encarando a maçaneta.

— Não está preparado para voltar? — perguntei e ele me encarou


com um levantar de ombros — Eu sei que eu estou nervosa, não me sinto

preparada. — confessei.
— Parece que o passado quer rir da nossa cara, toda vez que olho

para o campo eu vejo o meu irmão correndo comigo. — sua voz soou

melancólica.

— Toda vez que olho para o campo vejo seu irmão e a Karen juntos

na arquibancada. — relembrei bem humorada e ele deu uma risada fraca.

— É, eles estavam o tempo todo juntos. Ainda me pego esperando

encontrá-los por aí quando não estou pensando muito. Ainda é difícil

aceitar que eles se foram.

— Também não consigo, é tão injusto. Eles tinham a vida toda pela

frente e eu não sei se algum dia vou conseguir superar esse vazio no meu

peito. — falei e ele segurou minha mão.

Por um segundo, vi o tempo parar. Era como se existisse apenas nós

dois no mundo, dois corações quebrados compartilhando dores e curando

cicatrizes.
ALANA

Quando as aulas terminaram, voltei andando para minha casa.

Assim que virei a esquina, vi que minha mãe também estava chegando,
repleta de sacolas.

Corri ao seu encontro para pegar algumas e sorri para vovó, que

cuidava de suas plantas no jardim. Deixei tudo na cozinha e fui para o meu

quarto. Deitei em minha cama para descansar um pouquinho, e então meu

celular apitou novamente.


Sorri e pensei em responder esse meu correspondente secreto, mas
não sabia muito bem o que dizer.

Me sentia muito grata pelas palavras, mas apenas agradecer não

parecia o bastante. Resolvi responder mais tarde, quando estivesse mais

tranquila.

Tomei um banho bem relaxante, coloquei uma roupa confortável, e

fui escrever um pouco.

Escrever sempre foi minha escapatória do mundo e, nos últimos

meses, era a única coisa que mantinha um pouco da minha sanidade. Olhei

para a pilha crescente de cadernos na escrivaninha do meu quarto e suspirei.


Tinha enchido tantas páginas que eu estava começando a ficar sem espaço.

Ainda não sabia o que faria com todos eles. Não queria me desfazer

de nenhum. Então comecei a folhear os cadernos mais antigos e encontrei

alguns textos interessantes.

De início, eram apenas entrevistas que eu tinha feito quando criança,

depois, um pouco mais velha, eu tinha feito algumas reportagens sobre o

meu bairro, sobre o colégio e sobre alguns poucos casos polêmicos que

tinham acontecido por ali.


Recolhi e separei alguns deles que ainda se mostravam relevantes

para levar até o jornal no dia seguinte. Desci para almoçar e, depois de

comer, fui ajudar minha avó com os bordados que ela vendia.

Depois da separação dos meus pais, nós fomos morar com a vovó.

Minha mãe dizia que era por minha causa, que ela temia que eu ficasse

muito solitária, mas no fundo eu sabia que era mais por causa dela própria.

Ela tinha ficado muito fragilizada depois de todo o processo e

precisava de um carinho de mãe. Por ser filha única, as duas sempre foram
muito ligadas, então era natural que minha mãe quisesse estar em casa.

Era um raro momento silencioso em nossa casa: Enquanto eu e vovó

bordávamos, minha mãe separava algumas encomendas de bolos e doces

que ela fazia para festas.

Mesmo tendo dificuldades para comer, eu nunca negava um pedaço

de algum dos doces da minha mãe que era a melhor confeiteira da cidade,

mesmo tendo começado recentemente. Antes do acidente, ela era assistente

de um poderoso do marketing, mas mudou sua vida toda para ficar comigo.

Ela dizia que éramos uma família de mulheres fortes, mas precisávamos do

apoio uma da outra, e por isso ela não hesitou em largar tudo para me ajudar

a superar. Eu a amava ainda mais por isso.

Meus dedos já doíam quando terminei o centro de mesa que estava

fazendo.
— Está ficando bonito, você só precisa melhorar nesse ponto aqui.

Ainda não está perfeito. — minha avó disse, pegando o bordado da minha

mão para olhar mais de perto.

Assenti e estiquei as mãos para pegar de volta, mas então a

campainha tocou e eu me levantei para atender, mesmo estando toda

bagunçada.

Quando abri refazendo o coque em meu cabelo, me deparei com o

Matheus parado bem na minha frente. Ele estava desconfortável e

levemente entediado, como sempre. Essa parecia ser sua expressão padrão

ultimamente, e eu sentia falta do jeito que ele sorria.

Pisquei surpresa e senti meu rosto corar. Durante alguns segundos,

fiquei sem reação, mas então notei que a mãe do Matheus também estava

ali, sorrindo para mim, e me recompus.

— Boa tarde, Dona Lúcia.

— Oi, Alana, a sua mãe está aí? — ela perguntou, com um sorriso

amável.

— Está assim, pode entrar. — respondi, dando espaço para eles

entrarem e tentei arrumar minha roupa desajeitadamente.

— Oi, Alana. — Matheus me cumprimentou ao passar por mim.

— Oi, Matheus!
Minha mãe, provavelmente tendo ouvido a comoção, entrou na sala,

limpando suas mãos no avental e cumprimentando a todos.

— Lúcia, que bom que você veio! Estava mesmo querendo sua

opinião!

— Parece que adivinhei em passar aqui, então. Nós estávamos aqui

perto e pensei em fazer uma visitinha. Acho que você estava me chamando

por pensamento. — a mãe do Matheus falou, bem humorada.

— Talvez estivesse mesmo, porque eu preciso do seu bom gosto!

Venha até a cozinha que preciso mostrar o bolo que estou fazendo para o

Chá de Bebê da Laura. — minha mãe a chamou e as duas saíram

conversando animadamente. Então voltei-me para Matheus, que estava

sentado silenciosamente ao lado da vovó.

— Querem alguma coisa?

— Se você puder pegar o suco de laranja para mim, vou tomá-lo

junto com os meus remédios. — minha avó pediu.

— Claro, vovó. Quer alguma coisa Matheus?

— Não, Alana. Obrigado. — respondeu se ajeitando no sofá, ele

ainda parecia bem pouco à vontade.

Segui minha mãe e Dona Lúcia até a cozinha, onde as duas

discutiam sobre a paleta de cores do bolo que estava pronto e cheirava

muito bem.
Peguei o suco e voltei para sala para entregá-lo à vovó. Ela estava

fazendo um monólogo sobre suas flores e como ela fazia para vê-las

crescendo muito bem, e Matheus estava bastante compenetrado na

explicação. Achei a cena um pouco cômica, porque não sabia se ele estava

apenas sendo educado ou estava realmente interessado nos segredos da

jardinagem, mas as duas opções eram igualmente engraçadas.

Aproveitei a chance para escapar para o banheiro e consertar a

bagunça que era a minha aparência. Quando desci com outra roupa e o

cabelo penteado, os dois tinham ido para a cozinha, onde mamãe cortava

um bolo para as visitas.

— Que centro de mesa mais lindo, Alana! Dona Teresa disse que foi

você que fez. — Lúcia exclamou, sorrindo para mim.

— Obrigada, mas o mérito todo é da vovó, foi ela quem me ensinou

tudo com muita paciência. — falei, acariciando os cabelos da minha avó.

— Mas mesmo assim, você é uma menina muito talentosa! Fiquei

sabendo que você também escreve, acho isso maravilhoso. O Matheus

também escreve algumas coisinhas. — ela revelou e eu vi o Matheus se

encolher um pouco na cadeira.

— Ah, é mesmo? Dessa eu não sabia! Achei que o talento dele era

para o futebol. — comentei, me sentando ao lado dele.


— Que nada! Você precisa ver tudo o que ele escreve, cada poesia

maravilhosa. Um dia desses eu te mostro. — ela revelou animada.

— Vou adorar lê-los! — falei e o Matheus me encarou, levemente

apavorado.

— Você nunca vai chegar perto deles. — ele sussurrou para mim e

eu gargalhei bem alto. Fazia muito tempo que eu não ria.

Todos me encararam e imediatamente as minhas bochechas

coraram. Peguei alguns biscoitos da mesa e os coloquei na boca para não

falar mais besteiras.

— Como estão as aulas de reposição? — minha mãe perguntou.

— Estão bem tranquilas. — Matheus respondeu e eu concordei. Não

sei se os professores estavam aliviando ou se era a atenção quase individual


que tínhamos, mas as aulas estavam especialmente fáceis.

— Que bom, fico feliz que estejam conseguindo se reerguer. — ela


falou e nós dois sorrimos para ela.

Encarar a vida sem eles era algo que estávamos tentando fazer desde

aquele dia e, no final de tudo, a vida estava começando a ficar suportável de


novo.
ALANA

Após o jantar, eles foram embora. A mãe do Matheus era uma

pessoa muito simpática, mas ainda conseguia ver em seu olhar a mesma
tristeza que via nos olhos do Matheus e nos meus próprios, quando me

encarava no espelho.

Eu já tinha ido deitar há algumas horas, mas meu sono não vinha.

Respirei fundo e me remexi na cama. Alguns dias eram mais fáceis que

outros, e algumas noites eram especialmente difíceis.

Levantei e fui até a cozinha, peguei um suco na geladeira. Olhei

para os brownies da mamãe, pensando se devia comer alguma coisa. Meu


apetite estava voltando aos poucos, mas ainda tinha certa dificuldade em me

alimentar corretamente.

Meu estômago reclamou um pouco, então decidi não forçar. Fui até

a sala, liguei a televisão e coloquei o primeiro filme da madrugada, que

prometia ser longa. Decidi por uma comédia que eu conhecia muito bem e

que me confortava sempre que eu via: “As Patricinhas de Beverly Hills”.

Deitei no sofá para assistir, e imediatamente Dom veio até mim,

meio sonolento. Peguei-o no colo e acariciei seus pelos. Quando meu

celular vibrou, avisando que havia chegado uma mensagem, me surpreendi,

afinal, não era comum eu receber mensagens às três e meia da manhã.

Olhei para a tela e vi aquele mesmo número que vinha me

mandando mensagens há alguns dias.

Pela primeira vez, não era um incentivo, mas um convite para uma

conversa. Estava tão focada no jornal e nas aulas extras que tinha esquecido

de respondê-lo. Mas dessa vez eu não precisava pensar muito, então salvei

o número com o nome “admirador secreto” e respondi:


Larguei meu celular em cima da mesinha ao ver minha mãe

descendo as escadas.

— Insônia de novo, meu bem? — ela questionou, sentando no sofá e

apoiando minha cabeça em seu colo.

— Sim... Nem sempre tenho dias bons. — respondi, fechando os

olhos por causa do cafuné que ela fazia em meus cabelos.

— Oh, querida, eu fiquei tão feliz de te ouvir rindo mais cedo, achei

que essa noite fosse ser mais fácil. Eu vou fazer um chá para te acalmar um

pouco.

— Não gosto de chá, mãe. — minha voz soou manhosa.

— Vai beber, mocinha. Vou fazer o de camomila. — ela avisou, indo

para cozinha.

Peguei meu celular e encontrei várias mensagens do meu

“Admirador secreto”.
Ao ler, não pude evitar que os cantos dos meus lábios se curvassem

para cima, era muito bom ter alguém se preocupando comigo de um jeito
normal.
Li a mensagem e guardei o celular no bolso. Tomei o chá todo e
depois voltei para o meu quarto, minha mãe deitou comigo em minha cama

e me fez cafuné até eu adormecer.

Me sentia uma criança sempre que ela fazia isso. Pouco depois do

meu pai nos deixar, ela deitou comigo na cama e me contou que a partir
daquele dia seriamos nos duas contra o mundo, para sempre.

Normalmente eu via meu pai no verão, ele tinha casado novamente

e tinha outros filhos. Gostava de estar com os meus irmãos, mas não
deixava minha mãe sozinha por muito tempo. Ela virou o meu alicerce

depois que a Karen se foi.

Na manhã seguinte, por incrível que pareça, acordei bem cedo.

Encarei o teto por alguns segundos e tive um impulso. Levantei, coloquei


uma roupa qualquer e fui até a lavanderia. Procurei dentro de todas as

prateleiras algo que eu tinha guardado ali há um bom tempo. Sorri quando
finalmente encontrei um frasquinho de tinta azul para cabelo.
Queria que a Karen estivesse comigo de alguma maneira. Azul era a
cor favorita dela e nós tínhamos comprado essa tinta juntas. Pretendíamos

pintar nossos cabelos depois do aniversário dela.

Entrei na sala e minha mãe me olhou surpresa:

— O que você está fazendo acordada essa hora, Alana?

— Eu estava na lavanderia procurando isso. — respondi,


caminhando até ela e entreguei o frasco que havia comprado — Me ajuda a

passar essa tinta no meu cabelo?

— Vai pintar o cabelo todo? — ela questionou, lendo o rótulo da

embalagem.

— Não, só as pontas. Tem que descolorir e depois pintar.

— Ok, vamos fazer isso logo. Não sei se vai dar tempo de descolorir

e pintar... Pelo que entendi aqui, isso leva tempo. Mas vamos pelo menos
descolorir. — ela explicou, me fazendo subir a escada até o meu quarto.

Chegando no meu quarto, minha mãe me colocou sentada em um

banco e ficou olhando para o descolorante.

— Mãe, acho melhor eu mesma colocar no meu cabelo. — falei,


tentando tomar o frasco da mão dela.

— Nada disso, eu coloco. — ela disse, segurando-o com firmeza.

Minha mãe continuou encarando o descolorante e eu me arrependi

de ter pedido para ela fazer isso. Ela não sabia nem cortar o meu cabelo,
imagina pintar.

— Mãe, mudei de ideia! Deixa que eu arrumo um jeito de pintar

depois.

— É melhor mesmo, vou chamar a Lúcia para vir aqui, ela sabe

fazer essas coisas. Quer saber? Acho melhor você ir ao salão dela. — ela
disse, pegando o celular.

— Não mãe, não quero dar trabalho. — falei, prendendo meus

cabelos. Eles estavam bem longos e sua cor mesclava entre o castanho
escuro e o louro mel nas pontas.

— Trabalho nenhum, vou ligar para ela e você vai com o Matheus,
ok?

— Está certo, mãe. — me rendi, acatando a decisão dela.


MATHEUS

Estava no meio do caminho quando escutei o sininho de uma

bicicleta e, quando me virei, vi Alana vindo em minha direção. Ela ficava


linda com os cabelos presos, assim eu conseguia ver o rosto dela muito

bem.

— Bom dia! — a cumprimentei.

— Bom dia! Acordou cedo hoje. — ela falou, descendo da bicicleta

e passou a empurrá-la.

— É, não dormi muito bem. Mas ei, minha mãe disse para te levar lá
em casa hoje depois da aula. — comentei.
— Achei que iríamos para o salão. — ela disse, levemente confusa.

— O salão fica na minha casa. Pode ficar tranquila, minha mãe vai

cuidar bem dos seus cabelos.

Fomos andando e conversando sobre o trabalho de história que

tínhamos que fazer e, quando chegamos ao colégio, ela foi prender a

bicicleta no estacionamento. Eu continuei andando até nossa sala.

Sentei para conversar com uns colegas do time, já que o campeonato


estava para começar e eu precisava voltar a treinar.

Eu costumava amar jogar futebol e me diziam que eu era muito bom

nisso. Era difícil para mim, mas eu sabia que precisava recuperar minha

paixão. O Alex, que era o meu maior fã, não gostaria de me ver fora do

campo.

Assim que entrou na sala, Paloma veio em minha direção, com

Mirela ao lado dela e se sentou em meu colo e me abraçou.

— Bom dia, Math! Eu estava com saudades. — ela me

cumprimentou, ignorando nossos colegas. Nós já tínhamos ficado algumas

vezes, mas nada muito significativo. Eu não gostava mais dela desse jeito.

— Tem cadeira para todo mundo, Loma. — falei, tentando fazê-la

sair do meu colo.

— Não, aqui está mais macio. — e se aconchegou ainda mais.


Naquele momento, Alana entrou na sala, olhou para nós dois com

uma cara de nojo e foi até o fundo da sala. Estranhei aquela atitude, mas

não tive tempo de fazer nada, pois a professora chegou e finalmente Paloma

desceu do meu colo.

A manhã passou tranquilamente, mas eu não consegui prestar

atenção nas aulas porque a Alana estava de cara fechada e não olhou em

minha direção nenhuma vez, nem falou mais nada comigo.

Será que ela estava assim por ter me visto com a Paloma?

Após almoçarmos, assistimos às aulas complementares e Alana


continuou sem olhar para mim, parecendo especialmente interessada em

tirar dúvidas no final da aula de química depois de sermos liberados para as

atividades complementares.

Caminhei para o vestiário meio frustrado, tirei o uniforme e

coloquei a camiseta do time do colégio. Então, fui até o campo de futebol e,

enquanto estava me alongando, consegui ver Alana do lado de fora da sala

de jornalismo, escrevendo alguma coisa em um papel.

Ela parecia triste.

Terminei de me alongar, peguei meu celular na mochila e mandei

uma mensagem para ela.


Olhei para ela que, ao ver minha mensagem, sorriu e olhou ao redor,

procurando quem tinha enviado. Discretamente caminhei até a


arquibancada para me esconder e aguardei sua resposta. Logo o celular

vibrou com a mensagem da “Bruxinha”.


Senti uma enorme tristeza ao ler aquilo, Alana estava muito sozinha

sem a Karen.

Guardei o celular, pois o treinador já estava me chamando.

Pedi proteção em uma pequena prece e entrei em campo pela

primeira vez depois que meu irmão se foi. Mesmo depois de tanto tempo

sem treinar, consegui orientar muito bem os outros jogadores e marcamos

três gols contra o time reserva.

Depois do jogo, caminhei até o vestiário conversando com Albert e

o Nicolas, eles eram os mais próximos de mim.

— Acho que a nossa defesa anda meio fraca.

— Também acho. O Ronaldo até que joga bem, mas o Lucas vacilou

duas vezes e por pouco não levamos um gol. Isso não pode acontecer em

jogo oficial. — Albert falou.


— Por que a gente não troca de zagueiro e coloca o Tony? Eu sei

que ele é só do primeiro ano, mas a gente podia tirar ele da reserva e dar

uma chance a ele no time principal. Assim a gente cobre esse buraco na

nossa defesa. — Nicolas sugeriu.

— Pô, cara, mas aí a gente coloca o Lucas no banco? Ele não vai

ficar feliz, esse é o último ano dele.

— Eu sei, irmão, mas não dá para brincar agora não. O treinador

vive falando que a gente não pode ser individualista no esporte. — Albert

disse e Nicolas concordou:

— É, bobeou foi para o banco. O time é mais importante que o ego

dele.

— Verdade. Vocês têm razão. Vou falar com o Lucas, ele leva bem a

sério minhas opiniões. E se for para o bem do time, ele vai concordar.

Tomei banho, me arrumei e fui até a sala de jornalismo, onde

encontrei a Alana escrevendo em uma mesa repleta de papéis. Pedi licença

e fui até ela. Os outros nerds pareciam não acreditar que eu estava ali, me

olhavam com o maior espanto.

— Alana, já terminei o treino, você ainda vai demorar muito aí? —

perguntei ao me aproximar e ela cobriu rapidamente os papéis, escondendo-

os antes que eu pudesse ler qualquer coisa.

— Já estou quase terminando, você pode esperar lá fora?


— Posso sim, mas não demora. — respondi, saindo da sala e me

sentei em um dos bancos, esperando por ela.


ALANA

Estava terminando de escrever o texto que seria publicado na minha


nova coluna do jornal amanhã quando o Matheus apareceu para me chamar.

Depois que eu pedi que ele me esperasse do lado de fora, terminei

de organizar o espaço da minha coluna no jornal, que se chamaria Quer um

conselho? Seria uma coluna de autoajuda, as pessoas me contariam


anonimamente os seus segredos, problemas e dúvidas, e eu tentaria ajudá-

los com meus textos.

A ideia tinha sido da Lívia, a editora chefe do jornal, papel que eu

ocupava no ano anterior. Ela ficava meio constrangida de me dar ordens e


eu achava isso um pouco engraçado, mas não tinha vontade nenhuma de ser

editora-chefe novamente. Era muita responsabilidade e stress, eu não tinha

mais condições de me irritar com a falta de responsabilidade dos outros em

relação a prazos.

Entreguei meu texto para a Lívia e saí da sala, me despedindo de

todos. Matheus estava sentado em um dos bancos, esperando.

— Podemos ir agora, desculpa a demora.

— Tudo bem, nem demorou tanto. — ele falou, caminhando ao meu

lado. Fomos pegar a minha bicicleta e saímos andando em silêncio. Eu

estava um pouco incomodada com a falta de assunto, então perguntei:

— Como foi o treino?

— Foi bom, mas diferente. Foi a primeira vez que eu tive coragem
de entrar em campo esse ano. — ele suspirou — Mas eu preciso seguir com

a minha vida. E você, como foi no clube de jornalismo?

— Foi bom também. Eu ainda me sinto um pouco estranha por lá,

apesar de me esforçar muito para me readaptar.

— Entendo. É meio difícil seguir como se nada tivesse acontecido,

não é?

— É... Mas como você disse, precisamos seguir em frente.

Ele assentiu e o silêncio recaiu novamente sobre nós. Quando

chegamos à casa dele, Dona Lúcia me recebeu de braços abertos e me levou


até o seu salão. Ela me colocou sentada em uma das cadeiras e começou a

trabalhar em meus cabelos, enquanto conversávamos sobre um gosto em

comum: Reality shows.

Ela assistia a vários, quase todos de culinária ou de moda. Minha

mãe e eu assistíamos bastante, também, era um dos nossos programas

favoritos.

Enquanto ela descoloria meu cabelo, recebi uma mensagem do meu

admirador secreto.
Coloquei meu celular em cima da mesa e fui até a outra cadeira para

Dona Lúcia enxaguar o meu cabelo. Assim que eu chegasse em casa eu

veria se meu signo era compatível com o dele.

— Estava falando com seu namorado? — Dona Lúcia questionou,

sorrindo.

— Não, ele é só um amigo.

— E qual é o nome dele? Sua mãe o conhece? Ele é do seu colégio?

— ela me encheu de perguntas.

— Bem, eu não sei o seu nome ainda. Minha mãe não o conhece,

pelo menos eu acho que não, afinal, nem eu mesma o conheço. Mas sim, ele

é lá do colégio. — revelei.

Ela largou os meus cabelos e veio para minha frente.

— Como assim, menina? Me explica essa história direito.

— Alguns dias atrás eu comecei a receber mensagens com frases

gentis e que me faziam muito bem e, quando comecei a respondê-las,


construímos um laço de amizade, mas ele não tem coragem de me dizer

quem é. — expliquei a ela.


— E você não tem medo, não? Falando assim com um estranho. —

ela perguntou voltando a lavar meus cabelos.

— Na verdade não, sinto que já o conheço e ele me faz bem. Trocar

mensagens com ele não me faz nenhum mal... — falei, olhando para ela

através do espelho.

— Está certo, então. Só não marque nenhum encontro com ele, ok?

Mesmo ele te fazendo bem, você não o conhece. — ela me aconselhou e eu

concordei.

Estávamos em silêncio enquanto ela pintava as pontas do meu


cabelo de azul, o único som entre nós era o da televisão. Estava passando
Titanic e eu adorava esse filme, uma história clássica de amor trágico.

Estava prestando atenção quando Matheus entrou no salão com

lanches e um suco, oferecendo-os para mim e para a mãe dele.

— Obrigada, filho. Mas fica aqui um pouco, nem consegui


conversar com você. Como foram as aulas? — ela perguntou a ele.

— Foi tudo bem, deu tudo certo. — ele respondeu a ela.

— Que bom, fico muito feliz. — ela disse, bagunçando seus cabelos
como se ele fosse uma criança — Seu pai ligou mais cedo, disse que vai

ligar depois para falar com você — ela contou e eu vi a expressão leve
sumir do rosto do Matheus.

— Não quero falar com ele. — sua voz soou rude.


— Matheus, ele é seu pai! — Lúcia disse em um tom
condescendente.

— Não interessa, mãe. Se ele ligar de novo, diz que eu morri igual o

Alex, ele não se importa mesmo. — ele falou, mas pareceu se arrepender
logo depois, quando as lágrimas começaram a escorrer do rosto de Dona

Lúcia. Matheus voltou abraçando a mãe e pedindo desculpas, e eu me senti


um pouco constrangida por estar no meio daquilo tudo. Discretamente,

coloquei meus fones de ouvido e fiquei escutando algumas músicas,


encarando o chão por uns bons minutos, até sentir mãos em meus cabelos.

Olhei para a sala e vi que Matheus não estava mais lá, então tirei os
fones e a Lúcia disse com tristeza:

— Desculpa por isso, querida. Mas a relação do Math com o pai

dele só piorou depois do acidente. Às vezes ele tem alguns acessos de raiva
e é muito difícil para mim...

— Não se preocupa, eu entendo. Meu pai nunca compreendeu a


minha dor, então ele não se importou o suficiente para me consolar.

— Infelizmente só nós sabemos a dor e a delícia de ser quem somos,

espero que o tempo cure nossas feridas. — ela falou, enxaguando os meus
cabelos.

Ficamos em silêncio assistindo ao filme enquanto ela terminava.

Assim que me virei e vi meu cabelo parcialmente azul, meus olhos se


encheram de lágrimas. Tinha ficado exatamente como eu imaginava e foi
impossível não lembrar da minha melhor amiga.

— Espero que essas lágrimas aí sejam de felicidade, porque ficou

lindo, Alana!

— São de emoção, dona Lúcia. Muito obrigada!

Matheus não apareceu mais por lá e não me viu com parte do cabelo
azul.

Minha mãe foi me buscar e, antes de dormir, conversamos como há


muito tempo não fazíamos. Ela me contou que tinha achado um lugar para

ser sua confeitaria e que o aluguel não era tão abusivo, e pensamos mais
uma vez em mil opções de decoração, em tudo que faríamos naquele lugar.

Era difícil não lembrar da Karen, que tinha sonhado isso junto com a

gente. Eu sentia muita falta dela, o tempo ainda não tinha curado as minhas
feridas, mas eu esperava que isso acontecesse logo.

Não aguentava mais as crises de choro antes de dormir.


ALANA

Acordei animada na manhã seguinte, estava ansiosa para ir para o


colégio e queria muito ver como as pessoas reagiriam à minha coluna. Eu

queria receber e-mails, queria ajudar todos aqueles que precisavam de um

conselho amigo.

Estava me sentindo estranhamente corajosa, talvez os cabelos azuis


tivessem me dado a força da Karen, porque me sentia bem como há dias

não sentia. Tomei banho e desci para a cozinha, onde minha avó me

aguardava alegremente com o café da manhã pronto.

— Bom dia, vovó! — cumprimentei-a com um abraço.


— Bom dia, minha neta. — ela beijou minha testa e mandou eu me

sentar.

— Cadê minha mãe?

— Saiu cedo para encontrar uma cliente, acho que em breve teremos

muita gente nessa casa. — ela respondeu, colocando uma fatia enorme de

bolo em meu prato. Eu sabia que não conseguiria comê-lo inteiro, mas não
queria decepcionar a minha avó, que se entristecia muito com os problemas

que eu estava tendo para comer, então não comentei sobre o tamanho

avantajado do bolo.

— Evento grande? — questionei, só tínhamos os ajudantes de

mamãe em casa quando o evento era muito grande.

— Sim, enorme. Acho que é um casamento, querem que sua mãe


cuide de tudo. O dinheiro vai ser alto, quem sabe não seja o suficiente para

ela abrir sua própria confeitaria!

— Espero que sim, sei que é o sonho dela.

Tomamos nosso café conversando um pouco. Como esperado, meu

estômago embrulhou na segunda garfada do meu bolo, então disfarcei e,

quando vovó estava distraída, coloquei-o dentro da geladeira, prometendo a

mim mesma que tentaria comer bem no almoço.

Levantei, despedi-me da vovó e fui de bicicleta até o colégio.

Infelizmente dessa vez não encontrei Matheus no caminho.


Andei até a caixa onde ficavam os jornais e admirei a minha coluna.

“Quer um conselho?

Você tem um segredo, não tem coragem de contá-lo a ninguém, mas

precisa desesperadamente de ajuda ou de um conselho? Sua oportunidade

chegou! Essa coluna será exatamente para isso.

Mande uma mensagem para

queroumconselho@colegio.sanvallentin.com e você será respondido!

Não se preocupe, o processo é totalmente anônimo. Sinta-se à

vontade para criar um e-mail fake, caso se sinta mais confortável, então
não se envergonhe e desabafe comigo! Prometo fazer o meu melhor para

ajudar!

Alana Soares”

Quando terminei de ler, abracei o jornal e dei uns pulinhos. Estava

tão feliz que nem percebi as pessoas ao meu redor, foi só quando escutei

risadinhas que despertei do meu momento de alegria.

Paloma e Mirela estavam zombando de mim perto da cantina,

apontando dedos, cochichando e rindo. Senti uma pontada de raiva, mas

sabia que não adiantaria confrontá-las, então ignorei e segui para sala.

O lugar do Matheus estava vazio.

Estranhei, porque desde que voltamos ele tinha o costume de chegar

bem cedo. Se ele não viesse, eu teria que assistir às aulas da tarde sozinha.
Sentindo-me um pouco solitária, peguei meu celular para buscar

consolo no meu Admirador secreto. Ele me mandava mensagens todas as

manhãs antes das aulas começarem, mas naquele dia a minha caixa de
mensagens estava vazia.

Resolvi mandar uma mensagem para ele, apenas para me certificar

de que estava tudo bem.

Enviei e aguardei uma resposta, mas nada.

O professor entrou na sala e eu guardei o celular na bolsa. Assisti às

duas primeiras aulas sem nenhum problema, então, no terceiro horário,

fomos para o campo de futebol para aula de educação física e eu finalmente

vi o Matheus.

Ele estava deitado na arquibancada, olhando para o céu, como se

não se importasse nem um pouco com as aulas, com o sol forte ou com o

calor intenso.

Fui para o vestiário para me trocar e o professor nos mandou dar

voltas no campo. Quando vi as meninas correrem em grupinhos ou duplas,

me senti novamente um pouco solitária, então eu vi a Luana. Ela não era


minha amiga, mas apesar de não sermos próximas, nós conversávamos

bastante no ano anterior, antes do acidente.

Eu devia estar mesmo desligada naquele ano, porque me assustei

muito quando vi o quanto ela estava diferente.

Luana estava tão magra. Era tão estranho vê-la assim, porque eu

achava que ela ficava muito mais bonita com todas aquelas curvas, mas

talvez ela não estivesse tão feliz com o outro corpo e quisesse mudar. Não

podia julgá-la por isso. Aproximei-me meio receosa, cumprimentando-a.

— Oi, Luana!

— Oi, Alana. Tudo bem? — ela questionou, se alongando.

Quando me aproximei mais dela, reparei nas olheiras fundas

embaixo dos seus olhos, ela também me parecia abatida.

— Tudo bem também. Escuta, posso correr com você? Estou sem

dupla.

— Pode sim, claro. — ela respondeu com um sorriso fraco.

Corremos juntas por um tempo, sem dizer nada uma à outra, até eu

quebrar o silêncio.

— Quase não te reconheci, você mudou tanto.

— Ah, obrigada. Eu me sinto muito mais bonita agora que eu

emagreci. — ela falou, ajeitando seus cabelos longos e loiros.

— Fico feliz. É importante nos amarmos acima de tudo, não é?


Ela apenas sorriu, concordando, e voltou a ficar em silêncio. Ela

estava um pouco ofegante, mesmo que estivéssemos correndo devagar.

Estranhei, porque ela era bastante atlética, mas como estava calor, presumi

que ela estivesse um pouco desidratada.

Quando terminamos a corrida, o professor propôs um jogo amistoso

e enquanto os times se formavam, fui falar com o Matheus na arquibancada.

Subi os andares e parei no degrau abaixo dele.

— Ei, esqueceu que tem aula hoje? — questionei, mas ele nem se

deu o trabalho de olhar para mim, o capuz do seu casaco cobria

parcialmente o seu rosto.

— Não esqueci, só não quis aparecer por lá. — ele respondeu, mal-
humorado.

— Nossa, que bicho te mordeu, garoto? Aconteceu alguma coisa

para você estar com todo esse mau humor? — tentei entender o que estava

acontecendo.

— Não te interessa o que aconteceu. Pode me deixar em paz, Alana?

Vai cuidar da sua vida! — ele falou ríspido e eu encarei-o surpresa.

Não esperava tamanha grosseria assim, principalmente dele. Então,

bem chateada com aquela atitude, dei as costas e larguei-o lá sozinho, me

arrependendo de ter ido falar com ele.


Perdi totalmente a vontade de voltar para a aula depois disso.

Sentei-me no banco dos reservas e despistei o professor, dizendo que estava

esperando para entrar no jogo. Tirei meus fones de ouvido e coloquei uma

música para tocar, esperando que isso fizesse minha raiva passar.

Quando a aula acabou, fui até o vestiário, mas antes de entrar, senti

uma mão puxando meu braço.

Era o Matheus.

— Desculpa, não estou muito bem, mas não devia descontar em

você. — ele disse.

Ainda sentia uma pontada de raiva dele, mas quando olhei para o

rosto do Matheus, vi que o seu olho esquerdo estava em um tom arroxeado


e a fúria se dissipou, dando lugar para a preocupação.

Ele havia levado um soco.

— O que aconteceu com seu rosto? — questionei assustada, tocando


sua pálpebra com delicadeza para não machucar ainda mais.

— Briguei com meu pai.

— E então ele te deu um soco? Meu Deus! Quer conversar? —

perguntei, tirando minha mão do rosto dele.

— Quero, mas não aqui. — ele segurou minha mão e me levou até o
estacionamento onde estava a sua moto.
Não sabia aonde iríamos, mas não sentia nem um pingo de
arrependimento por deixar o colégio no meio da aula.
ALANA

Matheus me entregou um capacete sem dizer nada, olhando para

mim e esperando que eu o pegasse.

— Opa, opa! Não vou andar nisso não. — eu queria muito ir com
ele, mas morria de medo de andar de moto.

— Deixa de ser medrosa, você anda de bicicleta e é quase a mesma

coisa! — ele falou rudemente, esticando o capacete na minha direção com

mais veemência.

— Que saco, garoto! Não gosto de motos. Se você quer sair, vamos
andando ou posso pedir um motorista por aplicativo. — respondi
grosseiramente.

— Estamos indo para um lugar longe, vamos de moto ou não

vamos. Você escolhe! — ele disse, jogando o capacete em meus braços.

Contrariada, coloquei o capacete e ele me ajudou a subir. Matheus

deu a partida e, assim que começou a acelerar, me segurei nele, abraçando

sua cintura. Ele parecendo sentir meu nervosismo, então acariciou uma das
minhas mãos e isso me acalmou um pouco.

Como não estávamos indo tão rápido, apreciei o vento contra o meu

rosto e tentei descobrir para onde íamos. Quando passamos pela ponte que

ligava o Centro ao litoral, eu entendi.

Estávamos indo para uma praia que eu adorava. Olhar as ondas

sempre me trouxe uma paz enorme. Estacionamos e o Math me ajudou a


descer, então ele retirou uma toalha da mochila e a colocou sobre a areia

para sentarmos.

O mar estava revolto e o vento estava frio, apesar do sol forte. Por

um tempo ficamos ali, em silêncio, apenas escutando o barulho do mar.

Era estranho estar ao lado do Matheus.

Eu estava surpresa por estarmos conversando tanto ultimamente.

Karen insistiu para que eu fizesse isso durante todos esses anos, mas nunca

consegui.
Estudávamos no mesmo colégio desde que éramos crianças e eu

sempre tive algo por ele, mas nunca senti que fosse correspondida.

Esqueci essa paixonite depois de alguns anos, porém ela voltou com

força depois que a Karen e o Alex começaram a namorar. Ambos pareciam

ter a missão de unir seus irmãos para que pudéssemos sair em casais.

Nem eu nem o Math dávamos muita corda para os planos dos dois,

apesar do meu coração acelerar sempre que eles nos deixavam sozinhos.

Karen tinha certeza que assim que ficássemos sozinhos ele se declararia
para mim e seríamos o casal mais feliz do mundo.

Mas infelizmente isso nunca aconteceu.

Matheus sempre foi popular, o capitão do time de futebol que ficava

com todas as meninas do colégio, e eu sempre fui muito reservada. A única

vez que tive toda atenção do colégio foi quando não aceitei suborno do ex-

diretor e denunciei para o jornal local que um professor estava assediando

algumas alunas do nosso colégio.

Aquele foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida, um

texto meu foi publicado no jornal de renome e isso foi motivo de muito

orgulho para minha mãe.

Foi a partir daquele momento que eu decidi que tocaria as pessoas

com as minhas palavras. Eu queria ser jornalista e teria um compromisso


com a verdade e integridade dos fatos, e era isso que eu vinha tentando

fazer desde então.

— Math, quer me dizer o que aconteceu entre você e o seu pai? Sei
que vocês não se gostam, mas agressão física é demais... Foi algo sério?

— Valdir é um completo idiota, um canalha que não valoriza o que

tem. Ele poderia ter ficado comigo e com a minha mãe quando o Alex

morreu, mas não, ele não teve coragem e nos abandonou. — ele respirou

fundo, limpando algumas lágrimas do seu rosto — Agora ele acha que pode

interferir em nossas vidas, aparecendo lá em casa completamente bêbado e

fazendo minha mãe sofrer ainda mais.

Ele olhava diretamente para o horizonte e com o coração partido

com toda essa história, estiquei minha mão até a dele, tentando passar

algum conforto. Ele entrelaçou nossos dedos, ainda sem olhar para mim.

— Ontem à noite ele apareceu lá em casa, totalmente embriagado e

disse coisas horríveis para a minha mãe. Ele disse que ela era culpada pela

morte do Alex, que foi ela quem deu o carro para ele. Ela chorou muito,

porque também se culpa por isso. Mas não foi culpa dela, e eu estava

começando a convencê-la disso, então ele veio e destruiu tudo. Foi horrível

vê-la daquele jeito de novo, então comecei a discutir com ele, trocamos

vários xingamentos até ele dar o primeiro soco e eu revidar. Brigamos por

um tempo até os vizinhos separarem.


— Eu sinto muito, Math. Nunca poderia imaginar que isso tivesse

acontecido... Não foi culpa de ninguém, foi uma fatalidade. Seu pai também

está de luto, ele só está descontando nas pessoas erradas. E algum dia ele

ainda vai perceber isso.

Ele não disse nada, apenas acariciou minha mão com o polegar e

continuou olhando o mar. Ficamos lá por um tempo, dividindo nossa dor,

até que Matheus quebrou o silêncio.

— Que tal caminharmos um pouco? Tem um parque de diversões

daqui alguns metros. Deve estar abrindo agora, podemos ir para lá e fingir

que a nossa vida não é uma total bagunça, o que acha? — ele sugeriu, se

levantando e me estendeu a mão.

Agarrei-a de bom grado e caminhamos de mãos dadas até o parque,

que era bem amplo e repleto de brinquedos e barracas com comidas e

artesanatos.

Compramos camisetas para trocarmos as do colégio e caminhamos

até a montanha russa. Em todos os brinquedos que íamos, Matheus não

largava a minha mão. Eu não sabia como devia me sentir em relação a isso,

mas ele me fazia bem.

Estávamos felizes, como há muito tempo não ficávamos, ignorando

nossos traumas e tristezas, e apenas aproveitando a vida.


Caminhamos até a roda gigante e, apesar de não gostar muito de

altura, Matheus me passava muita confiança.

Quando estávamos na parte mais alta, eu perguntei:

— Como foi o treino?

— Foi bom. Temos algumas ideias novas para o time. Estava com

saudade de jogar com o resto do time.

— Você não estava mais jogando?

— Só um pouco. Às vezes Albert, Nicolas e eu treinávamos alguns

lances e pensávamos em jogadas, mas nada sério.

— Vocês sempre foram muito amigos, né?

— Sempre. Nós nos conhecemos ainda moleques, na escolinha de

futebol, e não nos separamos mais. É bom estar de volta ao time com eles...

mas e você? Como foi no clube de jornalismo?

— Foi bom também. Quero aprimorar algumas matérias, fiz a minha

coluna, quero me dedicar mais a isso, já que pretendo cursar jornalismo.

— Esse sempre foi seu sonho, né? — ele perguntou, apertando de

leve a minha mão.

— Sempre, desde que aprendi a ler eu soube que queria ser

jornalista.

— Você gosta muito de ler também, né? Comecei um thriller bem

legal essa semana, um do Stephen King. — ele disse e eu me interessei


ainda mais na nossa conversa.

— Nunca li nada dele. Eu curto mais romances, mas li um thriller da

Gillian Flynn, Garota Exemplar, e é um livro surreal de bom. Sério, coloca

na sua lista de leituras! — falei, sem conter minha animação.

— Já ouvi falar! Assisti ao filme e ele é muito bom, então o livro

deve ser melhor ainda.

— Pode ter certeza que é! Espero que você leia e me conte, quero

saber sua opinião. Acho que também vou ver o filme e aí nós podemos

comparar os dois!

— Boa ideia! Vamos comparar para ver se a adaptação ficou boa. —

ele sugeriu e eu sorri, não sabia se essa conversa um dia aconteceria, mas eu
esperava que sim.

— Mas ei, será que esse brinquedo vai demorar muito aqui em

cima? — perguntei, olhando para baixo, o que foi uma péssima ideia.

— Demora um pouco, por quê? Está com medo?

— Só um pouco, não curto muito ficar em um lugar tão alto.

— Relaxa que não vamos cair. Você está segura aqui comigo. — ele

me abraçou e eu me aconcheguei a ele curtindo aquele momento.


Quando saímos do parque, já eram quase sete horas da noite e eu
tive certeza que minha mãe estaria uma fera quando eu chegasse em casa.

Corremos até a moto do Matheus e, ao pegar meu celular, percebi

que ele estava desligado.

— Matheus, me empresta seu celular? Minha mãe deve estar

desesperada. — falei, colocando a mochila em minhas costas.

— Estou sem celular, quebrei o meu ontem na briga e ainda não


comprei outro. — ele explicou me entregando o capacete — Sobe aí que

vamos rápido, eu te deixo em casa e converso com a sua mãe.

Subi na moto e Matheus pilotou até minha casa, indo bem rápido e
me fazendo abraçá-lo por todo o caminho.

Ao estacionarmos, vi um carro da polícia na porta da minha casa.

Era oficial. Eu estava muito ferrada.


ALANA

Desci rapidamente da moto e, ao lado do Matheus, corri para dentro


da minha casa. Sentados na sala, encontrei minha mãe, a mãe do Matheus,

minha vó e o Senhor Correia, o delegado da cidade.

Ao me ver, mamãe se levantou rapidamente, correu até mim e me

abraçou. Ela estava chorando, eu conseguia sentir as lágrimas dela em meu


ombro.

— Mãe, não precisa chorar, eu estou bem. — disse, acariciando suas

costas e tentei acalmá-la.


— Como você pôde sair do colégio e sumir o dia inteiro sem me

avisar, Alana Soares Calmões? Não pensou em me dar nenhum tipo de

satisfação? Você nunca fez algo assim! Está tentando me matar de

preocupação? — ela gritou, limpando as lágrimas.

— Desculpa, mãe. Meu celular descarregou e a gente não viu o

tempo passar lá no parque. — revelei sem encará-la.

— A gente? Então quer dizer que você também estava com ela,

Matheus? São dois irresponsáveis agora? Você não pensa na sua mãe não,

rapazinho? — ela questionou irritada, alternando seus olhares entre mim e

Matheus.

— Fica calma, Susana. Eles estão bem e é isso que importa, não é?

— o delegado Correia falou para a minha mãe, colocando as mãos em seus


ombros e ela pareceu relaxar um pouco.

— É sim, a gente só quis relaxar um pouco, mãe, desculpa de

verdade. Meu celular descarregou e estávamos curtindo tanto que não

percebemos. — respondi, indo ficar ao lado dela.

Matheus, que até então tinha ficado estático, em silêncio, foi até a

mãe dele e conversou baixinho com ela.

Voltei minha atenção para minha mãe, que agora levava o delegado

até a porta, conversando baixinho com ele. Estranhei aquela atitude, mas

não falei nada.


— Bem, meu trabalho por aqui acabou. — ele falou a todos e depois

olhou diretamente para mim — Tenta não dar tanto trabalho à sua mãe.

— Vou tentar, mas o problema é que ela não é muito paciente. Você

viu que ela te chamou sendo que não tinha sumido nem por vinte e quatro

horas. — falei e minha mãe revirou os olhos. Sentei-me no sofá ao lado da

minha vó e Dom deitou em meu colo.

— É natural dos pais se preocuparem, Alana. Mesmo com o meu

filho morando longe, eu ligo constantemente para saber onde ele está. —
ele contou e eu sorri, lembrando do Joaquim. Éramos muito próximos até

ele se mudar para outro estado com a mãe dele.

— E como ele está? Há anos não o vejo... — escutei minha mãe

perguntar antes deles saírem de casa.

O silêncio reinou na sala. Matheus já tinha parado de conversar com

a mãe dele e agora me encarava como se pudesse ver além do meu exterior.

Eu me remexi, levemente desconfortável com a intensidade, mas ficamos

nos encarando até minha mãe voltar para sala, atraindo minha atenção para

ela.

Depois de tanto choro, irritação e preocupação, ela estava bastante

feliz. Talvez o senhor Correia fizesse mais bem a ela do que eu imaginava.

— Aconteceu o que lá fora que te deixou toda feliz assim? —


questionei, provocando-a e imediatamente o sorriso sumiu, ela ainda
irritada comigo.

— Não aconteceu nada, Alana. Vá tomar um banho para me ajudar

nos preparativos para o casamento. — ela disse tirando o Dom do meu colo
e foi para o lado da Lúcia.

— Poxa, mãe. Cadê os seus ajudantes? Desde quando eu tenho que

te ajudar nessas coisas? — reclamei enquanto ia até a escada.

— Desde quando você resolveu dar uma de adolescente rebelde.

Você precisa aprender a ter mais responsabilidade. A senhorita está de

castigo e vai me ajudar porque eu estou mandando. — ela respondeu com

um tom de voz autoritário que eu não ouvia há anos. Pelo canto do olho, vi

o Matheus segurando o riso.

— Mãe! Eu já estou muito grande para ficar de castigo.

— Falando assim parece até que é um grande castigo. Deixe de

reclamar que no tempo de sua avó os castigos eram bem piores. — ela

respondeu e eu resolvi parar de contestar antes que ela me envergonhasse

ainda mais.

Revirei os olhos e fui até meu quarto. Lá, liguei minha caixa de som

em um volume baixo e andei até o banheiro, onde tomei um longo banho e

lavei meus cabelos. Voltei para o quarto e caminhei até o guarda-roupas

apenas de toalha, cantarolando baixinho junto com a música que soava no


ambiente. No meio do caminho, no entanto, minha voz sumiu quando notei

algo diferente no meu mural.

Era uma foto bastante familiar.

Uma foto minha e do Matheus.


ALANA

A foto em si eu nunca vira antes, mas a situação retratada nela


vibrava em minha mente como se tudo tivesse acontecido há minutos. Foi

logo depois do Alex e a Karen começarem a namorar. Naquele dia, fizemos

uma fogueira no quintal da casa do Alex.

Era primavera e tinha sido um dia quente no qual eu usara roupas de


verão. No entanto, assim que anoiteceu, a temperatura baixou bastante e o

Matheus veio me aquecer.

Ele se sentou ao meu lado com uma enorme manta e me abraçou. Eu

me aconcheguei a ele e ficamos assim por um tempo. Nunca tínhamos


ficado tão próximos um do outro, eu podia sentir até as batidas do seu

coração. Ele estava sendo gentil comigo até perceber que a Karen estava

nos fotografando e me deixar sozinha e com frio.

Karen nunca tinha deixado eu nem chegar perto da foto e eu estava

curiosa para entender como o Matheus tinha conseguido. Peguei-a do mural

e observei-a de perto.

Qualquer um que olhasse para ela diria que éramos um casal, porque

de fato parecíamos com um.

