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SUMÁRIO DESENVOLVIDO

AULA TEÓRICA – SEMANA 9

9. A técnica legislativa das remissões

9.1 O conceito de "código"

9.2 A longevidade de um código e sua preservação

9.3 A aplicação prática de um código - A Parte Geral

9.4 Disposições gerais - disposições especiais - as remissões

9.5 Outros meios de técnica legislativa

9.5.1 Enumerações casuísticas - cláusulas gerais

9.5.2 As ficções legais

9.5.2 As presunções legais e as presunções judiciais

10. A tutela dos direitos subjectivos

10.1 A heterotutela

10.1.1 A tutela judiciária

O recurso aos tribunais

A organização dos tribunais

O estatuto e o papel do juiz

O direito judiciário ou direito jurisprudencial

10.1.2 A tutela administrativa

O princípio da legalidade

O princípio da oportunidade
***

9. Assim, e para compreendermos melhor esta técnica legislativa, que consiste em efectuar
remissões entre normas jurídicas, vamos analisar as diferentes remissões legais possíveis. Um
bom intérprete da lei sabe que, ao aplicar a lei e seguir as suas remissões deve ter sempre em
conta a unidade do sistema jurídico (como resulta também do artigo 9.º, n.º 1)

Para o efeito vemos primeiro como o legislador insere as normas jurídicas e as organiza
sistematicamente em diferentes contextos legislativos, e aqui designada e principalmente no
âmbito de um “código”.

9.1 Como “código” entende-se um conjunto de normas jurídicas organizadas que disciplina de
modo fundamental e ordenada todo um ramo de direito que corresponde a um sector amplo da
vida social. Normalmente um código é a consequência, o culminar, de uma evolução científico-
jurídica como o resultado de um plano sistemático elaborado pela ciência jurídica. Um
“código” não é, portanto, uma mera compilação de leis, como sucedeu, por exemplo, com as
Ordenações, mas todo um tecido normativo sistematicamente concebido.

Ao não disciplinarem de modo fundamental um ramo de direito, portanto um sector amplo da


vida social como sucede com o nosso Código Civil que regula o essencial dos factos jurídicos
que ocorrem na vida de um homem comum, distinguem-se de um código, por terem uma menor
amplitude regulativa, os estatutos, que visam determinadas actividades profissionais (por
exemplo, o Estatuto da Ordem dos Advogados ou o Estatuto da Carreira Docente) e as leis
orgânicas (por exemplo, a Lei Orgânica do Ministério Público ou a Lei Orgânica do Banco de
Portugal). Ainda existem os chamados microcódigos, os quais estão centrados em matérias
limitadas (e aqui temos designadamente o Novo Regime do Arrendamento Urbano – NRAU –
que tem, atendendo a matéria que regula, uma grande relevância social).

De acordo com a sua natureza de abarcar um regime abrangente, um código é regularmente


uma lei com uma perspectiva ou finalidade de longo alcance, para vigorar por muito tempo, o
que não significa que, excepcionalmente, não possa suceder o contrário como nos mostra o
exemplo do Código do Registo Predial1.

1
No século passado houve nada menos do que oito Códigos (que vieram a substituir os anteriores Regulamentos),
dois dos quais só em 1928, e o Código do Registo Predial de 1983 – que já se encontrava publicado no Diário da
República – até acabou por ser revogado sem sequer ter entrado em vigor!
Por outro lado, o último Código do Registo Predial já tem alguma longevidade, pois data de 1984, embora
actualizado e melhorado em inúmeros aspectos.
Um código não equivale a um ponto final da evolução, embora constitua sempre um marco de
consolidação; mas uma codificação não significa estagnação ou “cristalização” da matéria
codificada, como aconteceu, em parte, com o Corpus Iuris Civilis que foi elaborado por ordem
do imperador Justiniano no Império Romano Oriental numa altura em que o Império Romano
Ocidental já tinha desaparecido (em 476), coevo de uma política de restauração militar do
antigo império (recuperatio imperii), e que foi publicado entre 530-533/534 (ver ← o anexo às
aulas de 20/21-10-2022).

Um código estabelece um padrão geral, uma concepção geral, assente em princípios e valores
comuns tanto do legislador como dos seus destinatários, orientações legislativas
fundamentadas nas experiências do passado, mas viradas para o futuro; por isso, um Código
está inevitavelmente sujeito a actualizações constantes2.

9.2 Para preservar a sua longevidade, o tecido normativo de um código pode ser actualizado
por vários procedimentos, escolhidos oportunamente conforme as necessidades da respectiva
época, sendo as actualizações um reflexo das modificações da realidade social com a qual o
código se há-de corresponder. Então, poderemos ter:

a) A substituição de um código por um novo; foi o que aconteceu ao Código Civil de 1867
– o Código de Seabra – que foi substituído pelo actual Código Civil, de 1966, que o
revogou ao entrar em vigor em 1 de Junho de 1967;

b) Alterações pontuais, “cirúrgicas”, com uma maior ou menor extensão, que actualizam
sucessivamente o texto do Código, respeitando embora a sua sistematização, lógica e
finalidade apesar de, muitas vezes, serem feitas de uma maneira displicente3. Conforme
a “sensibilidade” (ou do melindre) da matéria codificada em comparação com a
evolução social, as alterações afectam um Código de uma maneira muito diferenciada4;

2
Por exemplo, o Código Civil francês, de 1804, que constitui um monumento nacional da França e que, na altura,
inspirou de forma significativa muitas das legislações civis posteriores continua a vigorar até hoje, embora com
as necessárias alterações exigidas pelo percurso do tempo e pelas sucessões de regimes políticos bem distintos
entre si: desde os dois impérios napoleónicos (1804-1815 e 1852-1870), passando pela monarquia restaurada
(1815-1830/1848), pelas II.ª (1848-1852), III.ª (1870-1946), IV.ª (1946-1959) e V.ª (desde 1958) Repúblicas.
3
Como mostra, por exemplo, o artigo 124.º que continua a falar do “poder paternal”, sendo esta expressão já
abolida desde a lei n.º 61/2018, de 31 de Outubro.
4
A este respeito temos como exemplos as alterações, produzidas pela lei n.º 85/2019, de 3 de Setembro, que
revogou o instituto do prazo internupcial, pela lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, que criou o regime jurídico do
maior acompanhado, ou pela lei n.º 48/2018, de 14 de Agosto, que introduziu o regime da renúncia à condição de
herdeiros legitimário, e já antes, pela lei n.º 8/2017, de 03 de Março, que introduziu o estatuto jurídico dos animais,
sendo a sua inserção sistemática no tecido Código ao alterar e estrutura da relação jurídica mais do que
questionável.
c) Leis avulsas ou complementares relativas a matérias que o legislador não quis logo
inserir na codificação, mas cuja ulterior inclusão no Código Civil sempre será possível;
temos aqui como um exemplo relevante o decreto-lei que estabeleceu o regime das
cláusulas contratuais gerais, utilizadas a respeito da celebração de um contrato, cuja
finalidade é evitar que com o recurso a tais cláusulas gerais, em que um predisponente
afasta as normas dispositivas do código a seu favor, seja perturbado o equilíbrio
contratual entre os contraentes (cf. ← ponto 8.5.3)5;

d) O recurso a cláusulas gerais e a conceitos jurídicos indeterminados – cujo “conteúdo


aberto” permite atualizações valorativas ou conceptuais – que a própria codificação, em
abstrato, desde logo antecipou ao incluí-los no seu texto. Como um código não pode
estar fechado a mudanças sociais e valorativas, tanto mais que a qualquer legislador é
de todo impossível antever a evolução futura, inclui tais cláusulas e conceitos que fazem
com que uma codificação não seja um sistema terminado e fechado, mas um “projecto
em execução”. Sendo deste modo indispensáveis para um código como “projecto em
execução” encerram, por outro lado, grandes perigos (cf. ← ponto 3.3.3.3) devido à sua
“fungibilidade ambivalente”, por serem “movediços” e por conferirem um grande
poder definidor à jurisprudência e, com isso, envolverem o risco da arbitrariedade.