Queria entender o que ele queria com aquela foto, porque era tão

estranho ele querer que eu visse aquilo sendo que nunca nem demonstrou

querer sequer a minha amizade.

Coloquei-a de volta no mural e fui me vestir. Sequei meus cabelos


com o secador e os prendi em um coque. Calcei minhas sandálias, coloquei

meus óculos e desci.

Quando cheguei na sala, notei que Matheus e sua mãe já tinham ido

embora. Fiquei decepcionada com isso, tinha esperanças de confrontar ele

sobre a foto e fazê-lo me dizer porque tinha a deixado lá.

Beijei a testa de vovó e caminhei até a cozinha, encontrando minha

mãe fazendo os recheios dos cupcakes para o casamento.

— Demorou, hein? — ela disse, me entregando a massa já pronta e

me mostrou onde estavam as forminhas.


— Desculpa, precisava relaxar um pouco. — falei, começando a

colocar a massa nas formas.

— Não é como se a senhorita já não tivesse relaxado a tarde toda.

Eu ainda não consigo acreditar na sua irresponsabilidade, Alana! Eu te criei

para ser melhor que isso! — ela esbravejou, batendo a colher na beira da

panela, sem nem ao menos olhar na minha direção.

— Mãe... Eu já te pedi desculpas. Será que você pode me perdoar?

Eu prometo que nunca mais vou te deixar preocupada assim, mas por favor,
você já me deixou de castigo e isso é o suficiente. Não brigue comigo

assim. — eu pedi enquanto colocava a massa nas forminhas com bastante

cuidado.

Ela suspirou e permanecemos alguns minutos em silêncio. Então,

com o tom de voz bem mais calmo, ela disse:

— Ok. Eu conheço você e sei que foi apenas um descuido. Mas que

seja a última vez.

— Eu prometo.

— Certo. Então está bem. E como foi o passeio com o Matheus? Ele

te contou o que aconteceu? Lúcia estava arrasada. — ela perguntou

enquanto mexia o recheio no fogão.

— Contou sim. Foi por isso que fomos para o parque, ele precisava

espairecer um pouco. Parece que a briga foi séria. — respondi, colocando a


primeira leva de cupcakes no forno.

— Muito séria, filha. Eles foram às vias de fato, se engalfinharam na

sala da Lúcia e ela, coitada, nem sabia o que fazer.

— Deve ter sido horrível. O Matheus estava muito chateado.

— Pois é. — ela comentou.

Por um tempo, ficamos em um confortável silêncio, apenas

trabalhando. Eu estava tentando julgar se ela de fato estava menos brava

comigo para que eu pudesse perguntar o que eu queria perguntar, e foi

quando ela me deu um sorriso por cima do ombro que eu me senti confiante

em questioná-la:

— Mãe, me diga. Está acontecendo alguma coisa entre a senhora e o

delegado? — assim que terminei de falar, ela se virou para me encarar com

uma expressão levemente escandalizada e um rubor na face.

Bingo! Estava sim acontecendo alguma coisa. Senti meu rosto se


curvar em um enorme sorriso.

— Não está acontecendo nada, Alana. Somos amigos, apenas. — ela

disse, voltando a encarar as panelas.

— Amigos, hum, sei... você sabe que pode me contar a verdade né,

mãe? Nunca escondemos nada uma da outra. — falei, indo abraçá-la.

— Sei sim, filha. E pode ter certeza de que se acontecer alguma

coisa você será a primeira a saber, mas dessa vez não tem nada acontecendo
mesmo. — ela falou sem me encarar e eu senti meu sorriso ficando maior.

Ela não estava preparada para me contar, mas os trejeitos de adolescente

com uma quedinha não escondiam nada. E olha que a adolescente ali era

eu!

Falando de várias bobagens, trabalhamos até um pouco depois da

meia noite, quando ela guardou os cupcakes prontos e me enxotou para o

meu quarto, dizendo que estava tarde e eu precisava dormir.

Eu estava sem sono, mas para não a contrariar depois de um dia

turbulento, desliguei a luz, peguei o meu notebook, levei-o até a cama e abri

logo o meu e-mail. Queria saber se alguém já tinha se correspondido

comigo. Imediatamente meus olhos foram para a seguinte mensagem:

“Você tem cinco e-mails!”

Reli-a várias vezes e tapei a boca com as mãos para me impedir de

soltar gritinhos de alegria, tamanha minha euforia.

Respirei fundo e abri o primeiro e-mail, que era de uma garota

chamada Yara.

“Querida Alana.

Será que posso confiar em você?

Estou namorando há alguns meses com um cara que eu gosto muito,

ele sempre foi muito gentil e respeitoso, mas ultimamente tem me

pressionado muito para transar com ele. E eu ainda não me sinto pronta!
Ele tem ficado distante e acho que vai terminar comigo por isso... Devo me

entregar a ele apenas porque ele quer? Não quero dividir isso com minhas

amigas porque eu sei que elas iriam acabar me julgando e tudo o que não

preciso agora é ser julgada. Gostaria de um conselho de alguém de fora.

Me ajuda?”

Reli a mensagem novamente, com bastante calma, e tudo o que se

passou na minha cabeça foi:

“Seu namorado é um babaca, Yara!”

Mas não podia escrever isso, então me preparei para aconselhá-la.

“Querida, Y.

Temos alguns problemas aqui nessa situação. O primeiro é toda

essa pressão para você fazer algo que você não quer. Nunca devemos fazer

coisa alguma por pressão dos outros, todos temos nossas vontades e

anseios e eles devem ser respeitados, independentemente da situação, mas

principalmente em um assunto tão delicado como esse. Se você não se sente

preparada, não tem o que discutir aqui, o que nos leva ao segundo

problema da sua pergunta.

O que eu acho que está acontecendo aqui é uma grande falta de

respeito que esse rapaz está tendo por você nesse momento. O corpo é seu,

SEU e de mais ninguém! Não é do seu namorado, nem de nenhum homem

que porventura venha a se relacionar com você. Cabe ao seu namorado


respeitá-la por quem você é, e não pelo prazer que você pode proporcionar

a ele. Não abra mão de aproveitar um momento tão importante como esse

apenas porque ele quer.

E então chegamos ao terceiro problema da sua situação: O fato de

ele estar se afastando de você porque você não quer transar com ele. Será

que ele não está com você por interesse? Se você acha que ele vai terminar

por você dizer não, querida, eu sinto dizer que ele não te ama e que esse
relacionamento não é nem um pouco saudável. Eu tenho certeza que você é

uma pessoa incrível que merece alguém que te ame e te respeite, alguém
com quem você vai ter momentos maravilhosos e, o mais importante de

tudo, com consentimento e amor de verdade.

Termina logo com esse babaca.

Espero ter ajudado.

Alana Soares.”

Sorri ao terminar de escrever e enviei para a Lívia. Como era um


jornal semanal, a maioria das pautas tinham que estar prontas alguns dias

antes da publicação.

Guardei o notebook, vesti meu pijama, deitei na cama e peguei o


meu celular na cabeceira. Queria ver se meu admirador secreto tinha dado

um sinal de vida.
Alegrei-me ao ver uma mensagem dele, mandada há apenas alguns
minutos.

Suspirei encantada e senti muita vontade de respondê-lo. Eu queria


muito saber quem ele era, queria ouvir a voz e abrir meu coração para ele.

Mas eu não podia me entregar a quem eu não conhecia.

E ainda tinha o Matheus no meio disso tudo.


ALANA

No dia seguinte, acabei não escutando o despertador e cheguei


atrasada no colégio. Mal tive tempo de me arrumar, então cheguei usando

uma calça jeans colocada às pressas e a camisa do uniforme, que estava

bastante amassada. Saí correndo entre os corredores até parar na porta da


minha sala.

A professora de inglês estava dando sua aula e ela era gente boa,

mas odiava atrasos, então optei por não interromper sua aula. Fui direto

para sala do jornal, liguei o computador para olhar como estava a


diagramação do exemplar da semana.
Enquanto o programa carregava o arquivo, meus olhos se prendem

no quadro de avisos dos alunos, pois lá estava um convite extremamente

chamativo e brilhoso para a festa da Mirela.

Ela faria dezoito anos e aparentemente estava convidando o colégio

todo para a festa, que seria no dia seguinte, na casa dela. Revirei os olhos e

ignorei, eu nunca apareceria na casa dela depois das coisas que ela e a
Paloma disseram sobre a Karen.

Voltei minha atenção para minha mesa, organizei alguns textos para

serem postados ao longo da semana e, quando o sinal bateu, fui para sala no

segundo horário. Assim que entrei, deparei-me com a Paloma praticamente

em cima do Matheus.

De novo!

Aquela garota parecia não ter senso do ridículo.

Matheus não estava nem dando atenção a ela, continuava

conversando com seus colegas de time. Quando ele me viu, parou de

conversar e me encarou como se quisesse me dizer alguma coisa.

Eu queria conversar com ele, queria saber por que ele tinha deixado

aquela foto no meu quarto.

Estava tão confusa!

Precisava saber o que significava aquilo tudo.


Sentei ao lado da Luana, que tinha olheiras enormes abaixo dos seus

olhos, a menina parecia que não tinha dormido nada.

— Oi, Luna! Noite difícil?

— Um pouco, às vezes não consigo pregar o olho. — ela respondeu,

deitando sobre a mesa.

— Também tenho insônias às vezes e é uma merda! Tenta beber um

café no intervalo. — falei, tirando meu celular e caderno da mochila.

— Vai ser o jeito, apesar de que o café da cantina tem gosto de tinta

velha. — ela disse com uma careta, fazendo-me rir — Mas ei, já que você
está aqui, me diz uma coisa, está acontecendo alguma coisa entre você e o

Matheus? — ela questionou intrigada. Senti uma contração no estômago e

meu coração acelerou imediatamente.

— Entre mim e o Matheus? Não! — exclamei com a voz trêmula —

Por que está perguntando isso?

— Ele não para de olhar na nossa direção e, como sei que ele não

está olhando para mim, achei que vocês estavam tendo alguma coisa.

— Ah! — falei olhando para o Matheus, que estava realmente me

encarando. Ainda muito nervosa, deixei nossos olhares se encontrarem e

olhamos um para o outro até o professor entrar na sala e chamar a nossa

atenção.
Do meu lado, Luana estava me olhando com uma expressão

divertida. Senti meu rosto aquecer, desviei o olhar dela e comecei a retirar o

resto dos meus materiais da mochila. Foi então que esbarram na minha
mesa, derrubando boa parte das coisas que estavam nela.

Olhei para cima e vi que tinha sido a Paloma.

— Qual foi, garota! Está cega agora? Não enxerga nem minha mesa!

— questionei, irritada. Ela sorriu maliciosa, debruçou-se na minha carteira e

sussurrou:

— Não estou cega, pelo contrário estou vendo tudo e não estou

gostando. Acho bom você parar o que está fazendo, o Matheus é meu! E

nem adianta fazer essa cara de sonsa porque você sabe muito bem do que eu

estou falando. — com um grande e falso sorriso, ela voltou para a carteira

dela.

Eu devia ter ficado irritada, mas tudo o que eu consegui sentir foi

indiferença e achar ela ainda mais patética. Revirei os olhos e Luana me

ajudou a pegar os meus materiais para que eu pudesse prestar atenção na

aula.

Quando chegou a hora do intervalo, todos falavam sobre a festa da

Mirela e ela estava adorando toda aquela atenção. Passei o período todo na

arquibancada com a Luana, que estava sendo bastante simpática comigo. Eu

gostava da companhia dela, afinal ela era muito inteligente e engraçada. As


piadas sarcásticas e ácidas dela me fizeram rir tanto que minha barriga doeu

um pouco.

Fazia bastante tempo que eu não me sentia feliz assim.

Apesar de estar de castigo, minha relação com minha mãe estava

melhor que nunca, minha atuação no jornal com a coluna nova estava me

animando para a minha futura faculdade, eu estava indo bem no colégio,

tinha feito uma nova amiga e ainda tinha um admirador secreto para alegrar

minhas noites. Pensei sobre como a Karen ia gostar de me ver assim.

Depois de vários meses sofrendo, eu finalmente consegui comer

todo o meu sanduíche e não me senti enjoada. Aquilo era uma vitória, então

dividi isso com Luna, que me deu um abraço para comemorar. Eu ofereci

um pedaço para ela, mas ela disse que não queria, que se meu apetite tinha

voltado era para eu aproveitar.

Quando estávamos saindo do campo, Nicolas, amigo do Matheus,

nos interceptou.

— Oi, Alana. Oi, Luna! — ele nos cumprimentou.

— Oi, Nicolas. — respondemos juntas.

— Então, vocês estão indo para sala? — ele perguntou e eu

estranhei. Nicolas, assim como o Matheus, dificilmente falava com alguém

que não fosse do grupinho dele.


Abri a boca para responder, mas de repente senti mãos enlaçando

minha cintura e fui levantada de surpresa. Ouvi uma risada familiar

enquanto fui colocada no ombro do meu sequestrador: Matheus.

Comecei a socar suas costas e gritei:

— Matheus! Me coloca no chão, está doido?

Ele apenas riu e me levou até o pátio do colégio, não muito longe de

onde estávamos e me soltou como se nada tivesse acontecido.

— Por que fez isso? — questionei irritada, dando-lhe um empurrão

de leve.

— Não percebeu que ele queria falar com ela sozinha? Achei que

fosse mais esperta! — ele respondeu, dando um peteleco na minha testa.

Bati em sua mão e olhei para os dois, Nicolas parecia super

deslocado falando com a Luana.

— Eles não combinam em nada, nunca perceberia que ele é afim


dela.

— Você não percebeu porque é meio lerdinha, só vê as coisas

quando elas já estão sendo esfregadas na sua cara. — ele falou saindo de

perto de mim, mas eu o puxei de volta pelo braço, perguntando:

— Você consegue ser bem idiota às vezes, né? Eu não te entendo. —

suspirei — Mas me diz, como conseguiu aquela foto que você colocou no

meu quarto?
MATHEUS

Suspirei. Claro que ela ia me interrogar, essa era a futura jornalista


que eu estava começando a conhecer.

— Meu irmão me deu aquela foto, ele pegou em uma das visitas à

casa da Karen e me deu. Ele achou que seria engraçado me provocar com

uma foto de nós dois juntos. — disse, desvencilhando-me do aperto em meu


braço e, vendo seu rosto confuso, acrescentei: — Satisfeita agora?

— Muito. Olha só, nunca mais entra no meu quarto, seu babaca! —

ela gritou para mim, deu-me o dedo do meio e me deu as costas, marchando

até a nossa sala sem olhar para trás.


Fiquei parado observando, muito provavelmente com a maior cara

de tacho do universo. Precisava dar um jeito nessa minha situação com a

Alana. Eu gostava dela, estar com ela era bom e conversar com ela por

mensagens me fazia um bem danado, mas ela parecia gostar mais do

admirador secreto do que de mim, e éramos a mesma pessoa!

Precisava dar um basta nisso logo.

— Querido, você não devia estar na aula? O sinal já bateu. — ouvi a

voz da inspetora do intervalo atrás de mim e me sobressaltei, percebendo

que estava encarando o vazio que Alana tinha deixado para trás.

A inspetora cruzou os braços e ergueu uma sobrancelha para mim,

então, murmurando um pedido de desculpas, caminhei até a sala para o

quarto horário. Eu até que gostava de geografia. Não era a minha matéria
favorita nem nada, mas me dava bem com a teoria.

Sentei em minha cadeira esperando uma aula tranquila, mas então e

o professor resolveu passar um trabalho em dupla. Grunhindo um pouco,

virei-me para procurar alguém para fazer comigo, preferencialmente a

Alana, ainda que ela estivesse brava comigo. E foi aí que o professor cortou

o meu barato, anunciando que ele definiria as duplas por sorteio.

Vi a Alana ser sorteada para fazer dupla com o Tadeu, um dos caras

da equipe de natação. Eu não ia com a cara dele porque ele era um babaca
metido a besta.
Quando ela arrastou a carteira para junto da dele, toda sorrisos, e

eles começaram a conversar, senti um desconforto no estômago. Tentei

desviar meu olhar do casalzinho e, quando meu nome finalmente foi

chamado, percebi que as coisas podiam ser piores. Minha dupla seria a

Paloma.

Resignado, arrastei minha cadeira para o lado dela e abrimos nossos

livros nas páginas indicadas. Precisávamos relacionar a teoria com os


problemas ambientais presentes no nosso bairro.

Tentei me concentrar e escrever alguma coisa, mas era meio

impossível com a Alana e o Tadeu gargalhando do outro lado da sala. Eu

queria muito saber o que tinha de tão engraçado no tema deles, ou se aquele

babaca estava cantando a minha garota.

— Poxa, Math! Presta atenção! Não vamos terminar o trabalho

desse jeito! — Paloma exclamou irritada, depois da milésima vez que me

virei para olhar para os dois.

— Foi mal! — respondi, coçando meus cabelos, sem tirar os olhos

de Alana.

— A aula já está acabando e não escrevemos nem a metade, o

trabalho é para amanhã, presta atenção em mim! — ela falou frustrada,


segurando em meu rosto e virando-o para ela, chamando minha atenção

novamente.
— Foi mal, Loma, mas estou sem cabeça para fazer esse trabalho

agora, não consigo me concentrar com todo esse barulho. Vai lá em casa

mais tarde que a gente escreve lá, está bem? — perguntei e ela suspirou
pegando o celular.

Quando o sinal bateu, peguei minhas coisas e saí sem olhar para

ninguém. A última aula seria de educação física. Quando chegamos na

quadra, as meninas começaram a se agrupar fora da área, esperando as

instruções do professor, que geralmente pedia que elas corressem ou

fizessem alguns exercícios de ginástica enquanto os meninos jogavam futsal

ou basquete, mas dessa vez ele fez gestos para que elas se juntassem a nós

no centro da quadra.

— Bom dia, meus jovens Padawans. — ele cumprimentou com a


animação costumeira, então se abaixou e pegou uma bola colorida do chão.

Ocorreu um grunhido geral entre as garotas quando percebemos, todos ao

mesmo tempo, que teríamos uma aula de vôlei. — Não adianta reclamar

não, precisamos de esportes para fortalecer esses bracinhos de vocês aí! —

o professor apontou para as garotas, jogando a bola para Paloma, que a

apanhou com uma careta.

Quando as redes foram montadas, fomos divididos em quatro times

que jogariam alternadamente, e infelizmente a Alana ficou no time um,


enquanto eu fiquei no dois, o que significava que jogaríamos um contra o

outro.

Comecei a partida dando o primeiro saque, que passou lindamente

pelo bloqueio e chegou na defesa, posição ocupada por Alana. Ela bateu

desajeitadamente na bola, tentando rebatê-la para o levantador, mas o

ângulo estava errado e ela não tinha força alguma, então a bola foi direto

para fora e o professor apitou, marcando o primeiro ponto para a minha

equipe.

Alana não sabia jogar vôlei! Notei isso com um quê de divertimento

e pensei em como eu adoraria ensiná-la, mas antes que eu pudesse pensar

em dizer alguma coisa, o babaca do Tadeu, que estava no time dela, saiu da

frente da rede para demonstrar como ela devia receber uma bola, tocando

no braço dela e dando risadinhas em seu ouvido. Irritado para caralho, bati a

bola com força no chão, pronto para sacar mais uma vez.

Como Nicolas e Albert estavam na minha equipe, fiz alguns gestos e

discretamente eles me deram o sinal de positivo. Nós nos conhecíamos bem

o suficiente para montar uma estratégia sem dizer uma palavra, e agora nós

tínhamos um alvo.

Dessa vez, errei meu saque propositalmente para que ele batesse

com um forte estrondo no bloqueio de Tadeu, voltando com força para o

nosso lado da quadra, tocando o chão antes que alguém pudesse se mover.
Foi um ponto entregue, mas a exclamação de dor que escapou dos lábios

dele foi ainda mais satisfatória. A partir de então, independentemente da

posição que ele se encontrava, fazíamos o possível para tornar as jogadas

dele muito difíceis.

No final do jogo, minha equipe ganhou e eu fui comemorar com

eles. Eu estava me divertindo bastante até ver a Alana de papo com ele de

novo. Aproveitei sua distração e gritei:

— Albert, lança a bola!

Ele jogou e eu saquei a bola que foi bem na cabeça do babaca. Eu

gargalhei e cumprimentei o Albert com um toque de mãos, mas de repente

Tadeu veio em minha direção, já me empurrando. Empurrei de volta e ele


perguntou:

— Qual o teu problema, Matheus?

— Com você? Nenhum. — disse, dando de ombros.

— Pois não parece, vê se fica esperto, não vou ficar baixando a

cabeça só por vocês serem do time, não! — ele avisou, saindo da quadra e

sentou na arquibancada.

Dispersei a galerinha que tinha se juntado achando que ia ter briga e

senti alguém trombar em mim.

Era a Alana, segurando duas garrafas de água.

— Qual o seu problema, garoto? Por que fez isso com o Tadeu?
— Meu problema é sua proximidade com ele. Se afasta dele, ouviu?

— avisei com seriedade.

— E você acha que manda em mim? Se toca, garoto, eu converso

com quem eu quiser! — ela gritou indo até a arquibancada ficar com o

babaca.

Irritado, caminhei até Paloma, que me encarava com surpresa, e

peguei-a pela mão, levando-a até minha moto para irmos para minha casa.

Se a Alana queria ficar com ele, que ficasse!

Não ia dizer mais nada.


ALANA

Matheus estava muito estranho, agindo daquele jeito com Tadeu sem
motivo algum.

Nós não conversávamos muito, mas quando tivemos nossos nomes

sorteados para o trabalho de geografia, ele se mostrou um cara muito legal.

Estava sendo muito simpático a manhã inteira e, quando fomos fazer o

trabalho na biblioteca, no período da tarde, ele me fez rir quase o tempo


todo. Senti que estávamos criando um vínculo de amizade.

Confesso que estava meio emburrada quando cheguei, porque não

gostei muito do Matheus ter levado a Paloma para a casa dele, não queria
nem imaginar o que eles estavam fazendo em seu quarto, mas Tadeu fez

com que meu humor melhorasse um pouquinho.

Caminhei para fora do colégio depois que terminei o trabalho e

adiantei umas coisas no jornal. Usando meus fones de ouvido e escutando

uma das minhas músicas favoritas do momento, pedalei até a minha casa.

Quando estava virando a esquina, fiquei surpresa ao ver uma moto


muito conhecida estacionada ali. Apressei meus passos e encontrei a minha

mãe na cozinha com o Matheus, fazendo carinho no Dom, que

imediatamente se desprendeu dele e correu ao meu encontro.

— Boa tarde! — cumprimentei os dois, acariciando o meu cachorro.

— Oi, minha filha. Por que chegou agora? Muito trabalho no jornal?

— Ela perguntou, beijando minha testa.

— Um pouco. Fiquei fazendo um trabalho de geografia e depois

passei por lá para ajudar na diagramação. — respondi e depois acrescentei:

— Oi, Matheus.

— Oi, Alana. — ele disse sem expressar emoção nenhuma. Nos

encaramos um pouco até mamãe pigarrear, chamando nossa atenção.

— Bem, querido, aqui está a encomenda da sua mãe: Alguns

cupcakes e os bolos de pote. Você vai conseguir levá-los em sua moto? —

ela questionou, entregando-lhe a caixa.


— Acho que sim, se eu prender com jeitinho eles não caem. Pelo

menos eu espero ou minha mãe vai me matar! — ele falou e minha mãe

sorriu.

— Então acho melhor a Alana te levar no meu carro, porque assim

você não derruba nada. Pode ser, filha? — minha mãe me perguntou com a

voz casual demais para não ser forçada.

— Pode sim, mãe. — respondi meio a contragosto — Vou deixar

minhas coisas lá em cima e já pego as chaves do carro.

Subi apressadamente as escadas, jogando minha mochila em cima


da cama e prendendo os meus cabelos.

Peguei as chaves atrás da porta e caminhei até a garagem. Matheus e

minha mãe já me esperavam. Desativei o alarme e entrei no carro, Matheus

entrou com duas caixas no banco do carona.

Estávamos em completo silêncio enquanto eu dirigia. Eu me sentia

estranha perto dele, suas atitudes em relação a mim eram tão confusas que

estavam começando a me irritar.

Liguei o som para aliviar a tensão e então ele disse:

— Desculpa pela maneira que agi hoje, eu estava tentando te

proteger. Tadeu é um babaca que quer fazer você ser mais uma da lista dele.

Olhei para ele através do retrovisor, erguendo uma sobrancelha.


— Primeiro que você não tem que me proteger de nada porque eu

sei me cuidar, segundo que você está falando do Tadeu mesmo? Porque ele

não me pareceu ser assim, pelo contrário, foi muito gentil e educado. —
disse com um misto de irritação e surpresa.

— Você que sabe, só não quero ter que dizer o famoso “eu avisei”

quando ele te machucar. — ele falou assim que estacionei e saiu do carro

sem se despedir.

Matheus estava agindo como um completo babaca! Quem ele

pensava que era para me dizer essas coisas? Uma menina bobinha que não

sabe avaliar o caráter de ninguém? E ainda saiu do carro sem me dar o

direito de revidar!

Voltei para casa ainda mais chateada com ele, porém enquanto me

acalmava, pensei se eu realmente deveria ser mais cautelosa com o Tadeu.


Ele parecia ser um cara legal, mas por que o Matheus mentiria para mim?

Eu estava um pouco confusa.

Assim que cheguei em casa, tomei um banho e enquanto trocava de

roupa, decidi que deixaria o tempo dizer quem estava certo na história.

Teria um pouco mais de desconfiança, mas não me afastaria de ninguém.

Estava descendo as escadas para jantar, bem distraída mexendo no

meu celular, quando escutei aquela voz e congelei. Ergui os olhos do

telefone e me abaixei um pouco apenas para ter certeza e o vi.


O Delegado Correia estava na minha casa.

O que me fazia acreditar ainda mais que estava acontecendo algo

entre ele e a minha mãe.


ALANA

Caminhei até a mesa de jantar e encontrei minha avó e o Senhor


Correia sentados enquanto mamãe colocava a mesa.

— Boa noite. — disse, cumprimentando a todos.

— Boa noite, minha neta. Senta aqui ao meu lado. — Vovó apontou

onde eu deveria me sentar e eu obedeci. Não era meu lugar de sempre, mas
aparentemente, ela queria que a minha mãe sentasse ao lado do delegado.

— Boa noite, Alana. Como vão as aulas? — Brian perguntou,

simpático.
— Estão indo bem. E o Joaquim, como está? — perguntei a ele

enquanto eu observava minha mãe se sentar onde eu costumava me sentar,

parecendo um pouco nervosa, fazendo gestos para que nos servíssemos de

sua famosa lasanha.

— Ele está voltando para cidade, na verdade. — o delegado

comentou casualmente.

— O quê? Por quê? Eu achei que ele amava Florianópolis! Não que

eu não vá ficar feliz de vê-lo novamente, mas o que aconteceu?

— Ah. O Joaquim... Bem, não tem outra palavra para isso. Ele

estava sofrendo bullying. Uns três babacas estavam perseguindo,

espalhando boatos e fazendo da vida dele um inferno. A gota d’água foi

quando eles resolveram agredir o meu garoto. O colégio não fez nada, a
polícia muito menos, então eu conversei com a mãe dele e achamos melhor

ele vir morar comigo. — ele respondeu se servindo e então virou-se para

minha mãe: — O cheiro está divino!

Fingindo não perceber ela corar, eu disse:

— Que babacas! Coitado do Joaquim, mas que bom que ele está

vindo. Sinto saudades dele.

— Infelizmente o nosso país ainda é muito preconceituoso com

quem é um pouco diferente, mas nós o amamos como ele é. E ele vai gostar

de saber que ainda te tem como amiga, Alana.


Sorri e voltamos a comer. Agora que eu conseguia sentir o gosto das

coisas novamente e comia sem sentir enjoo, minha mãe estava muito mais

empolgada com a nossa comida. A lasanha estava deliciosa, ela tinha

caprichado mais do que o costume.

Jantamos tranquilamente, conversando sobre algumas coisas que

tinham acontecido na cidade. Na maior parte do tempo, eu apenas observei

minha mãe sorrindo para o delegado, como se fosse uma garotinha


apaixonada. Ele não ficava muito atrás, lançando olhares furtivos para ela.

Vovó estava muito feliz de tê-lo como companhia, fazendo várias perguntas

entusiasmadas sobre o trabalho dele.

É, parece que ele se encaixava bem na nossa família.

Após todos terminarem, retirei a mesa e trouxe a sobremesa, um

pavê na tigela que estava com uma cara muito boa. Servi a todos e, após

colocar uma colherada na boca, Brian perguntou:

— Como anda a negociação do espaço na Rua Alfredo?

— Está indo bem, amanhã devo ir conferir se o dono fez as

melhorias que prometeu e devo fechar o negócio. — mamãe respondeu,

animada.

— Isso é ótimo. Se quiser companhia, eu adoraria ir com você. —

ele disse muito galanteador.


— Ah, isso seria muito bom, Brian. É bom ter uma segunda

opinião...

Olhei para minha avó, indicando que estávamos de vela daquele


novo casal, mas ela não percebeu e continuou comendo. Revirando os

olhos, falei:

— Vovó, será que pode ir comigo lá em cima? Quero te mostrar um

bordado novo que aprendi na internet.

— Ah, claro, minha linda, só pega os meus remédios lá na cozinha

que eu vou me deitar logo depois. — ela disse, se levantando. — Boa noite,

Brian, boa noite, filha.

Recolhi minha taça e a dela, peguei os remédios, voltei para a sala

de jantar e disse:

— Tchau, Brian. Diga ao Joaquim para ele aparecer aqui quando

voltar.

— Claro que digo. Boa noite, querida. — ele respondeu, levantando

e me dando um beijo na testa de um jeito extremamente paternal. Não

conseguia me lembrar se o meu próprio pai havia feito isso.

Dei um tchauzinho para a minha mãe, subi rapidamente as escadas e

fui até o quarto de minha avó, encontrando-a assistindo Maria do Bairro

pela milésima vez! Ela estava em um looping eterno desde que a ensinei a

mexer em alguns serviços de streamings.


Deitei-me na cama ao seu lado e ela fez cafuné em meus cabelos.

— É tão bom ver a mamãe com alguém. — disse e ela concordou.

— Já estava mais do que na hora de sua mãe arrumar outra pessoa.

É bom que seja o senhor Correia, ele é uma pessoa boa.

— É sim, e ele parece gostar muito dela.

Assistimos um pouco da novela em silêncio até que ela resolveu se

deitar. Separei os remédios para ela e a cobri, beijando sua testa.

Fui até meu quarto, mas parei no meio do caminho. Ouvi um soluço

e, com o coração apertado, bati na porta do quarto da minha mãe. Quando

abri, vi que ela estava sentada em sua cama, seu rosto estava um pouco

vermelho. Ela estava chorando. Corri até ela e sentei-me ao seu lado,

colocando a mão em seu ombro.

— Mãe, o que foi que aconteceu? Por que está chorando? O senhor

Correia fez alguma coisa?

Ela olhou para mim, limpando algumas lágrimas e disse:

— Não aconteceu nada, meu amor. É só que nunca pensei que fosse

encontrar alguém depois do seu pai. E aí agora, com isso tudo que está

acontecendo entre o Brian e eu... não sei, eu fico pensando se vale a pena

me entregar a isso. Não quero que aconteça tudo o que aconteceu

novamente. Você era muito pequena, mas sofri muito com o seu pai.
— Mãe, eu não tenho muita bagagem no assunto, mas não baseie

seus futuros relacionamentos em experiências ruins. O papai te fez sofrer,

mas isso não significa que o Brian fará o mesmo, até porque ele parece

gostar de você de verdade. Tenta dar uma chance a ele, você estava tão feliz

durante o jantar, quero te ver assim mais vezes. — disse, beijando o rosto

dela — E outra, se ele te fizer sofrer, eu quebro a cara dele! — acrescentei,

estalando os dedos ameaçadoramente. Mamãe riu e o aperto em meu

coração se desfez um pouco.

— Oh, minha princesa. Ele tem o dobro do seu tamanho.

— É, mas sou muito mais esperta e rápida que ele, aposto!

— Alana, eu que devia te dar conselhos amorosos e não o contrário!


— ela disse com um sorriso — Te amo muito, obrigada por sempre estar

comigo.

— Às vezes essas coisas acontecem! Te amo, mãe. — falei e nós

ficamos abraçadas por um bom tempo.

— Está cansada? Com sono?

— Não, por quê?

— Que tal uma sessão de cinema em casa, com muita pipoca e

“Ritmo Quente”? — ela propôs e eu joguei o punho no ar, comemorando.

— Adorei a ideia, eu amo o Patrick nesse filme!


Enquanto ela fazia a pipoca, peguei meu celular e notei que o meu

admirador secreto ainda não tinha me respondido.

Isso era tão estranho!

Há dias ele não se correspondia comigo, então, em uma última

tentativa, resolvi mandar mais uma mensagem:

Enviei e fui até a cozinha buscar dois copos e o refrigerante,


enquanto minha mãe veio com duas vasilhas de pipoca.

Sentamos no sofá e ela deu play no filme. Tentei me concentrar, mas

toda hora pegava meu celular para ver se tinha alguma mensagem. Estava
tão dispersa que minha mãe percebeu.

— O que foi, filha? Você não larga esse celular.

— Não é nada não, mãe. Só um garoto idiota! — exclamei irritada,

sem entender todo aquele silêncio.

Eu não merecia isso! Não tinha feito nada!

Desliguei o celular e tentei prestar atenção no filme. Quando

acabou, fui até meu quarto, tomei um banho e vesti o meu pijama. Enquanto
eu escovava os dentes, meu celular vibrou.

Era ele.
Reli duas vezes, estava completamente incrédula.

Finalmente eu iria conhecê-lo e mal podia esperar por isso.


MATHEUS

Estava treinando algumas jogadas na rua em frente à minha casa


com o Nicolas e o Albert, que tinham vindo depois que me viram chegar em

casa. Minha mãe ia sair com algumas amigas e eu ficaria sozinho. Como já

estava anoitecendo, não jogamos por muito tempo.

Compramos alguns salgadinhos e refrigerantes e entramos em casa.


Não era comum comermos tanta besteira, mas de vez em quando a gente

saía da dieta do treinador. Discutimos algumas jogadas que estávamos

ensaiando, além de algumas melhorias nos nossos passes que precisávamos


treinar. Quando eles foram embora já estava bem tarde, fiquei sozinho

assistindo alguns filmes que passavam na televisão.

Minha mãe chegou no exato momento em que meu celular apitou.

Levantei-me para falar com ela, ignorando o meu celular por enquanto.

— Oi, mãe. Como foi lá com suas amigas?

— Oi, filho. Foi bom e divertido. Fazia tempo que eu não fazia algo

assim. E você, o que fez?

— Nada demais, joguei bola com os meninos e depois jogamos um

pouco de videogame. Eles foram embora tem pouco tempo.

— Ah, que bom que se divertiu. Seu pai apareceu por aqui?

— Não, por que ele apareceria? — perguntei, abrindo a geladeira.

— Ele me ligou dizendo que passaria por aqui, achei que fosse se
desculpar pelo que aconteceu na última vez.

— Ah, ele não apareceu e foi até bom, ainda não o perdoei. —

respondi, bebendo um copo de suco.

— Você não deve ficar guardando mágoa do seu pai, Matheus.

— Não estou guardando mágoa, é raiva mesmo, mãe.

— Sei que seu pai errou, mas gostaria que vocês tivessem uma boa

relação.

— Também gostaria, mas não depende só de mim.


Ficamos em silêncio por um tempo, enquanto ela guardava algumas

coisas que tinha comprado. Então, ela levantou, olhou no fundo dos meus

olhos e disse:

— Amanhã vou sair para jantar com uma pessoa.

— Hum, que bom. Alguma de suas amigas?

— Não, um homem com quem eu venho conversando há um tempo.

— ela disse com um ar decidido.

Um pouco surpreso, perguntei:

— Quem é esse homem, mãe? E por que a senhora nunca me falou

dele?

— Porque nós só estávamos conversando. Ele é um homem muito

respeitoso e estávamos indo com calma porque eu temia a sua reação! Mas

percebi que não posso me negar a felicidade por causa de você, meu filho.

— Eu sei que não pode, mãe. E nem deve! A senhora nunca mais se

relacionou com ninguém desde o acidente do Alex. Sei que, assim como eu,

ele ficaria contente se a senhora estivesse feliz.

— Eu estou, meu filho. Tiago me faz muito bem.

— Espera! Tiago? Tiago Andrade? A senhora está falando do meu

treinador?

— Sim, algum problema?


— Não, ele é um cara muito legal, eu só não esperava. Como

começou isso entre vocês? — indaguei, sentando-me em uma das cadeiras.

— Bem, a gente sempre conversou sobre o seu desempenho nos


jogos, ele sempre se mostrou muito interessado no seu bem-estar, então

basicamente você nos uniu, filho. Antes falávamos só sobre você, mas

outros interesses em comum acabaram surgindo. Ele sempre me respeitou e

me tratou com muito carinho. — ela sentou ao meu lado, meio nervosa.

— Ah, mãe... Bem, se a senhora está feliz, eu também estou. —

falei a ela — Amanhã vou para uma festa, então se quiser jantar com ele

aqui, fique à vontade.

— Obrigada, meu filho. Confesso que fiquei preocupada com sua

reação, mas graças a Deus você é um filho maravilhoso.

Ficamos abraçados por um tempo, depois ela se recolheu e eu voltei

para sala.

Peguei meu celular e notei uma mensagem da Alana, percebi que ela

tinha mandado outra ontem e eu não tinha visto. Estranho. Não lembrava de

ter aberto, mas ela estava marcada como lida.


Estava cansado disso. Tudo bem que fui eu quem começou, mas eu

gostava da Alana e queria que ela gostasse de mim, e não do admirador

secreto! Odiei vê-la com o Tadeu, precisava dar um basta nisso.

Enviei a mensagem e fui tomar um banho, deixando a água cair e

relaxar meus músculos tensos, estava assim desde que a vi com o babaca.

Me questionei mais uma vez se ela não enxergava que ele não prestava.

Enxuguei meu corpo e meus cabelos, que já estavam precisando de

um corte, e fui até meu quarto. Vesti um short folgado e deitei em minha

cama, pegando meu celular.


Depois de enviar, desliguei meu celular.

Controlando minha ansiedade, fui dormir pensando em como seria

finalmente tê-la em meus braços.


ALANA

A aula daquela sexta foi bem entediante, quase ninguém foi para o
colégio por causa da festa, nem o Matheus apareceu. Apesar do Tadeu e da

Luna me fazerem companhia, foi terrível perceber que eu queria vê-lo, o

quanto eu ansiava sua presença.

Não queria pensar no Matheus desse jeito.

Ele me confundia com as suas atitudes o tempo todo, eu nunca sabia

o que ele queria. Mas o sentimento que ele causava em mim era surreal, e

eu odiava isso. E ainda tinha o admirador secreto no meio dessa história.


Finalmente o conheceria e mal podia esperar por isso. Se ele fosse

tudo o que expressou em suas mensagens, a aparência não teria tanta

importância, já que conhecia o seu interior.

Almocei sozinha e fui para as aulas de reposição. A professora

Letícia já estava na sala e quando bateu o sinal, ela foi fechar a porta e

nesse momento, um Matheus bem apressado e suado correu para entrar


antes que ela fechasse a porta.

— Está atrasado! — ela disse, repreendendo-o.

— Desculpa, professora! Esse fim de semana tem jogo e passamos a

manhã toda treinando. Não tive tempo nem de almoçar direito, saí do banho

e corri para cá. O senhor Andrade mandou um papel para justificar meu

atraso. — ele entregou o papel a ela e sentou próximo a mim, balançando


seus cabelos molhados.

— Que isso não se repita, Matheus! Ser jogador não vai te dar um

futuro decente se você não tiver estudo. — ela disse para ele, virando para o

quadro e começando a escrever.

Comecei a pegar meus materiais quando senti que ele estava me

observando. Encarei-o de volta e ele não desviou o olhar.

Era um pouco estranho estar atraída pelo Matheus quando eu

conversava tanto com o meu admirador secreto, mas ele me encarava como

se soubesse que eu sentia algo por ele.


Ficamos nos encarando por um bom tempo até a professora chamar

nossa atenção.

— Quero uma síntese desse texto na minha mesa até o final da aula,

ela deve ter duas laudas completas. As instruções do que vocês devem

observar está na lousa. — avisou, sentando em sua mesa.

— Que texto? — Math questionou, confuso.

— Esse texto. — mostrei a ele um texto de seis páginas que ela

tinha me entregado assim que entrei na sala — Você tem que ir buscar sua

cópia com ela.

— Acho que vamos ter que dividir o texto, porque não vou enfrentar

esse dragão de novo. — ele disse encostando sua cadeira na minha e pegou

o texto da minha mão, colocando-o na mesa de uma maneira que nós dois

pudéssemos ler.

Começamos a ler juntos e ele pareceu bem concentrado, enquanto

eu me distraia fácil com o cheiro do perfume que emanava dele.

Era quase como se me enfeitiçasse! Desse jeito, não conseguiria

terminar esse trabalho nunca! Levantei-me, assustando o Matheus, e

caminhei até a professora para pegar o outro texto.

Quando me sentei novamente, ele perguntou:

— Não estava conseguindo ler?

— Não, estou sem óculos, o que dificulta um pouco.


— Então quer dizer que além de ser um pouco lerda você ainda é

esquecida?

— Cala a boca, Matheus! E vai terminar seu resumo!

Ele sorriu e voltou à leitura. Eu mostraria a ele quem de nós dois era

lerdo. Decidida, afastei minha cadeira da dele discretamente, voltei minha

atenção ao texto, pretendia tirar nota máxima nesse trabalho.

Um tempo depois, entreguei a síntese para professora, triunfante,

esperei Matheus entregar a dele e saímos juntos da sala.

Estávamos caminhando até a saída quando resolvi perguntar a ele:

— Vai para a festa hoje?

— Acho que sim, ainda não decidi. E você?

— Vou, hoje vai acontecer algo muito importante para mim.

— É mesmo? O quê?

— Vou conhecer uma pessoa especial, ou pelo menos eu espero.

— Ah, legal! Só toma cuidado para não ser um babaca igual seu

amiguinho Tadeu.

— Nossa, você tem uma implicância com ele, deixa o garoto em

paz! Ele é legal. — reclamei, abrindo o portão para o estacionamento.

— Você que pensa, Alana. Você ainda vai perceber quem ele
realmente é. Te vejo na festa! — ele disse, acenando com a mão, indo até a

sua moto.
Fui de bicicleta até em casa e, quando cheguei, joguei-a de qualquer

jeito nos jardins e entrei apressadamente em casa, sem nem perceber quem

me aguardava na sala.

— Eita, Alana anda tão importante agora que nem fala com as

visitas? — escutei uma voz me gritar e levei um susto ao reconhecer o dono

dela.

Voltei correndo e me jogando nos braços de Joaquim, um dos meus

melhores amigos na infância. Nós nos afastamos um pouco quando ele foi

morar com a mãe dele em outro estado, mas agora estava de volta e eu não

podia estar mais feliz.

— Meu Deus! Você voltou! — falei animada, notando os olhares da

mamãe e do Delegado, que estavam sentados no sofá.

— Voltei! Como você cresceu, garota!

— Olha quem fala, você era menor que eu quando saiu daqui e

agora não alcanço nem seu ombro! — e o abracei novamente.

— Vejo que tem muita saudade aí, mas agora vai tomar um banho

para jantarmos, Alana. Estávamos te esperando. — minha mãe disse,

levantando e me entregou minha mochila, que eu havia jogado de qualquer

jeito na sala.

— Mãe, hoje tem a festa da Mirela! Eu já tinha te avisado que iria.

— respondi, caminhando até a escada novamente.


— Você pode ir depois que jantarmos, ande logo que você não se

atrasa!

— Está certo. Já desço!

Subi as escadas pulando os degraus, tomei um banho caprichado e

fui até o guarda roupa para escolher que roupa eu iria usar. Avaliei todas

elas e optei por usar o vestido rosa que eu havia informado ao admirador

secreto que usaria. Ele era longo e tinha decote de coração e florzinhas

brancas por todo o tecido. Fiz babyliss no meu cabelo, deixando solto e

repleto de ondas.

Separei a sandália que iria usar e deixei a maquiagem para depois.

Desci e me juntei a eles na mesa de jantar.

— Oi, Brian! Tudo bem? Desculpa por não ter falado com você

antes. — falei, cumprimentando-o.

— Não tem problema, Alana. Como foi no colégio? Sua mãe me

disse que tem uma festa para ir. — ele disse, me dando novamente aquele

abraço tão paternal.

Sentei-me ao lado de Joaquim e minha mãe nos serviu o jantar.

— Foi tudo bem. — respondi — Mas e aí, Joaquim? Está feliz de

voltar para cá? — perguntei enquanto me servia.

— Estou sim, Lana! É bom estar longe daquele pessoal

preconceituoso. Quer dizer, claro que eu vou sentir falta da minha mãe, do
mate todo dia de manhã cedo e dos meus amigos. — quando ele disse a

última palavra, ele deu uma leve corada.

— Ah, Joca, mas aqui você pode fazer vários amigos novos! —

falei, tentando animá-lo. Ele riu, concordando.

— É, e tem o meu velho.

— Eu ainda sou muito jovem, rapazinho! — Brian disse, fingindo

estar indignado, fazendo com que todos ríssemos.

O jantar todo correu em uma harmonia incrível e quando estava

quase terminando de comer, recebi uma mensagem do meu admirador


secreto.

Sorrindo, respondi:

Terminei de comer e tirei meu prato da mesa, levando-o para

cozinha. Subi para o meu quarto e estava tirando meus pincéis da gaveta
quando me assustei ao ver Joaquim entrar no meu quarto, com meu celular
na mão.
— Quem vai te esperar? Está indo a um encontro? A tia sabe?

— Vou para uma festa e lá pretendo encontrá-lo. Mas agora não


posso te contar a história toda, ela é longa! Preciso me arrumar!

— Faz um resumo que eu entendo, Lana. Faz muito tempo que não
conversamos!

— Basicamente estou trocando mensagens com um admirador

secreto há algumas semanas e hoje finalmente ele vai se revelar para mim.
— respondi, começando a me maquiar.

— Você por um acaso é maluca, Lana? E se esse cara for algum

maluco da internet que quer te fazer algum mal?

— Não fala assim, Joca! Ele é um cara legal que me entende e gosta
de mim.

— Não confio em estranhos, você também não deveria confiar! Vou


avisar ao meu pai que vou para essa festa contigo. Nunca na vida que eu

deixaria que fosse sozinha.

Ele desceu para falar com o Brian e eu terminei de me arrumar.


Peguei uma bolsinha, colocando minha identidade, um pouco de dinheiro,

alguns chicletes e meu celular.

Encontrei o Joaquim me esperando, nos despedimos de nossos pais


e pedimos um motorista de aplicativo para nos levar até a casa da Mirela.
Uns dez minutos depois chegamos. Joaquim pagou a viajem e
descemos. Percebi que estava tremendo um pouco quando ele segurou

minha mão.

— Calma, Lana! Vamos torcer para que esse cara seja um bonitão.

— Não é isso, não me importo com a aparência dele, só estou


nervosa. Esperei tanto por isso e agora que vai acontecer, tenho até medo de

ser uma brincadeira do destino.

— Fica calma, está certo? O universo já abençoou a relação de


vocês, menina! O cara fica se declarando para você por mensagens, quem
faz isso hoje em dia? Então vai lá, estou bem atrás de você para te proteger,

caso algo aconteça. — ele falou, me abraçando.

Inflando meu peito de coragem, caminhei até a fonte que ficava


entre os jardins da entrada. Minhas mãos suavam e eu tentava me acalmar.

Chegando lá, não encontrei ninguém e realmente pensei ser uma

brincadeira estupida de alguém. Andei de um lado para o outro,


impacientemente. Peguei meu celular e não vi nenhuma mensagem.

Depois de alguns minutos, decidi que ele não vinha. Já estava indo
embora quando escutei-o dizer:

— Já vai embora, minha bruxinha? Achei que queria me conhecer.