Já referimos estas cláusulas e conceitos no contexto de, aparentemente, colocarem em


causa a necessária segurança jurídica. Agora vemo-las nas suas funções de actualização
e adaptação. E aqui é preciso ter plena consciência que é estreito o caminho entre a
adaptação a modificações sociais e novos entendimentos de justiça e a (pura)
arbitrariedade quando as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminados são
preenchidos e concretizados com critérios políticos e/ou ideológicos.

Obviamente e essencialmente, uma codificação, dentro da sua lógica e sua perspectiva (ou
finalidade) de vigorar por muito tempo, precisa, como parte de uma ordem jurídica cuja
finalidade é criar certeza e segurança, de assentar em conceitos jurídicos claros e estáveis com
conteúdos definidos. Sem possuir estes conceitos uma codificação não pode cumprir a sua
função. Designadamente quando está em causa a determinação de estados civis das pessoas
singulares ou o reconhecimento das pessoas colectivas, o conteúdo de direitos patrimoniais, a
definição de obrigações, os conceitos jurídicos têm que ser claros e possuir um conteúdo

5
Outros exemplos são o decreto-lei que criou o direito real de habitação periódica; a lei que adopta medidas de
protecção das uniões de facto; a lei que instituiu o testamento vital; etc.
determinado. É neste sentido que a lei dá noções e define os conteúdos de direitos e obrigações.
As pessoas às quais um código se dirige (os destinatários das suas normas) e que enquadra e
orienta as suas condutas precisam de saber o que vale sob pena de não terem liberdade para
agir por não poderem medir os efeitos das suas decisões face a uma lei imprecisa.

Todavia, quando a sistematização de um código e a redacção das suas normas atingem um alto
nível de abstracção que já não deixa transparecer os princípios e pressupostos valorativos e as
preocupações sociais em que se baseia, o código, devido à sua qualidade técnico-jurídica,
presta-se a servir ou a ser utilizado em realidades políticas e sociais nunca imaginadas pelo
legislador originário, uma vez que, precisamente devido ao alto grau da sua abstracção, se
revelou como fungível6, aliás à semelhança dos juristas que, como meros técnicos legalistas, o
aplicavam7.

9.3 Isto posto, torna-se então necessário fazer algumas referências às técnicas legislativas que
são utilizadas para a aplicação prática de um código, tendo em conta que este é ao mesmo
tempo amplo quanto à matéria incluída no seu tecido e conciso na sua redação, ordenação e
concentração.

Em primeiro lugar, temos as ditas “partes gerais” (ou as “disposições gerais”) como elementos
sistemáticos de uma lei ou de uma codificação. Vemos isto logo na sistematização do Código
Civil.

O Título I do seu Livro I vai para muito além do direito civil ou privado, incluindo regras
relevantes para todo o ordenamento jurídico. Deste modo, a sua matéria, devido à sua
especificidade abrangente, bem podia ter sido regulada fora do Código Civil numa lei
autónoma (por exemplo, numa lei de introdução).

6
Temos o exemplo a “versatilidade” do BGB (Código Civil Alemão) – que ultrapassa em muito a referida (na
nota 4) adaptabilidade à evolução do Code civil francês – uma lei sistemática, conceitual e linguisticamente quase
perfeita, destinada a ser entendida e utilizada em primeiro lugar por juristas, que serviu sucessivamente, embora
com alterações significativas em matérias socialmente sensíveis (às quais pertence quase sempre o direito da
família) durante regimes tão contrastantes como o foram o Império Guilhermino (até 1918), a República de
Weimar (até 1933), o regime nacional-socialista (até 1945), a Administração pelas potências vencedoras da 2.ª
Grande Guerra (até 1949), a República Democrática Alemã (até 1975), a República Federal da Alemanha (até
1990) e por fim na Alemanha reunificada (desde 1990) sob o nome República Federal da Alemanha. Para que isto
fosse possível contribuíram de forma significativa as cláusulas gerais e os conceitos jurídicos indeterminadas
cujos conteúdos foram “moldados” e aplicados pelos tribunais de acordo com critérios político-ideológicos,
revelando possuir uma grande “elasticidade” ou “plasticidade” nomeadamente os conceitos da boa fé ou dos bons
costumes. Observamos a “fungibilidade do abstracto”.
7
Cf. NETTERSHEIM, „Lex Rosenbergˮ und Juristenausbildung, NJW 2022, pp. 1075-1180.
Sendo assim, no fundo é o Título II do Livro I que é verdadeiramente a Parte Geral do Código
Civil que estabelece as regras comuns para os Livros II a V da codificação.

Não pode deixar de ser realçado que a primeira norma com que o Título II, dividido em cinco
subtítulos que correspondem aos elementos da relação jurídica, abre o articulado do Código é
precisamente o artigo 66.º, dedicado ao começo da personalidade da pessoa humana, que coloca
– como deve ser – o homem à cabeça da codificação. Fica assim manifesta a orientação do
Código Civil na primazia da pessoa humana.

A técnica de antepor disposições gerais às subsequentes normas especiais perpassa todo o


Código Civil. Os respectivos articulados são precedidos, para evitar repetições, por disposições
gerais que antecipam, como colocados “antes dos parênteses”, aspectos comuns a todos8.

Fora disso, além de manter o Código conciso e praticável, esta técnica serve ainda para manter
a unidade do sistema normativo. De facto, na técnica legislativa utilizada na ordenação da
matéria jurídica do Código Civil, o direito apresenta-se-nos em complexos normativos
diferentes, sistematizados e articulados ou estruturados, mais ou menos harmoniosamente,
entre si como mostram os exemplos referidos aqui na nota de pé de página9.

Estes complexos normativos não são o resultado de meras opções ou criações voluntaristas do
legislador, mas na sua estrutura respeitam a lógica do real como nos mostram, por exemplo, os
vários regimes diferenciadores que regulam o contrato de compra e venda. Neste contexto o
direito chega mesmo a aceitar estruturas ordenadoras que lhe são pré-existentes, não criadas
por ele, como podemos observar no exemplo da realidade multifacetada da família, sobre as
quais a lei constrói o seu regime normativo a condizer com a instituição “família”, garantindo
desta maneira a interacção inevitável entre a realidade social “família” e a lei. Pois é um dado
empírico, já referido, que uma lei que julga poder ignorar (ou até contrariar) a realidade social,
não indo ao seu encontro, acaba por não ser acatada pelos seus destinatários que perdem o
respeito por ela e está votada ao fracasso.