Virei-me encarando seu rosto, reconhecendo, mesmo com pouca

claridade, a fisionomia do garoto por quem fui apaixonada por boa parte da
minha vida e que agora havia feito eu me apaixonar por ele novamente.

Era ele, o Matheus.

Ele era o meu admirador secreto.


ALANA

— Então era você esse tempo todo? Qual o seu objetivo com isso?
Me iludir? Me fazer acreditar que você gostava de mim? — perguntei,

irritada.

— Como você pode achar isso? Eu nunca quis brincar com seus

sentimentos ou te iludir de qualquer maneira. Eu gosto de você de verdade,


só não tinha coragem para admitir antes. — ele respondeu, parando em

minha frente.

— E do nada te deu coragem? O que mudou? Convivemos por anos,

seu irmão namorou a Karen, mas você nunca quis nada comigo! — disse,
dando uns passos para trás, queria fugir e pensar com mais clareza.

— Você me deu coragem! Caramba, Alana! Estou tentando mostrar

que gosto de você e você está agindo dessa maneira! — ele disse,

segurando minha mão, puxando-me para perto dele, deixando nossos corpos

praticamente colados.

Matheus colocou sua mão em minha nuca, então fechei meus olhos
e esperei pelo beijo. Podia sentir sua respiração em meu rosto e a

proximidade de sua boca da minha. Eu comecei a me inclinar, mas então

escutei palmas e me afastei rapidamente.

Avistei Paloma e Mirela aplaudindo e rindo de nós dois, apontando

um celular para mim. Vi Joaquim se aproximar também, com um pouco de

raiva nos olhos, e percebi que ele tinha seguido as meninas depois de vê-las
se aproximando.

E só então entendi o que estava acontecendo: Tudo aquilo não

passou de um joguinho para me humilhar.

— Que merda vocês estão fazendo aqui? Para de filmar, Mirela, ou

eu vou jogar seu celular longe! — Matheus gritou para elas duas.

— E não registar essa encenação perfeita, meu amor? Nunca! Sua

atuação foi digna de um Oscar! — Paloma disse, se aproximando do

Matheus — Realmente foi muito bom rir dela durante todo esse tempo em

que vocês trocaram mensagens, mas essa cena agora me fez gargalhar como
nunca. Sério que você acreditou nele, queridinha? Tudo não passou de uma

brincadeirinha, queríamos nos divertir, e por que não com você? Uma

garota patética e bobinha que se derreteu toda só porque começou a receber

mensagens de um admirador secreto. — ela debochou.

Meus olhos se encheram de lágrimas, mas não queria chorar, não na

frente deles.

Senti uma mão segurar a minha, puxando-me para longe.

— Vem, Lana. Vamos embora! — Joaquim praticamente me

arrastou para o lado de fora, me colocou dentro de um carro e finalmente eu


me permiti chorar.

Abraçada ao meu amigo, chorei pelo que tinha acabado de

acontecer, por saudades da Karen, por perder o admirador secreto e o

Matheus.

Ainda não conseguia acreditar que ele tinha feito isso comigo, que

tinha brincado com os meus sentimentos assim, que havia me magoado

dessa maneira.

Esse não era o Matheus com quem eu conversei e convivi nos

últimos dias.

Enquanto Joaquim sussurrava palavras de conforto em meu ouvido,

eu comecei a me acalmar, tentando raciocinar um pouco.


Tudo o que a Paloma tinha dito não podia ser verdade. Então, eu

respirei fundo e me afastei do Joca, secando as minhas lágrimas.

— Você vai ficar bem, Lana. — ele disse, tentando me confortar.

— Espero que sim. — falei no exato momento em que paramos em

frente à minha casa.

Assim que desci, notei uma moto parando logo atrás do carro.

Era o Matheus.

Ele tirou o capacete e olhou para mim.

Naqueles olhos eu consegui enxergar tudo aquilo que não consegui

ver com toda aquela agonia na festa da Mirela.

E eu não podia deixar que Paloma estragasse uma das poucas coisas

boas que tinha acontecido na minha vida.

— Deixa eu me explicar, por favor, nada do que ela disse é... — ele

começou a dizer em tom suplicante enquanto se aproximava, mas eu o

interrompi.

— Eu sei. — respondi, caminhando até ele e tomei seus lábios,

iniciando um beijo lento e carinhoso, que rapidamente foi retribuído, me

proporcionando uma das melhores sensações que já havia experimentado.

Creio que me apaixonei ainda mais por ele naquele momento, e

todas as dúvidas que eu poderia ter sobre o que ele sentia não existiam

mais.
Quando terminamos o beijo, eu estava morrendo de vergonha, então

escondi meu rosto em seu peito e pude senti-lo tremer quando ele riu.

Enlaçando seus braços ao meu redor, ele disse em meu ouvido:

— Me beija desse jeito e agora fica com vergonha? Você não cansa

de me surpreender, Alana.

— Eu não costumo ser tão impulsiva assim. — respondi com a voz

abafada.

— Eu sei, mas vou adorar quando você tiver atitudes impulsivas

como essa. — ele disse erguendo meu rosto e me deu um selinho.

— Precisamos conversar, não é?

— Precisamos sim, mas eu estou aliviado por você não ter

acreditado nas mentiras da Paloma queria curtir um pouco mais esse clima

entre nós dois.

— Acho que posso concordar com isso, mas só se você me levar

para andar de moto. — falei, ainda presa em seus braços.

— Seu desejo é uma ordem, bruxinha. — ele respondeu, me dando

mais um selinho.

Viramos para sair dali e o Math finalmente notou o Joca que estava

de costas para a gente, mexendo no celular. Meu amigo tinha presenciado

tudo, e novamente um rubor surgiu nas minhas bochechas.


— Oi, Joaquim, quanto tempo! — Matheus o cumprimentou — Vi

nas redes sociais que você voltou, é bom te ver, cara!

— Oi, Matheus! — Joaquim virou-se para falar com ele — Pois é,

vou formar com vocês.

— Que bom, seja bem-vindo de volta. Eu e a Alana vamos dar uma

volta agora, mas foi bom te ver! — ele disse, indo até a moto

Caminhei até o meu amigo, que estava com um sorriso grande

demais para o seu rosto.

— Para, Joca! Você está parecendo o gatinho da Alice e está me

assustando desse jeito.

— Sua safada! Em uma hora está chorando e na outra está

simplesmente beijando o cara? Eu estou em choque! Achei que você ia

bater nele! — ele confessou, rindo.

— Digamos que o choro foi um momento de desespero, mas depois

caí na real e percebi que o Math nunca faria isso comigo, nunca mesmo! E

outra, Paloma não é de confiança, jamais acreditaria nela.

— Ainda bem que você continua sendo uma garota esperta, viu. Vai

lá ficar com o teu não-tão-anônimo assim que eu vou em um barzinho

encontrar uns conhecidos, quem sabe eu não descolo uns beijinhos também.

— ele brincou — Não faça nada que eu não faria e amanhã a gente coloca o

papo em dia! — Joaquim me abraçou e beijou minha testa, se despedindo.


Sorrindo, fui em direção ao Math que já me aguardava montado em

sua moto, segurando meu capacete.

Coloquei-o em minha cabeça e subi atrás dele, abraçando-o. Ele

tocou minhas mãos entrelaçadas em sua cintura e eu perguntei:

— Para onde vamos?

— Surpresa! — ele respondeu, ligando a moto e eu comecei a

imaginar para onde ele estava nos levando.

Se eu estivesse certa, essa noite seria ainda melhor do que eu

pensava.
ALANA

Levou um tempo até chegarmos ao lugar que representava muito


para nós dois.

Foi ali, no quintal dos avós dele, que nos conhecemos. Ele jogava

bola sozinho quando eu apareci, pedindo para que me empurrasse no

balanço. Meio relutante, ele concordou e me empurrou por um tempo, mas


depois me obrigou a jogar com ele. Nos divertimos juntos e comemos

deliciosos biscoitos de polvilho que a avó dele havia feito.

Desci da moto e ele fez o mesmo, guardamos os capacetes e, com as

mãos entrelaçadas, caminhamos até o balanço.


— Você lembra o que aconteceu aqui? — ele perguntou, me

abraçando.

— Como não lembrar? Meu Deus! Que saudades desse lugar, nunca

mais vim aqui desde que meus pais se separaram. — respondi, tentando

esconder a tristeza em minha voz e ele me apertou ainda mais em seus

braços e beijou minha testa.

— Minha avó ainda mora aqui, ela ficou bem abalada depois que

meu avô faleceu, mas não quis sair dessa casa. Eu venho visitá-la algumas

vezes e gosto de estar aqui, me faz lembrar de você.

— Sabe que tentei por anos deixar de gostar de você? Mas parece

que não fui muito feliz nessas minhas tentativas, você sempre esteve

presente em meus pensamentos, por mais que eu não quisesse.

— Até quando iríamos negar isso que sempre foi tão claro para nós

dois?

— Eu não sei, mas a única coisa que eu quero agora é ficar com

você.

— Posso fazer isso acontecer. O que eu mais quero é ficar com você

para sempre. — ele jurou, olhando em meus olhos.

— Para sempre. — selei nosso juramento com um beijo apaixonado,

enquanto nossas línguas calmamente conheciam cada parte um do outro.

Separamo-nos com um sorriso e andamos até o balanço, onde ele me


balançou algumas vezes e rimos como crianças. Deitamos lado a lado na

grama e olhamos para o céu estrelado.

Aconcheguei-me a ele, colocando minha cabeça em seu peito, Math

fez cafuné em meus cabelos e minhas pálpebras começam a pesar.

— Para de me fazer cafuné, eu vou acabar dormindo desse jeito. —

disse entre bocejos.

— Vamos fazer outra coisa então. Está com fome? Tem uma

lanchonete ótima aqui perto, vamos comer e depois eu te levo para casa.

— Perfeito! — falei, pegando meu capacete. Depois de alguns


segundos de hesitação, estendeu a chave para mim:

— Quer pilotar?

— Está louco, Matheus? Nunca tinha nem andado nisso antes de

você!

— Não tem mistério nenhum, você anda de bicicleta quase o tempo

todo, é praticamente a mesma coisa.

— Eu não vou saber andar nisso, Matheus. Deixa de inventar e sobe

logo!

— Nada disso, você vai pilotar até a lanchonete. Ela fica a duas

quadras daqui e essas ruas não são movimentadas. — ele insistiu e eu ia

contestar mais uma vez, porém ele me interrompeu: — Aqui estão o

acelerador e o freio, não tem mistério nenhum, você dirige, sabe dosar o
acelerador e o freio, então sobe logo que quero lanchar com minha

namorada. — ele disse de maneira tão natural que eu acabei soltando um

suspiro apaixonado.

— Então nós já estamos namorando e eu nem fui comunicada? Vai

ser assim mesmo? Sem um encontro, sem um pedido? — brinquei com ele,

mas percebi que ele ficou bem constrangido.

— Nossa! Eu não sabia que você gostava dessas coisas, mas a gente

pode fazer isso aí sim, que tal um cineminha amanhã?

— Eu estava brincando, mas adoraria ir ao cinema! — dei-lhe um

selinho e subi na moto. Ele montou atrás de mim, segurando em minha

cintura.

Comecei a guiar e, por incrível que pareça, não era mesmo tão

difícil assim. Chegamos à tal lanchonete e fomos direto para o balcão fazer

os pedidos.

— O que você quer comer? — ele perguntou olhando o cardápio.

— Eu comi antes de sair de casa, acho que só uma batata e um

refrigerante! E você, vai comer o quê?

— Vou pegar um hambúrguer e um suco, não posso extrapolar

muito ou o treinador me mata! — ele fez o pedido, pagamos e fomos sentar

em uma das mesas.


Começamos a conversar sobre um filme que estava nos cinemas que

eu estava louca para assistir. Era o terceiro de uma série de filmes que

seriam lançados. Math não conhecia, então meio que resumi tudo para ele,

que pareceu bastante interessado em tudo o que eu falava.

Ficamos ali por algumas horas, apenas conversando como bons

amigos. Nossos gostos para entretenimento eram muito parecidos, mas

musicalmente éramos completos opostos, o que gerou certo atrito.

Ele me fazia rir tanto que eu nem vi o tempo passar. Quando os

funcionários começaram a varrer o lugar impacientemente, indicando que

estava na hora de fechar o estabelecimento, Matheus me levou para casa.

Estávamos a alguns minutos parados na porta de casa, apenas

olhando um para o outro. Ele me abraçou e eu me aconcheguei cada vez

mais em seus braços.

— Me diz que isso tudo não foi um sonho?

— Felizmente, não foi. Um sonho não seria tão perfeito. — ele

disse, dando um beijo nos meus cabelos.

— Ah, seria. Já sonhei com você muitas vezes, por isso perguntei.

— Eu também já sonhei com você, mas meus sonhos envolviam

menos roupa. — ele sussurrou com um sorrisinho safado e eu dei um tapa

no braço dele.

— Seu sem vergonha! — e nós dois rimos.


— Preciso ir, prometi à minha mãe que não iria chegar tão tarde e já

são duas da manhã. — ele avisou, se despedindo.

— Até amanhã. Estarei contando as horas para te ver novamente. —

declarei, tomando seus lábios em um beijo carinhoso — Bem que vocês

poderiam almoçar aqui amanhã, né?

— Pode ser, vou falar com a dona Lúcia e te aviso. — ele me beijou

novamente e foi embora.

Entrei em casa, tentando não fazer barulho. Tirei os meus saltos,

deixando-os na lavanderia e caminhei descalça na ponta dos pés e me

surpreendi ao encontrar as chaves e o distintivo do delegado na mesinha de

centro.

Resolvi ignorar esse pequeno detalhe naquele momento e corri para

o meu quarto. Tomei um banho rápido, tirei a maquiagem, vesti o meu

pijama e deitei na cama.

Estava cansada, o dia havia sido bem agitado, mas eu não conseguia

pegar no sono, então peguei meu celular e olhei minhas redes sociais. A

maioria das fotos recentemente publicadas eram da festa da Mirela.

Vi uma foto do Joaquim com a Luana e o Tadeu e presumi que

depois de encontrar os conhecidos ele tinha voltado para festa. Joca já

estava se sentindo em casa, cheio de amigos, como o que eu conhecia na

infância. Os dias de sofrimento ficaram para trás, eu tinha certeza.


Já estava pensando em tentar dormir novamente quando o meu

celular começou a vibrar e o nome “admirador secreto” apareceu no

identificador de chamadas. Agora que eu sabia que era o Matheus, eu

precisava mudar o nome dele na minha agenda.

— Não falei que a minha voz era irresistível pelo telefone? — ele

disse assim que eu atendi.

— Nem um pouco convencido você, né?

— Só um pouquinho, talvez. — ele respondeu, rindo. — Eu me

apressei tanto para chegar e minha mãe nem está em casa.

— Sério? Vai ver ela saiu para algum lugar e resolveu dormir fora.

— Sei muito bem onde ela deve estar, mas não quero nem pensar

nisso, ainda estou me acostumando com a ideia de ter minha mãe


namorando.

Quase deixei meu celular cair com a novidade. Parecia que todo
mundo estava começando a namorar ao mesmo tempo!

— Ai, meu Deus! Isso é incrível, com quem que ela está?

— Com meu treinador, o senhor Andrade e eles estão saindo há um

tempo, não sei como não percebi.

— E depois eu sou desatenta, né? Fico muito feliz por ela, sua mãe
merece todas as coisas boas que a vida pode dar a ela.

— Eu sei disso e fico feliz, só preciso me acostumar.


— Super te entendo, ainda mais agora que tenho quase certeza que o
delegado está dormindo no quarto ao lado com a minha mãe.

— Nossa, parece que está todo mundo se encaixando.

— É sim. Sabe, eu tenho certeza que eles também ficariam felizes


com isso.

— Ficariam sim, o Alex adoraria ver o quão feliz a mamãe está.

— A Karen já estaria falando em casamento, ela sempre sonhou em

ajudar minha mãe com isso. — suspirei.

— É verdade, mas eles estão bem onde estão, pelo menos é nisso em
que eu tento acreditar.

— Não só tenta, acredita de verdade que eles estão juntos em um


lugar melhor e felizes por estarmos juntos. — bocejei — Mas eu preciso

dormir. Bons sonhos, Math.

— Bons sonhos, linda.


ALANA

Apesar de ter ido dormir tarde, acordei muito cedo na manhã


seguinte. Era incrível a minha capacidade de acordar cedo nos dias em que

eu poderia dormir até tarde! Mas naquele dia eu nem consegui sentir raiva

de mim mesma, porque depois de alguns segundos acordada, as cenas da

noite anterior invadiram minha mente e eu não pude deixar de sorrir.

Eu estava muito feliz.

Decidi levantar logo, pois estava com fome. Meu estômago voltara a

ser meu amigo e, agora que eu estava irradiando felicidade, nunca mais me

deixaria de lado. Queria tentar me amar mais e cuidar mais de mim.


Enquanto preparava meu café da manhã, pensei em ligar para o

Matheus, mas ele merecia dormir mais um pouquinho.

Matheus, meu admirador secreto.

Meu namorado.

Sorrindo, levei meu sanduíche e meu café até a sala e resolvi ver um

desenho da minha infância: Três espiãs demais. Aninhando-me no sofá,

liguei a TV, e então ouvi um barulho vindo da escada.

Esperava ver minha mãe ou minha avó, mas me surpreendi ao ver o

Delegado. Ao me ver, ele ficou bem sem graça, acho que imaginava que eu

acordaria tarde e não descobriria que ele havia dormido com a minha mãe.

— Bom dia, Delegado! — cumprimentei-o animadamente,

quebrando o silêncio que tinha se instalado na sala.

— Ah... bom dia, Alana! — ele coçou a nuca, evitando fazer contato

visual comigo — Eu, hum, acabei passando a noite aqui porque...

— Não precisa se explicar. — cortei a desculpa dele com um sorriso

— Está tudo bem. Bem-vindo, sinta-se em casa!

Ele finalmente olhou para mim com um pequeno sorriso

constrangido.

— Perdoe meu estado. — disse, apontando para o próprio pijama.

— Prometo ter mais cuidado. Você dormiu bem? Não ouvi você chegar.
— Dormi muito bem! Meu estômago me acordou. — disse,

apontando para meu café da manhã — E o senhor, dormiu bem? —

acrescentei e imediatamente ele enrubesceu. Precisei segurar o riso, não era

todo dia que eu via um homem de meia idade com pinta de durão todo sem

graça.

— Muito, sua mãe é uma mulher incrível e o que eu sinto por ela

mãe é muito especial.

— Ela é sim, a melhor pessoa do mundo. Fico feliz em vê-la bem


com você. — concordei, voltando minha atenção para televisão.

Ele sorriu e perguntou:

— Escuta, será que pode me ajudar a encontrar algumas coisas na

cozinha? — assenti e fui até a cozinha, com ele logo atrás de mim.

— Do que você precisa?

— Pensei em fazer um pão de queijo caseiro para colocar no café da

manhã da Susana, mas não sei onde ficam os ingredientes.

— Ah, só me diz o que você vai usar que eu pego. — disse, indo até

os armários, retirando os ingredientes solicitados pelo Brian e colocando-os

no balcão.

Enquanto ele estava fazendo o pão, separei e cortei algumas frutas,

fiz um suco de laranja e o café. Trabalhávamos em um silêncio agradável,

quase familiar. Eu me sentia muito confortável ao perto dele, quase como se


ele sempre estivesse ali. Quando o pão ficou pronto, arrumei tudo em uma

bandeja e mandei que ele a levasse para o quarto.

— Você acha que ela vai gostar? — ele me questionou um pouco


inseguro.

— Claro que sim! Mamãe é uma romântica, ela vai adorar. —

respondi, colocando a bandeja em sua frente. Ele a pegou, colocou-a

novamente no balcão e segurou minhas mãos.

— Você é uma ótima filha, Alana, e uma garota maravilhosa. Ela

tem muita sorte em te ter por perto e eu espero compartilhar dessa mesma

sorte daqui para frente. — ele disse, me puxando para um abraço e eu o

retribuí, sentindo meus olhos encherem de lágrimas. Disfarcei e ele beijou

minha testa, levando a bandeja consigo até o quarto da minha mãe.

Limpei algumas lágrimas que caíram. Meu pai nunca tratou a minha

mãe desse jeito e eu me sentia muito feliz por ela estar recebendo tanto

amor quanto merecia.

Ao pensar nisso, lembrei de alguém que precisava ser lembrada do

quanto era amada às vezes e decidi ir até a casa dela.

Depois de tomar um banho, coloquei uma roupa confortável e

prendi meus cabelos em um rabo de cavalo. Quando desci, encontrei minha

avó na sala, fazendo seu tricô.

— Bom dia, vó! — beijei suas bochechas e ela me deu sua benção.
— Vai sair, Alana? — ela perguntou sem tirar os olhos do jornal.

— Sim, vou no lugar de sempre e prometo não demorar. — disse,

colocando café da manhã para dois na minha mochila. Coloquei meus

fones, peguei minha bicicleta e pedalei sem parar até chegar em uma casa

que por anos foi o meu segundo lar.

O lugar que me trazia felicidade e muito amor, pois nela morara uma

das pessoas mais importantes da minha vida, a pessoa com quem eu dividia

tudo, os momentos bons e ruins. Minha irmã de alma: Karen.

Toquei no colar com a inicial dela que estava em meu pescoço. Eu

não costumava usar muito, porque na maioria das vezes isso entristecia a

minha mãe. Ela achava que o luto estava me dominando, mas não era

assim. Não mais, pelo menos. Estava feliz como não me sentia há muito

tempo, mas a verdade é que a dor da perda nunca desapareceria. Eu estava

acostumada a conviver com essa tristeza e cada dia ficava mais fácil, mas o

amor que eu sentia por ela continuava forte. E isso nunca mudaria.

Apenas fazer aquele caminho fez com que as lembranças me

invadissem. Mesmo depois de todo esse tempo, eu ainda esperava encontrá-

la, esperava escutar a voz dela e às vezes me pegava procurando o nome

dela no WhatsApp para contar alguma história nova.

Limpei as lágrimas e bati na porta. Levou um tempo até que Vitória,

mãe da Karen, aparecesse. Ela estava muito mais magra do que na última
vez que eu a vira, e também estava bastante pálida. Meu coração apertou

um pouco e eu me senti culpada por não ter vindo visitá-la antes.

— Oi, tia Vi, estava com saudades de mim? — a cumprimentei com

um abraço.

— Oh, minha pequena Alana! Você está tão linda! Claro que senti

saudades... Entre, o Manuel teve que viajar, mas deve voltar hoje ainda. —

ela disse, segurando minha mão e me guiou para dentro da casa.

O ambiente que eu frequentava antes não se parecia nada com como

ele estava. A sala estava escura e um pouco suja, não havia espelhos nem

nada de vidro. As decorações haviam desaparecido, deixando o ambiente

sombrio, e a tia Vi havia preenchido a sala com inúmeras fotos da minha


melhor amiga.

Sentei-me no sofá e ela se sentou de frente para mim. Retirei o café

da manhã da minha bolsa, entregando alguns pães de queijo e um pote com

frutas para ela, que retorceu um pouco o rosto, mas não disse nada.

— Trouxe o café da manhã para comermos juntas, que tal? Sei que a

senhora adora suco de laranja. — disse, tirando a térmica com suco da bolsa

e incentivando-a a comer.

— Não estou com fome, Lana. Desculpe-me, mas já comi algo mais

cedo. — ela desconversou com um olhar distante.

— Ah, tem certeza que não quer nem um pouquinho? Está delicioso.
— Não quero mesmo. Desculpa novamente, mas não estou me

sentindo bem aqui, podemos ir para o jardim?

— Claro, vou deixar a comida no balcão da cozinha e já vou para lá,

ok? — informei, observando-a ir até os jardins dos fundos, o lugar favorito

da Karen em toda aquela casa.

O pai dela havia instalado uma cadeira de balanço para ela, que

adorava ficar lá. Quando cheguei no jardim, não me surpreendi ao encontrar

tia Vi sentada, olhando para o nada enquanto se balançava.

— Posso me sentar ao seu lado?

Ela assentiu e nós ficamos em silêncio por um tempo até que ela

perguntou:

— Como vai a sua mãe? E a sua avó, está bem?

— Sim, as duas estão bem! Minha mãe deve abrir a sua loja no

centro em breve, estamos animadas com isso.

— Que bom, fico feliz por ela. — ela disse, apertando minha mão
— E você? O que tem feito? Como vai no colégio?

— Está tudo bem, tenho feito aulas de reposição para poder me

formar no tempo certo e voltei a participar do clube de jornalismo.

— Minha Karen ficaria feliz com isso, ela sempre adorou os seus
textos. — ela apertou um pouco mais a minha mão e disse: — Sinto tanta
falta dela... Eu não sei como viver sem a minha filha, Alana. — e então
começou a chorar copiosamente.

Eu lhe dei um abraço, tentando reconfortá-la da melhor maneira que

podia. Aquilo acontecia toda vez que eu a visitava, e por isso eu acabava
adiando essas visitas. Era sempre assim: eu tentava fazer com que ela

comesse algo, ela recusava, perguntava sobre minha vida e então ela
chorava.

O resto da visita aconteceu sem que disséssemos nenhuma palavra.


Fiquei ali, acalentando-a em meus braços por um longo tempo, até que

Manuel, pai da Karen, chegou com um ar cansado e a tirou dos meus


braços, ocupando meu lugar sem mudar a expressão impassível. Fiquei ali

por alguns segundos, apenas observando os dois, então anunciei que estava
indo embora.

Manuel assentiu e se despediu com um aceno breve, enquanto tia Vi

não deu sinais de ter me ouvido. Com o coração apertado, voltei para casa
reprimindo o choro.

Entrei em casa apressadamente e fiquei aliviada ao encontrar minha


mãe na sala. Ela olhou para mim e, apenas com o olhar, entendeu. Ela abriu

os braços para mim e eu corri para deitar em seu colo. Ela acariciou meus
cabelos e finalmente derramei as lágrimas que eu havia segurado durante

todo o caminho.
Bem que me falaram que seguir em frente era a parte mais difícil.
ALANA

— Você foi na casa da Karen, não foi? — minha mãe perguntou


depois de me acalmar um pouco.

— Fui. Não posso deixar a tia Vi se afundar ainda mais na

depressão. — justifiquei.

— Sei que não pode e nem quero que se afaste dela, minha filha,
apenas desejo que você seja sensata e que não vá sozinha, não faz bem para

você.

— Eu sei, mãe, mas não queria te deixar triste, não hoje.


— Está certo, meu amor. Apenas me prometa que irá até lá apenas

comigo, eu odeio te ver desse jeito. — ela disse, fazendo cafuné em meus

cabelos e eu assenti. Ainda fiquei deitada em seu colo por alguns minutos, e

com o tempo deixei a tristeza se esvair.

— O que teremos para o almoço hoje?

— Estava pensando em fazer uma lasanha, o que acha? De frango


com molho branco? Sei que você adora e é a preferida do Brian também.

Ah, aliás, ele vai buscar o Joaquim daqui a pouco e os dois vêm almoçar

conosco hoje.

— Ah, que bom! Eu convidei o Matheus e a Lúcia para almoçarem

conosco também. — revelei, fungando um pouco e ela me encarou.

— Você convidou o Matheus? Alana, minha filha, você está bem?


Está com febre, doente? — ela começou a medir minha temperatura.

— Para com isso, mãe! Estou perfeitamente bem. Eu e o Matheus

estamos nos entendendo ultimamente, só isso. — disse inocentemente

levantando de seu colo. Ela continuou me encarando com desconfiança,

então acrescentei: — Vou tomar um banho e desço para te ajudar!

Beijei a bochecha dela e subi as escadas correndo. Já no primeiro

andar consegui escutar ela gritar:

— Eu vou querer saber de tudo, viu, mocinha?


Rindo um pouco, fui até meu quarto, liguei o som e tomei um banho

bem relaxante, aproveitei para lavar meus cabelos. Vesti um vestido lilás

bem folgadinho e desci para ajudar minha mãe.

Entrei na cozinha e imediatamente congelei, porque minha mãe

estava com os braços ao redor do pescoço do Brian, que a beijava com

delicadeza. Discretamente tentei sair sem fazer barulho para dar privacidade

aos dois, mas falhei miseravelmente. Sendo desastrada como sempre,


esbarrei em uma panela que estava na bancada e ela caiu com um forte

estrondo. Eles se separaram assustados, me encararam, e então um silêncio

constrangedor se instaurou no ambiente enquanto eu sentia meu rosto

esquentar de vergonha.

— Desculpem. — gaguejei — O meu celular está tocando, depois

eu volto para te ajudar, mãe! — e saí da cozinha o mais rápido que

consegui.

Joguei-me em um dos sofás e escondi o rosto nas minhas mãos.

Estava morrendo de vergonha!

Peguei meu celular do bolso para contar o episódio para o Matheus,

e coincidentemente vi que havia três ligações perdidas dele.

Resolvi retornar as ligações e ele não demorou a atender.

— Oi, Math!
— Oi, linda, estava dormindo até agora, foi? — ele perguntou com a

voz levemente rouca, senti borboletas no meu estômago e não pude deixar

de sorrir.

— Não, acordei bem cedo, fiz umas coisas e cheguei em casa agora

pouco, mas eu não levei meu celular e não vi que você tinha me ligado.

— Ah, posso saber para onde foi?

— Visitar a mãe da Karen... Gosto de saber como a tia Vi está e

tento ajudá-la. — expliquei com certa tristeza. Ele concordou do outro lado

da linha e respondeu com um pouco de pesar:

— Sei disso, eu e a minha mãe tentamos ajudá-la por um bom

tempo, mas ela nos odeia e sempre reagiu muito mal a qualquer coisa que

fizéssemos.

Suspirei. Tudo estava muito diferente desde o acidente.

— É uma pena que ela guarde essa mágoa de vocês, que não têm
culpa de nada. Todos nós estamos sofrendo, se ao menos ela se deixasse ser

ajudada.

— É complicado. Minha mãe ainda faz terapia para lidar com o luto,

eu fiz por algum tempo e ajudou. Nós tentamos falar com ela para que ela

também procurasse ajuda profissional, mas ela não quis nos ouvir. Talvez

ela devesse mudar de ares, fazer alguma coisa diferente, sabe?


— É. Eu acho que eles estão com planos de se mudar, espero que

isso seja positivo para eles.

— Ah, é? Tomara mesmo. — ele disse pensativo. Depois de hesitar

um pouco, ele acrescentou: — Mas mudando de assunto, eu te liguei para

saber se você já falou com a sua mãe sobre eu ir almoçar aí com vocês.

— Já sim, ela concordou! Que horas vocês vêm?

— Eu devo aparecer aí antes do meio dia, mas a minha mãe não vai.

— ele disse com certo ressentimento — Ela falou que vai passar o dia fora

com o treinador na cidade vizinha. — percebi que a mágoa em sua voz só

podia significar uma coisa e não pude deixar de soltar uma risada

debochada.

— Matheus, você está com ciúmes da sua mãe?

— Não, claro que não! — ele se defendeu com muita rapidez —


Não viaja, Alana! Só estou me acostumando com toda essa situação e leva

um tempo.

— Pior que é verdade, leva mesmo! Encontrei minha mãe beijando

o Brian na cozinha agora a pouco?

— Então as coisas entre eles estão sérias mesmo! Preparada para

ganhar um padrasto, linda? — ele questionou me provocando.

— Te faço a mesma pergunta, lindo. — respondi com ironia. Ele

resmungou um pouco, antes de responder:


— Claro que não estou!

Não consegui conter uma risada ao ouvir aquilo. Ele ficou em

silêncio por alguns instantes, mas eventualmente começou a rir também.

— Mas acho que vamos ter que nos acostumar, não é?

— Vamos mesmo. — concordei. — Mas olha, já que a sua mãe não

vem, eu vou convidar a Luna para almoçar aqui. Ela me contou que os pais

dela viajaram e fico preocupada que ela não se alimente direito.

— Ok, ela vai para o cinema com a gente?

— Talvez. Então é bom você convidar o Nicolas, já que disse que

ele é doido por ela.

— Boa ideia, bruxinha! — nos despedimos e eu desliguei.

No mesmo momento, Brian e minha mãe passaram pela sala, indo

em direção à porta. Fingi estar mexendo no celular e, pelo canto do olho, os

observei se despedindo na porta.

Os dois conversavam em voz baixa, os rostos bastante próximos.


Ele passou a mão pelo braço dela, que se ergueu para um selinho, sorrindo.

Eles eram muito carinhosos um com o outro, era estranho ver minha mãe

assim.

Para dar privacidade aos dois, fui até a cozinha beber água. Não

demorou muito para minha mãe entrar, indo direto para pia temperar o

frango.
Vi o sorriso em seu rosto e não resisti, tive que abraçá-la.

— Não precisa falar nada, nem ficar com vergonha, ok? Se ele te

fizer feliz, por mim está tudo bem. — sussurrei no ouvido dela, que se virou

para me ver e sorriu.

— Já disse que te amo hoje, minha menina?

— Hoje ainda não! — respondi rindo.

— Pois eu te amo, viu?

— Também te amo, mãe.

Desfiz o abraço e comecei a abrir os armários para ver o que eu


poderia fazer para a sobremesa. Primeiro pensei em fazer trufas, mas depois

resolvi fazer algo mais elaborado e peguei uma receita de torta de biscoito
com chocolate em um dos inúmeros caderninhos de receitas da minha mãe.

Coloquei os ingredientes na bancada e enquanto picava o chocolate


para a ganache, resolvi ligar para Luana. Apoiei o celular no ombro e

continuei cozinhando.

— Alô? — ela disse ao atender com uma voz baixa e rouca.

— Luna? Tudo bem? — questionei, estranhando sua voz.

— Tudo bem sim, Lana. Acho que estou ficando gripada.

— Hmm, quer vir aqui hoje? Mamãe está fazendo lasanha! — falei

com entusiasmo e ela ficou em silêncio por alguns instantes. Achei que a
ligação tivesse caído, mas então ela finalmente falou, a voz ainda muito
baixa:

— Acho que não, Lana. Não sou uma boa companhia hoje.

— Ah, não faz isso, Luna! Você tem que vir para cá, muita coisa
aconteceu ontem e eu preciso te contar tudo. — insisti um pouco, colocando

o chocolate em banho maria para derretê-lo.

— Hoje não, Lana. Pode ser amanhã? Conversamos no colégio e


você me conta.

— Vou mandar o Matheus passar aí para te buscar, esteja pronta,

hein? — olhei para o relógio em cima do batente da porta e constatei que


eram onze da manhã — Em meia hora!

— Que droga, Alana! Será que é tão difícil escutar um não? Eu não
sou a Karen, não sou a sua melhor amiga e não quero ser! Para de tentar

forçar as coisas, eu não quero sair hoje! Me deixa em paz um pouquinho!


— ela explodiu, desligando na minha cara.

Soltei a colher que segurava e peguei meu celular, encarando a

ligação terminada, assustada com aquela reação da Luana. Senti uma mágoa
se formar no meu peito, mas alguma coisa estava estranha. Ela nunca tinha

me tratado daquele jeito.

— Aconteceu alguma coisa? — minha mãe perguntou ao me ver


encarando o celular.
— Não, mas acho que vai acontecer. — respondi ligando para o
Matheus, que atendeu rapidamente.

— Oi, lindo! Já está vindo?

— Oi, estou terminando de me arrumar, por quê? Já está com

saudades? — ele disse bem humorado, mas precisei ignorar a provocação


dele, porque o assunto era sério.

— Na verdade, não. Queria uma carona até a casa da Luna, você

pode me levar?

— Por quê? Aconteceu alguma coisa?

— Eu não sei. Talvez. Eu liguei para convidá-la para o almoço e ela

agiu de um jeito muito estranho, foi muito evasiva, e quando eu insisti, ela
explodiu comigo e desligou na minha cara.

— E o que você acha que pode estar acontecendo? Talvez ela só


esteja um pouco irritada e sem vontade de sair.

— Luana não é assim, Math! Eu sei que eu sou amiga dela há pouco

tempo, mas as coisas que ela me falou... Ela nunca agiu assim, tem alguma
coisa muito errada!

— Certo, vamos manter a calma! Daqui a alguns minutos eu chego

aí e vamos até lá descobrir o que está acontecendo, beleza?

— Beleza! — falei, tentando me acalmar — Até daqui a pouco e


obrigada.
Ele se despediu e eu desliguei sob o olhar atento da minha mãe.

— Vou até a casa da Luana com o Matheus, não devo demorar. —

avisei, beijando seu rosto — A vovó pode terminar a sobremesa quando ela
voltar da igreja.

— Ok, toma cuidado naquela moto e me liga se for algo sério com a
Luana. — ela pediu preocupada.

Subi as escadas correndo para colocar uma calça jeans e uma

camiseta, já que andar de moto de vestido era uma péssima ideia. Peguei
minha carteira, o celular e desci ao escutar a buzina.

Matheus já me esperava na calçada com o motor ainda ligado, então


eu, com urgência, peguei o capacete que ele estendia para mim, coloquei e

ele acelerou.

Sentindo minha urgência, ele fez o percurso mais curto e quando


chegamos, desci correndo para tocar a campainha. Toquei várias vezes, mas

não houve resposta.

Comecei a ficar ainda mais preocupada. Fui até a janela da sala de


estar e me deparei com a cena que provavelmente ficaria gravada em

minhas lembranças para sempre.

— Math! Chama uma ambulância! — gritei pouco antes de quebrar


os vidros da janela com uma pedra.
ALERTA DE GATILHO:

Caso seja sensível a cenas de automutilação e tentativa de suicídio, por


favor pule esse capítulo e continue lendo a história a partir do próximo.

E lembre-se, caso você precise de ajuda, não hesite em ligar para o

Centro de valorização da vida: 188.


ALANA

Tentando não deixar o desespero tomar conta de mim, forcei a


abertura da janela e consegui entrar. Corri até a porta para destrancá-la e

deixar o Matheus entrar, e então corri até onde Luana estava jogada no

chão, desacordada, em meio a uma poça de sangue que vinha dos diversos
cortes espalhados por suas pernas e braços.

Cortes profundos.

Eu não conseguia não pensar sobre há quanto tempo Luana estava se

automutilando ou há quanto tempo ela estava tendo pensamentos suicidas.

E eu nunca havia reparado. Entre os cortes recém-feitos, havia várias


cicatrizes de cortes antigos. Ela estava sempre com roupas compridas,

mesmo quando fazia muito calor, eu devia saber que não era normal.

— Matheus, pegue uns panos de prato na cozinha, rápido! — gritei

quando ouvi ele soltar uma expressão de espanto ao entrar na sala. Ele

correu e eu acariciei os cabelos da Luna, tentando não chorar. Eu estava

desconfiada que ela tinha algum distúrbio alimentar, mas suicídio? Isso nem
passou pela minha cabeça.

Quando Matheus voltou com uma pequena pilha de panos de prato,

eu procurei o corte mais profundo e tentei estancar o sangramento, dando

instruções para o que o Math fizesse o mesmo. Com a mão livre, chequei a

respiração dela e me desesperei ao perceber que ela estava muito fraca.

— Luana! Luna! Acorda por favor! — gritei sacudindo-a


pelos ombros, mas ela não despertou.

— Tenta ficar calma, linda. A ambulância já está chegando. Vai ficar

tudo bem, ela vai ficar bem. — Matheus disse tentando me acalmar, mas eu

podia ouvir o desespero na voz dele também.

— Não vai ficar tudo bem, Matheus! Olha como ela está! Eu não

enxerguei isso, não a ajudei e agora ela pode morrer! — falei, enquanto

sentia lágrimas escorrerem pelos meus olhos.

— Nada disso é culpa sua, Alana! Fica calma, nós precisamos tentar

amenizar esse sangramento. Então eu preciso que você fique calma! — ele
disse com a voz mais firme — Alana, olha para mim. — ele chamou, e eu o

encarei. — Ela precisa de nós agora. Luana vai ficar bem, mas agora nós

temos que nos focar. Faça mais pressão no corte. — ele ordenou e eu

percebi que ele estava certo. Então concordei e passei a fazer pressão com

as duas mãos no corte profundo que subia pelo braço da Luna.

Eu não sabia dizer quanto tempo ficamos lá, tentando parar o

sangramento enquanto o Matheus sussurrava palavras de conforto, mas


quando a sirene da ambulância chegou aos meus ouvidos, eu chorei de

alívio.

Logo os paramédicos invadiram a sala, pedindo para que nós nos

afastássemos e verificaram a situação. Minha visão ficou turva e eu me

senti completamente desorientada. Eles gritaram alguns comandos e a

colocaram em uma maca e a levaram às pressas para a ambulância. Um

deles tentou falar comigo, mas eu não conseguia ouvir nem focar em nada,

então a voz do Matheus, clara como o dia, soou nos meus ouvidos:

— Ela vai junto. Eu vou avisar os pais dela. Alana. Alana, olha para

mim. Eles vão levar a Luna para o hospital e você vai junto, ok? Não vou

demorar para chegar ao hospital, eu só preciso ir buscar a sua mãe primeiro.

Eu não olhei para ele, meus olhos estavam na ambulância e nos


outros dois paramédicos. Então apenas concordei e corri para me juntar à

Luana.
Eu queria segurar a mão dela, mas os paramédicos me pediram para

ficar afastada, então apenas rezei para que ela estivesse bem. Estava

tentando focar na Luana e ser forte por nós duas, mas meu corpo tremia.

E a Karen não saía da minha mente.

Quando chegamos ao hospital, eles levaram a Luana para um dos

centros de trauma e me pediram para esperar. Ainda tremendo, sentei em

uma das cadeiras da recepção e logo uma enfermeira me entregou uma

ficha que me pedia algumas informações básicas da Luana. E então eu

percebi que eu não sabia muita coisa sobre ela.

Éramos amigas há pouco tempo e não conversávamos sobre alergias

ou tipo sanguíneo. Preenchi o que eu sabia e entreguei na recepção, pedindo

desculpas por não conseguir dar muitas informações.

Sentei-me novamente e enterrei o rosto nas mãos. Que tipo de amiga

eu estava sendo para Luna? Ela sabia muito de mim, mas o que eu sabia

dela? Eu nem havia reparado que ela tinha depressão! Sentindo as lágrimas

escorrerem pelo meu rosto, eu só conseguia desejar que a Karen estivesse

ali comigo.

Não demorou muito para Matheus chegar acompanhado da minha

mãe. Eu levantei e corri para ela, que me abraçou. Chorei em seu peito e ela

acariciou meus cabelos fazendo com que eu me acalmasse.


Rapidamente dona Susana tomou as rédeas da situação. Ela entrou

em contato com os pais da Luana e como ela era menor de idade, precisava

de um responsável legal.

Matheus se aproximou de mim, colocando a mão nas minhas costas,

enquanto minha mãe falava no telefone, e eu notei que a roupa dele estava

suja de sangue. Surpresa, olhei para mim mesma e vi que eu também

estava. Senti meu estômago embrulhar e engoli em seco.

Alguns minutos depois, minha mãe soltou uma exclamação de

revolta e terminou a ligação, furiosa.

— Acredita que eles nem deram importância para tudo que contei? É

como se ela nem fosse filha deles! Eles só queriam saber se ela estava viva,

e então transferiram a ligação com a maior frieza! Foi a secretária quem me

passou tudo, eles apenas disseram que não poderiam abdicar de

compromissos sérios por causa de uma brincadeira da Luana. — ela disse

nervosa, nunca havia visto mamãe tão chateada assim.

— Calma, mãe. Luna já tinha me falado que os pais dela eram desse

jeito, acho que faz sentido que ela tenha alguns problemas. Não sei como eu

não pensei nisso antes, na verdade... Eu sou mesmo muito privilegiada por

ter uma mãe maravilhosa. — estiquei a mão para a mamãe, que a segurou e

pareceu relaxar um pouco.


Nós sentamos um ao lado do outro na sala de espera e eu apoiei

minha cabeça no ombro da mamãe, dando a mão para o Matheus. Senti a

adrenalina baixando no meu corpo e um cansaço absurdo tomou conta de

mim.

Minha mãe acariciou meus cabelos e o Math traçou círculos com o

dedão na minha palma, tentando me confortar. Minhas pálpebras pesaram e

eu só percebi que cochilei quando acordei com a voz grave do doutor que

atendeu a Luana.

— Parentes ou responsáveis por Luana Moraes?

Minha mãe se levantou e eu e o Matheus fomos atrás dela.

— Sou a cuidadora dela, doutor. Susana Soares, os pais da Luana

estão viajando. — ela informou e o doutor assentiu.

— Muito bem. Senhora Susana, a paciente chegou aqui inconsciente

e acabou perdendo muito sangue. Nós conseguimos controlar os

sangramentos, fizemos uma transfusão de sangue e ela está estável. Ela já

foi transferida para um quarto. Os exames acabaram de voltar, ela está

desnutrida e com uma anemia grave, anterior à tentativa de suicídio.

Precisamos de doadores do sangue tipo o AB negativo para que possamos

fazer mais algumas transfusões e normalizar seu quadro.

— Misericórdia! Podemos vê-la agora, doutor? — minha mãe

perguntou com a voz trêmula.


— Ela ainda está sob efeito da anestesia, mas deve acordar em breve.

Ela passará por uma avaliação psiquiátrica e será encaminhada para

acompanhamento psicológico assim que ela estiver estável o suficiente.

Geralmente isso é difícil para pacientes psiquiátricos, então será bom que

ela veja rostos familiares. Por favor, me acompanhe.

— Filha, veja com seus amigos quem pode doar sangue para Luna,

certo?

— Pode deixar, mãe. Vou mandar nos grupos. — disse, observando


minha mãe indo em direção ao elevador.

Virei para o Matheus e ele me envolveu em um abraço reconfortante.

— Ela vai ficar bem. — ele sussurrou no meu ouvido. Levantei o


rosto para lhe dar um beijo casto e perguntei:

— Você sabe se algum dos meninos do futebol é... — olhei para a

lista fixada no mural da recepção para ver os tipos sanguíneos doadores —


A negativo, B negativo, AB negativo ou O negativo?

— Não sei, mas acho que o Nicolas, talvez. Vou ligar para ele para
perguntar. — ele disse tirando o celular do bolso e indicando que faria a

ligação do lado de fora do hospital.

Voltei a sentar e mandei mensagem para todos que eu conhecia e


todos os grupos que eu estava. Fiz um texto, escolhi uma foto da Luna e

divulguei nas minhas redes sociais, pedindo que espalhassem a notícia.


Pouco tempo depois o Matheus voltou.

— Nicolas é doador, ele já está indo para o banco de sangue. Eu


avisei no grupo do time e outras pessoas se prontificaram. O treinador disse

que nesses casos todos podem doar, independentemente do tipo sanguíneo,


porque o que foi utilizado nela precisa ser reposto para outros pacientes. —

ele avisou.

— Então precisamos de mais gente! Eu não posso doar por causa do

meu peso, você pode? — perguntei e o Math negou com a cabeça.

— Não posso por causa da tatuagem, ainda não tem um ano que fiz.
Vou mandar mensagem para a minha mãe, ela é doadora, também.

Voltamos a mexer nos nossos celulares, procurando doadores. Eu


recebi várias mensagens aflitas querendo notícias da Luana, mas poucas

pessoas verdadeiramente interessadas em ajudar. Quando comentei isso


com o Math, ele resmungou:

— Essas pessoas não estão preocupadas, elas estão curiosas!

Aconteceu muito depois do acidente do Alex, muita gente perguntando


como estavam as coisas na minha casa, pouca gente interessada em ajudar.

É nessas horas que vemos quem vale a pena e quem não vale.

O mesmo havia acontecido comigo, mas eu tinha ignorado todo


mundo por meses e logo as mensagens pararam de chegar, então não tinha

pensado nas coisas por esse ângulo.


Mas ele estava certo e isso me encheu de desprezo. Passei a
responder apenas as pessoas que eu sabia que estavam de fato preocupadas.

No fim das contas, bastante gente se disponibilizou a doar sangue e eu


fiquei mais tranquila. Quando minha mãe apareceu na recepção, eu já

estava me sentindo mais calma.

— Ela estava bastante grogue e não conseguimos conversar muito,


mas ficou feliz ao me ver. A coitadinha está tão pálida... Ela vai precisar

muito do nosso apoio, filha. Como ela terá alta daqui a mais ou menos uma
semana, ela vai ficar lá em casa. Vamos arrumar um cantinho para ela lá,

pois não podemos deixar essa menina sozinha novamente.

— Ela pode ficar no meu quarto, mãe.

— Pode ser, também! Agora preciso arrumar um psicólogo para ela.

Depressão não é brincadeira, precisamos que ela fique bem. — mamãe


comentou aflita.

— Mãe. Não é só depressão... eu estava notando há algum tempo já,

mas não dei muita atenção. Ela surtou quando eu a convidei para almoçar
com a gente, eu acho que a Luna tem anorexia.

— Oh! — minha mãe exclamou — Eu achei que ela estava sem

forças para comer, mas acho que isso faz mais sentido. Pobrezinha...

— Dona Susana, a minha mãe vai a um psicólogo muito bom, a

senhora pode falar com ela. — Matheus se manifestou.


— Ótimo, vou conversar com ela sim, obrigada, querido. — ela

disse fazendo um carinho no rosto dele, e depois virou para mim dizendo:
— Agora vamos para casa. Vocês precisam tirar essas roupas com sangue.

Vou pedir para o Brian fechar a casa dela, amanhã arrumo alguém para
limpá-la.

Dito isso, fomos os três para casa, minha mãe de carro e eu fui de

moto com o Matheus, sentindo o vento no meu rosto através do capacete.

Quando chegamos em casa, Matheus me deixou lá e foi embora.

Corri para o meu banheiro, tomei banho e joguei as roupas que estava
vestindo no lixo. Eu não conseguira vesti-las novamente sem lembrar de

todo ocorrido.

Desci as escadas e, exausta, deitei no colo da vovó, que assistia à


televisão, mas imediatamente a desligou, perguntando da Luana. Enquanto

eu a atualizava, Brian veio buscar minha mãe para levá-la novamente ao


hospital. Antes de sair, ele caminhou até mim, pedindo que eu me

levantasse e me deu um abraço bastante paternal.

— Você é uma garota muito corajosa e salvou a vida da sua amiga

hoje, Alana. — ele disse pouco antes de sair pela porta da frente.

Ele era, definitivamente, muito especial.

— Minha filha. — vovó chamou — Você comeu alguma coisa? Já

está tarde e você saiu daqui antes do almoço.


— Não tenho estômago para isso, vó. Não hoje...

— Você precisa comer. Foi isso que levou a sua amiga para o

hospital, mas podia ser você. — ela disse levantando e me pegando pela
mão, levou-me para a cozinha.

— Não, não é a mesma coisa! Luna tem anorexia, eu não... —

comecei, mas me interrompi.

No que eu era diferente dela? Eu também tive depressão, eu também


parei de comer e comecei a ficar doente, eu também tive dificuldades em
lidar com tarefas simples como falar com as pessoas e conseguir me

alimentar.

Talvez nossos motivos fossem diferentes, mas a única real diferença


entre nós duas é que eu tinha o suporte da minha família me forçando a

reagir até que eu tivesse forças para sair disso sozinha, e ela não tinha
ninguém.

Com o peito apertado, deixei que minha avó esquentasse um pouco

da lasanha da mamãe e comi sob o olhar atento dela. Quando a vovó se deu
por satisfeita, ela me mandou para a cama, porque já estava bastante tarde.

Eu fui até o armário, separei os remédios dela e, depois de me certificar que


ela tinha tomado corretamente, fui para o meu quarto tentar dormir.

E falhei terrivelmente.

Toda vez que fechava os olhos, via Luana repleta de sangue.


Levaria bastante tempo para que eu conseguisse tirar essa imagem da
minha cabeça. Decidindo que eu precisava me distrair antes de tentar lidar

com minha insônia, desci para a sala para assistir algum filme.

Eu mal tinha me sentado no sofá quando meu celular começou a


tocar, era o Matheus.

— Oi, lindo.

— Oi, linda. Atendeu rápido, não está conseguindo dormir também?

Suspirei. Pelo menos eu não era a única

— Não consigo pregar o olho sem ver a Luna na minha frente.

— Pois é, eu também não. Sangue sempre me faz lembrar do

acidente...

— Você também começou a ter insônia depois de tudo isso?

— Comecei. Passei noites e mais noites em claro, só melhorou um


pouco depois de uns chás calmantes que a minha avó me fez tomar. Mas

não tenho nenhum deles aqui. E você? O que fazia para melhorar?

— Dormir com a minha mãe me ajudava, mas hoje ela não está aqui,

então vou virar a noite assistindo filmes até ser vencida pelo cansaço.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, então disse, com certa
hesitação:

— Eu posso ir aí se você quiser companhia.

— Você viria mesmo? Não está muito tarde?


— A hora não é importante quando se quer estar com quem se ama.
Te vejo daqui a pouco, minha bruxinha. — ele disse e desligou sem esperar

por uma resposta.

Pela primeira vez desde a ligação da Luna, permiti que meus lábios
se curvassem em um pequeno sorriso. Era uma coisa pequena e boba, mas

ele disse que me amava! Claro que eu já imaginava que esse sentimento
fosse recíproco, mas ter essa certeza foi demais para o meu coração.

Embasbacada, fui até a cozinha estourar pipoca para comermos


vendo filme. Eu estava colocando sal na pipoca já pronta quando ouvi a

campainha. Saltitei feito uma criança para abrir a porta e ali estava ele, o
amor da minha vida.

Inclinei-me para ele e recepcionei-o com um beijo apaixonado.

Nossas línguas se encontraram e as mãos dele envolveram minha cintura,


trazendo-me para mais perto dele. Quando nossas bocas se separaram,

deitei minha cabeça em seu ombro, apreciando o cheiro maravilhoso do


perfume que ele usava.

Fomos até o sofá e sentamos abraçadinhos. Ele pegou o controle da

minha mão e anunciou que ia escolher o primeiro filme da noite. Por


coincidência, ele escolheu O exterminador do futuro: Genesis, que era um
dos meus favoritos da franquia.

— Nossos gostos são muito parecidos. — comentei.


Matheus fazia cafuné no meu cabelo enquanto assistíamos e eu senti
meu corpo relaxar. Ele fazia alguns comentários sobre o enredo e, pela

segunda vez no dia, senti as pálpebras pesarem e não lembro quando


adormeci, só sei que acordei assustada com uma voz grave chamando meu
nome. Abri os olhos e vi Brian com uma expressão muito severa.

— Alana, posso saber o que está acontecendo aqui? — ele

questionou, aborrecido.

Meio confusa, pisquei para ele e então me dei conta do que tinha
acontecido: eu e o Math dormimos juntos no sofá.

E pela cara que o Brian estava fazendo, eu tinha certeza que ele
pensava que eu e o Matheus tínhamos feito muito mais que dormir.
ALANA

— Ai, meu Deus! Não é nada disso que o senhor está pensando! —
respondi apressadamente enquanto me afastava do Matheus, que ainda

dormia.

— Não estou pensando nada, Alana. Estou vendo você e seu

namoradinho dormindo no sofá sem sua mãe estar em casa. — ele falou
nervoso, passando as mãos pelos cabelos.

— Ele não é o meu namorado! — soquei a perna do Matheus, que

despertou assustado.
— Poxa, Alana! Minha coxa! — ele reclamou comigo, mas então

viu o Brian e sentou-se rapidamente, assustado. — Delegado, caramba! O

senhor está aí há muito tempo?

— Estou aqui há tempo o suficiente para ver o que aconteceu. — ele

respondeu friamente.

Matheus passou pelos mesmos estágios de confusão pelos quais eu


passara há alguns instantes e, quando ele chegou à mesma conclusão que

eu, falou apressadamente:

— Cara, não aconteceu o que o senhor está pensando, nós só

dormimos juntos!

Senti meu rosto esquentar. Matheus não estava ajudando!

— Estou vendo que dormiram juntos! Não é só porque atingiram a


maioridade que acham que podem fazer o que quiserem. A mãe dela não

está em casa, rapaz.

— Não, não! Nós só pegamos no sono! Eu e a Alana estamos

namorando, senhor. Sei que não deveria ter vindo dormir na casa dela sem a

dona Susana estar presente, mas não pensei muito nisso ontem à noite.

— Alana me disse que vocês não são namorados e você diz o

contrário, quem está mentindo aqui, garoto? — ele questionou, encarando o

Math.
— Nós estamos ficando. — ele corrigiu — Ainda não a pedi em

namoro, mas isso vai acontecer em breve, não se preocupe.

Minhas bochechas esquentaram mais uma vez, feliz por saber que

ele pretendia me pedir em namoro logo. Mas o delegado não pareceu

convencido. Ele pigarreou e encarou Matheus, procurando intimidá-lo.

— Serei sincero com você, garoto. Como os pais da Alana não estão

presentes, eu vou ter que assumir certos papéis aqui. Eu não acho que vocês

possam ficar sozinhos em casa sem a permissão da mãe dela e enquanto eu


não ouvir essa permissão, vou ter que pedir para que isso não se repita.

Vocês são adolescentes cheios de hormônios e tenho certeza que Susana não

quer ser avó tão cedo. — ele disse com sua melhor voz de policial malvado.

— Brian, não precisa ter essa conversa com a gente! — exclamei,

constrangida.

— Preciso sim, Alana. Vou confiar em vocês e aceitar que nada

aconteceu, mas e se acontecesse? Vocês precisam conversar com as mães de

vocês antes que isso se repita, combinado?

— Por mim tudo bem. — Matheus disse e eu assenti.

— E vocês podem sair juntos, desde que não cheguem muito tarde,

mas não quero que o relacionamento de vocês atrapalhe os estudos. Sair dia

de semana atrapalharia isso, então esse é mais um tópico que vocês


precisam conversar com as mães de vocês mesmo. — ele foi categórico e

nós concordamos.

Apesar de toda a atitude de policial em um interrogatório, ele estava


sendo bastante razoável e, mesmo me deixando um pouco constrangida, ele

estava cuidando de mim. Era bom ver outra pessoa além da minha mãe

querendo o meu bem.

— Eu vou conversar com a minha mãe, Brian, desculpe.

— Tudo bem. Eu confio em vocês. Vou fazer algo para comermos

de café da manhã, venham me ajudar. — ele ordenou, virando as costas e

indo até a cozinha.

— Vou ao banheiro e já vou. — Matheus disse dando um beijo no

meu rosto.

Fui atrás de Brian, que estava cortando pães debruçado sob a

bancada da cozinha. Fui até a geladeira e tirei alguns hambúrgueres

congelados. Quando liguei o fogo, o delegado tocou em meu ombro.

—Alana. — ele me chamou e eu me virei para encará-lo. — Quero

pedir desculpas se fui muito agressivo, não quero que me interprete mal,

mas como sua mãe não está e ela não comentou nada sobre vocês, acho que

ela não sabe ainda, não é? Me senti na obrigação de falar alguma coisa,

espero não ter passado dos limites. — ele disse, parecendo estar

constrangido.
— Não se preocupe. Se eu achasse inapropriado, falaria na hora,

você sabe que eu sou bem sincera. Mas sei que estava tentando me proteger

e te agradeço por isso. Confesso que não pensei nas consequências quando

convidei o Matheus para dormir aqui. — admiti.

— Que bom que não ficou chateada. É estranho assumir esse papel

paternal, na verdade... Só tive o Joca e ele não conviveu muito comigo. Mas

é bom saber que estou fazendo o certo. — ele coçou a cabeça, sem jeito.

— Está sim. Eu às vezes acho que preciso de limites mesmo, meu

pai não é muito presente e a minha mãe tem o coração grande demais para

me repreender de verdade. — disse rindo e ele riu também antes de voltar

para a cafeteira.

Logo depois Matheus apareceu e eles começaram a conversar sobre

o campeonato do colégio. Pedi que fizessem o suco e colocassem a mesa

enquanto eu mandava uma mensagem para minha mãe para saber como ela

e Luana tinham passado a noite.

Quando terminamos de comer, Matheus se despediu com um beijo

casto e foi embora. Brian levou as louças para a pia e não deixou que eu o

ajudasse a lavar, então eu fui arrumar a casa e cuidar das plantas, que

estavam começando a murchar. Quando terminei, Brian avisou que ia

buscar minha mãe no hospital e saiu.


Olhei para o relógio e percebi que minha avó estava muito quieta,

então fui procurá-la no andar de cima, encontrando-a em seu quarto,

bordando uma toalha de mesa e assistindo Maria do Bairro.

De novo!

— Bom dia, vovó! — cumprimentei-a, deixando um beijo estalado

em sua bochecha.

— Bom dia. Lembrou que tem vó só agora, foi?

— Vó! A senhora não desceu e eu fiquei preocupada.

— Não parecia preocupada enquanto estava lá, agarrada com aquele

boyzinho. — ela falou e eu não aguentei, gargalhando ao seu lado.

— Boyzinho? Quem te ensinou essa gíria, dona Lurdes?

— Ninguém me ensinou, eu assisto televisão, Alana. — ela

respondeu como se fosse a coisa mais óbvia da face da terra.

— Meu Deus, vó! A senhora é incrível! — dei-lhe outro beijo e me

levantei — O café da manhã está pronto, quando a senhora quiser, só me


avisa que eu esquento.

Nos outros dias, entre aulas normais e aulas extras, visitei Luana e

nós criamos um laço ainda maior do que o que já tínhamos antes, ela estava
se dando muito bem com a minha mãe também e eu estava adorando isso.

Ela ainda estava se recuperando e às vezes se recusava a falar conosco,

ficando em silêncio e chorando sozinha, mas nós estávamos lá por ela e não

a deixaríamos sucumbir novamente.

Entrei em seu quarto e ela deu um pequeno sorriso ao me ver. Minha

mãe estava ao seu lado e felizmente seus dias no hospital já estavam

acabando.

— Luna, eu e a mamãe queremos te fazer uma proposta. — informei


depois de cumprimentá-la.

— Que tipo de proposta, Alana?

— Queremos saber se você não gostaria de ficar lá em casa conosco.

— Na casa de vocês? Não, Alana. Não quero incomodar. — ela


disse apressadamente.

— Não seria incomodo nenhum, Luna. Sério!

— Sim, minha linda. Seria um prazer tê-la em nossa casa, não quero
te ver sozinha naquela casa enorme. — minha mãe falou, segurando a mão

dela.

Luana pareceu relutante no início, mas então a expressão dela se


suavizou.

— Tudo bem, ficarei com vocês sim. Quando meus pais voltarem eu

vejo o que faço, também não quero ficar sozinha. Eu nem sei como
agradecer tudo o que vocês estão fazendo por mim. — ela disse com
lágrimas nos olhos.

Lhe dei um abraço e minha mãe disse:

— Luna, saiba que você pode contar com a gente para o que
precisar. Amigos são para essas coisas.

Depois de conversarmos sobre sua mudança, assistimos um filme

pelo aplicativo do meu celular, Luana estava mais à vontade com a gente e
isso me deixava muito feliz.

Com tantas coisas acontecendo, a semana passou voando. Depois de

entregar os atestados médicos da Luna na coordenação e explicar a situação


toda, fui liberada das aulas extras da sexta e avisei no jornal que faria minha
coluna em casa.

Assim que as aulas comuns acabaram, dei um beijo rápido no Math

e saí correndo para casa para arrumar o meu quarto e abrir espaço para
acomodar as coisas da Luna ali, porque eu queria que ela se sentisse

bastante à vontade e acolhida.

Estava terminando de liberar as gavetas de baixo do armário quando


escutei o telefone tocando e saí correndo, quase caindo da escada no

processo.

— Alô?

— Filha? — respondeu a voz do outro lado.


— Oi, mãe! — falei, ofegante.

— Está tudo bem? Por que está falando desse jeito?

— Está tudo bem sim, só tive que correr para pegar o celular. —
disse, colocando a mão no peito, tentando recuperar o fôlego.

— Hum. Ok, só liguei para avisar que os pais da Luana já

mandaram a procuração para eu assinar os papéis de alta dela, estou apenas


esperando a última sessão com a psicóloga do hospital acabar e já vamos

buscar as roupas dela para irmos para nossa casa.

— Ah, que bom, mãe! Farei um almoço para celebrarmos a chegada

dela! — anunciei.

— Isso, filha, mas lembra do que a terapeuta disse para a gente.


Nada que seja muito difícil para ela comer, o corpo dela ainda não está

acostumado a digerir.

— Eu sei, mãe, pode deixar. Vou fazer uma comidinha bem leve. Eu

quero que ela se sinta bastante acolhida aqui, vamos ajudá-la a superar tudo.

— Está bem, então. Luna foi liberada aqui, daqui a pouco estaremos
aí, beijo! — minha mãe se despediu e então desligamos.

Fui para a cozinha e vi que a minha avó tinha descongelado peito de

frango, então decidi fazer uma salada e um arroz para acompanhar. Chamei
a vovó para me ajudar e ela começou a grelhar o frango, contando-me

animadamente sobre o que estava acontecendo na novela.


Quando terminamos, coloquei a mesa e então ouvi a porta da frente

se abrir. Corri para receber Luana, que não estava com sua melhor
aparência. Os olhos dela estavam vermelhos e inchados, a pele ainda estava

um pouco pálida e sua expressão era de muita tristeza.

Assim que nós nos olhamos, como um filme, aquele trágico


momento passou pela minha cabeça. Senti meus olhos encherem de

lágrimas e corri para abraçá-la. Imediatamente ela retribuiu e começou a


soluçar em meu ombro. Minha mãe fechou a porta atrás de nós e nos
abraçou também, e ali ficamos por um tempo.

— Calma, Luna. Vai ficar tudo bem, nós vamos cuidar de você. Está

segura agora. — disse, enquanto acariciava seus cabelos, desejando que


coisas boas acontecessem.

O almoço foi bastante tenso. Mesmo com a comida sendo leve e

saudável, a Luana colocou muito pouco no prato e ficou muito relutante em


comer, chorando a cada garfada que colocava na boca. Nós tentávamos não

prestar muita atenção nisso para não a desencorajar, mas minha mãe sentou
ao lado dela e colocou a mão em seu ombro o tempo todo, dando suporte.

— Você é uma guerreira! — anunciei quando terminamos todas de


comer. Ela limpou as lágrimas do rosto e deu um sorriso fraco.

Senti que as coisas logo iriam melhorar.


ALANA

No domingo, Brian e Joaquim passaram lá em casa para nos fazer


uma visita. Estávamos vendo um filme de comédia que passava na

televisão, Joca, Luna e eu no sofá maior, largados um em cima do outro, e

minha mãe, Brian e vovó no outro, conversando baixinho para que não
escutássemos.

Eu estava tão absorta no filme que nem percebi meu celular

vibrando na mesinha de centro. Joaquim se esticou para pegá-lo e anunciou:

— Alana, seu namorado está te ligando aqui. — ele anunciou em

voz alta, com um sorriso malicioso no rosto.


Senti meu rosto corar e evitei fazer contato visual quando peguei o

aparelho da mão dele para ir até a cozinha atendê-lo.

— Oi, lindo! — disse assim que fechei a porta atrás de mim.

— Oi, linda. Você está ocupada? — a voz do Matheus respondeu

com certa urgência.

— Não, por quê?

— Quero conversar com você. — ele disse, soando bastante sério.

— O que foi, aconteceu alguma coisa?

— Não, nada. Me encontra na esquina que eu já estou chegando.

— Ok então, até daqui a pouco. — disse e ele desligou. Franzi a


testa e fui até a sala.

— Mãe, vou aqui na praça rapidinho, beleza?

— Está bem. Por que não leva o Joaquim e a Luana com você?

Joca me encarou e eu dei graças aos céus por ele entender as coisas
com facilidade, porque ele rapidamente respondeu:

— Não precisa, tia. Não sei a Luna, mas eu estou descansando o

almoço ainda. — ele disse, acariciando a própria barriga.

— Também estou bem aqui. — Luana respondeu, tímida.

Mamãe olhou para os dois e então para mim, parecendo

desconfiada. Mas suspirou e disse:


— Pode ir então, Alana. Mas não demore, não te quero fora de casa

até tarde, viu?

— Certo, mãe. Pode deixar, não demoro! — depositei um beijo no

rosto dela, acenei para os outros e saí.

Tranquei o portão atrás de mim e fui até a esquina, onde Matheus

me esperava escorado em sua moto. Ele esticou o braço para mim e me

puxou para perto dele, dando-me um beijo casto.

Eu sorri, mas ele continuou sério e me entregou o segundo capacete,

montando na moto e esperando que eu subisse atrás dele.

Sem uma palavra, ele ligou o motor e dirigiu até a casa dos avós

dele. Desci e me sentei no mesmo balanço da noite do nosso primeiro beijo,

e ele veio até o meu lado, esticando o braço para pegar minha mão.

— Você vai me falar o que aconteceu? Você está tão sério...

— Não é nada demais, só estou pensativo. — ele falou, dando um

sorriso fraco — Quer dizer... Não me leva a mal, mas você não ficou

chateada com o que o Brian falou naquele dia? Ele meio que só começou a

mandar na gente... Sei lá, eu tenho muita consideração pelo treinador

Andrade, mas jamais deixaria ele interferir desse jeito em minha vida. —

ele concluiu, dando de ombros.

Eu fiquei em silêncio por alguns instantes, mas não pude impedir

uma risada fraca de escapar dos meus lábios.


— Você ficou remoendo isso a semana toda, não foi?

— É. Eu queria te perguntar naquele dia, mas você não pareceu ter

ficado ofendida, então não sei, achei que talvez você pudesse se chatear. Eu
também não quero impor nada para você. — ele disse, erguendo nossas

mãos unidas até seus lábios.

— Você não precisa ficar pisando em ovos comigo. A gente precisa

confiar um no outro, mas para te responder, eu não achei que ele impôs

nada, apenas sugeriu e pediu para que falássemos com nossas mães sobre

isso, não vi nada demais. Ele estava tentando ser um adulto responsável,

apenas isso.

— Você gosta bastante dele, né?

— Sempre tive muita consideração por ele, desde que éramos

crianças. Quando eu o via com o Joaquim, meu coração se apertava porque

meu pai não era daquele jeito comigo, sabe? Eles se entendiam tão bem, ele

era tão carinhoso... Não sei. Era como se ele fosse o pai que eu queria ter. E

quando ele e a minha mãe começaram a namorar, eu vi a felicidade nos

olhos dela. Eu acho que ele vai fazer muito bem para ela, e para mim

também. — expliquei e ele soltou nossas mãos, apenas para me puxar para

o seu colo.

— Eu não sabia que você se sentia assim em relação ao seu pai. Eu

te entendo, eu via os pais dos outros meninos jogando bola com eles,
acompanhando no colégio... E eu só tinha o Alex e a minha mãe. — ele

disse, beijando os meus cabelos.

— Pelo menos as nossas mães são maravilhosas.

— São mesmo. Mas agora nós temos que conversar com elas sobre

a gente, antes que o delegado conte. Espero que elas não encrenquem

muito.

— Não se preocupe em relação a isso. Minha mãe jamais me

repreenderia ou tentaria impor alguma coisa no nosso relacionamento. — eu

o tranquilizei.

— Então estamos acertados. Agora que conversamos, quero te dar

uma coisa. Fecha os olhos. — ele pediu e eu obedeci na maior expectativa,

o senti pegando minha mão e depositando algo nela.

Abri meus olhos, e fiquei encantada ao encontrar um par de alianças


prateadas. Quando as examinei mais de perto, percebi que nossos nomes

estavam gravados na parte interna.

— Que lindas, meu amor!

— Fico feliz que tenha gostado! — ele sorriu, afastando o cabelo do

meu rosto — Estou planejando isso há dias. Não gostei de dizer ao seu

quase padrasto que só estávamos ficando, então fui na joalheria e

encomendei essas alianças de compromisso para nós dois. E agora eu posso

finalmente fazer o pedido: Quer ser minha namorada, bruxinha?


— Claro que eu aceito, seu bobo! — respondi, tomando sua boca

em um beijo apaixonado.

Ficamos com as testas coladas por um tempo, sorrindo um para o

outro. Ele me afastou um pouco e tirou a aliança menor que eu ainda

segurava, colocando no meu dedo, e eu coloquei a outra no dedo dele. E

então ficamos ali apenas curtindo a companhia um do outro e assistindo o

pôr-do-sol. Quando escureceu, resolvemos ir embora.

Quando chegamos na minha casa, entramos rapidamente para

chamar o Joaquim e a Luana, e juntos sentamos na varanda para colocar o

papo em dia.

— Preparados para as aulas amanhã? — Joca perguntou a todos nós.

— Nem um pouco. Espero que as pessoas não comentem, mas

duvido que isso aconteça. — Luna respondeu, cabisbaixa.

— Fica tranquila que eu não vou deixar ninguém te dizer nada. —

eu disse, passando um braço pelos ombros dela.

— Isso, Luna, nós vamos te proteger caso alguém diga algo. E além

do mais, as pessoas estarão mais ocupadas falando do casalzinho aí! — Joca

falou, apontando para mim e o Math.

— Ninguém vai falar da gente, Joaquim. Não exagera! — Matheus

exclamou.
— Cara! Em que mundo você estava na última semana? No

Instagram e no grupo do colégio não se fala de outra coisa. As maria-

chuteiras estão querendo matar a Alana, afinal ela está pegando o camisa 10

do time.

— Não estou pegando o Matheus, Joca, estamos namorando! —

respondi, mostrando minha mão e apontando para a aliança.

— Opa, subiram de nível! Isso vai render muita fofoca. Meu Deus!

— ele gargalhou — Paloma vai enlouquecer.

— Que enlouqueça. Depois daquela palhaçada da festa, não quero o


Matheus nem de conversa com ela. — avisei, entrelaçando os meus dedos
com os dele, que beijou minha bochecha.

Conversamos mais um pouco até dona Susana aparecer ao lado do

Brian.

— Bem, crianças o papo está muito bom, mas já são dez horas e
amanhã vocês têm aula.

— É, Joca, vamos que amanhã ainda temos que levar o resto dos
papéis da sua matrícula. — Brian disse.

Ele deu um beijo casto na minha mãe, acenou para nós e andou até o

carro, esperando que o filho o seguisse.

— Está bem, está bem. Tchau, gente. Até amanhã. — Joaquim


depositou um beijo na bochecha de cada uma, então fez um toque de mãos
com o Matheus e saiu atrás do pai.

— Luana, querida, comprei algumas roupas para você. — minha


mãe anunciou — Vamos lá para você ver se gosta! Tchau, Matheus! — ela

disse, abrindo a porta da frente. Luna acenou para Math e seguiu minha mãe
para dentro de casa, deixando-nos sozinhos.

Quando estávamos a sós, ele me beijou. Foi um beijo lento e sem


pudor, as mãos dele passando lentamente pelo meu corpo e nossas línguas

se tocando em uma sintonia perfeita.

— Até amanhã, meu amor.

Ele me deu mais um selinho e foi embora em sua moto. Observei-o


até virar a esquina e entrei em casa suspirando. Encontrei minha mãe na
cozinha, arrumando caixas com doces encomendados para a festa do dia

seguinte.

— Nossa, quanta coisa! Quando a senhora teve tempo para fazer


tudo isso? — perguntei, sentando-me no balcão.

— Laura fez boa parte. Fiz alguns hoje à tarde e decorei o bolo. —

ela respondeu, mostrando-me o bolo com detalhes de princesa.

— Ficou lindo, adorei a nova técnica que usou, os detalhes ficaram


perfeitos! — comentei, impressionada.

— Também gostei. Sabe do que mais eu gostei? Dessa aliança aí no

seu dedo. — ela comentou casualmente, terminando de colocar o bolo na


caixa e guardando-o na geladeira — Podemos falar sobre esse namoro de
vocês agora?

— Claro que podemos, mãe.

— Você gosta dele? Gosta de verdade?

— Gosto, mãe. Muito. Sempre gostei, na verdade, mas nunca achei

que fosse recíproco. — respondi e ela sorriu para mim.

— Isso é tão bom, não é? Gostar de alguém e receber tanto carinho

de volta.

— É maravilhoso, mãe. Fico muito feliz que isso esteja acontecendo


com nós duas ao mesmo tempo. Depois de tudo o que passamos,

merecemos receber todo o amor do mundo. — respondi, dando-lhe um


abraço.

— É verdade. Mas falando em merecer amor, você poderia checar se


está tudo bem com a Luna? Nós não podemos deixá-la muito tempo

sozinha, recomendações da psicóloga.

Respondi afirmativamente e subi as escadas. Luna estava


terminando de experimentar as roupas que minha mãe tinha comprado e

estava aparentemente bem, então avisei que ia tomar um banho. Quando saí
já com o pijama no corpo, convidei-a para ir ao quarto da minha mãe

comigo.
— Que surpresa boa, vamos fazer uma festinha do pijama hoje? —

ela perguntou assim que nos viu entrando no quarto.

— Acho que sim, mas na verdade eu só queria um colo de mãe, será


que podemos ter isso hoje? — questionei, me aconchegando ao lado dela.

— Não precisa nem pedir. — ela passou o braço por meus ombros e
esticou o outro para Luna, que estava em pé ao lado da cama, constrangida.

Meio relutante, ela se acomodou do outro lado da mamãe, que começou a


fazer cafuné em nós duas.

Minha mãe e a Luana começaram a assistir um filme que estava

passando na TV, mas eu não conseguia prestar atenção. Tudo o que


conseguia pensar era no que Joaquim tinha dito.

Não queria que o meu relacionamento com o Matheus se tornasse


uma fofoca, porque sabia que nem todos torciam pela nossa felicidade.
ALANA

Acordei cedo na manhã seguinte. Minha mãe já tinha levantado e


apenas Luana e eu estávamos na cama.

Cutuquei o ombro da Luna para acordá-la e fomos nos arrumar para

ir ao colégio. Vesti uma calça jeans e a blusa do uniforme. Como não estava

muito a fim de pentear o cabelo, fiz um rabo de cavalo.

Quando Luana terminou de se arrumar, descemos as escadas e

encontramos minha avó tomando seu café na cozinha.

— Bom dia, vozinha mais linda do universo. — depositei um beijo

em sua bochecha e me sentei ao seu lado.


— Hum, bom dia! Você está querendo alguma coisa, não é? Espero

que não seja dinheiro, porque eu não tenho.

— Que absurdo, vovó! Não posso ser carinhosa com a senhora? —

exclamei, colocando o café na xícara. Peguei uma fatia de pão, passei um

pouco de margarina e coloquei na frente da Luna, que encarou a comida

com uma expressão desanimada, mas começou a comer, ainda que


relutante.

— Pode sim, mas como você é muito interesseira desde pequena,

preciso desconfiar. — vovó disse, dando uma risadinha.

— Não ia te pedir nada, mas já que me chamou de interesseira, vou

te pedir uma coisa.

— Sabia! Diga logo — ela riu mais uma vez.

— Quero sair com o Matheus em um fim de semana, ir para a casa

dos meus tios lá na praia. E a senhora sabe como a tia Lucélia é chata, então

queria que a senhora visse com ela para mim, pode ser?

— Hum, você quer ir com o boyzinho para a casa da praia? — ela

questionou, me encarando e a Luana se engasgou com café, rindo.

— Vó, para de chamá-lo assim! — exclamei, rindo também.

— Vocês o chamam assim, por que não posso chamar? Quer que eu

seja mais moderna e chame ele de crush? — ela perguntou com muita

naturalidade.
— Meu Deus, chega vó! Vamos, Luna! Preciso passar no clube de

jornalismo antes de ir para aula.

Antes de irmos, vi que Luana tinha comido um pouco mais da

metade do pão, então nos despedimos da minha avó.

— E pode deixar que eu falo com a sua tia sim, querida. — vovó

falou antes que nós saíssemos.

Comemorei e fui caminhando com Luna até o colégio. Apesar do

calor, ela estava com uma camisa de mangas compridas.

— Estão cicatrizando bem? — perguntei, quebrando o silêncio entre


nós duas.

— Estão sim. Não se preocupe, não é a primeira vez, eu já estou

acostumada. — ela disse tão casualmente que meu coração se apertou.

— Ah, Luna... — exclamei, sem saber o que dizer. Eu queria

confortá-la, mas sabia que não havia muito que eu pudesse fazer. A única

pessoa que podia ajudar, de fato, era ela mesma — Minha mãe deixou uma

mensagem pedindo para eu lembrá-la da consulta e falando que vem te

buscar as duas horas, ok?

— Certo. Obrigada. — ela agradeceu e andamos mais alguns passos

em silêncio, antes de ela mudar de assunto: — Então quer dizer que você e

o Matheus vão viajar juntos.


— É o que eu mais quero. Queria comemorar agora que estamos

namorando. Demoramos tanto tempo para expressar nossos sentimentos que

agora só quero celebrar essa fase da nossa vida. Mas pensei em convidar a
galera toda, ainda não sei. — falei e ela sorriu para mim.

Ela tinha um sorriso tão bonito! Torci para que em breve

encontrasse mais motivos para exibi-lo.

— Eu acho tão bonita a relação de vocês. Dois corações quebrados

se unindo pelo amor. — ela suspirou.

— É bem isso mes... — comecei a falar, mas fui interrompida pelo

Nicolas, que apareceu em nossa frente parecendo bastante agitado.

— Oi, Alana, oi, Luna. Tudo bem com vocês?

— Oi, Nico. Tudo bem sim, aconteceu alguma coisa? Por que você

está ofegante?

— Não aconteceu nada não, eu só corri um pouco. Matheus está te


procurando, vai lá, ele está perto da quadra. — ele me empurrou um pouco

e eu não protestei, porque percebi que essa agonia toda era para ficar

sozinho com a Luana. Acenei para ela, que me encarou com um pouco

apreensiva.

Debati comigo mesma se eu devia deixá-la sozinha para enfrentar as

fofocas de todo mundo, mas eu cheguei à conclusão de que o Nico faria um

bom trabalho em intimidar qualquer um que viesse falar com ela de um


jeito maldoso, então entrei no colégio. Imediatamente notei os ruídos ao

meu redor. Alguns me olhavam e cochichavam entre eles.

Ótimo! Virei assunto novamente!

Ignorei e continuei andando até o clube de jornalismo. De lá

consegui ver uma parte da quadra. Vi o Matheus e mais uns dois jogadores

com umas cinco meninas da torcida, e elas não paravam de tocar no meu

namorado.

Revirei os olhos, ignorei o ciúme e entrei na sala, cumprimentando

os meus colegas.

— Olha se não é a estrela do nosso jornal! — Samuel falou e todos

aplaudiram. Ri e tentei entender o que estava acontecendo

— Estrela? Minha coluna recebeu muitos elogios?

— Recebeu sim, mas não é disso que estou falando. Adivinha quem

está na capa hoje? — ele perguntou fazendo um suspense.

— Pelo amor de Deus, não diz que sou eu!

Meu coração começou a bater bem rápido e uma sensação ruim se

apossou do meu corpo, eu tinha certeza de que eu e o Matheus

provavelmente éramos a capa daquela edição.

— É sim! Você e o seu jogador bonitão! — Tito disse,

comemorando, mas quando viu que eu não fiz o mesmo, ele me encarou e

perguntou: — O que foi, não gostou?


Meu Deus! Será que essas pessoas me conheciam tão pouco a ponto

de pensar que eu gostaria de uma exposição dessas?

— Não, não gostei. Não acredito que vocês fizeram isso! Minha

própria equipe me expondo dessa maneira!

— Alana, a gente não está te expondo menos do que você já está

exposta! Você e o Matheus são o assunto desde a festa. A gente publica as

notícias, mas também temos colunas de fofoca, não podíamos deixar vocês

de fora só porque você faz parte da equipe. — Samuel se defendeu e eu

senti a raiva subir pela minha garganta.

— Cara, você tem noção do que você está dizendo? Do quão

absurdo é vocês quererem lucrar com o meu relacionamento?

— O nome disso é liberdade de imprensa, Alana, então deixa de

drama! Você sabia muito bem o que aconteceria quando você assumisse

namoro com o craque do time. O garoto mais popular do colégio. Se está

achando ruim isso, imagina quando ele for um grande craque do futebol

brasileiro e a mídia cair em cima do relacionamento de vocês. Você vai

aguentar a pressão, gata? — Tito se juntou ao Samuel na defesa e o deboche

na voz dele me fez ficar ainda mais irritada.

— Cara, eu realmente não esperava isso de vocês. Entrega minha

coluna para Lívia. Vai ser a minha única da semana. — disse, marchando

para fora da sala.


Olhei para quadra e vi o Matheus com seus amigos, porém, dessa

vez quem os acompanhavam não eram as meninas da torcida, mas a Paloma

e a Mirela.

Eles conversavam animadamente, como se fossem velhos amigos. E

quando o Matheus riu de algo que a Paloma falou, eu não consegui mais

ficar olhando. Aparentemente só eu tinha ficado chateada com a exposição

do nosso namoro.

Precisando esfriar a cabeça, andei até a área da piscina e sentei-me


na beira, tirando meus sapatos e colocando meus pés na água.

Suspirei pesadamente com os inúmeros pensamentos que rondavam


a minha cabeça. O principal deles era a pergunta que o Tito tinha me feito,

será que eu aguentaria toda essa pressão caso eu e Matheus tivéssemos


juntos futuramente? Essa era uma pergunta que eu não saberia responder

agora.

Soltei meus cabelos e senti uma mão em meus ombros. Ao me virar


para ver quem era, sorri.
ALANA

— Oi, Tadeu! Tudo bem? — perguntei, enquanto ele se sentava ao


meu lado.

— Estou bem, e você? Estranho te ver por aqui, você costuma ficar

mais na área norte do colégio.

— É verdade, faz tempo que eu não venho aqui, mas eu queria me


afastar um pouco para não ouvir o que estão falando de mim.

— Ah, é. Eu escutei algumas coisas... — ele admitiu meio sem

graça — Muitas coisas, na verdade, mas preferi não dar muita importância.
— Ah, eu até tentei, sabe? Mas eu odeio ser o centro das atenções,

ver o colégio todo comentando sobre o meu relacionamento com o Matheus

não é algo que me agrada.

— Eu entendo, mas se você quer ficar mesmo com ele, vai ter que

se acostumar, né?

— Eu sei e estou tentando, mas não queria ter que aturar isso agora.
Meu relacionamento não deveria ser assunto na boca de outras pessoas.

— As pessoas sempre vão falar, Lana. Não só no colégio, mas pelo

resto das nossas vidas. Não tem nada que a gente possa fazer a não ser

ignorar e seguir em frente, sabe? A gente só não pode deixar isso acabar

com a nossa felicidade.

— Verdade. Você está certo. Obrigada pelos conselhos! — agradeci


e ele me acalentou em seus braços.

Ficamos em silêncio por um tempo, apenas observando o balanço

das águas, e então fomos subitamente interrompidos.

— Será que estou atrapalhando alguma coisa?

Era o Matheus.

— Oi, lindo. Não, não está atrapalhando nada, eu e o Tadeu só

estamos conversando. — respondi, me soltando do abraço do meu amigo e

me levantei.
— É, cara, relaxa. Eu e a Alana só estávamos conversando, estava

tentando deixá-la mais tranquila. — Tadeu disse, se levantando também.

— E ela estava nervosa, por acaso? O que aconteceu que a minha

namorada veio procurar você e não a mim? — Matheus perguntou

rudemente.

— Ela estava chateada com o fato de todos estarem falando de

vocês, cara, só isso. — Tadeu se explicou mais uma vez.

— Mais um motivo para ela ter vindo falar comigo. — Matheus se

aproximou mais, tentando intimidar o Tadeu.

— Olha, eu não vou discutir isso com você. — Tadeu disse, se

rendendo — Fica bem, Alana. Qualquer coisa me liga. — ele se dirigiu a

mim e então saiu, deixando-nos sozinhos.

— Então quer dizer que eu fico que nem besta te esperando lá na

quadra e você vem se encontrar com esse playboyzinho? — Matheus falou,

cruzando os braços.

— Eu não vim me encontrar com ele, eu vim para ficar sozinha.

Mas ele é meu amigo e quis me ajudar. Além do mais, você me pareceu

bem ocupado quando eu te vi, primeiro dando atenção para as meninas da

torcida e depois falando com a Paloma. A Paloma! Eu não sei se você

lembra, mas ela é a garota que tentou separar a gente.


— Eu lembro muito bem o que ela fez, ela estava conversando com

os outros caras e eu estava te esperando.

— Não foi isso que eu vi. Mas quer saber? Não quero brigar, não
quero dar o gostinho a ela de ser o pivô das nossas brigas. — ergui as mãos

em frustração.

— Não estamos brigando. — ele disse firme.

— É, não estamos, mas fique sabendo que não gostei da maneira

como falou com o Tadeu. Ele estava me apoiando enquanto você estava

com outras garotas. — retruquei, enfatizando as últimas palavras.

— Não fala dessa maneira, até parece que eu estava fazendo algo

errado. Não distorce as coisas, você que estava aqui abraçada com aquele

babaca.

— Ele é meu amigo, Matheus, meu amigo! Não posso mais ter

amigos, agora? Você não confia em mim?

— Não é em você que eu não confio!

— Pois saiba que eu sou bem grandinha e sei me cuidar. Eu estava

chateada com o fato de novamente estar na boca de todos desse colégio e

ele estava me apoiando, apenas isso!

— Sou eu quem devia te apoiar, Alana. Por que você não foi atrás

de mim, independente de com quem eu estava?


— Sabe por que eu não fui? Porque se estavam falando de mim, foi

por causa de você! — explodi.

— Por minha causa? Agora eu tenho culpa de ser quem eu sou?

— Eu só não esperava isso, Matheus. Não esperava mesmo, depois

de tudo o que aconteceu no ano passado, eu queria ser invisível aos olhos

dos outros, eu não queria ser exposta dessa maneira. Eu não gosto disso. —

limpei as lágrimas que caíam no meu rosto.

— Eu não imaginei que isso te afetaria tanto. Já estou acostumado

com essas coisas e não posso mudar quem eu sou. Nem por você, nem por

ninguém.

— Não estou pedindo para você mudar, eu só... — comecei a falar,

mas fomos interrompidos por uma funcionária do colégio.

— Senhorita Calmões e Senhor Vieira, a aula já começou, vão os


dois, para sala! — ela ordenou e eu a segui até a sala sem relutar, com o

Matheus atrás de mim.

Cumprimentamos o professor e sentamos distantes um do outro.

Passei a aula toda de cabeça baixa e não me recordo de uma palavra que o

professor disse.

O sinal bateu e eu continuei da mesma maneira. Estava tão confusa

e sentia vontade de chorar. Se eu chorasse, talvez eu me sentisse melhor.


Nessas horas eu queria muito ser como a Karen, tão espontânea e

autoconfiante a ponto de não me importar com o que falavam de mim.

Mas não conseguia, eu me importava demais. Sempre me importei.

Senti uma mão passar nos meus cabelos e alguém sentou ao meu

lado. Não precisei nem perguntar quem era, apenas pelo cheiro do perfume

amadeirado eu sabia que era o Matheus.

Aconcheguei-me em seus braços e não trocamos uma palavra. No

intervalo, ele beijou minha testa e saiu com os amigos, deixando-me

sozinha com a Luana.

— O que aconteceu? Por que está esse clima tenso entre vocês? —

ela perguntou, sentando-se em minha frente.

— Nós brigamos lá na área da piscina. — eu disse sem encará-la.

— Sério? Por quê?

— Matheus não entende o porquê de eu não querer toda essa


atenção. Ele acha que eu quero mudá-lo, mas não é isso.

— Entendi. A verdade é que ele já está acostumado com isso, olha

para ele... Está rodeado de gente o tempo todo. Se você gosta mesmo dele,

amiga, vai ter que dar um jeito de se adaptar. — ela disse, resignada.

— Eu sei. — respondi e então, ergui os olhos para ela e perguntei:

— Mas chega de falar de mim. Como foi a sua manhã?


— Ah. Eu acho que igual a sua, mas eu já esperava. Muitos

cochichos, muita gente me encarando. Ninguém falou nada para mim, além

de alguns desconhecidos que me desejaram boas melhoras. — ela deu de

ombros — Obrigações sociais, duvido que eles se importem de fato.

— Não fala assim, Luna. Muita gente quer te ver bem, você tem que

começar a enxergar isso. — falei, pegando na mão dela.

Ela me olhou incrédula, mas antes que eu pudesse continuar, o sinal

bateu. Quando todos voltaram para a sala, a coordenadora apareceu para


avisar que os professores estavam em reunião e que estávamos liberados

para as aulas extracurriculares. Como não estava muito afim de ir ao clube


de jornalismo, eu e a Luana fomos para a arquibancada da quadra.

Ficamos observando os garotos jogarem, mas logo o Joaquim


chegou com a Tamires, uma garota da turma dele com quem eu não

conversava muito, mas sabia que era bastante simpática.

— Amiga, aconteceu aquilo mesmo entre vocês na área da piscina?


— Joca perguntou, aflito por respostas.

— O que estão dizendo que aconteceu?

— O que ouvimos foi que o Matheus e o Tadeu quase saíram na


porrada por sua causa. — Tamires revelou e eu revirei os olhos.

— Quando será que esse povo vai achar outro assunto para falar?
— Vai demorar, viu. As meninas estão loucas para saber o que você
fez para fisgá-lo. — Tamires respondeu, olhando para quadra.

— Se eu fosse você eu aproveitava! Matheus poderia ter qualquer

garota, mas te escolheu, sua boba! Deixe de besteira e curta isso! Deixe que
falem, ignore o que não te acrescenta em nada. Vai curtir teu namorado,

garota. — Joca falou e eu ri. Só ele para me confortar nessas horas.

Realmente, eu precisava me esforçar. Matheus gostava de mim e

não das outras garotas. Isso devia ser a única coisa que importava para mim,
e não o que os outros falavam.

Eu me levantei, acenei para meus amigos e caminhei até o Matheus.

Ele estava jogando, mas ao me ver na beira do campo, veio até mim.

Mesmo ele estando todo suado, enlacei seu pescoço e o beijei. Foi

um beijo leve e casto que eu esperava que transmitisse as minhas desculpas.


Ele intensificou, roubando-me um beijo apaixonado e intenso.

Escutei aplausos e gritos da arquibancada e sabia que eles vinham

dos meus amigos. Nossas bocas se separaram e eu ri, abraçando o Matheus.


Consegui observar uns olhares de carinho e outros repletos de inveja.

Fechei os olhos, absorvendo apenas as coisas boas, afinal, se eu

quisesse ficar com ele, precisava me acostumar com isso. E eu queria.


MATHEUS

— Cara, a Alana me surpreende muito! Eu achei que ela ia me dar


um gelo o dia inteiro, mas não, ela soube relevar a situação. — disse ao

Nico, no vestiário.

— E porque vocês discutiram mesmo? — ele questionou, confuso,

enquanto enfiava o uniforme suado na mochila.

— Eu a encontrei com o Tadeu. Aquele carinha quer me tirar do


sério! Ele gosta da Alana, eu vejo isso, e não o quero perto dela. Encontrei

os dois conversando e explodi, falei algumas merdas.


— Caramba... — ele disse reflexivo, fechando o zíper da mochila.

— Ele é afim da Alana a mó tempão, meu vizinho é primo dele e comentou

comigo. Mas sei lá, ela está namorando com você e não com ele, né? Talvez

seja o caso de você relevar.

— Não vou relevar isso não! Controlar os ciúmes é uma coisa,

deixar um otário dar em cima da minha mina bem na minha frente é outra.
Eu já percebi que ele faz a linha de bom moço, mas isso não cola comigo

não! Tem alguma coisa muito estranha nele e naquele maldito sorrisinho

falso. Sacou? — tirei a toalha de meus ombros e sequei meus cabelos.

Nicolas sentou no banco atrás de nós e começou a calçar os tênis, pensativo.

— Saquei. Só não faz ceninha de ciúmes na frente da Alana porque


assim ela vai achar que você não confia nela. Porque parece, né, cara?

Confiar é saber que não importa quem queira a sua mina, ela não vai querer

mais ninguém.