8
Vejamos a título de exemplo, o Livro II → Título I (das obrigações em geral) → Capítulo I (disposições gerais)
→ Capítulo II → Subsecção I (disposições gerais); Título II (dos contratos em especial); Livro III → Título I →
Capítulo I (disposições gerais); Livro IV → Título I (disposições gerais); Livro V → Título I (das sucessões em
geral) → Capítulo I (disposições gerais).
9
Temos assim as regras a respeito dos direitos de personalidade (artigos 70.º - 81.º); o regime (os complexos
normativos) dos menores e maiores acompanhados (artigos 122.º - 156.º) e, dentro deste, o regime da condição
dos menores (artigo 122.º - 129.º); o regime do negócio jurídico (artigos 217.º - 294.º) e, dentro dele, as normas a
respeito de faltas e vícios da vontade e a ordem pela qual são enumeradas (artigos 240.º - 257.º) ou o regime da
invalidade e seus efeitos (artigos 285. – 294.º); ou, no âmbito do direito das obrigações, o Capítulo I integrado no
Título II dos contratos em especial que regula todo o complexo do regime do contrato de compra e venda (artigos
874.º - 939.º), sendo este subdividido em 11 secções.
Por outro lado, desta técnica legislativa resulta que, para resolvermos um caso, temos que
percorrer vários conjuntos normativos sistemáticos da lei.

9.4 Na lógica da técnica “disposições gerais → normas especiais” temos as já afloradas


remissões que vamos continuar a ver, agora com algum pormenor, e perceber melhor. As
remissões pretendem, à semelhança das disposições gerais, contribuir para uma aplicação
uniforme das leis e evitar repetições e, com isso, racionalizar a aplicação da lei.

9.4.1 Aqui temos que distinguir:

a) Uma remissão feita para uma previsão ou hipótese legal onde a situação já se encontra
regulada. Por exemplo, para evitar uma enumeração das causas que justificam a
revogação de uma doação por ingratidão do donatário, o artigo 974.º remete para o
elenco das causas da indignidade sucessória, feito no artigo 2034.º, que considera
comparáveis; um outro exemplo encontramos no artigo 251.º que não estabelece
pressupostos próprios para a relevância de um erro e remete para o artigo 247.º, última
parte;

b) Uma remissão feita para uma estatuição já definida nas normas para as quais se remete;
por exemplo, estando em causa a validade de doações não permitidas, o artigo 953.º
remete para o regime das ilegitimidades relativas, reguladas nos artigos 2192.º - 2198.º
para disposições mortis causa, que determinam a sua nulidade; temos também a
remissão feita pelo artigo 678.º, quanto ao penhor, para as respectivas normas da
hipoteca que passam a ser aplicáveis também ao penhor;

c) Dupla remissão (ou remissão à segunda potência)10;

d) Remissões para um instituto subsidiário; temos como exemplo o artigo 913.º, n.º 1, que
contempla os efeitos da venda de coisas defeituosas e, não decidindo nada, remete para
o regime da venda de bens onerados (onde temos defeitos jurídicos da coisa) cujas
normas se aplicam;

e) Remissões que estendem um regime-padrão a outras situações; a este respeito podemos


referir duas situações de grande importância: 1.º, o artigo 939.º determina que o regime-

10
Indicamos como exemplos, os artigos 433.º (quanto aos efeitos da resolução) → remissão para o artigo 289.º,
n.º 1 (prevê os efeitos da anulação: retroactividade e restituição) → 289.º, n.º 3 (para o caso da destruição ou perda
da coisa a restituir aplica-se o regime que vale para as relações entre possuidor e proprietário) → 1269.º (critério
da boa fé); quer dizer, no caso da destruição ou perda da coisa que deve ser restituída a lei, atenta ao critério da
boa fé, remete para o artigo 1269.º ao criar deste modo um regime uniforme para todas as três situações em que
há lugar a restituições.
padrão do contrato de compra e venda é aplicável a outros contratos onerosos
(nomeadamente quando se trata de uma venda de coisa alheia regulada no artigo 892.º);
2.º, o artigo 1156.º que estabelece o regime-padrão do mandato (regulado nos artigos
1154.º e seguintes) e diz que é aplicável a todos os contratos de prestação de serviço
não especialmente regulados na lei; neste contexto é importante a disposição do artigo
156.º, n.º 2);

f) Remissões gerais subsidiárias11;

g) Remissões para assinalar que existem excepções ou prioridades; assim, o artigo 123.º
que refere “salvo disposição legal em contrário” os menores carecem da capacidade de
exercício; ou o artigo 242.º, n.º 1, que refere “sem prejuízo do disposto no artigo 286.º”
a nulidade do negócio simulado pode ser arguida pelos próprios simuladores entre si;
ou o artigo 252.º, n.º 1, uma norma difícil que faz excepções à sua aplicação; ou o artigo
285.º que estabelece que as regras aplicáveis à nulidade e à anulabilidade de um negócio
jurídico apenas são aplicáveis “na falta de um regime especial”.

h) E por fim as remissões para fora do sistema jurídico interno. Temos aqui, por um lado,
a previsão do artigo 8.º, n.º 1, da Constituição que determina que “as normas e os
princípios do Direito Internacional geral ou comum fazem parte integrante do Direito
Português” e, por outro lado, o artigo 1625.º do Código Civil que determina que “o
conhecimento das causas respeitantes à nulidade do casamento católico e à dispensa do
casamento rato e não consumado é reservado aos tribunais e às repartições eclesiásticas
competentes”. Portanto, as decisões relativas a validade e dissolução do casamento
católico para os casos previstos no artigo 1625.º são da competência exclusiva do direito
canónico, restando ao direito português, para que as decisões canónicas se executem na
ordem interna portuguesa, a sua verificação e confirmação (artigo 1626.º, n.º 1).

9.4.2 Se nas várias normas remissivas é utilizada a expressão “com as necessárias (ou devidas)
adaptações” ou “devidamente adaptada”, a norma não afecta conteúdo ou finalidade da norma
para que se remete, mas visa apenas determinas expressões suas que devem ser trocadas ou
substituídas.

11
Veja-se as seguintes remissões entre códigos: Código Comercial → Código Civil; Código do Processo de
Trabalho → Código do Processo Civil; Leis dos registos de coisas móveis (automóveis, navios, aeronaves) →
Código do Registo Predial. Sirva como exemplo para estas remissões gerais o disposto no artigo 3.º do Código
Comercial: “Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da
lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos, serão decididas pelo direito civil”.
Temos como exemplo o artigo 953.º, já referido sob b) – inserido no regime das disposições
gratuitas (doações) entre vivos – que remete para os artigos 2192.º a 2198.º – inseridos no
regime das disposições gratuitas por morte. Estes artigos falam – como estão em causa doações
por morte – do testador, mas para o artigo 953.º – que contempla doações entre vivos – quem
é relevante é agora o doador.

O artigo 974.º, referido sob a), por seu lado, remete quanto aos pressupostos da revogação de
uma doação por ingratidão do donatário para o regime que justifica a deserdação que
obviamente se refere a um herdeiro (artigo 2166.º).

Em ambos os casos as remissões são lógicas se tivermos em conta o paralelismo das situações
em que liberalidade, a atribuição patrimonial gratuita, não se justifica ou deixou de ser
justificável.

9.5 Ainda vamos referir outros meios de técnica legislativa no contexto da aplicação de um
“Código”:

9.5.1 Como sabemos para fazer valer um direito é sempre necessário invocar uma norma
precisa que confere o direito (cf. Sumário das aulas de 06/07-10-2022, ponto 2.2.2). Para o
efeito, a lei pode enumerar os seus pressupostos casuisticamente, um por um, ou pode, em vez
disso, utilizar cláusulas gerais.

Quanto a enumerações casuísticas devemos distinguir:

i. Ou enumerações taxativas em que temos um elenco completo (fechado) de


fundamentos, como por exemplo, o artigo 1978.º, n.º 1, alíneas a) – e), o artigo 1889.º,
n.º 1, ou o já supramencionado artigo 2034.º, alíneas a) – e), o antigo artigo 4.º da antiga
Lei do Divórcio de 1911, aliás uma lei muito avançada para a época, que enumerava
taxativamente as dez causas legítimas do divórcio, a começar pelo adultério da mulher
ou do marido e a terminar com a doença contagiosa reconhecida como incurável ou
uma doença incurável que importe aberração sexual. Neste contexto o artigo 127.º é
uma norma híbrida na medida em que – para além do seu elenco próprio – remete ainda
para outros actos previstos na lei com que o seu elenco fica fechado.

ii. Ou enumerações exemplificativas onde o elenco permite ser completado o que acontece
sempre quando a lei o admitir ao dizer “designadamente”, ou “especialmente”, ou
“entre outros”, etc., como por exemplo os artigos 1418.º, n.º 2, 1422.º, n.º 2, ou o artigo
1722.º, n.º 2.
A técnica legislativa de recorrer a normas casuísticas não exclui que estas não possam conter
conceitos indeterminados12.

Por outro lado, em muitos casos a técnica da lei, para permitir a invocação de um direito ou
para indicar os pressupostos para a aplicação de uma norma, em vez de enumerar
casuisticamente os respectivos fundamentos, recorre à utilização de cláusulas gerais, como
sucede, por exemplo, com os pressupostos necessários para a inibição das responsabilidades
parentais que consistem em “infringir culposamente os deveres para com os filhos” sem que a
lei proceda a uma concretização ou exemplificação deste comportamento (artigo 1915.º, n.º 1).
Estas cláusulas, já referidas em contextos diferentes acima, ou seja, no contexto de aparente
colisão com a exigência da segurança jurídica e na sua função de acompanhar a evolução e
manter actualizadas as codificações, surgem agora em mais um contexto legal, diferente, em
oposição a enumerações casuísticas.

Quase em contraste com as cláusulas gerais e em ordem a contribuir para a segurança jurídica,
dando estabilidade e previsibilidade à aplicação das normas, o Código Civil recorre com grande
frequência a definições legais (noções)13.

As definições legais têm apenas carácter prescritivo indirecto porque a decisão do legislador
de dar uma definição de certa situação ou facto jurídico por si só não permite ou proíbe ou
prescreve nada, apenas condiciona a aplicação da hipótese legal em que a noção aparece
inserida no sentido da orientação normativa que é determinada pela definição legal.

9.5.2 As ficções legais


Fazem parte da técnica legislativa ainda as ficções ou equiparações legais.

Com o recurso a ficções, a lei “inventa” uma realidade que não existe ou “ignora” uma
realidade que existe ou chega mesmo a “negar” a existência de uma realidade. Quer dizer, uma
ficção não corresponde à realidade.

Assim, poderemos concretizar as seguintes ficções legais:

a) A lei finge a verificação de um facto ou acontecimento que na realidade não existe ou


que não sucedeu como se o facto existisse ou se tivesse verificado, recorrendo para o

12
Por exemplo, o artigo 127.º, n.º 1, alínea b), que fala de negócios “próprios da vida corrente”, ao “alcance da
capacidade natural”, e de “despesas de pequena importância” ou o artigo 1978.º, n.º 1, alíneas d) e e), que falam
em “perigo grave” (sendo o conceito explicitado pelo n.º 3 do artigo 1978.º) ou “manifesto desinteresse pelo
filho”.
13
Entre os muitos exemplos referimos os artigos 1.º, n.º 2, 1.ª parte; 122.º; 202.º, n.º 1; 240.º, n.º 1; 270.º; 397.º;
874.º; 1251.º; 1439.º; 1543.º; 1577.º; 1586; 2179.º; etc.
efeito a expressões “é tido (havido) como”, “é considerado” ou “tem-se por”, etc.;
temos aqui um exemplo, antigo e da maior relevância, que é a ficção “nasciturus pro
iam nato habetur”, ou seja, para efeitos sucessórios, no momento da abertura da
sucessão pela morte do seu autor, um nascituro (já concebido) é considerado como se
já tivesse nascido, isto na pressuposição de que venha a nascer com vida, que está na
base dos artigos 66.º, n.º 2, e 2033.º, n.º 1, pois na lógica do fenómeno sucessório é
óbvio que o sucessor sobreviva ao autor da sucessão, facto que na realidade ainda não
se verifica em relação a um nascituro em gestação14;

b) Também pode suceder que a lei negue a existência de uma relação ou de um facto
embora este na realidade exista. Sirva como exemplo o célebre antigo § 1589 n.º 2 BGB
que vigorou até 30 de Junho de 1970 que, para evitar que um filho nascido fora do
casamento fosse herdeiro legal do seu pai devido ao parentesco com este, determinava,
isto é ficcionava, que em relação ao seu pai e os seus parentes o filho nascido fora do
casamento (uneheliches Kind) não é havido como parente (“Ein uneheliches Kind und
dessen Vater gelten als nicht verwandt”). Isto é, o filho não é havido como parente no
sentido da lei civil para evitar a sucessão legal, mas como é óbvio, a sucessão
testamentária pode verificar-se sempre se o pai assim o entender e instituir o seu filho
como herdeiro. Para todas as restantes leis e seus efeitos, evidentemente, o filho é
parente.

Aliás, temos uma situação semelhante no direito português que é a inatendibilidade, por
força da lei, de factos jurídicos verificados em relação ao estado civil de uma pessoa
quase como se os factos ou relações não existissem enquanto não forem registados,
tendo deste modo efeitos meramente latentes15.

c) A lei também pode, a favor de determinadas pessoas, ignorar certos factos ocorridos
que se verificaram indubitavelmente como sucede como resultado da conjugação dos
artigos 7.º e 4.º, n.º 1, do Código do Registo Predial que fingem, mas tão-só a favor de
um terceiro adquirente de boa fé!, a continuação de uma situação jurídica que, na
realidade, já deixou de existir, como sucede no caso de um registo de um bem

14
Como mais exemplos indicamos os artigos 224.º, n.º 2; 275.º, n.º 2; 805.º, n. 2, alínea c); 923.º, n.º 2; artigo
1805.º, n.º 2; etc..
15
Por exemplo, o artigo 2.º do Código do Registo Civil e o artigo 1669.º do Código Civil determinam que um
casamento não registado não é juridicamente atendível.
Também encontramos uma ficção no artigo 2029.º, n.º 1, que diz que a partilha em vida, onde há um acordo
entre todos os intervenientes, não é havida por contrato sucessório.
patrimonial em que a inscrição de um direito a favor de um titular está desconforme
com a realidade uma vez que o direito inscrito já foi transmitido e deixou de pertencer
ao titular inscrito (cf. o exemplo referido sob o ponto 3.3.2 e) no Sumário das aulas de
13/14-10-2022).