— Eu sei disso. Eu confio nela, mas o problema é ele. Ela não

enxerga o quanto ele é manipulador. Mas ela já está meio cabreira comigo,

e para piorar ela não gosta da atenção que eu atraio, ficou chateada porque

saímos no jornal hoje.

— Complicado, cara! Ela vai ter que aprender a viver com isso,
você é Matheus Vieira! Um dos melhores jogadores do time!
— Eu sei, mas ela não gosta da atenção. Eu entendo, mas não posso

mudar quem eu sou, nem por ela nem por ninguém, estou fazendo o que eu

amo e sou feliz com isso. — disse, terminando de me vestir e sentando ao

lado dele para calçar meus tênis.

— Acho que isso é a coisa mais justa que tem. Mas nesse caso, você

também não pode exigir que ela mude. Ela não vai aprender a gostar da

exposição, então você vai ter que ensiná-la a pelo menos aceitar. Sei lá,
mostra o lado bom. De repente isso dá mais visibilidade para a coluna dela.

— ele sugeriu bebendo um pouco de água.

— É. Pode ser. Talvez assim ela aceite melhor. Mas e aí, me fala

como foi sua conversa com a Luana. — perguntei, enquanto andávamos

para fora do vestiário.

— Foi boa. Ela ainda está bem tímida e relutante em se abrir

comigo, mas conseguimos conversar um pouco hoje e foi bom. Ela acabou

de passar por um perrengue enorme e ainda não está cem porcento bem, né,

então estou indo com calma.

— Você é o cara que tem mais paciência nesse mundo e é

exatamente disso que ela precisa. Com o tempo ela vai confiar mais em

você e vai ser bom para a saúde dela.

— Espero que sim, não quero pressionar nada. E sei lá, eu gosto

dela, mas eu sei que ela precisa aprender a lidar com os próprios demônios.
— ele disse e fiquei bastante surpreso com sua maturidade.

— É, mas certamente ter alguém para escutar ajuda muito. Vamos

ver como as coisas vão andar, cara. Mas ó, vou lá na biblioteca pegar um
livro.

— Beleza, vou para casa! Qualquer coisa você me liga.

Caminhei até a biblioteca esperando achar algum livro de poesias.

Queria fazer uma surpresa para a Alana, e como ela gostava muito de coisas

escritas à mão, pensei em escrever uma carta.

Perguntei à tia da biblioteca onde podia achar livros de poesias, que

me direcionou por dentre as enormes estantes. O nome de um autor me

soou familiar, então tirei da estante uma cópia antiga e comecei a folhear.

Um dos poemas saltou aos meus olhos, mas então me surpreendi ao escutar

a risada de Alana.

O que ela estaria fazendo aqui? Achei que já tivesse em casa.

Caminhei em direção ao som de sua voz e a avistei. Senti meu sangue subir

quando vi Tadeu ao lado dela.

Estavam os dois sentados, bem próximos em uma das mesas, havia

livros sobre elas, mas não foi isso que mais me incomodou. Ela poderia

conversar com quem quisesse, mas não queria que ele tivesse suas mãos

sobre ela.
Tadeu alisava as mãos de Alana, como se eles não fossem apenas

amigos. Aproximei-me sorrateiramente, limpei a garganta e anunciei, com

minha voz mais fria e controlada:

— Achei que já tivesse ido para casa.

Eles pararam de conversar e olham para mim, surpresos. Alana

puxou rapidamente sua mão e o Tadeu deu um sorriso sacana.

Ah, finalmente tinha chegado o dia em que eu iria socar o rosto

desse cara!
ALANA

— Alana! Alana! — estava quase saindo do colégio quando escutei


o Tadeu me chamando. Luana me disse que ia para casa na minha frente,

então me despedi dela e fui falar com o Tadeu.

— Oi!

— Alana, oi! Será que podemos terminar aquele trabalho hoje? —


ele perguntou com um sorriso caloroso.

— Ai, meu Deus! Eu tinha esquecido, me perdoa! Vamos para

biblioteca agora para terminarmos.


Caminhamos juntos enquanto ele me contava sobre o programa de

treinamento que o técnico dele tinha passado para o time. Adentramos a

biblioteca e imediatamente recebemos um sonoro “shhh” da bibliotecária.

Tadeu soltou uma risadinha e revirou os olhos, mas calou-se.

Após deixarmos nossas coisas na mesa, fomos procurar livros para

começar o trabalho. Ele sussurrou para mim, indicando que encontrara, mas
que só havia um exemplar. Sussurrei de volta para dizer que nossa

biblioteca precisava de mais investimento, mas que por enquanto, íamos ter

que dividir, e voltamos para a mesa, nos sentando lado-a-lado.

Estava entretida com a leitura que nem percebi que o Tadeu

acariciava minha mão. O toque dele era tão singelo que não havia chamado
minha atenção.

Foi apenas quando ouvi o Matheus falar que levei um susto e a

puxei de volta para mim:

— Achei que já tivesse ido para casa.

— Oi, amor! Eu ia, mas o Tadeu e eu tínhamos que terminar esse

trabalho. — respondi, indo na direção dele e dando-lhe um selinho antes

que ele fizesse uma cena.

— Hum, e já terminaram? — ele perguntou, ainda encarando o

Tadeu.
— Ainda não, começamos faz pouco tempo. — respondi, voltando à

mesa e puxando-o para sentar ao meu lado — Pode me esperar? Assim não

volto sozinha e você pode jantar lá em casa, que tal? — beijei seu rosto e

ele finalmente olhou para mim.

— Pode ser. — ele disse mais relaxado, retirando os próprios

cadernos da mochila para aproveitar o tempo.

Voltamos a estudar em um completo silêncio. Concentrei-me para

terminar o quanto antes e, quando terminei a síntese do que tinha lido,


entreguei para o Tadeu fazer a parte dele. Despedi-me dele, mas o Matheus

não disse uma palavra, guiando-me para fora do prédio pela mão. Já

estávamos quase no estacionamento quando ele parou subitamente.

— Acho que esqueci um livro na biblioteca! — ele anunciou.

— Nossa, amor! Vamos voltar para buscar então, você vai precisar

para amanhã?

— Vou, mas eu volto sozinho, vou correndo. Fica aqui me

esperando, ou vai direto para o carro, vim com o da minha mãe hoje. — ele

disse apressadamente, me entregando a chave, correndo de volta para o

colégio.

Fui para o carro e esperei por ele lá por alguns minutos, mas ele não

demorou a aparecer e seguimos para minha casa.


— Como foi o treino? — perguntei a ele enquanto mexia no som do

carro.

— Foi bom. Estamos nos preparando para o próximo jogo, a equipe


está focada e temos grandes chances esse ano. — ele respondeu animado,

mas sem tirar o foco do trânsito.

— Isso é bom, estarei torcendo por você! Estou feliz com as aulas

de reposição, consegui me adaptar melhor do que eu pensava.

— Eu também. Apesar dos inúmeros trabalhos, pelo menos vamos

conseguir nos formar junto com os outros. — ele disse, animado — Falando

nisso, vai ter uma festa depois do jogo de sexta, o que acha de irmos juntos?

Os caras lá no vestiário não falam de outra coisa.

— Nós poderíamos ir sim, acho que vai ser divertido! — falei e pelo

resto do caminho fomos conversando sobre as músicas que tocavam na

rádio.

Chegando em casa, depois de cumprimentar Brian e Joaquim que

estavam na sala, deixei o Matheus com eles e segui para o meu quarto.

Estava entrando no banheiro quando Luna apareceu sorrindo,

parecendo bem feliz.

— Oi, moça! Viu o passarinho verde, foi? Ou foi azul igual aos

olhos do Nicolas? — perguntei, erguendo as sobrancelhas e ela ficou

encabulada.
— Ah,.. hum... O Nicolas me convidou para sair depois do jogo de

sexta. — ela respondeu, cobrindo os olhos com as mãos.

— Ahhh! Que maravilha! Ele te chamou para a festa? Matheus me

falou sobre ela hoje quando estávamos vindo para cá!

— Não, ele disse que todos irão para festa, mas que ele quer me

levar ao restaurante da mãe dele. — ela respondeu com um sorriso no rosto.

Eu estava muito feliz de vê-la sorrindo novamente, então dei um breve

abraço nela.

— Que fofo! Você aceitou, né?

— Aceitei. — e então eu vi o sorriso dela murchar. Ela desviou o

olhar para o chão — Mas não sei se deveria.

— O quê? Por que não?

— E se ele só quiser brincar com os meus sentimentos? Eu não sou

como as outras meninas do colégio... Eu sou quebrada por dentro, Lana. Ele

não vai gostar de uma garota cheia de problemas... — ela disse isso com os

olhos cheios de lágrimas.

Segurei o rosto dela gentilmente e a obriguei a olhar nos meus

olhos.

— Luna. Você não é quebrada, você é uma pessoa inteira. Uma

pessoa incrível, inclusive. E é por isso que ele já gosta de você, e há muito

tempo! Ele jamais brincaria com você, nem com ninguém. Ele não é assim.
E acredita em mim, você não quer ser que nem as outras meninas. Por

favor, não se menospreze assim, está bem?

Luana engoliu o choro e, relutante, concordou com a cabeça.

— Eu estou tentando, Alana.

— E está conseguindo. Vai ficar tudo bem, você vai ver. — prometi,

dando-lhe um beijo na testa.

Depois de eu tomar um banho, eu e a Luana descemos para jantar. A

mesa já estava posta e eles só estavam nos esperando para comer.

Durante o jantar, minha mãe tomou toda a nossa atenção ao falar da

sua futura confeitaria, ela sempre sonhou com isso e agora seu sonho estava

cada vez mais próximo de se realizar.

Após o jantar, eu e o Matheus subimos para o meu quarto e

deitamos na minha cama, me certifiquei de deixar a porta aberta – uma


exigência da minha mãe – não queria que ela ficasse chateada ao encontrar

a porta fechada.

Ficamos namorando um pouquinho, mantendo nossas bocas

ocupadas uma com a outra enquanto nossas mãos apreciavam nosso corpo.

Quando o celular do Matheus começou a tocar, ele terminou nosso

beijo e foi atender.

— Deve ser minha mãe.

Ele retirou o celular do bolso e fez uma careta ao ver quem era.
Com certeza não era a mãe dele.
ALANA

— Oi, Mirela. Aconteceu alguma coisa? — ele perguntou e eu


revirei os olhos ao ouvir o nome dela — Daqui a pouco eu passo aí, para a

sua sorte eu estou com o carro da minha mãe. A gente faz uma chupeta e

rapidinho o carro volta a funcionar.

Ele desligou e veio em minha direção, dando um selinho em mim.

— Vou lá dar uma força para Mirela, o carro dela ficou sem bateria

a algumas quadras daqui.

— Hum, é mesmo? O carro dela quebra e ela liga justo para você?

Você é algum mecânico, Matheus? — questionei, erguendo as sobrancelhas


para ele.

— Não, não sou. Mas não custa ajudar, não precisa ter ciúmes. De lá

eu vou para casa, beleza? — ele disse, tentando me beijar outra vez, mas eu

desviei.

— Eu não estou com ciúmes, Matheus! Vai lá, ajudá-la e me liga

assim que chegar em casa, beleza? — respondi com ironia, controlando


minha irritação.

— Pode deixar, mandona! — ele riu e se inclinou novamente para

me beijar, e dessa vez eu permiti. Acompanhei-o até a porta e observei-o

indo embora.

— Ei! — gritei quando ele já estava abrindo a porta do carro —

Avisa a Mirela que você não é mecânico nem amigo dela, viu? Diga que da
próxima é para ela chamar outra pessoa!

Ele sorriu e entrou no carro, dando a partida. Voltei para o meu

quarto e fiquei lendo até a Luana e o Joaquim entrarem, se jogando na

minha cama.

— E aí, namorou bastante? Foi difícil segurar os coroas lá em baixo!

— Joca disse e eu dei risada.

— Namoramos um pouco, poderíamos ter namorado mais se uma

das antipáticas não tivesse ligado para ele pedindo ajuda. — disse e eles me
encararam, parecendo confusos. Suspirei e contei tudo, tentando manter

meu tom de voz neutro.

— Pela sua cara você não gostou nada, né? — Luna comentou.

— Não gostei, mas estou tentando abafar meu ciúme. Matheus só

foi ajudá-la e nada mais. — deitei na minha cama, mas me levantei

rapidamente quando Joaquim gritou:

— Lana! Vem ver isso! Meu Deus! Olha o que a Tami acabou de me

mandar! — ele me entregou o celular e eu arregalei os olhos quando vi uma

foto do Matheus batendo no Tadeu na frente da biblioteca.

A foto tinha sido postada no insta do jornal do colégio e tinha a

seguinte legenda: “Para quem era invisível, a Alana está sendo bem

disputada, hein, pessoal! Quem será que vai ganhar o coração da moça? O

jogador ou o nadador? Façam suas apostas!”

— Caramba! Esses caras vão me pagar! Tão achando que eu sou o

quê para ficar me apostando? E o Matheus, aquele cachorro! Por que ele fez

isso? Fingiu que estava tudo bem e depois voltou para bater no Tadeu! —

exclamei com raiva e devolvi o celular para o Joaquim antes que eu o

atirasse contra a parede.

— Eles são uns babacas, a única pessoa legal do jornal era você. O

resto está só preocupado com o que vende e vocês são notícia! Mas
seguinte, o Tadeu fez alguma coisa na biblioteca para provocar essa ira? —

Luana perguntou, olhando para o próprio celular.

— Ele pegou na minha mão e o Matheus viu, mas não estava


acontecendo nada! E ele tem que confiar em mim, assim como eu tento

confiar nele! E se esses canalhas acham que vão ficar lucrando com a minha

imagem, eles estão muito enganados! Meu Deus, que raiva!

— Você sabe como seu macho é ciumento! E esse Tadeu adora

provocar, fica fazendo o bom moço na tua frente, mas eu conheço bem o

tipo dele. — Joaquim disse com seriedade.

— Não viaja, Joca! O Tadeu é meu amigo, ele sabe que eu tenho

namorado.

— Eu sei que ele sabe, mas isso não o impede de comer pelas

beiradas até chegar ao prato principal, que é você! Abre o olho, Lana!

As palavras do Joaquim foram apoiadas pela Luana, então parei para

considerar e decidi que eu conversaria sério com o Tadeu. Mesmo que eu

gostasse da nossa amizade, não ficaria próxima a alguém que quisesse algo

mais de mim e não respeitasse meu relacionamento.

Ficamos conversando até o Joca ir embora. Luna anunciou que ia

tomar um banho e eu me deitei novamente, pegando meu livro da cabeceira.

Mas não pude voltar a ler, porque meu celular apitou e eu o peguei

para abrir a mensagem:


Joguei o celular na cama, sem esperar por uma resposta. Fui ao

quarto da minha mãe e encontrei-a sozinha, olhando a planta da sua


confeitaria.

— Então já está tudo pronto? — perguntei, deitando minha cabeça

no colo dela.

— Quase, filha. Acho que conseguimos inaugurá-la logo!

— Ah, que maravilha! Estou animada para te ajudar. Já falei até

com a Luna e o Joca e eles super querem também!

— Que bom, vou precisar de muitas mãos!

— Você terá muitas! — beijei suas mãos e ela começou um cafuné.


— Escuta, Lana, como anda o seu relacionamento com o Matheus?

Toda vez que eu vejo vocês, parece que há uma tensão entre os dois. — ela

disse, preocupada.

— Ah, mãe! É complicado... E o fato de eu não ter experiência

nessas coisas só piora. — reclamei.

— Eu sei que ele é o seu primeiro namorado e também sei o quando

você é turrona e ciumenta, mas em um relacionamento é preciso haver

muita conversa e concessões! Você e o Matheus tem tanto atrito pelo

simples fato de não abrirem mão de algumas coisas para não machucar o

outro. Vocês são jovens, sei que agora tudo parece grande e complicado
demais, mas não é o fim do mundo, meu amor.

— É tão difícil às vezes, mãe! Tem hora que temos tantas coisas em

comum e em outras vezes somos como água e óleo. Eu gosto dele, de

verdade, mas é complicado.

— Claro que é, você só tem dezoito anos, Alana. Tem muita coisa

para viver e construir ainda. Tenha calma, não brigue por pequenas coisas,

tenta escutá-lo e faça-o te escutar. Se vocês se amam de verdade, vão fazer

dar certo. — ela disse e ficamos ali, em silêncio, por um tempo, refletindo

sobre tudo que ela havia me falado.

Quando eu voltei para o meu quarto, Luana já estava dormindo,

então peguei meu celular e um cobertor e fui para a varanda.


Fiquei um tempo olhando o céu estrelado e depois liguei para ele,

ignorando as diversas mensagens que ele tinha me mandado anteriormente

e as inúmeras ligações perdidas.

Quando ele atendeu, imediatamente começou a dar explicações e a

falar rapidamente, mas eu ignorei e tomei coragem para dizer algo que

estava guardado em mim por tanto tempo:

— Matheus! Eu... eu te amo! Queria que você soubesse disso, que

independente de qualquer coisa, eu amo você!


MATHEUS

— Pronto, Mirela! Não foi um problema sério, nem precisei fazer a


chupeta no carro, foi só um probleminha no motor. Já consegui ajeitar. —

falei, fechando o capô.

— Nossa! Obrigada, Matheus. Se você não viesse, eu não sei o que

teria acontecido. — Mirela disse, me abraçando.

— Não precisa agradecer. Eu não sei muita coisa sobre carros, mas
não se nega ajuda aos amigos. — sorri para ela.

— Que pena que nem todo mundo pensa assim. Eu liguei para uma

galera e nem meu irmão quis vir me ajudar. Obrigada de verdade.


— De nada! Pode ir para casa tranquila agora. — falei, caminhando

até o meu carro.

— Certo! A gente se vê no colégio! — ela entrou no carro e eu

suspirei aliviado quando ele ligou.

Então eu segui para casa. Chegando lá, tomei um banho e me deitei,

mandando mensagens para Alana.

Ergui uma sobrancelha para o tom de hostilidade da mensagem.

Reli a mensagem duas vezes e abri o aplicativo do Instagram. Os

idiotas tinham postado uma foto da minha briga com o Tadeu e ainda

estavam pondo a Alana de troféu.


Que babacas!

Mas eu ia conversar com esse Samuel e também com a diretora do

colégio, tinha certeza que ela não ia gostar nem um pouco disso.

Mandei mensagens para Alana para me explicar e esperei que ela

respondesse, mas nada. Frustrado, fui fazer um sanduíche para comer e, ao

voltar, ela ainda não tinha respondido. Mandei mais algumas e liguei

também.

Já estava começando a ficar nervoso. Se ela estava me ignorando

com tanta veemência, era porque estava muito brava comigo.

Quando ela finalmente me ligou, não disse oi, comecei a me

explicar, atropelando as palavras:

— Amor! Não foi só ciúmes, você sabe que eu confio em você, mas

ele faz as coisas de propósito e eu não consigo deixar de pensar que tem

alguma coisa muito estranha com ele, eu só estava tentando...

— Matheus! — ela me interrompeu — Eu... eu te amo! Queria que

você soubesse disso, que independente de qualquer coisa, eu amo você!

Congelei ao ouvir aquilo, minha mente se esvaziou e eu me levantei,

ainda completamente abismado com o que ela havia me dito.

— Sei que talvez seja cedo para falar esse tipo de coisa, mas não

consegui mais guardar aqui no meu coração, eu precisava te falar isso para

que você se sinta mais seguro e eu também.


— Linda, como você pode me falar uma coisa dessas por telefone?

Agora tudo o que eu quero é ir para aí e te beijar até que a gente fique sem

ar.

— Matheus!

— Sabe há quanto tempo eu espero para escutar essas três

palavrinhas saírem da sua boca? Muito tempo, linda! — falei, sentindo um

calor se espalhar por todo o meu corpo.

— A gente precisa confiar mais um no outro. Eu quero que isso dê

certo, eu quero ficar com você, mas ultimamente tem sido tão complicado...

— ela disse com certo pesar na voz.

— Realmente. — concordei — Estamos deixando as pequenas

coisas nos afetarem. Caramba, eu sou ciumento, mas parece que aquele

babaca fica perto de você de propósito. Tem alguma coisa muito errada

naquele sorriso falso dele.

— E você fica com aquelas garotas e eu não falo nada!

— Não fala, mas fica de cara feia depois. Não posso ficar ignorando

as meninas, não sou mal-educado.

— Não estou pedindo para você ignorar, é só evitar! Caramba,

parece que a gente gosta de ficar brigando por besteira. A gente precisa

parar com isso, Math. Não há amor que sobreviva a tanto ciúme.
— Eu sei, linda. Vamos fazer um trato. Precisamos, antes de tudo,

confiar um no outro, certo? — propus.

— Certo. Já que a gente confia um no outro, não vamos mais brigar

por essas coisas, vamos conversar sobre elas apenas quando incomodarem

muito. O que acha?

— Acho que tem que ser assim mesmo! Estamos combinados?

— Combinadíssimos!

— Queria estar com você agora. — sussurrei.

— Também queria. Observar o céu sem você não tem graça.

— Onde você está, exatamente? Foi para o jardim?

— Não, vim para a varanda, acho que todos foram dormir e eu estou

aqui. Quero dormir escutando sua voz hoje. — ela disse me fazendo tomar

uma decisão.

— Posso providenciar isso! Espera um pouco. — pedi largando o

celular em cima da cama, coloquei uma camisa de qualquer jeito, peguei

minhas chaves e desci as escadas correndo, encontrando minha mãe na

cozinha.

— Vou sair! — gritei.

— Vai para onde, menino? Você acabou de chegar! Nem para mais

em casa! — minha mãe gritou de volta.


— Foi mal, mãe! Depois a gente conversa sobre isso, acho que vou

dormir fora! — falei e saí antes que ela pudesse contestar.

Peguei a moto e fui até a casa da Alana o mais rápido que pude,

torcendo para não ser parado pela polícia, ou eu teria muito o que explicar

ao delegado.

Como a varanda era nos fundos da casa, estacionei com cuidado e

corri até lá. Escalei até encontrá-la com o telefone na orelha, de costas para

mim, chamando meu nome no telefone.

— Pronto, cheguei! — falei e ela se virou, levando um susto.

— Matheus, o que você está fazendo aqui?

— Você disse que queria dormir escutando minha voz, só estou

realizando seus desejos. — disse entrelaçando meus dedos nos dela,

puxando-a para mais perto de mim.

— Você é louco! — ela disse com um sorriso.

Aproximei nossos rostos e, com minha boca praticamente colada na

dela, eu me declarei:

— Sou louco por você. Louco! Eu te amo, Alana! — Tomei os

lábios dela com intensidade, beijando-a apaixonadamente.

Ficamos trocando declarações e beijos por um tempo, aproveitando

aquele momento na companhia um do outro.


Depois, recolhemos as coisas e andamos na pontas dos pés até o

quarto dela. Luana já dormia, então tentamos fazer silêncio. Deitei-me na

cama esperando-a voltar do banheiro. Ela se deitou ao meu lado e enterrou

o rosto no meu pescoço.

Acariciei seus cabelos até que ela dormisse e assim que Alana

adormeceu, não demorou para que meus olhos pesassem, fazendo com que

eu apagasse logo depois.


ALANA

— Alana! Acorda! Pelo amor de Deus! Se sua mãe pega o Matheus


aqui você vai escutar até a próxima encarnação! — acordei com a voz da

Luana no meu ouvido.

Ainda sonolenta e de olhos fechados, ignorei-a e virei-me para

encostar meu rosto no corpo quente que estava ao meu lado.

Espera, corpo quente?

Assustada, abri meus olhos e foi aí que eu percebi que o Matheus

tinha dormido comigo, não tinha ido embora depois que eu adormeci.
Sentei-me abruptamente e encontrei uma Luana bem desesperada ao lado

da cama.

— Luna!

— Graças a Deus você acordou! Está quase na hora da sua mãe

chamar a gente e ele está aqui! Por que não me avisou que ele dormiria aqui

hoje? Eu daria mais privacidade a vocês e te acobertaria. — ela disse tudo


de uma vez, muito nervosa.

— Eu não sabia que ele viria, decidimos de última hora. E não

aconteceu nada. — falei baixinho e deitei-me novamente. Matheus

imediatamente se aconchegou a mim, abrindo os olhos lentamente.

— Bom dia, linda! — ele disse, beijando meu pescoço.

— Bom dia! — falei virando para lhe dar um selinho, mas ele
intensificou nosso beijo. Luna pigarreou alto, então eu lembrei que

tínhamos plateia.

— Deixem os beijos para depois! Vou distrair sua mãe e vocês saem

pelos fundos! Não demorem! — ela disse com urgência, virando-se para

sair do quarto.

— Que horas são? — ele perguntou, acariciando meu rosto.

— Acho que cinco e quarenta. Minha mãe nos acorda cedo. Ainda

bem que Luna costuma acordar antes dela, já que você não foi embora.
— Acabei pegando no sono depois de você. Estava tão bom que eu

não quis ir. — ele falou, encostando o rosto no meu.

— Apesar de eu gostar tanto quando você faz isso, é arriscado

demais. Se minha mãe pega a gente aqui, escutaríamos o maior sermão.

— Desculpa, linda. É que aqui pertinho de você estava tão

confortável, mas fica tranquila, da próxima vez coloco o despertador para

me acordar mais cedo. — ele disse, me beijando novamente.

A mão dele percorria o meu corpo, apertando-o, enquanto eu puxava

seus cabelos, trazendo-o para mais perto de mim.

Mas quando meu celular começou a tocar na cabeceira, nos

afastamos rapidamente.

— Luana vai me matar e não vai mais encobrir a gente! Deixa para

a gente namorar no colégio! — falei, dando um selinho nele e levantando

da cama.

— Estou fazendo o que não poderei fazer lá, não vou para o colégio

hoje. — ele avisou, sentando-se e colocando a camisa.

— Não vai por quê? — perguntei, enquanto prendia meus cabelos e

calçava a sandália.

— Tenho consulta com a fisioterapeuta do time, a diretoria do

colégio liberou. — ele falou, se levantando e me abraçou ao ver o meu

semblante entristecer.
— Então quer dizer que eu vou enfrentar aqueles babacas falando

merda de mim sozinha? Que maldade, meu amor. Depois te passo o assunto

da aula de reposição, mas vai ser bem chato ficar sozinha por horas com o
Gusmão, a voz dele me irrita muito. — falei, abraçando-o mais apertado.

— Desculpa, meu amor. Mas não tenho escolha, se eu não fizer os

exames de liberação, eu não jogo. E se eu não jogar, não vou para o

profissional e boa sorte com o Gusmão, ele é um pé no saco, mas

infelizmente nós precisamos dele. — ele disse, beijando minha testa.

— Ok, ok, dessa vez você está perdoado. Mas vamos logo, antes

que a Luna desista da gente. — falei, puxando-o pela mão e levando-o até a

sacada. Observei-o arrastando a moto até um pouco depois da minha casa,

montando-a e sumindo das minhas vistas.

Voltei para o meu quarto, sorrindo. Tomei um banho, me arrumei e


desci as escadas saltitando. Na sala de jantar, encontrei minha mãe, a vovó e

a Luana tomando café.

— Bom dia, meus amores! — falei, beijando a bochecha de cada

uma.

— Acordou tarde, filha. Já ia te chamar, mas Luna me contou que

você foi dormir tarde ontem. — minha mãe disse, servindo café em uma

xícara e entregando-a para mim.


— Foi sim, mãe. Acabei ficando sem sono. — respondi, aceitando o

café e bebendo um gole.

— Insônia de novo? Podemos falar com sua terapeuta. — ela me

lançou um olhar preocupada

— Não precisa, fica tranquila! Eu dormi muito bem depois que

consegui. — respondi e ela me avaliou por um tempo.

— Certo. Mas a senhorita me avise, caso algo esteja estranho com

você, ouviu bem? — ela pediu, levantando-se. Sorri para ela e assenti.

Satisfeita, ela apanhou as louças sujas e foi para a cozinha.

— Alana! — vovó me chamou, cochichando assim que a mamãe

desapareceu pela porta.

— Oi, vó! Aconteceu alguma coisa?

— Aconteceu que eu já falei com sua tia e ela liberou a casa, então

deixa para dormir com o boyzinho lá! Vocês não sabem ser discretos! — ela

respondeu, revirando os olhos e eu cobri minha boca, chocada com o que

tinha acabado de ouvir.

Olhei para Luna e ela estava se controlando para não rir, escondendo

o rosto com seu café e fingindo que não estava ouvindo.

— Eu não sei do que você está falando, vovó. — falei

inocentemente e pigarreei, desviando o olhar do dela — Mas obrigada por


conseguir a casa com a tia Lucélia, vou organizar as coisas para irmos

depois do jogo.

— Ir para onde depois do jogo? — minha mãe apareceu

subitamente, perguntando.

— Ah, hum. Eu e a galera do colégio vamos para casa de praia da

tia Lucélia depois do jogo, mas eu já tinha falado isso para a senhora... —

disfarcei.

— Falou? Eu não me lembro... Mas se você vai com outras pessoas

e não sozinha com o Matheus, por mim tudo bem, só tenha juízo, Alana.

Juízo! — ela disse, colocando as mãos na cintura.

Vovó balançou a cabeça com um sorrisinho e eu rezei para a mamãe

não perceber.

— Mãe, eu já tenho muito juízo! Relaxe! — falei, dando um beijo

no seu rosto.

— Está bem, está bem. Mas vão logo escovar os dentes que eu vou

levar vocês duas para o colégio. — ela disse, apontando para mim e para

Luna.

— Vai? Mas por quê? — perguntei confusa, olhando para a Luna,

que deu de ombros.

— Por três motivos. Eu preciso falar com a diretora sobre as aulas

de reposição, vocês estão atrasadas e eu estou indo ver como ficou a


decoração da confeitaria! — ela anunciou, animada. Eu e a Luna nos

entreolhamos e começamos a falar ao mesmo tempo:

— Ai, meu Deus! Quero ver! Leva a gente com você!

— Por favor, tia, leva a gente junto, a gente pode ajudar com o que

faltar!

— Eu não acredito que ficou pronta tão rápido, ai meu Deus, mãe!

— Eu mal posso esperar para ver, aposto que o tom de rosa que eu
sugeri para as paredes está lindo!

— Nada disso! — Mamãe exclamou, calando-nos. — As mocinhas

vão para o colégio para estudar e passar em bons vestibulares no fim do


ano! — murchei na cadeira. Luana deu uma fungada de infelicidade. —

Mas vocês podem ir para lá depois da aula, a confeitaria não vai fugir nesse
meio tempo. — minha mãe acrescentou com um sorriso e nós duas

assentimos, novamente animadas.

Subi as escadas correndo para escovar os dentes e pouco tempo

depois, estávamos na porta do colégio. Sem o Matheus por lá, senti um


pouco de nervosismo e, por isso, entrelacei meu braço com o da Luna antes

de entrarmos.

Imediatamente comecei a escutar os burburinhos. Era impossível


não perceber as pessoas olhando para nós duas e fazendo comentários nada

discretos.
Eu odiava isso.

Baixei a cabeça e tentei ignorar, puxando Luna para irmos para as


salas de aula. Quando estávamos perto, Paloma, Mirela e mais algumas

meninas pararam na nossa frente, impedindo nosso caminho.

— Precisamos saber com quem que você vai ficar, Alana! Confesso

que estou torcendo para o Tadeu ganhar e ficar com você, assim o Math fica
comigo! A gente combina muito mais! Sabe, eu não sei por quanto tempo

você vai aguentar isso tudo, mas eu espero que seja por pouquíssimo tempo.
— Paloma disse, com um sorriso falso.

— Sai da minha frente, Paloma! — falei, tentando passar por ela,

mas ela me empurrou e eu pude sentir a Luana se encolher ao meu lado.

— Não vamos sair da sua frente. Você se julgava tão boa e agora

está brincando com dois caras, Alana! Eu esperava isso de qualquer uma,
mas da nerd da turma, não! Foi um choque para mim! — Mirela falou,

jogando o jornal em mim.

— D-deixa a gente passar, Mirela... — Luana disse e Paloma riu


maldosamente.

— Qual foi, resolveu criar coragem agora? Onde é que ela estava na

hora de fazer o serviço completo? — ela perguntou, apontando para os


pulsos enfaixados da minha amiga. Os olhos da Luana imediatamente se

encheram de lágrimas e ela baixou a cabeça.


— Cala a boca, deixa a Luna em paz! Você não sabe do que está
falando! — exclamei com raiva.

— Ih, ficou nervosinha? Assim até parece que você tem culpa no

cartório, viu... — Mirela disse, olhando para as próprias unhas, levemente


entediada.

— Não é estranho, Mi? — Paloma comentou com uma falsa

preocupação — Parece que todo mundo que chega perto da Alana sofre de
algum jeito. Primeiro aquela vagabunda bate as botas, depois essa aí tenta
seguir pelo mesmo caminho... Coitados dos meninos! Espero que pelo

menos um deles saia vivo dessa história.

— Você lava a sua boca para falar da Karen! Saiam da minha frente
agora, antes que eu arrebente a cara de vocês! — gritei, as pessoas estavam

começando a se reunir perto de nós, cochichando e apontando para mim.


Senti minha visão ficar turva de tanta raiva — Me deixem em paz, todos

vocês! — berrei para que todos que estavam ao redor pudessem escutar e,
ao me virar, encontrei minha mãe parada, observando tudo completamente

abismada.

— Vamos dispersar isso aqui! Agora! — uma das inspetoras


apareceu e as pessoas se afastaram, indo para as salas. Mirela e Paloma
foram as primeiras a sair de fininho, sem olhar duas vezes para nós.
Minha mãe veio até mim e eu me agarrei a ela. Estava a um fio de

desabar e, como sempre, ela foi minha fortaleza. Luna estava silenciosa ao
nosso lado e eu só percebi para onde estávamos indo quando chegamos na

porta da diretoria.
ALANA

— Bom dia, senhora Soares. Ao que devo a sua presença aqui pela
manhã? Aconteceu alguma coisa? — diretora Núbia perguntou assim que

minha mãe bateu na porta e abriu-a.

— Aconteceu sim. Alana e a Luana acabaram de ser verbalmente

atacadas por duas alunas no pátio. Eu acabei de presenciar a minha filha


sofrendo bullying e acredito que o colégio não permita esse tipo de

violência. — minha mãe disse com seriedade.

— Poderia me explicar exatamente o que aconteceu? — a diretora

perguntou, indicando a cadeira para minha mãe se sentar — Essa com


certeza não é uma atitude recorrente ou tolerável nessa instituição.

— Aquelas meninas... elas disseram coisas horríveis. Elas

insinuaram que minha filha tenha tido culpa no acidente com a Karen e

também na condição da Luana. Isso tudo parece ter sido motivado por

mentiras envolvendo dois rapazes e a Alana. — ela se virou para mim e

perguntou: — Poderia me dizer quem eram elas, Alana?

Apenas encarei meus próprios sapatos e permaneci calada, sentia-

me como se fosse desabar a qualquer momento.

— Foi a Paloma e a Mirela, tia Susana. — Luna respondeu por mim,

com a voz embargada.

Antes que a diretora Núbia pudesse dizer qualquer coisa, minha mãe

completou:

— Estou extremamente desapontada com esse colégio e espero que

isso não seja algo que aconteça sempre por aqui.

— Senhora Susana, essa não é uma atitude recorrente. Temos

inspetores nos pátios e corredores para evitar esse tipo de coisa, além de

uma política de zero tolerância com bullying. — ela disse calmamente.

— Pois eu duvido que essa tenha sido a primeira vez, a senhora já

viu a publicação do jornal hoje? Em vez de publicarem notícias ou fatos

importantes, estão manchando a imagem da minha filha como numa revista

de fofocas! — minha mãe disse mais nervosa, pegando o jornal que Mirela
tinha jogado em mim e o entregando bruscamente para a diretora — Eu sei

que a imprensa precisa ser livre, mas vocês não têm nenhuma regra para

publicações nesse jornal? Nenhuma supervisão de um professor? Eu

procuro sempre me manter a par de tudo o que acontece com a Alana. Eu

conheço a minha filha e sei que para ela perder o controle e gritar daquele

jeito é porque o que aconteceu não foi um fato isolado!

— Peço que se acalme, Susana. Eu entendo a sua preocupação. Eu


não tinha conhecimento da situação do jornal. Vou apurar tudo isso que está

me relatando e tomarei atitudes. — a diretora disse, levemente nervosa,

voltando-se para o computador e começando a digitar — Convocarei uma

reunião com os pais e alunos do terceiro ano, conversarei com os

professores para que alguém passe a supervisionar as atividades do jornal.

De imediato, é o que posso fazer, mas vou convocar os professores e

funcionários para criarmos novas políticas contra o bullying. Isso não pode

continuar assim.

— Eu espero mesmo, Núbia. Alana estuda aqui desde o ensino

fundamental e confesso que só deixei que ela continuasse aqui porque era
seu último ano. Minha filha perdeu a melhor amiga há pouco tempo e ela

não precisava voltar a um ambiente com tantas lembranças positivas para

sofrer esse tipo de coisa. Francamente, o jeito que estavam falando da

Karen... — minha mãe disse indignada.


— Entendo, a perda dela e do Alex foi dura para todos nós. Alana

— ela me chamou e eu levantei o rosto para ela. — Peço que venha até mim

caso algo dessa magnitude volte a acontecer, ok? Eu farei tudo no meu
poder para que isso não se repita.

Assenti fracamente e minha mãe falou:

— Muito bem. Se estamos acertadas, eu espero ouvir as atualizações

sobre esse caso.

A diretora disse novamente que iria tomar providências, então

minha mãe se despediu e, assim que saímos da sala, percebi que os

corredores estavam vazios.

— Estamos atrasadas... — Luana falou, ajeitando a alça de sua

mochila no ombro.

Assenti e permaneci calada, eu não estava muito afim de conversar,

pois sentia que iria desabar a qualquer momento. Não conseguia entender

esse ódio que elas tinham de mim. As mentiras que elas jogaram na minha

cara foram tão maldosas que reabriram feridas no meu peito. E o que mais

doía era que o colégio todo acreditava que eu estava jogando com o

Matheus e o Tadeu... Eu não devia me importar com o que eles pensavam,

mas eu não conseguia suportar a ideia de todos esses boatos.

— Acho que é melhor vocês não irem para aula, meninas. Vamos

para a confeitaria, vocês queriam me ajudar, não é? — minha mãe disse


tentando nos animar.

— Pode ser. — falei me aconchegando a ela. Luna também

concordou e fomos em silêncio para o estacionamento.

Quando entramos no carro, minha mãe virou para Luna e começou a

falar algo sobre marcar uma sessão de terapia de emergência para ela, mas

eu desliguei meu cérebro tentando esquecer tudo aquilo. Alguns instantes

depois, meu celular vibrou e eu o peguei, vendo que tinha recebido algumas

mensagens.

Sorri ao ler aquelas mensagens, como queria que ele estivesse

comigo.

— Mensagem do Matheus? — minha mãe me perguntou e eu

assenti. — Ele não estava no colégio hoje, né?


— Não. Ele foi fazer a avaliação obrigatória com a fisioterapeuta do

time de futebol. Ele está muito animado com o jogo de sábado.

Aparentemente alguns olheiros de times profissionais foram convidados. —

comentei.

— Hum, e como você se sente em relação a isso? — ela perguntou,

parando no semáforo.

— Em relação ao quê?

— Em relação a ele ir para o profissional. Você sabe que não temos

grandes times aqui, ele teria que ir para capital, talvez até para outro

estado... — ela disse, acelerando novamente.

— Talvez eu também vá para a capital, né? Isso é, se eu passar no

vestibular. Mas não sei, mãe, a gente só namora. Apesar de eu amá-lo, não

sei até quando isso vai durar. — falei, me encostando na janela.

— Não sabe o quanto isso vai durar? — ela perguntou, surpresa.

— Sim, mãe. O nosso namoro não pode interferir nos nossos planos

futuros.

— Achei que o amasse!

— E eu o amo! Tenho sentimentos por ele desde que nos

conhecemos, mas sei o que eu quero e o Matheus também. E nossos

caminhos não convergem.


— Não pensa em um namoro a distância, Lana? Talvez funcionasse

para vocês dois. — Luna sugeriu.

— Já pensei, mas não curto muito a ideia. Vai ser difícil, mas vamos

nos ajustar. — falei e nós sorrimos uma para a outra. Logo depois minha

mãe estacionou em frente a confeitaria.

Minha mãe tinha decidido o nome há alguns dias, mas queria me

fazer uma surpresa, então desci cheia de expectativas para descobrir.

As paredes de fora eram de um lilás bem clarinho, uma enorme

vidraça tomava boa parte da parede e bem ali na frente havia um canteiro
cheio de flores cor-de-rosa recém-plantadas. Lentamente, subi meu olhar
para o letreiro e senti meus olhos se encherem de lágrimas.

“Pedacinho de Amor”, li lentamente. Mas o que me emocionou foi

o logo: Um pedaço de bolo que me trazia muitas lembranças. Virei-me para


abraçar a minha mãe, derramando inúmeras lágrimas.

— Queria mantê-la com a gente nessa conquista tão importante. Eu

sei que ela estaria comemorando conosco como sempre esteve durante
todos esses anos. — ela falou, beijando minha testa.
ALANA

O bolo em questão era de baunilha com gotas de chocolate, o


favorito da Karen. Minha mãe o fazia em todos os aniversários dela e em

datas especiais que ela comemorava conosco. Ela amava aquele bolo de um

jeito único.

Como eu queria que ela estivesse aqui agora, como queria que
aquele acidente não tivesse passado de um pesadelo ruim.

Minha mãe me apertou em seus braços e depois limpou minhas

lágrimas, segurando minha mão. Ficamos ali por um tempo, admirando a


fachada da loja, então mamãe estendeu a outra mão para Luna e entramos

na confeitaria.

Imediatamente paralisei, ficando de queixo caído. Estava tudo

perfeito! Era exatamente do jeito que nós tínhamos sonhado por tantos

anos.

As paredes eram do rosa clarinho que havíamos escolhido há


algumas semanas, mas o que eu não esperava eram os docinhos desenhados

por elas, dando um aspecto fofo ao local.

Havia algumas mesas brancas espalhadas, cada uma enfeitada por

um vasinho de flores, e cabines com confortáveis sofás ficavam junto das

paredes.

Havia uma grande vitrine onde os bolos e doces ficariam expostos e,


atrás desta, um grande quadro de giz contendo o cardápio inicial, ladeado

por quadros com ilustrações em aquarela de algumas das especialidades de

mamãe.

Havia, também, um balcão de atendimento onde os cardápios

estavam empilhados ao lado de uma grande cafeteira. Por fim, em cantos

diferentes, pude ver caixas de som e plantinhas diversas.

— Tia, isso aqui está muito lindo, acho que a galera do colégio vai

amar! Vai virar o novo point, vai ser o maior sucesso! — Luna exclamou,

abraçando-a e eu não podia deixar de concordar.


— Também acho viu, mãe! Não tem como não amar seus doces, e

esse lugar está maravilhoso! — falei e ela sorriu para mim, emocionada.

Minha mãe nos levou para os fundos para nos mostrar a cozinha e

todos os equipamentos. Era uma parte mais técnica, e ela nos explicou para

o que cada coisa servia, mas eu não entendi boa parte. E pela expressão da

Luna, ela também estava se esforçando para acompanhar, mas mamãe

estava muito animada falando sobre estufas, fornos e batedeiras, então


apenas sorrimos e fingimos entender. Depois de nos mostrar até mesmo o

interior dos fornos, minha mãe sorriu, emocionada.

Fechamos o local e fomos para casa, no caminho eu virei para

minha mãe e disse:

— Estou tão orgulhosa de você! A confeitaria ficou tão linda, mãe!

— Obrigada, meu amor! Isso sempre foi um sonho para mim, eu

nunca achei que conseguiria. — ela falou, levemente emocionada.

— Mas conseguiu! Também estou muito orgulhosa de você, tia! —

Luana falou para ela do banco de trás.

— Quando eu comecei foi muito difícil. Conquistar clientes não é

fácil e eu comecei muito tarde, apesar de sempre ter me interessado por

tudo isso. O pai da Alana nunca me apoiou e eu abdiquei desse sonho por

um tempo, mas nunca desisti. — ela contou, com os olhos cheio de


lágrimas, mas sorrindo.
— Eu sei, e isso só me faz sentir mais orgulho de você. — falei,

acariciando seu braço.

— A Pedacinho de Amor vai ser um sucesso, tia! Vamos começar a


pensar nas músicas que irão tocar. — Luana disse animada, mexendo no

celular.

— Ih, deixa que eu monto essa playlist aí, Luna. As suas músicas

são emo demais. — brinquei, o que gerou uma exclamação de protesto

vinda da Luana, fazendo nós três rirmos em seguida.

Depois que chegamos em casa, minha mãe foi fazer o almoço,

Luana resolveu fazer companhia à minha avó, já que ela não tinha terapia, e

eu fui para o meu quarto.

Me joguei na cama, coloquei os meus fones e escolhi uma playlist

aleatória. Eu estava tão feliz pela minha mãe! Ela sofreu muito nos últimos

anos de casamento com o meu pai, e vê-la conquistando aquilo que sonhava

só me fazia desejar que a Karen estivesse conosco para comemorar

também.

Acabei cochilando e só acordei quando senti um peso afundar o

colchão. Abri os olhos e encontrei um Matheus muito suado do meu lado.

— Garoto, que nojo! Não podia ter tomado um banho antes de vir,

não? — perguntei, tirando os fones e passando a mão nos meus olhos.


— Qual foi, linda! Vim correndo te ver e você me trata assim? —

ele respondeu sorrindo, mostrando suas covinhas.

— Cara, você podia ao menos ter passado um desodorante! Quem te

deixou subir? — questionei, me sentando, mas ele segurou minha cintura,

puxando para mais perto dele, deixando-nos frente a frente.

— Sabe que sua mãe me ama, né? Mas não foi ela que me deixou

subir não, vim correndo do colégio para cá, pulei a sacada e vim para o seu

quarto. — ele explicou como se fosse a coisa mais normal do mundo.

— Você está é louco! Se minha mãe te pega aqui, vamos os dois

escutar, Matheus! — repliquei, tentando me desvencilhar.

— Vamos nada! Eu só queria ficar com você. Fiquei muito mal pelo

que te fizeram no colégio. A diretora marcou uma reunião de pais e mestres


para quinta, minha mãe me ligou e tudo. — ele disse, bem sério.

— Também queria que estivesse comigo. Toda essa situação passou

do limite. Minha mãe ficou furiosa e com razão, elas me disseram coisas

horríveis e ainda enfiaram a Luna no meio da história. — falei, sentindo

uma enorme tristeza ao lembrar como ela tinha se encolhido ao meu lado.

Luana ainda estava muito frágil.

— Aquelas garotas passam do limite mesmo. Foi tudo por causa do

jornal, no fim das contas. Muito me admira o jornal do colégio publicar

aquilo.
— Eles querem visualizações. — reclamei — Você viu a quantidade

de likes que o post da sua briguinha rendeu. No fim, não é jornalismo, é

uma grande rede de fofocas. Andaram assistindo muito Gossip Girl.

— Desculpa por te por numa situação dessas, amor. Essas meninas

estão te atacando porque não conseguem aceitar nosso namoro... — ele

disse, cabisbaixo.

— Não se sinta culpado, lindo. Isso não é culpa sua, elas que não

têm nada melhor para fazer na vida e se sentem bem maltratando os outros.

Não é novidade, elas fazem isso desde que entrei no colégio. Karen sempre

foi o meu escudo, ligando o foda-se para tudo o que diziam. As coisas que
elas disseram dela... foi horrível, Math. Ela não está mais aqui para se

defender, nem a mim, e eu preciso aprender a lidar com tudo isso sozinha.

— falei, acariciando seus cabelos.

— Não precisa não, você tem a mim, sempre. — ele respondeu,

enlaçando nossos dedos e acariciando a palma da minha mão com o polegar

— Acredita que sonhei com o Alex essa noite?

— Sério? — indaguei e ele confirmou com a cabeça.