Através da consagração de ficções legais, o legislador, implicitamente, leva-nos a aplicar um


determinado regime jurídico previsto para algo que não ocorreu na realidade, ou para que se
siga o regime jurídico como se algo que ocorreu não tivesse ocorrido, ou seja, o legislador
ficciona uma realidade para se lhe aplicar o regime jurídico dessa realidade fingida como se
fosse a real. Diz-se que as ficções legais são normas não autónomas porque não regulam a
realidade sobre que versam directamente, antes remetendo para as normas que a regulam. A
finalidade das ficções é, portanto, aplicar ao facto fingido o regime jurídico do facto real.

9.5.3 As presunções – legais e judiciais


Finalmente, temos ainda as presunções.

a) A seu respeito a lei recorre a uma definição dizendo que “presunções são as ilações que a lei
ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (artigo 349.º),
sendo óbvio que se refere a factos jurídicos.

Distinguimos deste modo as presunções legais, previstas no artigo 350.º, e as presunções


judiciais, previstas no artigo 351.º.

As presunções têm grande relevância para efeitos de prova.

As provas têm por função a demonstração da realidade dos factos, conforme dispõe o artigo
341.º. Dos factos provados resulta a verdade processual, uma vez que quod non est in actas
non est in mundo, portanto, não pode ser considerado pelo juiz. Contudo, a verdade processual
tem que ser provada e, deste modo, não coincide forçosamente com a realidade verdadeira, que
não se conseguiu provar.

As regras gerais do ónus de prova (artigo 342.º) ditam que quem invocar um direito, tem o ónus
da prova dos factos jurídicos constitutivos do seu direito e que quem alega factos impeditivos,
modificativos ou extintivos do direito invocado contra si deve igualmente provar estes mesmos
factos. Resumindo estas regras, diz-se que quem invoca um facto em seu favor, dele
pretendendo beneficiar, deve prová-lo e não somente alegá-lo.
O ónus da prova é um ónus pesado, pois uma pessoa pode ter inteira razão, mas num processo
judicial pode não conseguir prová-la e pode não ver o seu direito reconhecido por falta de
provas. Dos factos provados pelas partes depende a decisão do juiz (da mihi factum, dabo tibi
ius). O juiz correlaciona estes factos com a previsão da norma, quer dizer, faz a subsunção (ver
Sumário das aulas de 27/28-10-2022, sob o ponto 6.4.), mas, obviamente, apenas pode
subsumir os factos que conhece por terem sido alegados e provados.

b) Mas se um determinado facto (por exemplo, a culpa do devedor [artigo 798.º] ou o


cumprimento de uma dívida [artigo 312.º]) é presumido (presumptio facti), havendo uma
presunção legal, não é necessário fazer a sua prova. É o que dispõe o artigo 350.º, n.º 1. A
presunção legal beneficia, portanto, quem invocar o facto presumido a seu favor, bastando
alega-lo, não tendo de fazer a sua prova. Por exemplo, o artigo 798.º determina que o devedor
que falta culposamente ao cumprimento é responsável pelo prejuízo do credor. Todavia,
segundo o artigo 799.º, n.º 1, presume-se que há culpa do devedor e, por isso, o credor não
precisa de a provar, bastará alegar que o devedor teve culpa no incumprimento, mas não terá
de provar essa culpa.

Assim, a consequência da presunção legal é a inversão das regras gerais do ónus da prova
(artigo 344.º, n.º 1), na medida em que agora compete à outra parte ilidir a presunção que a
prejudica, ou seja, caberá, no nosso exemplo, ao devedor fazer prova de que não teve culpa no
incumprimento, que o incumprimento não foi causado por sua culpa.

Portanto, quem invocar um direito subjectivo a seu favor deve provar os factos constitutivos
do direito, ou seja, os factos que sustentam ou suportam o seu direito, a não ser que, em relação
aos factos alegados, existam presunções e, de igual modo, na situação inversa, quem alegar os
factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado também há-de provar estes
factos.

A respeito das presunções legais distinguimos:

i. As presunções relativas ou iuris tantum, que são ilidíveis mediante prova em


contrário (temos aqui o já referido artigo 799.º e, como outros exemplos, podemos
referir os artigos 491.º, 493.º, 1260.º, n.º 2, 1268.º, n.º 2, e o artigo 7.º Código de
Registo Predial).

ii. As presunções absolutas ou iuris et de iure (com exemplos assinalamos os casos


previstos nos artigos 243.º, n.º 3, e 1260.º, n.º 3), que não admitem a elisão o que a
formulação da lei deixa bem claro ao dizer “considera-se sempre” e nesta medida, no
que respeita ao resultado prático, as presunções iuris et de iure são próximas de uma
ficção legal.

Todavia, não se deve confundir uma presunção com uma ficção, na medida em que
as ficções nunca correspondem a um facto real, mas a lei ficciona a existência ou a
não existência de factos para poder aplicar um determinado regime (como vimos na
aula anterior), enquanto que nas presunções a lei não inventa nada e apenas presume,
a partir da existência de um facto conhecido, a existência de um outro facto. Ao
contrário do que sucede com uma ficção, onde o facto fingido nunca é realidade, nas
presunções absolutas o presumido pode perfeitamente corresponder à realidade
como, aliás, muitas vezes será mesmo o caso.

Se de um facto decorre uma presunção legal (presumptio iuris) esta pode ser ilidível
ou não conforme a natureza da presunção. Em geral, as presunções legais podem ser
ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir (artigo
350.º, n.º 2, última parte), ou seja, proibir que se faça a prova em contrário. Neste
caso a presunção é absoluta. A regra é, portanto, que as presunções legais são
relativas, sendo as presunções absolutas a excepção.

iii. As presunções híbridas, que encontramos no contexto do direito da filiação, ou mais


precisamente, no contexto do estabelecimento da paternidade. Temos aqui os artigos
1826.º e 1871.º. No que respeita aos filhos nascidos ou concebidos na constância do
matrimónio, o artigo 1826.º diz que se presume a paternidade do marido da mãe,
enquanto que em relação aos filhos em que mãe e progenitor não estão casados, o
artigo 1871.º, n.º 1 enumera um leque de presunções, sendo a mais relevante delas a
da alínea e) que determina qua a paternidade se presume “quando se prove que o
pretenso pai teve relações sexuais com a mãe durante o período legal da concepção”.

As presunções híbridas assentam na lógica mater semper certa est – pater numquam
e para a sua elisão não se exige a prova em contrário pois a elisão faz-se com base na
“manifesta improbabilidade” num caso (artigo 1839.º, n.º 2, em relação ao artigo
1826.º) e devido a “sérias dúvidas” no outro (artigo 1871.º, n.º 2, em relação às
presunções do n.º 1).