— Na verdade foi mais uma lembrança. Estávamos jogando bola no

quintal dos meus avós e ele me dizia para aprender a perder, rindo da minha

cara e me falando que nem sempre se ganhava. — ele disse, com um sorriso

triste.
— Bem, ele não estava errado, né? — refleti, encostando meu rosto

no ombro dele, depositando um beijo ali. Ele ficou em silêncio por um

tempo, então me envolveu com os braços.

— Sinto falta dele. Tanta falta que às vezes me sufoca, não sei como

conseguirei entrar no campo sábado para jogar sem ele. — ele finalmente

disse com a voz embargada.

— Meu amor, ele vai estar lá com você. Tenha certeza disso. E eu

também vou. — assegurei-o, tentando soar confiante e segurando minhas


próprias lágrimas.
ALANA

Enquanto eu sussurrava palavras de conforto, a respiração do


Matheus começou a normalizar e ele se acalmou. Ficamos mais um tempo

abraçados, em silêncio, mas então escutei minha mãe gritar, do andar de

baixo:

— Alana, filha! O almoço já está pronto!

— Já vou! — gritei de volta — Amor, quer descer e almoçar com a

gente?

— Pode ser, mas não vai pegar bem eu descer aqui, sua mãe vai

descobrir que ando pulando a sacada. — ele disse com uma fungada, um
pouco mais descontraído.

— Verdade, acho melhor você entrar pela porta da frente. Vou dizer

a mamãe que te convidei para o almoço. — falei, me levantando.

— Certo! — ele levantou também, beijando-me brevemente e disse:

— Te vejo daqui a pouco!

Sorri e abri a porta do quarto, descendo as escadas.

— Mãe! — falei assim que cheguei na cozinha e a encontrei


separando os pratos. Fui até ela e os peguei na mão — Convidei o Math

para almoçar conosco, tudo bem?

Ela riu, concordando.

— Aqui sempre tem comida para mais um, ou dois, ou cinco.

Matheus foi bem nos exames?

— Foi sim, deu tudo certo. Ele já deve estar chegando. — disse,

levando os pratos e talheres até a sala de jantar, colocando-os nos lugares.

Logo Luna apareceu conversando animadamente com a vovó, e

minha mãe trouxe a comida para a mesa. Todas nos sentamos e vovó

começou a servir Luana, que estava conseguindo comer melhor nos últimos

dias.

Fiquei olhando a porta, esperando o momento que o Matheus

decidiria tocar a campainha. Passaram-se alguns minutos e nada.

— Ah, esqueci a salada! — Minha mãe exclamou.


— Eu pego! — prontifiquei-me. Voltei para a sala no exato

momento que a porta abriu e Matheus e Brian entraram.

Será que o Brian tinha visto o Math pular da sacada? Engoli em

seco, mas fingi que estava tudo bem. Disfarçadamente comecei a colocar

salada no meu prato, enquanto o Matheus sentava ao meu lado sem dizer

uma palavra.

— Boa tarde para vocês! — Brian disse animadamente, sem olhar

diretamente para mim. Minha família respondeu, mas Matheus continuava


calado ao meu lado.

— Aconteceu alguma coisa? — perguntei baixinho.

— Seu padrasto me viu pulando a sacada! — ele respondeu em um

sussurro. Eu ergui os olhos para o Brian, que se antes me ignorara, agora

me encarava.

— Ele brigou com você? Por isso você está com essa cara?

— Digamos que levei um enorme sermão na porta. O cara sabe

falar, viu? Ele chega a ser pior que o treinador em dia de jogo. Mas jurei

que foi a primeira e última vez e agora já estamos resolvidos. — ele disse,

servindo-se de um pouco de salada.

— Será que ele vai falar com minha mãe? — sussurrei, esticando o

braço para pegar comida. Vendo minha mãe me encarar com uma expressão

engraçada, provavelmente percebendo nossos sussurros.


— Acho que não. Se ele falar, você confirma, primeira e última vez.

Concordei discretamente e virei-me para Luna, elogiando o

progresso dela e engatando em uma conversa sobre nossas recuperações. O


almoço na nossa casa era sempre muito animado, com várias conversas

acontecendo ao mesmo tempo e com muita risada, e logo estávamos em

nosso estado natural.

— Matheus, como foram os exames? Tudo certo para o jogo? —

minha mãe perguntou.

— Sim, foi tudo bem, tanto para mim, quando para o Albert e o

Nicolas. Estamos liberados para jogar. — Math disse com um grande

sorriso orgulhoso.

— Alana me contou que vocês irão para casa da Lucélia no sábado.

— mamãe comentou.

— É, combinamos de comemorar a vitória do jogo lá.

— Vejo que confiança vocês já têm! Isso é importante. Algum

adulto vai acompanhar vocês? — Brian perguntou, erguendo as

sobrancelhas.

— Não sei se teria necessidade, a maioria das pessoas que vão já são

maiores de idade. — ele respondeu.

— O que acha, querida? Poderíamos acompanhá-los e nos

divertirmos um pouco, acho que seria bom para você relaxar um pouco. —
Brian disse para minha mãe. Senti meus ombros ficarem tensos e olhei para

a mamãe de olhos arregalados.

— Seria muito bom, meu bem. Há muito tempo não vou na casa da

Lucélia. E lá é bem espaçoso, se nos organizarmos bem, cabe todo mundo.

— minha mãe respondeu animada e, pela expressão, já fazendo planos

detalhados.

— Você só pode estar brincando! — levantei bruscamente e todos os

olhares se voltaram para mim. Ignorei e continuei olhando para a minha

mãe — Pelo amor de Deus! Vocês não vão! Eu estou planejando isso há

dias e não vai ser a mesma coisa com vocês lá!

— Não iremos atrapalhar, só queremos curtir um pouco, filha. —

minha mãe respondeu com a maior naturalidade e sem nem ao menos se

deixar abalar com minha pequena explosão.

— Se ajeitem para ir em outro fim de semana, estou falando sério.

Aprendam a confiar em mim, em nós! — apontei para o Math, incluindo-o

no meu discurso — Nós já somos praticamente adultos. Só queremos nos

divertir um pouco antes dos cursinhos e dos vestibulares, não estraguem

isso. — falei sentando novamente e cruzando os braços.

— Relaxa, Alana! Eu e a sua mãe estávamos apenas brincando com

você. — Brian disse em tom brincalhão, surpreendendo-me. Minha mãe

começou a rir e eu me senti um pouco traída, mas o Matheus pegou na


minha mão por debaixo da mesa e eu senti a tensão se dissipar. — Eu estou

mesmo planejando levar sua mãe para algum lugar nesse fim de semana. —

Brian continuou — E nós confiamos em vocês dois, ainda mais depois da

conversa que tive com o Matheus, certo? — ele perguntou, olhando

diretamente para o Math.

— Sim, tudo certo. Iremos curtir, mas com todo o respeito, senhor.

— ele respondeu com bastante seriedade.

Por mais que tenha tudo sido uma brincadeira, eu ainda estava um

pouco alterada. Eu sabia que estava errada, mas a verdade é que eu estava

bastante ansiosa para sábado, e a possibilidade de tudo dar errado mexeu


comigo.

Todos voltaram a conversar e comer normalmente, mas eu estava

sem fome. Quando a mamãe serviu a sobremesa, senti meu estômago

embrulhar como não fazia há semanas. Olhei de relance para Luna, que

estava com uma aparência nervosa, ainda era difícil para ela e eu às vezes

esquecia que precisava servir de exemplo, então me servi de uma pequena

porção e comecei a comer, ainda que sem vontade. Ao me ver comendo, ela

timidamente ergueu o braço para se servir também.

Ao terminarmos, comecei a recolher os pratos, mas minha mãe disse

para que eu deixasse, então o Math, a Luana e eu sentamos na sala de estar.


— Ainda vai sair com o Nicolas hoje? — perguntei para Luna,

jogando-me no colo do Matheus.

— Sim. Ele vai me buscar na terapia e vamos ao cinema. — ela

falou tímida, olhando para as próprias cutículas.

— Vai dar tudo certo! Qualquer coisa você me liga, ok? Eu sei que o

Nicolas vai se esforçar para que seja bem legal, mas caso você não se sinta

bem fora de casa... — disse, levemente preocupada.

— Ei, não me excluam. Pode me ligar também, Luana. Qualquer

coisa eu vou te buscar. — Matheus acrescentou.

Ela sorriu e concordou com a cabeça. Sorri de volta, sentindo meu

coração aquecer um pouco. Ela estava progredindo cada dia mais, agora que
tinha uma rede de apoio e motivos para querer melhorar.

Assistimos a um pouco de TV por um tempo, mas logo Luana se

levantou, dizendo que ia se arrumar para a terapia. Matheus parou o carinho


que estava fazendo no meu cabelo para erguer o punho para ela. Eles

fizeram um toque com as mãos e então ela nos deixou a sós.

— Está mesmo mais relaxado em relação ao jogo? — perguntei,

acariciando a perna dele e ele suspirou longamente.

— Estou tentando ficar. Estou falando na vitória para todo mundo,


mas na real eu estou um pouco nervoso. É o primeiro jogo do campeonato e

o técnico me falou que têm uns olheiros que confirmaram presença, é difícil
ficar calmo. Mas eu sou o capitão, preciso passar confiança para os caras.
— ele respondeu.

A braçadeira fazia com que ele tivesse um forte senso de

responsabilidade, mas também gerava bastante pressão.

— Fica tranquilo, meu amor. Você treinou para isso e é um líder

nato. Eu tenho certeza que os olheiros vão notar todo o seu talento e
dedicação.

— Espero que sim, porque esse é todo o meu futuro. — ele falou,

pegando na minha mão.

— Dá um nervoso, né? Eu estou sentindo a mesma coisa. Vou me


inscrever para os vestibulares na semana que vem e alguns são em outro
estado, mesmo minha mãe querendo que eu não saia daqui. — comentei.

Ele ficou em silêncio por um tempo, pensativo. Então, apertou a

minha mão e disse:

— Até que eu a entendo. Para mim não tem coisa pior que viver
longe de você, linda. — ele declarou, puxando-me para um beijo carinhoso

e repleto de paixão.
ALANA

Depois que eu e o Matheus chegamos na lanchonete, não demorou

muito para que Albert, Joaquim e Tamires aparecessem.

Estávamos esperando apenas o Nicolas e a Luna chegarem para


fazer os pedidos e quando eles apareceram de mãos dadas, eu fiquei

surpresa, mas muito feliz pelas coisas estarem dando certo.

Assim que eles se sentaram à mesa, eu falei:

— Então, tudo pronto para o fim de semana? O jogo dos meninos

será sexta à tarde e chegaremos na casa de praia antes de anoitecer para


comemorarmos ainda sexta.
— E quem disse que vamos ganhar?

— Eu tenho certeza que vão! É só o começo da temporada, tenho

certeza que vocês vão arrasar! — exclamei, fazendo um toque de mãos com

Albert.

— Beleza, o tigre vai comer um porquinho, mas chega de falar do

jogo. Como é a casa da sua tia? Vai ter lugar para todo mundo? — Tami
perguntou, tomando seu açaí.

— Então! Tem uns três quartos só, mas os cômodos são enormes.

Vai dar para dormir uma boa quantidade em cada canto se dividirmos

direitinho. Mas precisamos levar nossos próprios suprimentos, então temos

que ver quem vai levar o quê.

— Acho que os meninos poderiam levar as bebidas e as meninas os


lanches! Não vamos ficar muito tempo lá, vai ser a fogueira à noite, o café

da manhã e almoço do dia seguinte. — o Matheus sugeriu e todos

pareceram pensar um pouco.

— É, pode ser. Vamos ser umas vinte pessoas no total, né? Alguns

caras do time e algumas meninas. Vai ser perfeito!

Passamos a tarde fazendo planos e organizando a nossa

comemoração pós jogo. Rimos muito com a imitação que o Joca fez do

jeito de falar da Mirela e falamos sobre o filme que a Luna e o Nicolas

tinham visto. Quando finalmente resolvemos ir embora, os donos da


lanchonete pareceram felizes de se verem livres daquele grupo barulhento

de adolescentes, o que nos fez rir ainda mais.

O momento mais fofo da noite foi ver o Nicolas se despedindo da

Luna com um selinho. Ela ficou muito vermelha e ele foi todo carinhoso

com ela. Amei vê-los juntos, pois era visível o quanto eles se gostavam.

— Para de encarar, sua doidinha! — Math sussurrou no meu ouvido,

me abraçando enquanto me arrastava para o carro.

Entramos e, um pouco depois, Luna entrou também, bastante

envergonhada. Abri a boca para fazer um comentário, mas Matheus fez um


sinal de silêncio para mim.

— Luna, vou deixar você escolher a música hoje. — ele disse,

provavelmente apenas para me impedir de pedir detalhes para Luana e

deixá-la ainda mais constrangida.

— Você e o Nicolas interessados nas músicas que eu gosto... Bem,

não é todo dia que algo assim acontece. — ela falou, mas escolheu uma

banda bastante animada para os padrões dela.

Quando finalmente chegamos em casa, Luna se despediu do Math e

saiu do carro, deixando-me sozinha com ele.

— Tenta não matar a garota de vergonha! — ele pediu, beijando-me

carinhosamente. Despedi-me do Math e entrei em casa.


Falei rapidamente com minha mãe e subi, jogando-me na cama.

Enquanto Luna estava no banheiro, montei uma lista de tudo o que as

meninas precisariam levar, fiz um grupo, adicionei todas que iriam e sugeri
que fôssemos ao supermercado depois da aula, na terça-feira. Quando

Luana finalmente saiu do banho, sorri para ela e disse:

— Senta aqui. Eu quero saber tudo!

Durante os dias que se antecederam ao jogo, não havia outro assunto

no colégio. Era o primeiro jogo da temporada e todos estavam muito

animados, afinal, era o último ano de muitos garotos ali. Além da emoção e

ansiedade pelo jogo, a inauguração da Pedacinho de Amor no dia anterior

tinha sido um sucesso e minha mãe não poderia estar mais feliz, e eu, mais
orgulhosa.

Na quarta-feira, juntei-me ao Joca na arquibancada e fiquei

observando o Matheus treinar. Nós não nos víamos direito há dias, já que

ele estava focado e precisava se manter assim até o dia do jogo. Apesar de

apoiá-lo, eu sentia muita falta do meu amorzinho.

— Alô! Terra chamando Alana! — Joaquim, disse estalando os

dedos em minha frente.


— Desculpa! O que foi?

— Percebi que você estava ocupada, observando seu macho sem

camisa, mas eu queria saber se está preparada para nosso fim de semana. —

ele falou, olhando para mim com um sorriso sugestivo que eu não

compreendi.

— Claro que sim! Eu que estou organizando tudo. Ontem eu fui

com as meninas ao mercado e você não tem ideia do quão exaustivo é sair

para fazer compras com várias meninas, sendo que cada uma tem um gosto.

Pegamos tanta comida que vai dar para um batalhão.

— Não estou falando disso. Você e o Math não vão dormir juntos lá

na casa da tua tia? — ele perguntou, erguendo as sobrancelhas.

— Dormir junto não é um problema, nós já fizemos isso na minha


casa. — respondi confusa.

— Não estou falando em dormir, dormir, Alana! Estou falando em...

— ele ia completar, mas eu finalmente entendi.

— Ai, meu Deus, Joca! Eu-eu, ainda não sei, v-vou deixar

acontecer... — gaguejei, sentindo meu rosto corar.

— É o melhor que você faz. Não tem nada pior que fazer as coisas e

se arrepender depois, vai por mim. — ele disse, torcendo o nariz — Só

transe com ele se estiver mesmo a fim. — ele completou e eu tapei a boca

dele.
— Você está louco? Como pode falar isso alto? Quer que todo o

colégio saiba?

— Opa, foi sem querer! — ele se desculpou, rindo.

Eu pigarreei, desconfortável, e tentei mudar de assunto:

— Vocês já compraram as bebidas?

— Amiga, você não faz ideia de como esses atletas bebem, viu? O

estoque já está lá na casa do Matheus, mas é possível que algumas pessoas

entrem em coma alcóolico nesse fim de semana. — ele respondeu,

balançando a cabeça negativamente.

— Ai, meu Deus! Eu espero que todo mundo seja responsável. Isso

é a última coisa que precisamos que aconteça. Vou pedir para a minha mãe

preparar alguns doces para o caso de precisarmos de glicose emergencial.

— Boa ideia, mas não te preocupe. O rolê só vale a pena caso a


gente não lembre de nada no outro dia. — Joca declarou e eu concordei.

Na quinta-feira à noite, ajudei minha mãe a terminar os bolos de

pote que ela fez para comemorarmos a vitória dos meninos, dei boa noite

para minha avó e subi para arrumar minha mochila. Quando coloquei as

últimas roupas, meu celular vibrou com uma mensagem.


Nem pensei em responder e desci as escadas correndo, passando

pela mamãe sem dar explicações e ignorando quando ela perguntou onde eu

estava indo. Abri a porta e encontrei o meu namorado encostado na moto

dele do jeito irresistível de sempre.

Assim me que viu, ele abriu os braços e eu pulei nele, enroscando


minhas pernas em sua cintura, beijando-o apaixonadamente.

Ele riu, mas retribuiu o beijo, me levando até o muro baixo da

minha casa e ficando entre as minhas pernas.

— Estava morrendo de saudades de você! Ansioso para amanhã?

— Estou um pouco nervoso, não vou mentir, mas também estou

bem confiante. Eu vou jogar para valer mesmo. — ele disse, beijando a
minha testa delicadamente.

— Vai dar tudo certo! Você treinou muito e vai arrasar.

— Espero que sim. — ele disse, mas ainda estava com a expressão
bastante séria — Sabe, conhecemos um olheiro ontem. Ele é amigo do

treinador Andrade e vai nos acompanhar no campeonato.

— Uau. Mas isso é muito bom, não é? Por que você está com essa
cara?
— É bom sim, mas não quero nutrir esperanças nem criar
expectativas. Vai ser complicado caso não dê em nada. — ele respondeu.

— É... Mas e se der? O próprio treinador vive falando que você tem

talento, e até eu, que estou só começando a entender de futebol, sei que
você é bom. E não estou falando isso só porque você é meu namorado. —

falei e finalmente ele deu um sorrisinho.

— Já pensou se esse cara me escolhe? Eu vou direto para o

profissional.

— Isso seria incrível, meu amor! — dei-lhe um selinho e o abracei,


fazendo cafuné em seus cabelos.

— Seria mesmo. Mas eu vou manter meus pés no chão. Primeiro eu


preciso focar no jogo de amanhã, e depois têm as provas. A diretora te

avisou das provas finais das aulas extras?

— Avisou. Quinta que vem, né? Podemos estudar juntos durante a


semana, mas não acho que serão tão difíceis.

— Também acho que não. No fim das contas, estamos estudando

coisas bem mais complicadas nas aulas normais mesmo. Eu só estou feliz
de não ter mais que ir para as aulas extras, porque a minha mãe resolveu

que está na hora de eu começar o pré-vestibular.

— Ah, é? Eu também vou começar, mas achei que você não fosse
fazer. — comentei, levemente surpresa.
— É, eu não ia, mas minha mãe não quer que eu me iluda com o
futebol e tenha uma segunda opção no futuro. — ele explicou.

— Ela está certa. O mundo da bola é muito imprevisível. Você já

pensou em qual curso vai fazer como segunda opção?

— Ainda não. Educação Física, talvez? Eu acho que ia gostar de ser


treinador ou talvez eu abra minha própria escolinha de futebol. Não sei, na

verdade. — ele respondeu, bastante pensativo. Acho que ele não tinha
considerado essa segunda opção muito a fundo.

— Tudo bem, amor, você não precisa saber agora. Vamos viver um
dia de cada vez, né?

— É, até porque os próximos meses serão caóticos.

— Por causa do pré-vestibular?

— Não só por causa dele. Vamos viajar muito durante os jogos,


principalmente nos fins de semana. Ou seja, só teremos algum tempinho

juntos no colégio. — ele me apertou mais em seus braços e eu lamentei


também.

Odiava essa distância que se instalava entre a gente, mas não havia

nada o que eu poderia fazer contra ela. Matheus e eu teríamos que trilhar os
nossos próprios caminhos algum dia, e eu não sabia se faríamos isso juntos.
ALANA

Finalmente o dia do jogo tinha chegado. Mesmo já tendo visto o


Matheus jogar inúmeras vezes, dessa vez era diferente. Eu não estava

conseguindo parar de pensar no jogo e na comemoração que faríamos na

praia.

Estava determinada a torná-la especial, tinha organizado tudo com


as meninas e as coisas que levaríamos já estavam prontas e organizadas

dentro dos carros. Sairíamos depois do jogo, nos dividiríamos em quatro

carros e partiríamos em segurança para uma noite que prometia ser


inesquecível.
Estava me arrumando quando minha mãe entrou no quarto, já

pronta.

— Vocês também vão ver o jogo?

— Brian não vai. Ele tem que ficar na delegacia hoje, mas eu vou

ficar com a Lúcia, fazer companhia a ela na arquibancada. — ela

respondeu.

— Ah, que bom! Tia Lu vai precisar de apoio, ela estava meio triste
nesses últimos dias. — mencionei, passando o delineador.

— É o primeiro jogo oficial sem o Alex, né? Nem consigo imaginar

como aqueles dois devem estar se sentindo.

— É. O Matheus estava tentando se mostrar confiante, mas eu sei

que isso estava na mente dele. Tentei confortá-lo essa semana, mas nos
vimos tão pouco... — lamentei, mexendo nos meus batons, tentando decidir

qual eu usaria.

— Por quê? Não estão conseguindo se ver no colégio? — minha

mãe perguntou, levantando-se e tirou a caixa de maquiagens das minhas

mãos, escolhendo um batom rosa e um gloss.

— Muito pouco. — respondi, abrindo o tubo e aplicando. Quando

terminei, continuei: — Nas aulas não dá para namorar, mãe. É ano de

vestibular, precisamos focar nos nossos objetivos. Ele tem treinado muito e

está fazendo academia. Daqui duas semanas nós vamos começar o cursinho,
ele de noite, eu de tarde, vai ficar cada vez mais difícil nos vermos. —

comentei, meio triste.

— Mas vocês não conseguem se ver no fim de semana?

— Às vezes sim. Estamos tentando, mas logo ele começa a viajar

para os jogos. É difícil, mãe, eu estou me sentindo um pouco solitária. E

para ajudar, a Luna foi embora essa semana. — choraminguei um pouco.

— Eu sei, meu amor, eu também já estou com saudade dela. Mas ela

não podia morar aqui para sempre, né?

— Pelo menos a Luna vai fazer cursinho comigo. E é o melhor, né?


A tia dela se mudou de São Paulo só para ficar com ela. A mulher ficou tão

preocupada que não cansa de me agradecer toda vez que me vê.

— A Mira gosta mesmo da Luana. Ela me disse que estava bastante

afastada do irmão, por isso não sabia de tudo que estava acontecendo.

Ainda bem que a Luna ligou para ela, porque senão ela nem ia ficar

sabendo.

— Pois é. Esses pais da Luna são complicados. — falei, enquanto

prendia meus cabelos em um rabo de cavalo e observava minha aparência.

Eu estava bonita. Tinha pintado as pontas do meu cabelo

novamente, pois elas já estavam desbotando, e estava usando minha camisa

do time, que tinha um logo bem grande de um tigre, com as cores branco e
azul. Nas minhas costas, o número 10 estava estampado. O número do

Matheus.

Ajeitei meu short, amarrei os cadarços do tênis e terminei de


conferir a minha mochila. Fiz isso tudo enquanto minha mãe me observava.

Sem que eu esperasse, ela me abraçou e beijou minha testa.

— Espero que sua noite seja como sempre sonhou. É meio estranho

na primeira vez, mas depois passa e começa a ficar bom. — ela disse e meu

rosto corou.

— Mãe!

— Não, filha, deixa eu falar. Eu só posso falar isso uma vez na vida.

Não quero que se sinta obrigada ou pressionada a fazer nada. Faça só se

você quiser e se sentir à vontade, ok? E se proteja! — ela me aconselhou,

alisando meus cabelos.

— Pode deixar, mãe. Eu sei de tudo isso... é só... vamos mudar de

assunto, ok? Mas obrigada pelos conselhos, eu te amo.

— Me ama tanto que vai para longe de mim! — ela choramingou,

me apertando em seus braços de novo.

— Não exagera! Eu volto amanhã! — respondi, mas o olhar dela me

indicou que não era sobre a praia que ela estava falando.

Fomos juntas para o jogo e, quando chegamos, deixei-a com a tia

Lúcia, que me cumprimentou animadamente. Do outro lado da


arquibancada, Joaquim, Tami e Luana acenaram para mim, então fui ficar

junto com eles.

— Nossa, Lana, está gata, hein! — Joca disse assim que me

aproximei.

— Imagina, vesti a primeira coisa que vi pela frente. — brinquei e

todos riram. Sentei ao lado da Luana, que sorriu nervosamente para mim.

Era o primeiro jogo do Nico que ela iria assistir e ela estava bastante

ansiosa. Eu achava muito fofa a relação deles dois, era o primeiro

relacionamento sério de ambos, e vê-los descobrindo pouco a pouco as

peculiaridades de cada um era bastante gratificante.

— Mas e aí, gente, preparados para a praia?

— Eu não vejo a hora de colocar os pés no mar, estou precisando

dar uma boa lavada na alma. — Tami comentou com um biquinho — Essa
noite eu até sonhei que estava fazendo prova de matemática, Deus me livre!

— ela falou, fazendo-nos rir novamente.

— Eu também vou gostar de dar uma relaxada, eu só queria que o...

— Joca começou a falar, mas então uma música começou a tocar e o

anúncio de que os times entrariam em campo foi dado.

Levantamos para torcer, gritando e comemorando. Matheus vinha na

frente dos outros garotos, vestindo o uniforme com orgulho e uma

expressão séria de concentração e determinação.


O hino começou, todos nós nos levantamos para cantar. Meus olhos

não saíam do meu namorado e, quando o hino terminou, ele olhou em

minha direção e sorriu.

Sorri de volta, tentando passar toda confiança e amor que eu tinha

por ele. Soprei um beijo para dar boa sorte, e ele fingiu pegar com a mão,

levando-a até o coração.

Tudo ia certo. Tinha que dar certo.


ALANA

— Vocês estão entendendo alguma coisa? — Joaquim perguntou,


nos entreolhamos e demos de ombros.

— Não muito. Math até tentou me explicar e eu sei as coisas

básicas, tipo em qual posição cada um joga. Eu consigo ver que tem jogadas

orquestradas aí, mas não sei exatamente o que está acontecendo. Sei lá, as
explicações do Math são empolgadas demais, eu me perco um pouco

porque acho o entusiasmo dele a coisa mais fofa do mundo. — respondi

sorrindo, lembrando de como os olhos dele brilhavam quando estava


animado.
— Nicolas também tentou, mas eu achei tudo muito confuso. E a

boca dele é tão linda se mexendo que eu não me aguento. — Luana revelou,

ficando vermelha e nos fazendo rir.

— Quem te viu, quem te vê, hein, dona Luana? — Joca brincou com

ela e a Tami reclamou:

— Poxa, gente! Faz silêncio! O Matheus quase marcou um gol e


vocês nem viram!

— Sério? Ah, não, eu vou ouvir muito por ter perdido esse lance,

mesmo sem entender direito. — falei, tentando prestar atenção. O outro

time estava com a bola e o Matheus estava tentando recuperá-la, enquanto

os outros garotos se posicionavam para recebê-la.

O primeiro tempo não teve nenhum gol, mas teve um cartão amarelo
a favor do outro time quando a bola bateu no braço do Nicolas e uma

pequena confusão se formou. Quando o árbitro apitou, os garotos pararam e

foram para o vestiário com caras não muito boas. Percebi pela expressão do

Matheus que ele estava tentando animar o time.

Luana e eu resolvemos aproveitar o intervalo para irmos comprar

pipoca para combater a ansiedade que começava a apertar. Estava

começando a ficar angustiada com o jogo, porque sabia que o Math

precisava ir bem, tinha alguém nessa arquibancada que estava de olho nele.
Queria que o Matheus tivesse todo o sucesso do mundo, fosse perto

ou longe de mim. Não queria pensar muito na possibilidade de termos que

ter um relacionamento à distância, mas eu sabia que ela existia e estava

cada dia mais próxima de se tornar realidade. Afinal, eu o amava, mas não

concordava com a ideia de ficarmos presos um ao outro, infelizes e

frustrados. Nossas carreiras eram muito importantes e eu temia que a nossa


felicidade fosse longe um do outro.

Mas não era hora de pensar nisso. “Um dia de cada vez”, repeti

mentalmente.

Voltamos para nossos lugares na arquibancada, distribuindo os

saquinhos de pipoca. Logo que nos acomodamos, os times voltaram ao

campo, tomando suas posições, e o apito soou, iniciando o segundo tempo.

Imediatamente percebi que o nosso time estava mais rápido e mais focado.

Os adversários mal chegavam perto da bola, a sintonia dos meninos estava

incrível e, depois de alguns passes, o Matheus fez o primeiro gol.

As arquibancadas explodiram com gritos e comemorações.

O Math correu para o nosso lado da arquibancada, ajoelhando e

apontando para o céu, logo em seguida olhando na minha direção. Sorri e

senti meus olhos encherem de lágrimas, porque sabia bem o que isso
significava.

Ele estava dedicando o gol para eles.


Os garotos vieram abraçá-lo, celebrando, mas logo o jogo reiniciou.

O outro time pareceu mais focado, também, roubando a bola e fazendo

lances perigosos que a Tami explicou por cima, e ela também falou que a
posse da bola estava mais com os nossos meninos. O jogo seguiu com

algumas faltas cobradas e muitas defesas de ambos os lados, mas os ataques

dos adversários finalmente surtiram efeito, empatando o jogo e fazendo

meu estômago despencar.

— Estava impedido! — ouvi a Tami berrar, xingando o juiz — Você

está cego, meu filho?

— Tamires, pelo amor de Deus, eu quero sair vivo daqui hoje. —

Joca falou, apontando para algumas garotas da torcida adversária que

olhavam feio para nós.

Porém, nós não precisávamos ter nos preocupado, porque o Albert


marcou logo depois, fazendo uma dancinha para comemorar.

— Eles estão segurando o outro time, mas está meio perigoso. —

Tami explicou — Faltam dez minutos para acabar, mais os acréscimos, é

bem capaz de eles furarem a nossa defesa e empatar. Eu ainda acho que

aquele último gol devia ser anulado, mas paciência. — ela concluiu,

emburrada.

Juntei as mãos em oração, torcendo para que desse tudo certo para o

nosso time, e acho que surtiu efeito, porque em um contra-ataque montado


pelo Nicolas e pelo Jonathas, a bola foi passada para o Matheus, que

marcou.

Dessa vez, ele fez um coração na minha direção e eu senti as minhas

bochechas corarem. Não demorou muito para o árbitro soar o apito final e a

partida se encerrar com 3x1.

Os meninos comemoraram enquanto as arquibancadas tremiam.

Pulando de felicidade, abracei a Luana, e juntas acenamos para nossos

respectivos namorados.

— Vamos indo? Os caras já estão voltando para o vestiário. —

Joaquim avisou, então fomos até os carros esperar os meninos do time.

Depois de meia hora eles apareceram de cabelos molhados e com um

enorme sorriso no rosto. Matheus me abraçou, erguendo-me em seus braços

e me beijou apaixonadamente.

— Que saudades de ter você aqui pertinho de mim! — ele disse, me

beijando mais uma vez.

— Também estava morrendo de saudade, não aguento ficar tanto

tempo longe. — falei e ele selou nossos lábios mais uma vez.

— Pronto, chega de namorar, vamos! A praia nos espera! — Joca

gritou e nós nos separamos, entrando no carro.

O caminho foi um pouco longo, mas foi bem tranquilo, sem

qualquer imprevisto.
Assim que todos viram a casa da minha tia, ficaram de boca aberta,

exatamente como eu quando vi pela primeira vez. O lugar era incrível, toda

de madeira com janelas e portas de vidro, por causa da maresia, ainda

contava com uma extensa área verde, piscina e um deck que tinha uma vista

maravilhosa para o mar.

Depois de abrir toda a casa e acomodar algumas pessoas, eu corri

para fechar o quarto que eu e o Matheus ficaríamos, as outras pessoas se

adaptariam nos outros quartos.

Eu e as meninas fomos vestir os biquínis enquanto os rapazes

acendiam as tochas e colocavam as bebidas para gelar.

Estava decidindo o que ia vestir, quando bateram na porta, depois de


ver que era Luna, deixei-a entrar. Ela ainda estava com a mesma roupa.

— Ué, desistiu de tomar banho? — perguntei, espalhando algumas

peças sobre a cama.

— É desisti, não vou me sentir confortável com todos olhando para

as minhas cicatrizes, Lana. — ela respondeu, se sentando na cama.

— Luna, nada disso! Você está entre amigos! Todos nós aqui temos

cicatrizes, algumas visíveis e outras nem tanto, mas isso não nos faz mais

fraco ou pior que ninguém. Não quero que se prive de nada por causa delas.

— falei, acariciando seus braços e ela se encolheu um pouco mais — Se

elas realmente te incomodam tanto, eu comprei uma daquelas camisetas


térmicas, nem usei ainda, mas ela tem uma cor maravilhosa e acho que vai

ficar ótima em você. — completei e ela me deu um pequeno sorriso.

Fui até a mala para procurar a camiseta e depois de entregar a ela,

terminei de me arrumar, optando por um maiô preto que minha vó havia me

dado de presente.

Quando descemos, as carnes já começavam a ser assadas, o som

estava bem alto e os rapazes também tinham colocado as roupas de banho.

A festa se iniciou. Os garotos estavam radiantes de ter vencido o

primeiro jogo e não conseguiam parar de falar sobre isso. A animação


aumentou ainda mais quando as primeiras cervejas começaram a circular e,
quando vi, estava todo mundo dançando, rindo e bebendo.

E eu não conseguia tirar as minhas mãos do Matheus.

Ele me estendeu um cooler e me chamou para dançar. O clima entre

nós dois não poderia estar mais harmonioso.

Enquanto dançávamos, observei nossos amigos ao redor. Joaquim

dançava muito animado bem perto da gente, Tami estava conversando —


provavelmente sobre futebol — com o Jonathas. Luna estava numa

conversa bem divertida com o Nico, já que ela não parava de rir e eu amava
vê-la feliz. Mais ao fundo, um pouco mais perto da praia, conseguia ver o

Albert conversando com uma garota que não pude reconhecer. Todos
estavam se divertindo, e isso fez meu coração se encher de felicidade.
Mas então Matheus chamou a minha atenção, me beijando e fazendo
tudo ao meu redor desaparecer. Éramos só nós dois ali, sozinhos, e o mundo

era nosso.

Entre carícias, fomos até o quarto. E eu sabia que o grande momento


havia chegado, tinha esperado por ele a cada segundo daquele dia.

Ele me deitou na cama e ficou sobre mim, sem separar nossos


lábios, meu corpo correspondia ao dele de maneira singular.

Cada toque.

Cada beijo.

Eu seria dele, inteiramente dele. E mal podia esperar por isso.


ALANA

Beijei suavemente o pescoço dele, enquanto ele acariciava o meu


corpo. Nossos olhares se chocaram e eu senti meu corpo todo em chamas,

parecia até que estávamos nos vendo pela primeira vez.

— Eu te amo. — ele declarou e eu uni nossos lábios em um beijo

longo e apaixonado.

Eu gostava do toque dele, parecia que nós tínhamos sido feitos um

para o outro, na medida certa.

Ele foi conhecendo pouco a pouco cada parte do meu corpo, assim

como eu fui conhecendo o dele. Fechei meus olhos e ofeguei quando


entrelacei minhas pernas em sua cintura.

Nossos corpos se conectavam causando-me arrepios. Aos poucos

todos os medos e receios desapareceram e a única coisa que restava era o

contato de pele com pele.

Eu o amava e ele também me amava.

Ele foi cauteloso no início, mas logo entramos em uma sintonia

deliciosa. Estava entorpecida de algo que nunca senti, não havia sensação
melhor do que amar e ser amada.

Matheus foi muito atencioso, respeitando e respondendo a cada

movimento do meu corpo, fazendo minha primeira vez ser mais que

especial.

Depois de tomarmos uma ducha juntos, voltamos a deitar na cama,


frente a frente, olhando-nos sem conseguir parar de sorrir. Ele acariciava

meus cabelos enquanto eu acariciava o peito dele, sentindo as batidas do

seu coração.

— Precisamos ficar mais tempo juntos, sinto sua falta.

— Eu também, mas essa semana foi um pouco difícil por causa das

preparações do jogo, foi bem difícil estar longe de você.

— Nossos horários estão um pouco incompatíveis, só te vejo em

sala de aula.

— Eu sei, também não gosto disso, mas vamos ter que dar um jeito.
— Como? Você precisa treinar e fazer o cursinho, eu também

preciso ir para o cursinho e logo vou começar a trabalhar com a minha mãe.

— Eu sei. — ele disse, fazendo com que eu olhasse para ele — Mas

precisamos pensar em algo. Odeio te ver só no fim de semana.

— Eu também, mas não podemos abrir mão dos nossos estudos e

dos seus treinos. É o nosso futuro!

Ficamos em silêncio por alguns minutos, encarando um ao outro. E

com a voz um pouco rouca, ele perguntou:

— Nosso futuro é ficarmos longe um do outro?

— Eu não sei. Queremos coisas diferentes, Math, não sou tola.

— Sei que não é, eu também não sou! Mas eu sei que eu quero estar

com você e nós vamos fazer dar certo. — ele disse, beijando suavemente os

meus lábios.

Nós precisávamos fazer dar certo.

— Eu também quero estar do seu lado. Sempre.

— Não se preocupe, meu amor. Nós vamos pensar em alguma coisa.

— ele falou, voltando a acariciar os meus cabelos.

Mesmo com todo barulho lá fora, estávamos cansados e não

demoramos a adormecer, abraçados um ao outro e com a promessa de um

futuro juntos.
Acordei antes do Matheus na manhã seguinte e aproveitei para

observá-lo por um tempo, me sentia tão sortuda por ter alguém como ele ao

meu lado.

Cogitei acordá-lo, mas o dia anterior tinha sido muito cansativo,

então apenas levantei e, de pijamas mesmo, caminhei pela casa, indo até a

cozinha. A maioria das pessoas ainda estavam dormindo, jogadas de

qualquer jeito nos quartos e na sala. Parecia que a festa tinha sido muito

animada e, a julgar pela quantidade de garrafas vazias acumuladas na

cozinha, todos iam precisar de uma boa dose de cafeína.

Remexi nas sacolas que havíamos trazido e achei o café, que

coloquei na cafeteira. Assim que liguei, Tamires e Luana entraram na


cozinha, ambas com a cara meio amassada. Imediatamente, ao olhar para

mim, Luna sorriu de orelha a orelha, deixando-me vermelha.

— Ih, olha a carinha dela! A noite deve ter sido boa, hein? — Tami

brincou.

— Ai, meninas, não vou mentir não, foi maravilhosa! — falei e elas

se entreolharam, sorrindo, vindo me abraçar.


Nós três pulamos juntas, comemorando, e só paramos de rir quando

o Albert entrou na cozinha coçando os olhos, procurando cegamente por um

pouco de água. Pigarreei e fingi que não tínhamos acabado de agir como

três patetas.

— Meninas, vocês podem começar a montar os sanduíches e levar

tudo lá para fora? Albert, você pode pegar o bolo que está na geladeira? Eu

vou fazer um suco e já levo o café. — pedi e eles concordaram.

Levei o café e os copos de isopor para o quintal, onde Tamires e

Luana já tinham colocado boa parte da comida, e voltei para a cozinha para

pegar o suco. Foi então que senti mãos em minha cintura e virei a cabeça

para ver o Matheus com um sorriso que mostrava suas covinhas.

— Bom dia, meu amor. — ele disse, beijando o topo da minha

cabeça — Como você está? Está se sentindo bem?

— Maravilhosamente bem. — respondi, virando meu corpo para

beijá-lo — E você?

— Fazia tempo que eu não me sentia tão feliz. — ele sorriu, me deu

um selinho e me soltou, olhando para a cozinha — Você precisa de ajuda?

— Ah, me ajuda a levar o suco lá para fora!

Sentamos para tomar o café e, pouco a pouco, as pessoas foram

acordando e se juntando a nós. Algumas pessoas estavam bastante quietas,

sentindo os efeitos da ressaca. Joaquim, em especial, mal tirava os olhos do


celular, com uma expressão bastante triste. Tentei chamar a atenção dele

para perguntar se estava tudo bem, mas ele só balançou a cabeça

negativamente, indicando que conversaríamos depois.

Apesar disso, o café e o bolo da mamãe foram animando todo

mundo e, no fim de tudo, estávamos todos rindo e nos divertindo. Até

mesmo o Joca riu um pouquinho de um trocadilho péssimo feito pelo

Nicolas.

Depois que todo mundo comeu, resolvemos ir todos para a praia.

Limpamos aquilo que sujamos no café da manhã, e enquanto os meninos

enchiam os coolers e ligavam as caixas de som, eu e as meninas fomos


trocar de roupa e separar alguns petiscos.

Quando percebi que os meninos tinham montado uma rede, pedi

para o Matheus me ensinar a jogar futevôlei, não deu muito certo. Eu era

péssima! Apesar dos inúmeros incentivos e elogios que o meu namorado

me dava, eu sabia que não estava indo nada bem.

Desisti e resolvi entrar no mar. Matheus veio logo atrás de mim, me

erguendo da areia e me levando até a água em seu colo. Comecei a rir até

que escutei gritos.

Nos separamos e o Matheus soltou um palavrão quando vimos dois

dos garotos do time ameaçando jogar Beatriz, uma das amigas da Tami, na

água.
— Math, fala para eles pararem. Ela não quer entrar na água, eles

são tão babacas assim?

Indignado, o Matheus nadou até a parte mais rasa e eu fui atrás,

observando o Cauã erguê-la em cima das pedras, levando-a para parte que

dava para uma área mais funda.

— Cauã, larga a menina! Não está vendo que ela não está a fim de

brincadeira? — Math gritou e nós começamos a andar mais rápido.

— É uma brincadeira, Matheus. Não sabe brincar? — Thales falou

rindo e eu comecei a me assustar.

— Não é brincadeira, larga ela, Cauã! — Berrei enquanto a Bia se

debatia, tentando se soltar.

— Me solta, seu idiota! — ela gritou, empurrando o peito dele.

Vi a expressão divertida do Cauã mudar rapidamente quando ele se

desequilibrou e em uma fração de segundos, os dois sumiram do nosso


campo de visão, caindo no mar que estava muito agitado.

Fechei meus olhos e temi o pior.


ALANA

Cobri minha boca com as minhas mãos e observei Matheus e os


outros meninos que estavam na areia, entrando no mar. Corri para a borda e

vi o Cauã nadando e lutando para segurar a Beatriz, que se debatia e

chorava, desesperada. As ondas estavam batendo muito fortemente contra


as pedras, empurrando-os contra elas, e o salva-vidas não estava por perto.

Foi só depois de muito esforço que os meninos conseguiram chegar

até eles e os puxaram até o raso. Quase chorei de alívio. Bia sentou na areia

e chorou enquanto Tamires e Joaquim falavam baixinho com ela. O Cauã


também estava um pouco trêmulo, mas o Nicolas e o Matheus o pegaram

pelos braços e o arrastaram para longe de nós.

As outras meninas se juntaram ao redor da Beatriz e a levaram para

dentro, tentando acalmá-la.

— Vem, Bia, a gente precisa cuidar desses arranhões. — Joca falou

enquanto eles se afastavam de nós.

Luana veio para o meu lado com lágrimas nos olhos e falou:

— Ainda bem que não foi nada sério.

— Sim, porque podia ter acontecido uma tragédia. — suspirei —

Sinceramente, o que esse cara tem na cabeça?

Não tínhamos mais ânimo para ficar na praia. Voltamos para a casa

da minha tia e começamos a retirar as coisas dos quartos. Logo, as outras


garotas vieram ajudar a limpar o segundo andar e, quando descemos, os

meninos estavam terminando de limpar a sala, a cozinha e o quintal.

Quando tiramos o lixo, o clima estava um pouco pesado, então antes

mesmo do almoço já estávamos voltando para casa. Se estávamos animados

na viagem de ida, a de volta foi bem silenciosa.

Ao chegarmos na cidade, nos despedimos, cada carro indo para um

lado. Matheus deixou Luna e Joca em casa, e então começou a fazer o

caminho para me levar também.


— O Cauã é mesmo um babaca, estragou o final da viagem! — ele

disse, frustrado — Eu e os meninos demos uma chamada nele e ele vai ficar

de molho nos próximos jogos.

— A atitude dele foi completamente ridícula, imagina se acontece

algo mais sério com essa menina?

— Nem fale, ainda bem que foram apenas arranhões.

— Sim, mas podia ter sido muito mais sério. E o Thales também é

culpado. Esses garotos precisam aprender a respeitar quando eles escutam

um não!

— Não se preocupe, linda. Essa não é a última vez que os dois vão

ouvir sobre isso. — Matheus disse, estacionando à frente da minha casa.

Suspirei e disse:

— Não vamos deixar que eles estraguem a viagem maravilhosa que

tivemos. Eu adorei estar com você.

— Eu também. Obrigada por tudo, meu amor. E o que eu falei foi

sério, ok? Eu vou me esforçar mais para passar mais tempo com você.

— Eu também. Vou conversar com a mamãe sobre ela me dar umas

folgas extras da confeitaria, se eu explicar os motivos ela não vai negar.

— Gosto muito dessa minha sogra! — ele se inclinou para me

beijar.

— Vem me ver amanhã?


— Venho sim. Amanhã vamos passar o dia inteiro juntos. — ele me

beijou mais uma vez.

— Ok, me avisa quando chegar em casa, ok? — pedi, abrindo a


porta do carro.

— Aviso. E ei! — ele chamou — Eu te amo.

— Também amo você. — me declarei com um sorriso.

Virei-me para entrar em casa, encontrando minha avó assistindo

Mamma Mia!, o filme favorito dela. Beijei sua testa e a abracei.

— Nossa, como você chegou rápido! — ela exclamou — Achei que

ia ter a casa só para mim por mais um tempinho.

— É, nem demorei para a senhora não sentir saudades. — falei, me

jogando no sofá — Cadê a mamãe?

— Viajou com o Brian, só volta amanhã.

— Hum, e para onde eles foram?

— Não sei, não perguntei. Sua mãe é bem grandinha e vacinada,

Alana. — ela respondeu, sem tirar os olhos da TV.

— Nossa, vó! A senhora diz cada coisa às vezes... — falei rindo.

Entrei na cozinha, sentindo o aroma da comida que ela havia feito.


Coloquei um pouco no prato e me sentei à mesa, pensando na noite

maravilhosa que havia tido com o Matheus. Eu estava temerosa sobre o que

aconteceria, mas ele me fez sentir tão segura e amada que minhas
inseguranças desapareceram. Logo que terminei de comer, dei um beijo na

minha avó e subi.

Chegando no meu quarto, me peguei sentindo saudades da Luana de

novo. Ela estava feliz em estar com a tia, progredindo bastante na terapia e

namorando o Nico, mas eu sentia falta de ter minha melhor amiga por perto

vinte e quatro horas por dia.

Liguei a caixinha de som, sincronizando-a com meu celular, e deixei

a música inundar meu quarto. Tomei banho, vesti uma roupa leve e

aproveitei para desfazer a minha mochila e colocar as roupas sujas para

lavar.

Peguei minha agenda e comecei a planejar a semana. Já tinha

passado da hora de eu começar a me dedicar aos estudos para o vestibular,

então procurei organizar a semana com as matérias que eu tinha um pouco

mais de dificuldade, além de reservar a tarde de quarta-feira para fazer

provas antigas de vestibulares. No espaço da quinta-feira, anotei de lápis

uma sessão de estudos em grupo que eu iria propor para o Joaquim e a

Luana.

Joca queria prestar Arquitetura aqui mesmo na cidade, mas Luna

queria ir para São Paulo comigo. Desde que ela iniciou a terapia, ela estava

decidida a fazer Psicologia, e todos nós aprovávamos a ideia. Eu, é claro,

estava muito animada com a perspectiva de morarmos juntas novamente.