Falta acrescentar que as presunções legais se apresentam também como normas não autónomas
na medida em que ao consagrar-se uma presunção o legislador remete-nos para o regime
jurídico aplicável do facto presumido ou pelo menos a tê-lo em consideração para efeitos de
aplicação do regime jurídico.

A finalidade principal da presunção é aliviar o ónus pesado que é o da prova de factos. Assim,
a lei, uma vez verificados e provados certos factos, presume outros abdicando da necessidade
de prova destes, a qual, aliás, pode ser deveras difícil como pode ser difícil também a elisão de
uma presunção (por exemplo, não é fácil ilidir a presunção do artigo 1268.º, n.º 1, 1.ª parte,
quanto à titularidade do possuidor).

c) Finalmente, as presunções judiciais, previstas no artigo 351.º, ou também comummente


designadas de presunções de facto (Anscheinsbeweis), são baseadas na experiência da vida e
são ilidíveis por simples contraprova. Basta alegar e provar a possibilidade real de que as coisas
se podem ter passado de forma diferente daquela que resulta da experiência normal da vida em
que se baseia a presunção. Por exemplo, o choque em cadeia de automóveis não resulta da falta
de atenção ou do desrespeito da distância indicada pelo condutor do carro seguinte, que será o
caso normal, mas deve-se a uma travagem brusca, não previsível e não justificada do condutor
do automóvel da frente. Porém, o recurso a presunções judiciais só é possível nos casos em que
é admitida a prova testemunhal (artigo 392.º), ou seja, em situações em que o facto em causa
não deve constar de um documento (artigo 393.º, n.º 1). O mesmo é dizer que se não for
admissível prova testemunhal sobre um facto, também não poderá esse facto ser objecto de
uma presunção judicial16. De resto, de entre todas as provas admitidas, nos artigos 362.º e
seguintes, a prova documental é, ainda antes da prova pericial ou da prova por inspeção, a
melhor prova. A prova menos fiável é a prova testemunhal.

10. A tutela de direitos subjectivos


Como sabemos, decorre das normas do direito objectivo (privado e público) a atribuição ou o
reconhecimento de direitos subjectivos (privados ou públicos) e a determinação dos deveres e
obrigações correspondentes.

Sob pena de valerem pouco ou nada, os direitos subjectivos necessitam de ser protegidos, seja
preventivamente contra a possibilidade da sua violação, ou, tendo esta se verificado,
posteriormente pela atenuação ou eliminação dos efeitos da mesma e/ou pela reparação dos
danos causados pela violação.

16
Por exemplo, a falta de um documento exigido não é suprível por testemunhas do mesmo modo que testemunhas
não podem afastar um facto provado por documento.
Há, portanto, a necessidade da tutela dos direitos subjectivos o que envolve, simultânea e
indirectamente, a defesa do direito objectivo que os concede.

Os meios de tutela ou defesa são a autotutela e a heterotutela, sendo esta o meio regular.

10.1 A heterotutela
A heterotutela é o caso normal num Estado de Direito. É a tutela pública, que consiste na
consagração de mecanismos legais a partir dos quais se exerce a protecção jurídica efectiva dos
direitos, assegurando o cumprimento das normas jurídicas e aplicando, coercivamente se for
necessário, as consequências jurídicas para a violação das mesmas.

A heterotutela é o resultado da evolução social que acabou por afastar a “justiça privada”.
Sendo o Estado o principal criador das leis (do direito objectivo) ao decidir a juridificação das
normas de conduta, compete-lhe também impor a sua observância e a protecção dos direitos
subjectivos por via coerciva, isto é, de lhes dar garantia jurídica. A heterotutela pode ser
judiciária ou administrativa.

A estas atribuições do Estado corresponde o direito ou a garantia fundamental e não limitada


de todos consagrada no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição que proclama “a todos é assegurado
o acesso ao direito e aos tribunais para a defesa dos seus direitos e interesses legalmente
protegidos”, sendo este acesso reforçado ainda pela afirmação “não podendo a justiça ser
denegada por insuficiência de meios económicos”. Isto significa, logo à partida, sob pena de
inconstitucionalidade, que as custas judiciais devem ser socialmente adequadas e obedecer ao
princípio da proporcionalidade e não podem ser proibitivas ou inibitórias, inviabilizando de
facto o acesso aos tribunais.

10.1.1 A tutela judiciária


Assim, sendo a heterotutela o caso normal num Estado de Direito, ela pressupõe regularmente
o recurso aos tribunais. Sirva como exemplo o princípio geral enunciado no artigo 817.º para
o caso do incumprimento de uma obrigação: “Não sendo a obrigação voluntariamente
cumprida, tem o credor o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento.” Deste modo,
inicia-se um processo judicial. Aqui temos, como primeira fase, o processo declarativo em que
são apreciados os factos provados e é decidido o litígio com a sentença que condena o devedor.
Se, ainda assim, a parte condenada não cumpre a decisão judicial, segue-se como segunda fase
o processo executivo, em que se apreendem os bens patrimoniais do devedor susceptíveis de
penhora (artigo 601.º) e o produto da sua venda judicial destina-se a satisfazer o credor17.

Portanto, a tutela judiciária é garantida pelos tribunais que, em sintonia com a lógica do
princípio da heterotutela, têm uma relevância proeminente. Os tribunais administram a justiça
em nome do povo.

10.1.1.1 A relevância dos tribunais, que são órgãos de soberania, reflecte-se na sua consagração
constitucional. A Parte III da Constituição regula a organização do poder político do Estado,
ou seja, o seu estatuto organizatório, e, dentro desta Parte III, o Título V, que abrange os artigos
202.º a 220.º, destina-se aos tribunais, enquanto o Título VI, que abrange os artigos 221.º a
224.º, se dedica ao tribunal constitucional.

Quanto à organização dos tribunais (regulada nos artigos 209.º a 214.º da Constituição),
sucintamente, distinguimos:

a) Os tribunais judiciais ou comuns, as suas instâncias e competências especiais (definidos


nos artigos 209.º, n.º 1, alínea a), 210.º e 211.º);

b) Os tribunais administrativos e fiscais, organizados em tribunais de círculo, tribunais


centrais, Supremo Tribunal Administrativo (artigos 209.º, n.º 1, alínea b), e 212.º);

c) O Tribunal de Contas (artigo 214.º) cuja função não é decidir litígios, mas antes
fiscalizar a legalidade das despesas públicas.

d) Estando o País em guerra, serão constituídos tribunais militares aos quais comete julgar
crimes de natureza estritamente militar (artigo 213.º).

O estatuto dos juízes dos tribunais judiciais vem regulado nos artigos 215.º a 218.º da
Constituição, sendo de realçar as competências do Conselho Superior da Magistratura (artigo
218.º) que, atendendo à sua composição específica, possui alguma legitimidade democrática
que, de um modo indireto, se repercute nos tribunais.

17
Em comparação, quanto às obrigações do cidadão em relação ao Estado temos, por exemplo, a liquidação do
imposto com o apuramento do valor a pagar e, não havendo o pagamento voluntário dentro do prazo fixado, inicia-
se de imediato o processo de execução fiscal em que igualmente se apreendem os bens patrimoniais do devedor
susceptíveis de penhora e o produto da sua venda destina-se a pagar ao Estado.
Em termos procedimentais, os processos são de certo modo comparáveis: a liquidação de um imposto apresenta,
olhando para a actuação do funcionário dos serviços de finanças, alguma semelhança com a do juiz no processo
declarativo.
Ao contrário dos tribunais que são órgãos de soberania (artigo 202.º, n.º 1), o Ministério Público
(artigos 219.º e 220.º) não é órgão de soberania e também não pertence à Administração
Pública; ele goza de um estatuto próprio e de autonomia, pois não depende do Ministério da
Justiça.

Com a desjudicialização de diversos processos sem natureza litigiosa, sobretudo no âmbito do


Direito da Família, foram reduzidas as competências dos tribunais e alargadas as do Ministério
Público (que, por exemplo, passou a ter competência para a autorização de actos dos pais como
representantes dos filhos a respeito de disposições patrimoniais) bem como da Administração
Pública na medida em que foram atribuídas competências às Conservatórias do Registo Civil,
em matéria de divórcios não litigiosos, baseado no argumento de que aos tribunais compete
decidir litígios.

Finalmente, para evitar dúvidas: toda a polícia pertence à Administração Pública (artigo 272.º).

O Tribunal Constitucional (artigos 221.º a 224.º) é especificamente competente para


administrar a justiça em matérias de natureza jurídico-constitucional; do processo da sua
composição resulta que tem legitimidade democrática. Além da sua competência de apreciar a
inconstitucionalidade e a ilegalidade de actos ou omissões nos termos dos artigos 277.º a 283.º
(artigo 223.º, n.º 1) pertencem ao tribunal ainda as competências exclusivas que lhe são
atribuídas pelos n.os 2 e 3 do artigo 223.º.

10.1.1.2 É um princípio elementar de qualquer Estado de Direito que os tribunais são


independentes e apenas sujeitos à lei (artigo 203.º da Constituição) e os juízes não podem ser
responsabilizados pelas suas decisões, salvas as excepções consignadas na lei (artigo 216.º, n.º
2, da Constituição).

As decisões devem ser tomadas de maneira estritamente imparcial, como vem simbolizado
pelos olhos vendados da JUSTITIA, e justa, como vem simbolizada pela balança que a JUSTITIA
segura na sua mão esquerda, sendo coercíveis, simbolizado pela espada que a JUSTITIA tem na
sua mão direita.

O próprio juiz é uma figura neutra e sua neutralidade ganha expressão formal e simbólica pela
toga (beca) que veste em sinal de ser unicamente representante da lei que há-de aplicar. Fica
deste modo explícito o seu estatuto elevado em relação às partes de que se mantém distante.
Todavia, nada garante que um juiz seja insensível ou não vulnerável em relação ao Zeitgeist (o
ambiente dominante geral ou mainstream social) que não pode desconhecer e que o possa
afectar, a factores ou circunstâncias emocionais divulgadas com grande destaque pelos meios
da comunicação social, ou a considerações políticas que também o possam influenciar18.

10.1.1.3 O princípio da irresponsabilidade do juiz – consagrado no artigo 216.º, n.º 2, 1.ª parte,
da Constituição (os juízes não podem ser responsabilizados pelas suas decisões) – tem sido
defendido na sequência do princípio da separação dos poderes com a necessidade da
independência do poder judicial dos restantes poderes do Estado aos quais não são permitidas
quaisquer intromissões na esfera jurisdicional e em relação aos quais o juiz não responde.
Todavia, o princípio da independência do poder judicial ou do juiz dos restantes poderes do
Estado e a irresponsabilidade daí resultante – que é plenamente justificado – não pode ser
confundido com uma irresponsabilidade pessoal, pura e simples. Trata-se de aspectos bem
distintos.

Do mesmo modo que sucede em relação a todas as profissões prestadores de serviços, também
o juiz – que presta um serviço e não exerce um poder e para o qual a humildade é, em
comparação com outras profissões, a característica mais relevante – deve ser, se for caso disso,
responsabilizado (artigo 216.º, n. º, 2.ª parte). Até por maioria de razão, exactamente em
consideração do valor elevado deste seu serviço para a comunidade e do seu papel inestimável
num Estado de Direito democrático, ao qual consagra os serviços da maior relevância e valia:
a garantia da justiça, como resultado da sua fidelidade à lei, e, ao mesmo tempo, a garantia da
paz social.

Ninguém é infalível (errare humanum est) e ao ser decidido um caso em tribunal sempre podem
ocorrer erros judiciários. São os artigos 12.º a 14.º da Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro19,
aprovada, contra o veto do Presidente de República, por unanimidade pela Assembleia da
República, que assumem e regulam a responsabilidade do Estado por erros judiciários
cometidos pelos juízes nas suas funções. Segundo o artigo 369.º do Código Penal (denegação
de justiça e prevaricação), um juiz que decide, conscientemente contra o direito, é punido,
como é punido também o juiz que, com negligência grosseira, ordena ou executa medida
privativa de liberdade de forma ilegal.

18
Neste contexto tem interesse o estudo de Wladimir BRITO, Os Juízes e a Política. O mito da apolicidade dos
juízes, Scientia Iuridica, Tomo LXX, n.º 355, Jan/Abril 2021.
Todavia, de acordo com estudos feitos a este respeito, em Portugal as decisões dos tribunais não são
influenciadas por factores não legais como o género, o estatuto pessoal, a nacionalidade e a profissão de agressores
ou vítimas, etc.
19
Alterada pela Lei n.º 31/2008, de 17 de Julho.
As decisões dos tribunais são fundamentadas (artigo 205.º, n.º 1, Constituição): o processo da
aceitação das provas, da avaliação dos factos, da interpretação e aplicação da lei deve ser
transparente; é necessário tornar perceptível a objectividade de cada decisão bem como as
circunstâncias que influenciam o processo mental que a ela conduz. Para este efeito contribui
também que as audiências em tribunal são públicas (artigo 206.º da Constituição). A
publicidade constitui uma garantia processual elementar. É difícil conceber que haja opiniões
absolutamente neutras ou um uso linguístico absolutamente neutro e é também daí que resulta
a exigência da transparência das fundamentações subjacentes à decisão.

10.1.1.4 No contexto da aplicação das leis pelos tribunais deve ser referido o chamado direito
judiciário (o direito jurisprudencial ou de jurisprudência). Aqui estamos perante complexos
normativos ou sistemas construídos a partir de conceitos jurídicos indeterminados e/ou de
cláusulas gerais ou de preenchimentos de lacunas na lei. A partir de muitos casos ocorridos e
decididos temos concretizações sucessivas do conteúdo de conceitos jurídicos indeterminados
ou de cláusulas gerais das quais com o tempo acabam por resultar tais sistemas (algumas vezes
praeter legem). Neste contexto inserimos também uma jurisprudência fixada ou estabelecida
pelos Supremos Tribunais que na prática – embora não vincule obrigatoriamente o julgador –
serve de precedente em que se orientam novas decisões. O julgador (juiz) utiliza estes
instrumentos para fazer evoluir o direito designadamente a partir de conceitos jurídicos
indeterminados como a boa fé ou de cláusulas gerais como os bons costumes. O recurso a
conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais, aponta precisamente para esta evolução
actualizante, admitida pelo legislador20.