Parei um pouco e fui procurar um livro na minha estante quando

recebi uma mensagem.

Franzi o cenho para a tela e respondi:

Luna devia estar bem ansiosa com isso, porque eu mal enviei a

mensagem e ela já havia respondido:

Ri em voz alta. Típico da Luana! Eu sentia falta de tê-la por perto.


Suspirei. Matheus tinha prometido que ficaríamos juntos, e eu

estava tentando acreditar, mas quanto mais eu pensava, menos opções eu

encontrava.
Suspirei, torcendo por isso.

O resto do sábado foi bastante calmo. Assisti um pouco de novela


com a vovó, fizemos uma janta leve e eu terminei o dia na cama, lendo um

romance de banca antigo da mamãe. Meu celular começou a vibrar no meu


colo e vi que havia recebido uma mensagem de um número desconhecido.

Curiosa, marquei a página do meu livro e desbloqueei a tela do telefone.

Salvei o número dele antes de responder.


Bloqueei a tela novamente e fiz menção de pegar meu livro, mas
novamente o celular começou a vibrar, dessa vez com uma ligação.

Era o Matheus.

— Oi, meu amor! — atendi com entusiasmo.

— Oi, minha linda.

— Já estava pensando que ia dormir sem ouvir sua voz hoje.

— Desculpa, fiquei preso em uma conversa com a minha mãe e o


treinador. — ele disse com a voz levemente exausta — Só consegui me

livrar agora. Minha mãe gosta de falar, sabe como ela é.

— Hum, conversa séria?

— Seríssima. Eles me chamaram para perguntar o que eu achava

deles morarem juntos.

— Uau! Grande passo! E o que você respondeu?


— Que não via problemas. Minha mãe passa muito tempo sozinha e

vai ser bom ter alguém para assistir os jogos comigo. Ela até tenta, mas ela
é que nem você para entender as jogadas. — ele respondeu, rindo um pouco

— Ei, eu me esforço! — ri junto com ele — Mas fico feliz que você

esteja lidando bem com isso, achei que você fosse estranhar mais.

— Eu tenho que lidar, né, amor? Eu quero que a minha mãe seja

feliz.

— Falando em casal feliz... — lembrei-me — Nicolas e Luana vão


passar um dia ao ar livre e ela veio perguntar se a gente também ia.

— Ah, verdade. Ele me disse que eles iam fazer uma trilha e
convidou a gente. O Nico é todo ligado nessas coisas de natureza. Você

quer ir?

— Acho que prefiro passar o dia agarradinha com você assistindo


algum filme. — revelei — Amo os dois, mas quero sua atenção só para

mim.

— E eu quero o mesmo, linda! Em vez de eu ir aí, por que você não


vem para cá? Minha mãe e o treinador não vão estar em casa.

— Tudo bem, mas vou depois do almoço, pode ser? Vou fazer umas

coisas de manhã e também tenho que esperar minha mãe chegar.

— Beleza, fico te esperando, linda!


— Até amanhã, amor! — desliguei, coloquei o celular na cabeceira

da cama.

Já estava bem tarde para voltar a ler, e eu estava exausta. Deitei e


não demorei a adormecer.

Naquela noite, sonhei com a Karen, coisa que há muito tempo não

acontecia.
ALANA

Responder à mensagem do Tadeu foi a primeira coisa que fiz depois


de acordar. Fiquei alguns segundos encarando o teto, criando coragem para
sair debaixo das cobertas, então levantei para ir ao banheiro, arrastando-me

um pouco.

Depois de alguns minutos, saí de lá e troquei o pijama por um

vestido. Desci as escadas e encontrei minha avó arrumando uma mesa bem

caprichada para o café da manhã.

— Bom dia, vovó! Posso saber para que tanto capricho se só


estamos nós duas em casa? — perguntei, dando um beijo no rosto dela.

— Bom dia, minha neta! Sua mãe ligou, disse que está chegando e

com novidades.

— Novidade boa ou ruim? — questionei, ajudando-a a distribuir os

pratos pela mesa.

— Pela voz dela foi algo bom. Ela estava muito animada, então
achei que seria caso de comemoração. — minha avó disse, deixando-me

aliviada. Terminamos de trazer as coisas para a mesa e logo minha mãe

chegou.

Sozinha.

Eu me preocupei e por isso fui logo abraçá-la.

— Oh, deixe-me olhar você! Está tão linda, filha! E com um brilho

diferente. — ela falou, acariciando os meus cabelos com um sorriso.

— Senti sua falta, mas lá foi incrível!


— Imagino que sim! Vamos sentar e você me conta tudo. Oi,

mamãe! — ela abraçou a vovó, e então sentamos as três à mesa, comendo

as delícias que minha avó tinha feito.

Contei a elas tudo que havia acontecido lá sem tantos detalhes e elas

me escutaram atentamente.

— Nossa, filha, ainda bem que a menina não se machucou

gravemente. — minha mãe comentou, abismada, levando a mão ao coração

— Esses garotos precisam ser mais responsáveis. Imagina se algo sério


acontece sem nenhum adulto por perto?

— Sim. Foi bem tenso na hora, tanto que não conseguimos ficar

mais por lá e viemos embora mais cedo.

— Foi o melhor que vocês fizeram. — minha avó disse, balançando

a cabeça, murmurando algo muito parecido com “esses jovens de hoje em

dia”.

— Sim, mas e você, mãe? Foi para onde? Conta tudo!

— Fomos para uma pousada no litoral. Foi maravilhoso, o Brian é

muito romântico. — ela disse com um sorriso.

— Ah, que lindo! Não imaginava que ele fosse assim, parece ser tão

sério.

— Ele é um fofo embaixo daquela armadura... e ele me fez uma

proposta. — ela contou, meio hesitante.


— Proposta?

— Ele quer que nós moremos juntos como uma família. Nos

convidou para morar com ele. — ela disse e eu arregalei os olhos para ela.

— Morar com eles na casa dele? — perguntei e ela assentiu.

— Eu queria conversar com vocês antes de tomar uma decisão, na

verdade — minha mãe disse, meio nervosa — Fomos nós três por muito

tempo e eu amo morar com as duas. O convite foi estendido para todas nós,

mas não sei o que vocês querem fazer, então eu ainda não dei uma resposta

definitiva.

— Mãe, o mais importante aqui é, você quer ir?

— Quero. — ela respondeu — E eu gostaria que vocês fossem

comigo.

— Ah, filha, me perdoe, mas eu vou continuar aqui. Essa é minha

casinha e eu pretendo ficar aqui até o fim dos meus dias. Podem ir
tranquilas, quero a felicidade de vocês. — minha avó disse a nós duas

enquanto mexia seu café.

— Não sei se fico tranquila com a senhora aprontando aqui sozinha.

— minha mãe falou com certo receio na voz.

— Vá atrás da sua felicidade, minha querida. Eu estou velha, não

gagá! Deixe de agonia! — minha avó respondeu, saindo da mesa e fazendo-

nos rir.
— Nós vamos morar com ele então, a senhora já decidiu.

— Não decidi. Preciso saber de você. Se você me disser para ficar,

eu fico.

— Mãe, você acabou de falar que quer ir.

— E eu quero. Nós já não somos jovens e nutrimos um sentimento

muito bonito um pelo outro, morarmos juntos faz sentido, Alana. Mas eu

não vou sem você, nunca te deixaria.

— E eu nunca impediria sua felicidade. Vai ser bom que estejamos

vivendo com ele, não quero que fique sozinha quando eu for para faculdade

daqui uns meses. — respondi, dando a minha resposta final.

— Nem me lembra disso! Os meses estão passando tão rápido! Não

sei se vou conseguir dormir tranquila com você longe.

— A senhora vai acostumar, mãe. Eu vou estar indo atrás do meu

sonho.

— Eu sei, filha. Eu sei. Então é isso. Vamos nos mudar! Vou contar

a novidade ao Brian. Ele está animado com tudo isso, o Joaquim também.

— Joaquim já sabe?

— Nós conversamos com ele antes de vir para cá. O garoto mal

podia conter a animação, disse que vai adorar te ter como irmã! — ela

revelou.
— Estou animada para essa nova fase da nossa vida, mãe. Eu te

amo.

— Também, meu amor! Mais que tudo na vida! — ela se levantou

para me abraçar e eu fiquei aconchegada a ela por um tempo.

— Preciso ir me arrumar. — falei, quando nos separamos — Vou até

a casa do Matheus passar o dia.

Minha mãe suspirou e disse:

— A senhorita ainda tem coisas para me contar, não é? Mas vou te

deixar escapar por hoje. Vai lá se arrumar.

Sorri para ela e subi para me ajeitar para ir até a casa do Matheus.

Fiz uma mochila com umas coisas básicas, me despedi da minha mãe, da

vovó e fui.

Admirei a paisagem durante o caminho, estávamos na primavera e a


cidade estava tão florida. Coloquei a minha playlist favorita para tocar e

estava cantarolando uma música enquanto me aproximava da casa do

Matheus, mas parei de repente assim que vi Paloma saindo da casa dele.

Ela me viu, deu um sorrisinho presunçoso e continuou andando.

Sem acreditar no que eu estava vendo, fui tomada pelo ciúme e

resolvi voltar para casa.

Matheus sabia muito bem o que Paloma tinha feito comigo e com

nós dois e ainda assim permitia que ela fosse até a casa dele.
Isso não era algo que eu conseguia aceitar facilmente.
MATHEUS

Quando o despertador tocou, soltei um grunhido. Amaldiçoei-me


mentalmente por ter ficado acordado até tão tarde jogando, sabendo que eu

precisaria acordar para dar uma ajeitada na casa.

Minha mãe, antes de avisar que iria passar o dia com o treinador, me

deu uma pequena bronca por deixar tudo jogado por aí, sabendo que a
responsabilidade de manter as minhas coisas no lugar era minha e todo

aquele blábláblá de sempre.

Ela estava certa, claro, mas eu não pude deixar de revirar os olhos

antes de dizer que, quando ela voltasse, ia estar tudo no seu devido lugar.
Ela então sorriu para mim e eu pude ver o que há muito tempo eu não via

nos olhos dela: Felicidade plena. Prometi para mim mesmo que faria o

possível para mantê-la assim.

Obriguei-me a levantar, lutando contra o cansaço. Liguei a cafeteira

e fui arrumar as roupas que eu deixei espalhadas. Liguei o som e resolvi

passar uma vassoura no chão, porque queria deixar tudo perfeito para
Alana.

Depois de terminar, bebi uma boa caneca de café para estar mais

alerta, fui tomar banho e me arrumei para esperar a minha namorada.

Quando a campainha tocou, corri para atender imaginando que fosse ela,

mas não era.

— Ah! Oi, Paloma. — cumprimentei-a sem entender por que ela


estava ali.

— Oi, Math. Eu posso entrar? — ela perguntou com um sorriso,

encostando-se no batente.

— Claro, entra aí! — falei, abrindo mais a porta para permitir que

ela passasse.

— Precisava falar com você, não queria mandar mensagem nem

nada disso, preferi vir pessoalmente. — ela se explicou, sentando-se no

sofá.
— Pode falar, Paloma. — respondi, rezando para que fosse algo

rápido. Alana não ia gostar de encontrá-la quando chegasse.

— Bem, sei que já tem um tempo, mas eu queria te pedir desculpas

por aquela situação na festa da Mi, eu não fiz por mal, juro. — ela falou em

um tom arrependido.

— Tudo bem, Paloma. Aquilo já são águas passadas, eu já esqueci,

fique tranquila. — tentei tranquilizá-la, afinal, eu realmente já nem pensava

sobre isso.

— Ah, ótimo! Eu fiquei preocupada. Não quero que você pense em


mim como uma pessoa horrível, sabe? Te considero meu amigo e gostaria

que você pensasse o mesmo de mim. Mas como a sua namoradinha não vai

muito com a minha cara, fiquei pensando que talvez você se sentisse da

mesma forma. — ela contou, parecendo triste e eu balancei a cabeça

negativamente.

— Eu não me sinto. Nós éramos bons amigos no ano passado, não

é? Conversávamos bastante. Não há porque guardar mágoas, não sou disso.

E sabe, é verdade que a Alana não gosta de você, mas você deu motivos

para isso.

— Eu sei! Perdi a cabeça. O terceiro ano é muito estressante e eu fiz


algumas coisas das quais eu não me orgulho, mas estou tentando me

redimir.
Observei-a por alguns instantes. Alguma coisa me dizia que ela não

tinha vindo apenas para pedir desculpas, mas como ela parecia

verdadeiramente arrependida, resolvi dar uma chance.

— Tem sido um ano difícil mesmo. Mas como minha amiga, eu

espero que você apoie o meu namoro, porque ele é muito importante para

mim. Alana é uma pessoa tranquila, se essa sua mudança for sincera, tenho

certeza que ela também não vai guardar rancor de você.

— Entendi. Obrigada por ser um amigo tão especial para mim,

Math. — ela disse, se levantando subitamente para me abraçar.

— De nada, Loma. — falei, me soltando do abraço — Preciso

admitir que fiquei bastante surpreso com suas atitudes.

— É, eu andei refletindo e achei que era melhor admitir meus

próprios erros para que não fique um clima ruim entre nós. Afinal, vamos

nos ver bastante a partir de agora, já que Mirela e Albert estão saindo. Quer

dizer, eles estão conversando e hoje terão um primeiro encontro. Mas eu

acho que eles têm futuro!

— Ele me contou, espero que dê certo! Albert precisa dar uma

relaxada mesmo, ele está focando demais no futebol, eu fico um pouco

preocupado. Uma namorada ajudaria bastante nesse momento. — comentei.

— Vai dar certo! Os dois merecem ser felizes. Mas é isso, eu já vou.

Só queria te pedir desculpas e deixar as coisas às claras para ficar mais


tranquila.

— Tá certo, Loma. Nos vemos no colégio! — falei, indo até a porta

para deixá-la sair.

— Tchau, Math! — ela disse, indo embora.

Sentei no sofá para esperar a Alana, que já devia estar chegando.

Mas se passou mais de meia hora e ela não tinha chegado, então comecei a

ficar preocupado e mandei mensagens para ela.

Liguei duas vezes para o celular dela, mas só chamou e ninguém

atendeu.
Esperei exatos dez minutos, mas não obtive nenhuma resposta.

Liguei para casa dela já aflito.

— Alô? — respondeu a familiar voz da tia Susana.

— Oi, tia, tudo bem? — falei, tentando manter a calma.

— Matheus? Oi, querido, tudo bem sim. Aconteceu alguma coisa?

— Na verdade, não. Eu queria falar com a Alana, ela está?

— Ela ainda não chegou, achei que ela estivesse ido para sua casa.

— ela revelou, soando preocupada.

— Então, eu também achei, mas até agora ela não chegou, estou

começando a achar estranho.

— Calma, querido, eu vou ligar para ela e vê o que está

acontecendo, se eu conseguir fala com ela, eu peço para ela te ligar.

— Certo, obrigado, tia!

Desliguei e aguardei ansiosamente que meu celular tocasse e que

estivesse tudo bem.

Longos minutos depois, meu celular vibrou avisando a chegada de

uma mensagem.
ALANA

Joguei meu celular na mochila e me recusei a pegá-lo novamente


quando ele vibrou. Eu estava exausta, emocional e fisicamente cansada.

Depois que eu vi a Paloma saindo da casa do Math, eu não sabia

para onde ir, mas a praia me pareceu a melhor opção. Durante o trajeto do

ônibus, meu celular começou a vibrar. Achei que seria o Matheus se


desculpando, mas não.

Era a Paloma.

Ela anexou uma foto dela com o Matheus e escreveu.


Fechei meus olhos e os apertei com força. Eu não iria chorar por
isso.

Estava tudo tão bagunçado na minha cabeça! Eu queria muito

conversar com o Matheus sobre a minha mudança e sobre como eu estava

um pouco receosa de deixar a minha casa e a minha avó para trás, mas que

faria tudo para minha mãe ficar feliz depois que eu fosse embora.

Queria que ele me tranquilizasse, desse apoio e dissesse que tudo


ficaria bem. Mas não, ele estava com ela, na casa dele, mesmo sabendo tudo

o que ela fez comigo, conosco.

Eu estava cansada de ser forte o tempo todo. O final de semana não


estava terminando perfeito como havia começado.

Assim que cheguei na praia, aproveitei que o sol não estava muito

forte e me sentei sobre a grama.

Meu celular vibrou novamente e dessa vez era o Matheus. Tinha três

mensagens dele.
Ignorei as mensagens e voltei a olhar o céu, o mar e qualquer coisa

que não fosse meu celular. Escutei-o tocando duas vezes, mas não dei

importância. Encarei o horizonte e senti o vento no meu rosto, tentei ser

forte e não chorar.

Um tempinho depois, o telefone começou a tocar novamente, mas

não era o Matheus. Se Fábio Junior cantava “Só você”, só podia ser a

minha mãe.

— Oi, mãe!

— Oi, filha. Onde você está? Achei que tinha ido para casa do
Matheus, mas ele acabou de me ligar e nem sabe onde você está. — ela

falou bem rápido, parecendo aflita.

— Eu ia para casa dele, mas mudei de ideia, mãe. Vim na praia.

— Sozinha? Por quê? Aconteceu alguma coisa, filha? — minha mãe

perguntou, desconfiada.
— Não, nada. Está tudo certo, fique tranquila. Eu vou avisar ao

Math onde eu estou. Só estava precisando de um tempo para mim, mais

tarde eu volto para casa!

— Ok, Alana. Se precisar de algo, me fale, ok? Amo você.

— Eu também, beijo!

Desliguei e vi a última mensagem que o Matheus tinha me

mandado.
Digitei e, antes que ele pudesse me mandar outra mensagem, eu

desliguei o celular e me deitei sobre a grama, apoiando minha cabeça sobre


a minha mochila enquanto as lágrimas escorriam pelos meus olhos.

Eu e o Matheus estávamos brigando outra vez por causa da Paloma.


ALANA

Quando já estava anoitecendo, resolvi ir para casa. Peguei o ônibus


e não demorou muito para chegar. Entrei em casa encontrando minha vó na

cadeira de balanço.

— Oi, vó. Cadê a minha mãe?

— Lá em cima, acho que já começou a arrumar as coisas dela.

— Já? Achei que não íamos mudar logo.

— Ela vai ter dois eventos essa semana e disse que precisa adiantar.

Acho que vocês irão mudar no fim da semana que vem.


— Entendi, vou lá conversar com ela. — falei um pouco ressentida,

achei que teríamos um pouco mais de tempo antes da mudança.

— Está certo. E como foi na casa do seu boyzinho?

— Não fui para casa dele. — funguei, ainda chateada — Resolvi ir

para praia.

— Ah... — ela disse com um leve sorriso, fechando os olhos

lentamente. — Isso explica as flores...

— Flores?

— Sim, minha neta. Chegaram algumas flores para você, junto com

uma carta, coloquei tudo no seu quarto.

— Tudo bem, obrigada, vó.

Subi apressadamente até o meu quarto, encontrando sobre a minha


cama um buquê de margaridas.

Minhas flores favoritas.

Senti o cheiro delas, coloquei-as ao lado da minha cama e peguei o

envelope entre as folhas. Abri e encontrei uma carta escrita pelo Matheus

“Alana,

Já escrevi tantas vezes essa carta e nunca pareço encontrar as

palavras certas. Quem é boa com essas coisas de escrita é você, mas eu

preciso tentar. Não sei se devo me desculpar, mas acho que é o que você

quer que eu faça. Sei lá, às vezes acho que você não confia em mim. Aliás,
acho não, tenho certeza. Eu tenho a sensação de que você fica esperando

eu errar para a gente terminar e você ficar livre de toda pressão e de todas

essas coisas que você não gosta, mas que fazem parte do meu mundo. Eu te

amo, mas não posso amar sozinho. Uma vez você disse que não iríamos

brigar por coisa pouca e que iríamos confiar e conversar um com o outro

sempre, mas isso não está acontecendo. Você foge sempre que tem a
oportunidade e eu não sei mais o que fazer. Depois da noite linda que

tivemos, eu achei que tudo ficaria bem, mas estava enganado. A confiança

é a base de um relacionamento e o nosso está desmoronando.

Vamos dar um tempo.

Eu acho que é o melhor.

Fizemos tudo muito rápido, e talvez por isso que as coisas não

estejam funcionando tão bem...

Eu ainda te amo, mas não sei se só amar é o suficiente.

Matheus.”

Quando terminei de ler a carta, estava em prantos, cobri meu rosto

molhado e chorei ainda mais.

Eu tinha estragado tudo e tinha plena consciência disso.

Em algum momento, minha mãe ouviu meu choro e veio me

amparar. Ela abriu a porta e sentou ao meu lado, colocando a minha cabeça

no colo dela e acalentando-me até as lágrimas cessarem.


Controlando-me para não chorar mais uma vez, eu sentei na cama,

enxuguei o rosto e contei para ela tudo o que tinha acontecido. Ela me

ouviu atentamente e disse, afagando os meus cabelos:

— Meu amor, acho que com tudo isso que aconteceu entre vocês,

um tempo não é de todo o ruim, nesse momento acho que é até o melhor

para os dois.

— Ah mãe, você realmente acha isso? Estou sofrendo tanto.

— Está doendo agora, mas vai passar. E eu vou marcar um horário

para você com a terapeuta da Luna, você está precisando conversar um

pouco com ela. E nem invente de negar.

— Tudo bem, eu só quero que essa dor passe... — falei, me

aconchegando a ela.

Ela ficou comigo por um tempo e depois voltou para o seu quarto.

Deitei e tentei controlar as minhas emoções ou passaria o resto do dia

chorando. Estava olhando as minhas fotos com o Matheus quando recebi

uma mensagem da Luana.


Coloquei meu celular ao lado da cama e me levantei. Tomei um

banho e, depois de me arrumar, fui até a minha singela varandinha.

Levei uma manta comigo e me enrolei nela, olhei para o céu e pedi

para que a Karen estivesse comigo e me desse coragem para enfrentar o

colégio no dia seguinte.

Porque seria insuportável encontrar o Matheus com esse tempo entre

nós dois.
ALANA

Quando o sol raiou, abri os olhos e não senti a mínima vontade de


levantar.

— Filha? — minha mãe bateu na porta e a abriu lentamente — Vim

te chamar, mas que bom que você já acordou.

Se minha mãe achou que tinha que me acordar, é porque ela estava
muito preocupada, e isso era tudo o que ela não precisava. Suspirando,

levantei e tentei dar um sorriso para ela, que nem por um segundo acreditou

que eu estivesse bem.


Tomei um banho e coloquei o uniforme, forçando-me a comer

alguma coisa sob os olhares atentos da minha mãe e da vovó. Estávamos

todas em silêncio naquela manhã, e logo a Luna chegou para irmos juntas

para o colégio. Despedi-me da minha família e, no caminho contei para a

Luana o que tinha acontecido.

Quando terminei a história, ela parou, fazendo-me parar também


para me dar um abraço.

— Amiga, essas coisas acontecem! Eu sei que está tudo meio

bagunçado agora, mas vocês vão se entender. Vocês são feitos um para o

outro. Vai ficar tudo bem, eu tenho certeza! — ela disse fazendo carinho nas

minhas costas.

Eu torcia para que isso acontecesse.

Dei um sorriso fraco e voltei a andar, me esforçando para começar

outro assunto, então falamos sobre uma série que ela estava assistindo pelo

resto do caminho.

Quando chegamos no colégio, demos de cara com o Matheus. Junto

dele, estavam o Nicolas e o Albert e também a Paloma e a Mirela.

Não queria encará-lo, mas foi inevitável não olhar para ele, mas

Matheus passou por mim sem dizer nada e sem sequer reconhecer minha

presença.
Eu baixei a cabeça, tentando não chorar e fui para sala, com Luana

ao meu lado tentando me dar força.

Sentei na minha cadeira e encarei a carteira rabiscada, aguardando o

sinal indicar o início da aula e tentando bloquear os murmúrios ao meu

redor. Quando a professora chegou, me esforcei para prestar atenção na

aula. A professora de redação estava nos dando algumas dicas em relação

ao vestibular e ao Exame Nacional do Ensino Médio e eu sabia que era


importante que eu a ouvisse, mas eu não estava conseguindo absorver

informação nenhuma.

Matheus estava sentado na fileira ao lado da minha, duas cadeiras à

frente, bastante atento à aula, ao contrário de mim, que não parava de olhar

para a nuca dele, esperando que ele me desse um pouquinho de atenção.

Eu queria conversar, esclarecer tudo e prometer que iria mudar, mas

nem eu mesma estava tão convicta disso.

Eu amava o Matheus, amava demais, mas não sabia mais se

daríamos certo.

Fechei meus olhos quando senti eles encherem de lágrimas, não

podia ficar na sala ou ia desabar na frente de todo mundo.

Aproveitei o momento que a professora se sentou depois de passar a

atividade e fui até a mesa dela.


— Professora Ana. — chamei, fazendo-a erguer os olhos para mim

— Desculpe, mas não estou me sentindo muito bem, poderia me dispensar

dessa aula?

— Oh, Alana. — ela disse, levemente preocupada — Essa aula é tão

importante para você... mas já que não está bem, tome aqui o passe para

enfermaria, espero que pegue o assunto com outro colega depois, ok?

— Pode deixar, obrigada. — agradeci, indo até minha mesa para

pegar meu material, sentindo todos a minha volta me encarando, mas não

olhei para ninguém e saí da sala.

Pensei em ir até a enfermaria, mas não adiantaria muita coisa. Eles

não podiam curar a tristeza, então fui até a arquibancada e me deitei

cobrindo meu rosto com as mãos e me permiti chorar.

Os restos dos dias foram assim e, quando eu vi, semanas já haviam

se passado. Eu alternava entre me manter firme na frente dos outros e

desabar emocionalmente quanto estava sozinha. Fazia três semanas que eu e

o Matheus não nos olhávamos ou falávamos um com o outro.

Enquanto eu me isolava, me afundando na minha tristeza, ele

parecia estar bem, sempre rodeado dos amigos. Isso acabava comigo,
principalmente porque Paloma parecia estar com ele o tempo todo.

Nesse meio tempo, eu e a minha mãe nos mudamos para a casa do

Brian. Estávamos nos acostumando a essa nova rotina, mas ele e o Joaquim

eram pessoas maravilhosas e eu realmente queria estar muito feliz por esse

momento novo nas nossas vidas.

Minha mãe já estava planejando o casamento deles no civil para

dezembro e isso provocava em mim um misto de emoções: Em um

momento eu estava feliz por ela, celebrando com o Joca, mas no outro eu

desabava porque eu queria que o Matheus estivesse celebrando conosco.

Em uma das vezes em que fiquei no meu quarto, lamentando o fim

do meu relacionamento, Joaquim apareceu para me consolar e quando eu

percebi, ele estava chorando também, então peguei na mão dele e

questionei:

— Bem, eu sei o porquê de eu estar chorando. Mas e você? Desde a

praia que você anda esquisito e não quer me contar o motivo.

— Não é nada não, Lana. Só fico triste de te ver triste. — ele

desconversou.

— Não vem com essa, Joca. Somos praticamente irmãos agora.

Você não confia em mim?

Ele ficou em silêncio por um tempo, olhando para o chão, e eu

apenas apertei sua mão. Quando ele estava pronto, suspirou e começou a
falar:

— Você está certa. Eu confio plenamente em você, é só que... eu não

estou muito acostumado a falar disso, sabe? Eu nunca escondi quem eu sou,

mas algumas pessoas usaram isso contra mim, então é um pouco difícil.

— Eu nunca faria isso, Joca. Ninguém deve ser julgado por ser

quem é, ainda mais alguém tão maravilhoso como você. — falei e ele sorriu

um pouco.

— Queria que todo mundo pensasse como você. Tudo bem, você

venceu, vou te contar o que aconteceu. É só... sabe que eu vim morar aqui

porque tinha uns caras sendo babacas comigo? — ele questionou e eu

assenti, então ele continuou: — Bem, um deles é o meu ex namorado.

Arregalei os olhos para ele, surpresa com a revelação.

— O que esse babaca fez para você?

— Aquela velha história. Éramos apenas amigos, aí um dia ele me

beijou do nada. Eu achei que ele estivesse só experimentando, mas acabei

me envolvendo igual, e quando eu vi, ele estava se declarando e me pedindo

em namoro. A gente foi bem feliz por um tempo, mas ele ainda não tinha se

assumido, então tinha que ser tudo escondido. Se a gente queria sair, tinha

que ser em outra cidade, se a gente queria privacidade, tinha que ir para

minha casa. Quando a gente ia para o colégio, ele me ignorava. E eu, bobo,

aceitava tudo, porque eu o amava demais. — ele contou, fungando.


— Isso é tão complicado, porque cada um tem seu tempo de se

assumir, mas ele foi tão babaca por te tratar assim.

— Foi e eu fui idiota em achar que ele me amava de verdade.

Quando os amigos dele começaram a me perseguir, tentei conversar, mas

ele só riu e disse que era bobagem, que era só zoação. Até que um dia eu

apanhei de um deles. E... bem, ele não fez nada. O que foi meio que um

soco no estômago por si só. Mas eu relevava, tentava pensar que ele
precisava se proteger, ninguém sabia que ele era gay. Enfim, eu devia ter

terminado tudo nesse momento, mas não terminei. — ele suspirou


pesadamente, segurando o choro e meu coração doeu de saber que Joaquim

tinha passado por isso. Ele tinha uma alegria tão contagiante que eu nunca
imaginei que algo tão sério assim tinha acontecido. Sabia que alguns caras

tinham feito a vida dele bem difícil, mas nunca pensei que alguém pudesse
ser tão baixo. — Aí as coisas ficaram ruins o suficiente para eu precisar vir

morar com o meu pai. — ele continuou — A gente chorou juntos, ele disse
que ia sentir a minha falta. A gente até fez planos de ir estudar juntos em

uma cidade que ninguém conhecesse a gente, porque assim a gente poderia
ficar juntos.

— Ah, então era por isso que você queria se mudar de novo?

— Era. — ele deu uma risada fraca — Mas agora não preciso mais,
já que ele avisou nas redes sociais que vai se mudar para Florianópolis com
a namorada dele.

— O quê? Como assim? — berrei, totalmente surpresa.

— Isso mesmo. Aquele dia lá na praia, nós estávamos nos

divertindo tanto que eu senti falta dele. Mandei mensagem, mas ele não
respondeu, então eu abri uma das redes sociais dele só para ver as fotos e

matar um pouco da saudade. Mas acabei encontrando um post dele falando


sobre a mudança e o quanto estava ansioso para se mudar. Achei muito

esquisito, porque ele não tinha me falado nada. Então encontrei uma foto
dele beijando uma conhecida nossa. E os amigos babacas dele todos

comentando sobre o quanto ele era sortudo. Aí eu percebi que ele era
apenas um babaca que nunca ia me assumir. Liguei para ele e passamos a

noite inteira discutindo, ele dizendo que me amava, mas que precisa manter
uma imagem e mais um monte de bobagem. Dei um basta, terminamos. —

ele finalizou, fungando.

— Joca, eu não acredito que ele teve coragem de fazer isso com
você! Que babaca! — falei extremamente indignada — Como alguém pode

ser tão cretino assim! É compreensível não estar pronto para se assumir,
mas usar as pessoas para manter uma imagem é extremamente desprezível.

— Pois é. Mas tudo bem, eu mandei fotos nossas para a namorada


dele, para ela ficar ciente de quem ele realmente é. Eu não queria que ele

enganasse mais uma pessoa.


— Eu estou orgulhosa de você por ter saído dessa relação abusiva e
ainda ajudar outra pessoa. Você é muito especial, Joca, e vai arranjar

alguém que não só vai te assumir, mas vai querer te exibir por aí como se
ele fosse a pessoa mais sortuda do mundo, porque ele vai ser! Você vai ver.

— falei, lhe dando um abraço forte.

— É um pouco difícil, mas estou disposto a recomeçar por aqui.

— Ótimo! Então vamos fazer o seguinte. Hoje foi a última vez que
nós choramos por causa de um cara, ok? — estendi o mindinho para ele e
selamos o pacto.

— Mas você e o seu macho logo vão se ajeitar. — ele disse e eu

franzi o cenho — Não faz essa cara que eu tenho certeza disso.

Eu também queria ter essa certeza, mas depois daquele dia, passei a
chorar bem menos e o Joca voltou a esbanjar sua alegria contagiante, até

saiu em um encontro.

Algumas noites depois, minha mãe e o agora noivo dela, tinham

saído para uma festa de casamento de um dos amigos do Brian, deixando


Joca e eu como responsáveis pela confeitaria. Minha mãe tinha deixado
muita coisa pronta, e a funcionária nova da cozinha, Olga, estava cuidando

do resto.

Estava distraída lendo um dos livros requisitados pelo meu cursinho


pré-vestibular quando o sininho da porta tocou, avisando que alguém estava

entrando. Levantei meus olhos para ver quem era e encontrei o olhar que eu
estava evitando há dias.

Era a primeira vez desde que nós demos um tempo que eu o via
sozinho. Matheus me encarou por um tempo, a expressão impassível, e

depois sentou em uma das mesas, pegando o cardápio.

Olhei para Joaquim, que estava passando um pano no balcão e, sem


olhar de volta para mim, ele disse:

— Nem pense nisso. Eu não vou lá, pode ir atendê-lo.

— Não faz isso, Joca! Por favor, faz isso por mim.

— Irmãzinha. — ele disse com muita paciência na voz — Vocês


precisam sentar e conversar, resolver isso de uma vez. Esse tempo de alguns

dias já está durando semanas.

— Não quero falar com ele aqui, não agora, por favor!

— Não tem conversa, Alana. Vai até lá! — ele avisou colocando o
pano no ombro, virando as costas e entrando na cozinha.

Então, me vi sozinha com o Matheus e fiquei alguns segundos


considerando minhas opções. Eu podia entrar na cozinha atrás do Joaquim e
ignorá-lo ou fazer o mais sensato e ir até ele.

Respirei fundo, buscando coragem, peguei o bloquinho e fui até a

mesa dele.

Aproximei-me e, só de sentir o cheiro dele, o meu coração bateu


acelerado.

Estava morrendo de saudades.

— Olá, boa noite! Você já gostaria de fazer o seu pedido? —


perguntei, controlando toda emoção da minha voz.

— Oi, Alana. Na verdade, eu gostaria de conversar com você...

Podemos fazer isso agora? — ele respondeu, me deixando totalmente sem


palavras.
MATHEUS

— Parece que estamos evitando um ao outro. — disse, olhando nos


olhos dela.

Como fazia tempo que eu não fazia isso, meu coração até bateu mais

forte naquele momento.

— É, mas não sabia se você queria me ver, então para não me


machucar mais, eu me afastei. — ela falou, descascando o esmalte das

unhas nervosamente.

— Queria que não tivesse se afastado tanto, nunca pensei que fosse

durar tanto tempo. — falei, segurando a mão dela e entrelacei nossos dedos
— Sinto sua falta.

— Eu também sinto, me senti péssima nos últimos dias, mas o nosso

relacionamento não podia continuar do jeito que estava. E eu não teria

coragem de me afastar de você, pedir um tempo ou terminar. — ela contou,

apertando minha mão.

— Eu sei que não, então tive que ser corajoso por nós dois. Foi bem
difícil.

— Imagino. Eu voltei para a terapia. Minha mãe meio que me

obrigou, na verdade. Estou com a mesma terapeuta da Luana, ela me deixa

bem à vontade e gosto disso.

— Isso é bom, fico feliz por você.

— Eu estava precisando. Só tive duas sessões até agora, mas


descobri uma coisa bem importante. — ela falou, ligeiramente séria, então

eu apenas aguardei o resto da história, acariciando a palma de sua mão —

Aparentemente eu tenho problemas com confiança. Segundo a terapeuta,

parte desse problema é culpa do meu pai e das inúmeras vezes que ele

falhou comigo.

Não era novidade nenhuma ouvir isso, mas eu fiquei feliz de ouvi-la

admitindo. Assim seria mais fácil de vencer esse problema.

— É, tentei lidar com isso da melhor maneira que pude, mas me

doía saber que você não confiava em mim. — disse, surpreendendo até a
mim mesmo com a mágoa na minha voz. Apertei a mão dela novamente

quando os olhos dela se encheram de lágrimas.

— Eu sei. Estou trabalhando nisso, juro que estou.

— Sei que sim. — respondi, encarando-a e perguntei: — Vai ficar

aqui até que horas?

— Tenho que fechar a loja com o Joaquim hoje, minha mãe saiu

com o Brian.

— Ok. Quer sair comigo depois?

— Quero sim, aonde vamos?

— Surpresa! Volto às dez para te buscar. — falei me levantando e


ela fez o mesmo. Acariciei seu rosto e beijei sua testa, estava com tanta

saudade de tê-la perto de mim — Senti muito a sua falta, bruxinha. —

declarei e ela sorriu.

— Eu também senti, meu amor. — ela falou, me surpreendendo com

um beijo delicado antes que eu fosse embora.

Fui de moto até minha casa, indo direto para garagem e coloquei na

mala do carro da minha mãe a barraca de acampamento. Entrei em casa

colocando alguns refrigerantes em lata e suco no cooler, separei algumas

coisas para a gente comer, mas logo percebi que teria que passar no

mercado antes de ir buscá-la.


Peguei o celular e mandei uma mensagem para o Nicolas e, quando

ele respondeu, dei a partida no carro e coloquei uma música alta. Estacionei

na casa do Nico e ele veio até o carro, trazendo uma caixa com toras de
madeira que ele colocou no porta-malas. Em seguida, ele abriu a porta e

sentou ao meu lado.

— Vai dar um jeito na vida, hein, irmão? — ele me cumprimentou,

colocando o cinto de segurança.

— A vida é agora e não há tempo para perder. Não é isso que você

vive falando? — respondi, dando a partida novamente.

— Finalmente alguém resolveu me ouvir. — ele falou, rindo — Mas

mano, pelo amor de deus, troca essa música. Isso aí nem letra tem!

— Ah, não começa, Nicolas! — exclamei, iniciando a discussão de

sempre.

No caminho, parei em uma venda e comprei marshmallows e

salgadinhos antes de seguir viagem até a praia. Chegando, aplanamos a

areia e comecei a montar a barraca enquanto o Nico montava a fogueira

com as toras que ele trouxera.

Ele costumava acampar com o pai dele e estava acostumado a

montá-las. Como estava com medo de alguém mexer no acampamento,

também era bom ter alguém para vigiar as coisas antes de eu buscar a

Alana. Avisei-o que eu estava voltando e ele ergueu o polegar para mim.
— Vai lá buscar sua mina, mas não esquece que você prometeu

pagar o motorista de volta. — ele avisou e eu revirei os olhos, mas mesmo

assim agradeci pela força.

Entrei no carro e fui buscá-la. Quando estacionei em frente à

confeitaria, senti até um frio na barriga, mas ela estava lá, me esperando

com um sorriso tão lindo no rosto que me perguntei como aguentei passar

tanto tempo longe dela.


ALANA

Quando olhei Matheus saindo do carro e caminhando em minha


direção, sorri novamente. O sorriso demorou a sair do meu rosto depois que

ele foi embora. Estava com tanta saudade de tê-lo por perto, de ouvir a voz

e sentir seu cheiro.

O que eu sentia por Matheus era como um daqueles amores que eu


lia nos meus romances favoritos, era como se o tempo que ficamos

afastados não tivesse abalado em nada o que sentíamos um pelo outro.

Ao se aproximar de mim, ele me ergueu pela cintura e tomou minha

boca em um beijo repleto de paixão e saudade. Abracei-o bem forte,


aproveitando cada segundo dele perto de mim novamente.

De mãos dadas, caminhamos até o carro. Ele dirigiu por todo o

caminho apenas com uma mão, pois não queria largar a minha e como o

trânsito estava tranquilo, não havia problema.

— Eu me mudei. — contei, enquanto conectava a minha playlist ao

som do carro.

— Sério? Eu ouvi uns comentários, mas não achei que fossem


verdade.

— Bem, eu e a minha mãe mudamos para casa do Brian há alguns

dias, está sendo bem legal ter o Joaquim sempre por perto.

— Posso imaginar, ele é um cara bem legal. Sua avó foi também?

— Não, ela disse que preferiria ficar em sua própria casa, então
respeitamos a vontade dela. Vou visitá-la sempre que tenho um tempo.

Chegamos na praia e, depois de descer, notei o acampamento que

ele tinha montado. Sorri para ele, beijando-o novamente.

Estava com tanta saudade!

Ouvi alguém pigarreando e quando me separei do Matheus,

encontrei o Nicolas nos observando.

— Meus pombinhos, desculpe interromper, mas eu não trouxe

minha carteira e quero ir embora antes que vocês se empolguem. — ele

disse e senti meu rosto esquentar.


Math resmungou um pouco sobre amigos sem noção e procurou

alguma coisa no bolso, enfiando algumas notas na mão do Nico, que bateu

uma continência para nós e saiu andando, mexendo no celular. Ergui a

sobrancelha para o Matheus e ele encolheu os ombros.

— Eu precisei trazer alguém para vigiar as coisas. E ele sabe montar

fogueiras sem que elas se transformem em um incêndio, tem até lenha em

casa. — ele explicou e eu ri, beijando-o novamente.

Sentamos ao redor da fogueira e ele me deu muitas guloseimas para


comer. Ali com certeza tinha comida mais que suficiente para nós dois,

afinal, Matheus comia muito quando resolvia sair do plano de alimentação

do treinador dele.

— Eu acho que a partir de agora nós deveríamos evitar pessoas que

não fazem bem para o nosso relacionamento.

— Eu também acho, eles já interfeririam demais. Também

precisamos confiar mais um no outro, conversar mais, ouvir mais.

— Sim, não podemos deixar que isso aconteça outra vez. — falei,

encostando minha cabeça no ombro dele — O que fez nesse tempo que

ficamos afastados?

— Além de te observar de longe? Treinei bastante e conheci uma

banda que toca muito bem na cidade vizinha, acho que deveríamos ir no
próximo show deles... E você, o que fez?
— Hum, no começo foi bem difícil, mas eu passei boa parte do

tempo com a Luna ou com o Joca, escrevi alguns textos e trabalhei bastante

na confeitaria.

— Eu notei, aquele lugar ficou incrível.

— Sim, do jeito que a minha mãe sonhou, estou muito feliz por ela.

— falei e ficamos um tempo em silêncio, contemplando o luar.

Quando ficou bem tarde e o vento começou a me fazer tremer, eu e

o Matheus entramos na barraca. Ele me entregou uma camiseta dele para eu

usar de pijama e, depois de nos trocarmos, deitamos bem juntinhos embaixo

de um edredom quentinho. Estava atenta às batidas descompassadas do

coração dele quando percebi que ele estava falando comigo.

— Hein? O que achou?

— O que achei sobre o quê?

— Estava no mundo da lua, bruxinha? Perguntei o que você achou


de o Rancho Cabral ter sido escolhido para a viagem de formatura.

— Ah, eu gostei! Apesar de nunca ter ido até lá, algumas pessoas

disseram que lá é lindo, aconchegante e muito romântico.

— É mesmo? Bom saber! Vamos poder aproveitar bastante juntos.

— Talvez, amor, talvez. Os professores costumam ficar no pé.

— A gente dá um jeito. — ele disse, me virando para ficarmos cara

a cara — Senti sua falta, linda! Mais do que você pode imaginar.
— Eu acho que posso, viu! Doeu tanto não estar com você e te ver

tão perto, mas tão longe.

— Não vivo bem sem você, então acho que vamos ter que dar um

jeito de estar sempre ao lado um do outro.

— Eu concordo bastante com isso! Eu te amo, Matheus.

— Também te amo, Alana.

Beijamo-nos, selando aquele acordo silencioso de amor e união.

Nunca pensei que a minha felicidade dependeria de alguém, mas agora, ao

lado do Matheus depois de tanto tempo longe, eu duvidava que eu

conseguisse ser feliz sem ele.


ALANA

Duas semanas depois...

Faltavam apenas alguns dias para a viagem até o Rancho Cabral.

Eu e o Matheus estávamos vivendo um momento bem feliz e a


terapia estava realmente me fazendo bem, porque eu já conseguia me sentir

mais segura sobre nós dois.

Acho que o que sempre atrapalhou tudo foi a minha insegurança

excessiva. Eu simplesmente não suportava que Paloma ficasse perto do

Math, porque na minha cabeça, ela era uma ameaça para o nosso
relacionamento. O que não fazia sentido num contexto em que o Matheus

nunca iria fazer nada, não importa o quanto ela quisesse. E agora eu sabia

disso.

Matheus estava treinando bastante para o último jogo, aquele que

encerraria a temporada. Ele estava bem ansioso, tinha esperado por isso por

muito tempo. Era o jogo que definiria tudo. Tiago tinha o treinado muito
bem e ele estava cheio de expectativas. Eu estava feliz por ele, mas também

estava bastante preocupada com o Exame Nacional do Ensino Médio e o

vestibular, que estavam chegando.

Conforme as semanas se passavam e as datas se aproximavam, o

clima ia pesando no colégio. Estávamos todos com muitas coisas para fazer
e mal tínhamos tempo para nós mesmos. Algumas pessoas já tinham até

chorado na sala por puro stress do terceiro ano.

Naquela manhã, saí para o intervalo e vi Paloma sozinha, na

arquibancada, lendo um livro que reconheci como uma das leituras

obrigatórias do cursinho. Acho que era por isso que ela andava tão estranha:

As provocações tinham cessado e concluí que ela estava, como todos os

outros, preocupada com o vestibular e também muito ocupada com a

comissão de formatura, afinal, tanto a viagem quanto a festa estavam


chegando. Considerando que a festa seria apenas alguns dias depois das

provas finais, eram várias coisas para fazer ao mesmo tempo.


Caminhei até ela e me sentei do seu lado, esperando falar alguma

coisa. Mesmo estando mais na dela, aquela garota nunca perdia a

oportunidade de me provocar. Mas ela nem ergueu os olhos do livro.

— Paloma... Aconteceu alguma coisa? — perguntei, depois de

alguns minutos.

— Não, nada. Por quê? — Ela perguntou, virando a página.

— Estou do seu lado há um bom tempo e você não disse nada de

ofensivo. Na verdade, você não tem dito nada há um bom tempo.

Ela dobrou o canto da página e fechou o livro bruscamente,


suspirando.

— Acho que eu cansei, Alana. Aconteceram algumas coisas que

obviamente eu não vou te contar, mas não quero me tornar uma pessoa

amarga e isso é o que aconteceria se eu continuasse a correr atrás dele. Você

enfeitiçou aquele ali direitinho, viu?

— Eu não fiz feitiço nenhum! Nós dois nos amamos. Sei que deve

ser difícil para você aceitar isso, mas é apenas amor.

— Eu percebi, fiz de tudo e mais um pouco e o Matheus não me deu

um olharzinho diferente. — ela revelou, parecendo magoada.

— Isso é bom, significa que ele gosta de mim de verdade... E olha,

talvez se você parasse de só olhar para o Matheus, começasse a ver as


outras pessoas. Eu sei que a gente não se dá nada bem, mas eu não quero o

seu mal. Tem outros caras aí no mundo e você vai ficar com vários deles.

— Bem, eu pretendo fazer isso na viagem. É o meu último ano e eu


preciso aproveitar.

— Com certeza. — falei e vi a Luana no campo, acenando para mim

com uma expressão engraçada — Eu tenho que ir, preciso ver umas coisas

antes de viajarmos.

— Tudo bem... Olha, não vou pedir desculpas por tudo porque eu

não faço isso, mas acho que podemos pelo menos tentar nos dar bem nessa

viagem, ok? Afinal, depois que tudo isso acabar a gente não vai se ver tanto

e eu não quero que você leve para sempre a imagem de que eu era uma

pessoa tão ruim.

— Pode ser, Paloma. Até amanhã!

Desci os degraus da arquibancada, encontrando a Luana que me

encarava como se eu tivesse mais de uma cabeça.

— Vocês estavam conversando? Você e a Paloma? Sem gritos, sem

farpas lançadas uma contra a outra? Meu Jesus, eu estou muito surpresa!

— Palhaça! A gente só amadureceu, eu acho. Nossos atritos eram

tão infantis, amiga. E ela não me pediu desculpas, nem nada assim, só pediu

uma trégua.

— Isso é surreal, principalmente para ela.


— Acho que ela não é tão ruim quanto pensávamos, lembro que ela

mudou bastante depois que os pais se separaram. A Karen que era bem

próxima a ela na época, e depois disso começou a afastar todo mundo, falar

mal da Karen e espalhar boatos maldosos. Foi o jeito que ela conseguiu

lidar com tudo, eu acho.

— Isso não justifica as atitudes dela, mas como somos pessoas de

bom coração, vamos compreender. De relações ruins com os pais eu

entendo.

— Ah, pois é! Às vezes a gente só precisa ignorar a rebeldia alheia.

Espero que ela tenha de fato amadurecido. Mas ei! Vamos logo no

shopping, preciso de um biquíni novo com urgência.

Depois de fazermos compras e tomarmos um chá gelado, fazendo

planos para a viagem, concordamos que Luna iria dormir na minha casa no

dia seguinte para que nenhuma de nós se atrasasse. Despedimo-nos e fui

para casa.

Cumprimentei minha mãe e o Brian, que estavam na cozinha, e corri

para o meu quarto. Estava tirando as roupas da sacola quando o Math me

ligou.

— Oi, amor! — falei ao atender.

— Oi, minha linda.

— Tudo certo para a final do campeonato?


— Tudo sim, hoje fomos conhecer o estádio do jogo.

Reconhecimento de campo, apenas, mas é bem legal lá. E a sua tarde, como

foi?

— Saí com a Luna hoje, fomos comprar algumas coisas para a

viagem. — disse, me jogando na cama.

— Ah, verdade! O Nico tinha comentado alguma coisa. Está

chegando o dia, né?

— Pois é. Nem acredito que logo estaremos formados, o tempo está

passando muito rápido! — exclamei, me sentindo um pouco nostálgica.

— Pois então. O jogo está cada vez mais próximo, estou começando

a ficar ansioso.

— Os vestibulares também! Ah, aliás, hoje eu e a Luna compramos

as passagens para São Paulo, agora só precisamos reservar o hotel. Nós

vamos aproveitar e dar uma passeada por lá, conhecer um pouco a cidade. E

também falamos um pouco sobre as férias. Você já sabe o que vai fazer nas

suas?

— Ainda não. E você?

— Luna me convidou para ir para Londres com ela e a tia, vamos

aproveitar e tirar o visto em São Paulo. — contei a ele.

— Ah... — ele disse, um pouco desapontado — Legal, mas achei

que passaríamos as férias juntos.


— São só alguns dias, amor. E você pode vir com a gente, se quiser.

— sugeri animada, mas ele não pareceu gostar muito da ideia.

— Estava pensando em algo mais romântico. Ano que vem, com a

faculdade, nosso tempo juntos vai diminuir bastante.

— Eu sei, mas não posso abrir mão da viagem, Math. Já combinei

com a Luna e com a tia dela. E vão ser só duas semanas. Temos mais de um

mês de férias, vamos poder ficar juntos até o final dela.

— Tudo bem, linda. — ele bocejou — Vou dormir, quero estar

descansado para as provas de amanhã.

— Eu também! Até amanhã, amor.

— Até, bruxinha.

Desliguei e fiquei admirando meu plano de fundo, que exibia minha


foto favorita de nós dois, curvados juntos sobre um livro e sorrindo um para

o outro. Luna havia tirado sem que percebêssemos no meio da aula de


geografia. Eu amava aquela foto porque eu conseguia ver o quão

confortável estávamos um com o outro, e foi olhando para ela que eu


adormeci.

Na manhã seguinte, eu e Joaquim fomos juntos para o colégio e,

depois de encontrar nossos amigos, fomos para nossas respectivas salas


fazer as provas finais.
O dia passou voando. Para quem estava no cursinho e estudando
para o vestibular, as provas não estavam difíceis, mas como eram quatro

provas, a manhã acabou com todos exaustos.

Eu não consegui me juntar aos meus colegas que freneticamente


conferiam os gabaritos, só conseguia pensar em ir para casa relaxar, então

foi exatamente isso que eu fiz.

Assim que cheguei em casa, engoli o meu almoço e subi para meu

quarto. Descansei até a hora de ir para o cursinho, para o qual eu fui me


arrastando. A prova de física tinha esgotado as minhas energias.

Mais tarde, naquela noite, depois de eu arrumar minha mala para o

dia seguinte, minha mãe se deitou comigo na minha cama. Assistimos a um


filme juntinhas, só nós duas. Brian estava de plantão e Joaquim tinha

anunciado, muito feliz, que iria sair com seu novo crush, e que depois
buscaria Luana, já que ela dormiria aqui em casa.

— Alana, seu pai me ligou mais cedo. — minha mãe anunciou


casualmente e eu a encarei surpresa.

— Ligou? O que ele queria?

— Queria saber como você estava, quando seria sua formatura e

onde você iria passar as férias.

— Ah, porque esse interesse todo?


— Bem, ele disse que vem para sua formatura e que quer que você
passe algumas semanas das férias com ele.

— Ahhh, mãe! Fala sério, pensei em passar esse tempo com o

Matheus. — comentei, não gostando do rumo daquela conversa.

— Alana, ele é seu pai! Vocês mal se viram durante esses anos.

— Se não nos vimos, não foi por culpa minha. — reclamei,


amargamente.

— Eu sei que não foi culpa sua. Mas se ele deu o primeiro passo,
cabe a você dar o segundo.

— Não sei de onde veio esse interesse súbito em mim. Olha, eu vou

passar uns dias com ele sim, só para não parecer ingrata, mas o Matheus
não vai ficar muito feliz com isso.

— Ele supera, vocês têm a vida toda para ficarem juntinhos. — ela
falou e eu senti um peso no estômago.

Eu estava pensando muito nisso ultimamente.

— Não sei disso, mãe. Math tem quase certeza que o olheiro vai

levá-lo para o tal time que ele tanto quer ir. Ele está se esforçando como
nunca. Eu assisti aos jogos, ele foi incrível.

— Eu imagino, mas não podemos prever o futuro. Quem sabe ele

não vai para a tal da universidade de São Paulo com você? — ela falou com
um sorriso, mas eu não retribuí.
— Acho que ele não seria feliz se fosse. — falei com pesar e ela me

abraçou, fazendo um cafuné em meus cabelos, tentei voltar a prestar


atenção no filme, mas acabei adormecendo.
ALANA

Na manhã seguinte, acordamos muito cedo. O ônibus que nos


levaria até o Rancho Cabral sairia bem cedo do colégio, para aproveitarmos

muito bem esses três dias lá.

— Eu nem vi vocês chegando ontem. — falei ao encontrar o

Joaquim e Luna sentados à mesa, tomando café.

— Eu percebi, sua mãe disse que você pegou no sono. Eu não

cheguei muito tarde, o Joca mandou mensagem cedo demais. — Luana

comentou, fazendo uma careta.


— Nós precisávamos dormir cedo, né, gata? Eu sei que você queria

ficar com o teu macho, e eu também queria ficar com o meu, mas aí nós não

íamos aproveitar em nada a viagem! — Joaquim retrucou, fazendo Luana

rir.

— E como estão as coisas com o Rafa? — perguntei, servindo-me

de café, esse era o nome do rapaz com quem ele estava saindo.

— Bem boas. É muito cedo para afirmar qualquer coisa, mas ele é

bem atencioso. E pegou na minha mão em público, o que é algo que o meu

ex nunca faria.

— Que máximo, Joca. Você merece! Mal posso esperar para sairmos

em casal.

Minha mãe logo em seguida apareceu, nos apressando e dizendo que


íamos nos atrasar. Subimos correndo para escovar os dentes e pegar as

malas, então Brian nos levou para o colégio. Depois de muitas

recomendações dos professores, nos despedimos dos nossos pais e entramos

no ônibus.

O primeiro dia no Rancho Cabral foi muito intenso e repleto de

descobertas. Conhecemos a casa em que ficaríamos, fizemos uma trilha

para conhecer a propriedade, vimos os animais, tomamos banho de

cachoeira e a noite, ainda tivemos um jantar especial.


No segundo dia, eu estava deitada ao lado de Luana em uma das

espreguiçadeiras enquanto Matheus e Nicolas jogavam futevôlei com os

outros meninos do time. Joaquim estava entre eles e era um jogador

horrível, mas estavam todos rindo e tentando ensiná-lo.

— Alana, minha tia me disse que vamos poder ficar no apê dela lá

em São Paulo! — Luna exclamou, sem tirar os olhos do celular.

— Ótimo, já economizamos com aluguel.

— Sim, estou tentando controlar minha ansiedade, mas você não

sabe o quanto estou feliz por estarmos indo juntas.

— Eu também estou muito feliz, Luna. Vai ser incrível.

— Eu espero que sim... E acho que ainda não te contei. — ela disse,

erguendo os olhos para mim, parecendo muito animada — Nico está

pensando em ir conosco para São Paulo! Eu nem acreditei quando ele me

contou ontem. Ele fez a inscrição do vestibular há meses e só contou agora!

— Ah, que bom! Engenharia Ambiental que ele quer fazer, né?

Tomara que ele passe! Como eu queria que as coisas fossem mais simples e

que Matheus pudesse ir também, mas eu sei que não é isso que ele quer.

— Talvez ele queira, Lana. Você não sabe...

— Ele quer jogar futebol, Luna. Esse olheiro vai decidir o futuro

dele, você sabe que o time do colégio é mantido pelo time do nosso estado,

a maioria dos jogadores que se destacam, vão direto para o profissional por
causa disso. — comentei, com um suspiro — Estou tentando me acostumar

com a ideia de que talvez não estejamos juntos quando isso acontecer. —

falei, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas.

— Não fica assim! Viva o agora, Lana. Nicolas vive dizendo isso, e

ele está certo, sabe? Não pensa no futuro, curta esse momento com ele e

crie memórias inesquecíveis, assim, mesmo que vocês estejam longe, ainda

estarão pertos um do outro. — ela disse, me dando um abraço apertado.

Logo depois, os meninos apareceram e sugeririam que fossemos até

rio, onde passamos o resto da tarde.

Dispostos a dormir juntos, Matheus e eu conseguimos despistar os

professores e trocamos de quarto nas duas primeiras noites, pois

coincidentemente as meninas que estavam no mesmo quarto que eu e a

Luana, namoravam os meninos que estavam no quarto dele e do Nico.


Então combinando direitinho, todo mundo dormiu junto com seu par.

A única parte ruim foi ter que acordar muito mais cedo que o normal

para não levantar nenhuma suspeita.

No nosso último dia, os professores resolveram fazer uma

competição entre os casais. Eu estava de mãos dadas com o Matheus,

sentada ao lado da Luna e do Nico, esperando a atividade ser organizada.

Quando, subitamente, Luana soltou uma exclamação.


— Eu não acredito que eles estão juntos! — ela disse, olhando para

Paloma de mãos dadas com o Tadeu.

— Eu não estou tanto assim, porque acho que ele sempre gostou

dela. — revelei.

— Como assim!? — ela disse, arregalando os olhos — Mas ele era

tão grosso com ela! Eles viviam brigando! Quando você percebeu isso?

— Já vi algumas trocas de olhares pelo colégio e quando estávamos

no ônibus, tudo ficou ainda mais claro para mim. Talvez as brigas fossem

amor reprimido e como agora finalmente a Paloma saiu dessa obsessão que

ela tinha pelo Matheus, eles estão se conhecendo melhor.

— É, pode ser, e depois que vocês voltaram, ela se aquietou mais.

— Ela viu que isso aqui é inabalável, amiga. — disse, beijando o

Matheus, que sorriu junto à minha boca e me abraçou, aprofundando o beijo


e me deixando cada vez mais apaixonada.

Logo fomos interrompidos pelos professores, que nos chamaram e

entregaram um mapa para cada casal, explicando a atividade que consistia

em percorrer o Rancho como em uma caça ao tesouro, recolhendo as pedras

coloridas escondidas nos lugares indicados e desvendando as pistas.

O casal que encontrasse todas as pedras e voltasse ao ponto de

partida primeiro, ganharia dois convites para voltar ao Rancho quando

quisesse.
Eu ficaria feliz em ganhar, mas não me importaria em perder. O

legal para mim era participar, mas ao contrário de mim, Matheus era

competitivo ao extremo e só entrou na brincadeira para ganhar.

Quando foi dada a largada, entramos na floresta que era bem

inclinada, então já começamos com muito esforço na subida. Math subiu

mais rápido que eu e me ajudou, me puxando pela mão. Pegamos a primeira

pedra e desvendamos a pista que nos mandou para perto da cachoeira, onde

estava a pedra verde. Chegando lá, vimos uma placa indicando que ela

estava dentro do rio e que teríamos que mergulhar.

— Acho melhor eu ir, mergulho melhor que você. — falei, tirando a


blusa e ficando apenas com a parte de cima do biquíni.

Amarrei a blusa no short e o Math disse:

— Vamos os dois, você mergulha primeiro, se não achar eu vou

procurar.

Assenti e mergulhei nas águas transparentes, logo encontrando a

pedra e entregando ao Matheus, que a colocou no bolso e passou a decifrar

a terceira pista.

Vários obstáculos depois, chegamos à missão final. Cavalgar até o

final da plantação. Eu não tinha muita confiança na montaria, mas Matheus

sabia cavalgar muito bem e nos levou tranquilamente até o fim do milharal.
Começamos a correr em direção a casa e no meio do caminho, vi

Tadeu nos alcançar, correndo de mãos dadas com Paloma.

Matheus agarrou a minha mão e nós dois começamos a correr

desembestados, mas eu não era uma boa corredora e o Matheus não queria

me machucar, então ficamos em segundo lugar.

Paloma e o Tadeu ganharam e até beijo de comemoração rolou.

Os outros casais chegaram e nós aplaudimos os vencedores, mesmo

Matheus estando meio emburrado. Rindo, dei um abraço nele e beijei seu

rosto, dizendo para ele desfazer o bico, o que fez ele rir um pouco também.

Voltamos para os nossos quartos e eu e Luna fomos arrumar as

malas. Depois de tomar um banho, esperei Luana tomar o banho dela


enquanto eu mandava fotos para a minha mãe e matava a saudade que eu

estava dela, contando tudo que estava acontecendo.

Fomos almoçar na cozinha e depois fomos todos para frente da casa


para tirarmos a foto da turma.

Foram dias maravilhosos para um ano de muitas mudanças. Por um


momento, desejei que Karen estivesse ali para que tudo fosse perfeito, mas

eu sabia que ela estava comigo, sempre esteve e sempre estará.

Nos despedimos do pessoal que cuidava do Rancho e entramos no


ônibus, seguindo em direção ao colégio. Ao contrário da ida, que foi
bastante animada, a volta foi muito silenciosa. Estávamos todos muito
cansados e eu dormi no ombro do Matheus o caminho inteiro.

Quando chegamos no colégio, Brian nos esperava no

estacionamento. Me despedi do Math com um longo beijo e fui até ele, que
estava colocando as malas do Joaquim no porta-malas.

Cumprimentei-o com um abraço e perguntei:

— Onde está a minha mãe? Por que ela não veio?

— Sua mãe acordou enjoada. Ontem ela sentiu umas tonturas, e


como ela estava dormindo, preferi não acordá-la e eu mesmo vim buscar

vocês.

— Ah, tudo bem. Espero que não seja nada demais.

— Deve ser uma virose, algo assim. — Joca comentou, soando

exausto.

— É o que ela também acha. Mas vamos logo, vocês precisam


descansar. — ele disse, entrando no carro.

Assim que cheguei, vi minha mãe acordada na sala, assistindo

televisão. Corri para seu colo, envolvendo-a em um abraço.

— Que saudade da minha menininha! — ela exclamou, beijando

minha testa.

— Foram poucos dias, mãe. Como está? Soube que não anda se
sentindo bem.
— Já estou melhor. Deve ser essa virose que está se alastrando pelo
bairro.

— Pode ser, mas qualquer coisa vamos ao médico.

— Pode deixar, mocinha. Mais tarde a sua avó vem jantar aqui. Ela

quer te ver, está com saudades.

— Também estou com saudades dela, mas agora vou tomar um


banho e descansar. Depois eu desfaço as malas. — avisei, subindo para o

meu quarto.

Tomei um longo banho, aproveitando para lavar os meus cabelos e

depois de me arrumar, me joguei na cama, mandei uma mensagem para o


Matheus avisando que iria dormir, para que ele não se preocupasse caso me

mandasse mensagem e eu não respondesse.

Quando acordei, percebi que já tinha anoitecido e notei o quanto eu


estava cansada. Encontrei o Joaquim e o Brian fazendo o jantar e fui ajudá-

los.

Minha mãe ainda estava um pouco enjoada e mal tocou na comida,

mas fora isso, tivemos uma noite bastante agradável.

Matamos a saudade da vovó e o Brian foi levá-la em casa, enquanto


eu e o Joca fomos lavar a louça.

Quando terminamos de arrumar a cozinha, fui falar com o Matheus.

Depois de algumas mensagens, ele me avisou que queria dormir junto


comigo. Minha mãe concordou quando eu pedi permissão que ele viesse, e

só pediu para tomarmos os devidos cuidados.

Esperei que ele chegasse e fomos direto para meu quarto. Ele
imediatamente se jogou na cama e sorriu para mim, mas pedi que ele

esperasse um pouco. Depois de escovar os dentes, vesti o meu pijama, me


deitei ao lado dele, escorando a cabeça em seu peito. Ficamos ali, em

silêncio, ele distraidamente traçando círculos com a mão nas minhas costas.

— Amor, você está bem? Está tão quieto...

— Desculpa, linda. É que o jogo é daqui a dois dias, não consigo

pensar em outra coisa. — ele respondeu e eu ergui meu corpo para olhar
nos olhos dele.

— Imagino. Qualquer um no seu lugar estaria nervoso também, é o


seu sonho. Mas você treinou o ano todo para isso. Você vai conseguir.

Ele sorriu e ergueu a mão para colocar meu cabelo atrás da minha

orelha.

— Adoro o fato de você acreditar em mim. Eu só queria estar mais


seguro.

— Meu amor, você é o melhor jogador da cidade e, se duvidar, do

estado inteiro. É nisso que eu acredito e que você também tem que
acreditar. — falei e ele me puxou para si, invertendo nossas posições e me
envolvendo em um beijo carinhoso e apaixonado.
Eu amava demais o Matheus, mas enquanto me entregava a ele, só

conseguia pensar que o momento de tomarmos uma decisão sobre o nosso


relacionamento estava cada vez mais perto.
ALANA

O dia do jogo finalmente havia chegado e eu estava tão tensa que


preferi não ver o Matheus antes do jogo, queria que ele se concentrasse e

ficasse focado.

Dona Lúcia, minha mãe e o Brian estavam comprando bebidas, e o

Joaquim, a Luana e a Tamires estavam conversando animadamente na


arquibancada ao meu lado, mas eu não conseguia prestar atenção neles.

O jogo já iria começar e a minha ansiedade estava aumentando a

cada minuto. Estava quase na hora quando o Nicolas apareceu, com

joelheiras e tudo.
— Alana, preciso de você. Vem comigo. — ele me chamou e todos

olharam para ele sem entender nada.

Eu me levantei e fui com ele.

— O que aconteceu?

— Matheus precisa de você, está surtando lá no vestiário, dizendo

que não vai conseguir. Já tentei todas as técnicas que costumamos usar

nessas situações, mas não está adiantando. Você é nossa última esperança.
— ele disse e eu assenti, seguindo-o apressadamente.

Entrei com ele no vestiário e ele me mostrou onde o Matheus estava.

Meu namorado estava sentado em um banco, com a cabeça baixa e

chorando.

— Oh, meu amor, o que aconteceu? — perguntei, me agachando em


sua frente e segurei suas mãos.

— Eu não vou conseguir, Alana. Achei que conseguiria, que daria

tudo certo e que esse nervosismo que estava sentindo era algo passageiro,

mas não. Estou morrendo de medo. — ele falou e eu nunca tinha ouvido

tanto desespero na voz dele.

Meu coração se quebrou, mas eu precisava ser forte por ele, então

muito calmamente soltei as nossas mãos para segurar seu rosto e falei:

— Math, você é o garoto mais confiante que eu conheço. Não pode

deixar um jogo te abalar, você conseguiu em todos os outros.


— Os outros jogos não tiveram o peso que esse tem.

— Tiveram sim. Se você não tivesse ido tão bem em todos os

outros, o time não estaria na final do campeonato hoje.

— Estou com medo de não ser bom o suficiente. Eu não sou o

Alex... — ele praticamente sussurrou.

— Não é mesmo, mas você é tão talentoso quanto ele era. Dê o seu

melhor em campo hoje, meu amor. Vai ser mais que o suficiente. — falei,

abraçando-o.

Não havia muito tempo para consolá-lo, mas eu senti seu corpo
relaxar um pouco contra o meu e eu soube que tudo ficaria bem.

— Eu te amo, Alana. Não sei o que faria sem você. — ele disse,

beijando os meus lábios suavemente e me abraçou ainda mais forte.

Logo o treinador chamou todo o time para a concentração e eu tive

que voltar para a arquibancada. Minha mãe já havia voltado e parecia

bastante aflita com meu desaparecimento. Expliquei a situação rapidamente

e tranquilizei a dona Lúcia quando ela perguntou como o Matheus estava,

então logo os jogadores entraram em campo.

Depois dos hinos dos colégios, o árbitro apitou e o jogo começou.

Novamente precisamos das narrações e explicações da Tamires para

entender o que estava acontecendo, mas mesmo sem isso eu pude perceber

que o Matheus estava sendo constantemente marcado, não tendo muita


liberdade para jogar como ele geralmente jogava. Eu conseguia ver que ele

estava começando a ficar impaciente.

O fim do primeiro tempo estava se aproximando e nenhum gol tinha


acontecido ainda.

— Agora vai, o Nico está livre! — Tamires exclamou e eu pude

observar o Matheus correndo para um ponto estratégico, enquanto Nicolas

recebia a bola e se preparava para passar para ele. Mas, subitamente, um

jogador adversário trombou com o Matheus, que caiu no chão.

— Falta! Foi falta! — Brian gritou.

Matheus pareceu concordar, porque imediatamente ele se levantou e

deu um empurrão no adversário. Uma pequena discussão começou a se

formar quando outros dois adversários se juntaram à briga, e então o árbitro

ergueu o cartão amarelo, apontando para o Matheus.

— O quê? Mas foi aquele número 6 que começou! — falei,

indignada.

Matheus não pareceu nada feliz, mas Albert correu até ele e falou

alguma coisa, e então o jogo reiniciou.

O clima ainda estava bastante tenso quando o apito soou indicando o

fim do primeiro tempo, que terminou 0 a 0.

— Vamos, filha, vamos comer alguma coisa. — minha mãe chamou

e nós fomos todos atrás do vendedor de pipoca.


Eu não sabia que um jogo de futebol podia me deixar tão nervosa

assim, mas então a vida me provou que nada é tão ruim que não possa

piorar.

Enquanto eu entregava a pipoca ao Joaquim, virei para pegar o

dinheiro com minha mãe, e então vi o sorriso dela murchar e ela desfalecer,

sendo aparada por Brian.

— Mãe! — gritei e fui até ela, quase derrubando o Joca no processo.

Brian a carregou até o carro e eu fui atrás, assim como o Joaquim.

— Vou levá-la para o hospital, sua mãe é muito teimosa, Alana.

Estou falando com ela ir desde que você voltou. — ele disse nervoso e ela

começou a despertar em seu colo.

— Eu vou com você, minha mãe nunca passou mal desse jeito. —

falei e ela olhou para mim, piscando.

— O que aconteceu? — ela perguntou, um pouco desorientada.

— Você desmaiou e estamos indo para o hospital. E nem conteste, é

a terceira vez em dois dias. — Brian disse decidido e ela assentiu. Fui até a

porta traseira e Joaquim segurou meu braço.

— Você não vai ver o final do jogo?

— Não vou conseguir me concentrar, estou muito preocupada com

ela. Explica ao Math, ele vai entender. E pede para Tamires ir me


atualizando por mensagens. — falei, dando um abraço rápido nele e

entrando no carro.

Quando chegamos ao hospital, Brian carregou minha mãe até a sala

de espera, colocando-a em uma cadeira enquanto eu explicava a situação

para a enfermeira, que me deu uma ficha para preencher. Não demorou para

um médico chamar pelo nome dela, e Brian a ajudou a levantar e ir até o

consultório.

Enquanto eu esperava notícias, roí todas as minhas unhas que eu

estava deixando crescer. Eu estava tensa por não saber o que a minha mãe

tinha e estava tensa por não estar vendo o jogo pelo Matheus para passar
toda a confiança que ele precisava. Mas eu tinha fé que ele se sairia bem,

mesmo sem mim.

Depois do que pareceram horas, Brian saiu da sala com os olhos

molhados e um enorme sorriso no rosto.

— Brian, o que aconteceu? — perguntei confusa e ele me abraçou

forte. Por cima do ombro dele, vi minha mãe em uma maca sendo levada

para algum lugar.

— Sua mãe quer falar com você. Ela está sendo levada para

enfermaria, vai ter que ficar mais umas horas aqui. Vem que eu vou te levar

até ela. — ele disse e eu o segui em silêncio, milhões de teorias se

formando na minha cabeça.


— Oi, mãe.

— Oi, meu amor! — ela falou, emocionada.

— O que a senhora tem? Não é nada sério, é? — perguntei,

entrelaçando nossos dedos.

— Não, meu amor. É uma coisa maravilhosa! Descobri que estou

grávida. — ela revelou e eu a encarei surpresa.

Senti várias emoções me invadirem, todas ao mesmo tempo: Alívio


por ela estar bem, preocupação pela idade da minha mãe, compreensão

quando pensei em todos os sintomas que ela tinha exibido nos últimos dias
e, o mais importante deles: Felicidade.

— Ah, mamãe! Que notícia maravilhosa! — abracei-a, sentindo

meus olhos se encherem de lágrimas — Estou muito feliz por você, te amo
demais.

— Também te amo, meu amor. Sabia que você ia ficar feliz. — ela
beijou minha bochecha e eu a encarei, emocionada.

— O que a médica disse?

— Ainda não disse muita coisa, vamos conversar mais tarde. Mas já

sabemos que eu não sou mais tão jovem, vou precisar tomar vários cuidados
extras. — ela falou e eu segurei sua mão.

— É, mas vai dar tudo certo. Brian com toda certeza vai estar lá por

você em todo o processo. Ah, mamãe, mal posso esperar para conhecer esse
neném lindo! Espero que ele resolva nascer em uma semana tranquila, eu
quero poder viajar para vê-lo nascer!

— E eu vou te querer do meu lado, filha. Mas agora vai para o

estádio, vai lá apoiar o Matheus, eu vou ficar bem. — ela me abraçou e eu


assenti, saindo do leito.

Acabei esbarrando no Brian, então o abracei rapidamente,


parabenizando-o. Ele ainda estava muito mexido e só conseguia sorrir,

então expliquei que precisava voltar ao estádio. Ele me entregou as chaves


do carro e eu segui meu caminho.

Pelo tempo que havia passado, eu sabia que o jogo já tinha

terminado, a última mensagem de Tamires me avisava que eles tinham


ganhado.

Então estacionei e fiquei esperando do lado de fora. Alguns minutos


depois, vários jogadores saíram, cantando e rindo, mas não vi Matheus

entre eles. Nicolas me viu e veio até mim, os punhos erguidos em


comemoração.

— Parabéns! — falei, abraçando-o. — Vocês mereciam muito!

— Você ajudou! Sem você, o Matheus não teria jogado, e ele foi a

estrela do segundo tempo!

— Falando nisso, cadê ele?


— Está lá dentro. Ele, Albert e o treinador estão conversando com o
olheiro. Alana, acho que eles conseguiram! — ele contou, animado.

— Os dois? — perguntei surpresa e ele assentiu — Isso é incrível, o

Matheus treinou muito para esse momento. — suspirei, aliviada — Ah,


quantas notícias boas hoje! Mas e você, não pretende seguir carreira

profissional?

— Ah, não. A estrela sempre foi o Matheus, e o Albert também


sempre sonhou com isso, eu só comecei a jogar por causa deles e do Alex,
sabia? Eu quero fazer Engenharia Ambiental. Minha pegada sempre foi a

natureza! E eu pretendo ir para São Paulo com vocês. — ele contou.

— Luna comentou isso comigo. Está preparado para o vestibular?


Tenho certeza que vamos passar! — disse animadamente, e ele riu, meio

sem graça.

— Você e a Luna eu tenho certeza que vão, mas eu, já não sei. É
muita concorrência! Mas de qualquer forma, não me importo de me

encaixar em qualquer outra faculdade em São Paulo. Eu só quero estar perto


da Luna.

— Vocês dois são muito fofos! Vai lá encontrar com a Luna que eu

tenho certeza que ela está doida para te dar os parabéns. — falei,
abraçando-o novamente.
Um tempo depois, o treinador saiu acompanhado de um homem de

aparência séria, que presumi ser o olheiro. E logo atrás deles saiu o
Matheus, com os olhos cheios de lágrimas.

Assim que ele me viu, veio correndo até mim e me abraçou. Ele me

apertou em seus braços, sussurrando que tinha conseguido e eu não podia


estar mais feliz por ele.

Choramos juntos e, quando ele me beijou, foi como se pudéssemos


compartilhar tudo o que não conseguíamos dizer em palavras.

Enquanto eu o parabenizava, dando vários beijos em seu rosto, eu

senti minha felicidade se misturar à angustia. O momento de tomarmos uma


decisão estava cada vez mais perto e eu ainda não tinha certeza do que

poderíamos fazer para ficar juntos.

Mas respirei fundo, decidindo não deixar que esses pensamentos

ofuscassem a noite maravilhosa e cheia de novidades que eu estava tendo.

Fomos comemorar a vitória do campeonato em uma lanchonete


próxima do estádio. Estar com todos ali reunidos foi incrível. Eu lembraria

desses momentos por toda a minha vida e, mesmo se não lembrasse, as


inúmeras fotos que estávamos tirando fariam o favor de me lembrar.

Já era madrugada quando nos despedimos de todos e seguimos para


minha casa. Joaquim tinha saído com o Rafa e minha mãe havia mandado
uma mensagem avisando que passaria a noite no hospital, então eu convidei

o Matheus para entrar e tivemos a mais perfeita noite juntos.

Nos amamos intensamente, trocamos juras de amor eterno e por um


momento, eu me permiti sonhar com um futuro ao lado dele, torcendo para

que isso fosse possível.

Na manhã seguinte, eu acordei antes dele. Levantei-me sem fazer


barulho e com o coração já apertado. Desci, preparei todo o café da manhã

e esperei ele acordar. Quando ouvi passos na escada, eu soube que o


inevitável momento tinha chegado, nós precisávamos conversar.

Ele me abraçou por trás, beijando meu pescoço e sussurrando um

bom dia que eu retribuí numa voz quase sussurrada.

Coloquei o café na mesa e ele se sentou, servindo-se e começando a


falar sobre o jogo e toda a adrenalina que tinha sentido. Eu apenas o escutei,

em silêncio. Não conseguia nem mesmo olhar para a comida.

— ...e então o olheiro me chamou e começou a falar sobre contratos


e essas coisas, o treinador fez um monte de perguntas burocráticas e enfim,

me ofereceram uma vaga no time principal, Alana! Quer dizer, não é o


melhor da região, mas é uma oportunidade de ouro para eu iniciar a carreira
profissional! Albert recebeu a mesma proposta também e eu fiquei tão feliz
por ele porque esse era um sonho que a gente compartilhava, sabe? — ele

concluiu seu monólogo, sorrindo para mim, que não consegui retribuir.

— Matheus, eu acho que a gente devia conversar sobre o nosso


futuro, acho que já adiamos essa conversa por tempo demais. — falei e o
seu semblante mudou totalmente.

— Eu acho que podemos adiá-la mais um pouquinho.

— Math, eu estou falando sério.

— Eu também, não quero discutir o futuro do nosso relacionamento


um dia depois de ter recebido a notícia que vai mudar a minha vida. — ele

segurou a minha mão e a acariciou — Deixa eu curtir esse momento com


você. Prometo que essa conversa não vai demorar muito mais para

acontecer.

Assenti e ele beijou suavemente os meus lábios, voltando a falar


sobre o jogo com uma emoção contagiante e eu aproveitei para contar a ele

o motivo de eu não ter assistido o segundo tempo.

Durante os dias seguintes, eu pensei muito sobre o quanto a minha

vida mudaria nos próximos dias. As aulas já tinham terminado, a formatura


estava cada vez mais próxima.

E eu e o Matheus ainda não tínhamos conversado. Ele mudava de


assunto toda vez que eu tentava iniciar uma conversa, provavelmente

porque ele assim como eu, sabia o quanto seria difícil manter um
relacionamento à distância.

Aproveitei o tempo livre para ligar para o meu pai para


combinarmos minha visita. Eu iria para casa dele logo depois da formatura

e só voltaria perto do Natal, para o casamento da minha mãe e logo depois


eu viajaria com Luna.

Como eu estava sozinha, deitei na cama e resolvi assistir alguma

série apenas para me distrair, mas logo meu celular vibrou com uma
mensagem do Joaquim.

Era uma foto do painel que ficaria logo na entrada do colégio,

formado por inúmeras fotos que o jornal do colégio tinha tirado durante
todo o ano letivo.

Meus olhos se encheram de lágrimas ao ver que, no centro de tudo,


havia uma grande foto da Karen e do Alex. A homenagem me emocionou
muito e fez meu peito arder de saudades, e as lágrimas começaram a cair
quando dei zoom em uma foto minha com o Matheus.

Meu coração doía ao pensar que eu teria que abrir mão do amor da
minha vida.
No dia seguinte, acordei tarde. Tinha ficado acordada até bem tarde

assistindo a série que Joaquim e Luna recomendaram, e como eu tinha


avisado minha mãe sobre isso, ela não tinha me acordado cedo. Quando eu
desci, fui até a cozinha e sentei em um dos balcões, observando minha mãe
terminar o bolo de formatura da minha turma. Tinha ficado enorme e lindo
demais.

Depois de almoçar, ajudei minha mãe a finalizar alguns cupcakes e


uns detalhes do bolo. Quando Luna chegou, minha mãe a encheu de carinho
e então subimos para o meu quarto para começarmos a nos arrumar.

Luana estava falando animadamente sobre a decoração que ela e o


Joaquim tinham ajudado a montar, mas eu me arrumei em completo
silêncio. Estava bastante pensativa porque sabia que hoje eu e o Matheus

iríamos conversar, não havia como adiar mais.

Assim que ficamos prontas, ela me deu um abraço e disse que


ficaria tudo bem, o que quase fez com que eu recomeçasse a chorar, mas
consegui me controlar porque não queria estragar a maquiagem.

Descemos e encontramos o Joaquim que estava muito bonito em um


terno azul marinho. Me aconcheguei a ele e Luana se juntou a nós. Assim
que minha mãe nos encontrou, ela sorriu animada e tirou inúmeras fotos
nossas antes de irmos para o colégio.

Chegando lá, eu fiquei completamente encantada com toda a


decoração. Estava tudo muito lindo, com luzes de led em todos os lugares,
painéis com fotos e recados, e flores espalhadas em grandes vasos. Tudo

estava perfeito.

Fomos para o auditório e, assim que eu entrei no lugar, eu o vi. Ele


estava de costas, conversando com o Nicolas e o Albert, tínhamos
combinado de vir com os nossos amigos para nos encontrarmos aqui.

Meu coração bateu acelerado dentro do meu peito e quando ele me


viu, veio até mim e me envolveu em seus braços, beijando carinhosamente
os meus lábios.

— Não achei que fosse possível você ficar ainda mais linda.

— Digo o mesmo, você está lindo, meu amor! — falei com um

sorriso e ele segurou a minha mão, entrelaçando os nossos dedos.

Logo que a cerimonialista chamou todos os formandos para sentar,


Matheus e eu fomos e nos sentamos lado a lado, junto dos nossos amigos.

Os discursos e homenagens começaram de maneira emocionante,


relembrando o ano letivo repleto de perdas e ganhos que tivemos. Quando
eles terminaram, os diplomas foram entregues e todos gritaram em
comemoração.
Estava oficialmente encerrado o Ensino Médio.

E a nova fase das nossas vidas começariam em breve.

Me esforcei para sorrir enquanto todos nos parabenizavam, e como a


festa seria na quadra, todos seguiram para lá e eu aproveitei o momento em

que Matheus estava conversando com sua mãe e o treinador e fui até o
painel de fotos.

Retirei a foto da Karen, acariciei seu rosto através da imagem e

disse:

— Eu sinto tanto a sua falta, queria muito que estivesse aqui.


Especialmente agora, preciso tanto de um conselho... — falei, voltando meu
olhar para a minha foto com o Matheus. Estava cogitando tirá-la também

quando escutei sua voz atrás de mim.

— Acho que o momento que eu mais adiei em todos esses dias


chegou.

— Sim, nós precisamos conversar. — virei para encará-lo, limpando


uma lágrima que escorreu pelo meu rosto.

— Não quero terminar com você. — ele segurou meu rosto — Não

quero acabar com isso que nós temos.

— Eu também não, mas não vejo como isso poderia dar certo,
Matheus. — respirei fundo — Nós vamos estar em momentos
completamente diferentes da nossa vida. — falei, segurando as lágrimas.

Ele ficou em silêncio por alguns segundos e perguntou:

— Você me ama?

— Claro que eu amo você. — respondi, sem entender o porquê

daquela pergunta.

— Então em nome desse amor, nós precisamos ao menos tentar


fazer funcionar. — ele acariciou suavemente meu rosto com seu polegar —

Eu prometo que vou fazer o melhor que eu posso para sempre estar perto de
você, mesmo com toda essa distância. Fica comigo, bruxinha. — ele pediu
— Não desiste da gente.

Depois de ouvir aquele pedido, eu tomei os lábios do homem que eu


amava em um beijo apaixonado, selando a promessa que assim como ele,
eu faria tudo o que fosse possível para estar ao lado dele.

E para que isso pudesse acontecer, eu precisava parar de ter medo do


futuro e começar a tentar.
ALANA
Alguns anos depois...

Quando me mudei para São Paulo para cursar Jornalismo ao lado de

Luana e Nicolas, eu sabia que não seria fácil conciliar a minha rotina de

estudos em uma cidade nova, com o meu relacionamento com o Matheus,


mas nós dois estávamos dispostos a tentar e eu acho que foi isso que fez dar

certo.

Inicialmente foi bem difícil, demoramos a encontrar horários em

que estivéssemos disponíveis para trocar mais que duas palavras um com o
outro, mas quando encontramos, conseguimos dividir tudo através de uma

tela.

Como Matheus não conseguia viajar para me visitar por causa dos

jogos, eu voltava para minha antiga cidade sempre que tinha algum feriado

prolongado, para vê-lo e visitar a minha família.

E foi assim que vivemos nos primeiros dois anos, pois depois disso,
Matheus foi transferido para um time do Rio de Janeiro e isso facilitou

muito mais os nossos encontros.

Pois ele aproveitava cada tempo livre que tinha para ir me ver.

Mesmo com a carreira dele crescendo cada vez mais, Matheus não

perdeu a sua essência e isso era o que eu mais admirava nele.

Assim que me formei com nota máxima no meu curso, me mudei de


São Paulo, deixando o lugar que eu ocupava no apartamento que dividia

com a Luana para o Nicolas, pois eles dois só se formariam no ano seguinte

e fui morar com Matheus, que já estava com uma carreira mais

estabelecida.

Graças ao meu Trabalho de Conclusão do Curso, eu consegui um

trabalho em um jornal conceituado no Rio de Janeiro, e agora auxiliava uma

outra jornalista em uma coluna semanal.

Aos poucos fomos conquistando os nossos sonhos, sem ter

precisado abrir mão da nossa felicidade.


Assim que acordei, tateei a cama em busca do Matheus e não o

encontrei ao meu lado. Não me surpreendi com isso, visto o quanto meu

namorado estava ansioso por esse dia.

Peguei o meu celular e encontrei uma mensagem dele.

Sorri ao terminar de ler e me levantei, indo fazer a minha higiene

pessoal.

Logo que saí do banheiro, fui preparar o meu café da manhã,

torcendo para que tudo o que eu havia encomendado chegasse logo.

Enquanto comia uma das minhas torradas, recebi uma ligação, era
Luana.

— Oi, amiga. — falei, assim que atendi.

— Oi, Lana! — percebi que ela estava um pouco ofegante — Acho

que vamos nos atrasar.

— Por quê? O que aconteceu?


— Acabamos de chegar no aeroporto e o nosso voo saiu faz cinco

minutos.

— Caramba! Mas vocês vão vir mesmo assim, né?

— Claro! Vamos estar aí para comemorar com vocês!

— Pode não ser uma comemoração, esteja pronta para escutá-lo

também, caso as coisas não aconteçam como esperado.

— Bem, eu já fiz muitas sessões de terapia informais com você,

uma com o Matheus não vai ser novidade, mas estou otimista que vai dar

tudo certo.

— Você sendo otimista? Parece que a convivência com o Nicolas

está dando sinais.

— Realmente, meu namorado está me deixando igualzinha a ele. —

ela disse, bem humorada — Vou ver se conseguimos outro voo. Te vejo em

breve, amiga!

— Até daqui a pouco, Luna. — nos despedimos e eu desliguei.

Cada conversa que eu tinha com a Luana me fazia sentir ainda mais
orgulho do que ela havia se tornado. A história de superação da minha

melhor amiga me inspirava de muitas maneiras, ela era uma guerreira que

soube tirar forças dos seus traumas de maneira sublime e com isso mudou

totalmente o rumo da sua vida.


Sorri ao lembrar do quanto a nossa amizade havia se fortalecido

durante todos esses anos, ela era quase da família agora.

Com o celular em mãos, resolvi mandar uma mensagem para minha

mãe para saber se ela já estava chegando e fiquei encantada ao receber uma

foto do meu irmão mais novo, Jonas, olhando pela janela do avião, o que

significava que eles estavam a caminho.

Aproveitei para ver quem mais tinha confirmado que viria e vi

mensagens do Joaquim, do Albert e da Tamires. Todos disseram que

chegariam a tempo.

Suspirei aliviada, torcendo para que tudo desse certo, Matheus tinha

sonhado tanto com esse dia que eu passei a sonhar junto com ele e tudo o

que eu mais desejava era que o meu camisa dez fosse convocado.

MATHEUS

Quando cheguei em casa, depois de uma corrida pelo condomínio

onde nós morávamos, encontrei Alana na cozinha, terminando seu café da

manhã.

Assim que me viu, ela correu até mim e entrelaçou suas pernas em

minha cintura e eu a aconcheguei em meus braços, eu sabia que ela estava


aflita, assim como eu estava.

E poder dividir toda a minha vida com ela, era o que tornava tudo

mais fácil.

Inicialmente, quando tomamos a decisão de tentar, seis anos atrás,

não foi fácil, principalmente por causa da saudade absurda que eu sentia ao

vê-la apenas por uma tela, mas nós superamos isso e quando eu fui

transferido para um lugar mais próximo, as coisas ficaram um pouco mais

fáceis e eu aproveitava cada tempinho livre que eu tinha para ir vê-la, até

ela se formar e vir morar comigo.

Durante esses anos, minha carreira teve muitos altos e baixos.

Troquei de time, de empresário. Algumas coisas não aconteceram do jeito


que eu imaginava, mas lutei muito para me destacar na minha equipe, eu

definitivamente não era mais a estrela e competia arduamente com caras

mais velhos e experientes, apenas para ter o meu espaço no time e assim,

aos poucos, fui conquistando a torcida com o meu talento.

Hoje era o dia que eu tinha sonhado desde que comecei a jogar

futebol, era a convocação para a Copa do Mundo e eu tinha chances reais de

ser convocado.

Alana tinha organizado uma pequena festa com toda a família e

amigos para que eles pudessem participar desse momento, mesmo eu


insistindo que ficaria feliz em ter apenas ela ao meu lado, principalmente

porque muitos deles viriam de longe.

— Minha mãe me mandou uma mensagem essa manhã, avisando

que ela e o Tiago já estão a caminho. — avisei, beijando carinhosamente

seu pescoço.

— Provavelmente estão no mesmo voo que a minha mãe, ela me

mandou uma foto do Jonas no avião. — ela me contou — Nico e Luna vão

atrasar, acho que só chegam depois, mas Joca, Albert e Tamires vão estar
aqui a tempo.

— Que bom! Confesso que parece que o tempo está passando até
mais devagar hoje.

— É porque você está ansioso, mas relaxa! — ela me deu um beijo

— Vai dar tudo certo.

— Espero que sim, meu amor. — falei, tentando me contagiar com o


otimismo dela.

Algumas horas depois, quando a campainha tocou, corri para


atender, pois Alana estava arrumando a mesa com alguns petiscos e
encontrei Nicolas e Luana do outro lado da porta, me surpreendi por eles
terem chegado antes de todo mundo.

Cumprimentei os dois e comentei:

— Alana me disse que vocês iriam atrasar.

— A gente ia, mas na verdade a Luna viu o voo errado e o nosso


ainda não tinha saído, então conseguimos entrar a tempo. — Nicolas contou

enquanto Luana ia procurar a Alana.

— Acontece. Que bom que vocês conseguiram chegar.

— Não perderíamos esse momento por nada. — ele disse, me dando


alguns tapinhas no ombro.

Logo depois, minha mãe, meu antigo treinador, minha sogra e o


resto da família chegaram, assim como os nossos amigos.

Nos reunimos em frente a televisão e com Alana ao meu lado,

aguardei a convocação. Quando os nomes dos atacantes começaram a ser


chamados, eu fiquei apreensivo, mas assim que ouvi o meu nome, soltei o

grito que estava preso na minha garganta.

Alana me abraçou, emocionada e enquanto ouvíamos as


comemorações a nossa volta, eu pedi:

— Casa comigo? — ela me encarou de um jeito engraçado.

— O quê? Você está falando sério?


— Nunca falei tão sério na minha vida. — acariciei os cabelos dela
— Casa comigo, bruxinha?

— Claro que eu caso. — ela respondeu e eu a ergui em meus braços,

beijando-a apaixonadamente, enquanto comemorávamos.

Eu mal conseguia conter a minha felicidade, pois além de realizar o


sonho de jogar pela seleção brasileira, eu iria também me casar com o amor

da minha vida.

Sorri para Alana e ela deitou sua cabeça em meu ombro, ainda
muito emocionada, enquanto ouvíamos as felicitações da nossa família e
amigos.

Uns anos atrás, driblamos o destino, prometendo que ficaríamos ao

lado um do outro e agora, depois de tanto tempo, seguíamos cumprindo


essa promessa.

FIM
Reescrever esse livro me proporcionou um turbilhão de emoções e
me lembrou o quanto eu gosto de escrever romances juvenis,

provavelmente daqui para frente você encontre mais romances desse tipo
escritos por mim, mas por enquanto, deixa eu agradecer a todos que me

acompanharam nessa jornada:

Agradeço primeiramente a Deus por me permitir fazer algo que eu


amo, dando-me paciência e força para persistir a cada dificuldade.

À minha família por todo apoio, carinho e incentivo durante toda

essa jornada.

À Naah Floro por ter criado uma capa exatamente do jeito que eu

imaginei e a Elaine C. por ter feito mais uma vez um excelente trabalho de
revisão nesse livro.

E por fim, agradeço a você que está lendo, espero que tenha gostado

da Alana e do Matheus e da história que eles começaram a construir juntos.


Mila Maia é geminiana, baiana, formada em Pedagogia e se tornou escritora
para dar vida aos personagens que não saiam da sua cabeça. Escreveu o

primeiro romance em 2016 e desde então nunca mais parou.

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Capa:

Naah Floro

Diagramação:

Mila Maia

Revisão:

Elaine C.

Imagens da diagramação:

Canva

Está é uma obra fictícia. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos são

produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com pessoas vivas


ou mortas é mera coincidência. Nenhuma parte deste livro pode ser

utilizado em quaisquer meios existentes sem a autorização por escrito da

autora.

Todos os direitos reservados.

Edição digital 2022 / Criado no Brasil.

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