De qualquer maneira, o juiz está sempre vinculado pelas finalidades, princípios, critérios e
decisões valorativas da lei, a começar pela Constituição, cujas normas, princípios e finalidades
influenciam especificamente a concretização das cláusulas gerais e dos conceitos jurídicos
indeterminados. Seja como for, devido à evolução referida, o juiz passa de um “simples”
aplicador de normas a um agente activo do Direito e da sua evolução dinâmica.

10.1.2 A tutela administrativa


Para além da tutela pelos tribunais temos ainda a tutela administrativa.

20
O fenómeno não está isento de dúvidas porque, por definição, não é tarefa do juiz construir soluções legais e,
com isso, atuar como um legislador. Ao juiz advém um poder que, em princípio, não lhe compete: os tribunais
devem administrar a justiça e estão sujeitos às leis, mas não as fazem.
O sentido do princípio da separação dos poderes é precisamente que os órgãos legislativos, executivos e
judicativos se controlam e limitam mutuamente com o objectivo de moderar o poder do Estado e proteger a
liberdade do indivíduo. Assim, BVerfGE 9, pp. 268, 279 = NJW 1959, pág. 1171.
A Administração é distinta da Jurisdição e sua finalidade consiste essencialmente em realizar
os objectivos próprios da Administração e do Estado, sendo a sua função activa concretizar os
fins estaduais, nomeadamente, praticar actos administrativos, ou seja, actos unilaterais que –
que à semelhança do modo de exercício de um direito potestativo entre particulares – produzem
efeitos num caso individual e concreto que se impõem ao cidadão, implementar planos ou leis
ou controlar ou condicionar actividades económicas (e, neste campo, o Direito Administrativo
da Economia tem uma relevância cada vez maior) ou encerrar estabelecimentos comerciais por
razões de saúde pública. Aliás, neste contexto surge o privilégio da execução prévia, com o
controlo judicial posterior do acto praticado, necessário no âmbito da tutela preventiva.

A tutela dos cidadãos é assegurada em dois sentidos:

a) pelas garantias dadas pela própria Administração, cujos actos obedecem ao princípio
da legalidade e são praticados de forma imparcial e isenta, que criam confiança nos
cidadãos e dão-lhes proteção e, ainda;

b) pelas garantias ou defesas dos administrados (cidadãos) contra actos ilegais da


Administração.

A Administração pública aplica as leis, as normas jurídicas, de acordo com os princípios da


legalidade21 – que caracteriza todo o direito público – e, ainda, da oportunidade. Estes dois
princípios têm essencialmente relevância no direito administrativo e visam garantir a
imparcialidade e isenção da Administração e o tratamento igual dos cidadãos perante a lei.

Mas não é de excluir que pode haver actos administrativos ilegais ou desvios de poder que
lesam os cidadãos nos seus direitos subjectivos. Nestes casos pode haver ou um recurso
hierárquico (gracioso) dentro da estrutura administrativa ou um recurso contencioso para os
tribunais administrativos e fiscais para impugnar o acto da Administração com o fim de obter
a sua revogação ou anulação.

a) Dito isto, dentro do princípio da legalidade, distinguimos:

I. Decisões vinculadas: os actos administrativos devem conformar-se na estrita


obediência à lei que lhes serve de fundamento e cujas normas não deixam ao agente
margens decisórias nenhumas o que sucede na liquidação de impostos; ou na

21
As relações jurídicas entre particulares, por seu lado, são reguladas pelo direito privado e obedecem a uma
lógica bem diferente, partindo da igualdade entre os particulares, vale o princípio da autonomia da vontade.
justificação de multas ou coimas. Contudo, o texto da norma aplicável pode conter
conceitos indeterminados e/ou cláusulas gerais;

II. Decisões discricionárias: também aqui, evidentemente, os actos devem conformar-se


em obediência à lei que lhes serve de fundamento, mas que confere certas margens
decisórias para o agente escolher, de acordo com os princípios da proporcionalidade e
da igualdade, a partir de critérios de avaliação e ponderação, perceptíveis e
transparentes, aquela medida que entre as várias medidas possíveis se oferece como a
mais adequada à situação concreta22; estamos perante o exercício de um poder
discricionário circunscrito, delimitado, não havendo nunca lugar para uma plena
liberdade decisória e ainda menos para a arbitrariedade;

III. Discricionariedade na apreciação de conhecimentos ou competências (v. g., em provas


ou concursos) em que a apreciação ou avaliação implica sempre certa liberdade de
quem a faz, por exemplo os membros de um júri. Esta apreciação é feita de acordo e
dentro de estritas regras formais que são previamente estabelecidas e publicadas. A
avaliação em si não é judiciável, isto é, o juiz não se pode substituir a quem fez a
apreciação ou avaliação e para a qual nem sequer terá os conhecimentos necessários.
Mas observância ou não das regras formais dentro das quais se procede à avaliação já
é sindicável pelo tribunal. Assim, a decisão tomada em consequência da apreciação,
por exemplo, a seriação dos candidatos, está vinculada pelo resultado desta e, nesta
medida, também pode ser judicialmente controlada.

b) Quanto ao princípio da oportunidade vale que determinadas decisões são tomadas


oportunamente. O órgão administrativo ou o funcionário (o agente) deve adoptar, por
lei que lhe confere as respectivas competências, certas condutas a tomar oportunamente
sem já estar previamente vinculado a uma obrigação ou actuação determinada por esta
lei. Pois sucede que as medidas a tomar dependem de circunstâncias que, por não serem
previsíveis para qualquer eventualidade, condicionam as actuações indicadas na
situação concreta. O princípio da oportunidade tem muita relevância para a actuação
dos órgãos de segurança, nomeadamente dos órgãos policiais. A lei estabelece hipóteses
e pressupostos para a intervenção do agente e, verificados estes, permite a actuação em

22
Por exemplo: a ponderação de intervir ou não na salvação de um Banco e, em caso afirmativo, em que medida
e por quanto tempo; a escolha da prioridade entre diversas obras públicas necessárias e urgentes para a
conservação da rede viária, tendo em conta as limitações orçamentais existentes, etc.
conformidade com as necessidades que surgem face à situação concreta23. As decisões
são tomadas oportunamente (ad hoc), embora sempre enquadrados nos pressupostos
gerais que justificam a atuação.

23
Por exemplo: tendo havido um acidente, o agente da polícia pode indicar uma faixa geralmente interdita no
sentido de contribuir para uma maior fluidez do trânsito; ou, para facilitar que uma pessoa com deficiências físicas
possa sair de um carro, o polícia pode permitir uma curta paragem num lugar onde ela é proibida; ou, para
viabilizar uma manifestação sem dificultar em demasia a circulação de pessoas ou viaturas e ao mesmo tempo
garantir a segurança pública a polícia pode tomar as medidas pontuais indicadas e, para manter a ordem pública,
pode escolher entre várias actuações possíveis que são adequadas à situação, recorrendo ou não à força.

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